Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
455/13.3PLSNT.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA ÚNICA
PENA PARCELAR
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ROUBO AGRAVADO
TENTATIVA IMPOSSÍVEL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Data do Acordão: 11/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, “Código de Processo Penal” Comentado, 2014, Almedina, p. 1311.
- CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 160.
- GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, II, Verbo, p. 271; Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 291, 292.
- JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 713, 715-716.
- MARIA FERNANDA PALMA, Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, p. 85, 148.
- MAIA GONÇALVES, “Código Penal” Português Anotado, 18.ª edição, 2007, p. 135.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 432.º, N.º1, AL. C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 23.º, N.º 2, ALÍNEA C), E N.º 3, 26.º, 50.º, N.º 1, 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N.ºS 1 E 2, 77.º, N.ºS 1 E 2, 210.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), E 204.º, N.º 2, ALÍNEA F).
DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO:- ARTIGO 21.º, N.º 1, COM REFERÊNCIA À TABELA I-C.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 426/91, DE 8 DE NOVEMBRO DE 1991, DOUTRINA REAFIRMADA NOS ACÓRDÃOS N.OS 10/99, DE 10 DE FEVEREIRO DE 1999, E 319/2012, DE 20 DE JUNHO DE 2012, TODOS ACESSÍVEIS NO SÍTIO INTERNET EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

(ACÓRDÃOS CITADOS, SEM OUTRA IDENTIFICAÇÃO DA FONTE, ESTÃO ACESSÍVEIS NA BASE DE DADOS DO IGFEJ EM HTTP://WWW.DGSI.PT/ )

-DE 6 DE ABRIL DE 1995 (CJ ANO III, T. 1);
-DE 28 DE FEVEREIRO DE 1996 (PROC. N.º 048856), SUMÁRIO DO ACÓRDÃO, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT ;
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011 (PROC. N.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1);
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1, CONVOCADO, MAIS RECENTEMENTE NO ACÓRDÃO DE 27 DE MAIO DE 2015 (PROC. N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1);
-DE 12 DE JULHO DE 2012 (PROC. N.º 2/09.IPAETZ.S1);
-DE 14 DE MAIO DE 2014 (PROC. N.º 561/02.0TAABF.S1);
-DE 3 DE JULHO DE 2014 (PROC. N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1);
-DE 25 DE JULHO DE 2014 (PROC. N.º 1784/03.0PSLSB.L1.S1).
Sumário :

I - Tendo sido aplicada pelo tribunal colectivo no acórdão recorrido a pena única de 7 anos de prisão, e visando o recurso interposto exclusivamente o reexame da matéria de direito, consideramos que pertence ao STJ a competência para conhecer do recurso, não obstante o recorrente impugnar também as penas parcelares aplicadas inferiores a 5 anos de prisão, em conformidade com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP.
II - Na determinação da medida da pena, relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, fixada em 4 anos e 6 meses de prisão, o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, dando o devido realce à elevada intensidade do dolo, à motivação do crime de tráfico de estupefacientes (a obtenção de vantagem económica); à existência de antecedentes criminais, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e de roubo. Ponderando todas as circunstâncias ocorrente, e tendo presente que o arguido detinha, numa das ocasiões 296,687 g de haxixe e que estamos perante um crime em que as necessidades de prevenção geral são prementes, considera-se que a pena aplicada é adequada.
III - Quanto à pena de 5 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de roubo agravado, em termos de prevenção geral o endurecimento da reacção penal é reclamado pela comunidade para tal tipo de crime. As exigências de prevenção especial têm também relevo, não assumindo relevância o pedido de clemência alegadamente formulado pela vítima que, aliás, não consta da matéria de facto dada como provada. Tendo-se ponderado a juventude do arguido, o apoio familiar de que beneficia e o efeito positivo que a reclusão parece ter sobre o mesmo, considera-se que os critérios de determinação da pena pela prática do referido crime foram criteriosamente aplicados pelo acórdão recorrido, devendo manter-se a pena aplicada.
IV - Para efeitos da verificação da tentativa no crime de roubo, a inexistência dos bens móveis, objecto da subtracção planeada, tem de resultar verificada, nomeadamente pelas regras da experiência comum, reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis. Na situação ocorrida, a ausência de objectos de valor, principalmente dinheiro, em poder do ofendido não se apresentava como manifesta. Pelo contrário: o que seria normal e natural era precisamente que a vítima detivesse objectos, designadamente dinheiro.
V - Analisando os factos na sua globalidade, sobressai a gravidade do ilícito global, com destaque para a violência utilizada nos crimes de roubo. O arguido revela uma personalidade imatura, com lacunas em algumas das mais importantes competências pessoais, como sejam as relacionadas com o raciocínio crítico e o pensamento consequencial, pelo que, tudo ponderado é de manter a pena única de 7 anos de prisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

1. AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 13 de Março de 2015, do Tribunal Colectivo da 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste, pela prática:

«1. Em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa l-C do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2. Em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 (três) meses de prisão;

3. Em co-autoria material, em concurso efectivo e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido nos termos dos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 204º, n.º 2, alínea f), e 26º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

4. Em co-autoria material, em concurso efectivo e na forma tentada, de um crime de roubo, previsto e punido nos termos dos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 204º, n.ºs 2, alínea f), e 4, 22º, 23º, 26º e 73º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

5. Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.»

2. Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo assim a sua motivação:

«Em conclusão:

A- A prova dos factos descritos nos pontos 1 e 2 dos factos provados fundamenta-se exclusivamente nas declarações do arguido, porquanto os Agentes da P.S.P. nada sabiam sobre tais factos;

B-     A revista pessoal e a busca na casa do arguido foram consequência do crime de roubo que o O.P.C. investigava, e não de qualquer informação sobre tráfico de produtos estupefacientes.

C-     Como se refere na motivação do acórdão, a convicção do Tribunal sobre esta matéria resulta “ das declarações do arguido AA que admitiu a posse do estupefaciente apreendido, que destinava à venda a terceiros e, parte, ao seu consumo”.

D-      Considerando a confissão integral do arguido no que concerne ao tráfico, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente apreendido – haxixe – o modus operandi que é primário e o facto do arguido ser consumidor daquele produto, é manifestamente excessiva a sua condenação na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.

E-      Ainda que se tenha em consideração a condenação anterior por tráfico de produto estupefaciente de menor gravidade, ocorrido há mais de 4 anos, a pena aplicada por estes factos, pontos 1 a 4, 11 a 13 e 17, não deverá ultrapassar os 3 anos de prisão.

F-      No que concerne ao crime de roubo, na forma tentada, contra BB, deu-se como provado que este “ não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudesse apoderar.” (ponto 9 dos factos provados);

G-     Assim, o roubo que provavelmente estaria na intenção dos agentes, dos “ outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar ”, tornou-se inexequível, porque nada havia para roubar.

H-     Inclusive no que concerne à tentativa, embora tenham sido praticados actos de execução, esta não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação do crime, nos termos dos artigos 22º e 23º do Código Penal;

I-       O arguido AA deve, por isso, ser absolvido do crime de roubo, tentado, contra BB;

J-      Já quanto ao crime de roubo, consumado, contra CC, pese embora a fragilidade da prova produzida em audiência de julgamento, o arguido vem, tão somente, apelar para a redução da pena aplicada;

K-      Se por um lado a ofendida pediu “ clemência para o arguido ”, também com fundamento no relatório social, e tendo sempre em vista a finalidade da pena, nomeadamente a reintegração do arguido na comunidade, a pena aplicada não deverá ultrapassar os 3 anos e 6 meses de prisão.

L-      Tudo ponderado entende-se que, operando o cúmulo jurídico daquelas penas, com exclusão da aplicada pelo crime de roubo, tentado, contra BB, a pena única deverá situar-se entre os 4 e 5 anos de prisão.

M-    Assim não decidindo, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, quanto à determinação da medida das penas, e o disposto nos artºs. 22º e 23º, também do Código Penal, quanto à punição da tentativa relativa ao crime de roubo contra BB.

Devendo ser revogado, como requerido, e é de Justiça.»

3. Respondeu o Ministério Público, concluindo, a final, que:

Do teor do próprio acórdão recorrido resulta que nenhuma das normas legais foi violada, nem a da escolha da medida da pena, nem a de cúmulo de penas, nem a que se prende com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão – até porque esta nem sequer tinha que ser equacionada face à pena única de sete anos que o arguido foi condenado e que não pode ser suspensa na sua execução.

Razões pelas quais se entende que o recurso não merece provimento quanto a qualquer das questões levantadas pelo recorrente, não tendo sido violada qualquer norma legal imperativa.»

4. Tendo o recurso sido endereçado ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Ex.mo Desembargador Relator, por decisão sumária proferida a 2 de Setembro de 2015, depois de transcrever o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código de Processo Penal, entendeu que:

«(…) estando em causa no presente recurso unicamente a integração jurídica dos factos que, em sede de decisão recorrida, foram considerados como integrando o crime de roubo na forma tentada (ponto 4. Do respectivo dispositivo) e as medidas das penas, parcelar do crime de tráfico de estupefacientes e única final, o mesmo versa unicamente matéria de direito pelo que, nos termos do citado artigo 432.º, n.º 1, al. C), do CPP e ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 6, al. A) do mesmo Código, se decide sumariamente ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para o conhecimento do presente recurso, determinando-se a remessa dos autos a esse Venerando Tribunal.»

5. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que suscita a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer deste recurso, considerando que «a competência para julgar a presente causa é do tribunal da relação», nos termos e com os seguintes fundamentos que se transcrevem:

«4.1 – Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito.

O recorrente levou às conclusões de recurso as seguintes questões:

a) Considerando que a prova dos factos fixados na decisão recorrida se funda exclusivamente nas declarações do arguido, no que tange ao crime de tráfico de estupefacientes, que admitiu a posse do estupefaciente apreendido para venda a terceiros, a sua confissão integral, no que concerne ao mesmo ilícito, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, o modus operandi e o facto de ser consumidor daquele produto, mostra-se excessiva a sua condenação na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, que deve fixar-se nos 3 anos de prisão. (concls. A a E).

b) Relativamente ao crime de roubo na forma tentada, embora tenha havido actos de execução, não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação, nos termos dos arts. 22.º e 23.º do CP, pelo que deve ser absolvido (conclusões F a I).

c) Quanto ao crime de roubo consumado deve a respectiva pena ser diminuída, tendo em conta as circunstâncias atenuativas resultantes do relatório social e os fins das penas, nomeadamente a prevenção especial, pelo que deve ficar-se pelos 3 anos e 6 meses de prisão (concls. J e K).

d) Em consequência do provimento do recurso relativamente às questões supra sumariadas, deve o cúmulo jurídico situar-se entre os 4 e 5 anos de prisão (conclusões L e M).

4.2 - Assim que o objecto do recurso do arguido é a diminuição das penas parcelares de prisão que lhe foram fixadas pelos crimes de tráfico de estupefaciente e de roubo tentado.

  As penas de prisão aplicadas foram, respectivamente, recorde-se, de 4 anos e 6 meses de prisão, 5 anos de prisão e 2 anos de prisão.

A pena única de 7 anos de prisão aplicada não é, por si só, objecto de discussão e recurso, nem na motivação nem nas respectivas conclusões a questão é autonomamente tratada.

A sua diminuição resultará em consequência das questões de direito que coloca relativamente às penas parcelares de prisão fixadas pelos crimes de tráfico de estupefaciente e de roubo.

4.3 - Dispondo o art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, que se recorre para este STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo que aplique pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, resulta que é ao Tribunal da Relação de Lisboa que compete julgar o presente recurso.

5 - Pelo exposto, emite-se Parecer no sentido da rejeição da competência deste STJ para a decisão do presente recurso, devolvendo-a ao Tribunal da Relação de Lisboa, para onde devem ser remetidos os presentes autos.» 

6. Foi dado cumprimento ao artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.

7. Não tendo sido requerida audiência, os autos prosseguem para conferência.

Colhidos mos vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir:

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Começando por conhecer a questão suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, já que prévia, visto que a obter deferimento precludirá o conhecimento do recurso interposto pelo arguido, dir-se-á que:

O artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, doravante CPP, dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça «De acórdãos proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente matéria de facto».

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que nos casos previstos na alínea c), que se vem de transcrever, «não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».

No caso em apreço, o recurso é interposto de decisão condenatória proferida pelo tribunal colectivo, «visando – como bem conclui a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta – exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Na verdade, o recorrente impugna a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes (4 anos e 6 meses de prisão), considerando que «não deverá ultrapassar os 3 anos de prisão».

Insurge-se também contra a condenação do crime de roubo na forma tentada por se ter tornado «inexequível, porque nada havia para roubar», sendo que, segundo o recorrente, «no que concerne à tentativa, embora tenham sido praticados actos de execução, esta não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação do crime, nos termos dos artigos 22º e 23º do Código Penal», devendo «ser absolvido do crime de roubo, tentado, contra BB».

Quanto ao crime de roubo consumado, o arguido pede a redução da pena aplicada (5 anos de prisão) a qual, segundo ele, «não deverá ultrapassar os 3 anos e 6 meses de prisão».

Por fim, entende o recorrente que, «operando o cúmulo jurídico daquelas penas, com exclusão da aplicada pelo crime de roubo, tentado, contra BB, a pena única deverá situar-se entre os 4 e 5 anos de prisão».

Considera que «o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, quanto à determinação da medida das penas, e o disposto nos artºs. 22º e 23º, também do Código Penal, quanto à punição da tentativa relativa ao crime de roubo contra BB», devendo a decisão ser revogada.

Como facilmente se retira da motivação e das conclusões do recurso, o recorrente não questiona a matéria de facto apurada pelo Tribunal Colectivo mas sim o direito aplicado, concretamente os aspectos jurídicos que se prendem com a verificação da tentativa de roubo e sua punição e os critérios que foram utilizados na aplicação das penas parcelares, mas também com fixação da pena conjunta.

Entendemos, assim, que no objecto do recurso e seu alcance concreto está também compreendida a pena conjunta aplicada ao arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas. Ou seja, das conclusões do recurso, retira-se que o mesmo não está limitado ou restringido à matéria referente às penas parcelares impostas ao arguido, abrangendo igualmente a matéria que se prende com a pena única.

O recurso teria, aliás, necessariamente de compreender também a matéria relativa à determinação da pena conjunta.

Como refere PEREIRA MADEIRA, «[a] limitação do recurso, corolário da disponibilidade do direito de recorrer, parte sempre de um pressuposto básico: a possibilidade de autonomização da parte recorrida relativamente à sobrante decisão, por forma a que seja possível uma apreciação e uma decisão também autónomas relativamente ao restante decidido» [1].

Interessa acentuar que a confecção da pena conjunta resultante do cúmulo jurídico é realizada dentro da moldura penal modelada pelas penas parcelares. Noutra formulação, a pena conjunta engloba as penas parcelares, forma-se à custa das mesmas.

Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Julho de 2012 (Proc. n.º 2/09.IPAETZ.S1):

«No caso de concurso de infracções temos, assim, dois momentos de definição de pena com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela. A primeira daquelas operações, concretização das penas parcelares constitui um prius, um pressuposto; um antecedente lógico do segundo momento pois que, como refere o mesmo Mestre, a formação da pena conjunta opera no quadro de uma combinação de penas parcelares que não perdem a sua natureza de fundamento da pena de concurso.»

Daí que, segundo o mesmo acórdão:

«Maximizando tal entendimento pode-se dizer que se pode recorrer da pena conjunta sem colocar em causa as penas parcelares, mas o contrário já não acontece, ou seja, alterada a pena, ou as penas parcelares, necessariamente que está afectado o quadro dentro do qual foi encontrada a pena conjunta que, por tal forma, terá de ser, necessariamente, sindicada.»

Em face do exposto, tendo sido aplicada pelo Tribunal Colectivo no acórdão recorrido a pena única de 7 anos de prisão, e visando o recurso interposto exclusivamente o reexame de matéria de direito, consideramos que pertence ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para conhecer do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, improcedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

2. Ainda relacionada com o exercício da competência deste Supremo Tribunal neste recurso, está a questão da cognoscibilidade das penas parcelares aplicadas ao arguido, inferiores a cinco anos de prisão, inferiores, portanto, ao patamar de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.

A questão, que tem sido apreciada e decidida em termos nem sempre convergentes neste Supremo Tribunal, pode formular-se da seguinte forma, conforme acórdão de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 12/09.9GDODM.S1:

«saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de cognoscibilidade».

O citado acórdão regista extensa e detalhada informação sobre as orientações perfilhadas neste Supremo Tribunal, dando conta da que, em termos largamente maioritários, tem prevalecido: a ampla recorribilidade, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, já enunciados, apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão englobadas numa pena conjunta superior a cinco anos de prisão.

Convocando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Fevereiro de 2014 (Proc. n.º 29/03.3GACNF.S1 – 3.ª Secção), dir-se-á que «a lei adjectiva penal, ao atribuir competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer recurso de acórdão final proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que aplique pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente a matéria de direito (alínea c) do n.º 1 do artigo 432º), obviamente pressupõe que o Supremo Tribunal, nos casos de condenação em pena conjunta, conheça de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito a, pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32º)».

Tem sido este o entendimento que vem sendo assumido pela 3ª secção criminal deste Supremo Tribunal. Como se refere no acórdão de 13 de Abril de 2013, proferido no Processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1:

«1. No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares. 2. Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única». 

Já no acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de Outubro de 2009 (proc. n.º 611/07.3GFLLE.S1), se justificava esse «alargamento» da competência do Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes termos:

 «O “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente.

Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador (e garantista) da jurisprudência, um papel de “referência” para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual.

Sendo o STJ o tribunal vocacionado, por excelência, para “dizer o direito”, havendo dúvidas quanto à sua competência, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua competência.

Interpreta-se, pois, a al. c) do nº 1 do art. 432º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.

Assim se cumprirá o “desígnio” do legislador (celeridade), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais.»

Numa outra perspectiva, mas assumindo-se a mesma orientação, cumpre mencionar o acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, onde se concluiu que:

«(…) em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação.
Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição.»  

Em face do exposto, considera-se que este Supremo Tribunal tem competência para proceder ao conhecimento de todo o recurso, quer relativamente à pena conjunta em que o recorrente foi condenado, quer em relação às questões que suscita quanto às penas parcelares, inferiores a cinco anos de prisão.

3. Assente a recorribilidade do acórdão recorrido, englobando a cognição das penas parcelares aplicadas ao recorrente, passando, pois, a conhecer o objecto do recurso.

Para tanto, importa conhecer previamente matéria de facto, que é a seguinte:

«Factos provados

1 – Entre finais de 2012 e Abril de 2013, o arguido AA, que não exerce qualquer actividade profissional regular desde 2008, dedicou-se à venda de haxixe a terceiros, que, para o efeito, o abordavam na rua ou contactavam por telemóvel para o número 961375105, que corresponde ao cartão telefónico que o arguido utilizava no seu telemóvel com o IMEI n.º 358528030692410.

2 - O arguido acondicionava e preparava as doses de haxixe que vendia a terceiros, no interior do quarto da sua casa, sita na Rua ... local onde as guardava, bem como duas facas, um rolo de celofane e um secador de cabelo que utilizava para a referida preparação das doses. Mais guardava naquele local o dinheiro que recebia dos clientes.

3 - No dia 17 de Março de 2013, pelas 3 horas e 30 minutos, no Bairro da ..., junto à Associação Recreativa Cultural, em ..., o arguido trazia consigo vários pedaços de haxixe, com o peso total de 13,219 gramas, acondicionados no interior dos bolsos do seu vestuário e a quantia de €105,00, distribuída por sete notas de €5,00 e sete notas de €10, que havia recebido das pessoas que o procuravam para lhe adquirir haxixe.

4 - No dia 17 de Abril de 2013, pelas 14 horas e 45 minutos, no quarto da sua casa, sita na Rua ..., em ..., o arguido guardava:

a) No interior de um armário, envoltos em peças de roupa, três placas e vários pedaços de pequenas dimensões de haxixe, num total de 296,687 gramas, que destinava à venda a terceiros;

b) Sobre uma estante, a quantia de €70,00, (distribuída por duas notas de €5,00, duas notas de €10,00 e duas notas de € 20,00) que havia recebido a troco de haxixe que cedera a clientes seus;

c) Sobre a referida estante, uma navalha com 10 cm de lâmina e, numa gaveta, um secador e um rolo de pelicula aderente celofane, que usava respectivamente para o corte e acondicionamento das placas de haxixe que cedia a terceiros em troca de contrapartidas monetárias;

d) Numa gaveta, uma máscara de borracha, destinada a ocultar a face;

e) Debaixo do colchão da sua cama, duas facas de cozinha, que usava para o corte das placas de haxixe;

f) Sobre a sua mesa-de-cabeceira, um telemóvel da marca ZTE modelo "TMN 100" cor preta, com o IMEI ... e um cartão telefónico nele inserido com o número ...;

g) No interior da gaveta da mesa-de-cabeceira, um cartucho de calibre 12, da marca "Sellier & Bellot", cor de laranja, com 6 cm, próprio para arma de fogo longa, com cano de alma lisa, contendo no seu interior bucha, carga propulsora e múltiplos projécteis - bagos - e um fulminante num dos vértices, todos eles componentes em condições de ser imediatamente disparados numa arma de fogo.

5 - No dia 14 de Abril de 2013, pelas 11 horas e 45 minutos, na Rua ..., o arguido AA, fazendo-se acompanhar por outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, ao ver que CC e seu marido BB se preparavam para entrar, pela porta das traseiras, aberta por estes, no prédio sito no n.º 62 daquela rua, entrepôs-se entre tal porta e CC, permitindo a entrada dos acima referidos indivíduos que o acompanhavam e fechou-a seguidamente atrás de si, mantendo-se no interior do átrio daquele prédio com os seus acompanhantes, e CC e BB.

6 - Os referidos dois acompanhantes do arguido aproximaram-se pelas costas e agarraram BB pelo pescoço, projectando-o ao solo e, com este caído, desferiram-lhe pontapés nas pernas, pisando-o com os pés e pressionando os joelhos sobre o tronco do mesmo, dizendo-lhe: "Dá-me dinheiro. Dá-me dinheiro".

7 - Ao mesmo tempo, o arguido AA exibiu uma navalha a CC, arrancando do pescoço desta dois fios em ouro, um da marca "Cartier", este no valor de cerca de €600,00, dizendo-lhe: "cabra, puta, dá-me esse anel, senão corto-te o dedo".

8 – O arguido retirou ainda duas pulseiras em ouro que CC trazia no pulso esquerdo, no valor de cerca de €200,00, um anel em ouro com diamante que esta trazia no dedo anelar da mão esquerda, no valor de cerca de €470,00, um brinco em ouro branco, que esta trazia nas orelhas, tendo o outro caído na roupa da ofendida, e a quantia de €300,00 em notas do Banco Central Europeu, que CC trazia numa bolsa, dentro da sua mala.

9 - Depois de o arguido ter retirado tais objectos e valores a CC e de os outros dois indivíduos que o acompanhavam terem largado BB, por se aperceberem de que o mesmo não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudessem apoderar, saíram todos do interior do átrio daquele prédio, na posse daqueles objectos e valores, em fuga apeada para parte incerta.

10 - Em consequência da conduta dos dois indivíduos não identificados que acompanhavam o arguido, descrita em 6.º, BB dores no seu corpo e escoriações.

11 - O arguido conhecia as características das substâncias acima descritas que trazia consigo e que tinha no interior do seu quarto.

12 - O arguido destinava as substâncias acima identificadas para cedência a terceiros, a troco de dinheiro, assim retirando, como já retirou, o consequente benefício económico que daí adviesse, apesar de saber ser tal conduta proibida e punida por lei.

13 - O arguido AA bem sabia que não podia ter em casa aquele cartucho/munição nas condições em que o manteve na sua posse, e que, para poder detê-lo, teria de ser titular de licença de uso e porte para as armas a que tal munição se destinasse, não o sendo.

14 - O arguido actuou do modo descrito em 5.º a 10º, de forma concertada com os dois indivíduos cuja identidade não se apurou, com o propósito, parcialmente alcançado, de fazer seus objectos de valor que CC e BB, naquele momento, trouxessem consigo, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, e que actuava contra a vontade dos donos dos mesmos.

15 - Não se coibiu o arguido de, em superioridade numérica, por ter atuado juntamente com outros dois indivíduos, usar da sua força física e de exibir uma navalha a CC, fazendo-a temer pelo seu corpo e saúde, para, desse modo, atingir o seu objectivo, logrado, de lhe retirar e fazer seus aqueles pertences e dinheiro que queria para si e para os demais indivíduos que consigo actuavam

16 - Não se coibiu igualmente o arguido de, em superioridade numérica, por ter atuado juntamente com outros dois indivíduos, molestar o corpo de BB, o qual foi agarrado pelo pescoço, prostrado no chão, e atingido com pontapés e pisado com pés e joelhos, para, desse modo, atingir o seu objectivo, não logrado, de lhe retirar e fazer seus pertences deste, que queria para si e para os demais que consigo actuavam, o que apenas não conseguiu porque BB nada de valor trazia consigo.

17 - Em todas as suas actuações, o arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e penalmente puníveis.

18 – O arguido destinava parte do haxixe apreendido ao seu consumo.

19 – O arguido regista as seguintes condenações:

a) No processo comum singular n.º 495/08.4PLSNT, do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Juízo de Média lnstância Criminal, 1ª Secção, Juiz 2, por sentença proferida em 7 de Outubro de 2010, transitada em julgado em 9 de Dezembro de 2010, pela prática, em 20 de maio de 2008, de um crime de roubo, previsto e punido pelos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. f), do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

b) No processo comum singular n.º 1108/10.0PBCSC, do 2º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de cascais, por sentença proferida em 11 de Julho de 2011, transitada em julgado em 27 de Outubro de 2011, pela prática, em 13 de Setembro de 2010, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

20 – O arguido é natural de Lisboa, sendo o mais novo dos vários filhos de um casal de origem cabo-verdiana, cuja situação se pautou por uma vivência equilibrada a nível relacional.

21 - Apesar do carácter indiferenciado das profissões dos progenitores - o pai operário fabril e a mãe empregada de limpezas -, auferindo ambos o salário mínimo nacional, e consequentes constrangimentos a nível económico, AA usufruiu de um ambiente familiar globalmente favorável ao seu desenvolvimento.

22 - A conjugação da permissividade parental com a influência dos pares da zona onde cresceu (Albarraque), constituíram-se como elementos favoráveis a uma deficiente interiorização das normas e valores, bem como uma baixa aquisição de hábitos e disciplina de trabalho, desde logo em contexto escolar.

23 - Até ao 9º ano de escolaridade, que viria a concluir através da frequência de um curso de formação profissional na área de carpintaria/marcenaria, reprovou várias vezes de ano, dada a sua fraca motivação pelo processo de ensino-aprendizagem, apesar das capacidades cognitivas de que dispunha.

24 - Depois de abandonar o processo formativo, teve apenas duas experiências laborais de muito curta duração (em restaurantes das cadeias McDonald's - 3 meses - e KFC -1 mês), as quais não se reflectiram positivamente no seu percurso na medida em que não funcionaram como base para outras experiências laborais nem permitiram a aquisição de hábitos de trabalho.

25 - Com 17 anos, fruto da irreverência e dificuldade em aceitar os conselhos da família, saiu de casa dos pais e permaneceu uns meses a viver na rua, na companhia de outros jovens da sua idade, fase em que também passou a consumir haxixe com maior intensidade.

26 - Antes de ser preso pela primeira vez, em 05.07.2013, AA vivia em casa dos pais, com estes e a irmã, de 39 anos, em habitação própria, já paga.

27 - O agregado familiar reside na zona de Albarraque desde há muitos anos e na actual habitação desde os 6 anos de idade de AA, meio onde o mesmo tem as suas referências e amizades.

28 - Os elementos do agregado familiar, do qual faz também parte a irmã DD, são profissionalmente activos, pelo que a situação económica familiar se tem revestido ao longo do tempo de uma razoável estabilidade.

29 - Apenas AA permanecia numa situação de desocupação, apesar de, segundo informação da irmã, os pais lhe terem arranjado trabalho por mais de uma vez.

30 - O estilo de vida do arguido era caracterizado por um elevado nível de ociosidade e não assunção de quaisquer responsabilidades: dormia grande parte do dia, saía de casa à tarde e só voltava a casa pelas 4-5 da manhã.

31 - O seu convívio com pares em idêntica situação e os elevados consumos de haxixe que mantinha, constituíam-se como fortes obstáculos à inversão do estilo de vida desviante dos normativos sociais e dos valores jurídicos fundamentais.

32 - A dinâmica relacional intrafamiliar sofreu algum desgaste com a persistência da atitude de AA, criando designadamente alguns desentendimentos entre os pais quanto à forma de lidar com o problema.

33 - Em termos pessoais, AA revela imaturidade e lacunas em algumas das mais importantes competências pessoais, como sejam as relacionadas com o raciocínio crítico e o pensamento consequencial.

34 – O arguido encontra-se preso à ordem do processo n.º 495/08.4PLSNT, a cumprir a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, em consequência da revogação da suspensão da execução da mesma, com sujeição a regime de prova, em que havia sido condenado. Tal pena tem o termo previsto para 18.07.2016.

35 - Com excepção do pai, que não o visita no estabelecimento prisional, a situação não afectou a relação familiar do arguido, continuando a beneficiar do apoio da mãe e irmã, bem como de outros familiares e amigos.

36 – Apesar das fragilidades pessoais do arguido, a situação de privação de liberdade parece estar a exercer, ao nível da melhoria da sua forma de pensar e de projectar o futuro. A este nível regista-se como positiva a retoma em meio prisional do processo de escolaridade (interrompido há vários anos), com vista à conclusão do 12º ano de escolaridade e alguma responsabilização pelos ilícitos criminais praticados.

37 – O arguido tem 24 anos de idade e o seu percurso de vida apresenta, apesar do favorável enquadramento familiar de origem, um predomínio crescente dos factores de risco, associados à influência maior dos pares desviantes com quem se relacionava e à fraca motivação para assumir responsabilidades e trabalhar.

38 – O arguido admitiu os factos referidos em 1º a 4.º, 11º a 13º e 17º-, negando os restantes.»

4. O recorrente impugna neste recurso:

- A medida das penas parcelares que lhe foram aplicadas pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e pela prática do crime de roubo na forma consumada;

- A condenação pela prática do crime de roubo tentado;

- A medida da pena única.

4.1. A medida das penas parcelares que lhe foram aplicadas pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e pela prática do crime de roubo na forma consumado.

4.1.1. O recorrente foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao diploma. Muito embora o arguido não questione a incriminação operada pelo Tribunal Colectivo, concordamos com a decisão proferida neste particular. Com efeito, de acordo com a matéria de facto provada, ponderando a quantidade do produto estupefaciente que detinha, os meios e instrumentos utilizados, o circunstancialismo verificado, o período de tempo em que o arguido se dedicou à actividade de venda a terceiros que o abordavam na rua ou o contactavam por telemóvel, as importâncias apreendidas, o facto de já ter sofrido condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de menor gravidade, é também nosso entendimento que, a partir de uma análise global dos factos, a sua ilicitude não se mostra consideravelmente diminuída, não devendo a conduta aqui em apreço ser subsumida ao tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 25.º daquele diploma.

Está, pois, unicamente em questão a determinação da medida da pena correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de acórdão de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1)[2]:

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade». Importa sublinhar que estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991[3], destaca a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».

Na determinação da medida da pena, fixada em 4 anos e 6 meses de prisão, o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, dando o devido realce à elevada intensidade do dolo, à motivação do crime de tráfico de estupefacientes – a obtenção de vantagem económica, à existência de antecedentes criminais, por crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes, «em penas de prisão suspensas na sua execução, cuja oportunidade, para mudar o seu comportamento, não só desperdiçou, como veio a agravar substancialmente a gravidade dos crimes cometidos posteriormente». Valorou ainda o Tribunal Colectivo a postura do arguido, agora recorrente, em audiência de julgamento, «admitindo os factos que não podia negar, atenta a apreensão de estupefacientes e instrumentos necessários à sua divisão em doses individuais para venda a terceiros, negando os demais, o que revela a falta de autocensura, autocrítica e de interiorização da gravidade da sua conduta».

Como resulta da factualidade provada, entre finais de 2012 e Abril de 2013, o arguido, que não exerce qualquer actividade profissional regular desde 2008, dedicou-se à venda de haxixe a terceiros, que, para o efeito, o abordavam na rua ou contactavam por telemóvel.

O arguido acondicionava e preparava as doses de haxixe que vendia a terceiros, no interior do quarto da sua casa, local onde as guardava, bem como duas facas, um rolo de celofane e um secador de cabelo que utilizava para a referida preparação das doses. Mais guardava naquele local o dinheiro que recebia dos clientes.

No dia 17 de Março de 2013, o arguido trazia consigo vários pedaços de haxixe, com o peso total de 13,219 gramas, acondicionados no interior dos bolsos do seu vestuário e a quantia de €105,00, distribuída por sete notas de €5,00 e sete notas de €10, que havia recebido das pessoas que o procuravam para lhe adquirir haxixe.

E no dia 17 de Abril de 2013, no quarto da sua casa, o arguido guardava: (a) no interior de um armário, envoltos em peças de roupa, três placas e vários pedaços de pequenas dimensões de haxixe, num total de 296,687 gramas, que destinava à venda a terceiros e, parcialmente, ao seu consumo; (b) sobre uma estante, a quantia de €70,00, (distribuída por duas notas de €5,00, duas notas de €10,00 e duas notas de € 20,00) que havia recebido a troco de haxixe que cedera a clientes seus; (c) sobre a referida estante, uma navalha com 10 cm de lâmina e, numa gaveta, um secador e um rolo de pelicula aderente celofane, que usava respectivamente para o corte e acondicionamento das placas de haxixe que cedia a terceiros em troca de contrapartidas monetárias; (d) numa gaveta, uma máscara de borracha, destinada a ocultar a face; (e) debaixo do colchão da sua cama, duas facas de cozinha, que usava para o corte das placas de haxixe.

Ponderando todas as circunstâncias ocorrentes, e tendo especialmente presente que que o arguido-recorrente detinha, numa das ocasiões, uma significativa quantidade de haxixe (296,687 gramas) o que revela tratar-se, como consta da decisão recorrida, «não só de um traficante de rua, mas também de “um pequeno armazenista”), e que estamos perante um tipo de crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos são prementes, pois o «sentimento jurídico da comunidade» apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias, ansiando também por uma diminuição deste tipo de criminalidade e por uma correspondente censura de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, consideramos justa e adequada a condenação na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada, improcedendo, nesta parte o recurso interposto

4.1.2. O arguido/recorrente foi ainda condenado na pena de 5 anos de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo p. e p. nos termos dos artigos 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), 204.º, n.º 2, alínea f), e 26.º, do Código Penal.

Entende o recorrente que «se por um lado a ofendida pediu “clemência para o arguido”, também com fundamento no relatório social, e tendo sempre em vista a finalidade da pena, nomeadamente a reintegração do arguido na comunidade, a pena aplicada não deverá ultrapassar os 3 anos e 6 meses de prisão».

O Tribunal Colectivo considerou provada a seguinte factualidade relativa a este crime:

«5 - No dia 14 de Abril de 2013, pelas 11 horas e 45 minutos, na Rua ..., o arguido AA, fazendo-se acompanhar por outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, ao ver que CC e seu marido BB se preparavam para entrar, pela porta das traseiras, aberta por estes, no prédio sito no n.º 62 daquela rua, entrepôs-se entre tal porta e Maria Simão, permitindo a entrada dos acima referidos indivíduos que o acompanhavam e fechou-a seguidamente atrás de si, mantendo-se no interior do átrio daquele prédio com os seus acompanhantes, e CC e BB.

6 - Os referidos dois acompanhantes do arguido aproximaram-se pelas costas e agarraram BB pelo pescoço, projectando-o ao solo e, com este caído, desferiram-lhe pontapés nas pernas, pisando-o com os pés e pressionando os joelhos sobre o tronco do mesmo, dizendo-lhe: "Dá-me dinheiro. Dá-me dinheiro".

7 - Ao mesmo tempo, o arguido AA exibiu uma navalha a CC, arrancando do pescoço desta dois fios em ouro, um da marca "Cartier", este no valor de cerca de €600,00, dizendo-lhe: "cabra, puta, dá-me esse anel, senão corto-te o dedo".

8 – O arguido retirou ainda duas pulseiras em ouro que CC trazia no pulso esquerdo, no valor de cerca de €200,00, um anel em ouro com diamante que esta trazia no dedo anelar da mão esquerda, no valor de cerca de €470,00, um brinco em ouro branco, que esta trazia nas orelhas, tendo o outro caído na roupa da ofendida, e a quantia de €300,00 em notas do Banco Central Europeu, que CC trazia numa bolsa, dentro da sua mala.»

Pratica o crime de roubo, conforme o artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

Nos termos do n.º 2, alínea b), do mesmo preceito, a conduta é agravada, sendo punível com pena de 3 a 15 anos de prisão, se se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

Nos termos do artigo 204º, n.os 1, alínea f), e 2, alínea f), do Código Penal, constituem agravantes o facto de o agente «furtar coisa móvel alheia introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar», ou «trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta».

O quadro factual dado como provado no acórdão recorrido, acima reproduzido, integra indiscutivelmente um crime de roubo agravado, correspondendo-lhe a pena de 3 a 15 anos de prisão.

Encontra-se adquirido em termos doutrinais e jurisprudenciais o entendimento de que o bem jurídico tutelado pelo crime de roubo assume uma natureza dual: por um lado, os bens jurídicos patrimoniais (direito de propriedade e de detenção de coisas móveis); por outro, os bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de decisão e acção e a integridade física ou, ainda, a vida)[4]. Como salienta CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, «a ofensa aos bens pessoais surge como o meio de lesão dos bens patrimoniais»[5].

Evidencia-se neste crime o seu carácter pluriofensivo porquanto bens jurídicos patrimoniais e pessoais, já assinalados.

Valem aqui, por inteiro, as considerações já expendidas sobre a determinação da medida da pena com base nos parâmetros ou critérios condensados no artigo 71.º do Código Penal, também já examinados.

O artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, também já invocado, elege a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade como as finalidades da pena.

Como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 25 de Julho de 2014 (proc. n.º 1784/03.0PSLSB.L1.S1), surgindo, no citado artigo 40.º, a protecção dos bens jurídicos como a finalidade primeira da pena, e como essa protecção se refere necessariamente ao futuro, «deverão ser convocadas finalidades gerais preventivas (sobretudo a positiva mas também a intimidatória), e especiais preventivas (intimidação pessoal, neutralização temporária e reinserção social, esta última, aliás, especialmente mencionada no preceito)»

As exigências de prevenção geral positiva ou de integração são bastante salientes num tipo de crime como o de roubo, em que avulta a agressão a bens de natureza pessoal de grande ressonância ético-social, como a vida e a integridade física.

Relativamente às exigências de prevenção especial ou de socialização, são elas também de suscitar cuidado e atenção por parte das instâncias formais de controlo, dados os antecedentes do arguido. Recorde-se que o arguido já sofreu condenação pela prática do crime de roubo.

Como se refere no acórdão recorrido, há que considerar a elevada intensidade do dolo, a motivação do crime de roubo, o modo de execução e suas consequências, num quadro de actuação conjunta com dois indivíduos, anulando qualquer possibilidade de defesa das vítimas, com inusitada violência contra pessoas com alguma idade, causando-lhes lesões, temor e insegurança, que ainda perduram, o valor do prejuízo causado à ofendida, não recuperado, a existência de antecedentes criminais, precisamente por crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes, em penas de prisão suspensas na sua execução, cuja oportunidade, para mudar o seu comportamento, não só desperdiçou, como veio a agravar substancialmente a gravidade dos crimes cometidos posteriormente.

Convoca ainda o Tribunal Colectivo, a postura em julgamento do arguido, «admitindo factos que não podia negar, atenta a apreensão do estupefaciente e instrumentos necessários à divisão em doses individuais para venda a terceiros, negando os demais, o que revela a falta de autocensura, autocrítica e de interiorização da gravidade da sua conduta».

Em termos de prevenção geral, tanto intimidatória, como, em particular, positiva, o endurecimento da reacção penal é reclamado pela comunidade para os crimes de roubo, tendo presente a sua gravidade, a insegurança e o pânico que sempre provoca.

As exigências de prevenção especial têm, no caso, também relevo, como bem se considerou no acórdão recorrido, não assumindo relevância aqui o «pedido de clemência» alegadamente formulado pela vítima, que, aliás, não consta da matéria de facto dada como provada.

Sopesando todos os factores, tendo-se ponderado a juventude do arguido, ao apoio familiar de que beneficia e o efeito positivo que a reclusão (situação em que se encontra) parece ter sobre o mesmo, levando-o a investir na sua formação, consideramos que os critérios de determinação da pena pela prática do crime de roubo qualificado foram criteriosamente aplicados na decisão recorrida, devendo manter-se a pena de cinco anos de prisão aplicada por tal crime.

Improcede nesta parte o recurso interposto.

4.2. A condenação pela prática do crime de roubo tentado

4.2.1. Insurge-se o recorrente contra a condenação pela prática do crime de roubo, na forma tentada, cometido contra BB, pedindo a sua absolvição.

Alega, para tanto, que:

«F – No que concerne ao crime de roubo, na forma tentada, contra BB, deu-se como provado que este “não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudesse apoderar” (ponto 9 dos factos provados);

G – Assim, o roubo que provavelmente estaria na intenção dos agentes, dos “outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar”, tornou-se inexequível, porque nada havia para roubar;

H – Inclusive no que concerne à tentativa, embora tenham sido praticados actos de execução, esta não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação do crime, nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código Penal);

I – O arguido AA deve, por isso, ser absolvido do crime de roubo tentado, contra BB.»

4.2.2. O recorrente suscita a questão da tentativa impossível de roubo quando afirma que, «embora tenham sido praticados actos de execução», referindo-se à violência e utilização da força física praticadas na pessoa de BB, a tentativa «não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação do crime».

Sob a epígrafe «Punibilidade da tentativa», Estabelece o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal:

«3 - A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime».

Como lembra JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, «[à] tentativa levada a cabo com meios inaptos ou sobre objecto essencial inexistente dá a doutrina o nome de tentativa impossível ou tentativa inidónea», sendo que, «como indiscutivelmente resulta [do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal], a nossa lei equipara em geral e em princípio a tentativa inidónea à tentativa idónea: salvo quando a inaptidão dos meios ou carência do objecto sejam manifestos, a tentativa continua a ser punível apesar de a realização do facto estar irremediavelmente destinada a não se consumar»[6].

Em matéria de punibilidade da tentativa impossível, este Autor apela para a sua delimitação à «teoria subjectiva-objectiva da impressão (ou da “aparência” de perigo), Ponto de partida será assim o de que, no caso concreto, a tentativa, apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento», concluindo que «a tentativa impossível será punível se, razoavelmente, segundo as circunstâncias do caso e de acordo com ex ante, ela era ainda aparentemente possível ou (como prefere exprimir-se o art. 23.º-3) não era já manifestamente impossível»[7].

      MAIA GONÇALVES, em comentário ao artigo 23.º do Código Penal, refere a inidoneidade do meio ou a carência do objecto, salvo nos casos em que são manifestas, não constituem obstáculo à existência da tentativa.

A substituição de aparentes (caracterizando a inidoneidade do meio empregado ou a carência do objecto que constava do Projecto) por manifesta, efectuada após discussão na Comissão Revisora, visou significar que a inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente se representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas[8].             

Para MARIA FERNANDA PALMA, «na tentativa impossível não houve qualquer falha de um poder de realização (por erro, deficiência ou interrupção) mas uma insusceptibilidade de consumação»[9], afirmando, mais adiante, que o artigo 23.º, n.º 3, «decreta a punibilidade da tentativa impossível idónea ex ante segundo um critério de aparência ou impressão». O artigo 23.º, recorrendo à teoria da impressão, «não exclui do âmbito da punibilidade a tentativa impossível por absoluta inexistência do objecto ou inidoneidade da acção, se uma e outra não forem manifestas»[10].

GERMANO MARQUES DA SILVA considera que o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal adopta a teoria objectiva. O preceito «condiciona a não punibilidade da tentativa impossível a que a inidoneidade do meio empregado ou a inexistência do objecto sejam manifestas. Se, pelo menos aparentemente, se verifica um perigo objectivo entendem muitos que se justifica a punição, pela intranquilidade que o acto cria. É este perigo objectivo – embora aparente – que pode acusar alarme e intranquilidade social e que, assim, está apto a fundamentar a punição do agente», acrescentando:

«(…) para que haja tentativa, mesmo impossível, é necessário que o agente queira cometer o crime consumado e, por isso, deve representar que o meio é idóneo e o objecto existente, sem o que não haverá dolo e consequentemente não haverá tentativa, nem real, nem impossível»[11].

Numa situação que revela alguns pontos de proximidade com a que agora apreciamos, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011 (proc. n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1), apreciou a questão da tentativa impossível de furto na apreciação da questão suscitada pelo recorrente que alegou ter sido «erradamente condenado pela tentativa da prática do crime de furto descrito em IV da acusação, pois não teria nada de valor para furtar, dado que o potencial lesado tinha sido recentemente assaltado, o que preenche, assim o disposto no n.º 3 do artigo 23.° do Código Penal».

Considerou-se neste acórdão que:

«Como ficou provado, o arguido agiu com o propósito de entrar na citada residência, bem como nas instalações referidas, “com vista a fazer seus os objectos de valor e de fácil transporte, nomeadamente dinheiro, cheques, artigos de relojoaria e de ourivesaria, telemóveis, que ali se encontravam, de valor superior a 102 €, e de os fazer seus, levando-os dali, só não o tendo logrado fazer pelos descritos motivos exteriores à sua vontade”.

Esta facticidade dada por provada contraria a ideia de que a casa nada teria de valor por ter sido assaltada anteriormente, o que não foi dado por provado, sendo certo que continuava habitada e por essa razão o arguido levou com as botas que lhe foram atiradas pelo filho do proprietário, que de seguida o perseguiu e apanhou, agarrando-o até o entregar à autoridade.

Ademais, não foi provado que tal residência tivesse sido assaltada e depois o facto de ter sido recentemente assaltada, mesmo que o fosse, não significaria que estivesse completamente despojada de haveres.

Conclui-se assim, que não estamos perante uma tentativa impossível de furto, e que o facto imputado constante do ponto IV foi correctamente subsumido na figura de tentativa de furto qualificado».  

 O mesmo acórdão regista e sumaria um conjunto de decisões em que a questão da punibilidade da tentativa impossível foi apreciada e, simultaneamente, a questão da carência do objecto ou da inidoneidade do meio. Pela sua relevância para a devida compreensão dessa temática e pelos contributos que tais decisões podem fornecer para o caso em apreço, consideramos útil reproduzir a lista efectuada.

Referenciam-se os seguintes acórdãos de:

«21-04-1994, processo n.º 46310-3.ª - Apenas existe tentativa impossível quando for manifesta a ineptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime. A carência do objecto ou inidoneidade do meio devem ser apreciados objectivamente, através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto, objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.

07-06-1995, processo n.º 46987-3.ª – Para efeitos da verificação da tentativa no crime de furto, a inexistência do objecto a apropriar – dinheiro que o arguido pretendia furtar de um cofre – tem de resultar verificada nomeadamente pelas regras da experiência comum, segundo um critério de causalidade adequada, não segundo aquilo que o arguido pensa, mas apenas quando reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis.

10-10-1996, processo n.º 100/96-3.ª – SASTJ [Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça] n.º 4, pág. 76 - Comete o crime de furto qualificado na forma tentada (apesar de não se apurar o valor dos bens) o arguido, que após danificar a fechadura se introduz no interior de um estabelecimento onde se encontravam diversos bordados.

12-11-1996, processo n.º 720/96. 3 – SASTJ, n.º 5, pág. 67 - Sabendo-se que através de fotocópias é possível obter a imitação de notas verdadeiras, é de repudiar, no caso, a existência de manifesta inaptidão do meio empregue, em ordem a integrar tal conduta na figura da tentativa impossível.

03-04-1997, processo n.º 76/97- 3.ª, SASTJ, n.º 10, pág. 85 – Na tentativa impossível, para que releve a inaptidão do meio empregue, necessário se torna que a mesma seja manifesta, isto é, que ela, não em função do que o agente antes ou depois representa, mas em função das regras de experiência comum ou da causalidade adequada aparentava, “ex ante”.

17-04-1997, processo n.º 1532/96 – 3.ª, SASTJ, n.º 10,  págs. 103/4 – O crime de abandono de sinistrado existe mesmo que a vítima faleça imediatamente, não se podendo falar aí de crime impossível, por isso que a violação do dever de socorro existe mesmo em tal caso (até por que o  agente nunca sabe se este é, e em que medida, necessário).

2-07-1997, processo n.º 390/97-3.ª, SASTJ, n.º 13, pág. 111 – Referindo a matéria provada que “conforme previamente delineado, os arguidos F e S partiram o vidro de uma das janelas das instalações do stand e entraram para lançar mão dos objectos que o arguido M pretendia, nomeadamente discos de embraiagem”, tanto basta para a verificação do crime de furto tentado, que lhes era imputado, não sendo necessário para esse efeito que o tribunal tenha de apurar que bens existiam no stand, ou de descrever quais os bens susceptíveis de apropriação que aí se encontravam, maxime, se tais indagações respeitarem a factualidade não coberta pela acusação.

A simples situação de não terem sido encontrados no local os objectos pretendidos pelos arguidos, quando objectivamente os mesmos aí poderiam existir, não configura uma situação de desistência activa.  

10-12-1997, processo n.º 916/97 – 3.ª, SASTJ n.ºs 15 e 16 , págs. 202 e 203 e BMJ n.º 472, pág. 116:

- Nos casos de tentativa impossível entende-se que, dado o circunstancialismo em que o agente actuou, o desvalor da acção merece ser punido, não obstante não existir bem jurídico.

- O juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio (ou sobre a existência ou inexistência de objecto) – art. 23.º, n.º 3, do CP – tem de ser, em primeiro lugar, um juízo objectivo, quer dizer, não releva aquilo que o agente considera apto ou inapto, existente ou inexistente. Em segundo lugar, a aferição daquela valoração, tanto quanto possível objectiva, tem de assentar em dois planos: de uma banda, na determinação e consideração razoáveis que a generalidade das pessoas ou um círculo de pessoas – que detenham especiais conhecimentos na matéria – fazem sobre o meio ou objecto em causa, por outra, nos especiais conhecimentos do agente e da sua pertinência à vítima.

07-01-1998, processo n.º 1030/97, CJSTJ1998, tomo 1, pág. 151 – Citando Cavaleiro Ferreira, distingue: A inidoneidade do meio pode ser absoluta ou relativa. A primeira existe quando o meio for, por natureza, inapto para produzir o resultado. A segunda verifica-se quando, sendo o meio em si mesmo, idóneo ou apto, se torna inapto para produzir o resultado. Ao exigir-se no n.º 3 do artigo 23.º do CP, que a inaptidão do meio seja manifesta, para que a tentativa não seja punível tem-se em vista a inidoneidade absoluta.

12-05-1999, processo n.º 357/99-3.ª, SASTJ n.º 31, pág. 81 - Comete o crime de roubo, na forma tentada, sendo punível a conduta do arguido que, com violência, ameaça o ofendido para que este lhe entregue o dinheiro que no momento detinha, sendo certo que este nenhuma quantia tinha em seu poder, porquanto a inexistência do objecto essencial à consumação do crime - o dinheiro – não se apresentava como manifesta.

12-04-2000, processo n.º 841/99-3.ª, SASTJ n.º 40, pág. 47 - A inidoneidade do meio, para efeitos do artigo 23.º, n.º 3, do CP, não deriva de o resultado não haver sido alcançado, mas antes da verificação de que tal inidoneidade é aparente, ou seja, que, segundo as regras da experiência comum, a actividade do agente, no circunstancialismo concreto em que se desenvolveu, não é, com evidência, adequada a preencher o tipo legal de crime.

1-06-2000, processo n.º 126/00 - 5.ª, SASTJ n.º 42, pág. 61 - A palavra manifesta, que o legislador usou no n.º 3 do art. 23.º do CP para dimensionar a inadaptação do meio empregado pelo agente ou para concretizar a inexistência do objecto essencial à consumação do crime, inculca, com nitidez inquestionável, que as faladas inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente se representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.»

Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Abril de 1995 (CJ ano III, t. 1) se considerou existir tentativa punível de crime de furto qualificado, quando o agentes se deslocam ao local, entram no edifício forçando a porta de entrada, com o propósito de se apropriarem de bens e dinheiros que ali encontrassem, o que seria natural acontecer e apenas o não fazem por eles ali não existirem.

4.2.3. Voltando ao caso em apreciação, importa recordar a matéria de facto dada como provada referente ao crime de roubo tentado:

«5 - No dia 14 de Abril de 2013, pelas 11 horas e 45 minutos, na Rua ...., o arguido AA, fazendo-se acompanhar por outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, ao ver que CC e seu marido BB se preparavam para entrar, pela porta das traseiras, aberta por estes, no prédio sito no n.º 62 daquela rua, entrepôs-se entre tal porta e Maria Simão, permitindo a entrada dos acima referidos indivíduos que o acompanhavam e fechou-a seguidamente atrás de si, mantendo-se no interior do átrio daquele prédio com os seus acompanhantes, e CC e BB.

6 - Os referidos dois acompanhantes do arguido aproximaram-se pelas costas e agarraram BB pelo pescoço, projectando-o ao solo e, com este caído, desferiram-lhe pontapés nas pernas, pisando-o com os pés e pressionando os joelhos sobre o tronco do mesmo, dizendo-lhe: "Dá-me dinheiro. Dá-me dinheiro".

7 - Ao mesmo tempo, o arguido AA exibiu uma navalha a CC, arrancando do pescoço desta dois fios em ouro, um da marca "Cartier", este no valor de cerca de €600,00, dizendo-lhe: "cabra, puta, dá-me esse anel, senão corto-te o dedo".

8 – O arguido retirou ainda duas pulseiras em ouro que CC trazia no pulso esquerdo, no valor de cerca de €200,00, um anel em ouro com diamante que esta trazia no dedo anelar da mão esquerda, no valor de cerca de €470,00, um brinco em ouro branco, que esta trazia nas orelhas, tendo o outro caído na roupa da ofendida, e a quantia de €300,00 em notas do Banco Central Europeu, que CC trazia numa bolsa, dentro da sua mala.

9 - Depois de o arguido ter retirado tais objectos e valores a CC e de os outros dois indivíduos que o acompanhavam terem largado BB, por se aperceberem de que o mesmo não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudessem apoderar, saíram todos do interior do átrio daquele prédio, na posse daqueles objectos e valores, em fuga apeada para parte incerta.

10 - Em consequência da conduta dos dois indivíduos não identificados que acompanhavam o arguido, descrita em 6.º, BB dores no seu corpo e escoriações.

(…)

14 - O arguido actuou do modo descrito em 5.º a 10º, de forma concertada com os dois indivíduos cuja identidade não se apurou, com o propósito, parcialmente alcançado, de fazer seus objectos de valor que CC e BB, naquele momento, trouxessem consigo, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, e que actuava contra a vontade dos donos dos mesmos.

15 - Não se coibiu o arguido de, em superioridade numérica, por ter atuado juntamente com outros dois indivíduos, usar da sua força física e de exibir uma navalha a CC, fazendo-a temer pelo seu corpo e saúde, para, desse modo, atingir o seu objectivo, logrado, de lhe retirar e fazer seus aqueles pertences e dinheiro que queria para si e para os demais indivíduos que consigo actuavam

16 - Não se coibiu igualmente o arguido de, em superioridade numérica, por ter atuado juntamente com outros dois indivíduos, molestar o corpo de BB, o qual foi agarrado pelo pescoço, prostrado no chão, e atingido com pontapés e pisado com pés e joelhos, para, desse modo, atingir o seu objectivo, não logrado, de lhe retirar e fazer seus pertences deste, que queria para si e para os demais que consigo actuavam, o que apenas não conseguiu porque BB nada de valor trazia consigo.

17 - Em todas as suas actuações, o arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e penalmente puníveis.»

Como se vê da factualidade provada, o arguido, em conjugação de esforços com outros dois indivíduos, molestaram fisicamente o ofendido BB para se apoderarem de objectos de valor, nomeadamente dinheiro, de que fosse portador. A subtracção não se concretizou «por se aperceberem de que o mesmo não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudessem apoderar».

A carência do objecto deve ser apreciada através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto, objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.

Na mesma linha, lê-se no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Fevereiro de 1996 (proc. n.º 048856):

«Para a punibilidade da tentativa há que considerar o carácter externo e a sua apreensibilidade para a generalidade das pessoas e que o juízo sobre a existência ou inexistência do objecto tem que ser, em primeiro lugar, um juízo objectivo, pelo que não revela aquilo que o agente considera existente ou inexistente.»

Para efeitos da verificação da tentativa no crime de furto, ou, no caso que nos ocupa, da tentativa do crime de roubo, a inexistência dos bens móveis, objecto da subtracção planeada – objectos de valor e dinheiro que o arguido, com os seus acompanhantes, pretendia retirar a BB – tem de resultar verificada nomeadamente pelas regras da experiência comum, reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis.

Ora, na situação ocorrida, a ausência objectos de valor, principalmente dinheiro, em poder do ofendido BB não se apresentava como manifesta. Pelo contrário: o que seria normal e natural era precisamente que a vítima detivesse objectos de maior ou menor valor e, designadamente, dinheiro. Apelando a uma ideia de normalidade, era expectável pela generalidade das pessoas que o ofendido BB fosse portador, nomeadamente de dinheiro, fosse qual fosse a sua quantidade.

Em suma, a inexistência do objecto essencial para a consumação do roubo, quanto à vertente da subtracção de coisa móvel, não se apresentava como manifesta, pelo que, em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal, é punível a tentativa de roubo.

Improcede também, nesta parte, a pretensão do recorrente em ser absolvido do crime de roubo, na forma tentada, em que foi condenado no acórdão recorrido.

4.2.4. Em face do circunstancialismo em que este crime foi cometido, e convocando de novo os critérios para a determinação da medida da pena já enunciados, consideramos justa, adequada e criteriosa a pena de dois anos de prisão que foi aplicada na decisão recorrida.

Na verdade, é de sublinhar o elevado grau de ilicitude e a acentuada culpa do arguido, agora recorrente.

A consideração do nível do ilícito aqui presente impõe acrescidas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que são praticados crimes desta natureza que, pelas suas específicas características, provocam enorme insegurança e intranquilidade na comunidade.

4.3. A medida da pena única

Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, existe concurso de crimes quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. Nesta situação deve ser aplicada ao conjunto uma única pena, a qual, segundo o artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos. No caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 4 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 11 anos e 9 meses de prisão.

A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção a que acresce o critério específico consistente na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1 – 2.ª parte, do Código Penal).

Segundo FIGUEIREDO DIAS, cuja doutrina vem sendo seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, a pena conjunta deve ser encontrada «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[12].

Ensina o mesmo Autor que os factores que intervieram na determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra, ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo, naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares mas ao conjunto deles, porque, então «não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração»[13].           

Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Maio de 2014 (proc. n.º 561/02.0TAABF.S1):

«Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-) tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele».

Analisando os factos na sua globalidade, sobressai a gravidade do ilícito global, com destaque para a violência utilizada nos crimes de roubo. Como se refere no acórdão recorrido, o arguido revela uma personalidade imatura, com lacunas em algumas das mais importantes competências pessoais, como sejam as relacionadas com o raciocínio crítico e o pensamento consequencial. Numa moldura abstracta aplicável – de 4 anos e 6 meses de prisão a 11 anos e 9 meses de prisão – foi fixada a pena única de 7 anos de prisão, pena que se nos afigura justa, criteriosa e adequada às exigências de prevenção geral e especial que aqui se fazem sentir e que, por isso, se confirma.

Tudo ponderado, é mantida a pena de 7 (sete) anos de prisão, improcedendo também, nesta parte o recurso interposto.

Tendo em conta a medida da pena aplicada, fica prejudicada a consideração e ponderação da suspensão da sua execução, atento o limite inultrapassável previsto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

III – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção – em negar provimento ao recurso interposto, mantendo o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Novembro de 2015

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Manuel Augusto de Matos

Armindo Monteiro

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[1]ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, p. 1311.
[2]           Os acórdãos citados no texto, sem outra identificação da fonte, estão acessíveis na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/.
[3]             Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis no sítio Internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[4]           Acompanhou-se, neste segmento expositivo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2012 (proc. n.º 2/09.IPAETZ.S1). V. CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 160.
[5]            Comentário Conimbricense do Código Penal, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 160.
[6]           Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 713. Frisado e destacado no original.
[7]            Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, cit, pp. 715-716. Destacado no original.
[8]             Código Penal Português Anotado, 18.ª edição, 2007, p. 135.
[9]          Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, p. 85.
[10]            Ob. cit., p. 148.
[11]            Direito Penal Português, II, Verbo, p. 271
[12]            Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, p. 291. Destacado no original    
Ob. cit., p. 292.