Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
473/12.9GCPTM.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: RECURSO PENAL
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
HOMICÍDIO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PEMA - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, 227 e ss..
- Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 41-45, e bibliografia citada.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, N.º1, 427.º E 432.º, N.OS 1, ALÍNEA C), E 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 71.º, N.ºS 1 E 2, 131.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 2 DE ABRIL DE 2008, PROCESSO N.º 08P588, ACESSÍVEL, TAL COMO QUALQUER OUTRO MENCIONADO NO TEXTO SEM INDIVIDUALIZAÇÃO DE FONTE, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14 DE MAIO DE 2009, PROCESSO N.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª.
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1,
-DE 11 DE OUTUBRO DE 2012, PROCESSO N.º 289/10.7JAPTM.E1.S1,
-DE 11 DE DEZEMBRO DE 2012, PROCESSO N.º 951/07.1GBMTJ-E1.S2
-DE 14 DE MARÇO DE 2013, PROCESSO N.º 341/08.9GAMTA.L2.S1.
Sumário :
I - A recorrente foi condenada, por acórdão do tribunal coletivo, como autora material, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º, do CP, na pena de 12 anos de prisão. Tal medida concreta da pena de prisão, fixada no ponto médio entre os limites mínimo e máximo previsto na norma para o tipo de homicídio, satisfaz os critérios legais da determinação da medida da pena e mostra-se adequada, respeitando, sem os ultrapassar, os limites da culpa da recorrente.

II - No caso, os fatores negativos sobrepõem-se objetivamente e em larga medida aos que favorecem a recorrente, estes limitados à menor intensidade da sua culpa, por ter agido com dolo eventual, e à atenuante geral recortada da impreparação da recorrente para adoptar comportamentos ajustados, ambos atendidos na medida da pena. Contra a recorrente foram tidos em conta: a elevadíssima ilicitude dos factos (que se traduziu na supressão de uma vida humana), as consequências das acções praticadas (com a supressão da vida de um homem de 41 anos, que deixou enlutados familiares próximos), os antecedentes criminais pela prática de crime contra as pessoas, as exigências de prevenção geral, de dimensão significativa, as exigências de prevenção especial e a necessidade de censura, atendendo à incapacidade da recorrente para gerar respostas socialmente adequadas e o grau de culpa, de média dimensão, bem como o facto de se encontrar desempregada há 5 anos, consumindo álcool e adoptando respostas negativas preponderantemente agressivas face ao conflito.

