Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
279/10.0TBMIR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: SIMULAÇÃO
PACTO SIMULATÓRIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
DECLARAÇÃO DE RECEBIMENTO DO PREÇO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
PROIBIÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
TUTELA PROVISÓRIA DA APARÊNCIA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO DE VONTADE / PROVAS - DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO AOS BENS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÕES / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 585.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, 259.º, 358.º, N.º2, 393º, Nº2, 394.º, N.º2, 1682.º-A, Nº1, AL. A), 1687º, Nº1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456º, NºS 1 E 2, AL. B), 457.º, 664.º, 722.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21/10/2010, PROCESSO N.º 12280/07.6TBVNG.P1.S1;
-DE 12/1/2012, PROCESSO N.º 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1.
Sumário :
1. Não pode considerar-se fundada na invocação da figura da simulação da declaração negocial a acção de invalidação do negócio jurídico em que os factos invocados na petição inicial são insuficientes para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos no art. 240º do CC, por se não mostrar alegado pelo autor um facto integrador do núcleo essencial da causa de pedir: ter a divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declarada o intuito de enganar ( ou de enganar e prejudicar ) terceiros – pelo que não pode convocar-se e aplicar-se em tal acção a proibição de prova testemunhal constante do art. 394º, nº2, do CC.

2. Mesmo que se admita que a declaração do vendedor relativa ao recebimento anterior do preço, constante da escritura pública, deva, em regra, constituir confissão extrajudicial, dotada de força probatória plena, não podendo o confitente provar a inveracidade de tal declaração mediante prova exclusivamente testemunhal, nos termos previstos no art. 358º, nº2, do CC, tal confissão apenas vincula o próprio confitente – e não também, por força do princípio da tutela provisória da aparência, um seu pretenso representado, no âmbito da acção em que este pretende precisamente controverter a existência de poderes de representação, que dependem decisivamente do carácter oneroso ou gratuito do acto: ser este uma compra e venda ou antes uma encapotada transmissão gratuita
da propriedade de um bem imóvel, para o qual inexistia manifestamente autorização do pretenso representado.

3. Tratando-se de situação de litisconsórcio necessário activo dos cônjuges que invocam o vício do negócio, a necessidade de obtenção de uma pronúncia unitária sobre a matéria litigiosa determina que a prova testemunhal, licitamente produzida pelo pretenso representado, acabe por beneficiar reflexamente o co-autor/ confitente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e marido, BB, casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, propuseram acção de condenação, na forma ordinária, contra CC e mulher, DD, pedindo que:

a) seja declarada a anulação da declaração de venda produzida pela autora aquando da outorga da escritura pública em causa , bem como de todo o acto titulado por aquela escritura, por traduzirem um acto de alienação por negócio gratuito de bem imóvel comum do casal sem o consentimento do autor (arts. 1682º-A, nº 1, a) e 1687º, nº 1, do CC);

b) subsidiariamente, para o caso de improceder aquele pedido, que seja declarada a anulação da declaração de venda produzida pela autora aquando da outorga da dita escritura pública e de todo o acto titulado por aquela escritura, por traduzirem um acto de alienação da fracção “C” em estado de incapacidade acidental da autora (art. 257º do CC);

c) ainda subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos anteriores, que seja declarada a anulação da declaração de venda produzida pela autora aquando da outorga da mencionada escritura pública e de todo o acto titulado por aquela escritura por a declaração ter sido produzida na sequência do artifício fraudulento utilizado pelos réus (arts. 253º e 254º do CC);

 d) da mesma forma subsidiária, caso improcedam os pedidos das anteriores alíneas, deve ser declarada a anulação da aludida declaração de venda da autora e consequentemente de todo o acto titulado por aquela escritura, ex vi do art. 282º do CC;

e) também subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos anteriores, que seja declarada a ineficácia em relação ao autor marido da venda a que se reporta a referida escritura pública, ex vi dos arts. 268º e 269º do CC.

Pediram igualmente que:

f) os autores sejam declarados como únicos proprietários da fracção “C” identificada no artigo 40º da petição inicial, condenando-se os réus a reconhecer e respeitar tal direito de propriedade, bem como a entregá-la de imediato aos autores, ordenando-se ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor dos réus;

g) os réus sejam condenados a pagar aos autores a indemnização de 500 € por mês, desde 30.10.2010 até à data da entrega de fracção, a título de ressarcimento pelos prejuízos correspondentes à privação do seu uso pelos autores.

   Como fundamento de tais pretensões, alegaram serem casados entre si, desde 1980, sem convenção antenupcial, tendo duas filhas, EE e FF, estando a autora aposentada, após ter exercido a sua profissão no I.P.O,. e o marido aposentado, depois de exercer a sua profissão no ensino secundário, sendo certo que há oito anos surgiu-lhe a doença de Alzheimer e, recentemente, sintomas da doença da Parkinson, pelo que, em Março de 2008, foi internado em instituição assistencial, ficando dependente de terceiros, continuando a autora a prestar serviços médicos, pois a sua reforma não chegava para cobrir as despesas correntes.

   Em Maio de 2010, a A. não falava com a filha FF e com o marido desta há mais de três anos, uma vez que a A. não se disponibilizou a ser fiadora destes no empréstimo que contraíram para a compra da habitação, sendo que em 7.5.2010 se deterioraram também as suas relações com a filha EE e o companheiro

desta, tendo ambos saído de casa da autora, onde esta passou a viver sozinha, entrando em grave depressão, tendo de recorrer a psiquiatras, que a medicaram.

   Conhecendo os réus há vários anos, com quem mantinha uma grande relação de amizade, a autora aproximou-se ainda mais deles, passando com eles os fins de semana num apartamento da Praia de Mira e desabafando com os mesmos os seus problemas familiares, tendo-lhe os réus dito não poder contar com as filhas, mas com eles poderia contar sempre, de modo que a convenceram estarem de boa fé, pensando a autora recompensá-los passando para nome deles o dito andar, sem receber qualquer preço, mas na condição de continuar a usá-lo com eles, enquanto fosse viva. Que os réus logo aproveitaram a oportunidade, tratando dos documentos necessários para a celebração de uma escritura de compra e venda, de modo a transferir o imóvel para nome deles, o que conseguiram em 12.5.2010, data em que, por escritura, a autora, por si e em representação do marido, declarou vender-lhes o apartamento por 25.000 €, preço que teria sido recebido, mas que não recebeu efectivamente, nem sendo acordada qualquer venda, servindo a escritura apenas para passar a fracção para nome dos réus de forma gratuita.

   Embora continuasse a usar com os réus a dita fracção, a autora foi em férias para o Brasil, e, após o seu regresso, em Outubro de 2010, os réus telefonaram-lhe para que  retirasse do apartamento o que quisesse dos seus pertences, já que iam mudar a fechadura da porta da entrada, sendo a partir daí que a autora se sentiu enganada, continuando deprimida, apesar da medicação que tomava. Que por conselho de terceiros a autora mulher mudou a fechadura em 26.10.2010 e enviou uma carta aos réus, que, no entanto, mudaram igualmente a fechadura em 30.10.2010, tendo enviado uma carta dizendo falsamente à autora que compraram e pagaram a fracção com 25.000 €, pelo que se arrogam como donos dela, privando os autores do seu uso.

   Quando a autora outorgou a escritura sofria de depressão, não dispondo de capacidade para entender adequadamente o alcance do acto praticado, sabendo os réus que ela estava deprimida e que não estava em condições de entender o que fazia. Nem a situação económica dos autores e das próprias filhas era compatível com aquele acto de doação, o que os réus bem sabiam. Que o autor nunca consentiu na doação do imóvel, nem sequer para venda, pois a procuração passada pelo autor marido à autora mulher não implicava a venda por preço muito inferior ao seu real valor, como no caso aconteceu.

   Tal privação do imóvel causa aos autores os prejuízos mensais inerentes ao seu não uso, como habitação e como consultório da autora, não inferiores a 500 €, sendo os réus responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados enquanto perdurar a privação do uso da fracção, nos termos do art. 483º do CC.

   Contestaram os réus, mediante impugnação., alegando que visitaram o autor no Lar onde foi internado, não estando ele acamado e revelando inteira lucidez de espírito, além de os autores disporem de capitais e rendimentos, de vários prédios urbanos e terrenos, continuando a autora a trabalhar, apesar de reformada, nunca tendo sofrido de grande depressão, embora se tenha incompatibilizado com as suas filhas.

   Que houve ao longo de muitos anos uma relação de grande amizade entre eles e os autores, tratando os réus das filhas menores da autora enquanto esta dava consultas, além de lhe prestarem serviços domésticos, executando várias outras tarefas para os autores, convivendo uns e outros em datas festivas e em diversas outras ocasiões, em casa de uns ou de outros, sendo os réus quem confeccionava por sua conta as refeições para todos, até que, no início de 2010, a autora, desavinda com as próprias filhas, não obstante os réus a incentivarem a com elas se reconciliar, veio propor-lhes que comprassem o apartamento em causa, onde todos passavam os fins-de-semana, sito na Praia de Mira, o qual lhes seria vendido pelo preço simbólico de 25.000 €, em sinal de reconhecimento pelo trabalho, dedicação e despesas que, ao longo de tantos anos, os réus tinham prestado à autora e sua família, sendo o valor real do andar pelo menos de 75.000 €, apesar de estar em mau estado de conservação.

