Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA IN DUBIO PRO REO TOXICODEPENDÊNCIA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL BEM JURÍDICO PROTEGIDO PREVENÇÃO ESPECIAL CONDIÇÕES PESSOAIS ANTECEDENTES CRIMINAIS SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 05/28/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. | ||
Doutrina: | - Fernando Gama Lobo, DROGA - Legislação Notas Doutrina Jurisprudência, p. 62. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, p. 227 e ss., 344. - Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, Tomo I, Madrid, Civitas, 1997, p.86. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.ºS 1 E 2, 50.º, N.ºS 1 E 2, 70.º, 71.º, N.ºS 1 E 2. D. L. N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO: - ARTIGOS 21.º, 24.º, 25.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19/10/2000, Pº 2803/2000, 5ª SECÇÃO, -DE 23/11/2011, PROCESSO N.º 127/09.3PEFUN.S1, 5ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Para se saber se o crime de tráfico de estupefacientes cometido foi o do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, ou o do art. 25.º do mesmo diploma, deverá ter-se em conta que o dito art. 25.º faz depender a sua aplicação de uma diminuição considerável da ilicitude do facto. E aponta como índices dessa diminuição os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar. Daí que a qualificação de um crime de tráfico como sendo de menor gravidade não esteja dependente de uma eventualmente sensível diminuição da culpa. A questão da qualificação em foco começa por ter em conta o problema dos limites a estabelecer entre as previsões do DL 15/93, constantes dos seus arts. 24.º, 21.º, e 25.º, numa escala decrescente de gravidade. II - O tráfico que se costuma apelidar de pequena gravidade, vive, por regra, da actividade do “dealer” de rua, do pequeno traficante. No entanto, mesmo num conceito generoso deste tipo de traficante, nem por isso ele terá que ver a sua responsabilidade enquadrada, sempre, no art. 25.º. Dependerá evidentemente da acentuada ou não acentuada diminuição da ilicitude. III - Se atentarmos nas respetivas especificidades, vemos que, no tocante ao indicador de ilicitude “meios utilizados” pelo arguido, na sua atividade de traficante (já que o produto apreendido era na sua grande maioria para venda), o que se pode retirar a partir da factualidade provada é um modus operandi que se tem por simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação. Isto porque no silêncio a tal respeito dos factos provados, a dúvida reverterá sempre a favor do arguido. Inexiste qualquer prova de que o recorrente atuasse enquadrado numa estrutura organizativa. Deve beneficiar, pois, da presunção de que atuava sozinho, em homenagem ao princípio in dubio pro reo. IV - Provou-se, por outro lado, que o arguido também consumia haxixe, desde os 22 anos de idade, e cerca de 5 anos depois heroína, certo que parte do produto seria para consumo próprio. V - Quanto ao tipo de droga apreendida, trata-se de haxixe, e as quantidades foram: 1 004,5 g encontrados nos bolsos do casaco do arguido, 393,60 g nos bolsos das calças, 98,1 g de haxixe no quarto de dormir, escondido entre as roupas, e mais 1,3 g nesse mesmo aposento. O que tudo soma 4 242 doses individuais, correspondentes a 1 494,291 g, peso líquido. Sabe-se por outro lado, que, salvaguardadas inevitáveis variantes do mercado, o preço da grama de haxixe pode atingir € 1. VI - O facto de se não terem dado por provados factos que poderiam interessar ao privilegiamento não pode reverter em desfavor do arguido. E o desfavor será, aqui, impedir a tipificação pelo art. 25.º do DL 15/93 por falta desses elementos. Termos em que se considera que a conduta do arguido deve ser integrada no crime p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93. VII - As expetativas comunitárias de punição estão relacionadas com a quantidade de droga apreendida, o que implica que se deva dar uma resposta adequada, a uma ilicitude que, com referência ao tipo legal do art. 25.º, deve ser considerada bastante elevada. O arguido, por seu turno, foi há largos anos condenado por tráfico de menor gravidade, em pena efectiva, mas nunca conseguiu libertar-se do consumo de estupefacientes. Por tudo isso, entende-se que a pena justa é, no caso, de 4 anos de prisão. VIII - No entanto, não será possível suspender a execução dessa pena, pois a simples ameaça da mesma não asseguraria o preenchimento das necessidades da punição, designadamente ao nível da prevenção geral. Na verdade, neste campo, correr-se-ia o risco de total incompreensão dessa suspensão da execução da pena, face a concreta atividade desenvolvida pelo recorrente, quer por parte das autoridades quer por parte da comunidade, dando-se ainda um sinal que poderia ser encarado como impunidade, por parte de todos quanto recorriam ao arguido para obterem a droga. | ||
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Decisão Texto Integral: |
AA, ..., antes de ser preso preventivamente, foi julgado em processo comum e por tribunal coletivo na Comarca de Viseu, Instância Central, Secção Criminal, Juiz 1, e condenado por acórdão de 24/11/2014 na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime do art. 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro. Recorreu inconformado para o Tribunal da Relação de Coimbra, por pretender outra qualificação do seu comportamento e, sem prescindir, a aplicação de uma pena mais leve. Os autos seriam remetidos depois a este STJ porque considerado competente para conhecer do recurso.
A - FACTOS
Deram-se por provados os seguintes factos:
"No dia 1 de Março de 2014, cerca das 18:30 horas, o NIC da GNR de Santa Comba Dão deu cumprimento aos Mandados de Busca à residência do arguido, a qual foi determinada por despacho proferido no âmbito do Inquérito n° 131/13.7GDSCD, a decorrer nos Serviços do Ministério Publico da comarca de Santa Comba Dão, onde o ora arguido se encontra a ser investigado pelo crime de violência doméstica. No decurso dessa busca, foi encontrado e apreendido ao ora arguido o constante do Auto de Busca e Apreensão de fls. 13 e v. dos autos, cujo conteúdo aqui damos por inteiramente reproduzido, designadamente: -dentro dos bolsos do casaco que trazia vestido, dois (2) pacotes, cada um deles com cinco placas, de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 1004,5 g; -dentro das calças que trazia vestidas, quatro (4) placas de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 393,60 g; -no quatro de dormir, ocultado entre as roupas, uma (1) placa de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 98,1 g; -no quarto de dormir, em cima da cama, um (1) pedaço de uma substância de cor acastanhada, com o peso de 1,3 g; -quatro (4) telemóveis; -um (1) computador portátil. Efectuado teste rápido aos produtos encontrados, os mesmos reagiram positivamente ao haxixe. Submetidos a exame laboratorial pelo LPC, os produtos apreendidos ao arguido revelaram as características da canábis (resina) - substância prevista na Tabela I - C anexa ao DL- 15/93 - com os pesos líquidos de 1000,930 g., de 393,440 g., de 97,990 g., de 1,471 g., respectivamente - produtos esses que dariam, para quatro mil, duzentas e quarenta e duas (4.242) doses individuais diárias. O arguido conhecia as características dos produtos que detinha e que destinava, na sua grande maioria, à venda a terceiros consumidores de tal produto, bem sabendo tratar-se de produtos estupefacientes e de que a sua compra, detenção, venda e/ou cedência era proibida e punida por lei. E, ciente de tal, o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e criminalmente punidas. Não constam do CRC do arguido quaisquer condenações. O arguido consome esporadicamente haxixe. À data dos factos, o arguido encontrava-se emigrado no Luxemburgo como manobrador de gruas, por conta da empresa luxemburguesa "... CS.A", auferindo dois mil euros, mantendo também residência em Viseu, onde permanecia aquando das deslocações a Portugal para visitar a família. No Luxemburgo, o arguido residia numa auto caravana que havia adquirido. O arguido iniciou o seu percurso escolar na idade normal, tendo concluído o 12° ano e ingressado em Engenharia Civil no Instituto Politécnico de Tomar. Entretanto, ingressou nos Fuzileiros onde permaneceu durante 2 anos e meio, cumprindo o serviço militar obrigatório como oficial. Por tal motivo, interrompeu os estudos, retomando o curso, com 22 anos, no mesmo estabelecimento de ensino superior. Tendo iniciado, nessa altura, o consumo de haxixe e progredindo para a heroína, acabou em 1997 por ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, tendo cumprido prisão efectiva. Retomando os estudos e pedindo a transferência para o Instituto Politécnico de Viseu, concluiu a licenciatura no ano de 2008. O arguido viveu em união de facto com ... de quem tem duas filhas de 7 e 5 anos de idade, tendo-se separado em Agosto de 2013. O arguido, não obstante desde 2002 encontrar-se a ser acompanhado no Centro de Respostas Integradas do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências de Viseu, a sua adesão ao tratamento tem sido sempre muito ambivalente, por nunca ter abandonado os consumos de haxixe e marijuana. Actualmente, encontra-se inserido no programa de substituição opiácea com tomas diárias de "Subtex", programa a que se encontrou sujeito mesmo durante a sua estadia no Luxemburgo. No estabelecimento prisional onde se encontra o arguido vem mantendo um comportamento instável e contrário às normas da instituição, tendo sido sujeito a duas penas disciplinares."
B – RECURSO
Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do arguido:
"1- O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o arguido pela prática como autor material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2- Entendeu o Tribunal "a quo" que, em face da quantidade de produto estupefaciente detida, sensivelmente um quilo e meio (1.493,831 gramas) e o destino que o arguido/recorrente lhe pretendia dar, não seria de aplicar a norma do supra citado art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, porque a ilicitude dos factos por ele praticados não se mostra consideravelmente diminuída mas antes acentuada.
3- Ora, não podíamos estar mais em desacordo com a posição assumida neste douto Acórdão.
4- Logo após a entrada em vigor do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e durante algum tempo, a jurisprudência fez uma interpretação algo restritiva do seu art. 25º, quase o vazando, remetendo para o art. 21º a generalidade das situações de tráfico de estupefacientes.
5- Posteriormente, e nos anos mais recentes, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STJ, afluiu no sentido de que «a integração do tráfico de menor gravidade do art. 25º não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta», pois que «resulta, designadamente da moldura prevista na sua al. a), a ilicitude pode ser considerável; deve é situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art. 21º, já que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral.» -tudo cfr. Acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 1999, proc.º nº 912/99. 6- Por outras palavras, «os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de "considerável diminuição de ilicitude" - cfr. acórdão do S.T.J., de 13 de Abril de 2005 (C.J. nº 184º, pág. 173).
7- Neste espírito legal, a jurisprudência vem alargando o campo de aplicação do art. 25º, do DL nº 15/93, aos p. ex. "retalhistas de rua", sem ligações a quaisquer redes e que desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes.
8- Pelo que, tanto a quantidade de estupefaciente traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influenciam decisivamente na aferição da gravidade do tráfico permitindo diferenciar entre os grandes (artºs 21º, 22º e 24º do Dec. Lei nº 15/93) e os pequenos traficantes (art.º 25º do Dec. Lei nº 15/93).
9- Por conseguinte, e depois de uma fase inicial de pouca receptividade da jurisprudência a esta "válvula de segurança" do sistema, destinada a evitar a parificação de situações de tráfico menor às de tráfico importante e significativo, com a correspondente desproporcionalidade das penas, acabou por a admitir generalizadamente, na sua finalidade de equilíbrio, acolhendo vários fundamentos para o efeito: desde logo, procedendo à valorização global ou integral do incidente, não se mostrando suficiente que (apenas) um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, mas exigindo, ao invés, que os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações diferenciem a situação da paradigmática do artigo 21º do já supra citado diploma legal.
10- Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos artºs 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada.
11- Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).
12- Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como já se referiu, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007).
13- Retomando a previsão legal tipificada no artº 25º, é de enaltecer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. E, deverá ter-se ainda em conta, a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
14- No que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
15- Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei n9 15/93, e pelos resultados da investigação científica.
16- Já no que respeita à quantidade das plantas, substâncias ou preparações, tal reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no artº 26º, nº 3, da Lei da Droga que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
17- Acresce ainda que, para além destes elementos, dado que a enunciação legal é, meramente exemplificativa e não taxativa, podem ainda ser considerados, entre outros, a intenção lucrativa - que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico - e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual - o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida - e ainda o tempo da actividade.
18- Como é entendimento geral, o art. 21º, nº 1, contém o tipo essencial elativo às actividades de tráfico de estupefacientes, conforme se retira face à sua descrição típica alargada e à amplitude e severidade da moldura penal que contempla.
19- Neste precisos termos, como a previsão do art. 21.s não se mostrava adequada a todos os padrões de ilicitude que ocorrem nestas actividades, então a lei graduou em escalas diversas os diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade/potencialidade do perigo para os bens jurídicos protegidos. Daí que o escalonamento dos crimes de tráfico resulte essencialmente dos tipos de ilicitude presentes, respondendo às diferentes realidades do ponto de vista das condutas e do agente.
20- Advindo, por isso, a necessidade de uma outra previsão destinada a responder a uma diferente realidade. Resposta esta que nos é dada pelo art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, aplicado aos casos em que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída.
21- Logo, a dificuldade residirá em eleger os critérios de aferição dessa imagem global dos factos. Mas aqui a jurisprudência tem avançado dados que auxiliam em tal tarefa.
22- Assim, ilicitude consideravelmente diminuída pode decorrer ou da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, ou devido à não ocorrência/devido à ausência daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs como habituais nos comportamentos e actividades contemplados no crime tipo, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo (Acórdão do S.T.J. de 20-12-2006).
23- Por conseguinte, para a constatação de uma menor ilicitude assumem relevo, entre outros eventuais factores, a organização que está por trás do comportamento, o tipo de actuação, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados, a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
24- É a partir da ponderação e reflexão conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto.
25- Na esclarecedora síntese avançada no acórdão do S.T.J. proferido em 15-12-1999, no processo 912/99, «a tipificação do art 25º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art 21° e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar».
26- Destarte, a menor gravidade do crime de tráfico de droga p. e p. no art.º 25º não valerá, apenas e somente, para as bagatelas penais.
27- Muito pelo contrário.
28-Trata-se de menor gravidade em confronto com a média, alta e muito alta criminalidade, por um lado, e que abrange, ainda, criminalidade de tal modo relevante que levou o legislador a prever para tais situações uma pena de prisão cujo máximo vai até aos 5 anos e cujo mínimo fixou em 1 ano.
29- Assim, parece-nos evidente que, mediante os factos dados como provados e não provados (nomeadamente, que o computador e telemóveis apreendidos tenham sido usados na actividade de tráfico; que o arguido/recorrente se venha dedicando à compra de produtos estupefacientes em quantidades consideráveis; e ainda que, o arguido/recorrente venha distribuindo e vendendo produtos estupefacientes a um grande número de indivíduos), estamos, claramente, perante uma realidade bastante desadequada ao tráfico grave.
30- No nosso entender, a imagem integral dos factos relativa ao arguido, ora recorrente, não justifica a tipificação do art.º 21º do Dec. Lei nº 15/93, por a ilicitude se situar em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação naquele tipo geral, encontrando os mesmos factos uma resposta adequada dentro da ampla moldura penal do art. 25º, al. d), do Dec. Lei nº 15/93.
31-Senão vejamos: Quanto aos meios utilizados, estes foram muitos incipientes, senão mesmo inexistentes, pois como facilmente se pode verificar pela factualidade dada como provada e não provada, a actividade de tráfico do arguido/recorrente não tinha qualquer estrutura organizativa. A manifesta simplicidade dos meios utilizados pelo arguido, se é que existem, pode também retirar-se do facto de os telemóveis e computador apreendidos ao arguido/recorrente, conforme conclusão do Tribunal "a quo", não terem sido usados na actividade de tráfico de estupefacientes. Além disso, a actividade de tráfico era bastante limitada, uma vez que, da prova produzida, não foi feita qualquer referencia a concretos actos de venda ou cedência de produtos estupefacientes, quer na sua área de residência em Portugal, quer no Luxemburgo. Do mesmo modo, resulta ainda da factualidade dada como não provada que o arguido/recorrente se venha dedicando à compra de produtos estupefacientes em quantidades avultadas/consideráveis. Mais, não foram identificados quaisquer compradores/consumidores, assentando a convicção do Tribunal "a quo" nas regras de experiência comum, partindo do circunstancialismo em que tal produto foi apreendido e da ausência de explicação credível pelo arguido/recorrente. Diga-se ainda que, o produto estupefaciente que foi apreendido na posse do arguido/recorrente resultou do cumprimento de uns mandados de busca que nada têm a ver com o crime de tráfico. Releva ainda o facto de também assegurar o seu consumo próprio, ainda que esporádico. Acresce que, à data dos factos, o arguido se encontrava emigrado no Luxemburgo, como manobrador de gruas, com um contrato de trabalho por tempo indeterminado, cujo vencimento mensal era de dois mil euros. Logo, não se podia dizer que o arguido vivesse exclusivamente da actividade de tráfico, por isso, o seu diminuto grau de adesão a essa actividade como modo de vida. Por fim, o arguido/recorrente encontrava-se a ser acompanhado no Centro de Respostas Integradas do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos.
32-Por conseguinte, a factualidade (já considerada) provada é perfeitamente enquadrável, na previsão do artigo 25º - tráfico de menor gravidade - do referido diploma legal, sendo que, o douto acórdão recorrido se limita a uma breve e sucinta referência aos tipos incriminadores privilegiados, optando quase automaticamente pelo crime matricial de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do citado diploma, descurando assim um princípio fundamental de proporcionalidade na definição dos crimes e aplicação das penas.
33-A ideia de proporcionalidade reflecte-se no "escalonamento dos crimes de tráfico (...) em grande tráfico (artigos 21º e 22º do Dec. Lei nº 15/93), pequenos e médios traficantes (artigo 25º), e para os traficantes-consumidores (artigo 26º) " - v. o douto Acórdão do STJ, de 17/04/2008, processo 08P571, disponível em www.dgsi.pt - parecendo evidente, nos presentes autos, que o arguido não se pode configurar como grande traficante, sendo a sua conduta mais consentânea (desde logo em nome do princípio in dubio pro reo] com o conceito de tráfico de pequena ou média gravidade.
34- Deste modo, entende o arguido/recorrente que o Tribunal "a quo" deveria ter concluído pela pequena dimensão e expressão económica da actividade desenvolvida pelo arguido, uma vez que esta era apenas uma actuação isolada, circunstancial e sem qualquer estrutura organizativa, técnica ou humana.
35- Além disso, e conforme é referido no douto aresto do STJ, de 12/10/2006, também disponível em www.dgsi.pt, «mesmo lidando com a posse de "droga dura", até já em quantidade apreciável, não fica afastada a hipótese de aplicação do art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, reportando-se a tráfico de menor gravidade, já que não se limita a prever bagatelas, condutas sem gravidade, tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21º, pode ir até aos 5 anos de prisão».
36-Como tal, atendendo ao caso sub judice que ora se aquilata, e em face de tudo o que ficou supra exposto, o Tribunal "a quo" não poderia ter considerado como moldura abstracta a pena de prisão de 4 a 12 anos, mas antes a de 1 a 5 anos de prisão, de acordo com o art. 25º, alínea a) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01 e consequentemente não determinou correctamente a medida da pena, pois partiu de uma moldura abstracta da pena de prisão errada.
37- Deste modo, entende o arguido/recorrente que o douto Acórdão recorrido ao não considerar o que se deixou exposto supra quanto à matéria de direito, violou os preceitos dos artigos 21º e 25º, alínea á) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01, e art. 32º, nº 2 da C.R.P. (principio do in dubio pro reo) e artºs 40º, 41º e 71º do CP.
38- Logo, o arguido terá incorrido na prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do Dec. Lei n.° 15/93, de 22/01, com referência à sua tabela anexa I - C, impondo-se, nesta parte, a revogação do acórdão recorrido.
39- A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente (princípio da culpa) e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. (art.71º, nºs 1 e 2 do Código Penal).
40- Assim, entendendo-se ser de aplicar ao recorrente o crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por se verificar que se mostram cumpridos os seus pressupostos, passemos à definição do quantum da pena.
41- Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do art. 71º do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que, a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático a finalidade retributiva.
42- No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do art. 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada.
43- Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.
44- Nesta tarefa, os critérios do art. 71° do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial [circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)».
45- Assim, apesar de estarmos perante um caso em que o grau de culpa é elevado tendo em conta a quantidade de produto estupefaciente apreendido (cerca de um quilo e meio, e que daria, tendo em conta o seu grau de pureza, para 4.242 doses individuais), sempre terá de se atender ao facto de militar a favor do arguido/recorrente o facto de não constarem do seu Certificado de Registo Criminal quaisquer antecedentes criminais, e ainda, o facto de, à data do acontecimento, este se encontrar profissional e socialmente integrado.
46- Perante tais factores, entende o arguido/recorrente que, a medida concreta da reacção penal deve situar-se próximo do limite superior da moldura do tipo privilegiado, isto é, do art. 25º do Dec. Lei nº 15/93 (tráfico de menor gravidade) mostrando-se adequado às exigências preventivas, sem exceder a culpa do arguido, ora recorrente, devendo fixar-se a pena próxima dos 4 (quatro) anos de prisão.
47- No entanto, e ainda que, por hipótese, não se aceite a convolação da referida factualidade num crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1, e em consequência, decidindo-se manter a aplicação do art. 21º do referido diploma legal, entende-se que a pena a aplicar ao recorrente, dentro da moldura penal prevista desse artigo, deve ser uma pena de menor severidade do que a efectivamente aplicou o Tribunal "a quo".
48- Com efeito, atendendo à moldura da pena em questão, 4 a 12 anos, bem como as circunstâncias em que decorreu a detenção do arguido/recorrente, uma condenação pelo referido artigo terá de se aproximar do limite mínimo da moldura legal, o que não sucedeu.
49- Pois, salvo melhor opinião, apenas assim se aproximaria a culpa da pena, que ora excede aquela, motivos pelos quais violou o Tribunal "a quo" o artigo 71º, nº 1 do CP.
50- Posto isto, a pena aplicada pelo Tribunal "a quo" ao arguido (cinco anos e seis meses de prisão) peca por excessiva e desproporcional.
51- Conquanto tudo o que se passou e consta dos autos, não apresenta perigosidade maior, sendo o gravame a tal respeito mais de extrapolação do crime praticado, podendo-se mesmo afirmar que a severa punição infligida, é mais produto do combate à tipologia do crime aqui em causa do que propriamente para combater o subjectivo de rebeldia ou habitualidade perigosa do arguido.
52- Mostrando-se, desta forma, violados os artigos 21º e 25º, alínea a) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01 e artºs 40º e 71º do CP.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar-se parcialmente o decidido, substituindo-se o acórdão sindicado por outro que condene o arguido pela prática de um crime p. e p. pelo artº 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Caso assim se não entenda, deve então o arguido/recorrente ser condenado pelo limite mínimo da moldura penal do art.º 21º do referido diploma legal."
O Mº Pº respondeu e disse a certa altura:
"(…) III – A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS PROVADOS: ART. 21.º, N.º 1, OU ARTIGO 25.º, ALÍNEA A), DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO?
Perante a matéria de facto apurada, o tribunal a quo subsumiu a acção do arguido ao tipo legal do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. O arguido sustenta que a sua conduta não será subsumível ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas ao artigo 25.º do mesmo diploma legal. Cremos que não lhe assiste razão alguma. O crime de tráfico privilegiado, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, exige, por referência ao tipo do artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma - tal como o recorrente reconhece - que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída em razão de circunstâncias objectivas, designadamente aos meios utilizados pelo agente, a modalidade e circunstâncias da acção e a quantidade e qualidade dos produtos. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição (vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2004, proc. n.º 04P1103 in dgsi.pt). Mas sempre a ilicitude tem de resultar “consideravelmente” diminuída. Para o preenchimento da previsão normativa em causa, é essencial que a diminuição da ilicitude possa, de facto, reputar-se de “considerável”, ou seja, de “digna de consideração”, de “notável”, de “grande”, de “importante”, de “avultada”. Da apreciação global do facto, que nos permitirá chegar a esta diminuição da ilicitude “digna de consideração”, por ser notável, grande ou importante, não podem resultar quaisquer circunstâncias decisivamente desfavoráveis ao arguido. Ora, analisando os factos provados, há a salientar, que os produtos apreendidos ao arguido -canábis (resina) – substância prevista na Tabela I – C anexa ao DL- 15/93 – tinham o peso liquido total de 1 493,831 gr- e que esses produtos dariam para 4.242 doses individuais diárias; produtos esses que o arguido destinava, na sua grande maioria, à venda a terceiros consumidores, aliás, ele apenas esporadicamente consome haxixe. Ora, tal quantidade de droga, não pode deixar de se considerar elevada e, como tal, a sua detenção para cedência/venda a terceiros, reveladora de acentuada ilicitude! É certo que foi dado como não provado que: -« o computador e os telemóveis apreendidos tenham sido usados na actividade de trafico de estupefacientes supra descrita. - o arguido se venha dedicando à compra de produtos estupefacientes em quantidades consideráveis; - o arguido venha distribuindo e vendendo produtos estupefacientes a um grande número de indivíduos.». Porém, contrariamente ao que vem alegado pelo recorrente, não foi dada como provada a não ocorrência de tais factos. Ou seja, não foi feita prova em julgamento de que tais factos não tivessem ocorrido, apenas e tão só o tribunal considerou não ter sido feita prova cabal da sua ocorrência e daí que os tenha dado como não provados, o que é manifestamente diferente de dar como provado que não ocorreram. Nesta parte não podemos deixar de chamar a atenção para a fundamentação do douto acórdão recorrido, máxime no que concerne aos factos comunicados ao tribunal pela ex-companheira do arguido. Finalmente, não se diga que estamos perante uma droga leve, por contraposição às drogas “pesadas” como a heroína ou a cocaína. A cannabis é, em termos de prevalência de consumo, a droga ilícita mais consumida; é, para muitos, a primeira e única droga consumida; e é ela que, na esmagadora maioria dos casos, abre a porta ao consumo das chamadas drogas “pesadas”. Assim, a ponderação dos elementos indicados impõe a conclusão de que, nas circunstâncias do caso, a ilicitude não pode ter-se por consideravelmente diminuída, o que, portanto, afasta possibilidade de subsunção da sua conduta ao art. 25.º, al. a) citado. Bem andou, pois, o tribunal a quo ao considerar que os factos provados imputados ao recorrente, integram o crime previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
IV – A PRETENDIDA REDUÇÃO DA MEDIDA DA PENA APLICADA AO ARGUIDO. Sustenta também o arguido-recorrente que a pena em que foi condenado devia ter sido fixada próxima do mínimo legal, atenta a ausência de antecedentes criminais por parte dele e a sua inserção social e profissional. Ora, sendo de quatro anos de prisão o mínimo legal (e de doze anos o máximo) correspondente ao crime cometido pelo arguido, cremos que nenhum reparo pode ser efectuado à fixação da pena que lhe foi aplicada em cinco anos e seis meses de prisão: esta situa-se algo acima do mínimo legal e isso encontra explicação na ausência de arrependimento por parte do arguido, evidenciada na sua não confissão da provada actividade delituosa. Por outro lado, relativamente á ausência de antecedentes criminais do arguido é de referir que, sendo certo que do último crc do arguido não consta qualquer averbamento, a verdade é que o mesmo já em 1997 foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, tendo cumprido prisão efectiva; donde a provada ausência de condenações no crc do arguido resulta apenas e tão só da observância do disposto no artigo 15 nº1. al. a) da Lei 57/98 de 18/8, não sendo circunstância de grande relevo.
V – CONCLUSÃO:
1ª- Os factos dados como provados integram a prática pelo arguido do crime previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tal como decidido pelo tribunal a quo.
2ª- A pena aplicada ao arguido mostra-se adequada á sua culpa, ao grau de ilicitude do facto e às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
3ª- Deve manter-se o douto acórdão recorrido."
Já neste STJ o Mº Pº emitiu douto parecer em que afirmou a dado passo:
"(…) Do tráfico de menor gravidade: É abundantíssima a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça sobre o tipo em causa, citando-se por todos o acórdão de 18 de Outubro de 2001, Processo n.° 1188.01, 5a Secção, onde, em nota de rodapé, são identificados várias dezenas que, no essencial, sufragam o entendimento que o tráfico de menor gravidade "fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações ". E, embora a jurisprudência desta última instância tenha normalmente evoluído no sentido de uma interpretação alargada do tipo, perante a matéria de facto dada como provada, afigura-se-nos estar afastada a possibilidade de subsunção ao crime de tráfico de menor gravidade, ou seja, que a valoração conjunta dos factores da actividade de tráfico indicie uma considerável diminuição da ilicitude do facto. Contrariamente ao alegado, e como salienta logo de início o Ministério Público na sua resposta, dar-se determinado facto como não provado não significa que se mostre provado o facto negativo. E assim, na avaliação conjunta da conduta, o arguido apresenta-se como uma pessoa que consome esporadicamente haxixe, com emprego no Luxemburgo, onde auferia um salário mensal de cerca de dois mil euros, e, não obstante, detinha cerca de 1,5 kg de haxixe - «quatro mil duzentas e quarenta e duas...doses individuais diárias» -, que destinava, na quase totalidade, à venda a consumidores, visando, obviamente, lucro. Esta conduta insere-se no tipo previsto no artigo 21.° do DL 15/93, não se detectando qualquer factor que se inscreva na exigida diminuição considerável da ilicitude.
Em suma: Poderemos, pois, concluir, perante os factos provados, considerados na sua globalidade complexiva, que não estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21.°, do DL 15/93, não merecendo qualquer censura a subsunção jurídica operada pelo tribunal recorrido. Da medida concreta da pena Também a medida concreta da pena encontrada pelo tribunal a quo, não se mostra claramente violadora dos critérios que a devem determinar (artigos 40 e 71 do Cód. Penal: em função da culpa, das exigências de prevenção geral positiva e bem assim em função das necessidades de prevenção especial de socialização). Concordando-se que a ilicitude do facto, face à natureza do estupefaciente e tipo de acção (detenção com destino à venda), não assume particular relevo, verifica-se não ocorrer qualquer outra circunstância de valor significativo atenuante que legitime a diminuição da pena (negação do facto, ou seja, ausência de confissão e arrependimento; no estabelecimento prisional «vem mantendo um comportamento instável..., tendo sido sujeito a duas penas disciplinares»). E, como tem vindo a ser decidido nesta Alta Instância, situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac. STJ de 29.04.04, proc. n.° 1394.04 5ª), o que não acontece no caso.
IV Pelo exposto entendemos que o recurso deverá ser julgado improcedente."
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do CPP. Colhidos os vistos forma os autos levados à conferência.
C – APRECIAÇÃO
O recorrente pretende ver alterada a qualificação penal da sua conduta, que a seu ver deveria integrar o crime de tráfico de menor gravidade do artº 25º do D L 15/93, de 22 de Janeiro. No caso de se manter a qualificação do acórdão recorrido, o arguido defende uma diminuição da medida da pena com suspensão da sua execução. Vejamos pois.
1. Qualificação Lisboa, 28 de maio de 2015 Souto de Moura (Relator) Helena Moniz
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