III - O acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, esta constituindo fator modelador e quantificador da pena imposta. Na determinação da pena que em concreto aplicou, a decisão recorrida apreciou as circunstâncias do ilícito e a personalidade da arguida, bem como outros fatores constantes dos factos provados, em termos ponderados e no respeito dos critérios legais, relativos à culpa e à prevenção, tendo fixado uma medida que se mostra equilibrada e em consonância com a jurisprudência do STJ.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com a referência 473/12.9GCPTM, do Círculo Judicial de Portimão, atualmente Comarca de Faro, Instância Central de Portimão, 2.ª secção criminal – J2, AA foi submetida a julgamento e condenada, como autora material, de 1 (um) crime de homicídio, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 131.º do Código Penal (CP), na pena de 12 (doze) anos de prisão, e, na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes, BB e CC, «a pagar-lhes a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros), sendo € 40.000,00 (quarenta mil euros) pela perda do direito à vida de DD, € 5.000,00 (cinco mil euros) pelos danos de natureza não patrimonial sofridos por DD, e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a cada um dos demandantes pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pelos próprios demandantes».
2. Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso «quanto à medida da pena que lhe foi aplicada», concluindo a motivação nos seguintes termos:
«1.   Condenou o tribunal “a quo” a arguida pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão, considerando que a factualidade provada preenche os elementos objectivos e subjectivos do mencionado ilícito.
2.  In casu, sempre se dirá ter o Tribunal “a quo” valorado excessivamente os elementos negativos da conduta do recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito), de que resultou o agravamento da pena, não dando o devido realce às circunstâncias provadas nos autos de que a arguido, ora recorrente vivenciou uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade.
3.  Saliente-se ainda o facto do Tribunal “a quo” só ter valorado os elementos negativos e desconsiderado a pessoa na perspectiva de uma necessária e adequada reinserção social da arguida recorrente, dado que é notório que o arguido [sic] tem condições de se reintegrar socialmente.
4.  Foi assim violado o art. 40º do CP, dado que o Tribunal a quo considerou a necessidade de fazer sentir à arguida o imperativo de absoluta irrepetibilidade dos actos praticados, atendendo ao que dos autos consta quanto à personalidade da arguida e sua incapacidade para gerar respostas socialmente adequadas em situações de tensão relacional), e o grau de culpa da arguida, demonstrado na prática do ilícito, que se apresenta como de média dimensão, devendo, não obstante, levar-se em devida conta a impreparação da arguida para adoptar comportamentos ajustados, em virtude da falta de aquisição de competências pessoais essenciais no seu passado próximo e distante.
5. Já que princípios de adequação, racionalidade e proporcionalidade - a pena aplicável é de todo desadequada a prosseguir o fim do processo penal, quer por desnecessárias quer por ser excessiva.
6. Tudo isso ponderado, entende-se que deve a arguida ser condenada numa pena que se aproxime mais do mínimo da moldura penal prevista, e sempre inferior àquela que em concreto lhe foi aplicada».
3. Na resposta à motivação do recurso, a Senhora Procuradora-Adjunta no Tribunal de Portimão pede que o recurso seja julgado improcedente e mantido o acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1.   Por acórdão datado de 26 de Março de 2014 a arguida AA foi condenada pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão.
2. Ao contrário do que alega a recorrente, não é verdade que o Tribunal a quo tenha valorado excessivamente os aspectos negativos do comportamento da recorrente, e, ao invés, tenha desvalorizado a circunstância de a mesma ter vivenciado uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento.
3. A pena aplicada em concreto foi correctamente determinada, de acordo com os critérios constantes do art. 71.º do Código Penal, que foram correcta e exaustivamente ponderados, como se alcança da fundamentação do acórdão recorrido.
4. A pena não merece censura, não se esquecendo que a conduta da arguida levou ao acto mais lesivo da sociedade e, consequentemente, o mais gravemente punido pela lei -- o retirar a vida a outrem.»
4. Também a Assistente nos autos se pronunciou sobre a motivação de recurso da arguida, pedindo a improcedência do mesmo e a manutenção do acórdão recorrido, assente nas conclusões que deixou assim exaradas:
«1.   O douto acórdão recorrido, ajuizou de forma cuidada e devidamente fundamentada, na pena aplicada à arguida, todas as circunstâncias que, em face dos factos dados como provados, depunham a seu favor;
2. O douto acórdão recorrido enunciou, de forma exaustiva, a ponderação positiva e negativa do grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, o circunstancialismo fáctico contemporâneo do ilícito, as condições pessoais da arguida, o percurso vivencial e a ausência de aptidões ressocializadoras.  
3. Com base na correcta aplicação dos critérios norteadores ínsitos nos n.os 1 e 2 do art.º 71.º do Código Penal, o douto acórdão recorrido encontrou na média ponderada entre o limite mínimo e máximo da pena abstracta, o quantum da justa pena da arguida.
4. Na ponderação da pena aplicada, o Tribunal "a quo" justificou, de forma cuidada, a medida da pena em função dos fins de prevenção geral (protecção dos bens jurídicos) e de prevenção especial (propósito de ressocializador do delinquente) insertos no art.º 40.º do Código Penal, fazendo a análise crítica de todos os critérios que nortearam a opção por quantum em concreto.
5. O Tribunal recorrido alicerçou o sentido da decisão em todos os factos dados como provados (e não informados pela recorrida) com base na livre apreciação do acervo probatório produzido em audiência de julgamento, e nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, encontrando-se esta devidamente fundamentada e motivada e não merecendo qualquer censura.»
5. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta adere à motivação de recurso da magistrada do Ministério Público na 1.ª instância, concordando «com os fundamentos da decisão recorrida, tendo-se aplicado corretamente a Lei e o Direito, sendo certo que o alegado pela recorrente não tem a virtualidade de abalar aquela sentença, que deverá ser mantida nos seus precisos termos», pois que «face à factualidade dada como provada, a pena aplicada em concreto foi corretamente fixada, face aos critérios legais constantes dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, que se mostram exaustivamente ponderados pelo tribunal a quo, conforme demonstra a fundamentação do acórdão recorrido».
6. Notificado o parecer à arguida, esta respondeu ao tribunal, dizendo que «discorda da posição ali assumida, pugnando pela procedência do recurso por si interposto».
7. O Tribunal da Relação de Évora, por Decisão Sumária de 19 de maio pp, declarou-se incompetente para o julgamento do recurso, por se incluir na competência do Supremo Tribunal de Justiça, visto tratar-se de impugnação da decisão final, versar exclusivamente matéria de direito e a arguida ter sido condenada em pena de 12 anos de prisão.
8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, atendendo a que «a pena de 12 anos de prisão (que corresponde à metade da moldura) é justa e adequada à luz dos princípios da culpa e das muito fortes necessidades de prevenção geral e especial», pois que, «não obstante a menor intensidade dolosa da actuação (dolo eventual - agiu com o intuito de imobilizar a vítima, mas já depois de a ter imobilizado, «continuou a apertar o pescoço... com violência, o que quis e conseguiu, sabendo que tal poderia provocar-lhe a morte», como sucedeu), quer as exigências de prevenção geral, quer as de prevenção especial (é «muito limitada a autocrítica que faz à situação e no propósito de mudar»; «incapaz de fazer face à angústia, tolerar a frustração e controlar os impulsos»; «Apresenta um elevado factor de risco quando vivencia ambientes de tensão relacional, sendo uma pessoa que responde impulsivamente, adoptando respostas reactivas preponderantemente agressivas face ao conflito, característica que se amplia no caso de se encontrar sob o efeito do álcool»; «foi julgada ... pela prática, em 02.05.2009, de um crime de ofensa à integridade física ... ») são elevadas».
9. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a recorrente veio reafirmar que «discorda da posição ali assumida, pugnando pela procedência do recurso por si interposto».
10. Não foi requerida audiência de julgamento, pelo que o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
11. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a. Enquadramento, competência deste Supremo Tribunal e questão a apreciar
1.  Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.
Nas conclusões apresentadas, a recorrente limita o objeto do recurso à medida da pena de prisão que lhe foi imposta, matéria que se compreende na competência do Supremo Tribunal de Justiça.
De facto, tratando-se de acórdão final condenatório do tribunal coletivo do círculo judicial de Portimão que aplicou a pena de 12 anos de prisão, e tendo o recurso exclusivamente por objeto o reexame da matéria de direito, por a recorrente entender terem sido valorados «excessivamente os elementos negativos da conduta do recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito), de que resultou o agravamento da pena», e pretender a redução da medida da pena, o Supremo Tribunal de Justiça é o competente para conhecer do recurso, no termo das disposições combinadas dos artigos 427.º e 432.º, n.os 1, alínea c), e 2, do CPP, o que se passa a fazer, não havendo outras questões que, oficiosamente, devam ser conhecidas.