   Como a autora era amiga de uma pessoa licenciada em direito, esta tratou da documentação necessária à escritura, a pedido daquela, tendo os réus pago em numerário à autora, por exigência desta, no domingo anterior à data da escritura, o referido preço acordado, cujo recebimento a autora declarou na escritura, efectuada em 12.5.2010.

   Após a compra, continuou o convívio entre eles e a autora no dito apartamento, mantendo ela ali os seus pertences, até que em Agosto de 2010 deixou de lá aparecer e de telefonar aos réus, os quais insistiram no contacto telefónico, de modo que chegaram a falar com a autora, que lhes referiu ter perdido a confiança nos mesmos, ao que estes ripostaram que, a ser assim, a autora deveria retirar do apartamento todos os seus pertences até final de Outubro de 2010. No entanto, nesse mês, as partes reconciliaram-se, de modo que a autora até ali dormiu em 22.10.2010, mas logo em 26.10.2010 se permitiu mudar a fechadura do andar, com o que aqueles se não conformaram, mudando também a dita fechadura, por entenderem que tinham pago o preço do apartamento, adquirindo a sua propriedade mediante escritura, na qual a autora participou no pleno uso das suas capacidades mentais, não se tratando de doação e sim de compra e venda, em que a autora actuou por si e com procuração do marido.

   Que os réus são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma, que lhes foi vendida, não tendo provocado quaisquer prejuízos aos autores, tanto assim que a autora não tinha legalmente montado consultório nesse apartamento, agindo os demandantes de má fé, com vista a obter um objectivo ilegal e entorpecer a acção da justiça.

   Concluíram pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos e pela condenação dos autores como litigantes de má fé, em adequada multa e numa indemnização aos réus não inferior a 2.500 €.

   Os autores impugnaram a invocada litigância de má fé, e, contrariamente, disseram que quem estava de má fé eram os réus, pois os motivos que estes alegaram para levar a autora a outorgar a escritura pública eram falsos, dado que esta nunca lhes disse que pretendia o pagamento do preço em dinheiro «vivo», por não haver razão para tal, nem os réus lhe fizeram o pagamento exarado na escritura ou qualquer outro, pelo que a declaração de quitação não corresponde à verdade, sendo certo que a autora só o fez na escritura por ter sido enganada pelos réus e se encontrar deprimida. Concluíram serem os réus quem deve ser condenado por litigância de má fé em multa e indemnização não inferior a 5.000 €, a favor dos autores.

    Ripostaram os réus quanto à má fé, alegando serem pessoas simples e despretensiosas, mas cientes dos seus direitos, não podendo, a seu ver, ser condenados por litigância de má fé.

   Efectuada a selecção da matéria de facto, autores e réus reclamaram da base instrutória, reclamações que foram indeferidas.

A final foi proferida a sentença que: julgou parcialmente procedente a acção e declarou anulada a declaração de venda produzida pela autora AA aquando da outorga da escritura pública em 12 de Maio de 2010, no Cartório Notarial de Cantanhede, relativa à fracção autónoma «C» do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mira sob o nº 0000000000000, inscrito na respectiva matriz sob os artigos 779, 780 e 781 e anulado todo o acto titulado por aquela escritura, por traduzirem um acto de alienação por negócio gratuito de bem imóvel comum do casal sem o consentimento do autor BB; declarou os autores como únicos proprietários da referida fracção autónoma «C», condenando os réus CC e mulher DD a reconhecer e respeitar tal direito de propriedade e a restituir imediatamente aos autores o apartamento em causa; determinou o cancelamento do registo a favor dos réus, a que respeita a apresentação nº 0000 de 2010/05/19 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Mira; condenou os réus a pagar aos autores uma indemnização por danos patrimoniais de 400 € por mês, desde 30 de Outubro de 2010 até à data de entrega efectiva do dito apartamento aos autores; condenou os réus como litigantes de má fé na multa de 2 U.C. e no pagamento de uma indemnização aos autores no valor de 500 €; absolveu os autores do pedido contra eles feito de condenação como litigantes de má fé.

2. Inconformados, os RR apelaram, questionando, desde logo, a decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, e em consequência:

1) Eliminado  da sentença os actuais factos provados S), U), X) e Z);

2) Julgado improcedentes o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário dos AA, elencados sob a) e b) do seu petitório;

3) Ordenado a selecção e ampliação da matéria de facto, tida por indispensável à correcta apreciação dos demais pedidos formulados.

  Assim, a Relação começou por julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida quanto à fixação da matéria de facto, nos seguintes termos:

. Dizem os RR que ao dar como provada, por testemunhas, a matéria dos quesitos 10º e 11º da base instrutória, o tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 393º, nº 2, e 394º, nº 2, do CC, pelo que tais respostas deverão ser consideradas como não escritas, nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC.

Os referidos quesitos 10º e 11º correspondentes aos actuais factos provados S) e U), foram dados como provados exclusivamente com base em prova testemunhal, conforme consta expressamente na motivação do despacho judicial de resposta à matéria de facto (vide fls. 291/300).

Como se vê supra do relatório deste acórdão, na p.i. foi alegado pelos ora recorridos que a A. doou o dito andar aos RR, mas na condição de continuar a usá-lo com eles, enquanto fosse viva. Que foi efectuada escritura de compra e venda, de modo a transferir o imóvel para nome deles, tendo a A., por si e em representação do marido, declarado vender-lhes o apartamento por 25.000 €, preço que teria sido recebido, mas que não foi recebido efectivamente, nem fora acordada qualquer venda, servindo a escritura apenas para passar a fracção para nome dos réus, de forma gratuita. Que o A. nunca consentiu nessa doação do imóvel.

Isto é, os AA dizem ter havido uma divergência intencional entre a vontade e a declaração, por acordo entre vendedor e comprador, entre declarante e declaratário, o mesmo é dizer que se fingiu uma venda para encobrir uma doação. Ou seja, estamos perante um negócio simulado.

Estranhamente, porém, os RR nas suas contra-alegações e conclusão de recurso 7ª, vieram alegar que não arguiram a dita simulação, dizendo até que a factualidade alegada é incompatível com tal figura.    

De todo o modo, diga-se, para pôr em causa a aludida escritura, que contém declarações negociais de compra e venda, demonstrando que elas não são verídicas, os AA tinham que alegar uma divergência entre a vontade e a declaração (v.g. simulação, reserva mental, coacção física, etc). E foi o que fizeram, alegando tal simulação nos arts. 41º e 58º da p.i.; que apesar de na escritura a A. ter declarado, em nome dos AA, que vendia ao R. marido a dita fracção e que dele havia recebido o preço, certo é que nenhuma venda fora acordada entre os contraentes, nem deste recebeu qualquer preço, servindo a escritura para transferir gratuitamente a propriedade da fracção para os RR. Matéria esta que consubstanciou os apontados quesitos 10º e 11º.

Em primeiro lugar. A lei proíbe a prova da simulação relativa através de testemunhas (ou presunções judiciais do art. 351º), quando invocado pelos próprios simuladores, como é o caso dos AA (art. 394º, nº 2, do CC). Mas não impede que os simuladores façam a prova da simulação por qualquer outro meio de prova, designadamente a documental e a por confissão, que no caso inexistem.

É esta, inquestionavelmente, a solução legal, e a aceite pela doutrina e pela jurisprudência. (vide, L. Carvalho Fernandes, T.G. Direito Civil, Vol. 2, 2ª Ed., pág. 237, e por exemplo o Ac. do STJ, de 15.12.98, Proc.98A795, em www.dgsi.pt: I - A proibição de prova prevista no artigo 394, n. 2, do C.C. respeita, apenas, ao recurso à prova testemunhal, ou por presunções judiciais, do artigo 351 daquele diploma substantivo, como meio de prova exclusivo, do acordo simulatório, ou de negócio dissimulado.).

Isto porque a ratio da proibição estatuída no referido nº 2 do art. 394º assenta na falibilidade e insegurança da prova testemunhal, que assim se tornaria um meio fácil de destruir a eficácia da prova documental (vide A. Varela, no CC Anotado, Vol. 1, 3ª Ed., nota 5., pág. 342).

Em segundo lugar. Como se sabe, o facto de estar estabelecida a autenticidade de um documento, seja ele autêntico ou particular, não equivale a considerar verdadeiras e sinceras as declarações que deles constam. Um documento particular, assinado pelas partes e por elas aceite, faz apenas prova plena da materialidade das declarações nele contidas; mas já não faz prova plena quanto à exactidão das mesmas.

A inexactidão das declarações pode, mediante a prova de algum dos vícios da vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, ser demonstrada, mesmo mercê do recurso à prova testemunhal, apenas conhecendo restrições esta possibilidade no que concerne à simulação quando invocada pelos próprios simuladores, tornando, assim, muito difícil a prova da simulação entre tais simuladores.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que apesar da aparente formulação irrestrita, para afastar a iniquidade da aparência criada pela simulação, deixando um simulador à mercê do outro, deve ser aliviada tal proibição se a prova testemunhal funcionar como meio complementar de prova da simulação, primariamente fundada em documentos, pois ela radica muitas vezes, em indícios e ilações baseados em factos que à luz da experiência comum podem revelar a existência da mesma.

