Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE RAPOSO | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO QUESTÃO NOVA CASO JULGADO FORMAL OFENSA DO CASO JULGADO ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA IRRECORRIBILIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 04/02/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
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Sumário : | I. Não á admissível recurso em que se submeta inovatoriamente à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça uma questão (caso julgado) que não foi submetida – optou por não se submeter – à apreciação do tribunal da relação, porquanto “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (art. 410º nº 1 do Código de Processo Penal) e não outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão recorrida. II. Como o acórdão da Relação não se pronunciou sobre a ofensa de caso julgado, o AFJ 2/2024 não é aplicável directamente ao caso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO Em 28 de outubro de 2021 o tribunal singular do Juízo Local Criminal de Santo Tirso proferiu sentença com o seguinte dispositivo essencial (ref.ª .......89): «Pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente provada e procedente a acusação nos seguintes termos: a) Absolvo o arguido AA da instância criminal relativamente à contraordenação estradal, p. e p. pelo artigo 60.º, n.º 1 do D. Reg. n.º 22-A/98; b) Absolvo o arguido AA da medida de segurança a que alude o art. 101.º, n.º 1 e 2 al. b), c) e d), do Código Penal; c) Condeno o arguido AA pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137 º, n º 1, do Código Penal em concurso aparente com o disposto nos arts. 13.º, n.º 1 do Código da Estrada na pena de dezoito meses de prisão; d) Condeno o arguido AA pela prática de um crime de condução perigosa p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. a) e al. b) e n.º 3 do Cód. Penal na pena de dez meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico das penas a que se alude em a) e b), condeno o arguido AA na pena única de 23 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e meio, a contar do trânsito em julgado desta decisão, sujeita a regime de prova; f) Condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dezoito meses, p. pelo art.69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal;». Na sequência da interposição de recurso por parte do arguido, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 6 de abril de 2022, decidiu (ref.ª ......52): «(…) julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA com revogação [d]a decisão recorrida e consequente realização de nova audiência de discussão e julgamento/decisão, nos termos acima enunciados.» Realizado novo julgamento e estabelecida nova factualidade, o tribunal singular do Juízo Local Criminal de Santo Tirso, em 12 de junho de 2023, proferiu a seguinte decisão (ref.ª .......95): «Pelo exposto, julga-se parcialmente provada e procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público, em função do que se decide: a) Absolver o arguido AA da prática das contraordenações previstas e punidas pelos artigos 13.º, n.ºs 1 e 5, do Código da Estrada e 60.º, n.º 1, do D. Reg. N.º 22-A/98, de 1 de outubro. b) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, als. a) e b), 294.º, n.º 3, e 285.º, todos do Código Penal, em concurso aparente com [o] crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, 1 do C.P, e com o crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137.º, n.º 1, do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão. c) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos de prisão, aplicada ao arguido, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, assente num plano de recuperação e reinserção social. d) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do C. Penal, pelo período de 12 (doze) meses;». Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Com o recurso da decisão final, subiu o recurso retido de um despacho interlocutório de 13 de fevereiro de 2023 que havia indeferido diligências probatórias requeridas pelo arguido. Em acórdão de 10 de julho de 2024, o Tribunal da Relação do Porto decidiu (ref.ª ......78): «a) Negar provimento ao recurso interlocutório e, em consequência, confirmar a decisão recorrida de 13.02.2023. (…) b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença e, em consequência, alterar a pena de prisão aplicada ao recorrente para 23 (vinte e três) meses de prisão por força do disposto no artigo 409.º, n.º 1 do CPP, mantendo-se tudo o mais decidido em primeira instância.» O arguido arguiu a nulidade e requereu a correção do acórdão (ref.ª ....16). Em 23 de outubro de 2024, o Tribunal da Relação do Porto deliberou (ref.ª ......81): «(…) indeferir o pedido de correcção e a declaração de nulidade do acórdão proferido em 10.07.2024 por este Tribunal da Relação apresentado pelo recorrente AA.» Em discordância com o acórdão da Relação veio o arguido, em 27 de Novembro de 2024, interpôr recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação com as seguintes conclusões: «1.º O Arguido/Recorrente, não se conformando com os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 10/07/2024 e 23/11/2024, vem dos mesmos interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por entender existir violação de caso julgado. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO, 2.º Ainda que o CPP não preveja expressamente a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por violação de caso julgado, deve entender-se que a norma do artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC se aplica ao processo penal, independentemente do disposto no artigo 400.º do CPP. 3.º O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando se está perante uma violação de caso julgado em processo penal é admissível por força do disposto no artigo 4.º do CPP, e também o artigo 433.º do CPP, conforme decorre das diversas decisões jurisprudenciais supratranscritas – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/02/1981, publicado in BMJ 304/314; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/2000 e de 08/02/20200, de que foi Relator Simas Santos; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/1989, de que foi Relatora Maia Gonçalves; Decisão de deferimento do Supremo Tribunal de Justiça proferida em 15/11/2012 relativa ao processo n.º 2959/99.0JAPRT.G2-A.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/12/2020, processo n.º 6421/17.2JFLSB-D.L1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/09/2015, processo. n.º 213/12.2TELSB-F. L1.S1-5; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2013, processo. n.º 29/07.8GEIDN.C1.S1. 4.º A autonomia dos recursos em processo penal, face aos recursos em processo civil, apenas significa que a sua tramitação unitária obedece imediatamente às disposições processuais penais, mas não exclui, por força do artigo 4.º do CPP, em casos omissos, a aplicação subsidiária das regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal. 5.º Mesmo que assim não se entendesse, o artigo 433.º do CPP dispõe que se recorre ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja. 6.º Deve, assim, ser julgada aplicável ao processo penal a norma do artigo 629.º, n.º 2, al. a) do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, devendo o presente recurso ser julgado admissível. 7.º Na caso de se interpretar as normas dos artigos 4.º e 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), 432.º e 433.º, do CPP, no sentido de ser inaplicável ao processo penal o artigo 629.º, n.º 2, al. a) do CPC e, como tal, se considere ser irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão do Tribunal da Relação com fundamento em ofensa de caso julgado, independentemente da pena efetivamente aplicada e de ser ou não confirmativo da decisão de 1.ª instância, tal interpretação deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da igualdade, do acesso ao direito, da dignidade da pessoa humana, da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica e proteção da confiança previstos nos artigos 1.º, 2.º, 13.º, n.º 1 e 2 e 20.º, n.º 1, 4 e 5 e 32.º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa. DA OCORRÊNCIA DE CASO JULGADO QUANTO À REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 8.º No que respeita à matéria da velocidade que a vítima imprimia no veículo, o acórdão do Tribunal do Porto de 06/04/2022, reconheceu a existência de contradição entre os factos provados e a fundamentação da decisão e decidiu que “Se o tribunal entender que a vítima não moderou especialmente a velocidade deve concretizar a expressão com factos, evitando expressões como: não tendo tido tempo nem espaço para evitar a colisão (facto provado nº 5). Esta conclusão é de direito e, por isso só deve ser referida e comentada na respectiva sede (direito)”. 9.º Por outro lado, no acórdão com data de 10/07/2024, o mesmo Tribunal decidiu que a vítima: “BB conduzia o motociclo de marca Yamaha, com 321cc de cilindrada, de matrícula ..-TM-.., na faixa de rodagem atinente ao seu sentido de trânsito, a velocidade não concretamente apurada, mas não excessiva face às características da via naquele local” e que “turno BB é surpreendido pelo veículo ligeiro de mercadorias conduzido pelo arguido na sua faixa de rodagem, em sentido oposto ao seu, não tendo tido tempo nem espaço para evitar a colisão”. 10.º No essencial: por um lado, temos uma decisão que reconhece que não o Tribunal não pode afirmar que a vítima circulava a velocidade não concretamente apurada e, ao menos tempo, assumir que tal velocidade não era superior aos limites legais e que a vítima não teve tempo nem espaço para evitar a colisão; e, temos uma decisão que, não obstante o caso julgado formado, não se coíbe de fazer improceder a nulidade arguida pelo Arguido/Recorrente e afirmar que a vítima circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas não excessiva face às características da via e, por outro lado, reitera a ideia – usando as mesmas palavras – de que a vítima não teve tempo nem espaço para evitar a colisão. 11.º Até pela identidade terminológica utilizada nas decisões de 06/04/2022 e 10/07/2023, impunham-se decisões idênticas, isto é, impunha-se que em 10/07/2023 se fizesse proceder a nulidade arguida pelo Arguido/Recorrente – isto é, reconhecer a existência de contradição insanável entre os factos provados em crise, bem como entre os factos provados e a decisão, ao invés de decidir estar em causa uma “discordância sobre apreciação da prova”. 12.º Mais, em 10/07/2024, o Tribunal fez também tábua rasa quanto ao decidido em 06/04/2022 quando não só não evitou o uso da expressão “não teve tempo nem espaço para evitar a colisão”, como optou por mantê-la justificando a sua utilização exclusivamente na alegada conduta do Arguido/Recorrente. 13.º O acórdão datado de 06/04/2022, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual veio a reconhecer a nulidade da sentença por contradição é uma decisão intraprocessualmente vinculativa, ou seja, as decisões judiciais a serem proferidas posteriormente não podem repetir este mesmo vício, o que veio a acontecer com os acórdãos recorridos (cfr. entendimento de Damião da Cunha). 14.º A primeira decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto de reenviar os autos para novo julgamento em virtude de se verificar determinadas nulidades da sentença, vincula, no decurso do processo, a que a 1.ª e a 2.ª instâncias, no futuro tomem decisões conformes à anteriormente tomada, ou seja, forma caso julgado. 15.º O acórdão de 06/04/2022 produz um duplo efeito, ou seja, não só anula a 1.ª sentença de 28/10/2021 como também proíbe a reiteração do mesmo vício em decisões posteriores, porquanto o conceito de caso julgado abrange não só as decisões transidas em julgado (aquelas de que não se interponham recurso) assim como as decisões judiciais anteriormente tomadas dentro do processo que impondo que as decisões futuras sejam conformes a esta. 16.º A tese da proibição de comportamento jurisdicional contraditório (ou proibição de venire contra factum proprium) foi desrespeitada pelo Tribunal da Relação do Porto nos seus acórdãos datados de 10/07/2024 e 23/10/2024, estando, assim, violado, o caso julgado formado. 17.º Razão pela qual se impõe que sejam revogados os acórdãos recorridos e remetidos os autos à 1.ª instância para que seja proferida sentença que se conforme com o caso julgado formado. 18.º A questão de se definir a que velocidade seguia o veículo conduzido pela vítima, tem especial relevância, na medida em que (i) está intrinsecamente relacionada com outra questão no processo, isto é, a questão de saber se a vítima circulava ou não em excesso de velocidade; (ii) dos demais dos demais factos dados como provados é possível extrair que a vítima circulava em excesso de velocidade e em contravenção às regras estradais. 19.º Não fosse a ofensa ao caso julgado aqui em crise e, certamente, o Julgador teria mais bem concretizado todas as questões e não incorreria em erro de julgamento quanto à concorrência de culpa, por parte da vítima, para a verificação do acidente.» A Sr.ª desembargadora relatora admitiu o recurso para «subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo» (ref.ª ......78). Na sua resposta, o Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto concluiu que (ref.ª ....10): «1 – O recurso interposto pelo arguido AA incide apenas sobre matéria de facto; 2 – Tal recurso, sobre matéria de facto, não integra nenhuma das excepções previstas na lei que conferem competência ao STJ para apreciar matéria de facto; 3 – Por conseguinte, por carência de fundamento legal, o recurso não deverá ser admitido; 4 – A rejeição do recurso não viola qualquer preceito constitucional porquanto as hipóteses de recurso para o STJ estão devidamente consagradas na lei e, nessas várias possibilidades, estão devidamente salvaguardadas todas as garantias de defesa dos arguidos; 5 – Entre os dois Acordãos do Tribunal da Relação do Porto, de 6-4-2022 e de 10-7-2024, não se verifica caso julgado no que à apreciação da matéria de facto se refere; 6 – O primeiro Acordão do TRP determina a anulação do primeiro julgamento efectuado em primeira instância e ordena a respectiva renovação da prova e, por sua vez, o segundo Acordão do TRP aprecia a nova factualidade dada como provada; 7 – Podendo existir pontos discordantes entre os dois Acordãos quanto à matéria de facto, tal resulta da existência de um novo julgamento, de uma renovação da prova e da fixação de um novo quadro de factos dados como provados; 8 – Não existe qualquer relação de caso julgado entre a apreciação da matéria de facto no primeiro Acordão e a apreciação da matéria de facto no segundo Acordão. Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso interposto pelo arguido ser rejeitado ou, caso assim se não entenda, deve o mesmo ser declarado como não provido.» * Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que sustenta: Coloca-se, antes de mais, a questão de saber se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de julho de 2024, complementado pelo acórdão de 23 de outubro de 2024, é recorrível. E a resposta, como refere o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, é, obviamente, negativa. Vejamos os normativos pertinentes do Código de Processo Penal. Nos termos do artigo 432.º: 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das Relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º Segundo o artigo 433.º: Recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja. O artigo 432.º, n.º 1, alínea a) [decisões das Relações proferidas em 1.ª instância], abrange as decisões previstas nos artigos 12.º, n.º 3, alíneas a), c) e d), e 235.º do Código de Processo Penal, 109.º, alínea b), do Código de Justiça Militar (Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro), 49.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (extradição), 15.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (execução do mandado de detenção europeu), e 13.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro (reconhecimento e execução de sentenças penais de Estados membros da União Europeia que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade e de sentenças ou de decisões relativas à liberdade condicional). O artigo 432.º, n.º 1, alínea b) [decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso] remete para o artigo 400.º do Código de Processo Penal que estabelece: 1 - Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam atos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas Relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei. 2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. 3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. A propósito da hipótese do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) [acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos] importa destacar que, de acordo com a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, haverá confirmação «quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. É a chamada condenação in mellius» (acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2013, processo 52/06.0JASTB.L1.S2, relatado pelo conselheiro Maia Costa, www.dgsi.pt). «Se o arguido, no caso de ser condenado em 1.ª instância em pena de prisão não superior a 8 anos, com manutenção dessa pena por acórdão da relação, não pode recorrer desta última decisão, mal se compreenderia que, à luz do apontado fundamento do direito de recorrer, lhe fosse permitido interpor recurso numa situação que lhe é mais favorável, como é a de o acórdão da relação que, mantendo inalterados os respectivos pressupostos, reduz a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância. É o que vem sendo designado pela jurisprudência do STJ como confirmação in mellius, com aval de constitucionalidade, designadamente no acórdão 125/2010, do TC» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, processo 422/14.JAPRT.G2.S1, relatado pelo conselheiro Manuel Braz, www.dgsi.pt), interpretação já sancionada pelo Tribunal Constitucional (v. o acórdão n.º 260/2016, relatado pela conselheira MariaJosé Rangel de Mesquita,in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160260.html). Refira-se, por fim, que o artigo 433.º do Código de Processo Penal compreende os casos previstos nos artigos 437.º e seguintes, 447.º e 449 e seguintes, todos do Código de Processo Penal, e nos artigos 224.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo), 203.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais), e 25.º a 28.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio (Lei Eleitoral do Presidente da República). Conforme referido, o arguido foi condenado pelo Juízo Local Criminal de Santo Tirso na pena principal de 2 anos de prisão, suspensa na execução, com regime de prova, por igual período de tempo, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), 291.º, n.º 1, alíneas a) e b), 294.º, n.º 3, e 285.º, todos do Código Penal. O Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente a sentença da 1.ª instância exceto quanto à medida da pena de prisão que reduziu para 23 meses. À vista do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal, não sendo caso de aplicação dos artigos 432.º, n.º 1, alínea a), e 433.º do Código de Processo Penal, afigura-se, então, incontroverso que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível, sendo certo que, conforme ainda recentemente se reafirmou, estando o Supremo Tribunal de Justiça, «"(…) impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, estará também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova nomeadamente, de respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e do princípio in dubio pro reo ou de questões de proibições ou invalidade de prova, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares em caso de concurso de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como questões de inconstitucionalidade suscitadas neste âmbito” (Ac. STJ de 14-03-2018, proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, rel. Cons. Lopes da Mota, in www.dgsi.pt, com abundante apontamento de jurisprudência no mesmo sentido)» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de janeiro de 2025, processo 1836/23.0JABRG.G1.S1, relatado pelo conselheiro Jorge dos Reis Bravo, não publicado, que seja do nosso conhecimento, em qualquer base de dados). Para contornar a irrecorribilidade (da qual, aliás, como se evidencia pelo facto de ter reclamado da nulidade do acórdão perante o próprio Tribunal da Relação do Porto conforme imposto pelos artigos 379.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, o arguido estava ciente), o recorrente apela aos artigos 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil e 4.º do Código de Processo Penal (injustificadamente, como se viu, invoca ainda o artigo 433.º do Código de Processo Penal). Rezam assim os referidos preceitos: Artigo 629.º (…) 2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado; (…) Artigo 4.º Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal. Como se pode verificar, a aplicação do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, apenas se justificaria diante de um caso omisso, de uma lacuna. Ora, o Código de Processo Penal prevê e regula de forma autónoma e exaustiva a matéria dos recursos. Como se observa no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2005 (Diário da República, I Série A, n.º 233, de 6 de dezembro de 1995), «[o] regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respectivos prazos de interposição, está construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado. O regime de recursos em processo penal, tributário e dependente do recurso em processo civil no Código de Processo Penal de 1929 (CPP/29), autonomizou-se com o Código de Processo Penal de 1987 (CPP/87), constituindo actualmente um regime próprio e privativo do processo penal, tanto nas modalidades de recursos como no modo e prazos de interposição, cognição do tribunal de recurso, composição do tribunal e forma de julgamento. No CPP/29, o recurso em processo penal seguia a forma do processo civil, sendo processado e julgado como o agravo de petição em matéria cível (artigo 649.o do CPP/29); não existia, então, como regra, regulamentação própria e autónoma, privativa do processo penal. A autonomização do modelo de recursos constituiu mesmo um dos momentos de reordenamento do processo penal no CPP/87. A lei de autorização legislativa (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro), que concedeu autorização para a aprovação de um novo Código de Processo Penal, definiu expressamente como objectivo a construção de um modelo, que se pretendia completo, desde a concepção das fases do processo até aos termos processuais da reapreciação das decisões na concretização da exigência — que é de natureza processual penal no plano dos direitos fundamentais — de um duplo grau de jurisdição. A lei consagrou imposições determinantes no que respeitava ao regime de recursos, apontando para uma perspectiva autónoma e para uma regulação completa. Os pontos 70 a 75 do n.º 2 do artigo 2.º da lei de autorização (sentido e extensão), referidos especificamente às orientações fundamentais em matéria de recursos, impunham, decisivamente, a construção de um modelo com autonomia, desligado da tradição da referência aos recursos em processo civil. Por seu lado, a nota preambular do CPP/87, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, qualifica o regime de recursos como «inovador», estabelecido na perspectiva da obtenção de um amplo efeito («potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico»), assim autonomizado como modelo próprio para realizar finalidades específicas do processo penal. A intenção e a autonomia do modelo mantêm-se após a reformulação do regime de recursos na reforma de 1998 (Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto), a formulação reguladora das diversas modulações nos recursos (tribunal singular, tribunal colectivo e tribunal do júri; matéria de facto e matéria de direito; tribunais da relação e Supremo Tribunal de Justiça; oralidade e audiência no tribunal de recurso) continua a constituir um sistema com regras próprias e específicas do processo penal (cf. a exposição de motivos da proposta de lei n.º 157/VII, n.ºs 15 e 16). A autonomia do modelo e das soluções processuais que contempla coloca-o a par dos regimes de recursos de outras modalidades de processo, independente e com vocação de completude, com soluções que pretendem responder, por inteiro e sem espaços vazios, às diversas hipóteses que prevê» (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2005, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 233, de 6 de dezembro de 1995). Esta posição, como se extrai da abundante resenha de jurisprudência citada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/2024 (Diário da República, 1.ª Série, n.º 78, de 19 de abril de 2024), é amplamente dominante no Supremo Tribunal de Justiça e não belisca qualquer norma ou princípio constitucional. Seja como for, o decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de abril de 2022 quanto à concretização factual da velocidade que a vítima imprimia ao motociclo, que determinou o reenvio do processo e à realização de novo julgamento, não vinculou o Tribunal da Relação do Porto, ou seja, não formou caso julgado formal nem, por conseguinte, podia obstar a que tomasse diferente decisão (v. o artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, esse sim, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal). Na verdade, constitui «[p]ressuposto essencial do caso julgado formal (…) que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida, seja objecto de repetida decisão» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2018, processo 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, relatado pelo conselheiro Fonseca Ramos, www.dgsi.pt). Naturalmente que a formação do caso julgado pressupõe, desde logo, que exista uma identidade de «causa de pedir» (artigos 580.º e 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Ora, no caso em análise identificam-se relevantes discrepâncias entre o primeiro conjunto factual e o que emergiu do segundo julgamento. O acórdão de 6 de abril de 2022 debruçou-se sobre os seguintes factos: «1 - No dia 11 de Agosto de 2018, pelas 21h55m, na EN 105, na Avenida da Boavista, no sentido Santo Tirso/Vila das Aves, o arguido AA conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca Ford, cor branca, com a matrícula ..-DB-.., com velocidade não concretamente apurada. 2 - A respectiva via era constituída por duas hemi-faixas de rodagem de sentidos opostos, por pavimento alcatroado em toda a sua extensão, irregular e em mau estado de conservação. 3 - Em sentido contrário (Vila das Aves/Santo Tirso), na sua hemi-faixa de rodagem, BB, nascido em ........1984, conduzia o motociclo de marca Yamaha, 321 cc, de matrícula ..-TM-.., em velocidade não concretamente apurada mas não superior aos limites legais. 4 - À aproximação do km 26,700, sito na freguesia de Burgães, Santo Tirso, o arguido AA, ao abordar a curva/à direita, perdeu o controlo do veículo, invadindo a faixa de rodagem da via de sentido oposto ao que circulava, indo colidir com BB e o seu motociclo, com a frente lateral esquerda do veículo que conduzia. 5 - Por seu turno BB é surpreendido pelo veículo ligeiro de mercadorias conduzido pelo arguido na sua faixa de rodagem em sentido oposto ao seu, não tendo tido tempo nem espaço para evitar a colisão, sendo atingido na lateral esquerda do seu motociclo. 6 - Com a violência do embate, BB foi projectado para a sua retaguarda, para um terreno agrícola situado a 5 metros abaixo do nível da via onde ocorreu a colisão. 7 - Por seu turno, o motociclo foi projectado para a sua rectaguarda e ficou caído com a roda traseira dentro da berma do lado direito e a roda da frente na via mais à direita, tendo em conta o sentido Vila das Aves/Santo Tirso. 8 - Após a colisão, o arguido AA seguiu em frente com o seu veículo, indo embater com a lateral esquerda nas guardas do lado esquerdo, acabando por se imobilizar quando embateu com a lateral esquerda no muro do lado esquerdo na via, tendo em conta o sentido em que circulava. 9 - O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,61 g/L. 10 - O local onde ocorreu a colisão tem boa iluminação pública e reduzida visibilidade nos dois sentidos de trânsito. No dia em questão o piso encontrava-se seco, limpo, em mau estado de conservação e sem obstáculos na via». Diferente, ao invés, foi a factualidade analisada no acórdão recorrido (destaques a sublinhado, negrito e itálico das alterações mais significativas): «1. No dia 11 de agosto de 2018, pelas 21h55m, na EN 105, ao Km 26.700, no sentido Santo Tirso/Vila das Aves, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca Ford, cor branca, com a matrícula ..-DB-.., a velocidade não concretamente apurada mas excessiva face às caraterísticas da via naquele local. 2. Em sentido contrário ao do arguido (Vila da Aves/ Santo Tirso), BB conduzia o motociclo de marca Yamaha, com 321 cc de cilindrada, de matrícula ..-TM-.., na faixa de rodagem atinente ao seu sentido de trânsito, a velocidade não concretamente apurada, mas não excessiva face às caraterísticas da via naquele local. 3. A referida via é constituída por duas faixas de rodagem de sentidos opostos, separadas por linha contínua, com a largura total de 6 metros, sendo o pavimento alcatroado. 4. Chegado ao km 26,700, sito na freguesia de Burgães, Santo Tirso, o arguido, ao aproximar-se da curva à direita, invadiu a faixa de rodagem da via de sentido oposto ao que circulava, provocando a colisão com BB e o seu motociclo, com a frente lateral esquerda do veículo que conduzia. 5. Por seu turno BB é surpreendido pelo veículo ligeiro de mercadorias conduzido pelo arguido na sua faixa de rodagem, em sentido oposto ao seu, não tendo tido tempo nem espaço para evitar a colisão, atenta a forma inopinada como o arguido invadiu a sua faixa de rodagem, sendo atingido na lateral esquerda do seu motociclo. 6. Com a violência do embate, BB foi projetado para a sua retaguarda, para um terreno agrícola situado a 5 metros abaixo do nível da via onde ocorreu a colisão. 7. Por seu turno, o motociclo foi projetado para a sua retaguarda e ficou caído com a roda traseira dentro da berma do lado direito e a roda da frente na via mais à direita, tendo em conta o sentido Vila das Aves/Santo Tirso. 8. Após a colisão, o arguido seguiu em frente com o seu veículo, indo embater com a lateral esquerda no rail existente do lado esquerdo atento o seu sentido de marcha, acabando por se imobilizar mais adiante, quando embateu com a lateral esquerda no muro existente após o final do rail de proteção. 9. O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,61 g/l (…). 10. Na zona onde se deu o embate, o alcatrão do pavimento no sentido de trânsito Santo Tirso/Aves, seguido pelo arguido, encontrava-se regularizado e em bom estado de conservação. 11. Na zona onde se deu o embate, o alcatrão do pavimento no sentido Vila das Aves/Santo Tirso, seguido pela vítima BB, encontrava-se em deficiente estado de conservação, apresentando o mesmo fissuras situadas na metade da faixa de rodagem situada junto à berma, atento o sentido de marcha seguido pelo mesmo. 12. Previamente ao local onde se deu o embate, atento o sentido de trânsito Vila das Aves/Santo Tirso, seguido pela vítima BB, o alcatrão do pavimento encontrava-se reparado mas apresentava um ligeiro desnível na metade da faixa de rodagem situada mais ao centro, ocultando parcialmente a linha contínua separadora dos sentidos de trânsito existente no local. 13. Com o embate, a ponteira da direção da roda frontal esquerda da viatura conduzida pelo arguido sofreu uma quebra, tendo ainda ocorrido o rebentamento do pneu, causando o contacto da jante com o solo. 14. Após o contacto da jante frontal esquerda da viatura conduzida pelo arguido com o solo, o que ocorreu na faixa de rodagem onde seguia a vítima BB, a distância não concretamente apurada do eixo da via mas compreendida entre 75 cm a 1 metro da mesma, a referida jante provocou um rasto de raspagem no solo que se prolongou por 17,20 metros, até à viatura embater no rail existente na berma contrária ao sentido de marcha do arguido. 15. Após o embate da viatura conduzida pelo arguido com o rail existente na berma contrária ao seu sentido de marcha, o mesmo percorreu a distância adicional de 11,30 metros até se imobilizar. 16. Em consequência do embate ficaram caídos na estrada fragmentos da viatura automóvel e do motociclo respetivamente conduzidos pelo arguido e pela vítima, e bem assim vestígios biológicos da vítima, encontrando-se todos eles depositados na faixa de rodagem e berma atinentes ao sentido de marcha em que seguia a vítima. 17. O local onde ocorreu a colisão tem boa iluminação pública e boa visibilidade nos dois sentidos de trânsito. 18. No dia em questão o piso encontrava-se seco, limpo e sem obstáculos na via. 19. O limite de velocidade na referida via é de 50 km/h por hora, sendo o local onde ocorreu o sinistro antecedido, em ambos os sentidos, de sinal de perigo indicador de curva à direita e contracurva e de placa informativa com informação de perigo por se tratar de zona de acidentes». Falha, assim, um pressuposto fundamental do caso julgado. Como bem refere o Sr. procurador-geral-adjunto na sua resposta: «(…) o primeiro Acordão do TRP – data de 6-4-2022 – determinou o reenvio dos autos para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo. Daqui decorre que, com esse primeiro Acordão do TRP, o quadro de factos dados como provados perdeu toda a sua validade porque foi efectuado novo julgamento, tendo mesmo ocorrido uma alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica. A partir do momento que foi efectuado novo julgamento e fixada nova matéria de facto dado como provada em primeira instância, com as alterações supra referidas, tudo o que o TRP referiu sobre a primeira decisão de primeira instância perdeu relevância e deixou de ter validade (…). Desse novo julgamento (em primeira instância) resultou (…) um novo quadro de factos provados. Sobre esses factos provados, que resultam do novo julgamento ordenado pelo TRP, não se pode chamar à colação o que foi referido no Acordão de 6-4-2022, pois o que foi ali mencionado e determinado perdeu qualquer eficácia a partir do momento em que o que foi ordenado foi cumprido – ou seja, a realização de um novo julgamento. (…) Este Acórdão, de 10-7-2024, pronunciou-se sobre a nova sentença proferida sendo normal que, no mesmo, os fundamentos que conduziram à apreciação da matéria de facto dada como provada possam ser diferentes dos que serviram de base ao primeiro Acórdão». Resumidamente, ainda que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de julho de 2024 fosse passível de recurso (e não é), o mesmo não afrontou o anterior acórdão de 6 de abril de 2022. É nesta esteira que se emite parecer no sentido da rejeição do recurso por inadmissibilidade legal ou, caso assim não se entenda, da sua manifesta improcedência. Em resposta ao parecer o Recorrente apesentou a seguinte fundamentação: No parecer apresentado, o Sr. Procurador Geral-Adjunto pronuncia-se no sentido da rejeição do recurso apresentado pelo Arguido, porquanto entende que o mesmo é legalmente inadmissível ou, caso assim não se entenda, manifestamente improcedente. Não pode lograr tal entendimento, porquanto: I) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO Dá-se por integralmente reproduzido o exposto no requerimento de interposição e na motivação de recurso apresentados pelo Arguido/Recorrente (através de requerimento com referência Citius n.º ......54, de 27/11/2024), Onde se explicou o porquê de se entender que o recurso é admissível e onde se explanou que, apesar de as normas de processo penal estipularem que os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça visam exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), é, no entanto, possível aplicar-se subsidariamente as disposições processuais civis (artigo 4.º do CPP), de onde se retira que é sempre admissível recurso quando se verifique ofensa do caso julgado – questão que é do âmbito de cognição do Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido, andou bem o douto Tribunal da Relação ao – por despacho com referência Citius n.º ......78 – admitir o recurso apresentado pelo Arguido/Recorrente, reconhecendo, por conseguinte, a inexistência de qualquer motivo de rejeição formal. ORA, Para sustentar a inadmissibilidade legal, o Sr. Procurador Geral-Adjunto começa por dizer que o artigo 433.º do CPP compreende os casos previstos nos artigos 437.º e ss., 447.º e 449.º e ss., todos do CPP, no artigo 224.º/1 da Lei Orgânica do Regime do Referendo, no artigo 203.º da Lei Eleitoral para o Órgãos das Autarquias Locais e nos artigos 25.º e 26.º da Lei Eleitoral do Presidente da República. Quanto a isto, diga-se, por um lado, que se fosse intenção do legislador limitar a aplicação da norma do artigo 433.º a um número de casos, tê-lo-ia feito expressamente em salvaguarda da segurança e previsibilidade do sistema e, por outro lado, que o processo penal não foi pensado para ser estanque em si próprio, tal como se evidencia pela previsão do artigo 4.º do CPP. Neste sentido, veja-se que a Lei n.º 94/2021 de 21 de dezembro que, entre outros regimes, fez alterações ao Código de Processo Penal, ampliou o regime de admissão de recurso ordinário para Supremo Tribunal de Justiça e manteve inalterado o disposto no artigo 433.º do CPP (o qual mantém a redação desde 1998). Assim, o que se pretende com esta norma é abarcar todos os casos especialmente previstos, quer no CPP, quer em legislação extravagante harmonizável com o processo penal. É inegável que o legislador empregou grandes esforços para construir uma sólida e robusta regulamentação da matéria recursória no âmbito do processo penal, contudo tais esforços não podem servir de arrimo para justificar a inexistência de casos omissos neste domínio e, muito menos, para afastar a aplicabilidade do disposto mo artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC que, relembre-se, visa acautelar interesses de ordem pública, transponíveis para o processo penal. Nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC é sempre admissível o recurso “independentemente do valor da causa e da sucumbência”, o que não tem qualquer aplicação no âmbito dos recursos em matéria processual penal, desde logo porque tal não constitui um requisito de que dependa a admissibilidade dos recursos em processo penal. Porém, tal como se refere no artigo 4.º, do CPP, a aplicação analógica das regras processuais civis apenas é possível quando estas “se harmonizem com o processo penal” e com as regras gerais do processo penal; assim sendo, a aplicação analógica depende desta harmonização, o que significa que aquele dispositivo, quando aplicável no âmbito processual penal, deve ler-se como referindo sempre a admissibilidade do recurso independentemente da sua inadmissibilidade segundo as regras estabelecidas nos artigos 432.º, e 400.º, do CPP. Assim, improcede, também na parte em que fundamenta a inadmissibilidade do recurso com base na aplicação das normas do artigo 432.º, n.º 1, al. a) e 400.º, n.º 1, als. e) e f) do CPP, a argumentação apresentada pelo Sr. Procurador Geral-Adjunto. Note-se que, a importância da figura do caso julgado é tanta no processo penal que PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE a enquadra com um princípio geral que se encontra “disperso na CRP, no CPP e no CPC”. (Cfr. PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo – Comentário do Código de Processo Penal, p. 61). Exemplos claros desta dispersão são o facto de, para definir “caso julgado” e “caso julgado formal”, o processo penal socorrer-se do processo civil, mais precisamente dos artigos 628.º e 620.º do CPC. Mas vejamos outro exemplo claro de que o processo penal “corre atrás do processo civil” … Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o legislador aditou o n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, permitindo o recurso dos acórdãos proferidos pelas Relações quanto à indemnização civil, mesmo no caso em que seja irrecorrível a decisão na parte penal. Como afirma PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este n.º 3 foi contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, “a bem da ‘igualdade’ entre todos os recorrentes em matéria civil” (Cfr. PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo – Ob. cit). Acrescentando que “A ratio do n.º 3 resolve também o problema da aplicabilidade do artigo 678.º, n.º 2, do CPC ao processo penal. Atenta essa ratio, assente no tratamento igualitário dos recorrentes em matéria civil dentro e fora do processo penal, o recurso interposto em processo criminal com fundamento em violação de regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia ou do caso julgado, é sempre admissível em relação à decisão sobre matéria civil. E, como a proteção garantida a estas regras processuais fundamentais não é mais importante em matéria civil do que em matéria penal, deve entender-se que é aplicável analogicamente a disposição do artigo 678.º, n.º 2, do CPC à decisão sobre matéria penal” – negritas e sublinhados nossos (PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo – Ob. cit, p.1049). Termos em, também no que respeita ao disposto no artigo 629.º, n.º 2 do CPC, dever ser relevada a igualdade dos recorrentes no seu direito fundamental de acesso ao recurso. Por fim, adiante na sua exposição, o Sr. Procurador-Geral-Adjunto faz referência ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 2/2024 mencionado que o seu entendimento é amplamente dominante e não belisca qualquer norma ou princípio fundamental. Antes de mais, relembre-se que, ao contrário dos assentos, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência não são vinculativos para os Tribunais o que se compreende, não só, mas especialmente, nos casos em que o conteúdo decisório não reúne unanimidade entre os decisores. Como é o caso do acórdão referido em que a Conselheira Helena Moniz votou vencido. Mais se diga que a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores pode ser aplicada a todos e quaisquer casos sem mais… pois importa sempre atender às diferenças fácticas relevantes e/ou argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação dos arestos que conduziram à uniformização. Assim, considerando que a decisão uniformizadora vinda de referir não cita a decisão e os seus fundamentos, nem a mesma se encontra publicada em qualquer das plataformas de jurisprudência conhecidas, não se compreende como é que, sem mais, o Sr. Procurador-Geral-Adjunto a pretende aplicar ao caso dos autos. Daí que a remessa para tal acórdão de fixação de jurisprudência seja absolutamente inócua. AQUI CHEGADOS, Apesar de a admissibilidade do recurso nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC poder ser entendida como um passo atrás na pretensão de exaustividade do sistema de recursos no processo penal, a verdade é que constitui uma solução adequada e necessária em ordem à proteção de princípios constitucionais e do interesse de ordem pública de respeito pelo caso julgado. Sabendo que no âmbito do processo civil é sempre admissível o recurso com fundamento em ofensa do caso julgado, há boas razões para se entender que, no âmbito do processo penal, ainda mais se justifica que se assegure esta possibilidade não só em cumprimento do caso julgado enquanto expressão da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito Tanto mais que não se afigura razoável que o Arguido deva esperar pelo trânsito em julgado da decisão que violou o caso julgado (e pela possibilidade de interposição de um recurso extraordinário) para que seja assegurado o cumprimento de um princípio constitucional fundamental. II) DA OCORRÊNCIA DE CASO JULGADO Também nesta sede se dá por integralmente reproduzido o exposto na motivação de recurso apresentada pelo Arguido/Recorrente. Para fundamentar a alegada manifesta improcedência do recurso interposto, refere o Sr. Procurador-Geral-Adjunto que “no caso em análise identificam-se relevantes discrepâncias entre o primeiro conjunto factual e o que emergiu do segundo julgamento”. Com o devido respeito, a existência de mais factos é meramente aparente, pois no que aqui importa – ou seja, no que respeita à velocidade que a vítima imprimia no veículo – o Tribunal decide sobre uma construção factual idêntica em que se altera meros pormenores terminológicos (talvez já com o intuito de se afastar um possível recurso). A verdade é que, no Acórdão de 06/04/2022 e no de 10/07/2024 (confirmado pelo Acórdão, do mesmo Tribunal, com data de 21/10/2024), as construções factuais são idênticas e, mais importante, conduzem às mesmas conclusões. Razão pela qual, deveriam implicar conclusões idênticas por parte do Tribunal – isto é, deveriam conduzir ao reconhecimento uma nulidade insanável por contradição entre os factos provados e a fundamentação da decisão. Conforme tivemos oportunidade de explicar, este é um caso em que temos uma decisão intraprocessualmente vinculativa, querendo isto dizer que, decisões judiciais a serem proferidas posteriormente não podem repetir o mesmo vício. Ora, neste seguimento primeira decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto de reenviar os autos para novo julgamento em virtude de se verificar determinadas nulidades da sentença, vincula, no decurso do processo, a que a 1.ª e a 2.ª instâncias, no futuro tomem decisões conformes à anteriormente tomada, ou seja, forma caso julgado. Isto significa que, inegavelmente, o acórdão de 06/04/2022 produz um duplo efeito, ou seja, não só anula a 1.ª sentença de 28/10/2021 como também proíbe a reiteração do mesmo vício em decisões posteriores. Assim, considerando que a tese da proibição de comportamento jurisdicional contraditório foi desrespeitada pelo Tribunal da Relação do Porto nos seus acórdãos datados de 10/07/2024 e 23/10/2024, resulta à saciedade que estamos perante um caso de ofensa ao julgado formado. Termos em que, com o que se deixa dito, em acrescento ao alegado na motivação, deve o recurso ser admitido e julgado procedente. * Foram observadas as formalidades legais. Cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO Como resulta da posição do Ministério Público, a primeira questão a apreciar é a admissibilidade do recurso, uma vez que a decisão que admitiu o recurso “não vincula o tribunal superior” (art. 414º nº 3 do Código de Processo Penal). *** Sendo embora discutível, é de afastar a intempestividade do recurso (1º requer a correcção e argui nulidade), tendo em atenção o pedido de correcção deduzido, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade da interpretação do art. 380º, em conjugação com o artigo 411º nº 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão1. A inadmissibilidade do recurso resulta expressamente do disposto no art. 400º nº 1 al. e) do Código de Processo Penal. Só assim não seria se a invocação do caso julgado tivesse a virtualidade de permitir mais um grau de recurso, como pretende o Recorrente. Contudo, adianta-se, a sua inadmissibilidade é indiscutível porquanto a situação configurada pelo Recorrente constitui questão nova e, ademais, não representa violação de caso julgado, nem é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no presente caso de invocação de caso julgado formal. Vejamos: Admitamos a hipótese proposta pelo Recorrente de que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão penal do Tribunal da Relação que viole o caso julgado formado por anterior acórdão da Relação. Pressuposto básico do caso julgado é a existência de uma anterior decisão (condenatória ou absolutória) sobre os mesmos factos. É com base nessa premissa que o Recorrente constrói a sua tese, a explana proficuamente na motivação e aprofunda na resposta ao parecer. Argumenta que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.4.2022 se pronunciou sobre a factualidade vertida na sentença de 1ª instância de 28.10.2021 e que, depois, o acórdão de 10.7.2024, se pronunciou em sentido contrário, para depois o acórdão de 23.10.2024, manter essa posição ao pronunciar-se sobre as nulidades arguidas. Sustenta que “temos uma decisão intraprocessualmente vinculativa, querendo isto dizer que, decisões judiciais a serem proferidas posteriormente não podem repetir o mesmo vício”. Olvida o seguinte: 1. O acórdão de 6.4.2022 não se debruça sobre os factos mas sobre os vícios e sobre a nulidade da sentença e, por isso não se formou caso julgado sobre os factos agora em apreço. Só assim não seria se a factualidade se tivesse mantido a mesma, com os mesmos vícios. Por isso, tal acórdão não é base para a verificação de caso julgado, porquanto os factos que foram apreciados nos acórdãos posteriores eram diferentes e diferentemente contextualizados. Como se afirma expressamente no acórdão de 6.4.2022: “não tem possibilidade de decidir a causa”: «É claro que não vamos pronunciar-nos sobre eventual erro de julgamento ou indevida interpretação de normas jurídicas porque estas matérias estão prejudicadas, mas recomendamos ao tribunal a quo uma leitura sobre esta parte do recurso, como instrumento necessário para a elaboração da nova decisão. Em conclusão a decisão padece de nulidade por falta de fundamentação e vícios do texto da decisão recorrida nos termos acima apresentados - art°s 374 n° 2; 379 n° 1 ala a); 339 n° 4 e 410 n° 1 ala b), todos, do CPP. Nos termos do art° 379 n°s 1 al. a) e 3, 426 n° 1 e 426-A, todos do CPP o Tribunal Superior não tem possibilidade de decidir a causa, quer porque nos deparamos com uma nulidade por falta de fundamentação (art° 379 n°s 1 al. a) e 3 do CPP), quer porque há vícios do texto da decisão recorrida que determinam o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto processo (art° 426 n°s 1 e 4 do CPP). Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes deste Tribunal da Relação decidem determinar o reenvio dos autos para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, ao abrigo do disposto no art° 426 n° 1 do CPP, devendo aproveitar-se para suprir as supra apontadas omissões ao nível da fundamentação da decisão de facto, após o que deverá ser proferida nova sentença em conformidade e por via disso considerar prejudicada a apreciação das demais questões objecto do recurso». 2. O acórdão de 10.7.2024 analisa factos diferentes porque descritos de forma indiscutivelmente diversa e claramente mais concretizadora, efectuando, assim, uma apreciação ex-novo que incide sobre a sentença de 1ª instância de 12.6.2023 e não sobre a sentença de 1ª instância de 28.10.2021, sobre a qual incidiu o primeiro acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6.4.2022 (cfr. a comparação entre os factos, efectuada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, supra transcrita). Ora, já nas suas alegações de recurso de 21.8.2023, que interpôs em relação à sentença de 12.6.2023, o Recorrente, na conclusão 20º, aborda a questão que agora pretende ver apreciada mas sem o alcance que lhe quer emprestar agora, ou seja, sem invocar a violação do caso julgado: 20º Daqui se conclui que relativamente à velocidade a que transitavam os veículos a sentença recorrida incorreu no vício de contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação — artigo 410.°, n.° 2, al. b) do CPP — Aliás, relativamente à primitiva sentença proferida nestes autos já assim se havia decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nestes autos. Na motivação desse recurso usou a expressão “caso julgado parcial quanto à pena”, o que bem demonstra que estava já ciente dessa problemática e optou por não a abordar. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.7.2024 pronuncia-se sobre essa segunda sentença de 1ª instância e considera não existir qualquer contradição. Também no requerimento em que requer a correcção do acórdão e argui a sua nulidade, nunca invoca a violação do caso julgado formal. 3. O que se constata é que a violação do caso julgado, a ter acontecido, ocorreu na sentença de 1ª instância porquanto é nessa sentença que, cumprindo-se o “dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”, se devia expurgar da matéria de facto, todos os vícios apontados à anterior decisão. Estamos, pois, perante uma questão nova que o Recorrente poderia ter suscitado perante o Tribunal da Relação mas optou por só a apresentar neste momento processual. Esse posicionamento processual e essa opção têm consequências. Julgado pela Relação o recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância, o recorrente inconformado com a decisão da 2ª instância, já só pode impugnar esta última decisão e não introduzir no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça como questão nova, a ofensa de caso julgado formal. Efectivamente, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, o Recorrente não invocou essa violação de caso julgado formal que agora pretende que seja sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que se constata pela análise do acórdão recorrido e da motivação e conclusões do recurso então apresentado. Não á admissível que o Recorrente venha agora inovatoriamente submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça uma questão que não submeteu – optou por não submeter – à apreciação do tribunal da relação, porquanto “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (art. 410º nº 1 do Código de Processo Penal) e não outros que, por opção do Recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão recorrida. No recurso não se decide uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é constante nesse sentido: «No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido. No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido. A suscitação, em recurso, de uma questão nova, que não foi apresentada ao tribunal recorrido, afronta o princípio da lealdade processual que deve ser observado por todos os sujeitos processuais. Porque o arguido apenas no recurso para o STJ, questionou a medida da pena em que foi condenado, sem que o tivesse feito perante a Relação, não pode conhecer-se aqui, por se tratar de questão nova, que excede o objeto permitido do recurso»2. No acórdão citado a questão era a medida da pena mas os fundamentos aduzidos são directamente transponíveis para a questão em apreço do caso julgado formal. Consequentemente, por inadmissibilidade legal, o recurso tem de ser rejeitado, nos termos do disposto nos art.s 400º nº 1 al. e), 410º nº 1, 414º nºs 2 e 3, 420º nº 1 al. b) e 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal. 4. Ademais, à margem: A decisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência 2/2024 no sentido de que «em processo penal, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que confirma, em recurso, decisão que julgou não verificada a ofensa de caso julgado em matéria penal, com esse único fundamento e por aplicação do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC» não é aplicável directamente ao caso em apreço apenas porque o acórdão da Relação não se pronunciou sobre a ofensa de caso julgado. Porém, do mesmo também resulta à saciedade que o prévio conhecimento pelo Tribunal da Relação da questão é pressuposto para o conhecimento da questão do caso julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça em processo penal. Como aí se diz, mesmo a jurisprudência que aceitava a recorribilidade o fez porque a ofensa do caso julgado resultava, em todos eles, da própria decisão recorrida (proferida no Tribunal da Relação), situação diversa da aqui em apreciação. Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vai de forma largamente maioritária no sentido da inadmissibilidade do recurso em apreço, com base na aplicação do art. 629º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil, por força do art. 4º do Código de Processo Penal, ideia que encontra respaldo no acórdão de uniformização de jurisprudência 9/2005, de 11.10.2005, «a autonomia do modelo e das soluções processuais que contempla coloca-o a par dos regimes de recurso de outras modalidades de processo, independente e com vocação de completude, com soluções que pretendem responder, por inteiro e sem espaços vazios, às diversas hipóteses que prevê» (cfr. ainda sobre a questão, o acórdão do Tribunal Constitucional 76/2023 de 14.3.2023). Mesmo quem sustenta a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (com ou sem apelar ao art. 629º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil) o fazem de forma limitada3, quando estejam em causa duas condenações em processos diferentes que deram origem a duas punições diferentes, e se verificar uma violação do princípio ne bis in idem o que não manifestamente o caso dos autos em que estaria em causa uma violação de caso julgado formal. III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, em conformidade com o disposto no art. 434º e nas disposições conjugadas dos arts. 400º nº 1 al. e), 410º nº 1, 414º nºs 2 e 3, 420º nº 1 al. b) e 432º nº 1 al. b) todos do Código de Processo Penal. Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC (art. 513º nº 1 do Código de Processo Penal), a que acresce o pagamento de 6 UC nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal. Jorge Raposo (relator) Maria Margarida Almeida Antero Luís _____________________________________________ 1. Acórdãos 16/2010 e 293/2012 2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.9.2022, no proc. 797/14.0TAPTM.E2.S1, jurisprudência e doutrina aí citados; no mesmo sentido, ainda, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2004, no proc. 1086/04 – 3ª, in sumários do STJ (Boletim). 3. Cfr. AFJ 2/2024, designadamente a declaração de voto e o voto de vencida. |