b. Matéria de facto

A 1.ª instância deu como provada a matéria de facto que, a seguir, se transcreve[1]:

«2.1. Factos provados

Produzidas e analisadas todas as provas, apuraram-se os seguintes factos:

A – À data dos factos em causa nos autos, a arguida AA vivia em casa da vítima, DD, sita na Rua ....

B – A arguida e DD eram consumidores habituais de bebidas alcoólicas e a vítima frequentava um programa de metadona; o relacionamento entre ambos era conflituoso, sendo frequentes as discussões e agressões mútuas.

C – Por vezes e na sequência desses conflitos, DD expulsava a arguida de sua casa e ela ia viver com o seu anterior companheiro, EE, também residente em Alvor.

D – À data dos factos em causa nos autos, a arguida encontrava-se a viver com DD há cerca de uma semana.

E – No dia 19 de Outubro de 2012, DD regressou a casa cerca das 19h00, depois de ter tomado metadona, encontrando-se a arguida em casa sozinha.

F – DD trouxe duas garrafas de litro, uma de vinho e outra de cerveja, que ambos consumiram enquanto viam televisão, sentados na cama do quarto.

G – A determinada altura, pelas 23h40, entraram em discussão e DD desferiu um empurrão na arguida, fazendo-a cair na cama.

H – Após, agarrou a arguida pelos cabelos e começou a bater-lhe com a cabeça contra a parede.

I – Face a isso, a arguida muniu-se de duas facas que tinha na sua mala, colocada no chão junto à parede e, segurando-as com a mão direita, disse-lhe: “se não paras de me bater, eu mato-te!”.

J – Nessa altura, DD torceu o pulso da mão direita da arguida e conseguiu retirar-lhe as facas, tendo-se a arguida cortado num dedo da mão direita.

L – Então, a arguida tentou sair do quarto para fugir, mas DD apanhou-a pelos cabelos e desferiu-lhe vários socos na cabeça.

M – Como DD não parava de lhe bater, a arguida viu uma extensão eléctrica com 3 metros de comprimento, que ligava a televisão à tomada na parede do quarto.

N – Deslocou-se a essa zona do quarto, puxou a extensão da tomada e lançou-a à volta do pescoço de DD, puxando-a, ficando este de frente para si.

O – DD, com a cara encostada à frente da cara da arguida, tentou agarrar o nariz desta com a sua boca e mordeu-o.

P – Porém, a arguida conseguiu envolver a extensão eléctrica à volta do pescoço de DD, dando-lhe várias voltas.

Q – E DD acabou por cair com o seu tronco para cima da cama, em decúbito ventral, ficando com os pés no chão.

R – Com o intuito de o imobilizar, a arguida colocou o joelho e o peso do seu corpo em cima das costas da vítima, apertando o laço feito com a extensão eléctrica, em volta do pescoço desta, com toda a força que tinha.

S – E só parou de apertar quando DD deixou de se mexer.

T – DD faleceu pelas 00h00 do dia 20 de Outubro de 2012 como consequência directa do estrangulamento provocado pela arguida.

U – Às 00h21, a arguida telefonou para EE, a contar o sucedido e a pedir ajuda.

V – A arguida quis agir da forma descrita.

X – Fê-lo, inicialmente, com o propósito de se defender das agressões de DD lhe infligiu.

Z – Já depois de o ter imobilizado em cima da cama, a arguida continuou a apertar o pescoço da vítima com violência, o que quis e conseguiu, sabendo que tal poderia provocar-lhe a morte.

AA – A arguida agiu conscientemente e sabia que a sua conduta era punida por lei.

Provou-se ainda que:

BB – A análise toxicológica feita ao sangue da vítima revelou uma taxa de alcoolemia que, reportada ao momento da morte, era de 1,84 g/l, sendo igualmente positiva para substâncias medicamentosas, com determinação de presença de metadona e EDDP, as drogas de abuso cocaína e derivados, com determinação de presença de benzoilecgonina e EME, canabinoides, com determinação de presença de 11-OH-THC, THC-COOH e THC.

CC – DD era de compleição franzina, com cerca de 1,60 m de altura; a arguida é também de compleição franzina, com cerca de 1,53 m de altura.

Do pedido de indemnização civil, provou-se que:

(…)

Finalmente, apurou-se também que:

LL – A arguida AA, de 40 anos de idade, é divorciada. Cresceu em contexto familiar nuclear, junto dos pais e de 11 irmãos, sendo a penúltima da fratria, que incluía apenas mais uma rapariga, num nível socioeconómico baixo. O abuso de álcool foi comum a todos os elementos e todos os descendentes começaram a trabalhar ainda crianças, situações relativamente banais no contexto sociocultural de referência.

MM – Ainda que tenha frequentado a escola em idade própria, sem referência a questões comportamentais, não chegou a concluir a 4ª classe, devido a dificuldades de aprendizagem. Em consequência disso, o pai arranjou-lhe uma alternativa para começar a trabalhar a tempo inteiro, ainda não tinha completado os 14 anos, como operária numa fábrica de ourivesaria. Tal enquadramento profissional funcionou de forma regular e satisfatória para a arguida, durante 8 anos, terminando devido à falência da empresa. Depois deste, os empregos que foi tendo tornaram-se menos duradouros, ora porque corriam mal, ora porque outras fábricas por onde passou também fecharam, reportando-se o seu melhor desempenho a contextos de tarefas simples, definidas e que não obrigassem a grandes contactos interpessoais.  

NN – Com cerca de 27 anos, desligada da família e sem trabalho, a arguida entrou num modo de vida sem-abrigo na cidade do Porto. Chegou a trabalhar como ajudante de cozinha, mas há mais de 5 anos que se encontra desempregada e sem qualquer ocupação estruturada.

OO – Em termos afectivo-relacionais, registam-se sucessivos relacionamentos insatisfatórios e mal sucedidos. A primeira relação conjugal ocorreu quando tinha apenas 15 anos e separou-se aos 19. Fruto de quatro relacionamentos diferentes, foi mãe de quatro filhos, cujo destino desconhece, à excepção da primeira filha, que foi criada pela sua progenitora e é a única com quem mantem contactos.

PP – Veio para o Algarve há cerca de 7 anos, com o pai do filho mais novo, que era subempreiteiro da construção civil. Volvidos 2 anos, este foi-se embora, levando o filho, e deixou-a sozinha.  

QQ – Iniciou há 5 anos a relação marital, que ainda mantem, com EE, registando-se um padrão de violência doméstica, com recorrentes episódios de agressões físicas e imposição da saída de casa da arguida por parte do companheiro; nos períodos de separação, envolvia-se com DD, relação que também assumiu contornos de violência inter-relacional.

RR – A arguida admite que o consumo de álcool lhe agrava alguns dos problemas da sua vida, embora seja muito limitada a autocrítica que faz à situação e no propósito de mudar. É uma mulher particularmente isolada socialmente, contando com um mínimo suporte da família, amigos ou instituições. Passa maioritariamente o tempo sozinha, em casa, ocupando-se das lides domésticas e a ver televisão.

SS – O processo de desenvolvimento da arguida decorreu num meio familiar material e afectivamente pobre, sendo pautada a sua história pelo sentimento de uma infância infeliz e de incompreensão. A acrescentar os hábitos de consumo de álcool iniciados ainda na infância, o seu crescimento foi desarmónico e as capacidades cognitivas não evoluíram para níveis de pensamento simbólico e abstracto, comprometendo-se as aprendizagens escolares.

TT – Incapaz de estabelecer relações com um mínimo de constância e qualidade, perduram os sentimentos de abandono, traduzido num estado de grande labilidade afectiva e humor depressivo. A ansiedade sai frequentemente em passagens ao acto violentas, muito desadaptativas, hétero e auto dirigidas, sinal de fragilidade e medo. Apresenta um nível muito básico de funcionamento cognitivo e relacional, ligado ao concreto, vazio de afectos e de fantasia, orientado fundamentalmente para a satisfação das necessidades mais básicas, incapaz de fazer face à angústia, tolerar a frustração e controlar os impulsos.

UU – Muito reactiva a estímulos externos desencadeantes de tensão, limitadas que são as competências cognitivas que remetem para o senso comum e o uso de raciocínio lógico, falham o autocontrolo e as estratégias de coping. Encontram-se também comprometidas competências como a planificação, orientação do comportamento para um objectivo e antecipação das consequências, mostrando-se demasiado condicionada pela imprudência, desinibição comportamental e compulsão aos consumos de álcool.

VV – Apresenta um elevado factor de risco quando vivencia ambientes de tensão relacional, sendo uma pessoa que responde impulsivamente, adoptando respostas reactivas preponderantemente agressivas face ao conflito, característica que se amplia no caso de se encontrar sob o efeito de álcool.

WW – A arguida foi julgada no processo nº 259/09.8GCPTM, do 1º juízo criminal de Portimão, pela prática, em 02.05.2009, de um crime de ofensa à integridade física, tendo sido condenada, por decisão datada de 01.09.2009, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, que viria a ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, que cumpriu.

*

2.2. Factos não provados

E nada mais se provou com interesse para a decisão da causa, designadamente, não se provou que:

a) após a queda da vítima sobre a cama, em decúbito ventral, a arguida tenha mantido o propósito de se defender de qualquer agressão;

b) relativamente às demais pessoas, v.g. à arguida, DD fosse pessoa calma, educado e afectuoso;

c) no dia da mãe, no dia do pai, na data de aniversário dos seus pais, e em todas as demais épocas festivas, DD telefonasse ou os visitasse, ou que presenteasse os demandantes com algum objecto, ainda que simbólico;

d) o tratamento da toxicodependência levado a cabo por DD registasse elevado sucesso, apresentando melhorias significativas – ou que tal confortasse os demandantes;

e) DD efectuasse tratamento da toxicodependência com responsabilidade e bons resultados, sendo por todos visível e constatável uma melhoria do seu estado geral;

f) a vida de DD se perspectivasse longa e feliz;

Não se provaram também quaisquer factos que com os provados estejam em contradição.»

Por tais factos, foi a recorrente condenada pela prática de um crime de homicídio, na pena de 12 anos de prisão, medida de que discorda, por, alegadamente terem sido valorados excessivamente os elementos negativos da sua conduta e sem que tenham sido valorados a seu favor elementos relativos à sua vivência, com «uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade».
c. Determinação da medida da pena
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do artigo 40.º do CP). Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, e a caracterização dos elementos antes assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que[2]:

      «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

     Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

     Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

     Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

     Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.»
2. Na determinação da medida da pena, que foi, em concreto, fixada em 12 (doze) anos de prisão, o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, esta constituindo fator modelador e quantificador da pena imposta, expressando-se da seguinte forma:
«- A elevadíssima ilicitude dos factos praticados: que se traduziu na supressão de uma vida humana, ainda que os eventos se inscrevam no quadro de um relacionamento violento e disfuncional por parte de ambos os elementos envolvidos;
-  O tipo de dolo animado do qual a arguida agiu, que entendemos qualificar de eventual, já que o resultado ocorrido não foi directamente visado pela arguida, muito embora esta se tenha conformado com a sua verificação, não se detendo perante a possibilidade óbvia da verificação de tal resultado;
-  As consequências das acções praticadas (cuja gravidade se impõe a se, dispensando maiores considerações – mas não deixando de registar-se que foi suprimida a vida de um homem de 41 anos, que deixou enlutados familiares próximos);
-  Os motivos e circunstâncias que levaram à prática do crime de homicídio (em que releva a evidente miséria humana em que viviam vítima e arguido, ambos dependentes de substâncias de abuso e incapazes de um relacionamento gratificante, encontrando-se sempre presente a violência relacional);
-  A personalidade da arguida anterior aos factos (é eloquente a sua história de vida, podendo dizer-se, com segurança, que nunca conheceu realidade diferente da violência e abandono – sendo, por isso, respostas deste tipo as únicas que se encontra em condições de dar);
-  O facto de a arguida contar antecedentes criminais, pela prática de crime contra as pessoas, registando-se relativamente à mesma marcado isolamento social, fracas competências pessoais e diminuto apoio do meio envolvente;
-  As exigências de prevenção geral (de dimensão significativa, atenta a violência dos actos praticados, a sublinhar a necessidade de repor a confiança da comunidade na validade da norma violada) e especial (relevando aqui a necessidade de fazer sentir à arguida o imperativo de absoluta irrepetibilidade dos actos praticados e acentuando-se, neste particular, a necessidade de censura, atendendo ao que dos autos consta quanto à personalidade da arguida e sua incapacidade para gerar respostas socialmente adequadas em situações de tensão relacional), e o grau de culpa da arguida, demonstrado na prática do ilícito, que se apresenta como de média dimensão, devendo, não obstante, levar-se em devida conta a impreparação da arguida para adoptar comportamentos ajustados, em virtude da falta de aquisição de competências pessoais essenciais no seu passado próximo e distante.
Consideradas todas estas variáveis, afigura-se-nos que a pena a impor à arguida deverá graduar-se sensivelmente no ponto médio da moldura penal aplicável, deste modo se alcançando um equilíbrio entre a necessidade de pena, por um lado, e a medida da possibilidade de censura da arguida na formação da respectiva personalidade.»
3. Sendo complexa a questão da igualdade de tratamento na determinação das penas dos agentes dos crimes, aquelas modeláveis em função dos critérios legais da culpa e da prevenção e dependendo de «condições pessoais e subjetivas (…) não transponíveis de uns casos para outros»[3], o paralelo com outros casos já apreciados por este Supremo Tribunal, no período mais recente, cujos sumários estão publicados, relativos a crimes de homicídio cometidos com dolo eventual – porquanto, «[n]a modalidade de dolo eventual o conteúdo do ilícito é menor do que nas outras classes, porque o resultado não foi proposto nem tido como seguro»[4] –, e com pontos de contacto com os destes autos, pode contribuir para surpreender e captar orientações ou indicações quanto às medidas concretas das penas impostas e à coerência intrínseca das mesmas entre si.
4. Assim, no acórdão de 2 de abril de 2008, proferido no processo n.º 08P588, foi mantida a pena de 12 anos de prisão imposta em 1.ª instância e confirmada pelo tribunal da relação, no seguinte quadro fáctico e argumentativo:

«O crime praticado pelo arguido é mais um atentado contra a vida humana cometido em circunstâncias que não deixam de revelar aquela frieza e insensibilidade se atentarmos que o arguido, invocando desentendimento com a mãe da vítima, estando casado com aquela, pediu à jovem enteada que o deixasse pernoitar na sua casa, ao que acedeu, e depois de uma discussão entre ambos, a que não era alheio o consumo de drogas pelo arguido, agrediu a jovem e apesar de implorar “não me faças mal“, a dada altura -entre as 5h50 e 6H10m, do dia 17 de Janeiro de 2006, apertou-lhe o pescoço, de forma violenta e continuada, causando-lhe lesões corporais determinantes da morte por asfixia mecânica, vulgo “esganadura“.

Sentindo-a desfalecida, estendida no chão, admitindo como possível que estivesse morta e conformando-se com esse resultado, depois de lavar as mãos na casa de banho, abandonou a residência da infeliz BB.

Situado, em termos de intenção criminosa, no escalão inferior do dolo, da intenção criminosa, nem por isso deixa de ser altamente reprovável, eticamente censurável, o seu procedimento, não só pelo resultado, traduzido na supressão do direito fundamental da vida, colocado no topo da pirâmide dos direitos de personalidade, como ainda pela profunda indiferença pela vida humana ao não recuar ante os apelos da vítima no sentido de que lhe não fizesse mal, não funcionando o facto de aquela ser uma jovem rapariga, de 22 anos, naturalmente indefesa, a que acresce o facto de ser sua enteada, como contramotivação ética na supressão da sua vida e que, norteada pelo espírito de ajuda, acedendo a recebê-lo na sua casa, pagaria com a supressão do valor irrepetível da vida as consequências de um gesto violento, cruel e brutal, como é a esganadura.»
5. Noutra situação, apreciada no acórdão de 11 de outubro de 2012, proferido no processo n.º 289/10.7JAPTM.E1.S1, a pena de prisão aplicada pela prática de um crime de homicídio, com dolo eventual, foi reduzida de 13 para 12 anos, com a seguinte argumentação:

«No capítulo da culpa, o crime foi doloso, mas o dolo revestiu a modalidade menos intensa, visto ser caracterizado, a partir da factualidade provada, como eventual. Neste contexto, são bastante elevadas as exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade sentida pela comunidade de reprimir este tipo de criminalidade violenta em que há um ostensivo desprezo pelo valor mais fundamental de todos – o bem supremo que a vida representa. Dir-se-ia que tais exigências balizam uma submoldura de prevenção cujo mínimo se situa nos 10 anos de prisão – limite abaixo do qual seriam defraudadas as expectativas comunitárias – e cujo máximo se poderia situar nos 14 anos de prisão – o ponto óptimo postulado pela tutela dos bens jurídicos. 

X - Há, no entanto, que fazer relevar outras circunstâncias, algumas de carácter atenuativo e, especialmente, dar consistência ao factor da prevenção especial positiva ou de socialização. Neste ponto, há que salientar a provocação feita pela própria vítima. Esta, depois de ter embatido com o seu carro no do irmão do arguido, ao efectuar a manobra de estacionamento, sem, contudo provocar danos, o que deu azo a uma troca de palavras entre eles, exibiu, já dentro do bar, uma navalha ao arguido, com isso motivando que a funcionária do estabelecimento lhe solicitasse que abandonasse o local. A vítima regressou mais tarde e voltou a embater com o seu no carro do irmão do arguido, que abordou aquela, envolvendo-se ambos em discussão, no decurso da qual a vítima disse àquele: “Vê lá se queres que te bata com a cabeça na carrinha, para veres onde eu bati no carro”. 

XI - Ora, é indiscutível que este comportamento da vítima, primeiro exibindo uma navalha, o que parece conter uma ameaça, embora não explicitada por palavras, e depois voltando, mais tarde, ao local, fazendo-o de forma a embater de novo no carro do irmão do arguido e recalcitrando na discussão com uma frase hostil, é de classificar como provocatório e susceptível de desencadear uma reacção agressiva, sempre de censurar, ao menos em princípio, se caísse no domínio do ilícito. Porém, com a carga de brutalidade que acabou por despoletar e com a natureza que revestiu, afastando-se da causa que lhe subjazia, a provocação não tem um efeito atenuativo especial sobre a ilicitude ou a culpa, mas tem um efeito sensível sobre aquelas e tem de ser levada à conta de atenuante geral. 

XII - Por outro lado, o arguido tinha apenas 22 anos de idade ao tempo dos factos e esta circunstância também há-de ter relevo ao nível da determinação concreta da pena, se bem que não seja delinquente primário, contando com condenações por condução de veículo sem habilitação legal, condução em estado de embriaguez, crime de dano, crime de ofensa à integridade física, crimes de injúria e ameaça agravadas, tendo sempre sido punido com penas de multa. 

XIII - Acresce que será de levar em conta o circunstancialismo sócio-económico, familiar e laboral, constante dos factos provados – circunstancialismo que coloca o arguido numa posição de certo desfavorecimento social e cultural e com notas positivas do ponto de vista do relacionamento afectivo com a companheira e um filho de tenra idade. De salientar, ao nível da prevenção especial, a sua tendência para o consumo desadequado de bebidas alcoólicas, pelo menos em certos contextos, e a tendência para o recurso à violência que tal propiciava, bem como a reduzida capacidade crítica em relação às repercussões dos seus actos em terceiros, tendendo a desvalorizar as regras sociais e jurídicas. 

XIV - No entanto, e contrabalançando esses factores, será de acentuar o seu comportamento no meio prisional, sendo o mesmo adequado e revelando colaboração nas tarefas propostas, demonstrando, para além disso, boa capacidade de comunicação no relacionamento interpessoal. Tendo em conta todo o contexto acabado de referir, parece-nos que a pena aplicada, de 13 anos de prisão, peca por algum excesso. O tribunal a quo não valorizou algumas das circunstâncias referidas e desvalorizou outras, parecendo-nos que a pena mais adequada será a de 12 anos de prisão – pena essa já bastante acentuada no quadro do homicídio simples, cometido com dolo eventual. »
6. No acórdão de 11 de dezembro de 2012, proferido no processo n.º 951/07.1GBMTJ-E1.S2, a pena de 12 anos e 6 meses, aplicada pelo tribunal do júri e confirmada pelo tribunal da relação, foi, em recurso, reduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça para 11 onze anos, com a seguinte fundamentação:

«VIII - No caso em apreço, atenta a matéria de facto relativa à intenção de matar que se mostra fixada, configura-se o dolo eventual. De facto, face à comprovada conduta de agressão e representação dos seus resultados, maxime, a morte do agredido, e a conformação com o mesmo, a conduta dos co-arguidos, incluído o recorrente, integra a prática, não de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, mas de um crime de homicídio.

IX - Para efeitos de determinação da medida da pena importa considerar os seguintes aspectos:

- as exigências de prevenção geral são muito elevadas, já que a conduta do recorrente (e dos demais arguidos) atingiu um bem jurídico essencial à vida em comunidade (a vida humana;

- o grau de ilicitude dos factos é muito elevado, que se afere a partir da concreta situação da vítima e dos padecimentos por ela sofridos imediatamente antes da morte (a vítima deparou-se com 4 indivíduos, que o espancaram, com violência, até à morte, utilizando objectos de natureza contundente);

- o grau de violação dos deveres impostos aos arguidos é, de igual modo, muito elevado, tendo em conta, por um lado, a sua situação económica, social e cultural (acima da média), e, por outro lado, a existência de um plano prévio para a execução dos factos, a pluralidade dos executantes, e o apetrechamento com objectos tendentes a tomar a acção eficaz;

- o dolo, na modalidade de dolo eventual, que consubstancia a forma menos intensa de dolo;

- os sentimentos manifestados com a prática do crime e os fins ou motivos que o determinaram, sendo que os arguidos (entre eles o ora recorrente) pretendiam «apanhar» o autor dos furtos que haviam ocorrido em determinada residência, não podendo os tribunais deixar de censurar, com severidade, tais condutas, no fundo reconduzíveis ao exercício de uma justiça privada, totalmente inaceitável e socialmente muito perigosa;

- a ausência de antecedentes criminais por parte do recorrente;

- a sua conduta posterior à prática dos factos, procurando iludir e dificultar a acção da justiça e ocultar a sua participação nos factos, deslocando e abandonando o corpo da vítima longe do local onde os factos foram cometidos, com vista a tentar evitar a perseguição criminal.

