Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
541/09.4TBCBC.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
TITULARIDADE
HERANÇA INDIVISA
HERDEIRO
PEDIDO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA E CONFIRMADO O ACÓRDÃO RECORRIDO

Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE – DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÕES EM GERAL / HERANÇA JACENTE / ACEITAÇÃO DA HERANÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / INTERVENÇÃO PROVOCADA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 249.º, 2046.º E 2056.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 12.º, ALÍNEA A) E 316.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 02-02-2015, PROCESSO N.º 102048/12.7YIPRT.P1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 16-04-2016, PROCESSO N.º 4933/13.6TCLRS.L1-8, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

A ação de preferência com fundamento na venda de um prédio confinante com um prédio integrado em herança não partilhada, deve ser julgada improcedente se vem formulado pedido de reconhecimento do direito de propriedade daquele prédio a favor dos herdeiros e não a favor da herança.


Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



AA intentou ação ordinária contra BB, CC, DD, EE e FF.  
     E requereu a intervenção principal provocada de GG, como sua associada.
            Pediu:
a) Se declare que Autor e Chamada são titulares do direito de preferência na aquisição dos prédios alienados identificados nas alíneas a) e b) do artigo 4 da PI que eram propriedade das 1º, 2º e 3 rés;
b) Se transfira para a propriedade do Autor os prédios alienados cancelando os respetivos registos de aquisição a favor do 4º e 5º réus;

Alegou para o efeito e em resumo que o Autor e a Chamada são os únicos herdeiros, já habilitados, de HH, sendo que do acervo hereditário desta faz parte a verba nº 20 – prédio rustico inscrito na matriz sob artigo 1627 da freguesia de ... sito no lugar de ... com área de (ha) 1,850000.                            
Mais alegou que as 1ª, 2ª e 3ª Rés eram comproprietários de dois prédios rústicos (ambos com área inferior à unidade de cultura, um dos quais confinante com aquele outro prédio supra referido e sendo os prédios se de sequeiro) que, por escritura pública de compra e venda de 24.01.2008, venderam aos 4º e 5º Réus – que não são proprietários de prédios rústicos confinantes.
E invocou a titularidade do direito de preferência na venda dos referidos prédios – venda essa da qual lhe não foi dado conhecimento e da qual apenas tomou conhecimento em 03.07.2009.
O autor procedeu ao depósito do preço – fls. 55

Citados, apenas os Réus compradores, EE e FF (4º e 5º Réus) apresentaram contestação – na qual invocaram a caducidade do direito de ação e se defenderam por impugnação.                                         
      E deduziram reconvenção, alegando ter havido simulação do preço, entre o preço declarado na escritura pública e o preço efetivamente pago (€ 30.000,00), que pagaram ainda as despesas suportadas com IMT (€ 345,70) e que realizaram obras, de terraplanagem no prédio no valor de € 30.000 e de construção de um muro de suporte de terras no valor de € 3.120,00, tendo adquirido material no valor de € 1.301,86, e alegando ainda que na qualidade de possuidores de boa-fé, sempre terão direito a ser indemnizados e direito de retenção sobre o prédio.
E, concluíram pedindo, na hipótese de a ação vir a proceder, que os AA sejam condenados a pagar-lhes a quantia de € 30.000,00 relativa ao preço real da compra dos imóveis, acrescida das despesas de IMT e de escritura de (€ 345,70) e do valor das benfeitorias (€ 34.401,86).

Na réplica foi tomada posição no sentido da improcedência da exceção invocada e da reconvenção e que, caso seja julgado procedente o pedido de indemnização formulado pelos Réus pelas obras realizadas nos prédios, que o mesmo seja compensado com a responsabilidade pelas deteriorações de valor a apurar em liquidação sentença.

A chamada apresentou articulado (fls. 142) aderindo à posição do autor.
               
