Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
Descritores: | SOCIEDADE ANÓNIMA DIREITO À INFORMAÇÃO RECUSA ILICITUDE INQUÉRITO JUDICIAL | ||
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Data do Acordão: | 04/02/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DAS SOCIEDADES – SOCIEDADES ANÓNIMAS / OBRIGAÇÕES E DIREITOS DOS ACCIONISTAS / DIREITO À INFORMAÇÃO. | ||
Doutrina: | - Carlos Maria Pinheiro Torres, O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, 1998, p. 217; - Diogo Lemos e Cunha, O Inquérito Judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, Revista da Ordem dos Advogados, Janeiro-Junho 2015, Ano 75, p. 332 e 333; - Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Volume I, p. 308 e 309. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 291.º, N.º 4 E 292.º, N.º 6. | ||
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Sumário : | I - À sociedade anónima só é lícito recusar a informação pedida por um acionista quando o pedido for abusivo, quando se receie que o acionista a vá utilizar para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum acionista, quando possa prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas, e quando se traduza na violação de segredo imposto por lei. II - O direito mínimo à informação, previsto no artigo 288º do CSC, traduz-se num direito de consulta, a exercitar, em regra, na sede da sociedade. III - Só deve ser ordenado inquérito judicial à sociedade, por recusa do direito de informação previsto no artigo 288º do CSC, quando se mostre de todo impraticável ou muito difícil a obtenção da informação por outra via. | ||
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Decisão Texto Integral: |
PROC. N.º 304/16.0T8LRA.C1.S1 REL. 66[1]
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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AA, residente na rua do ..., n.º …, ..., ..., ..., requereu, com invocação do disposto nos artigos 216º e 292º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e no artigo 1048º do Código de Processo Civil (CPC), inquérito judicial à sociedade BB, S.A. com sede na rua ..., n.º …, …. Alegou, em síntese, que - Era sócio da requerida; No final da alegação pediu, nos termos do disposto no artigo 292º, n.º 6 do CSC, que se procedesse a inquérito da requerida, sem precedência do pedido de informações à sociedade, com suspensão imediata do cargo dos acima identificados titulares dos cargos do conselho de administração, nos termos do artigo 1056º do CPC e ainda que, no âmbito do inquérito, se procedesse: Mais requereu:
A sociedade requerida, a presidente do conselho de administração e o vogal contestaram. Alegaram, em resumo, que: - O Requerente é parte ilegítima; - A recusa na prestação de informação foi lícita; - O pedido do Requerente no sentido de se proceder a inquérito sem precedência de pedido de informações à sociedade e suspensão imediata dos cargos de administrador não estava em condições de proceder. Para a hipótese de o Requerente demonstrar a sua qualidade de accionista, pediram os Requeridos que os presentes autos se restringissem aos limites legais impostos ao direito à informação consagrados no artigo 288.º do CSC, indeferindo-se o demais. Pediram ainda que se indeferisse o pedido de suspensão dos órgãos sociais, por o presente processo não ser a sede própria para o efeito nem a suspensão ser admissível.
A excepção de ilegitimidade foi julgada improcedente e o processo seguiu os seus termos.
Na audiência realizada, a sociedade requerida requereu a junção de vários documentos.
Após a realização da audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido de realização de inquérito.
O Autor não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgasse a acção procedente, determinando a realização de inquérito à sociedade e a prossecução dos autos para serem efectuadas as diligências pertinentes à averiguação de todos os factos alegados com vista a que o tribunal pudesse determinar as medidas cautelares convenientes à garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores sociais, com custas a cargo da requerida, sob pena de se violar o disposto nos artigos 21º, 214º, 215º, 216º, 288º e 292º, todos do Código das Sociedades Comerciais, artigo 576º do Código Civil, e artigos 527º e 1048º a 1051º, do Código de Processo Civil.
Os Requeridos responderam ao recurso. Nessa resposta alegaram que o recurso versava sobre matéria de facto, mas que nessa parte devia ser rejeitado, por não cumprir os requisitos legais; que o recorrente não cumpriu o ónus de alegação na parte em que o recurso versava sobre matéria de direito, pois não indicou as normas alegadamente violadas, o sentido que devia ter sido considerado e o eventual erro na determinação da norma aplicável; e que, caso assim se não entendesse, o recurso sempre deveria ser julgado improcedente.
No despacho liminar, o Ex.º Desembargador relator apreciou a questão da rejeição do recurso, desatendendo a pretensão dos recorridos. Nesse despacho, determinou-se ainda a notificação do recorrente e dos recorridos para se pronunciarem sobre a questão da licitude da recusa de informação, justificando-se essa notificação com base no seguinte: “A sentença sob recurso julgou improcedente o pedido de inquérito à sociedade, dizendo que não tinha havido recusa do dever de prestar informação e considerou, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão da licitude da recusa da informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, suscitada pelos requeridos na contestação. No caso de a apelação proceder, caberá à Relação conhecer de tal questão se dispuser dos elementos necessários (n.º 2 do artigo 665.º do CPC), pelo que, nos termos do n.º 3 deste preceito, impunha-se ouvir as partes sobre tal questão” - cfr. fls. 539, verso.
O recorrente pronunciou-se sobre tal questão alegando, em resumo, que a recusa de informação fora ilícita e que a invocada licitude da recusa constitui abuso de direito e ofende os bons costumes.
Os recorridos alegaram que a recusa de informação foi lícita, não só pelo comportamento que o Requerente adoptou em relação à sociedade, mas também porque não demonstrou a sua qualidade de accionista aquando do pedido de informação.
A Relação de Coimbra julgou procedente a apelação e, em consequência, emitiu a seguinte decisão: “Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se e substitui-se a decisão recorrida por outra a determinar que a requerida satisfaça ao requerente o direito à informação pedida ao abrigo do artigo 288º do CSC e nos termos em que este a consente. Considerando que os recorridos ficaram vencidos na acção e no recurso, ao abrigo do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 527º do CPC, condenam-se os requeridos nas custas da acção e do recurso”.
Interpõem, agora, os Requeridos recurso de revista, no qual formulam as seguintes conclusões: XXI. Sendo que o Douto Tribunal da Relação presume do facto da Sociedade ter realizado um agendamento de data para a entrega dos elementos que a mesma reconhecia a legitimidade como acionista. XXII. Tal decisão de facto viola o consagrado no n.º 2 do art. 236° do CC ao interpretar declaração em sentido contrário, mormente quando era conhecida a vontade real do declarante, pois o Autor bem sabia que a demonstração da qualidade de acionista teria de ser feita aquando da entrega dos documentos. XXXI. Entre estes comportamentos encontra-se o ocorrido no dia 5-02-2015 (véspera do agendamento) em que o autor questionou funcionários da Sociedade quanto ao procedimento de produto e origem de matéria prima, retirando depois amostra de produto da Sociedade. XXXII. Sendo que a Sociedade tem como principal cliente a ... para quem trabalha em fornecimento contínuo e com stockagem de produto próprio - factos provados 19 a 22 e 31 a 52 da decisão transitada em julgado (vide doe. 1 da contestação) XXXIX. Ora, o Douto Acórdão em recurso viola o próprio art. 527° do CPC e a repartição na proporção do vencimento prevista no seu n° 2. XL. Mais, o Douto Acórdão viola frontalmente o n°1 do art. 1052° do CPC, que sendo norma especial não pode ser derrogada e que prevê a responsabilidade exclusiva do requerente nos processos de inquérito - salvo quando ordenada medidas cautelares o que não é o caso sub iudice - sendo por isso ilícita e ilegal a Douta Decisão ao nível das custas, devendo se manter a condenação exclusiva e integral do Autor nas custas do processo em sede dos presentes autos. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser: a) Deverá ser julgada procedente a Revista, e consequentemente ser: b) Por mera cautela de patrocínio, não procedendo a nulidade da súmula da decisão será ser ordenada a rectificação do lapso de escrita nos termos do art. 614° ex via art. 666° ambos do CPC. c) E sempre ser revogada a decisão ao nível da responsabilidade pelas custas, substituindo-se a mesma por decisão que fixe a exclusiva responsabilidade do Autor nos termos do n° 1 do art. 1052° do CPC.
Por sua vez, o Autor interpôs recurso subordinado, concluindo do seguinte modo: I – Nos presentes autos de inquérito formula o Recorrente os seguintes pedidos, conforme tudo também melhor consta em A-1 das presentes alegações: I. Se proceda a inquérito à sociedade requerida, sem precedência do pedido de informações à sociedade, com suspensão imediata do cargo dos acima identificados titulares dos cargos do Conselho de Administração. - No âmbito do inquérito se proceda à averiguação da regularidade da situação económico-financeira da requerida e da sua conexão com os desequilíbrios verificados com a actividade desenvolvida pelos seus actuais administradores. - Auditoria às contas dos exercícios dos últimos cinco anos. - Análise económico-financeira comparativa inter-anual, sectorial e percentual dos últimos cinco exercícios e respectivos comentários. - Levantamento plurianual das rubricas relacionadas com comissões, artigos para oferta, despesas não documentadas e quaisquer outras rubricas de carácter duvidoso e respectivas conclusões. - Análise de consumos-coeficientes técnicos de produção com dados do sector. - Análise exaustiva das encomendas e ordens de produção, cruzando-as com as guias de remessa, respectivas facturas e o controle de existências. - Averiguação de todas as estruturas de custo atribuídas à administração, incluindo ordenados, subsídios, ajudas de custo e outras concessões, como carros, combustíveis, refeições, deslocações, telemóvel, seguro, cartões de crédito e quaisquer outras despesas pagas com análise comparativa inter-anual e respectiva evolução. - Análise dos últimos cinco anos dos movimentos relacionados com as contas de suprimentos-autorizações das Assembleias Gerais, suporte documental, meios e critérios de pagamento. - Análise detalhada das compras de matérias-primas ou outros, comparando com preços de mercado e restantes condições alternativas. - Averiguação da correspondência entre as receitas efectivamente recebidas pela requerida e as constantes da contabilidade e das existências. II- Seja nomeado um administrador à requerida atribuindo-se-lhe os poderes estatuídos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 292º do Código das Sociedades Comerciais. III- Sejam destituídas da gerência as pessoas cuja responsabilidade por actos praticados no exercício de cargos sociais tenha sido apurada. IV- Sejam tomadas quaisquer outras medidas ou providências, que face ao apuramento dos factos, melhor se entenda por convenientes à cabal satisfação da situação em apreço. II – Para o efeito, conforme tudo também melhor consta do Relatório da D. Sentença da 1ª Instância do D. Acórdão ora recorrido e duma leitura da p.i., o Recorrente alega não só que a Recorrida não lhe facultou a consulta na sua sede dos elementos da escrita que lhe solicitou ao abrigo do disposto nos Artº 21º e 288º ambos do C.S.C. e Artº 576º do Cód. Civil, e o impediu de comparecer na Assembleia Geral Ordinária convocada para 20 Maio 2015, III – Como também ainda vem praticando negócios menos claros, os quais pormenorizou nos Artº 43º a 103º da sua p.i., também constantes em 9) das presentes alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, IV – os quais indiciam uma dolosa administração da vida e giro comercial da Requerida, que a persistirem, podem causar dano irreparável à sua estrutura económico-financeira, V – motivo porque o objectivo do presente inquérito não é tão somente o de acesso aos documentos contabilísticos e outros ínsitos no Artº 288º do C.S.C., mas também o da apreciação dos actos de gestão da sociedade em que se verificam indícios da existência de irregularidades e ainda o de determinar e averiguar a veracidade, abrangência e idoneidade constante dos relatórios de gestão. VI – Conforme tudo de igual modo consta em A-2 e 3 das presentes alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidas, depois de descriminar as questões suscitadas pelo recurso interposto pelo Requerente da D. Sentença de 1ª Instância, de descrever os factos considerados provados e de apreciar o segmento da D. Sentença que indeferiu o inquérito judicial, veio conforme também aí melhor consta a considerar “não merecer qualquer reparo à decisão sob recurso por não ter ordenado inquérito ao abrigo do disposto do nº6 do Artº 292º do C.S.C.”(SIC). VII – Porém, e salvo o devido respeito que é MUITO pelo sentenciado na parte do D. Acórdão de que ora se discorda, mormente quando na parte final de fls. 14 e a fls. 15 do mesmo aí se refere: “…Isto é, para se proceder a inquérito ao abrigo do preceito acima indicado não basta pedir inquérito sem precedência do pedido de informações à sociedade. Foi, no entanto, o que o autor fez. Na verdade, pediu inquérito nos termos previstos no n.º 6 do artigo 292.º, mas não disse em nenhum passo da petição que o estava a fazer por pretender uma determinada informação, mas suspeitar que ela lhe não seria dada pela administração da requerida. O autor não o disse e o tribunal, que podia investigar livremente os factos (n.º 2 do artigo 986.º do CPC), também não considerou provados factos que justifiquem o inquérito sem precedência de pedido de informações à sociedade. Por todo o exposto, não merece qualquer reparo a decisão sob recurso por não ter ordenado inquérito ao abrigo do n.º 6 do artigo 292.º do CSC…”(SIC), como infra se explicitará. VIII - Com efeito, porque o Requerente fundamentou o seu pedido de inquérito à sociedade, por, tal conforme tudo melhor consta do D. Acórdão ora recorrido lhe ter sido recusada informação pedida ao abrigo do 288 e 291º ambos do CSC e com inteira violação do disposto no Artº 292º, nº1 do mesmo Diploma Legal, XIX – recusa de informação essa que, conforme tudo também melhor consta a fls. 17 e 18 do D. Acórdão ora recorrido foi considerada existir, por tal como aí se refere: “… Assim, estando provado que o autor solicitou à requerida informação ao abrigo do n.º 1 do artigo 288.º do CSC e que a requerida não permitiu que o autor consultasse na sede da sociedade os livros e os documentos referidos nas várias alíneas de tal preceito, é de afirmar que foi recusada ao autor informação pedida ao abrigo do artigo 288.º.
X – desnecessário se mostrava alegar, até porque incongruente face à recusa (ou seja à inexistência de qualquer informação), que o Requerente recebeu informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, conforme tudo também melhor consta do D. explanado e decidido, entre outros, nos Ac. do S.T.J. de 29.10.2013 (Proc. 3829/11.0TBVCT.B1.S1), Ac. do S.T.J. de 18.02.2004 (Proc. 04B2547) ambos em www.dgsi.pt, mormente quando neles se refere: “O direito do sócio, requerer inquérito judicial releva, não apenas quanto ao fornecimento de informação como, também, em caso de recurso do direito de consulta ou de informação sobre a vida da sociedade…”(SIC). “A titularidade de 10% do capital social (por parte do Requerente ou do conjunto de Requerentes) – atente-se que, dizemos nós, no caso de transmissão de quotas para uma pluralidade de herdeiros, os contitulares de quota social como sucede com a autora – aqui o ora Requerente/Recorrente – adquirem a qualidade de sócios – neste sentido Ac. do S.T.J. de 12.12.1956 in BMJ nº 62, 492 e Ac. do STJ de 11.12.1966 in BMJ nº 154 – 353, RT nº 75º, 114 e RT nº 84º, 205 – é pressuposto indispensável ao pedido de inquérito judicial nos termos do artigo 292.º CSC, quer a informação tenha sido recusada, quer no caso de ela ter sido presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.” (SIC), XI – deveria o D. Acórdão ora recorrido ter determinado a realização de inquérito à sociedade, com o prosseguimento dos autos para serem efectuadas as diligências pertinentes às medidas cautelares julgadas convenientes à garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores sociais, sob pena de se violar o disposto nos Artºs. 21º, 214º, 215º, 216º, 288º e 292º todos do C.S.C., Artº 576º do C.C. e Artº 527º e 1048º a 1051º todos do C.P.C.. XII – Esses os motivos porque a Mma. Senhora Juíza de 1ª Instância, refere a fls. 3 da D. Sentença: “Determinou-se o prosseguimento da lide com vista a apurar se há motivos para proceder a inquérito, ressalvando-se que as demais pretensões seriam apreciadas uma vez concluído o inquérito; e que a pretensão de suspensão imediata do cargo, enquanto medida cautelar eventualmente susceptível de enquadramento no artigo 1050º do Código de Processo Civil e no artigo 292º/4 do Código das Sociedades Comerciais, seria apreciada depois de se decidir se há motivos para proceder ao inquérito…” (SIC). XIII – Comprovativo de que a pretensão do Requerente – determinar- se a realização do inquérito à sociedade requerida – deverá proceder, atente-se não só ao facto de, como vem sendo doutrinal e jurisprudencialmente defendido, o direito à informação que um sócio pode solicitar à sociedade contém o direito à informação propriamente dita, no direito à consulta e no direito à inspecção ”(neste sentido, entre outros, Ac. Trib. Relação Évora de 18.06.2009 in www.dgsi.pt (Proc. 1065/07.0TBOLH-A.E1), XIV – Assim, porque o D. Acórdão proferido nos presentes autos indeferiu o peticionado pedido de inquérito judicial com fundamentação diferente da proferida na D. Sentença de 1ª Instância em contradição, entre outros, com os D. Acórdãos já transitados em julgado “ut supra” referidos –Ac. S.T.J. de 29.10.2013, Ac. S.T.J. de 18.02.2004, ambos em www.dgsi.pt, Ac. S.T.J. de 12.12.1956 in BMJ nº 62, 492 e Ac. S.T.J. de 11.12.1966 in BMJ – 154 – 353, Ac. Trib. Relação Évora de 18.06.2009 e Ac. Trib. Relação Porto ambos in www.dgsi.pt – e sob a mesma questão fundamental de Direito – Artº 672º, nº 1, alínea c) do C.P.C., XV – deverá nos seus precisos termos, nos melhores de Direito e sempre com o D. suprimento de Vossas Excelências ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se em consequência a parte do D. Acórdão da Relação ora recorrido, substituindo-a por outra que determine a realização de Inquérito à referida sociedade, sob pena de se violarem os acima citados dispositivos legais – Artº 21º, 214º, 215º, 216º, 288º e 292º todos do C.S.C., Artº 576º do C.C. e Artº 527º, 633º, 671º, nº 1 e 3 e 672º, nº 1, alínea a) e 1408º a 1051º todos do C.P.C.
As Requeridas responderam ao recurso subordinado, manifestando-se no sentido da sua inadmissibilidade por haver uma situação de dupla conformidade das instâncias no tocante à questão que nele vem colocada.
Na conferência, e na sequência da arguição das nulidades do acórdão descritas nas alegações da revista dos Requeridos, o colectivo de Desembargadores rectificou a parte dispositiva desse acórdão que passou a ter a seguinte redacção:
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes, as questões que cumpre decidir são: A. No recurso principal: a) O acórdão recorrido é nulo? b) Foi recusada ao Autor a informação que solicitou ao abrigo do artigo 288º do CSC? c) A recusa foi lícita? d) A junção aos autos dos elementos informativos que o Requerente solicitara à Requerida realiza o interesse daquele? e) Deve ser reformulada a decisão quanto a custas? B. No recurso subordinado: a) Deveria ter sido ordenado inquérito judicial à sociedade Requerida?
Importa, antes de mais, delimitar as questões. O acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª instância na parte em que não ordenou inquérito judicial à sociedade requerida ao abrigo do n.º 6 do artigo 292º do CSC – cfr. página 15 do acórdão recorrido, a fls. 567. Daí que, como bem assinalam os recorrentes na conclusão I), esteja apenas em discussão, no recurso independente, a questão da recusa do direito à informação e a sua (i)licitude. Porém, previamente ao conhecimento dessa questão, há que apreciar se procede a arguição de nulidades do acórdão reportada nas conclusões III. a VI.
a) A primeira das nulidades arguidas consubstancia-se, na opinião dos recorrentes, na circunstância de o acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre a questão da necessidade de titularidade de 10% do capital social como condição para que se possa requerer inquérito judicial. Teria havido, segundo eles, omissão de pronúncia, integradora da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. Na resposta às alegações do recurso de apelação do Requerente, os Requeridos disseram: “não se pode deixar de invocar a doutrina e jurisprudência que consagra a possibilidade do inquérito judicial estar apenas disponível para os accionistas com mais de 10% de capital social, por serem apenas estes que podem solicitar por escrito informações sobre assuntos sociais. Por oposição aos acionistas com menor percentagem – entre 1% e 9% do capital social – que apenas podem requerer o direito mínimo à informação” – cfr. ponto 82. das contra-alegações da apelação. Não existe qualquer dúvida de que o acórdão recorrido nada disse sobre este aspecto, conforme vem admitido na decisão da conferência de fls. 631 e seguintes. No entanto, como também aí se diz, essa alegação mais não é do que um argumento, uma razão jurídica para contrariar o alegado nos pontos 20. e 21. da motivação do recurso de apelação e sustentar a improcedência desse recurso. O que importa sublinhar é que as duas instâncias negaram a possibilidade de inquérito, embora por razões substancialmente diversas (como veremos mais à frente), sendo que nenhuma dessas razões entronca na problemática agora invocada, respeitante ao direito colectivo à obtenção de informações previsto no artigo 291º do CSC.
Já em relação ao que consta das conclusões IV. a VI., a desconformidade entre a parte dispositiva do acórdão e o que a antecede, não integra a nulidade de oposição entre a decisão e os seus fundamentos [artigo 615º, n.º 1, alínea c)], tratando-se antes de um claro lapso na redacção desse segmento, já rectificado no acórdão da conferência.
b) O artigo 21º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais prescreve que todos os sócios têm direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato de sociedade. O CSC não densifica o conceito de ‘informação’, mas seguindo a definição de II, informação é a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substrato que deriva daquela possibilidade de acesso[2]. No que respeita aos accionistas das sociedades anónimas – como é o caso dos presentes autos – o legislador fez a distinção entre um direito mínimo à informação (artigo 288º), um direito a informações preparatórias da assembleia geral (artigo 289º), um direito à informação em assembleia geral (artigo 290º) e um direito colectivo à informação (artigo 291º). Focaremos a nossa atenção na primeira modalidade descrita, ou seja, no direito mínimo à informação, na medida em que foi a pretensa recusa ilícita desse tipo de informação que despoletou o pedido de inquérito judicial. O direito mínimo à informação traduz-se num direito de consulta dos elementos mencionados nas cinco alíneas do n.º 1 do artigo 288º, a saber: a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei; b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos; c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais; d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200; e) O documento de registo de acções. Para exercer este direito basta que o accionista alegue motivo justificado para a consulta desses documentos. Se lhe for recusada a consulta, o accionista pode requerer inquérito à sociedade, nos termos do artigo 292º. Ora, dos pontos 7. a 10. da factualidade provada resulta, sem a menor margem para dúvidas, que a sociedade Requerida não permitiu que o Autor consultasse os documentos que pretendia, discriminados nas alíneas a) a f) do ponto 8. Essa atitude da Requerida configura, claramente, uma situação de recusa, faltando aferir da sua (i)licitude. É o que se fará a seguir.
c) Nas conclusões XVIII. a XXXVII. sustentam os recorrentes que o acórdão recorrido devia considerar lícita e legítima a recusa de informação, quer porque não foi demonstrada a qualidade de accionista do recorrido, que porque o comportamento deste fazia recear que as informações obtidas fossem usadas para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta. Vejamos. Nas sociedades anónimas, a informação só pode ser negada quando o pedido for abusivo, quando se receie que o accionista a vá utilizar para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista, quando possa prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas e quando se traduza na violação de segredo imposto por lei – artigo 291º, n.º 2, in fine, e n.º 4. A recusa será ilícita sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei ou no contrato, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa[3]. O acórdão recorrido considerou que a recusa de informação por parte da Requerida foi ilícita, desenvolvendo essa questão do seguinte modo: “Na carta que escreveu ao autor para justificar a recusa da prestação de informação, a sociedade invocou a questão prévia da elegibilidade do pedido que foi formulado [isto é, a prova de que o autor era accionista], a conduta do requerente perante funcionários e terceiros, nomeadamente fornecedores e clientes, e a associação e exposição do requerente junto de empresas concorrentes, que a levavam a recear ‘seriamente que qualquer informação dada fosse utilizada para fins estranhos à sociedade e, mormente, em prejuízo desta, junto da concorrência. Considerando o que se escreveu acima sobre as razões que tornam lícita a recusa da informação, vemos que a sociedade alegou duas delas, concretamente: 1) a falta de prova da qualidade de accionista do requerente; 2) o receio de que o autor utilizasse as informações para fins estanhos à sociedade e com prejuízo desta. Sucede que não foram estas as verdadeiras razões da recusa. Vejamos. Está assente que, depois de o autor ter requerido a consulta dos elementos mencionados nas alíneas do n.º 1 do artigo 288.º do CSC, a sociedade informou-o que havia agendado o dia 6 de Fevereiro de 2015, pelas 11 horas, na sede da sociedade, para entrega do dossiê com os elementos e a documentação solicitados. Esta resposta - marcação de dia, hora e local para entrega dos elementos e documentação solicitados – significou inequivocamente que a sociedade reconhecia ao autor legitimidade para requerer a consulta de tais elementos e que não tinha razões para a recusar. Sucede que, poucos dias depois de agendar dia e hora para o autor consultar os elementos e documentos pedidos ao abrigo do artigo 288.º do CSC, a sociedade alterou a sua posição e, através da sua advogada, comunicou ao advogado do autor que ficava sem efeito a entrega dos elementos e cancelado o encontro na sede da sociedade. É o que se colhe na carta datada de 10 de Fevereiro [cujo conteúdo constitui matéria provada]. Carta que, diga-se, corrobora o que os requeridos alegaram na oposição e que repetiram, neste recurso, sobre a questão da licitude da recusa da informação [ponto n.º 12 das alegações]. Com esta comunicação, a sociedade manifestou em termos inequívocos que não iria permitir ao autor a consulta dos elementos pedidos. E com ela o autor passou a saber que a sociedade lhe não permitia consultar os elementos pedidos. Assim, com a comunicação deu-se a recusa da informação. Colhe-se na carta que nos temos vindo a referir que a razão pela qual a sociedade alterou a sua posição quanto à consulta dos elementos pelo autor não foi nem o facto de este último não ter comprovado a sua qualidade de accionista nem o facto de aquela recear que o autor utilizasse a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta. Resulta dessa carta (que, também aqui, corrobora o que os requeridos alegaram na oposição e que repetiram, neste recurso, sobre a questão da licitude da recusa da informação) que as razões que levaram a sociedade a ‘dar sem efeito a entrega do dossiê e a cancelar o encontro agendado para o efeito’ foram as idas do autor às instalações dela nos dias que precederam a data marcada para a consulta dos documentos na sociedade, nas quais, segundo texto da carta acima mencionada, o autor levantava suspeitas quanto ao exercício da administração da ré, promovia a ‘criação de um ambiente de instabilidade e medo e suspeita’, referia de ‘viva voz que a sociedade era sua’, confrontava ‘os funcionários com acções individuais ilegais’, obstruía ‘a livre circulação de pessoas (clientes e funcionários) e mercadorias’ e procurava ‘ostensivamente a provocação a todo o tempo e até a intervenção física’. Sucede que tais acções não justificavam a recusa da prestação de informação, uma vez que não se ajustam aos casos em que tal recusa é vista como lícita”. Este raciocínio merece o nosso acolhimento. Só depois de aceitar o pedido de informação solicitado pelo Requerente e de agendar dia para que este realizasse a consulta dos elementos da contabilidade pretendidos é que a Requerida ‘voltou atrás’, em resultado de “um conjunto de atitudes”, designadamente das frequentes deslocações daquele às instalações desta, em que aproveitava para levantar suspeitas quanto ao exercício da administração da sociedade e para criar um ambiente de instabilidade – cfr. carta de 10.02.2015, a fls. 121 e verso. Se a Requerida tivesse dúvidas quanto à qualidade de accionista do Requerente deveria objectá-las logo aí, no preciso momento em que lhe foi solicitada informação, recusando a ‘aceitação do pedido de informação’[4]. Mas não foi isso que sucedeu. O que claramente motivou a recusa na prestação da informação foi o comportamento do Requerente que, no entendimento da Requerida, desmentia o propósito de ser informado da vida da sociedade “(que a ser verdadeiro, seria legítimo)” – ver 1º § da citada carta. Conclui-se, assim, que, tal como decidido no acórdão recorrido, a recusa de informação foi ilícita, improcedendo as conclusões XVII. a XXXVII.
d) Nas conclusões VIII. a XVII. defendem os recorrentes que a decisão vertida no acórdão recorrido, no sentido de que a recusa de informação não pode ser suprida posteriormente, mormente de forma voluntária em sede de autos judiciais, viola quer o previsto no n.º 1 do artigo 1049º do CPC, quer o princípio da celeridade e economia processuais consagrado no artigo 6º do CPC, quer ainda o princípio da utilidade processual previsto no artigo 30º do CPC, estando, além disso, em flagrante oposição com o facto provado sob o item 14. Não pensamos que assim seja. Relativamente às sociedade anónimas, quer para a consulta do que constitui o chamado direito mínimo à informação previsto no artigo 288º, quer para a consulta de informações preparatórias da assembleia geral, prevista no artigo 289º, o legislador estabelece que a consulta seja feita na sede da sociedade. Prescreve, no entanto, o n.º 4 do artigo 288º que, se não for proibido pelos estatutos, os elementos referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 são enviados, por correio electrónico, aos accionistas nas condições ali previstas que o requeiram ou, se a sociedade tiver sítio na Internet, divulgados no respectivo sítio na Internet. Sobre este ponto, escreveu-se no acórdão recorrido: “Resulta do exposto que o dever de informação previsto no artigo 288.º do CSC pode ser cumprido mediante a colocação à disposição do accionista, na sede da sociedade, dos livros e documentos relativos à vida social ou pode ser efectivado através do envio ao accionista, por correio electrónico, de alguns dos livros e documentos. Sucede que o cumprimento através de uma forma ou de outra não está na disponibilidade da sociedade. Esta só se exonerará do seu dever de informação mediante o envio de alguns dos livros e documentos se tal não for proibido pelos estatutos e se o accionista assim o requerer. Daí que, quando os estatutos não proibirem o envio de tais elementos, é ao accionista que cabe escolher como exercer o direito de informação: se através de consulta, na sede da sociedade, ou se através do exame dos documentos enviados pela sociedade. E sendo ao accionista que cabe escolher como exercer o direito de informação previsto no artigo 288.º do CSC, não vale como cumprimento de tal dever a junção aos autos, pela sociedade, de alguns desses elementos. Segue-se do exposto que o autor tinha o direito de consultar os originais dos livros e dos documentos na sede da sociedade, de os consultar com a assistência de um revisor oficial de contas ou de outro perito e de usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil. Por sus vez, a sociedade não tinha o direito de impor ao autor que exercesse tal direito mediante o exame das cópias dos documentos que ela lhe fornecesse. Assim, estando provado que o autor solicitou à requerida informação ao abrigo do n.º 1 do artigo 288.º do CSC e que a requerida não permitiu que o autor consultasse na sede da sociedade os livros e os documentos referidos nas várias alíneas de tal preceito, é de afirmar que foi recusada ao autor informação pedida ao abrigo do artigo 288.º. Recusa que, pelas razões acima expostas, não foi suprida mediante a junção a estes autos - ou a outro processo - de alguns dos elementos a que se refere o artigo 288.º do CSC”. Vê-se como totalmente acertado este entendimento. A Requerida não pode eximir-se à obrigação de facultar a consulta na sede da sociedade dos documentos da contabilidade pretendidos pelo Requerente, ao abrigo do artigo 288º, só porque juntou alguns desses documentos aos autos. Parece-nos errado colocar a questão nos termos em que os recorrentes o fazem, escudando-se nos princípios da celeridade, economia e utilidade processuais para considerarem já satisfeito o direito à informação do Autor, assim evitando a consulta da documentação na sede da Requerida. De facto, esses princípios não podem prevalecer em prejuízo do cumprimento pleno e integral do direito à informação. Ademais, os documentos juntos ao processo não correspondem completamente à solicitação do Requerente, pois que, conforme resulta do item 16. da matéria de facto provada, não foi junto pela Requerida o documento do registo de acções nem a relação dos accionistas da sociedade. Finalmente, as conclusões XXXVIII. a XL. reportam-se à questão da responsabilidade pelas custas. No acórdão recorrido, quanto a esta questão, decidiu-se:
Deste modo, com excepção das conclusões atinentes à responsabilidade pelo pagamento das custas na 1ª e 2ª instâncias, improcedem todas as outras conclusões da revista interposta pelos recorrentes BB, S.A., CC e DD (recurso independente). Como decorre das respectivas alegações e conclusões, o recurso subordinado apresentado pelo Requerente restringe-se à improcedência do pedido de inquérito à sociedade, nos termos do n.º 6 do artigo 292º do CSC. Ora, quanto a essa questão específica verifica-se uma situação de dupla conformidade entre as decisões da 1ª instância e da Relação de Coimbra, na medida em que ambas negaram procedência a tal pedido, sendo que esta última foi votada por unanimidade. Visto o que dispõe o n.º 3 do artigo 671º do CPC, não é admissível a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos em que é permitida a revista excepcional. Por essa razão, as recorridas defendem a inadmissibilidade do recurso subordinado. No entanto, conforme consta da conclusão XIV., o recorrente alude à circunstância de o acórdão recorrido ter indeferido o pedido de inquérito à sociedade com “fundamentação diferente” da proferida na decisão da 1ª instância. E parece ter razão. Na verdade, a decisão da 1ª instância não ordenou o inquérito à sociedade por considerar que toda a informação pretendida pelo Requerente já se encontrava disponível nos autos e a que faltava não era susceptível de qualificar a atitude da sociedade como recusa do dever de prestar informação ao Requerente, apta a fundamentar a realização de um inquérito judicial – cfr. fls. 500, verso. Por sua vez, o acórdão recorrido concluiu que foi recusada ao Requerente a informação solicitada ao abrigo do artigo 288º, recusa essa que não foi suprida pela junção aos autos de algum dos elementos a que se refere aquela norma – cfr. fls. 568/569. Apesar disso, fundado nas disposições legais dos artigos 1049º, n.ºs 1 e 3 do CPC e 292º, n.º 2, do CSC, não ordenou inquérito à Requerida. É, portanto, essencialmente diferente a fundamentação que o acórdão recorrido usou para confirmar a decisão da 1ª instância, pelo que a admissão do recurso subordinado não merece qualquer tipo de reserva. Dito isto, refere o recorrente que o inquérito judicial não foi pedido somente com base na recusa de informação, mas também porque foi impedido de comparecer à assembleia geral ordinária convocada para 20 de Maio de 2015 e porque a Requerida vem praticando negócios menos claros, pormenorizados nos artigos 43º a 103º da petição inicial. Porém, como se disse no acórdão recorrido, “(…) nem o facto de a requerida ter impedido o requerente de comparecer na assembleia geral ordinária convocada para o dia 20 de Maio de 2015, nem o facto de o requerente ter suspeitas da prática de negócios irregulares pelos administradores constituem para a lei, concretamente para os preceitos invocados pelo requerente [216.º, 292.º e 292.º, n.º 6, todos do Código das Sociedades Comerciais] casos de inquérito judicial às sociedades comerciais, (…) nenhum dos preceitos indicados admite, como fundamento de inquérito, o facto de o sócio ter sido impedido de participar em assembleia da sociedade ou a alegação de suspeitas de negócios irregulares praticados pelos administradores. É certo que, em relação às suspeitas de negócios irregulares, nem sempre foi assim. Com efeito, no domínio do Decreto-lei n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969, se houvesse fundada suspeita de graves irregularidades no exercício das funções dos administradores da sociedade ou dos membros do conselho fiscal, podiam os accionistas que representassem a décima parte do capital social denunciar os factos ao tribunal, solicitando a realização de inquérito para o seu apuramento e a adopção das providências convenientes para garantia dos interesses da sociedade [n.º 1 do artigo 29.º]. Tal diploma foi, no entanto, revogado pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais”. Convém relembrar, por outro lado, que o pedido que recorrente formulou na petição inicial foi o de que se procedesse a inquérito judicial à Requerida, nos termos do disposto no artigo 292º, n.º 6, do CSC, sem precedência do pedido de informações à sociedade, com suspensão imediata do cargo dos titulares dos cargos do Conselho de Administração – v. fls. 15. Ora, o que esse n.º 6 do artigo 292º dispõe é que o inquérito pode ser requerido sem precedência de pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a informação não será prestada ao accionista, nos termos da lei. Sobre esta matéria, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos: “Estamos perante um caso em que o inquérito é pedido não porque tenha havido uma recusa efectiva de prestação de informação, mas porque o sócio tem razões objectivas para suspeitar que a informação, caso seja pedida, não será prestada. De tal preceito (n.º 6 do artigo 292.º do CSC), combinado com o n.º 1 do artigo 1048.º do CPC [preceito que enuncia os requisitos da petição do processo especial, de jurisdição voluntária, do inquérito judicial à sociedade] na parte em que dispõe que o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, resulta que cabe ao sócio, especificar, por um lado, a informação ou as informações que pretendia obter sobre a vida da sociedade e, por outro, as circunstâncias que o fazem presumir que tal informação ou informações não serão prestadas. Isto é, para se proceder a inquérito ao abrigo do preceito acima indicado não basta pedir inquérito sem precedência do pedido de informações à sociedade. (…)
“Na verdade, (o Requerente) pediu inquérito nos termos previstos no n.º 6 do artigo 292.º, mas não disse em nenhum passo da petição que o estava a fazer por pretender uma determinada informação mas suspeitar que ela lhe não seria dada pela administração da requerida. O autor não o disse e o tribunal, que podia investigar livremente os factos (n.º 2 do artigo 986.º do CPC), também não considerou provados factos que justifiquem o inquérito sem precedência de pedido de informações à sociedade”. Revemo-nos inteiramente nestas considerações do acórdão recorrido e, bem assim, na decisão de não se ter optado pela realização de inquérito judicial à sociedade Requerida, apesar da demonstrada recusa de informação por banda desta. Como destaca Diogo Lemos e Cunha[5], “o inquérito judicial deve ser encarado como um instrumento subsidiário do direito à informação e tem (…) uma inequívoca natureza sancionatória, pois representa forçosamente uma intromissão do tribunal, ou seja, uma intervenção autoritária externa na vida da sociedade, devendo ser reservado para os casos em que o direito à informação é violado, sem possibilidade de auto- -composição interna dos interesses no âmbito societário, e em que os vícios da informação prestada (falsidade, incompletude ou falta de clareza) sejam o resultado de uma atuação deliberada do membro órgão de gestão que faça presumir os apontados vícios. Neste contexto, a verdade é que a prática dos tribunais tem-se revelado — e bem — bastante exigente quanto à possibilidade de conceder provimento ao processo de inquérito judicial (…), só o admitindo em casos que verdadeiramente o justifiquem, designadamente quando o grau de conflitualidade impõe, inevitavelmente, a intervenção do tribunal para dirimir o litígio, esgotadas que estão todas as possibilidades da sua resolução, nomeadamente pela via extrajudicial, ou então no caso em que a informação possa ser obtida por outra via, que não através de inquérito”. O acórdão recorrido adoptou esta orientação, conforme o excerto que segue, no qual, de forma irrebatível, se justifica a desnecessidade de que, não obstante a recusa de informação, se proceda a inquérito: “Ponderando, no entanto, os interesses do sócio [consistente em obter informações sobre a vida da sociedade] e os da sociedade [em não ver a sua vida devassada por pessoas estranhas à sociedade], o tribunal deverá determinar a prestação da informação pedida quando, com ela, se dê satisfação plena ao direito do sócio e se preserve a sociedade da intromissão de um terceiro que lhe é estranho (perito ou peritos nomeados para proceder à averiguação dos factos). (…) No caso, entendemos que, justificando-se o inquérito por ao autor ter sido recusada informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, será suficiente para satisfazer a sua pretensão, determinar à requerida que preste a informação pedida nos termos em que ela é consentida pelo artigo 288.º, n.ºs 1 e 3, do CSC”. Por conseguinte, não se dará provimento ao recurso subordinado. Nestes termos, decide-se:
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Custas das revistas pelos respectivos recorrentes.
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LISBOA, 2 de Abril de 2019
Henrique Araújo (Relator) Maria Olinda Garcia Raimundo Queirós
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