Nestes casos, é admissível prova testemunhal, se os factos a provar "aparecerem" com alguma verosimilhança, em provas escritas. Então, complementarmente, é admissível tal tipo de prova. Neste sentido na doutrina L. Carvalho Fernandes, em A Prova da Simulação pelos Simuladores, em Estudos sobre a Simulação, 2004, págs. 45 e segs., que termina com a formulação das seguintes conclusões:

“a) A interpretação estrita dos Artigos 351º e 394º, nº 2, do Código Civil, limitando fortemente a arguição da simulação pelos simuladores, pode conduzir a resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro;

b) A ponderação dos interesses em jogo postula, assim, uma interpretação restritiva desses preceitos, que atenue a limitação dos meios de prova disponíveis, a que a letra da lei conduz:

c) Essa interpretação não pode, porém, pôr em causa a ratio desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor, à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais;

d) Deste modo, a estes meios de prova só pode estar reservado o papel secundário de determinar o alcance de documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar;

e) Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção;

f) Como legítimo é, a partir desse mesmo começo de prova, pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo.”

Também Mota Pinto, na CJ, 1985, III, 9, escreve:

"Constitui excepção à regra do art.º 394º e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental".

Na Jurisprudência, por exemplo: Ac. do STJ, de 17.6.2003, C.J., T. 2, pág. 112; ou igualmente Ac. do STJ, de 5.6.07, Proc.07A1364, em www.dgsi.pt., “IV) - Sendo a simulação arguida pelos simuladores só é admissível prova testemunhal se houver uma aparência de prova do negócio fraudulento assente em prova escrita, o contrato-promessa que antecedeu ao negócio definitivo pode ser considerado esse começo de prova”; ou, também, o Ac. do STJ, acima referido, de 15.12.1998, “II - É admissível, pois, a prova testemunhal como prova complementar, sobretudo da prova documental, que aquele preceito não afasta. III - Assim, sempre que haja um documento escrito, ou até confissão, que constitua um começo da prova da existência da simulação, e que torne verosímil aquela, nada impede o recurso à prova testemunhal, como meio adjuvante daquele”.

Ora, considerando que não existe nos autos nenhum documento que revele, em si, aparência de prova acerca de qualquer simulação na escritura de compra e venda, e que o tribunal recorrido deu como provados tais quesitos 10º e 11º exclusiva e unicamente com base em prova testemunhal, conforme consta expressamente na motivação do despacho de resposta à matéria de facto, o que a lei veda, tem de dar-se como não escritas as respostas de provado a ambos os quesitos, nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC, eliminando-se, em consequência, dos factos provados os actuais factos S) e U) - passando eles a negrito para melhor percepção.

Em terceiro lugar. O mesmo teria de acontecer em relação ao quesito 11º/facto U), por outra razão.

Cabe lembrar que na mencionada escritura a A., por si e na qualidade de procuradora do A., declarou vender e o R. marido declarou comprar o indicado imóvel pelo valor de 25.000 €, que a A. declarou já ter recebido (facto provado F).

O que quer dizer, de harmonia com o disposto no art. 371º, nº 1, do CC “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial publica respectivo, assim como dos factos que neles são alistados como base, para percepções da entidade documentadora (…)”, que a afirmação da A., naquele acto, de já haver recebido o preço, faz prova plena desta afirmação.

E esta afirmação do vendedor, constitui confissão extrajudicial, nos termos dos arts. 352º, 355º, nº 1 e 4, do CC, “Confissão é o reconhecimento, que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, e não mera admissão de um facto - o recebimento do preço - , com carácter e efeitos jurídicos diferentes de uma confissão, como sustentam os apelados, pois é particularismo que não encontramos na lei. Como salienta o Ac. do STJ de 3.6.1999, CJ, T. 2, pág. 136, “III – Ainda que a prova da realidade do pagamento não seja feita pela escritura pública, resulta ela, com força plena, da declaração confessória, aí documentada, feita à parte contrária”.

Confissão que tem força probatória plena, conforme dispõe o art. 358º, nº 2, do CC, pois foi feita aos RR “A confissão extrajudicial em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, só podendo ser declarada nula ou anulada, nos termos do art. 359º do CC.

Quer isto dizer que a escritura pública ainda que não faça prova da sinceridade do pagamento do preço, fá-la plenamente da confissão desse pagamento.

Assim, a força probatória plena da confissão em relação ao facto do pagamento do preço só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art. 347º do CC “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (…)”, prova do contrário que, quando a confissão tenha força probatória plena, levanta ao vendedor sérios obstáculos, pois que lhe está vedado usar da prova testemunhal, face ao que se preceitua, no art. 393º, nº 2, do CC, “Também não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por (…) meio com força probatória plena”, ou prova por presunções judiciais (por força do disposto, no art. 351º do CC).

O exposto aplica-se, de pleno, no nosso caso. A escritura pública de compra e venda de 12.5.2010, que formalizou o contrato de compra e venda celebrado entre os AA e o Réu/recorrente como comprador, faz prova plena de que, nesse acto, a A./vendedora declarou que já havia recebido o respectivo preço de 25.000 €. Por isso, não podiam os AA mediante simples prova testemunhal arredar tal facto, nem, correspectivamente, podia o tribunal recorrido dar como provado, como deu, o aludido facto U) – quesito 11º - apenas com base em prova testemunhal (vide neste sentido o citado e bem elaborado Ac. do STJ de 3.6.1999).

E ainda que devesse valer aqui o regime que se deixou enunciado relativamente à existência de um princípio de prova verosímil por escrito, no nosso caso ele estaria afastado, pois, como se salientou, nenhum documento existe nos autos que aponte demonstrar não ser verdadeira a afirmação produzida pela A. perante o documentador/notário, ou seja, para o não recebimento da referida quantia por parte da A./vendedora.

Reitera-se, pois, o antes afirmado sobre a não prova do quesito 11º e a declaração de não escrita da resposta de provado a tal quesito.

Considerou ainda a Relação, em sede de impugnação sobre a matéria de facto:

   Afirmam os apelantes que o Tribunal a quo ao dar como provada a matéria dos quesitos 14º a 16º (por lapso disse-se 15º a 17º), da base instrutória julgou incorrectamente, uma vez que face à existência de meios probatórios, que suportam entendimento diferente, a resposta não podia deixar de ser negativa ou seja de não provados.

Os aludidos quesitos correspondem aos actuais factos provados V) a Z).

Atenta a previsão legal do art. 257º, nº 1, do CC, são dois os requisitos legais atinentes à incapacidade acidental: a) alguém fazer declaração negocial e, devido a qualquer causa, estar acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não ter o livre exercício da sua vontade; b) que esse estado seja notório ou conhecido do declaratário.

Assim, verdadeiramente importantes e nucleares para decidir de eventual incapacidade acidental da A., como esta alegou, são os quesitos 15º e 16º, únicos relevantes para decidir tal questão.

Não se torna, porém necessário, ouvir a prova testemunhal indicada pelas partes, gravada em CD, pelas razões que vamos explicar.

Como se mencionou no relatório deste acórdão, os AA alegaram na p.i. (arts. 1º a 47º) serem casados entre si, tendo duas filhas, estando a autora aposentada e o marido aposentado, tendo surgido a este a doença de Alzheimer e recentemente sintomas da doença da Parkinson, pelo que em Março de 2008 foi internado num Lar, ao passo que a autora teve de continuar a prestar serviços médicos, pois a sua reforma não chegava para cobrir as despesas correntes. Que, em Maio de 2010, a A. não falava com uma das filhas e com o marido desta há mais de três anos, e também em 7.5.2010 se deterioraram as suas relações com a outra filha e o companheiro desta, tendo ambos saído de casa da A., onde esta passou a viver sozinha, entrando em grave depressão, tendo de recorrer a psiquiatras, que a medicaram. Conhecendo os réus há vários anos, com quem mantinha uma grande relação de amizade, a autora aproximou-se ainda mais deles, passando com eles os fins de semana num apartamento da Praia de Mira e desabafando com os mesmos os seus problemas familiares, tendo-lhe os réus dito não poder contar com as filhas, mas com eles poderiam contar sempre, de modo que a convenceram, pelo que a A. pensou recompensá-los por tal disponibilidade passando para nome deles o dito andar, sem receber qualquer preço, mas na condição de continuar a usá-lo com eles, enquanto fosse viva. Que os RR aproveitaram a oportunidade, tratando dos documentos necessários para a celebração de uma escritura de compra e venda, de modo a transferir o imóvel para nome deles, o que aconteceu em 12.5.2010, data em que a A., por si e em representação do marido, declarou vender-lhes o apartamento por 25.000 €, preço que teria sido recebido, mas não o recebeu efectivamente, nem também fora acordada qualquer venda, servindo a escritura apenas para passar a fracção para nome dos réus, de forma gratuita. Embora continuasse a usar com os RR a dita fracção, a autora foi em férias para o Brasil, mas após o seu regresso, em Outubro de 2010, os RR telefonaram-lhe para retirar do apartamento o que quisesse dos seus pertences, que iam mudar a fechadura da porta da entrada, sendo a partir daí que a autora se sentiu enganada, continuando deprimida, apesar da medicação que tomava.

Quer dizer, segundo a própria A. foi ela que tomou a iniciativa de “passar” para o nome dos RR o indicado imóvel, com a condição de também o poder usar vitaliciamente, assim querendo compensar os RR da sua disponibilidade para a A. contar sempre com eles. E se o pensou também o fez, pois segundo ela “transferiu” para os RR a dita fracção autónoma, simulando uma venda para encobrir uma doação. Foi ela, segundo afirmou, que quis doar a dita fracção aos RR. E depois da escritura até continuou a usar o imóvel. Só meses depois da escritura, é que se sentiu enganada quando os RR lhe disseram para de lá tirar os seus haveres, e que iam mudar a fechadura da porta.

