Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SEÇÃO | ||
| Relator: | LUIS ESPIRITO SANTO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CAUÇÃO INSOLVÊNCIA MASSA INSOLVENTE APREENSÃO GARANTIA INCUMPRIMENTO GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES ENTREGA PRINCÍPIO DA IGUALDADE CREDOR RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | REVISTA PROCEDENTE | ||
| Sumário : | I - Nos termos do artigo 149º, nº 1, do CIRE um dos efeitos da insolvência consiste na apreensão dos bens do devedor, plenamente justificada por ser imperioso que os créditos de todos os credores da insolvente, no âmbito de uma execução de natureza universal, sejam pagos em condições de necessária igualdade consoante a sua natureza e garantias, abrangendo tais créditos todos os bens na titularidade da insolvente. II - Constitui obrigação específica de cada um dos credores da insolvente reclamar os seus créditos no processo de insolvência, aí exercendo os correspondentes direitos, sendo certo que o reconhecimento dos privilégios ou garantias sobre bens pertencentes ao devedor insolvente deve imperativamente ter lugar no quadro legal especialmente definido pelo CIRE. III - Do que resulta que, nada obstando à apreensão a efectuar pelo administrador no âmbito do processo de insolvência, deixa de se justificar, carecendo de base legal, a detenção de quantias retidas por terceiro a título de garantia (caução), sendo que esta deverá reportar-se a créditos objecto de reclamação na insolvência (ainda que condicionalmente, nos termos do artigo 50º do CIRE). IV – A simples e vaga probabilidade ou a absctracta conjectura acerca da futura (e incerta) actuação da Autoridade Tributária e dos Serviços da Segurança Social contra a ora Ré, respaldada no regime especial de responsabilidade solidária legalmente estabelecido no artigo 60º-B da Lei nº 49/2019, de 8 de Julho, - particularmente exigente (apenas abrangendo as eventuais – e ora desconhecidas – dívidas da insolvente ao Fisco e à Segurança Social que disserem concretamente respeito ao conjunto de trabalhadores identificados no anexo aceite pelos celebrantes do aditamento ao contrato – e não a outros), não constitui fundamento bastante para deixar fora do alcance do exercício dos poderes do administrador da insolvência, actuando em exclusivo benefício do interesse geral dos credores da insolvente, um conjunto de valores pecuniários que se integram de pleno no âmbito patrimonial da massa insolvente e que, por isso mesmo, a esta devem ser entregues. V – Não há, portanto, base jurídica válida para diminuir na prática a garantia geral dos credores da insolvente quanto a montantes pecuniários a que esta tem indiscutivelmente direito e que se encontram actualmente retidos à espera de um acontecimento futuro e não previsível, não fazendo outrossim sentido que tenham obrigatoriamente de aguardar, a longo e distante prazo, pela verificação de outros imaginados factos extintivos (prescrição ou caducidade) do direito de acção desses hipotéticos credores do detentor. VI - A tutela dos interesses gerais prosseguidos no processo insolvencial e a devida, atempada e integral satisfação do conjunto de credores reconhecidos da sociedade insolvente, em condições paritárias e em conformidade com os critérios legais fixados, impõem que a massa insolvente seja integrada por todos os valores que a esta são actualmente devidos, não se compreendendo a subsistência e eficácia da garantia invocada pela Ré, a qual não se funda em qualquer tipo de crédito sobre a insolvente de que seja (actualmente) titular, mas unicamente numa mera hipótese de possível exercício de direito de regresso futuro em função do regime especial de solidariedade passiva a que foi sujeita, de concretização completamente incerta e totalmente indefinida. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível). I - RELATÓRIO. Instaurou a Massa Insolvente de Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA., procedimento de injunção contra a Norma - Açores, Sociedade de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Regional SA. Alegou essencialmente: A R. não lhe pagou os serviços de vigilância que lhe prestou, nos termos do contrato a que estão vinculadas, no período de 1 de Fevereiro de 2021 a Maio de 2022, mau grado lhe ter facturado esses serviços e de a tanto a ter impetrado. Conclui pedindo a condenação desta a pagar-lhe o montante de €159.321,24, valor de capital, acrescido do montante de €18.354,49, a título de juros vencidos e dos juros vincendos a contar da citação e até efetivo e integral pagamento. Contestou a Ré excepcionando a preterição da cláusula de arbitragem obrigatória; a sua ilegitimidade passiva por estar na lide desacompanhada da outra obrigada no contrato; aduziu a causa do não pagamento, impugnando, para lá disso, os factos alegados. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição. Considerou-se, entretanto, por despacho judicial, transmutado o requerimento de injunção para a acção comum, tendo sido a A. convidado a apresentar petição inicial aperfeiçoada. O que a mesma fez, mais alegando: À data da declaração de insolvência da sociedade a Ré não tinha qualquer direito de crédito sobre ela o que significa que o direito de retenção e ou contrato de penhor terá de se haver como caducado, nunca podendo reclamar o pagamento por compensação de qualquer crédito. A Ré nada alegou que a legitime a reter o que não é seu e pertence à massa insolvente. Também não pode pretender querer que o seu direito perdure todo o tempo que durar o hipotético direito do Estado à arrecadação do imposto. Não tendo alegado a Ré a existência do crédito a sua posição não é sequer de um credor, mas sim de um putativo credor que não tem o direito de retenção sobre os valores que são da Ré, massa insolvente. O contrato em causa não é causa suficiente para a Ré não ser condenada a pagar os valores que deve à Autora. Notificada a Ré desta petição inicial corrigida, nada respondeu. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, nessa sequência, determinou que a R. Norma - Açores, Sociedade de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Regional SA. devolva à A. a A Massa Insolvente de Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. o valor que reteve e correspondente aos 2/12 (dois doze avos) do total mensal que pagou aos trabalhadores/vigilantes adstrito à execução do contrato e que haverá de ser apurado em sede de execução de sentença - artº.609º, nº 2, do CPC - a que acrescerão os juros legais cíveis a contar da citação e até integral pagamento, e no mais absolveu a Ré (no que se inclui, portanto, a condenação no pagamento da quantia de 30% de cada factura emitida pela A. e que fora retida pela demandada ao abrigo da cláusula 7ª do acordo firmado entre as partes, enquanto garantia face à sua responsabilidade solidária nesse pagamento nos termos do artigo 60º-B da Lei nº 46/2019, de 8 de Julho). O A. Massa insolvente interpôs recurso de apelação. Foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Veio a A. Massa Insolvente interpor recurso de revista excepcional, apresentando as seguintes conclusões: 1. Deve ser admitido o presente recurso de revista, porque, não se verifica dupla conforme nos termos do n.º 3 do artigo 671º a impedir a sua admissão, e bem assim porque sempre se verificaria a admissibilidade de um recurso de revista excecional nos termos do artigo 672º ambos do CPC, desta feita porque esta em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e ainda porque o acórdão da Relaçãoestáem contradiçãocom oAc.Ac.doTribunaldaRelaçãodeGuimarães de 04-04-2024, proferido no proc. 2155/22.4T8BRG.G1 que são proferidos ambos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e assim: 2. A autora instaurou uma ação declarativa de condenação pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 159.321,24 valor de capital, € 18.354,49 a título de juros e Juros vincendos a contar da citação, que eram devidos a título de preço pela prestação de serviços de segurança que lhe haviam sido prestados e que a ré reconheceu. 3. A ré entendeu que a ação deveria ser julgada improcedente porque tinha o direito de não pagar os referidos valores, atento que constituíam objeto de direito de retenção no âmbito do contrato de caução que havia celebrado, à luz do disposto no artigo 60-A da Lei nº 46/2019. 4. A primeira instância considerou que no âmbito dos contratos celebrados entre as partes, que haviam sido celerados à luz da referida disposição legal, a ré poderia reter as aludidas importâncias, improcedendo, sem mais, a ação, tendo porém omitido qualquer pronuncia pelo fato de ter sido decretada a insolvência da autora, e consequentemente omitindo qualquer interferência do regime legal inerente ao regime da insolvência, para a sua decisão, considerando e inclusive, igualmente irrelevante o fato da ré não ter reclamado qualquer crédito em sede de processo de insolvência, e daqui que não retirou quaisquer consequências jurídicas destes dois fatos. 5. Irresignada a apelante recorreu e por Acórdão da Relação, foi confirmada a decisão, com base em distinto fundamento, este essencialmente, porque, se considerou que a ré poderia reter as aludidas cauções, ou seja os valores que se encontrava a reter, atendendo a que, a constituição das mesmas tinha uma diversa natureza, da que se verificaria caso sobreviesse apenas um qualquer contrato, desta feita uma fonte legal, que decorria do n.º 1 do artigo 60-A da Lei nº 46/2019, não sendo de aplicar pois, segundo o seu entendimento, o n.º 1 do artigo 149º do CIRE, que determina que “Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente,,[...]. 6. Ora, ao invés do decidido, deve considerar-se que com a decretação da insolvência e por força dos termos do n.º 1 do artigo 149.º do CIRE, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, e isto, independentemente da causa para a posse por parte de um terceiro sobre bens ou direitos ser um direito de garantia constituído por uma caução por decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 60-A da Lei 46/2019, 7. Especialmente quando o titular do direito de garantia e/ou retentor da aludida importância, não apresentou reclamação de créditos no âmbito do referido processo insolvêncial. 8. E isto sob pena de se considerar violado o nº 1º do art.º 1º, n.º 1 do artigo 46.º artigo 90.º, 99, 128, 149, e 172 a 184º todos do CIRE, porque colocaria a ré numa situação de preferência, relativamente aos demais credores da insolvente, sem fundamento e sem justificação legal. 9. Em consequência, deve julgar-se a acção procedente e a ré condenada a pagar à autora os valores pedidos. Mais se deixa referido: 10. As normas jurídicas violadas. a. Entende-se que foram violadas as seguintes normas jurídicas: i. N.º 1 do artigo 60-B da Lei 46/2019. ii. nº 1º do art.º 1º, n.º 1 do artigo 46.º artigo 90.º, 99, 128, 149, e 172 a 184º todos do CIRE. 11.O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; i. Entende-se que as referidas normas legais devem ser interpretadas no sentido de se considerar que, sobrevindo processo de insolvência, que representa a execução universal dos bens do insolvente, o universo dos seus credores, sejam titulares de meras expectativas, de direitos sob condição, ou outros quaisquer, terão de vir reclamar os seus direitos no respetivo processo de insolvência, e ficar sujeitos ás especificidades do mesmo, nomeadamente, graduação e rateio nos pagamentos, caso pretendam fazer valer os seus direitos, e mesmo que o façam não poderão reter direitos de crédito do insolvente, que possam ter sido dados em garantia, nomeadamente porque resultam de contratos celebrados entre as partes e bem assim quando resultem no âmbito do regime legal ínsito no n.º 1.º do artigo 60-B da lei 46/2019, sob pena, de que, se assim não se entendesse, isto é, de se considerar licita a retenção de valores entregues no âmbito do referido regime, de ficarem colocados numa situação privilegiada, em relação aos demais credores da insovente, não constituindo pois, o regime legal ínsito no n.º 1.º do artigo 60-B da lei 46/2019 fundamento legal bastante, para se dever derrogar o regime legal do nº 1º do art.º 1º, do n.º 1 do artigo 46.ºdo artigo 90.º, do artigo 99, do artigo 128, do artigo 149, e dos artigos 172 a 184º todos do CIRE, como se considerou erradamente no âmbito do Ac. em crise. Contra-alegou a Ré, apresentando as seguintes conclusões: 1. Os fundamentos aduzidos pela ora recorrente para a interposição de recurso de revista não permitem identificar qual a modalidade de recurso que a mesma pretende. 2. Não é possível fundamentar um recurso de revista, como o faz a ora recorrente, simultânea e cumulativamente, na inexistência de dupla conforme constante do art.º 671.º, n.º 3 CPC e na verificação de alguma ou algumas das situações previstas no art.º 672.º, n.º 1CPC. 3. A modalidade de recurso de revista excecional previsto no art.º 672º CPC, não é uma modalidade de recurso autónoma ou autonomizável face ao recurso de revista previsto no art.º 671º CPC, mas sim uma simples exceção à regra de dupla conforme. 4. O alegado recurso pretendido pela Recorrente é inadmissível nos termos do art.º 671.º, n.º 3 CPC porque, entre o acórdão ora em crise e a sentença proferida em 1ª instância há uma evidente e inegável situação de dupla conforme. 5. Para além do acórdão ora em crise confirmar, na íntegra, a sentença proferida em 1ª instância e fazê-lo sem votos de vencido, a fundamentação expendida, quer num, quer noutro, é a mesma e, mesmo que te queira considerar que tem alguma diferença, esta não afeta a essencialidade da fundamentação. 6. A fundamentação, quer num, quer noutro dos arestos referidos, é a que não existe incumprimentoda ora Recorrida no contrato de prestação de serviços quecelebrou com a sociedade de que a ora Recorrente é massa falida, pelo que não há qualquer crédito desta sobre aquela; queas quantias retidaspela ora Recorrida são-no ao abrigo e dentro dos limites da garantia autónoma constituída peloaditamento que, a 23.12.2020, foi por ambas acordado no já referido contrato de prestação de serviços. 7. A questão que foi submetida pela ora Recorrente e A. nos autos que correram termos em primeira instância foi a de incumprimento por parte da R. e ora Recorrida do contratodeprestaçãodeserviços delimpezaatrásreferido eéfundamentando-se nessa relação contratual e na que resulta da garantia autónoma que entre ambas foi constituída que, quer o tribunal de 1ª instância quer o Tribunal da Relação, decidiram como decidiram. 8. Daqui resulta que, não havendo diferença na essencialidade da fundamentação e verificando-se os dois outros requisitos da dupla conforme, o recurso de revista deve ser considerado inadmissível. 9. A relevância jurídica da questão de direito delimitada pela ora Recorrente e A. nos autos, – alegado incumprimento contratual e suas consequências, - não preenche os requisitos estabelecidos no art.º 672º, n.º 1, alínea a) para que possa ser interposto o recurso de revista excecional aí previsto. 10. Não há contradição entre o acórdão ora em crise o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarãesno Proc. 2155/22.4T8BRG.G1 porque este versa sobre questão de direito diversa daquela que foi delimitada pela A. e ora Recorrente no impulso inicial dos autos em que nos encontramos e o contexto de facto e de direito de ambas as situações é também diverso. 11. Assim, também não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.º 672, n.º 1, alínea c) para que possa ser interposto o recurso de revista excecional aí previsto. 12. A ora Recorrente não pode agora, neste recurso, querer dar um enquadramento jurídico diferente à questão que a mesma apresentou e delimitou no impulso inicial dos presentes autos; que foi analisado e decidido pelo tribunal de 1ª instância; que garantiu provimento parcial ao pedido da ora Recorrente; com o qual ela se conformou e que foi reconfirmado na íntegra pelo acórdão ora em crise. 13. O que começou com uma demanda destinada a garantir o cumprimento de um contrato de prestação de serviços não pode agora ser transformado numa demanda sobre os de uma declaração de insolvência na existência e funcionamento de uma garantia autónoma previamente negociada e acordada entre a ora Recorrente e a ora Recorrida, sobretudo quando a garantia autónoma é prévia à demanda judicial intentada por aquela. 14. Para além de tudo o mais, essa pretensão constitui uma flagrante violação do princípio da estabilidade da instância estabelecido no art.º 260.º CPC e deve conduzir à inadmissibilidade do recurso. 15. Os efeitos de uma decisão no sentido pretendido pela ora Recorrente conduziria a uma flagrante e grosseira violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas ínsitos na natureza de um estado de direito, conforme disposto no art.º 2.º da CRP, e, ainda, na violação da obrigatoriedade de cumprimento dos contratos, neste caso da garantia autónoma, como resulta do disposto no art.º 406º CC. II – FACTOS PROVADOS. Encontra-se provados nos autos que: 1. A Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. era uma sociedade que se dedicava à prestação de serviços de vigilância e no exercício da sua atividade comercial, celebrou, em 24 de junho de 2008, com a R. e com a sociedade Tecnovia Parques - Sociedade de Construção, Gestão e Exploração de Parques de Estacionamento, Lda., um contrato de prestação de serviços de vigilância; 2. No âmbito do contrato apontado em 1. foram-lhe adjudicados diversos serviços de vigilância sempre requisitados por escrito pela R., através do envio das requisições a que se referem os números, 67/21; 254/21; 334/21; 463/21; 581/21; 736/21; 88/21; 977/21; 110/21; 1188/21; 1272/21; 59/22; 124/22; 334/22 e 461/22; 3. Os serviços de vigilância foram prestados, para o que aqui importa, no período compreendido entre 1 de Fevereiro de 2021 e Maio de 2022 e não foram objeto de qualquer reclamação por parte da R.; 4. Quanto a tais serviços a Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. emitiu e enviou à R. as seguintes faturas: i. Fatura n.º FVI n.º .....67 datada de 01/02/2021 com vencimento em 03/04/2021, relativa aos serviços prestados no mês de fevereiro de 2021, sendo que do seu valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €3.641,09; ii. Fatura n.º FVI n.º ......20 datada de 01/03/2021 com vencimento em 30/04/2021, relativa aos serviços prestados no mês de março de 2021, não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €22.024,68; iii. Fatura n.º FVI n.º ......75 datada de 01/04/2021 com vencimento em 31/05/2021, relativa aos serviços prestados no mês de abril de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €9.443,01; iv. Fatura n.º FVI n.º ......33 datada de 03/05/2021 com vencimento em 02/07/2021, relativa aos serviços prestados no mês de maio de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de €9.125,32; v. Fatura n.º FVI n.º ......79 datada de 01/06/2021 com vencimento em 31/07/2021, relativa aos serviços prestados no mês de junho de 2021, sendo que do valor total de €22.024,68 a R. não lhe pagou o montante de€8.279,95; vi. Fatura n.º FVI n.º ......47 datada de 02/07/2021 com vencimento em 30/08/2021, relativa aos serviços prestados no mês de julho de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €7.926,09; vii. Fatura n.º FVI n.º ......97 datada de 02/08/2021 com vencimento em 30/09/2021, relativa aos serviços prestados no mês de agosto de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €7.565,87; viii. Fatura n.º FVI n.º ......45 datada de 01/09/2021 com vencimento em 31/10/2021, relativa aos serviços prestados no mês de setembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €8.127,11; ix. Fatura n.º FVI n.º ......92 datada de 01/10/2021 com vencimento em 30/11/2021, relativa aos serviços prestados no mês de outubro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.428,00; x. Fatura n.º FVI n.º ......41 datada de 02/11/2021 com vencimento em 31/12/2021, relativa aos serviços prestados no mês de novembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R não lhe pagou o montante de €11.363,52; xi. Fatura n.º FVI n.º ......89 datada de 02/12/2021 com vencimento em 30/01/2022, relativa aos serviços prestados no mês de dezembro de 2021, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.044,97; xii. Fatura n.º FVI n.º ..../7 datada de 10/01/2022 com vencimento em 02/03/2022, relativa aos serviços prestados no mês de janeiro de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não lhe pagou o montante de €9.229,35; xiii. Fatura n.º FVI n.º .....48 datada de 01/02/2022 com vencimento em 02/04/2022, relativa aos serviços prestados no mês de fevereiro de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não pagou o montante de €9.774,64; xiv. Fatura n.º FVI n.º .....89 datada de 02/03/2022 com vencimento em 30/04/2022, relativa aos serviços prestados no mês de março de 2022, sendo que do valor total de €21.651,38 a R. não pagou o montante de €7.084,57; xv. Fatura n.º FVI n.º ......24 datada de 01/04/2022 com vencimento em 31/05/2022, relativa aos serviços prestados no mês de abril de 2022 não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €21.651,38; e xvi. Fatura n.º FVI n.º ......72 datada de 02/05/2022 com vencimento em 01/07/2022, relativa aos serviços prestados no período compreendido entre 01 e 8 de maio de 2022, não lhe tendo a R. pago o respetivo valor de €5.773,63; 5. As faturas emitidas contêm o tipo de serviço prestado (Reforço de marinas e zonas comerciais; Central de segurança; Marina poente e Nascente; Terminal de passageiros/gare marítima; Zonas Comerciais pavilhão multiusos e passeios; Cota do cais e exterior à cota marginal; Posto de controlo acesso viaturas cais Ferries ilhas e Chefes de Grupo), as horas de vigilância realizadas, o preço unitário e o preço total com e sem IVA e foram enviadas para a R. que as aceitou, compreendeu que estavam de acordo com as nomenclaturas dos serviços prestados e nunca delas reclamou e venciam-se no prazo de 60 dias; 6. Por forma a obstar que os vigilantes da Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA., adstritos à execução do contrato nos termos apontados em 1. a 3., ficassem sem receber os seus salários e que houvesse incumprimento do contrato de prestação de serviços por parte desta para com a R. e a sua consorciada Tecnovia Parques, Lda., foi, em 23 de Dezembro de 2020, feito um aditamento ao contrato acima apontado em 1., nos seguintes termos: ADITAMENTO A CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Primeira Outorgante: Norma-Açores, Sociedade de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Regional, S.A., com o número único de registo e de pessoa coletiva ... ... .71, com sede na Rua 1 Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, com o capital social de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros) neste ato representada por AA, portador do Cartão de Cidadão ........ . .X7, válido até 04 de Agosto de 2022, na qualidade de Administrador e BB, com o Cartão de Cidadão ........ . .Y9, válido até 26 de Fevereiro de 2028, na qualidade de Administrador, ambos com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada. Segunda Outorgante: Tecnovia Parques - Sociedade de Construção, Gestão e Exploração de Parques de Estacionamento Lda., com o número único de registo e de pessoa coletiva ... ... .63, com sede na Estrada 2 Rabo de Peixe, ilha de São Miguel, Açores, com o capital social de 300.000,00 € (trezentos mil euros) neste ato representada por CC, portador do Cartão de Cidadão N.º ........ . .X1, válido até 05 de Agosto de 2028, na qualidade de Gerente e DD, portador do Cartão de Cidadão N.º ........ . .X8, válido até 21 de Novembro de 2027, na qualidade de Gerente, ambos com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada. Terceira Outorgante: Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, S.A., com o número único de registo e de pessoa coletiva ... ... .18, com sede no Localização 3 Pico da Pedra, ilha de São Miguel, Açores, com o capital social de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) neste ato representada por EE, portador do Cartão de Cidadão N.º ........ . .X5, válido até 11 de Novembro de 2029, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, com poderes para o ato, conforme Certidão do Registo Comercial apresentada. Considerando que: a) A Primeira e Segunda Outorgantes, na qualidade de adjudicantes, celebraram em 24 de junho de 2008 com a Terceira Outorgante, na qualidade de adjudicatária, um «Contrato de Prestação de Serviços» de vigilância e segurança das Portas do Mar, em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, pelo prazo de dois (2) anos, renovável por períodos iguais e sucessivos; b) Os serviços prestados pela Terceira Outorgante são faturados à Primeira, que procede à respetiva liquidação; c) Nos termos do disposto no artigo 60.º-B, da Lei n.º 46/2019, de 08 de Julho (que procede à primeira alteração da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, que estabelece o regime de exercício da atividade de segurança privada) as entidades que contratem serviços de segurança privada passam a ser solidariamente responsáveis com as empresas de segurança privada (i) por facto ilícito ou pelo risco pelos danos causados pelo pessoal de segurança privada nas suas instalações e ao seu serviço (art. 60.º-A); e (ii) por pagamentos devidos aos trabalhadores que prestem os serviços, bem como pelas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social (art. 60.º-B); d) Desde 07 de setembro de 2019, data de entrada em vigor do diploma acima referido, a Primeira e Segunda outorgante são solidariamente responsáveis com a Terceira pelos pagamentos devidos aos trabalhadores que executem o serviço convencionado, bem como pelas respetivas obrigações contributivas em matéria fiscal e de Segurança Social; e) Desde o início do ano 2020, a Terceira Outorgante não tem liquidado pontualmente as retribuições aos seus trabalhadores, o mesmo sucedendo com as respetivas contribuições para a Autoridade Tributária e para a Segurança Social, o que tem causado sérios prejuízos no normal cumprimento do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, resultado da perda de recursos humanos/vigilantes que têm vindo a demitir, assim como a redução do empenho e disponibilidade dos vigilantes que ainda se mantêm no exercício das suas funções nas Portas do Mar; f) A Primeira e Segunda Outorgantes temem ainda que, não obstante o pagamento pontual dos serviços contratados à Terceira Outorgante, a ausência de liquidação das retribuições aos trabalhadores desta, onde se incluem as obrigações fiscais e contribuições da segurança social, possa originar o acionamento da responsabilidade solidária da Primeira e Segunda Outorgantes, ao abrigo da Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, o que se traduziria num elevado prejuízo financeiro; g) Todas as Outorgantes têm intenção de prevenir eventuais litígios que acionem a responsabilidade solidária da Primeira e Segunda Outorgantes, relativamente à liquidação das retribuições dos vigilantes que fazem parte do quadro de pessoal da Terceira Outorgante, onde se incluem as obrigações fiscais e contribuições da segurança social, como forma de manter o «Contrato de Prestação de Serviços» adjudicado, sob pena de se proceder à resolução do mesmo com justa causa. Assim, e pelo supra exposto, as Outorgantes celebram, livremente e de boa-fé, o presente «Aditamento» às cláusulas quarta, sétima e décima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, estipulando adicionalmente a cláusula décima quarta, nos termos seguintes: Cláusula Quarta 1. As Outorgantes expressamente acordam que a Primeira Outorgante irá proceder ao pagamento dos vencimentos dos trabalhadores/vigilantes que exercem funções nas Portas do Mar, mediante transferências bancárias para as respetivas contas tituladas por cada um. 2. As Outorgantes expressamente acordam que os trabalhadores/vigilantes, categorias, recibos de vencimento e respetivos elementos de identificação bancária referidos no número anterior são os que constam do «Anexo» ao presente «Aditamento» que, rubricado pelas partes, faz parte integrante do presente documento. 3. Qualquer alteração da lista constante do «Anexo» referido no número dois apenas será válida após autorização escrita das Primeira e Segunda Outorgantes. 4. A Terceira Outorgante obriga-se perante a Primeira e Segunda Outorgantes a enviar-lhes mensalmente a informação dos valores líquidos de remunerações, bem assim como as declarações comprovativas de situação contributiva e fiscal regularizada referente aos trabalhadores constantes do anexo ao presente aditamento, emitidas, respetivamente, pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária. 5. A Primeira Outorgante, nos pagamentos mensais que realizar à Terceira Outorgante na sequência da prestação de serviços acordada, procederá à retenção mensal de um valor igual a dois, doze avos (2/12) do total mensal pago aos trabalhadores/vigilantes, para constituir uma reserva para liquidar os valores das remunerações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nos meses que lhes correspondam. 6. Os serviços prestados pela Entidade Adjudicatária serão faturados à Primeira Outorgante, que procederá diretamente aos respetivos pagamentos, deduzindo os montantes liquidados nos termos do número um e as retenções previstas no número cinco da presente Cláusula e na Cláusula Sétima; 7. Caso a Terceira Outorgante não cumpra o disposto no número quatro desta Cláusula, a Primeira Outorgante reserva-se ao direito de reter nos pagamentos devidos à Terceira Outorgante os valores relativos às contribuições para a Segurança Social e para a Autoridade Tributária relativamente aos trabalhadores constantes do «Anexo» ao presente «Aditamento». Cláusula Sétima Uma vez que a Terceira Outorgante nunca prestou às Primeira e Segunda Outorgantes a caução estipulada na Cláusula Sétima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações assumidas no presente «Aditamento», a Primeira Outorgante, nos pagamentos mensais que realizar à Terceira Outorgante pela prestação de serviços contratada, procederá à retenção mensal de um valor igual a trinta porcento (30%) do valor de cada fatura. Cláusula Décima 1. Todas as Outorgantes expressamente acordam que constituem obrigações da Entidade Adjudicatária, para além das já acordadas, sob pena de resolução com justa causa do «Contrato» celebrado: a) Não ceder a terceiros os créditos resultantes do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, nem os resultantes do presente «Aditamento»; b) Não celebrar contratos de prestação dos mesmos serviços com quaisquer entidades utilizadoras dos espaços que constituem objeto do «Contrato» celebrado em 24 de junho de 2008; c) Contribuir ativamente para a obtenção por parte das Entidades Adjudicantes da certificação de qualidade, ambiente e segurança das Portas do Mar; d) Guardar sigilo quanto a todas as informações que venham ao seu conhecimento como consequência do «Contrato» celebrado e do presente «Aditamento» e/ou pela execução dos serviços contratados; e) Comunicar de imediato às Entidades Adjudicantes de qualquer anomalia ou de qualquer evento relevante no âmbito da gestão das Portas do Mar, designadamente de reclamações que lhe sejam apresentadas; f) Respeitar as orientações emanadas das Entidades Adjudicantes quanto à prestação de serviços e bem assim quanto às respostas a reclamações recebidas; g) Reunir com as Entidades Adjudicantes sempre que para isso for solicitada; h) Manter na execução do «Contrato» celebrado e do presente «Aditamento» todos os recursos humanos e equipamentos necessários ao seu integral e pontual cumprimento, não os desafetando ainda que temporariamente; i) Comunicar às Entidades Adjudicantes a instauração de qualquer procedimento disciplinar a pessoal afeto ao serviço; j) Substituir os trabalhadores que forem indicados pelas Entidades Adjudicantes, desde que seja por causa razoável; k) Cumprir com as rotinas de comunicação que forem determinadas pelas Entidades Adjudicantes. 2. Sempre que a Entidade Adjudicatária for solicitada para prestar serviços da mesma natureza a utilizadores do espaço Portas do Mar, deverá comunicar de imediato às Entidades Adjudicantes, de forma a que tais serviços da mesma natureza sejam contratados por estas, que os incluirão no âmbito do «Contrato» celebrado em 24 de junho de 2008 nas condições que vierem a ser acordadas. Cláusula Décima Quarta O presente «Aditamento» tem início na data de assinatura do presente documento e o respetivo termo em 08 de maio de 2022. 7. Os valores não liquidados pela R. à A. por reporte às faturas que estão em 4., foram-no, tal como a A. tem ciência disso, para constituição da garantia a que se reportam as cláusulas quarta e sétima do aditamento referido em 6.; 8. A R., em reunião com a então administração da A., disponibilizou-se a libertar parte dos fundos que retém, desde que aquela provasse que inexistiam dívidas à autoridade tributária e à segurança social relativas a uma relação nominal dos vigilantes que ao longo do contrato prestaram serviços no empreendimento gerido pela requerida e pela sua consorciada, obrigações essas que nos termos da lei prescrevem em 8 anos; 9. A A., até hoje, nunca conseguiu demonstrar o que se aponta em 8.; 10. No âmbito do processo falimentar da A., nenhum dos trabalhados afetos por ela à execução do contrato aqui em causa, reclamaram créditos salariais; 11. A Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA., ainda que não se logre descortinar por reporte a que trabalhadores em concreto, tem dívidas relativas a retenções que não entregou à AT e dívidas correspondentes a contribuições/cotizações que não entregou à SS, que integram o período que vai de 1 de fevereiro de 2021 e maio de 2022. Foi dado como não provado que: 12. Que a R. não pagou e não se aprestou a pagar os valores que não entregou à A. nos termos avançados acima no ponto 4. Por acórdão da Formação neste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10 de Julho de 2025, foi admitido o recurso de revista excepcional nos seguintes termos: “a) Da relevância jurídica A Formação tem vindo a defender que a relevância jurídica de uma questão deverá ser revelada pelo elevado grau de complexidade que lhe inere, pela circunstância de suscitar controvérsia a nível doutrinário e/ou jurisprudencial ou pelo seu caráter inédito, a demandar uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça suscetível de constituir orientação jurisprudencial na matéria. Alega a recorrente que “(…) o fato atinente à validade e eficácia de uma garantia, seja ela qual for, e desde logo uma caução, perante a verificação de uma situação de insolvência de quem a prestou, é por si só uma questão de relevantíssima importância jurídica, atento ser transversal a todo o panorama jurídico, que merece uma apreciação por parte do nosso tribunal superior.” Sendo que “(…) a decisão que se impuser, máxime, pela verificação de outras decisões dissonantes, irá ter repercussões ao nível da interpretação e aplicação do direito.” Mais alega que “o processo de insolvência aplica-se sempre a muito mais do que duas partes, e tem relevância que se espalha como a água, que tudo invade, reclamando por este carácter, que se reconhece até pela conhecida designação de execução universal, uma especial ponderação, que por vezes situações apenas circunscritas a duas partes, mais circunscritas, não reclama. A questão surge alias de especial complexidade, e de especial importância, porque é alias totalmente nova no que se refere à ponderação do regime a que se refere o n.º 1 do artigo 60-B da Lei 46/2019 de 8 de Julho.” No caso em apreço, o Tribunal da Relação de Lisboa expressamente apreciou a questão enunciada pela recorrente, afirmando que “não desconsideramos eventuais efeitos da declaração de insolvência da recorrente na relação contratual com a recorrida. Um dos efeitos da insolvência é a apreensão dos bens do devedor, que sejam susceptíveis de serem penhorados, com excepção dos bens que se encontrem apreendidos em processo penal ou contra-ordenacional, por virtude, respetivamente, de infração criminal ou de mera ordenação social (artigo 149º do CIRE). Esta apreensão é necessária para que sejam pagos os créditos de todos os credores em condições de igualdade consoante a natureza dos seus créditos e suas garantias, os quais têm que os reclamar no processo de insolvência e aí exercer os seus direitos.” Citando o acórdão apresentado pela recorrente como acórdão fundamento, é dito pelo tribunal recorrido que “tal jurisprudência foi construída para situações em que sendo insolvente o subempreiteiro, devem ser objecto de apreensão em processo de insolvência daquele as quantias que eram devidas a título de parte do preço devido pela execução da obra da subempreitada, retidas pelo empreiteiro como caução para garantia do bom cumprimento da obra durante o prazo de garantia. Aqui, encontramo-nos em cenário longinquamente distinto, dado que, como se observa da decisão recorrida, não se afigura a existência de um incumprimento do contrato celebrado entre recorrente e recorrida no que toca ao pagamento do preço, mas sim de garantia de créditos de entidades terceiras -neste caso, entidades públicas nevrálgicas na cobrança de impostos e contribuições imperativas para qualquer cidadão/entidade a operar em território nacional- e, cuja satisfação, por parte da recorrida, obedece não a uma lógica meramente contratual, mas sim a um regime de solidariedade passiva que deriva do regime legal já supra citado -artº.60º-B, da Lei nº.46/2019-, pelo que não existe o dever de entregar os montantes constituídos a título de caução. Como resulta do acórdão recorrido, provou-se que em razão de problemas financeiros por que a Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. passava, nomeadamente no que tocava ao pagamento dos salários dos trabalhadores afetos à execução do contrato celebrado com a ré, e como forma de garantir essa execução, em aditamento àquele contrato, celebrado em 23.12.2020, aquela sociedade Provise acordou com a ré e com a Tecnovia Parques - Sociedade de Construção, Gestão e Exploração de Parques de Estacionamento, Lda., o seguinte: - que a ré passaria a pagar, diretamente àquele grupo de trabalhadores, mensalmente e para as contas bancárias deles, os respetivos salários líquidos os quais lhe haveriam de ser comunicados pela entidade patronal; - que cabia à entidade patronal - a Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. - entregar à AT e à SS as retenções, contribuições/cotizações legais devidas em razão de tais trabalhadores; - que a ré abateria o valor dos salários pagos no preço fixado no contrato; - que a ré procederia à retenção mensal de um valor igual a dois, doze avos (2/12) do total mensal pago aos trabalhadores/vigilantes, para constituir uma reserva para liquidar os valores das remunerações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nos meses que lhes correspondam; e - uma vez que a Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. nunca prestou à ré e à Tecnovia Parques - Sociedade de Construção, Gestão e Exploração de Parques de Estacionamento, Lda. a caução estipulada na Cláusula Sétima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações assumidas no presente «Aditamento», a ré, nos pagamentos mensais que realizar à Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. pela prestação de serviços contratada, procederá à retenção mensal de um valor igual a trinta porcento (30%) do valor de cada fatura. Mais se provou que a Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. enviou à ré as faturas correspondentes ao serviço prestado, das quais esta não reclamou, pagando-os àquela por valor a que deduziu os 2/12 e os 30% a que se reportam as cláusulas quarta e sétima do aditamento ao contrato e com o fito de se constituírem a reserva salarial e a garantia faladas. O tribunal recorrido considerou que os 30% do valor de cada fatura constituem uma caução prestada pela sociedade Provise, sendo esse valor retido pela ré, em garantia do cumprimento por aquela das obrigações de entrega à AT e à SS das retenções, e contribuições/cotizações legais devidas em razão dos trabalhadores que prestam os serviços contratados com a ré. Com a declaração de insolvência da sociedade Provise, coloca-se então a questão de saber se o valor correspondente a esses 30% devem ou não ser apreendidos para a massa insolvente, uma vez que a totalidade dos credores dessa sociedade, incluindo o Estado, através da Autoridade Tributária e da Segurança Social, terá obrigatoriamente de reclamar os seus créditos no processo de insolvência para obter a respetiva satisfação, consoante a disponibilidade do património apreendido. Cremos, assim, que a resolução do caso concreto depende da articulação do teor do contrato celebrado entre as partes com os efeitos da declaração de insolvência da prestadora da garantia, tendo ainda em consideração o regime de solidariedade passiva imposto por lei imperativa (Lei 46/2019 de 8 de Julho), o que convoca operações de subsunção jurídica de complexidade atípica, ante a pluralidade dos institutos jurídicos envolvidos e a especificidade da matéria de facto subjacente. Neste conspecto, mostra-se curial, a nosso ver, que o STJ dispense ao caso um derradeiro olhar clarificador e estabilizador, num domínio em que se jogam interesses económicos de relevância não despicienda. A esta luz, conclui-se pela admissibilidade da revista excecional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC quanto à questão enunciada pela recorrente. Uma vez que o juízo positivo quanto à admissibilidade da revista excecional se basta com a verificação de qualquer uma das situações previstas nas três alíneas do nº. 1 do art. 672.º do CPC, resulta prejudicada, por inútil, a apreciação do restantes fundamento recursivo invocado”. III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. Entrega à massa insolvente do montante respeitante à retenção de 30% nas facturas emitidas pela sociedade insolvente à ora Ré e não impugnadas por esta. (In)subsistência e (in)eficácia da garantia contratual (caução) consensualmente estabelecida entre os celebrantes do contrato de prestação de serviço perante a responsabilidade solidária passiva da Ré no pagamento, legalmente imposto, dos débitos resultantes do eventual incumprimento pela sociedade prestadora da garantia - e que veio a ser declarada insolvente - de obrigações tributárias e respeitante a contribuições em falta à Segurança Social (quanto a um conjunto discriminado de trabalhadores identificados em anexo ao contrato). Passemos à sua análise: Cumpre, antes de mais, salientar que o acórdão proferido pela Formação, no exercício dos poderes que o artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil lhe confere, enfatizou que: “Cremos, assim, que a resolução do caso concreto depende da articulação do teor do contrato celebrado entre as partes com os efeitos da declaração de insolvência da prestadora da garantia, tendo ainda em consideração o regime de solidariedade passiva imposto por lei imperativa (Lei 46/2019 de 8 de Julho), o que convoca operações de subsunção jurídica de complexidade atípica, ante a pluralidade dos institutos jurídicos envolvidos e a especificidade da matéria de facto subjacente. Neste conspecto, mostra-se curial, a nosso ver, que o STJ dispense ao caso um derradeiro olhar clarificador e estabilizador, num domínio em que se jogam interesses económicos de relevância não despicienda”. Ou seja, entendeu a Formação que a revista excepcional deveria ser admitida por estar em causa a “articulação do teor do contrato celebrado entre as partes com os efeitos da declaração de insolvência da prestadora da garantia, tendo ainda em consideração o regime de solidariedade passiva imposto por lei imperativa (Lei 46/2019 de 8 de Julho)”, circunscrevendo, nesses precisos termos, o tema jurídico essencial que compete agora ser devidamente dilucidado no presente acórdão. Deverá considerar-se prejudicada a questão de natureza estritamente processual suscitada pela recorrida e resultante do facto de instância se haver iniciado com um simples requerimento de injunção por incumprimento de contrato de fornecimento de bens e serviços, entretanto transmutado para acção declarativa comum com a apresentação – a convite do tribunal - de petição inicial corrigida (e melhor concretizada) em que a A. aludiu expressamente à caducidade da garantia constituída em favor da Ré à data da declaração de insolvência, e por efeito desta, matéria aliás sobre a qual a Ré teve plena oportunidade de exercer o devido contraditório (cfr. despacho proferido a 14 de Junho de 2023). Na sentença proferida em 1ª instância concluiu-se – e bem – que “não se figura, assim, um incumprimento do contrato no que toca ao pagamento do preço, o que existe é um direito de retenção dos valores em causa por serem garantia”. O acórdão recorrido centrou a sua análise sobre o (para si inexistente) dever de entrega do montante retido a título de caução à massa insolvente, não obstante um dos efeitos da declaração de insolvência ser precisamente a apreensão dos bens do devedor (nenhuma dúvida subsistindo quanto à titularidade desses valores, sendo devidos na integralidade – como a demandada reconhece - à sociedade que veio a ser declarada insolvente), e fazendo menção expressa à aplicação do artigo 149º, nº 1, do CIRE. O que significa que, embora não se verifique o incumprimento contratual que a requerente inicialmente acusava, a discussão jurídica poderá/deverá de centrar-se na obrigação (existente ou não) de entrega dos valores retidos pela Ré à massa insolvente, por força da conjugação com as normas do CIRE (em particular o seu artigo 149º), conforme assim determinou o acórdão da Formação, e é aliás corroborado pelo facto da própria recorrida se conformar, não recorrendo, da parte da sentença proferida em 1ª instância em que precisamente se determinou que a R. Norma - Açores, Sociedade de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Regional SA. devolvesse à A. a A Massa Insolvente de Provise - Sociedade de Proteção, Vigilância e Segurança, SA. o valor que reteve e correspondente aos 2/12 (dois doze avos) do total mensal que pagou aos trabalhadores/vigilantes adstrito à execução do contrato (embora não existisse também aí qualquer tipo de incumprimento contratual por parte da ora demandada e estivessem reunidos todos os pressupostos argumentativos que levaram a demandada pugnar pela improcedência da acção na parte sobrante). A confirmar, de forma insofismável, esta mesma conclusão está ainda o facto de a própria Ré ter aceitado e declarado expressamente na audiência final realizada em 8 de Janeiro de 2024 que “no que toca aos temas da prova, esclarece que nada tem a opor ao valor facturado, porque entende que ele é devido na sua integralidade e nos termos em que vem pedido, apontando apenas para a necessidade de discussão da questão relacionada com o direito de retenção”. Não assiste, por conseguinte, razão à recorrida relativamente ao que alega nos artigos 12º a 15º das suas contra-alegações, não se prefigurando nos autos a menor violação de princípios basilares do processo civil ou de preceitos de natureza constitucional. Pelo que desenvolveremos nesta perspectiva a análise e o conhecimento da presente revista. Considerou-se essencialmente no acórdão recorrido: 1º - A Ré não incorreu em incumprimento contratual perante a A. na medida em que actuou em plena e perfeita conformidade com o acordado na cláusula sétima supra transcrita, onde se prevê: “Uma vez que a Terceira Outorgante nunca prestou às Primeira e Segunda Outorgantes a caução estipulada na Cláusula Sétima do «Contrato de Prestação de Serviços» celebrado em 24 de junho de 2008, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações assumidas no presente «Aditamento», a Primeira Outorgante, nos pagamentos mensais que realizar à Terceira Outorgante pela prestação de serviços contratada, procederá à retenção mensal de um valor igual a trinta porcento (30%) do valor de cada fatura”. Com efeito, dispõe a este respeito, o artigo 60º-B da Lei nº 49/2019, de 8 de Julho: “1 - As entidades contratantes de serviços de segurança privada são solidariamente responsáveis com as empresas contratadas pelos pagamentos devidos aos trabalhadores que executem o serviço convencionado, bem como pelas respetivas obrigações contributivas em matéria fiscal e de segurança social. 2 - Quando o preço contratual for superior a 200.000 (euro), as empresas de segurança privada devem proceder à prestação de caução às entidades contratantes de serviços de segurança privada, destinada a garantir o exato e pontual cumprimento de todas as respetivas obrigações legais e contratuais. 3 - O valor da caução é, no máximo, de 5 /prct. do preço contratual, devendo ser fixado em função da expressão financeira do respetivo contrato. 4 - Nos casos em que não se verifique a prestação de caução, pode a entidade contratante, se o considerar conveniente, proceder à retenção de até 10 /prct. do valor dos pagamentos a efetuar, desde que tal faculdade se encontre contratualmente prevista”. 2º - A garantia em análise reveste a natureza de caução, ou seja, corresponde à entrega feita por uma das partes à outra de certa quantidade de coisas móveis para garantia da cobertura do dano proveniente do não cumprimento de determinada obrigação. A mesma visa acautelar a beneficiária da garantia quanto à existência de possíveis créditos de terceiras entidades (responsáveis pela cobrança de dívidas tributárias e de contribuição para a segurança social), obedecendo a uma lógica que resulta, não de um determinado contexto contratual, mas de um regime de solidariedade passiva imposto legalmente. 3º - A decretação da insolvência e a ausência de reclamação de créditos a este propósito não obstam ao direito da Ré a manter tal garantia, nem produzem a sua caducidade. Por um lado, a recorrida não é credora da recorrente pelo que não tem aplicação do disposto no artigo 50º do CIRE. Por outro, não revestindo o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida a natureza de contrato de mandato é inaplicável à situação sub judice o disposto no artigo 110º, nº 1, do CIRE. 4º - Nada garante neste momento que a Autoridade Tributária e os Serviços de Segurança Social não venham a exigir os pagamentos a que se reporta a retenção realizada, ao abrigo da cláusula contratual que o preveniu, responsabilizando nessa medida a Ré, ora recorrida. Ou seja, enquanto perdurar essa mesma possibilidade (que cessará necessariamente com o decurso do respectivo prazo prescricional), a retenção é legítima e não é afectada pelos efeitos da declaração de insolvência da sociedade que prestou tais serviços de vigilância e segurança. Em sentido oposto pronunciou-se a recorrente através da seguinte argumentação essencial: 1ª - A recorrente entende que a ré não é credora, ainda que por razões distintas das desenvolvidas no acórdão recorrido. Contudo, daqui deveria decorrer imediatamente a ineficácia da sua garantia, ao invés de se ter considerado que não obstante não ser credora, ainda assim, poderia reter os bens e ou direitos dados em garantia. 2ª – A Ré nem sequer sepoderáefetivamenteconsiderar como sendo titular de um crédito, mas de uma mera expectativa, o que implicaria que não se poderia prevalecer de uma garantia de um crédito que não existiria. 3ª – A considerar-se que a Ré seria titular de um crédito sob condição, então ré recorrida teria sempre de o ter reclamado no processo de insolvência, como condição para sustentar neste processo o pedido de validade da caução, como facto impeditivo do direito da recorrente ora massa insolvente. Não o tendo feito, não poderá pois, e mais uma vez se refere, prevalecer-se da aludida garantia para obstar que a autora fosse investida nos seus direitos patrimoniais. 4ª - Se se considerar necessário a reclamação de créditos para que uma qualquer parte possa exercitar os seus direitos no âmbito de um processo de insolvência, naturalmente, se não o faz, perde-os, cessam, ou genericamente caducam, pelo seu não exercício, como é o caso aqui, sendo que a consideração contrária leva a que, seja dispensada qualquer ação por parte do titular de um direito de crédito, perante a existência de um processo de insolvência, para continuar a beneficiar do seu direito de crédito. 5ª - Com a decretação de insolvência, os possuidores de bens da massa insolvente tenham de os entregar, devendo, depois, e se o quiserem e ou requererem, ocupar o seu lugar na lista de credores e ser pagos de acordo com as preferências que se lhes reconhecer. E a situação ganha aliás especial acuidade, quando se esteja perante uma situação em que o titular do direito de garantia nem sequer reclama em sede de insolvência um qualquer direito que justifique a manutenção da posse sobre o objeto da mesma. 6ª - Está em causa é um crédito da ré sobre a insolvente, fruto da exigência por parte do Estado de um qualquer crédito, pelo que aduzir argumentos inerentes à especificidade dos créditos fiscais, não faz sentido e prejudica a jusante os raciocínios. 7ª - A ré quando contratou com a sociedade Provise S.A. a prestação de serviços de segurança sabia que corria o risco de ter de responder de forma solidaria perante os créditos que o Estado tivesse, devido ao não pagamento de quotizações e dividas à AT nos termos do artigo 60.º-B da Lei nº.46/2019, de 8 de Julho, pelo que nada de novo se passará se lhe vier a ser exigido o aludido pagamento que e então como credora, e colocada na posição igual a todos os restantes credores da massa insolvente, poderá reclamar, e aguardar o seu reconhecimento, graduação e rateio no pagamento. Ou seja, não se verifica, qualquer razão para ter um qualquer tratamento privilegiado relativamente a todos os restantes credores da massa insolvente, apenas porque o seu putativo crédito pode ter resultado do não cumprimento de uma obrigação da insolvente e a sua garantia resultar não apenas de um contrato, como todos os outros, mas e ainda de uma natureza legal. 8ª - No acórdão em crise cria-se uma situação nova que não tem qualquer amparo na unanimidade da jurisprudência, no que aos efeitos do regime da insolvência concerne e sua prevalência sobre os direitos de terceiros. 9ª – Em suma, foi violado o violado o disposto no artigo 149º, nº 1, do CIRE, na medida em que entendeu-se que o titular do direito de garantia constituídopor umacauçãonos termos dodispostono n.º 1 do artigo60-B daLei nº. 46/2019, de 8 de Julho, pode reter os valores que constituem a caução, ainda que venha a ser decretada a insolvência do garante e não os entregar a massa insolvente, corroborado com o facto de que a ré não alegou e muito menos provou que havia reclamado o seu crédito em sede da insolvência da autora apelante. Apreciando: Afigura-se-nos assistir razão à recorrente. Nos termos do artigo 149º, nº 1, do CIRE: “Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a. Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social.”. Retira-se desta disposição legal que um dos efeitos da insolvência consiste na apreensão dos bens do devedor, plenamente justificada por ser imperioso que os créditos de todos os credores da insolvente, no âmbito de uma execução de natureza universal, sejam pagos em condições de necessária igualdade consoante a sua natureza e garantias, abrangendo tais créditos todos os bens na titularidade da insolvente. É o que resulta aliás e igualmente do disposto no artigo 46º, nº 1, do CIRE quando se afirma no preceito: “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência (…)”. (Sobre esta matéria vide, entre outros, Catarina Serra in “Lições de Direito da Insolvência”, 2ª edição, 2021, a páginas 258 a 260; Luís Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 8ª edição, Almedina 2018, a páginas 169 a 170; Maria do Rosário Epifânio in “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª edição, Almedina Outubro de 2020, a páginas 305 a 306; Alexandre Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina Fevereiro de 2015, a páginas 96 a 97; Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina 2013, a páginas 419 a 420; Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid juris 2015, a páginas 563 a 565; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2023 (relatora Ana Resende), proferido no processo nº 2862/11.7TBFUN-C.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se fez notar que “Assim a sentença que declara a insolvência decreta a apreensão de todos os bens do devedor, ainda que de alguma forma penhorados, apreendidos ou detidos, art.º 36, do CIRE, que passam a constituir a massa insolvente, abrangendo todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, excluídos em princípio, os que ainda que passíveis de avaliação pecuniária, estão isentos de penhora, ficando confiados em regra ao administrador da insolvência, artigos 46, 149, n.º1 e 150, n.º 1, do CIRE.”; o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2024 (relator Emídio Santos), proferido no processo nº 9160/15.5T8VNG-H.P3-A.S1-A, e publicado no Diário da República Iª Série de 23 de Abril de 2024, onde se escreveu que “O produto da venda dos bens penhorados em processo de execução, no qual tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com trânsito em julgado, só é de considerar pago ou repartido entre os credores, para os efeitos do artigo 149.º, n.º 2, do CIRE, com a respetiva entrega.”, conclusão esta que tem subjacente o entendimento de que o produto da venda dos bens do devedor (quer se trate de venda em execução ou de venda em cumprimento da cessão de bens aos credores), enquanto não for pago ou distribuído pelos credores faz parte do património daquele – devedor -). Acresce ainda que constitui obrigação específica de cada um dos credores da insolvente reclamar os seus créditos no processo de insolvência, aí exercendo os correspondentes direitos. No mesmo sentido, o reconhecimento dos privilégios ou garantias sobre bens pertencentes ao devedor insolvente deve imperativamente ter lugar no quadro legal especialmente definido pelo CIRE. Do que resulta que, nada obstando à apreensão a efectuar pelo administrador no âmbito do processo de insolvência, deixa de se justificar, carecendo de base legal, a detenção de quantias retidas por terceiro a título de garantia (caução), sendo que esta deverá reportar-se a créditos objecto de reclamação na insolvência (ainda que condicionalmente, nos termos do artigo 50º do CIRE). In casu, não pode subsistir qualquer tipo de dúvida de que os valores correspondentes a 30% (trinta por cento) que foram retidos do montante global das facturas emitidas pela sociedade ora insolvente à ora Ré – nunca impugnadas por esta –, actuação que teve a ver com a garantia contratual de cumprimento de obrigações – ainda que laterais às obrigações principais decorrente do contrato de prestação de serviços – qualificando-se juridicamente como uma caução nos termos dos artigos 623º e seguintes do Código Civil, integram o património pertencente à massa insolvente e à mesma deverão, por isso mesmo, ser imediatamente restituídos. Ou seja, não existe, a nosso ver, fundamento legal que obste à sua imediata apreensão legalmente determinada nos termos do artigo 149º, nº 1, do CIRE, correspondendo precisamente a instauração da presente acção à forma de prossecução prática pelo administrador da insolvência de tal concreto desiderato (conforme a Ré bem entendeu e a que concretamente se opôs). Com efeito, havendo a caução sido prestada pelo próprio devedor (mediante depósito ou retenção de valores seus), a mesma não integra manifestamente nenhuma das excepções previstas no artigo 149.º do CIRE, não se tratando de um bem alheio ao património da insolvente e havendo, nessa medida e consequentemente, de ser apreendida para a massa insolvente, sendo certo que recai sobre o retentor, beneficiário da garantia, o ónus de reclamar o seu crédito, caso o mesmo exista, em sede de insolvência e segundo as suas normas próprias. Mesmo perante um contexto de inexistência de incumprimento contratual entre as partes, donde resulta que nenhuma é (actualmente) credora da outra, não é possível deixar de tomar-se em consideração que se trata de valores pecuniários em poder da demandada e que são da efectiva titularidade da massa insolvente – como aquela aliás abertamente reconhece. Ou seja, a Ré não reteve em seu poder tal percentagem do preço devido pela prestação de serviços realizada pela sociedade contraparte no contrato por entender que os ditos valores não lhe são contratualmente devidos. Bem pelo contrário, tem a Ré plena e absoluta consciência de que os mesmos se destinam a ser entregues à sociedade insolvente dado que não lhe foram pagos, não obstante encontrarem-se prestados os correspondentes serviços de vigilância e segurança que foram contratualizados. A razão que a fez foi manter tais valores em seu poder, ao abrigo de determinada cláusula que prevê a dita garantia (caução), foi a de pretender acautelar-se quanto à hipótese futura de vir a ser responsabilizada pelas dívidas que vierem porventura a ser exigidas pelo Fisco e/ou pelos Serviços da Segurança Social à sociedade com quem manteve tal relacionamento contratual. Ora, a simples e vaga probabilidade ou a absctracta conjectura acerca da futura (e incerta) actuação da Autoridade Tributária e dos Serviços da Segurança Social contra a ora Ré, respaldada no regime especial de responsabilidade solidária legalmente estabelecido no artigo 60º-B da Lei nº 49/2019, de 8 de Julho, - particularmente exigente (apenas abrangendo as eventuais – e ora desconhecidas – dívidas da insolvente ao Fisco e à Segurança Social que disserem concretamente respeito ao conjunto de trabalhadores identificados no anexo aceite pelos celebrantes do aditamento ao contrato – e não a outros), não constitui fundamento bastante para deixar fora do alcance do exercício dos poderes do administrador da insolvência, actuando em exclusivo benefício do interesse geral dos credores da insolvente, um conjunto de valores pecuniários que se integram de pleno no âmbito patrimonial da massa insolvente e que, por isso mesmo, a esta devem ser entregues. Dito de outra forma, a apreensão dos montantes retidos a título de caução surge, em termos necessários, como condição de eficácia do princípio da universalidade da massa tendente a garantir dessa forma a tutela paritária dos credores, redundando a solução oposta na apropriação indevida – ainda que temporariamente - de bens pertencentes à insolvente. Isto é, não há nenhum base jurídica válida para diminuir em termos práticos a garantia geral dos credores da insolvente quanto a montantes pecuniários a que esta tem indiscutivelmente direito e que se encontram actualmente retidos à espera de um acontecimento futuro e não previsível, não fazendo outrossim sentido que tenham obrigatoriamente de aguardar, a longo e distante prazo, pela verificação de outros imaginados factos extintivos (prescrição ou caducidade) do direito de acção desses hipotéticos credores do detentor. A própria natureza urgente do processo de insolvência consagrada genericamente no artigo 9º do CIRE revela-se totalmente contrária à manutenção de tal situação de indefinição temporal e de arrastamento da sua completa clarificação anos a fio, como se nos afigura evidente. A tutela dos interesses gerais prosseguidos no processo insolvencial e a devida, atempada e integral satisfação do conjunto de credores reconhecidos da sociedade insolvente, em condições paritárias e em conformidade com os critérios legais fixados, impõem que a massa insolvente seja integrada por todos os valores que a esta são actualmente devidos, não se compreendendo a subsistência e eficácia da garantia invocada pela Ré, a qual não se funda em qualquer tipo de crédito sobre a insolvente de que seja (actualmente) titular, mas unicamente numa mera hipótese de possível exercício de direito de regresso futuro em função do regime especial de solidariedade passiva a que foi sujeita, de concretização completamente incerta e totalmente indefinida. Pelo que se concede a revista. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) conceder provimento à revista, revogando o acórdão recorrido e condenando a Ré a entregar à massa insolvente A. os montantes retidos na proporção de 30% das facturas identificadas nos autos, acrescida de juros à taxa legal devidos desde a data da citação para a presente acção. Custas pela recorrida. Lisboa, 21 de Outubro de 2025. Luís Espírito Santo (Relator). Anabela Luna de Carvalho. Luís Correia de Mendonça. V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |