Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ACÁCIO DAS NEVES | ||
Descritores: | ACÇÃO DE PREFERÊNCIA AÇÃO DE PREFERÊNCIA PRÉDIO CONFINANTE DIREITO DE PREFERÊNCIA TITULARIDADE HERANÇA INDIVISA HERDEIRO PEDIDO IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 10/04/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA E CONFIRMADO O ACÓRDÃO RECORRIDO | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE – DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÕES EM GERAL / HERANÇA JACENTE / ACEITAÇÃO DA HERANÇA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / INTERVENÇÃO PROVOCADA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 249.º, 2046.º E 2056.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 12.º, ALÍNEA A) E 316.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 02-02-2015, PROCESSO N.º 102048/12.7YIPRT.P1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 16-04-2016, PROCESSO N.º 4933/13.6TCLRS.L1-8, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | A ação de preferência com fundamento na venda de um prédio confinante com um prédio integrado em herança não partilhada, deve ser julgada improcedente se vem formulado pedido de reconhecimento do direito de propriedade daquele prédio a favor dos herdeiros e não a favor da herança. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na sequência e no âmbito do recurso de apelação interposto pelos Réus, a Relação de Guimarães, revogou a sentença recorrida e absolveu os Réus do pedido. Inconformados, interpuseram o Autor e a Chamada o presente recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões: 1ª - A 1.ª Instância deu como provado que da relação de bens apresentada por óbito de HH, consta o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1627, da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., denominado ..., sito no ..., não havendo assim dúvida que este terreno integrava a herança da mãe dos Recorrentes. Da retificação do pedido: 2ª - O pedido formulado na PI padece de evidente erro de escrita, onde se diz “transfira para a propriedade do Autor os prédios alienados...”, queria obviamente dizer-se “transfira para a propriedade do Autor e da Chamada os prédios alienados...”. 3ª - Trata-se de um erro ostensivo, evidente e devido a lapso notório, do qual se apercebe qualquer leitor da própria Petição Inicial, não só porque na alínea imediatamente anterior já se pedia para ser declarado que “... o Autor e a Chamada são titulares do direito de preferência ...”, como todo o articulado se baseia nos direitos de propriedade e de preferência do Autor e da Chamada, direitos que ao longo do mesmo são por diversas vezes afirmados, quer ainda por ser precisamente essa a razão pela qual o Autor chamou aos autos a sua irmã como interveniente principal. 4ª - Assim sendo, quer com base no princípio contido no artigo 249º do Código Civil, quer com base no recente artigo 146º do atual CPC, deve ser admitida a retificação do erro de escrita em apreço, o que se requer, passando a ler-se no pedido: “b) Transfira para a propriedade do Autor e da Chamada os prédios alienados, cancelando os respetivos registos de aquisição a favor dos Quarto e Quinto Réus;” 5ª - De resto, o referido erro foi oportunamente detetado e como tal reconhecido e retificado oficiosamente pelo Tribunal de 1.ª Instância, que por isso mesmo ditou que são os Autores que têm o direito de preferência, e, em consequência, logo determinou que o direito de propriedade do terreno preferido passasse para a titularidade dos mesmos, dessa forma retificando oficiosa e tacitamente o patente erro de escrita constante do pedido. Da compropriedade dos Recorrentes: 6ª - À data da entrada da ação em juízo já os Recorrentes haviam registado a seu favor o prédio preferente, conforme resulta da certidão que foi junta à Petição Inicial como documento 4. 7ª - Com esse registo o terreno rústico em discussão nestes autos ingressou na esfera jurídica dos Recorrentes, que passaram assim a ser comproprietários do mesmo em nome próprio, como ingressou também na sua esfera jurídica o direito de preferência. 8ª - O artigo 7.º do Código do Registo Predial estabelece que: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” 9ª - O registo predial, definitivo, a favor dos Recorrentes, constitui presunção de que o direito de propriedade do imóvel em causa existe e pertence aos titulares inscritos, isto é, aos Recorrentes, presunção que só podia ser ilidida mediante a alegação e prova de factos demonstrativos do contrário (cfr. artigo 350.°, n." 2, do CC), prova essa que cabia aos Réus fazer (cfr. artigo 344.°, n.º 1, do CC). 10ª - Os Réus não fizeram prova de que a presunção decorrente do registo não é verdadeira, antes se tendo limitado a invocar, já em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, que o direito de preferência não pertencia aos Recorrentes, mas antes sim à herança. 