Não se põe em causa, segundo a A., que ela se terá sentido enganada, mas essa descoberta só veio meses depois da realização da escritura. Até ao momento em que a A. se terá sentido enganada tudo decorreu em perfeita normalidade, e segundo o que tinha planeado, querido e executado. Ou seja, não se descortinando nenhuma anormalidade no percurso temporal que mediou entre o pensado e planeado pela A., e o momento em que realizou a escritura, podemos dizer que com a escritura ela executou o que queria.

Sendo assim, independentemente de algum quadro depressivo, como é possível a mesma afirmar que no momento em que efectuou a escritura ela estava incapacitada para compreender o que estava a fazer ? Não pode, porque não faz sentido, por contrariar toda a história que contou. E como pode afirmar que os RR sabiam dessa sua incapacidade ?, se a presença do R. marido na escritura não era mais que a sua comparticipação no combinado com a A.  

Afirmar isso é contrariar inexplicavelmente a própria versão dos AA deixada na petição inicial.

Ou seja, a A. no momento da prática do acto, no momento em que realizou a escritura estava totalmente a dar cumprimento ao que tinha desejado, e que efectivamente quis.

Não podem, por isso, manter-se as respostas de provado a tais quesitos 15º e 16º, merecendo, antes, tais quesitos a resposta de não provado.

Consequentemente, elimina-se dos factos provados os actuais factos X) e Z) - passando eles a negrito para melhor percepção.

3. A procedência parcial da impugnação deduzida pelos recorrentes quanto à matéria de facto conduziu à consideração do seguinte quadro factual ( mencionando-se a negrito e sublinhado os pontos da matéria de facto eliminados pelo acórdão recorrido):

A) Os AA. casaram-se entre si no dia 16 de Agosto de 1980, sem convenção antenupcial.

B) EE e FF, nascidas, respectivamente, em 16 de Fevereiro de 1983 e 26 de Abril de 1981, são filhas dos AA.

C) Em Maio de 2010, a A., que já conhecia, convivia e mantinha uma relação de amizade com os RR. desde há muitos anos, aproximou-se ainda mais deles, passando os fins-de-semana em conjunto no imóvel referido em D) e desabafando com eles.

D) A fracção C, correspondente ao primeiro andar esquerdo destinado a habitação, constituído por três quartos, sala comum, cozinha, copa, despensa, quarto de banho, varanda e hall, sita na freguesia da Praia de Mira, concelho de Mira, encontra-se inscrita na respectiva matriz predial sob os artigos 779, 780 e 781 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Mira sob o n.º 0000000000000-C.

E) No registo predial constam, como inscrições no prédio referido em D), sucessivamente:

- pela ap. 2 de 1992/01/05, a aquisição a favor dos AA., por compra a GG e HH;

- pela ap. 0000 de 2010/05/19, a aquisição a favor dos RR. por compra aos AA.

F) Por escritura notarial outorgada em 12 de Maio de 2010, no Cartório Notarial de Cantanhede, a A., por si e na qualidade de procuradora do A., declarou vender e o R. declarou comprar o imóvel referido em D), pelo valor de €25.000 (vinte e cinco mil euros), que a A. declarou já ter recebido (cfr. doc. de fls. 42, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

G) Por procuração outorgada notarialmente em 3 de Maio de 2007, o A. declarou que “constitui pela presente sua bastante procuradora a sua (…) esposa II (…), a quem confere os necessários poderes para vender ou comprar quaisquer bens móveis ou imóveis, estes sitos nos concelhos de Mira, Coimbra e Lousã, pelos preços, cláusulas, e condições que entender convenientes, assinando para isso os respectivos contratos e escrituras, receber ou pagar os preços, e deles dar quitação”.

H) [1] O autor sofre de Alzheimer há vários anos e actualmente apresenta sintomas de doença neuro-psiquiátrica que conduz à demência.

I) [2] Em Março de 2008, o A. foi internado no Lar da Comissão de Melhoramentos de Vilamar, em Cantanhede, encontrando-se totalmente dependente de terceiros.

J) [3] Desde a data referida em I) que a vida do A. se divide, por tempo sensivelmente idêntico, entre períodos de completa lucidez e períodos em que não conhece as pessoas que o rodeiam e não tem a noção do espaço e do tempo.

L) [4] Em 12 de Maio de 2010 a A. não falava com a filha FF e com o marido desta há mais de três anos, uma vez que a A. não se disponibilizou a ser fiadora destes no empréstimo que contraíram para a compra da habitação.

M) [5] Também a filha EE e o companheiro desta se desentenderam com a autora, tendo em princípios de Maio de 2010 saído de casa da autora, onde esta passou a viver sozinha.

N) [6] Devido ao estado de saúde do A., ao facto de não falar com a filha mais velha e de não poder ver e estar com o seu neto, a A. entrou em depressão.

O) [7] Os RR. tinham conhecimento dos factos referidos de H) a N).

P) [8] Os RR. diziam constantemente à A. para esta se convencer que não poderia contar com as próprias filhas, mas que com eles poderia contar sempre.

Q) [18] Os RR., ao proferirem as expressões referidas em P), quiseram levar a A. a passar para o nome deles a fracção referida em D), sem o pagamento de qualquer preço.

R) [9] Em consequência do referido em P) e como forma de compensar a disponibilidade dos RR., a A. pensou em passar para nome deles o andar referido em D), sem pagamento de qualquer preço, com a condição de poder continuar a usar sempre o imóvel, enquanto fosse viva, juntamente com os RR.

S) [10] Os AA. não pretenderam vender, nem os RR. pretenderam comprar a fracção referida em D).

T) [17] O valor da fracção referida em D) é de €75.000 (setenta e cinco mil euros).

U) [11] Os RR. não pagaram aos AA. o montante referido em F).

           V) [14] Quando outorgou a escritura referida em F), a A. sofria de Depressão Major em estado grave, o que lhe dificultava a capacidade de entendimento e o desempenho das suas actividades diárias.

X) [15] Em consequência do que a A. não dispunha de capacidade para entender o alcance do acto referido em F) por si praticado.

Z) [16] Os RR. tinham conhecimento do referido em X).

AA) [21] Os réus sabiam que a autora se encontrava afectivamente carenciada, só e deprimida.

BB) [12] Em Outubro de 2010 os réus disseram à autora por telefone, para retirar da fracção referida em D) o que quisesse, porque iam mudar a fechadura da porta de entrada.

CC) [13] Nesse mês de Outubro de 2010 os réus mudaram a fechadura da porta de entrada da fracção referida em D).

DD) [19] Em consequência do referido em CC), os RR. impediram os AA. de utilizar a fracção referida em D) como habitação e como escritório da A.

EE) [20] O que causa aos autores um prejuízo mensal de €300 a €500.

4. Passando a apreciar. o mérito da causa, entendeu a Relação, referentemente ao pedido principal dos AA, acima elencado sob a).

Como antes se disse, na p.i. foi alegado pelos ora recorridos que a A. doou o dito andar aos RR, mas na condição de continuar a usá-lo com eles, enquanto fosse viva. Que foi efectuada escritura de compra e venda, de modo a transferir o imóvel para nome deles, tendo a A., por si e em representação do marido, declarado vender-lhes o apartamento por 25.000 €, preço que teria sido recebido, mas que não foi recebido efectivamente, nem fora acordada qualquer venda, servindo a escritura apenas para passar a fracção para nome dos réus, de forma gratuita. Que o A. nunca consentiu nessa doação do imóvel.

Por isso, pediram a anulação da declaração de venda do imóvel, por representar acto de negócio gratuito do dito imóvel, sem consentimento do A.

E na sentença recorrida escreveu-se que:

“o autor marido … apenas concedeu poderes à sua esposa para vender ou comprar e não para que o apartamento do casal na Praia de Mira fosse passado para a titularidade dos réus sem pagamento de qualquer preço, como a autora chegou a conjecturar (porém, numa fase em que padecia de Depressão Major em estado grave, o que lhe dificultava a capacidade de entendimento) com a condição de ela poder continuar a usar sempre o imóvel, enquanto fosse viva, juntamente com os réus.

     Nem os autores pretenderam vender, nem os réus pretenderam comprar a fracção referida, tanto assim que estes não pagaram àqueles o montante de €25.000 do preço mencionado na escritura, aliás muito inferior ao valor da fracção referida, que é de €75.000.

Constata-se assim que o autor não deu o seu consentimento para aquele acto efectivamente gratuito, consentimento indispensável por ser casado com a autora sob o regime da comunhão de bens por eles adquiridos, como o foi, por ambos, aquele apartamento, por compra a terceiros na constância do matrimónio, sendo anulável a declaração de venda feita pela autora na citada escritura pública, outorgada por si e em representação do marido, em 12 de Maio de 2010, no Cartório Notarial de Cantanhede, em presença do estatuído nos arts. 1682º-A, nº 1, a) e 1687º, nº

1, do Código Civil. Vejam-se o Cód. Civil Anot. de P. Lima e A. Varela, em nota a esse artigo 1687º e a Teoria Geral do Direito Civil, de Mota Pinto, p. 471 e segs” – fim de transcrição.

Ou seja, a sentença recorrida corroborou a construção jurídica dos AA.

Mas mal, salvo melhor opinião, pois existe um erro nesta elaboração. Como é que se pode pedir a anulação da declaração de compra e venda, por falta de consentimento do cônjuge A., alegando-se que afinal existiu uma doação e este não deu o seu consentimento !?