Saneado o processo, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual os Réus foram condenados a:
- Reconhecerem o direito de preferência dos autores em relação à compra dos prédios objeto da escritura pública de compra e venda dos imóveis descritos supra e outorgada a 24.01.2008 ente as primeira a terceira RR e os 4º e 5º RR 
- Verem os Autores substituir-se, aos quarto e quinto Réus, na posição que estes ocupam no contrato de compra e venda titulado pela dita escritura, por força do seu direito de preferência, ficando o prédio a pertencer-lhes;
- Ordenar o cancelamento de qualquer registo feito com base na dita escritura.”
 - Julgar a reconvenção improcedente e da mesma absolver os AA

Na sequência e no âmbito do recurso de apelação interposto pelos Réus, a Relação de Guimarães, revogou a sentença recorrida e absolveu os Réus do pedido.

Inconformados, interpuseram o Autor e a Chamada o presente recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:

1ª - A 1.ª Instância deu como provado que da relação de bens apresentada por óbito de HH, consta o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1627, da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., denominado ..., sito no ..., não havendo assim dúvida que este terreno integrava a herança da mãe dos Recorrentes.

Da retificação do pedido:

2ª - O pedido formulado na PI padece de evidente erro de escrita, onde se diz “transfira para a propriedade do Autor os prédios alienados...”, queria obviamente dizer-se “transfira para a propriedade do Autor e da Chamada os prédios alienados...”.

3ª - Trata-se de um erro ostensivo, evidente e devido a lapso notório, do qual se apercebe qualquer leitor da própria Petição Inicial, não só porque na alínea imediatamente anterior já se pedia para ser declarado que “... o Autor e a Chamada são titulares do direito de preferência ...”, como todo o articulado se baseia nos direitos de propriedade e de preferência do Autor e da Chamada, direitos que ao longo do mesmo são por diversas vezes afirmados, quer ainda por ser precisamente essa a razão pela qual o Autor chamou aos autos a sua irmã como interveniente principal.

4ª - Assim sendo, quer com base no princípio contido no artigo 249º do Código Civil, quer com base no recente artigo 146º do atual CPC, deve ser admitida a retificação do erro de escrita em apreço, o que se requer, passando a ler-se no pedido:

“b) Transfira para a propriedade do Autor e da Chamada os prédios alienados, cancelando os respetivos registos de aquisição a favor dos Quarto e Quinto Réus;”

5ª - De resto, o referido erro foi oportunamente detetado e como tal reconhecido e retificado oficiosamente pelo Tribunal de 1.ª Instância, que por isso mesmo ditou que são os Autores que têm o direito de preferência, e, em consequência, logo determinou que o direito de propriedade do terreno preferido passasse para a titularidade dos mesmos, dessa forma retificando oficiosa e tacitamente o patente erro de escrita constante do pedido.

Da compropriedade dos Recorrentes:

6ª - À data da entrada da ação em juízo já os Recorrentes haviam registado a seu favor o prédio preferente, conforme resulta da certidão que foi junta à Petição Inicial como documento 4.

7ª - Com esse registo o terreno rústico em discussão nestes autos ingressou na esfera jurídica dos Recorrentes, que passaram assim a ser comproprietários do mesmo em nome próprio, como ingressou também na sua esfera jurídica o direito de preferência.

8ª - O artigo 7.º do Código do Registo Predial estabelece que: “O registo definitivo constitui

presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”

9ª - O registo predial, definitivo, a favor dos Recorrentes, constitui presunção de que o direito de propriedade do imóvel em causa existe e pertence aos titulares inscritos, isto é, aos Recorrentes, presunção que só podia ser ilidida mediante a alegação e prova de factos demonstrativos do contrário (cfr. artigo 350.°, n." 2, do CC), prova essa que cabia aos Réus fazer (cfr. artigo 344.°, n.º 1, do CC).

10ª - Os Réus não fizeram prova de que a presunção decorrente do registo não é verdadeira, antes se tendo limitado a invocar, já em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, que o direito de preferência não pertencia aos Recorrentes, mas antes sim à herança.

11ª - Enquanto comproprietários do terreno, os Recorrentes são os únicos e legítimos titulares do direito de preferência em causa nos autos, logo o terreno preferido deverá ingressar na esfera jurídica de ambos.

12ª - Donde, por não ter considerado a propriedade dos Autores decorrente da presunção legal estabelecida pelo artigo 7.° do CRC, o douto Acórdão recorrido violou os artigos 350.° e 1380.° do CC.

Por cautela de patrocínio: do excesso de formalismo

13ª - Ainda que se admitisse, sem conceder, que o prédio preferente continua a fazer parte da herança aberta por óbito de HH, mesmo assim a ação deve proceder. Com efeito:

14ª - Nos termos da alínea a) do art. 12.° do CPC, só a herança jacente, isto é, a herança aberta por efeito da morte do seu autor, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (cfr. art. 2046.º do CC), tem personalidade judiciária.

15ª - No caso dos autos não há dúvida que a herança foi aceite pelo A e pela Chamada, pelo que a herança já não tem personalidade judiciária, pertencendo esta ao cabeça-de-casal ou a todos os herdeiros conjuntamente.

16ª - O A. e a Chamada são os únicos herdeiros da sua mãe, pelo que são ambos e cada um deles titulares da totalidade das quotas-partes ideais na herança global, o que significa que estão em juízo os únicos e legítimos titulares da personalidade judiciária relativa à herança.

17ª - O direito de preferência foi exercido conjuntamente pelo A e a Chamada - totalidade dos herdeiros -, estando assim assegurada a legitimidade necessária para exercício de todos e quaisquer direitos relativos à herança.

18ª - Estando presentes na lide todos os sujeitos da relação controvertida, nada impede que a decisão da causa possa produzir o seu efeito útil normal, ou seja, que estabeleça a ordenação definitiva da situação debatida entre as partes.

19ª - São os herdeiros, e não a herança, que têm personalidade jurídica e personalidade judiciária, sendo portanto eles e só eles que podem ser sujeitos dos direitos e obrigações que se discutem na presente ação e partes na mesma.

20ª - O facto da alínea b) do pedido constante da PI referir somente o Autor, foi um lapso que se requereu seja relevado, tendo o pedido, efetivamente, ambos os herdeiros por destinatários.

21ª - Assente que a pretensão tem por destinatários ambos os herdeiros, únicos e legítimos titulares da herança, a improcedência da ação com esse fundamento afigura-se excessivamente formalista.

22ª - Por imperativo dos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da prevalência do fundo sobre a forma, e tendo-se por verificados todos os demais requisitos substantivos e adjetivos de que depende o direito de preferência da herança, o Acórdão recorrido deveria ter decidido que o pedido se destina à herança, que corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.

23ª - Considerando-se por isso ter havido violação dos referidos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da prevalência do fundo sobre a forma.

Julgando neste sentido, estareis Venerandos Conselheiros a fazer uma vez mais justiça.

Contra-alegaram os Réus, tomando posição no sentido de dever ser negada a revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões do recurso, enquanto delimitadoras do objeto deste, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- retificação do pedido;

- compropriedade dos recorrentes resultante do registo;

- excesso de formalismo.

Factualidade dada como provada pelas instâncias:


1) O autor AA e a chamada GG são filhos e únicos herdeiros de HH (al. A dos factos assentes).
2) Da relação de bens apresentada no 12.º Serviço de Finanças de Lisboa, por óbito de HH, consta o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1627, da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., denominado “..., sito no ... (al. B dos factos assentes).
3) HH faleceu em 01.11.2003 (al. C dos factos assentes).                                                                
   4) O prédio rústico denominado ... sito em ..., na freguesia de ..., concelho de ..., com a área total de 2,460000 (ha), que confronta a norte com II, sul com JJ, nascente com herdeiros de LL e poente com MM, encontra-se inscrito na matriz predial sob o artigo 509 e está descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... (al. D dos factos assentes).
5) A aquisição do direito de propriedade referente ao prédio descrito em D) está inscrita na respetiva Conservatória do Registo Predial a favor dos réus EE e FF (al. E dos factos assentes).
6) Sendo os respetivos sujeitos passivos de tal aquisição os réus BB, CC e DD (al. F dos factos assentes).
7) O prédio rústico denominado ... sito no ..., na freguesia de ..., concelho de ..., com a área total de 2,089000 (ha), que confronta a norte com herdeiros de NN e casa do lameiro, sul com OO, nascente com caminho público e poente com casa dos ..., encontra-se inscrito na 4 matriz predial sob o artigo 1628 e está descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... (al. G dos factos assentes).
8) A aquisição do direito de propriedade referente ao prédio descrito em D) está inscrita na respetiva Conservatória do Registo Predial a favor dos réus EE e FF (al. H dos factos assentes).
9) Sendo os respetivos sujeitos passivos de tal aquisição os réus BB, CC e DD (al. I dos factos assentes). 
10) Os prédios mencionados em B), D) e G) são prédios confinantes (al. J dos factos assentes).
11) E sempre se destinaram, como hoje se destinam, a mato e pastagens (al. K dos factos assentes).
12) Por escritura pública de compra e venda realizada em 24 de Janeiro de 2008, no Cartório Notarial de ..., sito em ..., a primeira ré, por si e em representação da segunda ré, e a terceira ré, declararam vender ao quarto réu e à quinta ré os prédios rústicos identificados em D) e G) dos factos assentes, pelo preço global de € 12.500,00 (al. L dos factos assentes).
13) Na data referida em L), os réus EE e FF não eram proprietários de qualquer prédio rústico confinante com os prédios identificados em D) e G) dos factos assentes.” (al. LL dos factos assentes)
14) No prédio identificado em B) dos factos assentes existe uma mina de água, que através de aqueduto subterrâneo que atravessa o prédio identificado em G) e, bem assim, outros prédios mais baixos, abastece a referida “...”, também esta situada abaixo e bastante longe (al. M dos factos assentes).
15) O acesso ao prédio identificado em B) faz-se por caminho que atravessa o mesmo prédio referido em G) dos factos assentes (al. N dos factos assentes).
16) E, por seu lado, o prédio identificado em D) dos factos assentes encontra-se num plano superior ao prédio identificado em B) (al. O dos factos assentes).
17) Por carta datada de 18 de Agosto de 2009, através do ilustre mandatário do autor, este comunicou ao réu EE o seu interesse na aquisição dos prédios identificados em D) e G) dos factos assentes (al. P dos factos assentes).
18) A fls 55 dos autos consta o depósito de 12.500,00 euros efetuado pelo autor (al. Q dos factos assentes).
19) O prédio identificado em B), tem uma área de 0,9051.
20) O autor tomou conhecimento da venda no dia 3 de Julho de 2009.
21) Quando o quarto réu se dirigiu a sua casa, conhecida como “...” para lhe comunicar que tinha adquiridos os prédios identificados em D) e G) e por causa de obras no muro de separação das propriedades e na conduta subterrânea que atravessa o prédio referido em G), protegendo e enterrando mais as respectivas manilhas, por ser sua intenção plantar uma vinha nesse terreno, tal implicando a preparação da terra com tratores.
22) A conversa referida em 3.º da base instrutória teve lugar à porta de casa do autor.
23) E foi presenciada pela empregada do autor, PP, pelo marido desta, QQ e pela mulher do autor, RR.
24) Os 4.º e 5.º réus contrataram os serviços da empresa “SS, Lda.”, para terraplanagem, movimentação de terras, fornecimento de pedra (alvenaria), colocação de meias canas e tubos de drenagem e arrebentamento de lajes no prédio identificado em G) dos factos assentes.
25) Também os réus construíram um muro de suporte de terras no prédio identificado em G) dos factos assentes, cuja obra foi executada pela empresa “TT, Lda.”, pelo preço de € 3.120,00, que os réus pagaram.
26) A empresa “UU, Lda.” forneceu para as obras supra referidas diversos materiais de construção, pelo preço global de € 1.301,86,
27) Os RR gastaram 345 euros com despesas de escritura referida em L e com IMT.
28) Como consequência os terrenos feita pelos réus, as terras deixaram de estar seguras pela vegetação autóctone e, com as chuvas, as terras deslizaram pela encosta abaixo, cobrindo caminhos de serventia destruindo linhas de águas naturais e entupindo canalizações, incluindo algumas do autor.
29) Junto ao muro que cerca o prédio referido em B), a terra foi escavada cerca de um metro, primeiro pelas máquinas e depois pelas chuvas, deixando o muro em risco de derrocada.
30) Os terrenos apresentam-se agora ravinados.
31) A reposição dos caminhos e das linhas de água, o desentupimento de canalizações, a consolidação do muro e a reposição da terra que deslizou, implica despesas.


Quanto à retificação do pedido:

Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação, após fazer referência aos pedidos formulados pelo Autor (Declare que o autor e a chamada são titulares do direito de preferência na aquisição dos prédios alienados … Transfira para a propriedade do autor os prédios alienados…) considerou que da factualidade dada como assente resulta que nem o Autor nem a Chamada são proprietários ou comproprietários do prédio preferente, denominado “...”, uma vez que este pertence à herança aberta por óbito da mãe daqueles, e que enquanto a herança se mantiver indivisa, o direito de preferência pertence à herança e não aos herdeiros.      

     E neste contexto fez consignar ainda o seguinte:
“No caso sub judice, não obstante o chamamento – intervenção principal provocada - da outra co-herdeira GG e atendendo aos termos em que o mencionado pedido é formulado - pese embora ainda o decidido ultra petitum (ao condenar os RR. a “Verem os Autores substituir-se, aos quarto e quinto Réus, na posição que estes ocupam no contrato de compra e venda titulado pela dita escritura, por força do seu direito de preferência, ficando o prédio a pertencer-lhes (sublinhado nosso)”) – certo é que a propriedade de tal prédio preferido teria de ingressar sempre na esfera da herança, enquanto património autónomo, e não na titularidade singular, autónoma e distinta, do autor e chamada como foi decretado.”

Em face disso, vêm os recorrentes (o A. e a Chamada) requerer que o pedido formulado sob a alínea b) do petitório (“Se transfira para a propriedade do Autor os prédios alienados cancelando os respetivos registos de aquisição a favor do 4º e 5º réus”) seja retificado no sentido de se passar a ler nos seguintes termos: “Se transfira para a propriedade do Autor e da Chamada os prédios alienados, cancelando os respetivos registos de aquisição a favor dos Quarto e Quinto Réus”.
Dizem para o efeito que se tratou de evidente erro de escrita, “erro ostensivo, evidente e devido a lapso notório, do qual se apercebe qualquer leitor da própria Petição Inicial, não só porque na alínea imediatamente anterior já se pedia para ser declarado que “... o Autor e a Chamada são titulares do direito de preferência ...”, como todo o articulado se baseia nos direitos de propriedade e de preferência do Autor e da Chamada, direitos que ao longo do mesmo são por diversas vezes afirmados, quer ainda por ser precisamente essa a razão pela qual o Autor chamou aos autos a sua irmã como interveniente principal”

E dizem ainda que, de resto, tal erro até foi detetado e como tal reconhecido e retificado oficiosamente pelo Tribunal de 1.ª Instância, ao determinar que o direito de propriedade do terreno preferido passasse para a titularidade dos Autores.

A parte contrária, nas suas contra-alegações tomou posição no sentido da inadmissibilidade da alteração do pedido nesta fase processual.

            Na linha do que se dispõe no art. 249º do C. Civil (“o simples erro de cálculo ou de, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstância em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”), estabelece-se no nº 1 do art. 146º do CPC que “É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada”.

           Ora, analisado o contexto da peça processual em questão, ou seja, da petição inicial, afigura-se-nos não estarmos perante uma situação de erro de escrita (nos termos invocados e sendo certo estar fora de causa uma situação de erro de cálculo).

            Com efeito, sendo que a ação foi intentada apenas pelo Autor, o pedido por ele formulado, de intervenção provocada da Chamada, apenas visou assegurar a sua legitimidade – uma vez que, nos termos em que apresentou a causa de pedir, o prédio preferente fazia parte da herança da mãe de ambos, sendo eles os dois únicos herdeiros habilitados.

           É o que resulta do disposto no nº 1 do art. 316º do CPC, relativo à intervenção provocada, nos termos do qual “ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.

        Ora, face à tese do Autor, subjacente à forma como configurou a ação e em particular a causa de pedir, é manifesto que, para além de precisar da intervenção da co-herdeira, sua irmã, na circunstância a Chamada, o mesmo não podia pedir que se declarasse ser ele (apenas) o titular do invocado direito de preferência.                                                                                                                                 Daí que, sob a al. a) tenha pedido que “Se declare que Autor e Chamada são titulares do direito de preferência na aquisição dos prédios alienados identificados nas alíneas a) e b) do artigo 4 da PI que eram propriedade das 1º, 2º e 3 rés”.
Assim, ao pedir, sob a al. b) do petitório que Se transfira para a propriedade do Autor os prédios alienados cancelando os respetivos registos de aquisição a favor do 4º e 5º réus”, é manifesto/lógico que aquilo que o Autor pretendia com a presente ação era a aquisição para si, por via do exercício do invocado direito de preferência, dos prédios vendidos pelas primeiras 3 Rés aos restantes Réus.
Ora, se pretendesse efetivamente exercer o direito de preferência em conjunto com a Chamada (com pedido de transmissão dos prédios para os dois ou, em última instância, para a herança da qual os dois são os únicos herdeiros) por certo que teria diligenciado no sentido de a ação ser intentada pelos dois nessa perspetiva.         
De resto, até poderia acontecer que a Chamada não estivesse interessada no exercício da preferência (até porque tal exercício sempre implicaria a possibilidade ou disponibilidade inerente ao depósito/pagamento do preço).     
  
E, para além de até poder saber da falta de interesse (designadamente por falta de condições financeiras) da Chamada, até podia acontecer não estar o A. interessado na aquisição dos prédios em questão a favor dos dois.
Isto, claro, na perspetiva da finalidade com que foi interposta a ação.

Quanto ao facto de a 1ª instância até ter acabado por decidir no sentido da substituição dos “Autores” “aos quarto e quinto Réus, na posição que estes ocupam no contrato de compra e venda titulado pela dita escritura, por força do seu direito de preferência, ficando o prédio a pertencer-lhes”e partindo-se do princípio de que o tribunal se quis referir mesmo ao Autor e à Chamada (o que sempre será duvidoso) – é manifesto estarmos perante uma situação de condenação ultra petitum, conforme bem refere a Relação.                                                                                           
E, sendo certo que nada foi requerido nesse sentido, caso o tribunal considerasse estar em causa uma situação de erro de escrita, conforme defendem os recorrentes, certamente que a ele se teria referido, no sentido de justificar a referência a “Autores” e vez de “Autor”.

Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido da inexistência do invocado erro de escrita que imponha a pretendida alteração do teor do pedido formulado sob a alínea b) – improcedendo assim nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto à compropriedade dos recorrentes resultante do registo:

A ação veio a ser julgada improcedente no âmbito do acórdão recorrido, pelo facto de a Relação considerar que nem o Autor nem a Chamada provaram ou sequer invocaram a posse de qualquer título que demonstre a sua qualidade de proprietários/comproprietários do prédio preferente.                                                
E, conforme se alcança ainda do acórdão recorrido, e já supra referimos, a Relação considerou que da factualidade provada o que resulta é que o prédio preferente pertence à herança aberta por óbito da mãe do Autor e da Chamada, não sendo estes proprietários ou comproprietários do mesmo – razão pela qual o direito de preferência caberia à herança, que ainda se não encontra partilhada, e não aos respetivos herdeiros.
É contra tal entendimento que se manifestam os recorrentes, segundo os quais a sua qualidade de comproprietários do prédio preferente emerge da certidão de registo que juntaram com a petição inicial como documento nº 4 e por força da presunção estabelecida no art. 7º do Código do Registo Predial.

Conforme se alcança da petição inicial, o Autor após alegar (art. 1º) que ele e a Chamada são filhos e únicos herdeiros de HH, conforme escritura de habilitação de herdeiros junta como documento nº 1 (factualidade esta constante do nº 1 dos factos provados supra reproduzidos), alegou ainda (artigos 2º e 3º) o seguinte:
2º - Do acervo hereditário faz parte integrante, Verba nº 20, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 1627, da freguesia de .., concelho de .., distrito de .., denominado “..”…, conforme consta da certidão da Relação de Bens e da Caderneta Predial, cujas cópias certificadas aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidas – Doc. Nº 2 e Doc. Nº 3 (factualidade esta que, com remissão para a referida relação de bens é no essencial a que consta do nº 2 dos factos provados supra transcritos);                                   
3º - Por via do exposto, o Autor e a Chamada são, desde o falecimento de sua mãe em 01 de Novembro de 2003, os únicos e legítimos proprietários do identificado prédio rústico, conforme certidão do Registo Predial que se junta e dá por integralmente reproduzido – Doc. Nº 4
                                                                   
Resulta assim que no essencial aquilo que foi alegado na p.i., foi que o prédio em questão foi relacionado como fazendo parte da herança da mãe do Autor e da Chamada, e que estes são os únicos herdeiros daquela.         
E que, por isso, e em conformidade com o registo constante da certidão que constitui o documento nº 4, são os únicos proprietários do referido prédio.

Em suma, não alegaram ter havido partilha da referida herança (judicial ou por escritura de partilhas) mas apenas e tão só a celebração de escritura de habilitação herdeirosa qual, como resulta aliás da própria designação, apenas tem por finalidade declarar quais são os herdeiros do de cujus – que não a partilha de bens.
De resto, conforme se alcança da escritura de habilitação de herdeiros junta aos autos com a p.i., nela nem sequer tiveram intervenção quer o Autor, quer a Chamada.
Aliás, conforme bem se salienta no acórdão de 02.02.2015 da Relação do Porto (proc. nº 102048/12.7YIPRT.P1, in www.dgsi.pt) “na habilitação não se exige a aceitação da herança do habilitando e o facto de ele ser habilitado não determina, em princípio, o reconhecimento da aceitação tácita”.

E se não houve partilha, é manifesto que o prédio em questão continua a pertencer à herançaa menos que fosse invocado e provado outro título de aquisição.
Isto sendo certo que, conforme bem se salienta no acórdão recorrido, não resultando da escritura de habilitação de herdeiros a partilha de bens, mas apenas e tão só a declaração relativa aos herdeiros da falecida mãe do A. e da Chamada (é claramente o que resulta da respetiva certidão junta aos autos como doc. nº 1), na partilha da herança até podem intervir outros interessados, como sejam os credores da herança.

Ora, contrariamente ao que os recorrentes ora defendem, da certidão registral junta com a p.i, como doc. n 4 não se pode extrair a qualidade do A. e Chamada como proprietários/comproprietários do prédio em questão.                         
Com efeito, o que consta de tal certidão de registo é o seguinte:                           
- o registo do prédio em questão (artigo rústico nº 1627);                                    
- a indicação de que o registo teve como “Causa: Sucessão hereditária”;                    
- a indicação do A. e da Chamada como “sujeitos ativos” e da falecida mãe, GG como “sujeito passivo”;                                     
- e a indicação de que o registo é feito “sem determinação de parte ou direito”.

Ora a indicação de o registo ser feito com base em sucessão hereditária e sem determinação de parte ou direito - aponta claramente no sentido de o bem continuar a fazer parte da herança.

Improcedem assim também nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto ao excesso de formalismo:

Dizem por último os recorrentes que a ação deve proceder, mesmo que se aceite que o prédio preferente continua a fazer parte da herança.

Isto porquanto, segundo os mesmos, não havendo dúvidas de que a herança foi aceite pelo Autor e pela Chamada, a mesma não tem personalidade judiciária, nos termos da alínea a) do art. 12.° do CPC, razão pela qual a herança pertence ao  cabeça-de-casal ou a todos os herdeiros conjuntamente.

Assim, ainda segundo os recorrentes, sendo o A. e a Chamada os únicos herdeiros da sua mãe, são ambos e cada um deles titulares da totalidade das quotas-partes ideais na herança global, o que significa que estão em juízo os únicos e legítimos titulares da personalidade judiciária relativa à herança.

Efetivamente, face ao disposto no art. 12º, al. a) do CPC, apenas a herança jacente tem personalidade judiciária, sendo que, atento o disposto nos artigos 2046º e 2056º do C. Civil, a herança apenas tem a qualidade de herança jacente enquanto a mesma não for aceite ou declarada vaga para o Estado, aceitação essa que pode ser expressa (quando, nos termos do nº 2 do art. 2056, “nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir) ou tácita.                                                                                   

Apesar de, conforme supra referido, o A. e a Chamada não terem tido intervenção na escritura de habilitação de herdeiros, aceita-se que face ao registo do prédio, nos termos supra referidos e à posição assumida nos presente autos, se tenha como assente ter havida aceitação da herança.                                                        

          De resto, é este o entendimento que ressalta do acórdão recorrido e nem é sequer posto em causa pelos recorridos nas suas contra-alegações.

E assim sendo, era aos herdeiros, in casu, o A. e a Chamada, que competia o exercício dos direitos relativos à herança.

Conforme bem se considerou no acórdão da Relação de Lisboa de 16.04.2016 (proc. nº 4933/13.6TCLRS.L1-8, in www.dgsi.pt), na hipótese de ter havido aceitação da herança, “permanecendo a situação de indivisão do bem que integra a herança, despida ela de personalidade judiciária, os direitos que lhe são relativos devem ser exercido pelos herdeiros”.

Todavia, não tendo havido partilha no caso dos autos, o A. e a Chamada apenas podiam exercer o direito de preferência em questão em nome e em representação da herança, que não em nome e no interesse pessoal.

Teremos assim que concordar inteiramente com a Relação quando diz que, não tendo havido partilha, o prédio preferente pertence à herança, pelo que o direito de preferência seria da herança, e não dos herdeiros:

“É que, não tendo sido partilhada a herança, o direito de propriedade sobre o prédio em questão e, consequentemente, o direito de preferência sobre os prédios confinantes e alienados entre os réus, encontra-se na esfera jurídica da herança.   

Como tal, autor e chamada, porque ainda não partilhada a herança, não podiam para si invocar o direito de propriedade sobre o prédio rústico mencionado mesmo que este pertencesse à herança aberta por morte de sua mãe.                               

    Tão pouco podia ser-lhes atribuído, como foi, a propriedade sobre o dito prédio, por via do invocado direito de preferência, já que este é um direito da herança (que integra o seu património autonomamente) e não dos herdeiros.                     

Logo, os prédios alienados tinham de ingressar no património da herança.         

Acresce que a apresentação da habilitação de herdeiros, donde constam como herdeiros o próprio autor, bem como a chamada, sua irmã, tem apenas a virtualidade de reconhecer aqueles como sucessores da falecida, não constando do mesmo qualquer partilha de bens do acervo hereditário de HH, sua mãe, partilha na qual tenha sido adjudicado ao autor e chamada ou a algum deles aquele prédio preferente.                                                     

Até porque na partilha de herança, além dos herdeiros, pode haver outros interessados, como sejam os credores da herança…”

Em suma, o direito de preferência em causa nos autos teria que ser exercido, pelos herdeiros (como foi), em representação da herança, mas a favor da própria herança (a titular do direito) – que não a favor dos herdeiros e muito menos (como foi) a favor de apenas um dos herdeiros.

Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido de não merecer censura a decisão da Relação – improcedendo assim também nesta parte as conclusões do recurso e impondo-se negar a revista.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                       Lisboa, 04 de outubro de 2018

                                             

Acácio Neves                    

Maria João Vaz Tomé


Garcia Calejo