X - A medida da pena será de avaliar com referência ao tipo de crime anterior, ao que se preencheria não fosse o dolo eventual, no caso, o crime p. p. pelos arts. 147.º e 144.º do CP, cuja penalidade é de 2 anos e 8 meses de prisão a 13 anos e 4 meses de prisão. Nesta perspectiva, importará fazer uma aproximação e considerando que a pena aplicada está próxima do máximo para crime imediatamente menos grave, há que proceder a intervenção correctiva. Ponderando todos os elementos já focados na decisão recorrida, importa reduzir a medida da pena, fixando-a em 11 anos de prisão [em substituição da pena de 12 anos e 6 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância e mantida pelo Tribunal da Relação].»
7. Em dois destes 3 casos foi confirmada ou aplicada, depois de reduzida a imposta pelas instâncias, a pena de 12 anos de prisão e no outro caso foi também reduzida a pena, especificamente quanto ao homicídio, fixando-a em 11 anos, por dever «ter em consideração que o arguido ora recorrente agiu com dolo eventual, o que deverá ter reflexo na pena a fixar».

Na determinação da pena que em concreto aplicou, a decisão recorrida apreciou as circunstâncias do ilícito e a personalidade da arguida, bem como outros fatores constantes dos factos provados, em termos ponderados e no respeito pelos critérios legais, relativos à culpa e à prevenção, tendo fixado uma medida que se mostra equilibrada e em consonância com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente com o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de abril de 2008 e de 11 de outubro de 2012, antes referenciados.

A recorrente considera que não foi dado o devido realce às circunstâncias provadas que vivenciou, com uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, em particular a sua impreparação para adotar comportamentos ajustados.

No entanto, esse facto foi tido em atenção, como mitigador da responsabilidade da recorrente, quando o acórdão recorrido afirma que deve «levar-se em linha de conta a impreparação da arguida para adoptar comportamentos ajustados, em virtude da falta de aquisição de competência pessoais essenciais no seu passado próximo e distante» e foi depois de «consideradas todas estas variáveis», que foi fixada a pena concreta de 12 anos de prisão.

A recorrente insurge-se contra a decisão, observando ter sido penalizada por uma excessiva valoração dos elementos negativos da sua conduta. O que se verifica, analisando a matéria de facto dada como provada e a ponderação efetuada pelo tribunal na decisão proferida, é que os fatores negativos se sobrepõem objetivamente e em larga medida aos que a favorecem, estes limitados à menor intensidade da sua culpa, por ter agido com dolo eventual, e à atenuante geral recortada da «impreparação da recorrente para adoptar comportamentos ajustados», ambos atendidos na medida da pena.

Contra a recorrente, foi tido em conta, como assinalam o Senhor Procurador-Geral Adjunto e a Assistente, «a elevadíssima ilicitude dos factos», as «consequências das acções praticadas», os «antecedentes criminais», as «exigências de prevenção geral, de dimensão significativa, (…) e especial, a (…) necessidade de censura (…) atendendo à incapacidade para gerar respostas socialmente adequadas 8…)», e o grau de culpa, «de média dimensão».

Para além disso, «há mais de 5 anos que se encontra desempregada e sem qualquer ocupação estruturada» (facto NN), «o consumo de álcool lhe agrava alguns dos problemas da sua vida» (facto RR), bem como «[a]presenta elevado factor de risco quando vivencia ambientes de tensão relacional», respondendo «impulsivamente, adoptando respostas reativas preponderantemente agressivas face ao conflito» (facto vv), que constituem fatores de impacto na prevenção especial a ter em atenção.

A medida concreta da pena de 12 (doze) anos de prisão, fixada no ponto médio entre os limites mínimo e máximo previsto na norma para o tipo de homicídio, p. e p pelo artigo 131.º do CPP, satisfaz os critérios legais da determinação da medida da pena e mostra-se adequada, respeitando, sem os ultrapassar, os limites da culpa da recorrente.

Improcede, assim, o recurso interposto.

III. Decisão

Termos em que acordam na 3.ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:
i. Julgar improcedente o recurso interposto por AA, e confirmar o acórdão recorrido;
ii. Condenar a recorrente em custas, fixando em 5 unidades de conta (UCs) a taxa de justiça (artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.os 1 a 3, 514.º, n.º 1, todos do CPP, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e publicado como seu Anexo III, objeto de retificação e alterações posteriores, nomeadamente pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro).

*

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de outubro de 2015

(Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Manuel Augusto de Matos

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[1]     Exceto a relativa ao pedido de indemnização civil (alíneas DD a KK), por não relevar. Maiúsculas, itálicos e sublinhados como no original.
[2]   Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, acessível, tal como qualquer outro mencionado no texto sem individualização de fonte, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.
[3] Acórdão de 14 de março de 2013, processo n.º 341/08.9GAMTA.L2.S1.
[4] Acórdãos de 14 de maio de 2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª, e de 11 de dezembro de 2012, processo n.º 951/07.1GBMTJ.E1.S2.