11ª - Enquanto comproprietários do terreno, os Recorrentes são os únicos e legítimos titulares do direito de preferência em causa nos autos, logo o terreno preferido deverá ingressar na esfera jurídica de ambos. 12ª - Donde, por não ter considerado a propriedade dos Autores decorrente da presunção legal estabelecida pelo artigo 7.° do CRC, o douto Acórdão recorrido violou os artigos 350.° e 1380.° do CC. Por cautela de patrocínio: do excesso de formalismo 13ª - Ainda que se admitisse, sem conceder, que o prédio preferente continua a fazer parte da herança aberta por óbito de HH, mesmo assim a ação deve proceder. Com efeito: 14ª - Nos termos da alínea a) do art. 12.° do CPC, só a herança jacente, isto é, a herança aberta por efeito da morte do seu autor, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (cfr. art. 2046.º do CC), tem personalidade judiciária. 15ª - No caso dos autos não há dúvida que a herança foi aceite pelo A e pela Chamada, pelo que a herança já não tem personalidade judiciária, pertencendo esta ao cabeça-de-casal ou a todos os herdeiros conjuntamente. 16ª - O A. e a Chamada são os únicos herdeiros da sua mãe, pelo que são ambos e cada um deles titulares da totalidade das quotas-partes ideais na herança global, o que significa que estão em juízo os únicos e legítimos titulares da personalidade judiciária relativa à herança. 17ª - O direito de preferência foi exercido conjuntamente pelo A e a Chamada - totalidade dos herdeiros -, estando assim assegurada a legitimidade necessária para exercício de todos e quaisquer direitos relativos à herança. 18ª - Estando presentes na lide todos os sujeitos da relação controvertida, nada impede que a decisão da causa possa produzir o seu efeito útil normal, ou seja, que estabeleça a ordenação definitiva da situação debatida entre as partes. 19ª - São os herdeiros, e não a herança, que têm personalidade jurídica e personalidade judiciária, sendo portanto eles e só eles que podem ser sujeitos dos direitos e obrigações que se discutem na presente ação e partes na mesma. 20ª - O facto da alínea b) do pedido constante da PI referir somente o Autor, foi um lapso que se requereu seja relevado, tendo o pedido, efetivamente, ambos os herdeiros por destinatários. 21ª - Assente que a pretensão tem por destinatários ambos os herdeiros, únicos e legítimos titulares da herança, a improcedência da ação com esse fundamento afigura-se excessivamente formalista. 22ª - Por imperativo dos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da prevalência do fundo sobre a forma, e tendo-se por verificados todos os demais requisitos substantivos e adjetivos de que depende o direito de preferência da herança, o Acórdão recorrido deveria ter decidido que o pedido se destina à herança, que corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros. 23ª - Considerando-se por isso ter havido violação dos referidos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da prevalência do fundo sobre a forma. Julgando neste sentido, estareis Venerandos Conselheiros a fazer uma vez mais justiça. Contra-alegaram os Réus, tomando posição no sentido de dever ser negada a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Em face do conteúdo das conclusões do recurso, enquanto delimitadoras do objeto deste, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer: - retificação do pedido; - compropriedade dos recorrentes resultante do registo; - excesso de formalismo.
Factualidade dada como provada pelas instâncias: Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação, após fazer referência aos pedidos formulados pelo Autor (Declare que o autor e a chamada são titulares do direito de preferência na aquisição dos prédios alienados … Transfira para a propriedade do autor os prédios alienados…) considerou que da factualidade dada como assente resulta que nem o Autor nem a Chamada são proprietários ou comproprietários do prédio preferente, denominado “...”, uma vez que este pertence à herança aberta por óbito da mãe daqueles, e que enquanto a herança se mantiver indivisa, o direito de preferência pertence à herança e não aos herdeiros. E neste contexto fez consignar ainda o seguinte: E dizem ainda que, de resto, tal erro até foi detetado e como tal reconhecido e retificado oficiosamente pelo Tribunal de 1.ª Instância, ao determinar que o direito de propriedade do terreno preferido passasse para a titularidade dos Autores. A parte contrária, nas suas contra-alegações tomou posição no sentido da inadmissibilidade da alteração do pedido nesta fase processual.
Na linha do que se dispõe no art. 249º do C. Civil (“o simples erro de cálculo ou de, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstância em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”), estabelece-se no nº 1 do art. 146º do CPC que “É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada”.
Ora, analisado o contexto da peça processual em questão, ou seja, da petição inicial, afigura-se-nos não estarmos perante uma situação de erro de escrita (nos termos invocados e sendo certo estar fora de causa uma situação de erro de cálculo). Com efeito, sendo que a ação foi intentada apenas pelo Autor, o pedido por ele formulado, de intervenção provocada da Chamada, apenas visou assegurar a sua legitimidade – uma vez que, nos termos em que apresentou a causa de pedir, o prédio preferente fazia parte da herança da mãe de ambos, sendo eles os dois únicos herdeiros habilitados. É o que resulta do disposto no nº 1 do art. 316º do CPC, relativo à intervenção provocada, nos termos do qual “ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”. Ora, face à tese do Autor, subjacente à forma como configurou a ação e em particular a causa de pedir, é manifesto que, para além de precisar da intervenção da co-herdeira, sua irmã, na circunstância a Chamada, o mesmo não podia pedir que se declarasse ser ele (apenas) o titular do invocado direito de preferência. Daí que, sob a al. a) tenha pedido que “Se declare que Autor e Chamada são titulares do direito de preferência na aquisição dos prédios alienados identificados nas alíneas a) e b) do artigo 4 da PI que eram propriedade das 1º, 2º e 3 rés”. Dizem por último os recorrentes que a ação deve proceder, mesmo que se aceite que o prédio preferente continua a fazer parte da herança. Isto porquanto, segundo os mesmos, não havendo dúvidas de que a herança foi aceite pelo Autor e pela Chamada, a mesma não tem personalidade judiciária, nos termos da alínea a) do art. 12.° do CPC, razão pela qual a herança pertence ao cabeça-de-casal ou a todos os herdeiros conjuntamente. Assim, ainda segundo os recorrentes, sendo o A. e a Chamada os únicos herdeiros da sua mãe, são ambos e cada um deles titulares da totalidade das quotas-partes ideais na herança global, o que significa que estão em juízo os únicos e legítimos titulares da personalidade judiciária relativa à herança.
Efetivamente, face ao disposto no art. 12º, al. a) do CPC, apenas a herança jacente tem personalidade judiciária, sendo que, atento o disposto nos artigos 2046º e 2056º do C. Civil, a herança apenas tem a qualidade de herança jacente enquanto a mesma não for aceite ou declarada vaga para o Estado, aceitação essa que pode ser expressa (quando, nos termos do nº 2 do art. 2056, “nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir) ou tácita. Apesar de, conforme supra referido, o A. e a Chamada não terem tido intervenção na escritura de habilitação de herdeiros, aceita-se que face ao registo do prédio, nos termos supra referidos e à posição assumida nos presente autos, se tenha como assente ter havida aceitação da herança. De resto, é este o entendimento que ressalta do acórdão recorrido e nem é sequer posto em causa pelos recorridos nas suas contra-alegações.
E assim sendo, era aos herdeiros, in casu, o A. e a Chamada, que competia o exercício dos direitos relativos à herança. Conforme bem se considerou no acórdão da Relação de Lisboa de 16.04.2016 (proc. nº 4933/13.6TCLRS.L1-8, in www.dgsi.pt), na hipótese de ter havido aceitação da herança, “permanecendo a situação de indivisão do bem que integra a herança, despida ela de personalidade judiciária, os direitos que lhe são relativos devem ser exercido pelos herdeiros”. Todavia, não tendo havido partilha no caso dos autos, o A. e a Chamada apenas podiam exercer o direito de preferência em questão em nome e em representação da herança, que não em nome e no interesse pessoal. Teremos assim que concordar inteiramente com a Relação quando diz que, não tendo havido partilha, o prédio preferente pertence à herança, pelo que o direito de preferência seria da herança, e não dos herdeiros: “É que, não tendo sido partilhada a herança, o direito de propriedade sobre o prédio em questão e, consequentemente, o direito de preferência sobre os prédios confinantes e alienados entre os réus, encontra-se na esfera jurídica da herança. Como tal, autor e chamada, porque ainda não partilhada a herança, não podiam para si invocar o direito de propriedade sobre o prédio rústico mencionado mesmo que este pertencesse à herança aberta por morte de sua mãe. Tão pouco podia ser-lhes atribuído, como foi, a propriedade sobre o dito prédio, por via do invocado direito de preferência, já que este é um direito da herança (que integra o seu património autonomamente) e não dos herdeiros. Logo, os prédios alienados tinham de ingressar no património da herança. Acresce que a apresentação da habilitação de herdeiros, donde constam como herdeiros o próprio autor, bem como a chamada, sua irmã, tem apenas a virtualidade de reconhecer aqueles como sucessores da falecida, não constando do mesmo qualquer partilha de bens do acervo hereditário de HH, sua mãe, partilha na qual tenha sido adjudicado ao autor e chamada ou a algum deles aquele prédio preferente. Até porque na partilha de herança, além dos herdeiros, pode haver outros interessados, como sejam os credores da herança…” Em suma, o direito de preferência em causa nos autos teria que ser exercido, pelos herdeiros (como foi), em representação da herança, mas a favor da própria herança (a titular do direito) – que não a favor dos herdeiros e muito menos (como foi) a favor de apenas um dos herdeiros.
Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido de não merecer censura a decisão da Relação – improcedendo assim também nesta parte as conclusões do recurso e impondo-se negar a revista.
Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 04 de outubro de 2018 Maria João Vaz Tomé
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