Das duas uma: ou se cingia a causa de pedir à existência de uma compra e venda anulável por falta de autorização do cônjuge A., por a procuração deste para vender não conferir suficientes poderes para o acto efectivamente praticado, formulando-se o respectivo pedido em conformidade (arts. 1682º, nº 1, a), e 1687º, nº 1, do CC); ou, então, alegava-se haver simulação – uma compra e venda encobria uma doação – e se pedia, consequentemente, a nulidade de tal declaração de compra e venda, subsistindo a validade do negócio dissimulado – a doação – e depois se pedia a anulação de tal negócio gratuito por falta de autorização do cônjuge A., para tal doação (arts. 240º, 241º, e 1682º, nº 1, a), e 1687º, nº 1, do CC). 

Do modo como os AA invocaram a causa de pedir e formularam o pedido principal é que não pode ser, por patente incompatibilidade nos seus termos.

Torna-se, por isso, evidente que o pedido principal formulado pelos AA estava como está votado à sua improcedência.

Ademais, se houve doação do aludido imóvel da A. aos RR carecendo a mesma de ser reduzida a escritura pública (art. 947º, nº 1, do CC) ela só através do respectivo documento autêntico poderia ser provada (art. 364º, nº 1, do CC), sob pena de nulidade (art. 220º). Ora, a referida escritura não contém nenhuma declaração negocial comprovativa da alegada doação (facto F). Nem a alegada doação podia ser provada por meio de testemunhas (art. 393º, nº 1, do CC).

Desta maneira não se provou qualquer doação do imóvel dos AA aos RR ao contrário do que pressupunha o pedido principal daqueles.

    Assim como, com a eliminação dos referidos factos S) e U), não ficou provado que os AA não pretenderam vender nem os RR pretenderam comprar a fracção referida e que os RR não pagaram aos AA o montante referido na dita escritura.

Procede, pelo exposto, a apelação nesta parte, assim se indo revogar a decisão da 1ª instância.

6. Passando, de seguida, a apreciar os pedidos subsidiários, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Uma vez que na sentença recorrida se julgou procedente o pedido principal, acabou por se decidir que “Nesta conformidade, não se torna necessário apreciar os pedidos subsidiários de anulação, nem o de ineficácia do acto (artº 469º, nº 1, do Cód. Proc. Civil), apenas havendo que apreciar os pedidos cumulados de reivindicação de propriedade, cancelamento de registo a favor dos réus, indemnização a pagar por estes aos demandantes e a questão da litigância de má fé de ambas ou de alguma das partes (artº 470º, nº 1, do Cód. Proc. Civil)”. Porém, com a revogação da decisão da 1ª instância há que conhecer de tais pedidos nos termos do art. 715º, nº 2, do CPC.

E o primeiro pedido subsidiário a conhecer é o acima elencado sob b).

Ora, face ao que atrás se decidiu acerca da impugnação das respostas aos quesitos 15º e 16, à sua não prova e consequente eliminação dos actuais factos provados X) e Z), torna-se evidente que não se mostram preenchidos os dois requisitos legais atinentes à incapacidade acidental, prevista no art. 257º, nº 1, do CC, que atrás foram apontados.

Como assim, julga-se improcedente tal pedido dos AA.  

3.3. Os segundo e terceiro pedidos subsidiários referem-se à anulação da venda por vícios da vontade dos declarantes vendedores, os acima elencados sob c) e d), concretamente por utilização de dolo por parte dos RR, bem como de usura, em relação a tal compra e venda. Como se sabe e

resulta da previsão legal dos mencionados artigos, o dolo assenta fundamentalmente no engano do declarante (no caso a A.) por parte do declaratário (no caso os RR), enquanto a usura é basicamente o aproveitamento a seu favor por parte do declaratário de um estado de fraqueza psicológica do declarante, por vários motivos, de benefícios excessivos ou injustificados.

Acontece que os RR alegaram na contestação, em contraposição, que a escritura de compra e venda realizada consubstanciou uma venda de favor, por amizade e por compensações de trabalhos e de serviços. Venda de favor também designada contrato de doação mista.

  Os RR tinham concretizado tal figura na matéria dos arts. 52º a 64º, 66º, 68º a 70º, e 77º a 80º da contestação, sem que, todavia, tal factualidade fosse considerada na base instrutória. Do mesmo modo, no mesmo articulado, referiram a marcação da escritura pela A. (art. 81º), pagamento da importância acordada pelos RR (art. 89º), permanência do convívio da A. com os RR na dita fracção após a escritura, bem como permanência aí dos seus haveres (arts. 94º e 95º), afastamento súbito da A. dos RR por perca de confiança neles, por os mesmos estarem a falarem com a sua filha mais velha (arts. 97º, 100º e 101º), reunião entre a A e os RR, de 22.10.2010, onde se terão reconciliado e feito as pazes (arts. 106º a 108º), e dia 26.10.2010 em que a A. terá mudado a fechadura da porta do dito apartamento (art. 112º).

Ora, toda esta matéria entronca com o dolo invocado pelos AA na p.i., pelo que importa levar tal matéria à base instrutória e sujeitá-la a prova.

Igualmente, no art. 64º da p.i. os AA alegaram que os RR estavam perfeitamente cientes do valor real da fracção, matéria relevante que também não foi considerada para a indicada base instrutória. Também esta matéria interfere com a alegada usura.

Importa, pois, levar tal matéria à base instrutória e sujeitá-la a prova.

Queda assim perceptível, neste momento, a importância da factualidade substantiva alegada pelos RR na contestação, e que foi objecto de reclamação da selecção da matéria de facto, indeferida na altura, mas a deferir agora (art. 511º, nº 3, do CPC). Tal qual queda importante levar em linha de conta a matéria ínsita nos arts. da contestação dos RR não especificamente reclamada ou na p.i. dos AA atrás acabada de mencionar. 

Defere-se, por isso, a impugnação da reclamação sobre a matéria de facto apresentada pelos RR (vide supra 2.2.), na parte que acabámos de referir, assim como se torna indispensável ampliar a base instrutória, para uma correcta decisão da causa, podendo o julgador, se necessário, apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim exclusivo de evitar contradições (art. 712º, nº 4, 2ª parte, do CPC).

Face ao que agora se determinou e vai decidir fica prejudicada a apreciação das demais questões.

7. Inconformados com o acórdão proferido pela Relação, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

 1.º Os elementos que integram a simulação são a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório prévio e o intuito de enganar terceiros.

2.º No caso sub Júdice, os A A. não quiseram invocar, nem invocaram, a simulação, pois a divergência entre a vontade da A. e a respectiva declaração não resultou duma vontade livre, mas viciada por incapacidade acidental e pela conduta dolosa dos réus. Por outro lado, os AA. também não invocaram qualquer acordo simulatório prévio, nem o intuito de enganar terceiros. Assim, a referência feita no artigo 41 da p.i. não é suficiente para preencher os requisitos da simulação.

3.º Não tendo sido alegada a simulação, não estava vedada, pelo menos com base no art. ° 394, n. ° 2, do CC, a produção de prova testemunhal sobre a matéria dos quesitos 10 e 11 da B.I..

4.º Caso se entenda que foi invocada a simulação, jamais o autor marido pode ser considerado como um dos simuladores, porquanto se limitou a outorgar uma procuração à esposa com poderes de venda, mas onde não consta a atribuição de poderes para doar bens imóveis. Assim, se a Autora incorreu em simulação, doando em vez de vender, não foi mandatada pelo marido para esse efeito cuja vontade e poderes representativos foram inclusivamente violados e ultrapassados. Assim, jamais o autor estava impedido de produzir prova testemunhal atinente à eventual simulação da autora e do réu;

5.º Sem prejuízo do atrás exposto, ao alegar que a sua vontade estava viciada pela depressão em que se encontrava há vários meses e pela conduta dolosa dos réus, a autora podia produzir prova testemunhal atinente aos vícios da vontade por si alegados e demonstrar que o conteúdo das suas declarações não correspondia à verdade.

6.º A declaração de recebimento do preço constante da escritura não constitui uma confissão extrajudicial feita à parte contrária, mas antes uma mera declaração de um facto (ou situação factual) cuja veracidade se não confirma, ao passo que a confissão traduz-se na afirmação de um facto como verdadeiro. Assim, sendo indiscutível a materialidade de tal declaração, porém o respectivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público (notário), não faz prova plena, sendo passível de demonstração/impugnação, designadamente através de prova testemunhal. Vale também quanto a tal declaração o que se disse na 5.a conclusão, uma vez que, a constituir confissão extrajudicial, a declaração de recebimento do preço constante da escritura é impugnável nos termos gerais (art. ° 359, n.° 1, do C.C.). Consequentemente, o douto Acórdão recorrido não podia ter rejeitado tal prova testemunhal no tocante à matéria do quesito 11 com base no

preceituado pelos art. <* 347, 358, n.° 2 e 393, n. ° 2, do CC, tendo violado os art.a 392 e 393, n.° 2 (a contrario) do mesmo Código.

              

7.º Porque os RR. no seu recurso de apelação não puseram em causa a suficiência da prova testemunhal que o M°- Juiz utilizou como fundamento das respostas aos quesitos 10 e 11, sendo certo que tinham tal ónus, devem manter-se tais respostas sem necessidade de nova pronúncia do Tribunal da Relação no sentido de averiguar tal suficiência probatória. E, assim sendo, pode o S.T.J. conhecer de imediato o pedido principal referido na al. a) da p. i. e todos os demais dele dependentes, revogando-se o acórdão recorrido e repondo-se a sentença da 1.ª instância.

8º O douto Acórdão recorrido, sem necessidade de ouvir a gravação alterou a resposta aos quesitos 15 e 16, que considerou como não provados, por entender que a própria versão dos A A.

deixada na p.i. contraria a matéria de tais quesitos. O que está em causa é assim saber se a factualidade alegada na p.i. é susceptível de subsunção à norma do art. °.257 do CC, constituindo, portanto, uma questão de direito que o STJ pode sindicar. Ora,

9.º Para proferir tal decisão, o douto acórdão recorrido partiu do pressuposto de que a autora, porque tomou decisões, entre elas a de doar o andar aos RR., não podia sofrer de incapacidade

acidental, nem a sua vontade podia estar viciada. Contudo, tal raciocínio não está correcto salvo o devido respeito, pois os factos relatados na p.i. são conclusivos no sentido de a autora, devido a problemas familiares, ter entrado em grave depressão ("depressão major"), deixando de ter capacidade crítica dos seus próprios actos, sendo nessa situação que decidiu doar o andar aos RR. sem qualquer pagamento de preço, apenas tomando consciência do logro em que caíra quando estes lhe deram ordem para retirar do andar tudo o que lá tinha e expôs os factos a terceiros a quem solicitou apoio. E os RR. sabiam da situação doentia em que a A. se encontrava. Em suma, os factos relatados na p.i. não contrariam o conceito de incapacidade acidental previsto no art°257 do CC; pelo contrário, preenchem tal normativo. Assim, deverá a decisão proferida pelo douto Acórdão quanto aos quesitos 15 e 16 ser revogada;

10.º A petição inicial não sofre da ineptidão apontada pelo douto Acórdão recorrido relativamente ao pedido principal elencado em a) da p. í. por incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido. De facto, aquele pedido dos A A., é o de anulação da declaração de venda que consta da escritura por esta corresponder a uma doação do imóvel por parte da autora sem o consentimento do A. marido, referindo expressamente os preceitos legais em que alicerçaram tal pedido (art. ** 1682. °A, n.°1 ala) e 1687, n. ° 1, ambos do CC). Ou seja, em síntese, tal pedido é o de anulação da doação efectivamente feita pela Autora sem o consentimento do marido. Assim,

11.º Caso se entenda, como o douto Acórdão recorrido, que os A A. invocaram uma simulação relativa (a venda seria o negócio simulado e a doação o negócio dissimulado), o pedido de nulidade da compra e venda deve considerar-se implícito no pedido de anulação da doação expressamente formulado, uma vez que o conhecimento deste último implica o conhecimento prévio daquele, não estando o Tribunal impedido de conhecer o pedido implícito sob o argumento da violação do disposto no art°661, n° 1 do CPC.

12.ºEm consonância com o exposto nas conclusões 10.ª e 11ª e mantendo-se a factualidade dos quesitos 10 e 11 da B.I. como atrás se propugnou, o pedido formulado na alínea a) deve ser julgado procedente, o mesmo sucedendo com os pedidos conexos das alíneas f) e g) da p. í, dada a realidade processual já exposta na conclusão 7. °;

13.º A estruturação da p.i. tal como vem preconizada pelo douto Acórdão recorrido, carece de sentido uma vez que se fosse peticionada a anulação da compra e venda por falta de autorização

do cônjuge, declarada tal anulação os A A. teriam que restituir o preço que não haviam recebido; e também não podiam invocar a simulação como causa de pedir e formular os pedidos consequentes (nulidade da compra e venda e anulação da doação) se não se verificavam os elementos necessários à existência daquela (simulação).

14.º Face à inadequação  e inviabilidade das vias enunciadas na anterior conclusão (a mera anulação da compra e venda obrigava os A A. a restituir um preço que não tinham recebido; e também não podiam fazer a invocação da simulação porque segundo os AA. não estavam preenchidos os requisitos necessários), a forma como foi estruturada a p.i. não enferma de qualquer vício no tocante ao pedido em análise. De facto,

15.º Tendo sido utilizada uma escritura de compra e venda como meio para transferir para os RR. de forma gratuita o andar, e isto sem que os A A. soubessem os motivos pelos quais aqueles indicaram à Autora tal meio de transferência da propriedade do imóvel, certo é que foram produzidos os efeitos próprios duma doação. Assim sendo,

16. ° O acto poderá ser anulado por qualquer violação da lei substantiva, seja no tocante à declaração negocial utilizada (compra e venda), seja no tocante àquela cujos efeitos típicos foram produzidos (doação). Ora,

17a A doação necessitava do consentimento do Autor, o qual não foi prestado, não dispondo a A. de poderes representativos para tal acto, sendo por isso anulável ex vi art.a 1682oA. n.° 1 ai. a)e 1.687, n.° 1 do CC. Consequentemente,

18.       ° O que havia que anular era a declaração de venda produzida pela Autora na escritura por na verdade corresponder a uma doação sem o consentimento do cônjuge Autor, como foi peticionado.

19.       a Como não houve violação da forma legalmente exigida para qualquer  dos  contratos,   não  se  levantam  os problemas  da nulidade e da limitação de prova que o douto Acórdão refere.

 20.       a Foram violados os art.a 257, 359, n. ° 1, 392, 393, n. ° 2, 394, n°s 2 e 3 do CC. e 193, n.° 2, 661, n.° 1 e 712, n.° 1 b) do CPC.

Assim, decidindo em conformidade com as anteriores conclusões, e assim julgando procedente o presente recurso, repondo as respostas aos quesitos 10 e 11 e a sentença da 1.ª instância ou ordenando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para novo julgamento da matéria de   facto   em   relação   à   qual   foi   recusada   a   prova testemunhal por aquele tribunal, será feita JUSTIÇA

Os RR./recorridos pugnam pela manutenção da decisão tomada pela Relação no acórdão recorrido.

8. Na petição que apresentaram, começaram os AA. por formular um pedido principal: o de anulação da declaração de venda do imóvel litigioso, por ter sido realmente celebrado pela A., não um acto de alienação onerosa da propriedade, mas antes uma transmissão gratuita da propriedade de bem imóvel comum do casal, sem consentimento do cônjuge/marido, em violação do preceituado nos arts. 1682º-A , nº1, al. a) , e 1687º, nº1, do CC.

   Como decorre da natureza das figuras do pedido principal e do pedido subsidiário, só haverá lugar à apreciação do mérito deste se for julgado improcedente o referido pedido principal – pelo que se impõe naturalmente começar por apreciar o objecto deste.

   Ora, como é manifesto e decorre das decisões sobre a substância de tal pedido, proferidas contraditoriamente pelas instâncias, a sorte desse pedido principal de anulação da declaração negocial depende decisivamente de se dever ou não manter intocada a matéria de facto constante dos pontos S) e U) da matéria de facto; na verdade, é de tal factualidade essencial que depende decisivamente a conclusão sobre se existiu ou não uma divergência intencional e bilateral da   vontade dos contraentes – ficcionando-se uma compra e venda quando afinal as partes pretenderiam antes realizar um negócio gratuito de alienação de imóvel comum do casal – obviamente não abrangido pela autorização de venda, constante da procuração em que o A. /marido legitimou a sua mulher a vender os bens imóveis nesse acto referenciados.

   O acórdão recorrido – inflectindo o sentido decisório alcançado em 1ª instância, ao aderir, no essencial, à argumentação explanada pelos RR./recorrentes no

recurso de apelação – considerou, na verdade, não escritas as respostas a tal factualidade, por entender que estava legalmente vedada a produção de prova testemunhal sobre os factos em causa – ou seja: entendeu que existia uma proibição de produção de prova testemunhal sobre a matéria factual que –

exclusivamente com base em tal meio probatório – a decisão proferida em 1ª instância considerara provada.

   Importa realçar que – como, aliás, decorre claramente da alegação apresentada no recurso de apelação – a dissidência dos recorrentes para com as respostas afirmativas a tais pontos da matéria de facto se prendem, não com um inconformismo dos RR quanto ao modo como os depoimentos testemunhais prestados em audiência foram livremente valorados pelo julgador, mas antes com a existência de uma verdadeira proibição legal do uso da prova testemunhal para aferir da específica matéria factual elencada nos referidos pontos S) e U); ou seja: o que está na base da pretendida eliminação das respostas à matéria de facto constantes de tais quesitos não é a invocação de um erro de julgamento ocorrido no âmbito da livre apreciação de tais depoimentos testemunhais pelo juiz, mas antes uma impossibilidade legal de, sobre essa matéria, recair prova testemunhal – sendo esse precisamente o sentido adoptado pelo acórdão recorrido, ao decretar – com base num critério normativo extraído dos arts. 394º, nº2, e 393º, nº2, do CC – que a respectiva matéria se tivesse por não escrita.

   E, assim sendo, é evidente que tal questão assume naturalmente a natureza e fisionomia de verdadeira questão de direito, abordável num recurso de revista, por situada no âmbito dos poderes cognitivos do STJ, nos termos do art. 722º, nº2, do

CPC, cumprindo assim ao Supremo dirimir já esta questão na presente revista, sem que cumpra devolver os autos à Relação para que esta exerça o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, sindicando a convicção formada pelo julgador sobre os meios probatórios produzidos em audiência: na verdade, e como é evidente, esta remessa dos autos à Relação pressupunha que os recorrentes

tivessem impugnado o decidido pela 1ª instância na óptica da invocação de um erro na livre apreciação da prova – o que, como se referiu, manifestamente não sucedeu.

   Na alegação apresentada no recurso de apelação, sustentaram os RR. que – devendo considerar-se a causa de pedir que suportava o pedido principal fundada no vício de simulação da declaração negocial, já que as partes pretenderiam realmente celebrar uma doação, em vez da compra e venda constante da escritura notarial – teria de se aplicar a norma constante do art. 394º, nº2, do CC – sendo, por isso, inadmissível a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado, enquanto invocados pelos simuladores. E, como se viu, o acórdão proferido pela Relação aderiu a este entendimento, ao considerar que os factos invocados na petição inicial preenchiam a fattispecie normativa que caracteriza o vício da simulação. Contra tal entendimento se insurgem os ora recorrentes,

sustentando que não haviam estruturado a sua pretensão no invocação de tal vício do negócio jurídico, pelo que não seria aplicável a referida proibição da prova testemunhal para demonstração da existência de uma divergência intencional entre a vontade real e a declarada pelos contraentes: e, efectivamente, a referida norma, constante do nº2 do art. 394º do CC, pressupõe que estejamos confrontados com prova testemunhal produzida em acção cuja causa petendi se mostra estruturada na invocação do vício de simulação do negócio jurídico que se pretende destruir.

 Ora, poderá considerar-se que os factos essenciais, invocados pelos AA., suportam os pressupostos que caracterizam a figura da simulação?

   Note-se que não estamos aqui confrontados com um simples problema de qualificação jurídica dos factos alegados – sendo inquestionável que o tribunal pode subsumir a factualidade concreta invocada pelo autor a uma norma jurídica

diversa daquela que ele expressamente invocou, alterando a qualificação ou coloração jurídica dada aos factos que suportam a causa de pedir, reportando-os a uma figura ou instituto jurídico diferente do invocado pelo autor no segmento da petição inicial em que indica as respectivas  razões de direito ( art. 664º do CPC).

   O que está em causa na situação que nos ocupa é coisa bem diferente, por se situar no plano prévio da suficiência dos factos essenciais alegados pelo demandante para preencherem o instituto da simulação – e não no plano da mera qualificação ou subsunção jurídica desses factos às normas convocáveis para a dirimição do litígio.

 Ora, quanto a este ponto, não pode deixar de se considerar que, ao contrário do decidido, assiste inteira razão aos ora recorrentes, já que os factos invocados na petição inicial são manifestamente insuficientes para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos no art. 240º do CC, já que se não mostra alegado um facto essencial: ter a divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declarada o intuito de enganar ( ou de enganar e prejudicar ) terceiros.

   Na verdade, os AA. alegaram efectivamente a existência de um acordo das partes com o fim de criar uma falsa aparência de negócio, sendo o negócio formalizado e exteriorizado uma venda, quando, afinal, a realidade negocial, isto é, o negócio realmente pretendido e que correspondia à vontade real das partes era

um negócio de transmissão gratuita da propriedade ( cfr. arts. 41º e 58º da PI); omitiram, porém, totalmente a alegação de factos que corporizassem o referido e essencial intuito de enganar terceiros, não sendo obviamente possível ao tribunal ( para mais na fase de recurso), por evidente colisão com o princípio dispositivo, considerar suprida tal omissão de alegação do interessado, tendo por preenchida a figura da simulação, apesar de o autor não ter alegado um facto inquestionavelmente situado no núcleo essencial da causa de pedir de uma acção de declaração de nulidade por simulação.

   E, assim sendo, não se mostrando a presente acção estruturada no instituto ou figura da simulação, é evidente que não pode convocar-se e aplicar-se a proibição de prova testemunhal constante do referido art. 394º, nº2, do CC.

   Na verdade, ao contrário do que parece transparecer do acórdão recorrido, nem todas as divergências intencionais e bilaterais entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes preenchem, sem mais, a figura da simulação, sendo requisito absolutamente essencial a esta que exista concomitantemente um intuito de enganar terceiros – no caso, manifestamente não alegado pelo autor –

e sem que o tribunal possa suprir oficiosamente a omissão de alegação pelo demandante dessa factualidade essencial ao preenchimento da figura em causa  ( sobre o tratamento jurídico a dar às situações em que, porventura , se verifique uma divergência bilateral e consensual entre a vontade e a declaração, sem que, todavia, exista intenção de enganar terceiros, propondo o enquadramento de tais casos no nº2 do art. 236º do CC, cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pag. 585).

   Acresce que – mesmo que assim não fosse, por se considerar implicitamente alegado o referido e essencial intuito de enganar terceiros ( o que, como atrás se referiu, é processualmente inadmissível, por não ser viável uma alegação não explicitada de um elemento estruturante do núcleo essencial da causa de pedir) – nunca estaria vedado ao cônjuge/A. a prova da simulação por quaisquer meios

probatórios, já que obviamente – numa situação com os contornos da dos presentes autos – o A. nunca poderia ser qualificado como um dos simuladores – mas antes como um dos sujeitos que, através do pacto simulatório, se pretenderia  precisamente enganar e prejudicar: é que, a ter existido um intuito de enganar terceiros através da aparência negocial em que se consubstanciou a venda (hipoteticamente) simulada, eles só poderiam ser as filhas, enquanto herdeiras legitimárias da A., ou o marido desta, ao amputar-se, sem qualquer contrapartida pecuniária, o património conjugal – e a futura herança da A. – do valor do imóvel alienado gratuitamente através do negócio dissimulado.

   E a esta consequência não obstava manifestamente a circunstância de, no negócio jurídico em causa, a A. se ter apresentado como pretensa representante do seu cônjuge, ao exibir procuração em que se lhe facultava a venda do referido bem: é que, como decorre do disposto no art. 259º do CC, é na pessoa do representante que, em princípio, se deve verificar a falta ou vício da vontade que serve de base ao pedido de invalidação do negócio – sendo manifesto e incontroverso, no caso dos autos, que o pretenso representado foi totalmente estranho à divergência entre a vontade real e a vontade declarada que esteve subjacente à venda fictícia realizada pela A. em benefício dos RR – não podendo, deste modo, qualificar-se como sendo um dos simuladores.

   Na realidade, sob pena de resultar violado o princípio da proibição da indefesa, não pode coarctar-se ao pretenso representado – na acção em que este quer

precisamente demonstrar a inexistência de poderes de representação por parte do sujeito que assumiu a sua representação voluntária em certo negócio - o uso de quaisquer meios probatórios que, demonstrando a real natureza do negócio celebrado, permitam aferir da existência ou inexistência de poderes representativos .

   Ora, movendo-nos no âmbito de uma situação de litisconsórcio necessário activo, é manifesto que a necessidade de obtenção de uma pronúncia unitária sobre a matéria litigiosa leva a que a prova legitimamente produzida pelo pretenso representado, precisamente para demonstrar o abuso e inexistência de poderes representativos para o negócio realmente celebrado, aproveite ao seu co-autor na lide, apesar de este ter participado no pacto simulatório.

9. Considerou ainda o acórdão recorrido que a afirmação, em escritura pública de compra e venda, de que os vendedores disseram, naquele acto, já haverem recebido o preço vale como declaração confessória, feita à parte contrária, não podendo fazer-se uso da prova testemunhal para demonstrar que, afinal, tal preço não havia sido pago, por força do estatuído no art. 393º, nº2, do CC: e daí que haja tido por não escrita a resposta que a 1ª instância havia dado ao ponto U) da matéria de facto, considerando provado que tal pagamento, afinal, não ocorreu, com base na valoração da prova testemunhal arrolada pelos AA.

   Também quanto a este ponto se entende que a decisão proferida não pode subsistir, já que tem de ser consentido ao A./marido, na acção em que pretende precisamente controverter a existência de poderes de representação por parte do seu cônjuge, que outorgou no negócio, provar a inveracidade da declaração confessória de recebimento do preço ( de que depende decisivamente o carácter oneroso do negócio), através de quaisquer meios probatórios: ou seja, não pode considerar-se à partida abrangido pela força probatória plena da declaração confessória o pretenso representado, na acção em que pretende precisamente demonstrar a inexistência de poderes representativos por parte do cônjuge que outorgou no acto de alienação realmente celebrado.

   Na verdade, mesmo que se admita que a declaração do vendedor relativa ao recebimento anterior do preço, constante da escritura pública, deva, em regra,  constituir confissão extrajudicial, dotada de força probatória plena, não podendo o confitente provar a inveracidade da declaração mediante prova exclusivamente testemunhal, nos termos previstos no art. 358º, nº2, do CC, importa não perder de vista a especificidade do caso dos autos, em que tal confissão extrajudicial foi feita pelo cônjuge que interveio materialmente no negócio, arrogando-se poderes representativos do outro cônjuge – cuja existência e suficiência este impugna nesta acção, ao sustentar que - a tratar-se realmente de acto de alienação gratuita do imóvel, como pretende demonstrar - o representante extravasou o âmbito da autorização que constava da procuração outorgada, carecendo consequentemente de legitimidade representativa e da indispensável autorização para a prática do tipo negocial efectivamente celebrado.

      Como se afirma no Ac. de 12/1/12, proferido pelo STJ no P. 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1

Não pode invocar-se no confronto de terceiros, cujos direitos são abalados pelo teor de declaração confessória, constante de certa escritura pública em que intervieram credor e devedor, o valor de prova plena de tal confissão extrajudicial, em termos de vedar ao terceiro a impugnação, por qualquer meio probatório, da validade ou veracidade do reconhecimento confessório.

            Ora, numa situação litigiosa com os contornos da dos presentes autos, em que o pretenso representado – o A. marido – pretende precisamente provar a inexistência de poderes de representação por parte do seu cônjuge, face à real natureza do negócio efectivamente celebrado, tem identicamente de admitir-se que o pretenso representado possa lançar mão de quaisquer meios probatórios, incluindo os depoimentos de testemunhas, que lhe permitam demonstrar a

ilegitimidade da representação – tendo, nesta situação peculiar, de se equiparar aos terceiros, não vinculados pela declaração confessória.

   É que, para o representado ficar vinculado – como parte no negócio – pela declaração confessória, feita - também em seu nome - à contraparte, é indispensável que existam os poderes representativos em que se funda a actuação do representante, podendo o pretenso representado – exactamente na medida em que pretenda demonstrar a inexistência de tais poderes de representação – lançar mão de quaisquer meios probatórios, já que não pode considerar-se cerceado o seu direito à prova enquanto não estiver apurada a existência de uma relação de representação legítima: trata-se, afinal, de aplicar nesta sede o princípio da tutela provisória da aparência, admitindo o interessado a exercer plenamente os direitos processuais, incluindo o direito à prova, na estrita medida em que tal seja necessário para demonstrar a ocorrência de uma actuação ilegítima de quem se arrogou como seu pretenso representante.

   Em suma: não pode ter-se por cerceado o direito à prova do pretenso representado em certo negócio jurídico - que decorreria da existência de uma relação de representação legítima - num caso em que o interessado impugna precisamente a existência dessa relação de representação – dependendo esta         

matéria decisivamente do apuramento da natureza real do negócio celebrado –

ser este uma compra e venda ou antes uma encapotada transmissão gratuita da propriedade de um bem imóvel, para o qual inexistia manifestamente autorização do pretenso representado.

   E, também aqui, a circunstância de nos movermos no âmbito de uma situação de litisconsórcio necessário activo, obrigando a uma pronúncia unitária sobre a

matéria litigiosa, determina que a prova produzida pelo pretenso representado acabe por beneficiar reflexamente o co-autor/ confitente.

   Considera-se, deste modo, que a solução do litígio passa decisivamente pela ponderação da matéria de facto eliminada pela Relação no acórdão recorrido, não ofendendo, pelas razões apontadas, qualquer critério normativo a demonstração desses factos através da prova testemunhal – procedendo, nesta parte, o recurso e revogando-se a decisão recorrida, na medida em que havia decretado a eliminação do elenco dos factos provados dos mencionados sob as alíneas S) e U).

   Por outro lado, a consideração desta factualidade essencial implica obviamente que tenha de ser inflectido o sentido decisório sobre o mérito da causa, constante do acórdão recorrido, por estar cabalmente demonstrada a existência de uma divergência bilateral e consensual entre a vontade e a declaração dos contraentes que – não preenchendo embora os requisitos da simulação, por não se ter alegado a intenção de prejudicar terceiros -  criou uma falsa aparência de negócio oneroso ( que estaria coberto pela autorização dada pelo marido, ao outorgar na procuração que conferiu ao cônjuge para vender bens imóveis, comuns do casal)– quando, afinal, se apurou que a realidade negocial, o negócio efectivamente

celebrado, se consubstanciou numa alienação gratuita da propriedade do imóvel, não autorizada pelo cônjuge/marido e realizada em fraude à regra imperativa do art. 1682º- A do CC, a que o art. 1687º faz corresponder o vício de anulabilidade, a requerimento do cônjuge que não deu o seu consentimento.

   Saliente-se que, ao contrário do decidido pela Relação, se entende que – devidamente interpretada a petição inicial e o pedido principal nela formulado, face ao efeito prático-jurídico pretendido pelos AA. – não existe qualquer incompatibilidade entre os termos da petição: na verdade, o que os AA. pretendem é – demonstrando que o negócio jurídico realmente celebrado envolveu um acto de inadmissível disposição gratuita da propriedade de imóvel, e não uma compra e venda, como resultava da aparência externalizada do negócio – obter a invalidação de tal acto de disposição gratuita, desde logo por fraude às disposições legais imperativas que regem sobre a disposição por qualquer dos cônjuges dos imóveis comuns do casal .

   E, nesta perspectiva, há que – conferindo nesta parte provimento à argumentação dos recorrentes – julgar procedente o pedido principal de anulação da declaração negocial, bem como o pedido consequencial de reconhecimento e restituição da propriedade, repondo-se, quanto a tal matéria, a decisão proferida em 1ª instância.

   10. A reposição da factualidade tida por provada na 1ª instância obriga a reequacionar o destino do pedido de condenação por litigância de má fé, julgado procedente na sentença proferida, impugnado pelos RR. na apelação – matéria que não chegou a ser apreciada na Relação, perante o desfecho -improcedência do pedido principal – da lide, determinado no acórdão recorrido.

Ora, tendo ficado provado que os RR não pagaram aos AA. o montante de €25.000, correspondente ao pretenso preço da transacção efectuada, não pode deixar de se concluir que os mesmos faltaram à verdade quando, na sua contestação, afirmaram, cabal e peremptoriamente, que tal verba havia sido efectivamente paga em dinheiro ( cfr. arts. 87º/90º, fls. 99/100 dos autos).

   E, assim sendo, é evidente que – ao faltarem à verdade sobre tal factualidade de essencial relevo e respeitante a comportamento pessoal que não podiam ignorar, violaram de modo doloso o dever de boa fé processual que sobre eles impendia, actuando com má fé substancial, ao alegarem o pagamento de um valor pecuniário, quando, afinal, a prova produzida nos autos demonstrou que se tratou de acto de alienação gratuita da propriedade de um imóvel, sem que tivesse ocorrido qualquer pagamento aos anteriores proprietários, como os adquirentes, aliás, não podiam ignorar.

   Assim, e em conformidade com o preceituado nos arts. 456º, nºs 1 e 2, al. b), e 457º do CPC, mantém-se a condenação por litigância de má fé, decretada na 1ª instância, graduando-se a multa em 2UC e reduzindo-se, porém, a indemnização devida aos AA. – tendo em consideração as circunstâncias do caso e a situação de carência económica  dos RR. - para o valor pecuniário de €250.

    11. A procedência do pedido principal torna obviamente inútil a apreciação dos múltiplos pedidos subsidiários deduzidos pelos AA., sendo, consequentemente, de todo irrelevante o apuramento da matéria de facto que poderia interessar à respectiva apreciação.

   Torna-se, todavia, necessário dirimir também a matéria atinente ao pedido de indemnização deduzido com fundamento na privação do uso do imóvel, julgado procedente na sentença, impugnado pelos RR. no âmbito da apelação - e não apreciado no acórdão proferido pela Relação, por a matéria do mesmo se mostrar prejudicada pela solução dada ao litígio.

   Não pode, porém, o Supremo, na presente revista, pronunciar-se sobre tal matéria, ultrapassando a não apreciação de tal pretensão em 2ª instância.

   È que, como se decidiu, por exemplo, no ac. de 21/10/10, proferido sobre situação equiparável pelo STJ no P. 12280/07.6TBVNG.P1.S1 :

O regime prescrito no art. 731º, nº2, do CPC para o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia deve também aplicar-se no caso de a Relação, no acórdão recorrido, não ter apreciado a matéria da indemnização por danos, suscitada no âmbito da apelação, face à solução que deu ao litígio – implicando, desde logo, a quantificação da indemnização o apelo à formulação de juízos equitativos, que se não esgotam na estrita aplicação de critérios normativos, e não tendo o recorrente prescindido da supressão de um grau de jurisdição, que decorreria inevitavelmente da aplicação da regra da substituição, nos termos previstos no nº2 do art. 715º do CPC.

   Resta, pois, quanto à matéria do pedido indemnizatório deduzido pelos AA devolver os autos à Relação, a fim de que – face à procedência do pedido principal, que ora se decreta, possa ser apreciada a impugnação deduzida no âmbito da apelação contra a condenação em indemnização constante da sentença apelada.

    12. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento à revista, revogando a decisão que considerou não escritas as respostas aos

pontos de facto constantes das alíneas S) e U) da matéria de facto e – perante a aquisição processual de tal factualidade:

- julga-se procedente o pedido principal, decretando-se a anulação da declaração negocial de venda da A. AA aquando da outorga na escritura pública de 12/5/10, no Cartório Notarial de Cantanhede, relativa à fracção autónoma C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mira sob o nº 0000000000000, inscrito na respectiva matriz sob os arts. 779, 780 e 781, e anulado todo o acto por ela titulado, por o negócio realmente  celebrado se ter consubstanciado num acto de alienação gratuita de bem imóvel comum do casal, sem o consentimento do A. BB;

- declara-se que, por virtude da anulação, os AA. são os únicos proprietários  da referida fracção autónoma, condenando os RR a reconhecerem e respeitarem tal direito de propriedade e a restituirem imediatamente aos AA. a fracção em litígio;

- determina-se o cancelamento do registo a favor dos RR, a que respeita a apresentação nº 0000 de 2010/05/19 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Mira;

- condenam-se os RR, por litigância de má fé, ma multa de 2UC e no pagamento de uma indemnização de € 250;

- determina-se a remessa dos autos à Relação para apreciação da matéria respeitante à impugnação da condenação proferida sobre o pedido de indemnização pela privação do uso do imóvel – matéria que o acórdão recorrido não chegou a apreciar, por a considerar prejudicada pela solução que deu ao litígio

Custas pelas partes, na proporção da sucumbência.

Lisboa, 15 de Maio de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor