Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
889/14.6GBLLE.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO PENAL
CRIME CONTINUADO
ROUBO QUALIFICADO
SEQUESTRO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ILICITUDE
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
Data do Acordão: 05/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
DIREITO PENAL – FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
Doutrina:
-Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Giuffrè Editore, 1997, p. 509 e ss.;
-Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 1044;
-Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosh, Barcelona, 1981, p. 993 e ss. e p. 1024;
-J. Antón Oneca, Delito Continuado, N.E.J., 1954, p. 448;
-J.M. Rodriguez Devesa, Derecho Penal Español, parte general, Madrid, 1976, p. 728;
-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime; Editorial Noticias, 1993, p. 276 e ss.;
-Maria T. Castañeira, El Delito Continuado, Bosch, 1977, p. 16;
Legislação Comunitária:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 410.º;
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 20.º N.º 2, 40.º, 72.º N.º 1 E 77.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 04-01-2006, IN CJ STJ; ANO XIV; TOMO I, 2006, P.157;
- DE 27-04-2006, PROCESSO N.º 06P277,IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 06P3379;
- DE 15-02-2007, PROCESSO N.º 06P4456, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 27-01-2016, RELATOR SANTOS CABRAL;
- DE 17-03-2016, RELATOR ARMINDO MONTEIRO;
- DE 05-04-2017, RELATOR RAUL BORGES;
- DE 19-04-2017, PROCESSO N.º 261/10.JALRA.E2.S1.
Sumário :
I - O crime continuado caracteriza-se por uma ou mais acções ou omissões separadas por um certo tempo que, não obstante integrar cada uma delas por separado a mesma figura fundamental de delito, se valeram como um só em razão à homogeneidade dos seus elementos ou porque está formado por vários actos cada um dos quais, estimado isoladamente, reúne todas as características de um delito consumado ou tentado, mas que se qualificam globalmente como se constituíssem um só delito.
II - Verifica-se uma impossibilidade de integrar na figura de continuação criminosa condutas que lesem e ofendam bens jurídicos eminente pessoais, como é o caso da liberdade pessoal inerente à individualidade de pessoa.
III - O arguido com as condutas narradas e descritas na factualidade provada, que nortearam a sua condenação pela prática de 2 crimes de roubo qualificado, um crime de roubo qualificado, na forma tentada e um crime de sequestro, evidencia que tomou diversas resoluções criminosas do mesmo passo que em cada das acções criminosas que conduziu lesou bens jurídicos que se inerem a individualidade da pessoa ou ser humano, pelo que, não é possível integrar tal actuação na figura do crime continuado.
IV - Para que o arguido/agente possa beneficiar da benesse instituída no art. 77.º do CP, impõe-se que: (a) pratique diversos - mais do que um - crimes; (b) que esses crimes tenham sido praticados antes de ser condenado por qualquer um deles; (c) que a condenação por qualquer dos crimes cometidos não tenha obtido sentença firme.
V - A lei prescreve que na formação da pena unitária, se atenda aos factos (antijurídicos e criminalmente puníveis) e à personalidade do agente.
VI - Não se mostra desconforme a pena única de 9 anos de prisão aplicada em 1.ª instância, perante um cúmulo jurídico em que estão em causa condenações do arguido pela prática de 3 crimes de roubo qualificado, um deles na forma tentada, 1 crime de sequestro e 2 crimes de detenção de arma proibida, com uma moldura abstracta de concurso entre 4 anos e 6 meses e os 16 anos e 6 meses de prisão, ponderando que: os crimes foram praticados num período temporal que mediou entre Novembro de 2014 e Dezembro de 2014; o arguido agiu em conjugação de vontades e esforços com mais indivíduos; agiu com expressiva, desapiedada e contundente violência sobre as pessoas que usurpou de bens - utilizando uma caçadeira de canos serrados; agredindo as vítimas com socos, pontapés e à coronhada; sequestrando um individuo na bagageira do automóvel; constrangendo uma pessoa a conduzi-lo, sob ameaça de arma de fogo, a uma caixa multibanco para retirada de numerário; era detentor de arma de fogo não legalizada; era detentor de substâncias psicotrópicas e no plano estritamente pessoal, não possuía emprego constante, era consumidor de be­bidas alcoólicas (que agiriam em substituição de outros produtos estupefacientes de que se abstivera); sendo o modo de realização das acções típicas evidenciador de uma personalidade desfasada e incruenta.

Decisão Texto Integral:


I. Relatório

1. Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o Ministério Público acusou: AA, [...], e actualmente em prisão preventiva; BB, [...]; CC, [...], e actualmente recluso em cumprimento de pena; DD [...]

Imputando a AA:

No âmbito do NUIPC 889/14.6GBLLE, a prática em co-autoria material de 3 crimes de roubo, previstos e punidos pelos arts. 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), ambos do Código Penal, de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), todos do Código Penal, de dois crimes de sequestro, previsto e punido pelo art.º 158.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.  86.º, n.º1, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;

por referência ao NUIPC 933/14.7GBLLE a prática em co-autoria material de um crime de crime de roubo, previsto e punido pelos arts. 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), ambos do Código Penal; a prática, como autor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelo art.º 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º  86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;

por referência ao NUIPC 1080/14.7GBLLE, a prática, como co-autor material, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art. 143.º, n.º1, do Código Penal, de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo art.º  86.º, n.º1, al. c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Imputando a BB, a prática em autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º1, al. c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;

Imputando a CC a prática, em autoria material, de dois crimes de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 25.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

Imputando a DD, como autor material, a prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Já ao arguido EE foi imputada a prática, como co-autor material e como reincidente, 3 crimes de roubo, p. e p. pelos arts. 75.º, n.º 1, 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), ambos do Código Penal, de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 75.º, n.º 1, 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), todos do Código Penal, de dois crimes de sequestro, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1 e 158.º, n.º 1, do C. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 86.º, n.º1, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (NUIPC 889/14.6GBLLE), a prática, em co-autoria material e como reincidente, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 75.º, n.º 1, 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º f), ambos do Código Penal, a prática, como autor material da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (NUIPC 933/14.7GBLLE) e a prática, como  co-autor material e reincidente,  de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 86.º, n.º1, al. c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 86.º, n.º1, al. d), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (NUIPC 1080/14.7GBLLE).

2. FFdeduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos AA, EE e ainda contra um outro indivíduo, cuja identificação ainda não foi possível apurar, peticionando a sua condenação no pagamento de €2.000, 00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido (sendo que, não obstante admitido o pedido, o Tribunal apenas poderá conhecer do deduzido contra os arguidos e não contra qualquer terceiro não identificado, o que decorre do próprio princípio da adesão – art.º 71º do Código de Processo Penal).

II deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos AA, EE e ainda contra um outro indivíduo, cuja identificação ainda não foi possível apurar, peticionando a sua condenação no pagamento de €370,00 (trezentos e setenta euros), a título de danos patrimoniais, e de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido (sendo que, não obstante admitido o pedido, o Tribunal apenas poderá conhecer do deduzido contra os arguidos e não contra qualquer terceiro não identificado, o que decorre do próprio princípio da adesão- art.º 71º do Código de Processo Penal).

HH deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos AA e EE, peticionando a sua condenação numa indemnização no valor de €5.000 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Realizada a audiência, foi proferida decisão – cfr. fls.  – em que foi decidido, quanto à parte interessante para o recurso:

I. Absolver o arguido DD da prática, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º1, al. d) da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro;

II. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, um crime de sequestro; (autos principais);

III. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art.º 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), ambos do Código Penal; (apenso 933/12.7GLLE);

IV. Absolver o arguido AA da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (apenso 933/12.7GLLE);

V. Absolver o arguido AA da prática, de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelo art.º 86º, n.º1, al. c) da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro; (NUIPC 933/14.7GBBLE)

VI. Homologar a desistência de queixa apresentada pelos factos consubstanciadores de um crime de ofensa à integridade física simples e declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido AA por desistência de queixa; (NUIPC 1080/14.7GBLLE)

VII. Absolver o arguido AA da prática de um crime de ameaça agravada e convolando a alteração da qualificação jurídica desse ilícito para um crime de ameaça simples, e declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido AA por desistência de queixa; (NUIPC 1080/14.7GBLLE)

VIII. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º1, al. c) da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro; (NUIPC 1080/14.7GBLLE)

IX. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86º, n.º1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro; (NUIPC 1080/14.7GBLLE);

X. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art.º 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; (autos principais)

XI. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art.º 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), mas condená-lo pela prática de crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f) e n.º4, ambos do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; (autos principais)

XII. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art.º 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão; (autos principais)

XIII. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22º, 23º, 75º, 210º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), todos  do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)

XIV. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de sequestro, previsto e punido pelo art.º 158º, n.º1 do Código Penal, todos  do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; (autos principais)

XV. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)

XVI. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)
XVII. Operar o cúmulo jurídico das penas a que o arguido AA foi condenado e condená-lo na pena única de 9 anos de prisão;

XVIII: Absolver a arguida BB da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro;

IX. Absolver a arguida BB da prática de um crime de tráfico de menor gravidade mas procedendo à alteração da qualificação jurídica, condená-la pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º  40º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de 3 meses de prisão;

XX. Condenar a arguida BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al.c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 15 meses de prisão;
XXI. Operar o cúmulo jurídico das penas a que a arguida BB foi condenada e condená-la na pena única de 16 meses de prisão;
XXII. Decretar a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 16 meses, sujeita a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP;

XXIII. Absolver o arguido CC da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro;

XXVI. Absolver o arguido CC da prática de um crime de tráfico de menor gravidade mas procedendo à alteração da qualificação jurídica, condená-lo pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º  40º, n.º2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de 5 meses de prisão;

XXV. Condenar o arguido CC pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.º 86º, n.º1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 10 meses de prisão;
XXVI. Operar o cúmulo jurídico das penas a que o arguido CC foi condenado e condená-lo na pena única de 12 meses de prisão;

XXVII. Declarar procedente o pedido de indemnização civil deduzido por FF contra o arguido AA, condenando-o no pagamento de €2.000 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora legais de 4%, desde a data desta decisão e até integral pagamento;

XXVIII. Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por II contra o arguido AA, condenando-o no pagamento de €344, (trezentos e quarenta e quatro euros) a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora legais de 4%, vencidos e vincendos, e de €2.000 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora legais de 4% desde a data desta decisão e até integral pagamento, improcedendo o demais peticionado;

XXIX. Declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por HH contra o arguido AA, condenando-o no pagamento de €3.000 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora legais de 4%, desde a data desta decisão e até integral pagamento, improcedendo o demais peticionado.”

Do julgado recorre o arguido AA, dessumindo a respectiva fundamentação com epitome conclusivo que a seguir queda transcrito.

I.a). – Quadro Conclusivo.

1. O ora recorrente não se conforma com a medida da pena de 9 de prisão a que foi condenado porquanto o tribunal “a quo” não ponderou a imputabilidade diminuída do arguido.
2. Pois resulta dos factos provados n.º 63.º e 64.º que o consumo do álcool tem afectação no seu discernimento.
3. E que o arguido não se colocou nesta situação para perpetrar os actos ilícitos.
4. Nos termos do artigo 72º n.º 1 do CP o Tribunal atenua especialmente a pena onde existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, conforme ensina o acórdão do STJ de 26/09/2007 proferido no processo 07P2429 do Relator Santos Cabral.
5. Foi violado o artigo 72º n.º 1 do CP.
6. Nos termos do artigo 410.º do CPP, o Tribunal devia de ter interpretado o estatuído no artigo 20.º n.º 2 do CP, no sentido de que a imputabilidade atenuada determina a atenuação especial da pena nos termos do art.º 72.º do CP.
7. O Tribunal violou o artigo 40.º do CP que estipula que a aplicação de penas e de medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
8. As penas têm de ser absolutamente justas em função da culpa.
9. Culpa essa que no caso concreto não foi ponderada face aos factos de o arguido ser um jovem de 27 anos, que à data da prática dos factos tinha 25 anos de idade.
10. Que é oriundo de uma família destruturada e muito pobre, que abandonou a escola muito cedo e que apenas tem a 4.ª classe de escolaridade.
11. Que tem uma filha menor de idade, que precisa do pai.
12. Que à data da sua detenção exercia a actividade de jardineiro.
13.Que mantém um comportamento adequado no Estabelecimento Prisional.
14. E que descobriu recentemente que é portador de hepatite C, o que lhe causa um elevado mal-estar, náuseas, vómitos, cansaço extremo e dor abdominal.
15. Por outro lado, a medida da pena terá sempre que também ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo.
16. Não podendo assim a pena ultrapassar a medida da culpa, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, ou seja, a aplicação de penas visa, sobretudo, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
17. A finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, prevenção geral positiva de integração, veja-se a este propósito o artigo 18.º da nossa Constituição.
18. Pelo que, consideramos que o tribunal “a quo” não teve em consideração o supra mencionado artigo do nosso Código Penal, relativamente à determinação da medida da pena de prisão aplicada.
19. Importa considerar que também está em causa na determinação da pena os princípios orientadores dos fins das penas.
20. Salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” violou esses mesmos princípios orientadores da teoria dos fins das penas.
21. No caso dos autos, as medidas da pena aplicadas são manifestamente elevadas.

22. Como supra se referiu deveria ter sido equacionado o artigo 40.º do C.P. sobre os fins das penas, a não aplicação daquele dispositivo legal provoca um erro de determinação da pena aplicável in casu, devendo ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e optar-se pela aplicação ao ora recorrente de uma pena educacional e ressocializadora, nunca superior a 5 anos.”

O agente do Ministério Público, na comarca de Faro, respondeu nos termos a seguir expostos (sic): “AA foi condenado na pena de nove anos de prisão pela prática de vários crimes cometidos com violência sobre pessoas.

Recorreu da decisão condenatória pondo apenas em causa a medida da pena aplicada.

Recorre da não aplicação da atenuação especial do artigo 72º do Código Penal que resulta da consideração da imputabilidade diminuída do arguido.

O douto acórdão recorrido não considerou qualquer imputabilidade diminuída) apenas fez referência sob 63º e 64º dos factos provados ao «consumo excessivo do álcool» e a «lacunas nas suas competências pessoais e sociais» e a «fragilidades emocionais/psicológicas» .

Não é referido qualquer facto ou tirada qualquer conclusão que aponte no sentido de haver alguma questão que se coloque com a imputabilidade do arguido. Não foi posto em causa que este tenha capacidade de entender o sentido ético das coisas e de se determinar em função dessa avaliação.

Nem é entendido provado que tenha praticado algum dos atos de violência que levaram a que fosse condenado sob o efeito do álcool.

Em relação à determinação da medida da pena o recorrente invoca a unicidade das condutas criminosas que praticou que deveria atenuar a medida da culpa.

A doutrina do "crime continuado" implica que haja circunstâncias que diminuíam a culpa do agente. Não é o caso. Não é por se cometer um maior número de crimes violentos contra pessoas que a culpa do arguido resulta diminuída.

Alega também o recorrente que a finalidade primária da pena é a prevenção geral positiva de integração, não podendo a pena ultrapassar o limite da culpa que no caso impõe não poder ser superior a cinco anos de prisão.

No entanto as penas parcelares aplicadas pelos vários crimes de roubo e sequestro não permitem aplicar uma pena tão reduzida.

Em conclusão:

O douto acórdão recorrido não refere a imputabilidade diminuída do arguido nem que ele tenha praticado os crimes sob o efeito do álcool, limita-se a referir para efeito da medida da pena o facto de o arguido fazer um consumo excessivo do álcool, não necessariamente na altura da prática dos crimes, pelo que não se vê razão para atenuação especial da pena.

O facto de o arguido cometer num período de tempo relativamente curto diversos crimes violentos não corresponde a uma unicidade da conduta mas a uma pluralidade. Não há qualquer motivo para considerar que haja circunstâncias externas ao arguido que diminuam a culpa pelo que não se vê razões para invocar a doutrina do "crime continuado".

O arguido foi condenado em 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de roubo, na pena de 3 anos e 9 meses pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão por um crime de sequestro e em duas penas de 2 anos de prisão pela prática de crimes de detenção de arma proibida.

A pena de 5 anos de prisão proposta no recurso não seria suficiente para realizar as finalidades de prevenção,

Pelo que o douto Acórdão recorrido deve ser mantido nos seus termos (…)”.

O Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu o parecer que queda transcrito, na íntegra.

1. AA foi julgado – com outros coarguidos – pelo Tribunal Coletivo da Instância Central Criminal, Secção ..., do Tribunal da comarca de ... que, por Acórdão de 21.12.2016, o condenou nos seguintes termos:

“Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; (autos principais)

Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão; (autos principais)

Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de roubo qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22º, 23º, 75º, 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)

Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de sequestro, previsto e punido pelo art. 158º, nº l do Código Penal, todos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; (autos principais)

Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art. 86º, nº 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)

Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art. 86°, nº 1, al. c) da Lei n° 5/2006, de 23 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão; (autos principais)

Operar o cúmulo jurídico das penas a que o arguido AA foi condenado e condená-lo na pena única de 9 anos de prisão;”.

2. Irresignado, recorreu, per saltum, para este Venerando Tribunal, em tempo e com legitimidade. Tempestiva e com legitimidade se apresentou, também, a resposta do MP.

O recurso foi admitido com efeito e modo de subida devidos (fls. 1623).

3. Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito – cfr. art. 412º, nºs 1 e 2 do CPP (Ac. do STJ, de Fixação de Jurisprudência, nº 7/95, de 16.10.1995, in DR, 1ª Série, de 28.12.1995).

3.1. O recorrente levou às conclusões de recurso as seguintes questões:

→ a pena única de 9 anos de prisão que lhe foi aplicada mostra-se exagerada, desadequada e desproporcional, porquanto o tribunal recorrido deveria ter concluído pela imputabilidade reduzida do arguido, considerando os factos provados sob os nºs 63 e 64.

→ A culpa e a ilicitude dos factos mostram-se, assim, fortemente diminuídos pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 40º e 72º, nº 1, do CP.

→ O Tribunal não considerou devidamente as circunstâncias atenuativas provadas, que devem também fazer diminuir a medida da pena aplicada. 

→ A medida concreta da pena a aplicar, para satisfazer as necessidades de prevenção especial, educacional e ressocializadora, não deve ser superior a 5 anos.

3.2. O MP respondeu, pugnando pela manutenção do julgado, que não merece censura.

4 – Cumpre agora, emitir parecer.

4.1. Questão da imputabilidade diminuída.

4.1.1. Acompanhando a resposta do MP que, com a devida vénia, aqui damos por reproduzida, importa convocar o disposto no art. 40º, nº 2, do CP como “pano de fundo” da decisão sobre a imputabilidade do recorrente. Dispõe o referido preceito que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. O grau de culpa surge, pois, no nosso sistema penal, como um limite intransponível à medida e escolha da pena concreta a aplicar.

Como se escreveu no Ac. do STJ, de 30.03.2017, proc. 199/15.1PEOER.L1.S1:

“(…) A culpa analisar-se-á então, sob a forma de dolo ou de negligência (art. 13º do CP), num atributo do agente quando agiu como agiu ou por ser como é, que provoca um juízo de censura alheio. A culpa “não será’ rigorosamente o juízo de censura, porque recai necessariamente sobre uma realidade que esta para além desse juízo, antes se analisa numa situação que despoleta como reação o juízo de censura.

Ora, a possibilidade de se ser objeto desse juízo de censura arrasta evidentemente a capacidade de culpa como o primeiro elemento sobre que esta se baseia. Só o facto (ou também a personalidade) assente numa “atitude interna juridicamente desaprovada” (a expressão e de Jescheck in “Tratado de Derecho Penal — Parte General”, Comares, 2002, pág. 465), pode ser censurado. “Unicamente quem alcançou uma determinada idade e não padeça de graves anomalias psíquicas possui o grau mínimo de capacidade de autodeterminação que é exigido pelo Ordenamento jurídico para a responsabilidade penal” (idem).

Pronunciando-se sobre a questão da (in)imputabilidade do agente, ensina o mesmo Aresto:

“O art. 20º do CP faz derivar a inimputabilidade, no seu nº 1, como se sabe, da dupla condição de o agente ser portador de anomalia psíquica, e ainda de, no momento da prática do facto, ser incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

Quanto àquela, que Figueiredo Dias apelida de “conexão biopsicológica” (in “Direito Penal, Parte Geral”, tomo 1, V edição, sobretudo pág. 574 e segs. que aqui seguiremos), entende-se que o conceito de anomalia psíquica é bem mais vasto do que o de “‘doença mental”, abrangendo “todo e qualquer transtorno ocorrido ao inteiro nível do psíquico, adquirido ou congénito”. Aí se incluem pois as chamadas psicopatias, enquanto “desvios de natureza psíquica relativamente ao «normal» que se não baseiem em uma «doença» ou «enfermidade corpórea», e que apresentam “peculiaridades do carácter devidas à própria disposição natural, e que afetam de forma sensível, a capacidade de levar uma vida social ou de comunicação normal”.

O autor que referimos acrescenta depois que a enorme extensão do campo das psicopatias e a ambiguidade, afinal, do conceito de normalidade, impõem uma “fortíssima restrição”. Esta realizar-se-á através da ideia de que temos que estar perante distúrbios “graves” ou “muito graves”, equiparáveis “nos seus efeitos sobre a decurso da vida psíquica, a verdadeiraspsicoses”. Nestas ultimas se incluem, consabidamente, por exemplo, a esquizofrenia ou a loucura maníaco-depressiva.

Quanto ao segundo elemento, apelidado de “conexão normativo-compreensiva”, entende-se que, se “a anomalia psíquica destrói as conexões reais e objectivas de sentido de actuação do agente, de tal modo que os actos deste podem porventura ser «explicados», mas não

podem ser «compreendidos» como factos de uma pessoa ou de uma personalidade”, então estar-se-á perante um inimputável.

Entendemos que, por um lado, o juízo de inimputabilidade não pode deixar de pressupor que o agente não pode agir de outra maneira na situação. É a nossa lei que claramente o impõe. Para ser considerado inimputável o agente tem que atuar como pessoa completamente não livre, do ponto de vista intelectivo, volitivo ou de ambos.

Ora, para se chegar a esta conclusão, ou a inversa, sempre teremos que recorrer a factos concludentes que uma experiencia empírica da vida nos revela. Aliás, este “senso comum” não pode deixar de ser valorado e transposto normativamente, porque é ele que subjaz e é generalizadamente aceite em todo o relacionamento social. A comunidade só funciona porque tem na base a possibilidade de responsabilização dos seus membros, de tal modo que a liberdade (enquanto poder agir de outra maneira), como característica do humano, deve ser pressuposto de toda a política social e portanto criminal, sem necessidade de prova científica ou demonstração filosófica.

Mas, por outro lado, e consequentemente, o comportamento do inimputável deve constituir, para o julgador, um desafio à compreensão. Compreensão que se mostrará impossibilitada quando se revela uma falta absoluta de sentido na atuação do agente, a falta de apreensão da conexão objetiva de sentido entre a pessoa e o seu facto” (ibidem).

Dir-se-ia, nesta linha de raciocínio, que perante uma personalidade “bad” se censura porque se entende. Face a uma personalidade “mad” a total incompreensibilidade da atuação do agente abre caminho à não censura.

O art. 20º citado, no seu nº 2, contempla as situações em que, havendo anomalia psíquica que tem que ser grave, não acidental e com efeitos que o agente não domina, mas sem que por isso possa ser censurado, o agente apresente uma capacidade de avaliação e determinação “sensivelmente diminuída” no momento da prática do facto. Assim, surge como postulado incontornável do legislador a possibilidade de quantificação das capacidades. Não se é, ou não é livre, quando se atua, ponto final. A lei pressupõe que o agente pode ser mais ou menos livre quando atua. (…)”.

4.1.2. Retomando o caso concreto, da leitura da factualidade provada relativa à alegada imputabilidade diminuída do recorrente, não resultam reunidos os requisitos de que a lei, art. 20º, nº 2, do CP, e da Jurisprudência deste STJ acabada de citar faz depender o reconhecimento da imputabilidade diminuída do arguido.

O facto 59º dá como provado que o recorrente “muito cedo se iniciou no consumo de estupefacientes – heroína -, efectuou três tentativas de tratamentos em vão e cerca do ano 2010 iniciou em meio livre novo tratamento, parecendo manter-se abstinente desde então”.

“No entanto, verifica-se em paralelo um aumento do consumo excessivo de “álcool” – facto 63.

“Manifesta lacuna nas suas competências pessoais e sociais, com fraco controlo e antevisão dos actos praticados, bem como notórias fragilidades emocionais/psicológicas que tendem a emergir em situação de stress” – facto 64.

Estes factos provados não excluem, de modo algum, os elementos do tipo subjectivo do ilícito, os elementos de culpa.

Não se surpreendem, na factualidade provada, quaisquer indícios ou elementos que permitam conceber um juízo de suspeita, muito menos de probabilidade ou certeza, sobre a inimputabilidade do recorrente.

Não ficou provado, nem se vislumbram indícios, na decisão recorrida, que o arguido não tinha capacidade para se motivar de acordo com a norma penal por si violada.

Escreve Figueiredo Dias, “Liberdade e Culpa – Direito Penal -, Coimbra Editora, pg, 65 e sgsts, que “A capacidade para se determinar (ou deixar motivar) pelo dever jurídico supõe – (…) – em concreto, a capacidade do agente de conhecer um tal dever jurídico (neste sentido, a «capacidade» para avaliar a ilicitude do facto») e a capacidade de determinar a sua vontade de acordo com um tal conhecimento (ou avaliação). Mas estes dois componentes serão, a tal luz, apenas partes não autónomas da total capacidade do agente para se motivar de acordo com a norma (…)”.

Não se capta na decisão recorrida quaisquer elementos ou factos que contrariem ou coloquem em causa esta capacidade do arguido para avaliar a ilicitude dos factos que praticou e a capacidade de determinar a sua vontade de acordo com tal consciência sobre a ilicitude dos mesmos. Aliás, ficou provado, na factualidade sob os nºs 46 e 47 que “O arguido sabia que não podia deter a arma de canos serrados por se tratar de uma arma modificada e absolutamente proibida.

O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes da supra referida

substância, bem sabendo que a sua detenção ou cedência a qualquer título também eram proibidas e punidas por lei penal”.

O arguido agiu consciente, livre e voluntariamente, sem que ficassem provados factos que lhe diminuam a culpa – dolo directo – com que actuou.

Não merece provimento, nesta parte, o recurso do arguido.

4.2. Igualmente lhe falece razão na sua pretensão de ver diminuída a pena única de 9 anos de prisão que lhe foi aplicada.

A moldura penal abstracta, tendo em consideração o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP, situa-se entre os 4 anos e 6 meses e os 11 anos e 6 meses de prisão.

A pena de 9 anos de prisão aplicada mostra-se adequada e proporcional aos factos criminosos praticados, ao elevado grau de culpa e de ilicitude, sopesadas que foram as circunstâncias atenuativas que militam a seu favor e as particulares exigências de prevenção geral e especial do tipo de criminalidade cometido pelo recorrente, que cria instabilidade social, temor e rejeição por parte da comunidade, com graves sequelas físicas e psicológicas para as vítimas dos crimes de roubo e sequestro.

5. Pelo exposto, emite-se Parecer no sentido do improvimento total do recurso interposto pelo arguido AA.”

I.b). – Questões a merecer apreciação no recurso.

Revisitada a argumentação expendida nas alegações de recurso, ressuma – de passagem – a questão da continuação criminosa e, essencialmente, a questão da razoabilidade/concernência na formação/composição da pena unitária/conjunta imposta ao arguido.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Vem adquirida, para a solução do recurso, a factualidade que a seguir queda transcrita.
 “1. No dia 6 de Novembro de 2014, em hora não concretamente apurada mas antes das 3:00 horas, o arguido AA e EE, abordaram GG e HH, na ..., apontaram-lhes uma espingarda caçadeira, com a coronha e canos serrados, e ordenaram-lhes que entrassem num automóvel modelo Audi 80, com a matrícula GX-....
2. Receosos pelas suas vidas e pela sua integridade física, GG e HH entraram no automóvel em questão, e foram transportados pelos suspeitos, contra a sua vontade, para um local ermo próximo do Canil Municipal de Loulé.
3. Nesse local, o arguido AA e EE retiraram os ofendidos da viatura e desferiram socos, pontapés, e pancadas com a coronha da arma de fogo, nomeadamente na zona do tronco, membros superiores e na cabeça.
4. Nessa ocasião, utilizando da violência física já descrita, o arguido AA e EE retiraram ao ofendido GG a carteira, contendo a sua carta de condução e o seu cartão de cidadão e cerca de €20,00 em numerário e ainda o telemóvel de marca Nokia, modelo C3, de valor não apurado, bem como as sapatilhas sapatos que o mesmo calçava, de marca Timberland, tudo de valor não concretamente apurado mas superior a € 102.
5. Do mesmo modo retiraram ao ofendido HH a roupa que o mesmo envergava, de valor não concretamente apurado mas inferior a € 102, e apropriaram-se desses objectos.
6. Após, apontaram a arma ao HH e ordenaram-lhe que entrasse novamente na viatura, o que o mesmo fez, receoso pela sua vida e pela sua integridade física, e agarraram no ofendido GG, fechando-o no interior da bagageira do automóvel.
7. De seguida, dirigiram-se no veículo em questão para a residência do HH, sita na Urbanização de ....
8. Nesse local, o arguido e EE saíram da viatura, e apontaram a caçadeira ao HH, dizendo-lhe que saísse do carro, que marcasse o código de entrada na porta do prédio em que residia, e que se deslocasse para o seu apartamento, o que aquele fez, acompanhado por aqueles, sempre com receio pela sua vida e pela sua saúde.
9. O arguido AA e EE entraram assim, juntamente com o HH, na habitação deste, onde se encontravam também a sua namorada FF e o filho desta, II.
10. Aí ameaçaram estes últimos com a arma que traziam, e exigiram que lhes entregassem dinheiro e objectos de valor, tendo II, receoso pela sua vida e pela sua integridade física, entregado o seu telemóvel, de marca Samsung, modelo Galaxy Fame, no valor de €144, ao arguido AA.
11. Uma vez que II e FF referiram que não tinham dinheiro, o arguido AA, apontando a caçadeira ao II, ordenou-lhe que pegasse no seu cartão multibanco e nas chaves do carro da sua mãe e os acompanhasse a uma caixa ATM para levantar dinheiro, o que aquele fez, com receio pela sua vida e pela sua saúde.
12. II transportou então, na viatura da sua mãe, o arguido AA para uma caixa multibanco sita na Avenida .., em Loulé, sendo seguido por EE e o terceiro indivíduo, na viatura Audi 80, e utilizando o seu cartão multibanco levantou € 200,00 da sua conta bancária, e entregou tal quantia ao arguido AA, que lhe disse que podia ir embora.
13. GG foi então retirado da bagageira do Audi e o arguido e demais indivíduos ausentaram-se do local.
14. O arguido, e EE, actuaram em comunhão de vontades e de esforços, com o propósito concretizado de, utilizando de violência física e de ameaças com arma de fogo, privarem GG e HH da sua liberdade, transportando-os consigo contra a sua vontade.
15. Actuaram ainda em comunhão de vontades e de esforços, com o propósito concretizado de, utilizando de violência física contra o seu corpo e a sua saúde, e de ameaças contra a sua vida, com recurso ao uso de uma arma de fogo, subtraírem a GG e HH os objectos já supra mencionados.
16. Do mesmo modo, actuaram ainda comunhão de vontades e de esforços, com o propósito concretizado de, utilizando de ameaças contra a sua vida e a sua integridade física, com recurso ao uso de uma arma de fogo, constrangerem II a entregar-lhes o seu telemóvel e a levantar e a entregar-lhes os mencionados € 200,00.
17. Actuaram ainda em conjugação de esforços e vontades, com o propósito de, utilizando de ameaças contra a sua vida e a sua integridade física, com recurso ao uso de uma arma de fogo, constrangerem a ofendida FF a entregar-lhes o dinheiro e os objectos de valor que tivesse na sua posse, o que só não lograram porque a mesma não dispunha consigo de dinheiro ou de objectos valiosos.
18. Actuaram igualmente com o propósito concretizado de utilizar uma arma de fogo na prática dos factos em causa, bem sabendo que não poderiam legitimamente utilizar tal arma uma vez que não eram detentores de qualquer licença ou autorização que lhes permitisse deter armas de fogo.
19. Em virtude destes factos HH ficou com feridas na região da face e costelas, tendo sido suturado na região supraciliar esquerda, tendo sofrido dores.
20. Em consequência dos factos FF vivenciou medo e inquietação, tendo temido pela sua vida, pela do seu companheiro e seu filho.
21. Após os factos, FF sentiu-se insegura e perturbada, quer quando estava na via pública quer quando permanecia no interior da sua residência.
22. A demandante sentiu medo, angústia, terror e tristeza como consequência dos factos contra si praticados bem como pelos factos praticados contra o seu filho e companheiro.
23. Em consequência dos factos II vivenciou medo e inquietação, tendo temido pela sua vida.
24. Após os factos, II sentiu-se inseguro e perturbado, quer quando estava na via pública quer quando permanecia no seu local de trabalho.
25. O demandante sentiu medo, angústia, terror e tristeza como consequência dos factos contra si praticados.
26. Na noite de 19 para 20 de Novembro de 2014, entre as 23:55 horas e as 00:05 horas, dois indivíduos de identidade não apurada, dirigiram-se ao Snack-Bar “...”, sito na Avenida Laginha Serafim, em Loulé, com o intuito previamente acordado entre ambos, de subtrair todo o dinheiro e demais valores que encontrassem no local, uma vez que se aproximava a hora do fecho do estabelecimento e o mesmo estaria sem clientes, tendo também acordado que, caso se mostrasse necessário, usariam da força física contra quem lá se encontrasse para alcançar o seu objectivo.
27. Um dos indivíduos empunhava uma faca e outro trazia consigo um objecto de características não apuradas mas cortante e traziam a cara coberta com passa-montanhas.
28. Assim, concretizando os seus intentos, os indivíduos entraram no supra identificado estabelecimento, tendo um deles entrado para trás do balcão e se dirigido para o local onde se encontrava a caixa registadora.
29. Porém, JJ barrou-lhe o caminho e agarrou-o para o impedir de aceder à dita caixa.
30. Todavia, o outro saltou por cima do balcão, dirigiu-se à caixa registadora e retirou a quantia de 300€ em notas que se encontravam junto da mesma. Acto contínuo, saltou novamente o balcão e pôs-se em fuga para o exterior.
31. Por sua vez, o indivíduo que tinha sido travado pelo JJ, ao aperceber-se da fuga do primeiro, exigiu que este o largasse, tendo de seguida desferido um golpe com um instrumento cortante no polegar da sua mão direita, tendo assim logrado que o mesmo o largasse, e colocando-se em fuga.
32. A quantia subtraída foi apropriada pelos indivíduos que a dividiram, de forma não apurada, entre si.
33. Como consequência directa e necessária do comportamento dos indivíduos, JJ sofreu dores no local atingido, onde apresentava uma ferida incisa no dorso do 1º dedo com 0,5 cms.
34. No dia 26 de Dezembro de 2014, entre as 15:30 horas e as 16:00 horas, LL dirigiu-se, na companhia do EE, à residência sita na Avenida..., onde residia o arguido DD
35. Momentos depois, compareceu no mesmo local o arguido AA, com quem LL se tinha desentendido.
36. O arguido AA e LL começaram a conversar e em determinado momento EE deu-lhe uma chapada na cabeça que o fez cair ao chão.
37. O arguido AA aproximou-se do LL e deferiu-lhe duas chapadas na face.
38. De seguida, o arguido AA, ao mesmo tempo que exibia uma faca, de características não concretamente apuradas mas com cerca de 30cm, disse-lhe, em tom sério: “esta é para ti”, e exibindo ainda um cabo castanho similar aos das armas de fogo, disse: “e esta é para o teu irmão”.
39. Como consequência do comportamento do arguido AA, LL sentiu dores nos locais atingidos e sentiu medo e inquietação, temendo pela sua integridade física.
40. O arguido AA e EE, actuaram com a intenção do molestar fisicamente o LL e bem assim, o arguido AA de lhe provocar medo e inquietação.
41. O arguido AA e EE não eram detentores de qualquer licença ou autorização que lhes permitisse deter armas.
42. No dia 27 de Janeiro de 2015, pelas 12:55 horas, o arguido AA, sem qualquer autorização, detinha no bolso das calças 10,54 gramas de haxixe (59 doses individuais), quantidade que destinava ao seu consumo pessoal e para um período de cerca de uma semana.
43. Detinha ainda, na residência que partilha com a sua irmã, a co-arguida BB, sita na Rua ... os seguintes objectos de sua pertença, que se encontravam no quarto onde pernoita:

a. Uma munição de calibre 5, 56 Nato de origem nacional, do lote 82-16;
b. Uma faca de mato com cerca de 14 cm de lâmina.
44. Na casa da sua namorada, MM, sita na Rua ..., o arguido AA detinha ainda uma arma de caça de calibre 12, de marca Armi Sabattim, de canos sobrepostos com o número 88472, com os canos e coronha serrados, com bandoleira artesanal;
45. O arguido não era detentor de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse deter as supra referidas armas e munições e bem sabia que a referida detenção, nessas condições, era proibida e punida por lei.
46. O arguido sabia que não podia deter a arma de canos serrados por se tratar de uma arma modificada e absolutamente proibida.
47. O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes da supra referida substância, bem sabendo que a sua detenção ou cedência a qualquer título também eram proibidas e punidas por lei penal.
48. No dia 27 de Janeiro de 2015, pelas 13:00 horas, na Rua Ataíde Nascimento, em Loulé, a arguida BB, tinha na sua posse 6,016 gr. de haxixe (33 doses individuais) e um revólver de calibre 5,6 com o n.º 10388 e 13 munições do mesmo calibre.
49. Por sua vez, nessa mesma data e local, o arguido CC tinha na sua posse, mais concretamente no bolso esquerdo das calças, três munições de calibre .22 LR (long rifle), com projéctil ogival em chumbo
50. Nesse mesmo dia, no interior da residência de BB e CC, mais concretamente no interior do quarto das suas filhas, encontravam-se duas munições de calibre 6,35, de projéctil ogival, e uma munição de calibre de guerra, 7,62x 56mm.
51. Na mesma habitação e no quarto onde os referidos arguidos dormiam, tinham também sua posse 28,63, gramas de haxixe (153 doses individuais).
52. Os arguidos BB e CC não eram detentores de qualquer licença ou autorização que lhes permitisse deter as supra referidas armas e munições e bem sabiam que a referida detenção, nessas condições, era proibida e punida por lei.
53. Por outro lado, os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes da supra referida substância, que destinavam ao seu consumo próprio e conjunto para um período de cerca de três semanas, bem sabendo que a sua detenção ou cedência a qualquer título também eram proibidas e punidas por lei penal.
54. Por sua vez, no dia 27 de Janeiro de 2015, pelas 17:40 horas, no interior da dispensa da casa onde DD residia com NN, sita na Rua ..., foram apreendidas oito munições de arma de fogo de calibre 12.
55. O arguido DD não era detentor de licença de uso e porte de arma de caça de calibre 12 e, como tal, bem sabia que a detenção das referidas munições, lhe estava vedada.
Das condições pessoais e anteriores condenações dos arguidos

Do arguido AA

56. O processo de socialização de AA, primeiro de uma fratria de 3 elementos, decorreu no seio do agregado familiar de origem.

57. Concluiu o 4.º ano de escolaridade, tendo abandonado os estudos durante o 2.º ciclo do ensino básico, após ultrapassagem do número de faltas permitidas por lei.

58. Encetou várias experiências laborais, mas nunca manteve uma actividade laboral continuada.

59. Muito cedo inicia-se no consumo de estupefacientes (heroína), tendo efectuado três tentativas de tratamento em comunidade terapêutica, tendo no entanto voltado a recair. Iniciou tratamento em meio livre cerca de 2010, parecendo manter-se abstinente desde então.

60. Após ter vivido com o pai, na sequência da ruptura da relação dos progenitores, iniciou um relacionamento com a actual companheira, da qual veio a nascer uma filha, sendo tal relacionamento pautado por alguma conflituosidade. 

61. À data da sua detenção exercia a actividade de jardineiro, ainda que mantendo uma actividade profissional irregular.

62. Mantinha acompanhamento pela ETET-Equipa Técnica Especializada de Tratamento, afirmando-se abstinente, o que foi corroborado por vários testes de despistagem.

63. No entanto, verificou-se em paralelo um aumento do consumo excessivo de álcool.

64. Manifesta lacunas nas suas competências pessoais e sociais, com fraco controlo e antevisão dos actos praticados, bem como notórias fragilidades emocionais/psicológicas que tendem a emergir em situação de stress.

65. Tem mantido no EP um comportamento adequado às normas em vigor, parecendo encarar a sua actual situação com algum distanciamento.

66. No âmbito do processo n.º 1404/11.9GELLE, por acórdão transitado em julgado no dia 19/9/2013, foi condenado por crime de detenção de arma ilegal e por dois crimes de ofensa à integridade física, agravados pelo art.º 86º, n.º3 e 4 do RJAM, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Da arguida BB

67. BB reside juntamente com as duas filhas, presentemente com 4 e 9 anos de idade, em casa arrendada, no valor de €300,00/mês sendo que, até à reclusão do co-arguido CC, seu companheiro, este residia com o agregado. 

68. O percurso de desenvolvimento da arguida, segunda de uma fratria de 3 elementos, decorreu associado a algumas disfuncionalidades inerentes ao assistir/vivenciar de recorrentes situações de conflito entre os progenitores, geradores de uma forte tensão relacional no agregado e que culminou com um processo de divórcio há cerca de 11 anos.

69. BB autonomizou-se ainda adolescente, passando a residir com o companheiro, pai da filha mais velha. A separação do casal ocorreu há cerca de 6 anos, após a condenação daquele a uma pena de prisão efectiva, altura em que a arguida encetou a união marital com CC, pai da sua filha mais nova.

70. O casal pese embora tenha mantido um normativo processo comunicacional atravessou um período de separação, coincidente com a época correspondente à alegada prática dos factos em apreço.

71. A arguida completou o 9º ano de escolaridade e tem vindo a integrar de forma esporádica e descontinuada o mercado de trabalho.

72. Face à situação de desemprego que atravessa BB aufere um valor mensal de €360,00 no âmbito do RSI, situação que motiva o expressar de alguns constrangimentos económicos.

73. Pese embora o percurso de desenvolvimento de BB não se encontre associado ao consumo de produtos alteradores de consciência, a sua imagem social encontra-se aliada a algumas reservas, face aos diferentes contactos com o sistema de justiça.

74. A arguida detém um leque vasto de amigos e conhecidos, alguns deles conotados com a prática de condutas associais e/ou envolvimento com o sistema de justiça.

75. Em contexto estruturado BB apresentou uma postura adequada, revelando um discurso fluído sem evidência de défices nas suas competências pessoais e sociais.

76. Conquanto a arguida revele uma adequada noção do interdito que está em causa no presente processo demarca-se da forma como os factos se encontram descritos, vivenciando o presente contacto com o sistema de justiça com um marcado sentimento de apreensão face à possibilidade de vir a ser condenada a uma pena privativa de liberdade.

77. No âmbito do processo nº 1460/11.0GBLLE, foi condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, pela prática de um crime de roubo datado de 17/11/2011, acórdão que transitou em julgado a 28/10/2015.

78. Do arguido CC

79. CC oriundo de uma família numerosa e disfuncional, desde cedo começou a evidenciar comportamentos desajustados em fases precoces do seu processo de desenvolvimento, inclusive o seu contexto familiar manteve acentuadas características de instabilidade estrutural, com comportamento de índole criminal de grande número dos elementos que o compõem, sendo várias as situações de condenações em penas de prisão.

80. No entanto, entre os irmãos mantém-se a ligação afectiva/ união e o forte sentimento de entreajuda.

81. Na altura dos factos, CC o arguido encontrava-se laboralmente activo, como servente de pedreiro.

82. Residia com a actual companheira, a co-arguida BB, e duas filhas num apartamento arrendado.

83. O grupo familiar subsistia e subsiste com dificuldades em termos económicos, com referência ao recurso a apoios diversos, designadamente institucionais e familiares, num contexto de contenção e priorização de despesas.

84. CC tem mais 5 filhos, com idades compreendidas entre os 19 e 14 anos, resultantes de dois relacionamentos diferentes, com os quais mantém contactos muito esporádicos.

85. O relacionamento familiar é avaliado como adequado, pese embora sejam referenciados períodos de conflitos conjugais significativos para a relação, situação que levou à separação do casal, por diversos períodos temporais.

86. A situação laboral de CC sempre foi de desemprego quase continuado e fraco empenho em procurar actividade profissional, desenvolvendo pontualmente actividade laboral na área da construção civil e agricultura, auferindo receitas incertas e variáveis. Não obstante e através do ETET de Olhão, CC esteve inserido no projecto Ser +, com vista a colocação laboral, sem sucesso.

87. CC reconhece deter um problema aditivo – alcoolismo - e admite tratamento adequado.

88. Neste contexto, o arguido iniciou tratamento na ETET de Olhão em Novembro de 2013, com recurso a internamento para desintoxicação e frequência de consultas, embora de forma irregular e com recidivas em termos aditivos.

89. Em Maio de 2015, CC reiniciou o acompanhamento no ETET de Olhão, com consultas mensais e com reuniões semanais – terapia de grupo -, tendo sido efectuadas diligências com vista ao seu internamento numa comunidade terapêutica, durante um período de 18 meses, para desabituação de consumo de álcool e haxixe, ao qual nunca aderiu.

90. Em termos de grupo de pares, o referencial de amigos e conhecidos do arguido são maioritariamente conotados com a prática de comportamentos desviantes, inclusive alguns são irmãos de CC, a residir na mesma localidade, com ligações ao sistema judicial penal.

91. Tem mantido em contexto prisional um comportamento isento de anomalias, beneficiando de visitas do seu agregado familiar de origem.

92. Por acórdão proferido em 7 de Junho de 1999, no âmbito do processo comum colectivo 75/99, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora foi condenado, pelo crime de roubo, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução, que veio a ser revogada.

93. Por acórdão proferido em 14 de Julho de 2000, no âmbito do processo comum colectivo 335/99, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora foi condenado, pelo crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, à qual foi perdoado 1 ano e o remanescente substituído por 360 dias de multa, vindo o perdão a ser revogado.

94. Por factos praticados em Abril de 1998, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 33/99, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pela prática de um crime de roubo, na pena de 16 meses de prisão, tendo sido perdoado 1 ano dessa pena e o remanescente convertido em 120 dias de multa, perdão que foi revogado.

95. Por sentença transitada em julgado em 25 de Setembro de 2001, no âmbito do processo comum singular n.º 303/98, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, foi condenado, pelo crime de ofensa à integridade física simples, na pena, de 180 dias de multa, pena que foi perdoada, vindo o perdão a ser revogado.

96. Por factos praticados em Outubro de 2000, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 194/01, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão.

97. Por factos praticados em Agosto de 2000, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 979/00.2PBEVR, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pela prática de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, vindo neste processo a ser realizado cúmulo jurídico onde o arguido foi condenado em 5 anos de prisão.

98. Por factos ocorridos em Março de 2002, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 29/02.4PTEVR, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pelos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, resistência e coacção sobre funcionário e condução sem habilitação legal, na pena de 5 anos de prisão.

99. Por factos ocorridos em Agosto de 1999, foi condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 1133/99.0PBEVR, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pelos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão.

100. Por factos ocorridos em 1999, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1333/99.2PBEVR, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pela prática de um crime de dano, um crime de furto e dois crimes de roubo, na pena de 4 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional até 8 de Julho de 2017.

101. Por factos ocorridos em Outubro de 2001, foi condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 972/04.6TAEVR, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão. Por acórdão transitado em julgado em 20 de Dezembro de 2006, foi condenado, nestes autos, em cúmulo jurídico, numa pena de 7 anos e 3 meses de prisão.

102. Por factos ocorridos em 10 de Julho de 2010, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 757/11.3GBLLE, da ...ª secção da Instância Central Criminal da Comarca de Faro – J1, por decisão transitada em julgado em 27 de Novembro de 2015, pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

103. No âmbito do processo n.º 1460/11.0GBLLE, foi condenado na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo praticado de 17/11/2011, acórdão que transitou em julgado a 28/10/2015.

Do arguido DD

104. Na actualidade, DD integra o agregado familiar de origem – que para além dos pais, engloba descendente com cerca de 4 anos de idade, sendo que exceptuando dois curtos períodos de tempo, decorrentes da vivência de relacionamentos maritais o arguido sempre coabitou com o núcleo familiar de origem.

105. A dinâmica familiar foi caracterizada como normativa em termos psico-afectivos e na actualidade focalizada no processo educativo do descendente do arguido, assumindo DD o exercício das responsabilidades parentais por deter uma situação sócio-económica mais optimizada que a progenitora do menor, a qual convive regularmente com o descendente.

106. Ao nível laboral, foi referido percurso regular/contínuo desde cerca dos 19 anos de idade e no sector da restauração, como empregado de mesa, tendo concluído  o 3º ciclo de escolaridade já quando se encontrava a trabalhar, pois que se iniciou na actividade laboral aos 16 anos. 

107. Demonstra motivação relativamente à sua situação laboral e/ou perspectivas consistentes no sentido de ser promovido, a curto prazo, a “chefe de sala”.

108. Demonstra, em abstracto, respeitar o sistema legal e atender ao bem jurídico em causa, enquadrando a situação jurídico-penal num contexto circunstancial.

109. Por factos ocorridos Setembro de 2005, foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º 1067/05.0GBLLE, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Loulé, pelo crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, já declarada extinta.

110. Por factos ocorridos em Outubro de 2007, foi condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 1510/07.4GTABF, do extinto ...º Juízo Criminal do Tribunal de Loulé, pelo crime de homicídio negligente, em acidente rodoviário, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, penas já declaradas extintas.

111. Por factos ocorridos 20 de Novembro de 2014, foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º 934/14.5GBLLE, da instância local de Loulé, secção criminal – ..., por decisão transitada em julgado em 6 de Janeiro de 2015, pelo crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

2. Factos Não Provados

Não se logrou provar que:
a) O indivíduo de identidade não apurada que acompanhava AA e EE na noite de 6 de Novembro de 2014, tivesse participado na abordagem a GG e HH e tivesse participado, de qualquer forma, nas agressões contra aqueles praticadas ou na subtracção dos seus bens.
b) Enquanto praticavam as agressões, AA e EE fossem exigindo dinheiro a GG e HH.
c) A conta bancária de II tivesse  o NIB ...
d) O telemóvel subtraído a II tivesse um valor de €170.
e) Os bens subtraídos a HH tivessem um valor superior a €102.
f) Fosse o arguido AA, de comum acordo e em execução conjunta com  EE, empunhando facas e com as caras tapadas com passa-montanhas, quem se dirigiu ao Snack-Bar “...”, com o desiderato de subtrair o dinheiro e bens que aí se encontrassem.
g) Tivesse sido o arguido AA e seu acompanhante quem, através do uso de violência contra JJ, tivesse subtraído e se apropriado de quaisquer quantias monetárias que se encontravam naquele estabelecimento comercial.
h) A quantia subtraída da caixa no estabelecimento o “...” e apropriada pelos indivíduos fosse de €385,00.
i) O EE já se encontrasse na residência do arguido DD quando LL lá chegou.
j) O EE tivesse agarrado LL pelo pescoço e o tivesse imobilizado no chão.
k) AA tivesse desferido uma única bofetada no rosto do LL.
l) A faca que AA possuía no dia 26 de Dezembro de 2014 fosse uma faca de mato, com cabo preto, lâmina de 20 cm e duplo gume.
m) O objecto que AA trazia à cintura no dia 26 de Dezembro de 2014 fosse uma arma de fogo curta.
n) O arguido AA quisesse ameaçar LL de que lhe tiraria a vida ou que o ofenderia de forma grave no seu corpo ou saúde.
o) LL tivesse temido pela sua vida ou pela vida e integridade física do seu irmão. AA e EE tivessem agido de comum acordo e conjugação de esforços
p) O arguido sabia que a detenção dos objectos que trazia nesse dia (26/12/2014) era proibida e punida por lei.
q) O estupefaciente que AA detinha no dia 27 de Janeiro de 2015 fosse por ele destinado à venda ou cedência a terceiros que o procurassem para tal efeito.
r) Os arguidos BB e CC destinassem o produto estupefaciente que detinham à venda ou cedência a terceiros.
s) As munições e projéctil que se encontravam no quarto das filhas deBB e CC fossem detidos pelos arguidos.
t) As munições apreendidas na residência do arguido DD fossem por ele detidas.
u)O arguido DD agiu de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida.

II.B. – DE DIREITO.
II.B.1 – Continuação criminosa.

Porque foi aludida pela agente do Ministério Público nas suas contra-alegações, ainda que sem transposição para o epítome conclusivo, a questão da continuação criminosa, talvez não seja despiciendo debuxar, em escassas linhas, a figura da continuação criminosa.

O crime (delito) [[1]] continuado caracteriza-se por uma ou mais acções ou omissões separadas por um certo tempo que, não obstante integrar cada uma delas por separado a mesma figura fundamental de delito, se valoram como um só em razão à homogeneidade dos seus elementos ou porque está formado por vários actos cada um dos quais, estimado isoladamente, reúne todas as características de um delito consumado ou tentado, mas que se qualificam globalmente como se constituíssem um só delito.    

Para a autora da monografia “El Delito Continuado”, Maria T. Castañera, que seguiremos de perto na argumentação que desenvolveremos em torno deste tema, a instituição do delito continuado estrutura-se em torno de três elementos:”1º Pluralidad de acciones u omissiones, cada una de las quales individulamente considerada ha de constituir delito o falta; 2º Infracción del mismo tipo por cada una de las acciones u omissiones; 3º Un elemento de carácter subjectivo, que se há interpretado de formas muy diversas e incluso se há reputado innecessário”.

Desbordando da discussão que se formou acerca da natureza do delito continuado, para uns uma ficção jurídica, para outros uma realidade natural, as doutrinas italiana e alemã exigem para a conformação da figura de crime continuado, a primeira três e a segunda dois elementos. Para a primeira é necessário que existam uma pluralidade de acções ou omissões, uma unidade de desígnio criminoso e violação da mesma disposição legal, enquanto que para a segunda é necessário que ocorra uma pluralidade de acções homogéneas e um elemento subjectivo concebido como dolo conjunto, dolo continuado ou como culpabilidade homogénea. Já para a doutrina espanhola se tornam necessários dois elementos fundamentais, um objectivo, pluralidade de acções, unidade de lei violada e unidade do sujeito passivo, outro subjectivo, unidade de desígnio, propósito, intenção ou dolo; e três secundários: Unidade ou identidade de ocasião, conexão espacial e temporal e emprego de meios semelhantes.

As acções cuja pluralidade se exige devem ser acções qualificadas pela lei penal como acções penalmente relevantes ou seja acções típicas. “A situação fáctica a la que se aplica el delito continuado es identica a la que da lugar a la aplicación de las normas del concurso real” (op. loc. cit. pag. 37). As acções típicas que são realizadas e que se devem constituir como crime continuado devem poder ser enquadrados no mesmo tipo de ilícito, isto é, tem que ocorrer uma unidade ou identidade da norma violada através de diversas infracções o que para outros autores e jurisprudência se configura como a necessidade de existência de uma unidade, homogeneidade ou identidade do bem jurídico lesionado ou posto em perigo.

Se assim no plano objectivo, já no plano subjectivo se exige que o autor do incremento delitivo haja querido realizar a acção delitiva e com ela atentar contra a norma que prevê e pune a acção típica. Exige-se uma unidade de resolução e de propósito, ou seja que o autor do facto tenha consciência de que com aquela concreta acção lesa e viola um comando jurídico que a proíbe e puna.
A doutrina exige ainda identidade do sujeito passivo, quando os bens jurídicos afectados pela acção típica sejam de carácter pessoalíssimo. As razões que alçapremam este entendimento radicam em que “es posible que concurra el elemento de unidad de resolución existindo vários sujetos pasivos en los delitos contra el património, pero non cunado se tarta de delitos que afectan a bienes jurídicos personalíssimos puesto que en estes casos cada nueva acción supone una resolúción distinta” e por outro lado “en considerar que es necessária la unidad de bien jurídico, pero que tal unidad no concurre cunado varias acciones afectam a personas distintas” (op. loc. cit. p. 163). (Esta posição não colhe a aquiescência da autora que vimos citando, porquanto considera ser inadmissível uma resolução única que abarque uma pluralidade de acções. “Tal resolución solo es admissible si se entiende como un proyecto genérico y entonces no hay inconveniente en incluir en él acciones que, atacando bienes jurídicos personalíssimos afecten a personas diversas”). 

Já não ocorrerá qualquer inconveniente quando sejam vários os sujeitos activos, “dado que cada uno de ellos há cometido otros tantos delitos, no hay inconveniente en aplicar el delito continuado los elementos que integran tal figura”(cfr. op. loc. cit. p. 151).
Ainda assim esta não é a posição que tem vindo a vingar tanto na doutrina com nas jurisprudências estrangeiras, as quais vêm entendendo que quando se trata de crimes em que estejam envolvidos bens jurídicos de natureza essencialmente pessoais a figura de crime continuado não é admissível.

Na doutrina italiana [[2]], na hermenêutica operada a propósito do artigo 81º, segundo e terceiro apartados –“Alla stessa pena soggiace chi con più azioni od ommissioni, esecutive di un medesimo disegno criminoso, commette anche in tempi diversi più violazioni della stessa o di diverse disposizioni di legge” (À mesma pena fica sujeito quem com mais do que uma acção ou omissão, executadas por um mesmo desígnio criminoso, ainda que cometidas em tempo diverso diversas violações da mesma ou de diversas disposições legais” – escreveu o autor citado na nota infra que, para que haja um verdadeiro desígnio (criminoso), não basta uma ideação de uma série de factos e tão pouco (neppure) um desejo de realiza-lo: “ocorre qualquer coisa mais, e precisamente uma deliberação genérica, a qual, além disso (poi) não exclui que para cada acção singular se tome (si renda) uma deliberação especifica. Mas (sennonché) a deliberação não é um simples facto intelectivo: implica também um concurso da vontade. Para além (Oltre) deste elemento exige-se a unidade de fim, a qual segundo o exacto realce de De Marisco se informa da pluralidade da infracção no modo como cada uma perde a sua autonomia para se tornar um fragmento do conjunto. Desígnio criminoso, portanto (quindi), em nossa opinião (a nostro avviso) é o projecto genérico, é o projecto genérico de cumprir uma série de acções delituosas, deliberada na linha essencial para conseguir um determinado fim. Daí deriva (Ne deriva), por outro lado (fra altro) que para a identidade do desígnio criminoso não é suficiente a mesma vontade (spinta) em delinquir (ãnimo de lucro, ódio, toxicodependência, etc.)” (tradução nossa).

Para Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, parte general, Vol. II, p. 993 e segs. (a jurisprudência e doutrinas dominantes) fundam a determinação da unidade da acção na concepção natural da vida. “Segundo elas, uma pluralidade de partes componentes do curso de um sucesso externamente separáveis constitui uma unidade de acção quando distintos actos parciais se acham conduzidos por uma resolução de vontade unitária e se encontra em conexão temporal e espacial tão estreita que se sentem como unidade por um espectador imparcial”. [[3]]

Constitui sempre uma única acção a realização dos requisitos mínimos do tipo legal, ainda que o comportamento físico possa decompor-se em vários actos parciais desde um ponto de vista puramente fenomenológico”, constituindo também uma acção quando o tipo requer a realização de vários actos parciais (delitos de vários actos) ou ainda quando ocorre um delito permanente, isto é, “quando o facto punível cria um estado antijurídico mantido pelo autor mediante cuja permanência se segue realizando ininterruptamente o tipo”. 

Para este autor os requisitos do delito continuado não se encontram “de modo algum” determinados, ainda que possam ser indicados os seguintes: “a) em primeiro lugar, objectivamente é necessária a homogeneidade da forma de comissão (unidade do injusto objectivo da acção). Isso requer que os preceitos penais violados pelos actos parciais se encontrem materialmente na mesma norma e que o desenvolvimento dos factos manifeste no essencial os mesmos elementos externos e internos; b) os actos parciais devem lesar o mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado). Esta condição falta, por exemplo quando concorrem o abuso sexual de crianças e o “yacimiento “ entre parentes. Tratando-se de bens jurídicos altamente pessoais não cabe o delito continuado quando os actos parciais se dirigem contra distintos titulares: homicídio contra distintas pessoas; abusos sexuais de distintas crianças; violação de distintas mulheres. Esta restrição encontra-se plenamente justificada, pois tratando-se de bens jurídicos altamente pessoais são tão distintos em cada acto parcial tanto o injusto da acção e de resultado como o conteúdo da culpabilidade do acto, que não parece admissível renunciar a valorações separadas”. [[4]] (No que ao homicídio diz respeito, a opinião expressa por Francesco Antolisei diverge da que acaba de ser apresentada por Jescheck. Assim para este autor (Francesco Antolisei) “será responsável por um homicídio continuado aquele que “com base num preciso programa, mata sucessivamente, com idêntico fim, vários membros de uma família”. Para este autor, e como nota de realce, “a jurisprudência e a doutrina têm até ao momento ponderado que a indagação sobre a existência do desígnio criminoso é de mero facto (ou seja trata-se de uma questão de facto), escapando, portanto, ao controlo da Cassação (equivalente no ordenamento judiciário português ao Supremo Tribunal de Justiça)”. [[5]] Retomando Jescheck, este autor aponta ainda um terceiro requisito: “c) Para a delimitação do delito continuado resulta decisiva a unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção). A jurisprudência requer um verdadeiro dolo global que abarque o resultado total do facto nos seus traços essenciais em quanto ao lugar, ao tempo, à pessoa da vitima e à forma de comissão, de tal modo que os actos parciais não representem mais que a realização sucessiva da totalidade querida unitariamente, o mais tardar, durante o último acto parcial”.                                       

Na nossa jurisprudência, ainda que de forma pouco sistematizada e colocando a par dos elementos fundamentais os acessórios, o crime ou delito continuado vem sendo caracterizado pela forma seguinte (transcreve na íntegra o sumário extractado do Ac. do STJ, de 25.10. 2001, proferido no processo nº 1689/01 – 5ª secção): “I – Sucede, por vezes, que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), devem ser aglutinadas numa só infracção, na media a em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente; II – Esse crime continuado tem os seguintes pressupostos: a) - Realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); b) – Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção); c) – unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de "uma linha psicológica continuada"; d) - Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); e)- persistência de uma "situação exterior" que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente; III – O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito; IV – A doutrina indica algumas das situações exteriores que, diminuindo consideravelmente a culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação criminosa: (-) ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos; (-) voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; (-) perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa; (-) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução criminosa, verificar haver possibilidades de alargar o âmbito da sua actividade; V – Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o nº 2 do art. 30º do CP, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa salvo se for o mesmo ofendido e para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião”. [[6]]

Quando o autor comete vários factos puníveis independentes e que são julgados no mesmo processo penal, ou em processos distintos mas sem que num dos processos ainda não haja transitado em julgado a condenação por qualquer deles, ocorre um concurso de crimes, isto porque o autor com diversas acções típicas viola uma pluralidade de bens jurídicos distintos cuja titularidade, ou o sujeito da protecção da norma, se encontra sedeada em distintos sujeitos jurídicos. Neste caso, ainda que ocorra uma conexão temporal das diversas acções típicas, cada uma delas deve ser punida individualmente, devendo a punição final ser encontrada, pela cumulação das penas individualizadas, numa pena única. [[7]] Na formação da penalidade global, segundo o sistema do cúmulo jurídico, deverá o tribunal determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como de crimes singulares, “objecto de cognições autónomas, se tratasse” [[8]}, justificando cada uma penas parcelares por que opta, de forma autónoma, para depois construir uma “moldura penal do concurso”, até chegar à medida da pena conjunta do concurso “que se encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.

Quanto ao regime de punição do crime continuado, o Prof. Figueiredo Dias, na obra “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, descarta o princípio da absorção para enveredar pelo seguinte modo de operar: “o que o tribunal terá que fazer é, numa primeira operação, eleger a moldura penal mais grave cabida aos diversos actos singulares; eleita esta, ele irá determinar dentro dela, segundo as regras gerais, a medida da pena do crime continuado. Nada impede, pois, que valore a pluralidade de actos, se disso for caso ao limite da culpa e às exigências da prevenção, como factores de agravação; a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta quando a punição daquele foi subtraído às regras da pena conjunta do concurso. Na medida exposta bem pode dizer-se ser ainda um princípio de exasperação, não de absorção, que preside à operação de medida da pena do crime continuado como unidade jurídica” (op. loc. cit., p. 296).  

Quanto ao regime de punição do crime continuado, o Prof. Figueiredo Dias, na obra “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, descarta o princípio da absorção para enveredar pelo seguinte modo de operar: “o que o tribunal terá que fazer é, numa primeira operação, eleger a moldura penal mais grave cabida aos diversos actos singulares; eleita esta, ele irá determinar dentro dela, segundo as regras gerais, a medida da pena do crime continuado. Nada impede, pois, que valore a pluralidade de actos, se disso for caso ao limite da culpa e às exigências da prevenção, como factores de agravação; a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta quando a punição daquele foi subtraído às regras da pena conjunta do concurso. Na medida exposta bem pode dizer-se ser ainda um princípio de exasperação, não de absorção, que preside à operação de medida da pena do crime continuado como unidade jurídica” (op. loc. cit., p. 296).             

O crime de roubo é um crime complexo que envolve para além de ofensa a bens patrimoniais uma acção lesiva da liberdade de individual, da integridade física e/ou da autodeterminação do sujeito passivo. Numa acção de roubo para além da privação de um bem ou coisa material, o sujeito activo atenta contra bens jurídicos que se encastoam no conceito de bens pessoais, como sejam a liberdade individual e/ou a integridade física.

Ainda que a questão possa ser discutível, e é-o certamente, á luz da doutrina, a jurisprudência tem vindo a alinhar com a tese de que no crime de roubo, para além de bens de natureza patrimonial estão também em causa bens de natureza eminentemente pessoais (ainda que para nós de feição instrumental), pelo que não seria admissível a figura de crime continuado neste tipo de ilícito. Não temos a solução por segura, mas não será este, certamente, o lugar para dissertar doutrinariamente quanto a esta matéria.

Do que se fica exposto parece resultar inequívoco que a factualidade adquirida não pode conformar ou assoalhar uma integração na figura jurídico-penal crismada de continuação criminosa.

Na verdade, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 2017, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, e no qual interviemos na qualidade de Adjunto, “como se escreveu no acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 27/14.5JAPTM.S1:  «A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é decisiva na determinação das consequências jurídicas do facto, para efeito de punição do agente, sabido que no caso de concurso de crimes cabe a aplicação do critério especial de determinação da pena constante do artigo 77.º, extensível, nos termos do artigo 78.º, ao caso de superveniência de conhecimento da existência de relação concursal, cabendo ainda em caso de unificação do concurso, como crime continuado, tratado como uma situação ou caso de unidade de infracção, ou seja, como um só crime, um outro critério especial, este de privilegiamento punitivo, do artigo 79.º, sendo o crime punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, podendo em certos casos, considerar-se ainda, num diverso plano, a existência de um único crime, a punir nos termos do critério geral do artigo 71.º, como os demais do Código Penal.
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 1986, proferido no processo n.º 38.292, publicado no BMJ n.º 358, pág. 267, a realização plúrima do mesmo tipo legal pode constituir:

a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;

b) Um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração das condutas;

c) Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.

A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes; esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas, seja como crime continuado, ou ainda fora dos quadros do artigo 30.º, como único crime (acórdão de 02-04-2008, processo n.º 4197/07-3.ª, configurando em caso específico de tráfico de estupefacientes, actividade contemplada por caso julgado anterior), ou como crime de trato sucessivo, como é ponderado a nível de situações de tráfico de estupefacientes (v. g., acórdão de 17-12-2009, processo n.º 11/02.1PECTB-5.ª), ou de infracções fiscais ou contra a segurança social, que se protraem por períodos mais ou menos longos (neste tipo foi já considerada a figura denominada de “infracções contínuas sucessivas” no acórdão de 18-12-2008, processo n.º 20/07-5.ª), ou mesmo em caso de burla qualificada e falsificação de documento (acórdão de 21-02-2008, processo n.º 2035/07-5.ª), tendo sido assim qualificados alguns casos de abusos sexuais de crianças, solução que, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, UCE, 2.ª edição, 2010, pág. 162, será de afastar, a partir da Lei n.º 40/2010, de 03-09, por estarem em causa bens eminentemente pessoais, afirmando que no caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo.

A matéria de concurso de crimes não é tratada no artigo 30.º do Código Penal de forma abrangente e esgotante, na medida em que as soluções indicadas no preceito se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes, tratando-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência, caberá em última análise, encontrar soluções adequadas, tendo em vista a multiplicidade de casos e situações que se prefiguram e que ocorrem na vida real (assim acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-01-2006, processo n.º 3671/03-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 159, que aborda a temática da distinção entre crime continuado e crime único, num caso de falsificação de três cheques para aquisição de produtos alimentares em hipermercado).

Aliás, note-se que de acordo com a epígrafe do artigo 30.º, inserto no capítulo relativo a “Formas do crime” – cfr. Capítulo II do Título II – na perspectiva de unidade/pluralidade de infracções, só haveria lugar ao concurso de crimes e ao crime continuado, não albergando o preceito, por exemplo, as hipóteses de crime único, que o Código Penal de 1886 previa no § único do artigo 421.º para o crime de furto.

Relembrando o preceito, após no corpo escalonar as penalidades de acordo com os valores da coisa furtada (mais tarde actualizados pela Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto), dispunha no § único “Considera-se como um só furto o total das diversas parcelas subtraídas pelo mesmo indivíduo à mesma pessoa, embora em épocas distintas”.

Há outras figuras de lesividade múltipla ou repetida de bens jurídicos com tutela jurídico-criminal, que se não contêm na dicotomia prevista no artigo 30.º - “Concurso de crimes e crime continuado”.

Isto é, para além do concurso de crimes, a punir nos termos dos artigos 77.º e 78.º, e do crime continuado, a punir de acordo com o artigo 79.º do Código Penal, há toda uma gama de situações da vida real a demandar uma específica regulamentação.

Estabelecendo um critério, assumidamente distintivo, o artigo 30.º contém a indicação de um princípio geral de solução da problemática do concurso de crimes, sendo também uma base de trabalho, a partir da qual há que olhar outras dimensões de violações de bens jurídicos, que ficam de fora, não estando abrangidos outros casos e situações que ocorrem no dia a dia, apresentando dificuldades de integração por exemplo as hipóteses de crimes culposos emergentes de acidentes de viação, sabido que o critério vale fundamentalmente para os crimes dolosos e mesmo nestes o critério não esgota todas as formas, todos os modos de execução do tipo legal».

(…)

Em anotação ao artigo 30.º, na redacção então em vigor, relata Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 11.ª edição, 1997, pág. 152 (e mesmo lugar na 12.ª edição de 1998), que o preceito teve por fonte principal o artigo 33.º do Projecto de Parte Geral de Código Penal de 1963 e que na sua discussão foi aprovado um último período para o n.º 2, que seria o seguinte: “A continuação não se verifica, porém, quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma pessoa”.

Adianta que a supressão/não aceitação do período “não significa que outra solução deva ser adoptada, mas tão só que o legislador considerou a afirmação desnecessária, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado”.

O que a versão de 2007 fez foi consagrar a solução preconizada pelo Projecto de 1963, recuperando o conteúdo da proposta feita exactamente por Maia Gonçalves, há mais de 43 anos, em 8 de Fevereiro de 1964.

A este propósito, pode ver-se Maria do Carmo Silva Dias, Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 04-09, nos crimes contra a liberdade sexual (Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º trimestre de 2008, n.º 8 (especial), pág. 225), Maria da Conceição Valdágua, As Alterações ao Código Penal de 1995, relativas ao crime continuado, propostas no Anteprojecto de Revisão do Código Penal, em palestra proferida em Maio de 2006, no âmbito de Colóquio sobre a revisão do Código Penal de 1995 (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, N.º 4, Outubro-Dezembro 2006, págs. 531-533) e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, págs. 137/8. (O Autor alude a esta anotação da 1.ª edição na nota 22, pág. 221, da 3.ª edição de Novembro de 2015).

Com a Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que operou a 26.ª alteração ao Código Penal, entrada em vigor em 3 de Outubro de 2010, foi alterada a redacção do n.º 3, que passou a estabelecer: “3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”
Com a alteração foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, do que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas.

Na Doutrina, a propósito de unificação de conduta, pode ler-se em Hans Heinrich Jescheck, Tratado, Parte General, 4.ª edição, pág. 648: “Deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”.

Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.

A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.

Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções, Livraria Atlântida, Coimbra, 1945, pág. 338.

O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967 (e 1996), págs. 246 e ss., refere quatro exemplos de situações exteriores, que preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, seriam susceptíveis de diminuir consideravelmente o grau de culpa do agente (reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, II, com a colaboração de Figueiredo Dias, Almedina, 1965, pág. 210, e Reimpressão, Almedina, 1968 – 1971, pág. 210), e que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber: a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, de acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;

b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;

c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;

d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.

Para o Autor, Direito Criminal, II, pág. 209, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

É a diminuição considerável do grau de culpa do agente que constitui a ideia fundamental que legitima, em última instância, o funcionamento do instituto do crime continuado – Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 210 e ss., e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra, 1976, págs. 122 e ss.  

Segundo Cavaleiro Ferreira, Lições, II, pág. 162, o crime continuado é uma excepção ao concurso de crimes “uma forma de concurso de crimes que revela uma muito menor gravidade da culpa”.

Para Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 296, são a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado e justificam subtracção às regras da pena conjunta do concurso.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137, nota 20 (na edição de 2010, pág. 159 e na de 2015, pág. 221), “O crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa. 

A fls. 139, nota 28 (2015, pág. 221), a propósito da diminuição sensível da culpa que supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente, adverte que o abuso sexual de uma mesma criança, dado (por Figueiredo Dias) como exemplo daquela diminuição face a existência de “relação ou acordo entre os sujeitos” não é de aceitar, pois a ciência médica e a experiência da vida mostram que o abuso sexual repetido de uma criança provoca uma tortura psicológica na criança que vive no pavor constante de vir a ser mais uma vez abusada pelo seu abusador.

E acrescenta “A consciência, o aproveitamento e até o gozo do abusador com esta tortura psicológica são incompatíveis com a informação de uma culpa diminuída do agente abusador. Quando for esse o caso, não há diminuição sensível da culpa, ao contrário há uma culpa agravada do agente do crime”.

A diminuição sensível da culpa supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente e só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa - se ele procura de novo a vítima - não há diminuição sensível da culpa. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso. (ibidem, nota 29, pág. 162 em 2010).

Como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-1983, processo n.º 36933, verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a sua menor censurabilidade.

Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-1993, proferido no processo n.º 45.474, BMJ n.º 431, pág. 255, são pressupostos do crime continuado:

- A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

- Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;

- Que haja proximidade temporal das respectivas condutas;

- A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente;

- Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido.

Sobre este ponto podem ver-se os acórdãos do STJ de 05-11-1997, processo n.º 608/97-3.ª e de 04-12-1997, processo n.º 720/97-3.ª, in SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, págs. 154 e 155; de 12-04-2007, processo n.º 814/06 - 5.ª; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07 - 5.ª e de 13-09-2007, processo n.º 2170/07 - 5.ª.

Consta do citado acórdão de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção: “A estruturação do crime continuado encontra o seu fundamento numa diminuição da culpa do agente, decorrente da facilidade criada, por certas circunstâncias externas, para a prática de novos actos da mesma ou idêntica natureza”.

Apresenta como pressupostos, cumulativos, do crime continuado, os seguintes:

“- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);

- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma “linha psicológica continuada”;

- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);

- persistência de uma “situação exterior” que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

O crime continuado funciona como excepção à regra da acumulação de infracções; a pluralidade de crimes subsiste no crime continuado e este considera-se ficticiamente unificado para excluir um cúmulo material de penas ou de efeitos gravosos no tratamento daquela continuação – assim, acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4347/06 - 3.ª (in www.stj.pt – Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). – cfr. ainda, v. g.,  os acórdãos do STJ, de 04-01-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 157; de 24-01-2007, no processo 4061/06-3.ª; de 13-09-2007, nos processos 2170/07-5.ª e 2795/07-5.ª; de 24-10-2007, no processo 3193/07-3.ª.  

Como se pode ler no acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª, pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

Assim, também o acórdão do STJ de 14-02-2007, no processo n.º 4100/06 - 3.ª refere que “O crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais do que a execução parcial de um só e único facto típico, sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente”.

Ainda nas palavras do mesmo acórdão de 14-02-2007 proferido no processo n.º 4100/06 - 3.ª:  “Para haver crime continuado é necessário, pois, que se tenha verificado um circunstancialismo exógeno condicionante da conduta do agente, que lhe tenha facilitado (como que tentando-o) a repetição, em termos tais que lhe diminua consideravelmente a culpa.

 Como expendeu Eduardo Correia, quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. A situação exterior deve ser tal que objectivamente facilite a execução do facto criminoso ou prepare as coisas para a repetição do facto”.

Este Supremo Tribunal tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime, se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar a vítima, como se elucida no acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4347/06-3.ª, onde se afirma: “A noção de crime continuado contida no art. 30.º, n.º 2, do CP é tributária do pensamento do Prof. Eduardo Correia, expressa em Direito Criminal, II, 1992, pág. 209, e pressupõe a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (logo de resoluções criminosas), homogeneidade na sua forma de execução, uma certa conexão temporal entre os actos individuais, na forma de proximidade temporal entre as sucessivas condutas, lesão do mesmo bem jurídico, uma unidade de dolo continuado (que se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor na mesma situação de facto, na lição de Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, pág. 216) e a persistência, a manutenção de uma situação externa, de uma mesma situação exterior ao agente, que reduza, de forma substancial, a culpa, o juízo de censura do agente, apta “a gerar um repetido sucumbir” e a fundar um menor juízo de censura”.

Num outro registo, o acórdão de 10-12-1997, processo n.º 1192/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 204, pronunciava-se no sentido de ser de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa. (Sublinhado nosso).

Em sentido semelhante, o acórdão de 06-11-1997, processo n.º 1310/96-3.ª, ibidem, pág. 155, ao referir que a figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.   

Como se extrai do acórdão 13-12-2007, processo n.º 3749/07-3.ª, não há razões para subsumir o caso a crime continuado “ (…) se, decomposta a actividade do arguido reconhecida na materialidade considerada provada, se verifica que o mesmo utilizou, em termos gerais, o mesmo tipo de artifício fraudulento em relação a ofendidos distintos e em momentos distintos, não tendo a actuação alicerçada nos três vectores distintos qualquer outra ligação que não o facto de ter sido o arguido o seu autor e de ter utilizado o mesmo processo para induzir em erro, e não ocorrendo, pois, a acentuada diminuição de culpa motivada por factor exógeno transversal à actuação ilícita cometida, mas, antes pelo contrário, uma pluralidade de resoluções autónomas entre si com vista à prática de acto ilícito”.
Como se afirma no acórdão deste Supremo de 23-01-2008, no processo n.º 4830/07 - 3.ª, versando caso de abuso sexual de crianças agravado «O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».

Afastando a continuação criminosa e optando pela punição pelo cometimento de pluralidade de crimes, podem ver-se os acórdãos deste Supremo:

de 22-01-2004, processo n.º 4430/03-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179, em caso de furtos qualificados e falsificação de documento (as circunstâncias exteriores invocadas não surgiram por acaso em termos de facilitarem o objectivo tido em vista de modo a arrastarem o arguido para a repetição de condutas, antes foram conscientemente procuradas por ele, o que revela, ao invés, uma inequívoca persistência delituosa, revelando uma manifesta intensidade dolosa que afasta a diminuição da correspondente culpa, reconduzindo-se a actuação do arguido não a um crime continuado, mas antes a um concurso real de crimes);

- de 22-04-2004, processo n.º 902/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 165, estando em causa conduta concretizada do arguido com entrada em matas e ateando o fogo, considera-se que a actuação do arguido resultou de uma pluralidade de planos autónomos por si arquitectados, sendo afastado o crime continuado;

- de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção – “No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem.

Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, fica, no entanto, o reparo”.

- de 05-09-2007, processo n.º 2273/07-3ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 189 (para além de crime de abuso sexual de crianças , abordando a específica afirmação da existência de crime de violação sob a forma continuada, afasta a continuação criminosa e opta pela punição pelo cometimento de três crimes de violação agravada, onde se refere que “para a delimitação da acção continuada resulta decisiva a homogeneidade do dolo, ou seja um dolo global” );

Do mesmo modo no acórdão de 05-12-2007, processo n.º 3989/07-3.ª, onde se refere: “O elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele. Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, de uma persistência de propósitos de modo a levar a conduta até ao fim, ou que resultam de oportunidades, condições para a prática de vários actos, que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito – porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada” (citado no acórdão de 7-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABF.S1-5.ª, in CJSTJ 2010, tomo I, pág. 176, em caso de crime de abuso sexual de criança, tentado, e outro consumado, afastando a continuação criminosa, mas considerando verificar-se um único crime); e ainda:

- de 16-01-2008, processo n.º 4735/07-3.ª (dois crimes de violação e não um na forma continuada);

- de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª e de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3.ª, ambos do mesmo relator, versando abuso sexual de menores (sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado);  

de 29-10-2008, processo n.º 1612/08-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 202, versando prática de furtos, burlas qualificadas e falsificação de documentos, como modo de vida e afastando a continuação quando a actuação corresponde a uma escolha deliberada do arguido, a uma sua predisposição interna para a prática dos factos ilícitos, que inscreve no seu quotidiano como forma de ganhar a vida e de obter rendimentos para custear todas as suas necessidades, não se podendo falar num condicionalismo exterior que, de fora, e com persistência levasse o arguido a cometer os factos; a repetição, sendo hábito ou modo de vida, não atenua, mas agrava a culpa do agente e torna-o mais perigoso do ponto de vista jurídico-criminal;

- de 29-10-2008, processo n.º 2869/08-5.ª;

- de 05/11/2008, processo n.º 2861/08-3.ª, citando Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, pág. 1226 “A exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa significa que aquela tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou “prepare as coisas para a repetição” do facto, de modo a afastar do âmbito do instituto do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas do agente a conduzir ou a “aconselhar” a repetição do facto”;

- de 13-11-2008, processo n.º 451/07-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 224, afastando continuação criminosa em caso de crime de abuso de confiança fiscal e dando por verificada a existência de quatro crimes (em sentido oposto, o acórdão de 04-12-2008, processo n.º 4079/06-3.ª, na mesma CJSTJ, pág. 236);

- de 19-03-2009, processo n.º 392/09-3.ª, pronunciando-se em caso de burla, refere-se que se o agente concorre para a existência do quadro ou condicionalismo exterior que lhe facilita a acção está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa, citando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1997 (processo n.º 1192/97-3.ª, supra referido –pág. 119), de 07-03-2001 e de 12-06-2002, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (SASTJ), n.ºs 49 e 62;

- de 19-03-2009, processo n.º 483/09-3ª;

No acórdão de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª, pode ler-se: “há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado”.

O acórdão de 18-03-2010, processo n.º 175/06.5JELSB-5.ª, afasta a figura do crime continuado, ainda que estejam presentes os requisitos da realização plúrima do mesmo tipo de crime e da sua execução de forma essencialmente homogénea, já que a circunstância que favoreceu a repetição das condutas criminosas foi a grande determinação do recorrente em colocar no território nacional cocaína vinda do Brasil, patenteada na longa e cuidadosa preparação das duas operações, circunstância essa ligada a ele próprio e não exterior.

(…) Começa por estabelecer o n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal: “ Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, (…).

Nesta abordagem há que ter em conta a natureza diferente dos bens jurídicos violados, com realce para os que tutelam bens eminentemente pessoais.

No crime continuado está presente a plúrima realização do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; em causa a lesão do mesmo bem jurídico, isto é, a unidade de injusto de resultado.

 Paulo Pinto Albuquerque, a propósito deste pressuposto, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro 2015, pág. 221, nota 21, afirma:
“A lei exige a identidade do bem jurídico “fundamentalmente” protegido por todos os crimes em concurso. Em princípio, só há crime continuado, havendo violações do mesmo bem jurídico. O advérbio “fundamentalmente” visa resolver o problema da continuação criminosa de crimes complexos. Nestes casos, os crimes em concurso devem proteger primordialmente o mesmo bem jurídico, embora alguns dos crimes em concurso possam proteger outros bens jurídicos. É o que sucee com a generalidade dos crimes tributários , como nota germanos Marques da Silva (2009b:73), podendo por isso verificar-se crime continuado no âmbito tributário ainda eu o agente tenha cometido tipos de crimes diferentes”.

Para o acórdão de 14-04-2011, processo n.º 136/08, CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 179: “Caracteriza o crime continuado, do ponto de vista objectivo, uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, bem como a execução por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior”. 

Vejamos os bens jurídicos protegidos em cada um dos crimes concorrentes. 

Começando pelos que albergam componente pessoal, o que se verifica nos crimes de roubo, violência após subtracção e condução perigosa de veículo rodoviário.

(…) O crime de roubo é um crime complexo, pluriofensivo, em que os valores jurídicos tutelados são de ordem patrimonial (direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), abrangendo bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade individual de decisão e acção, integridade física e até a própria vida alheia.

(…) Com a Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que operou a 26.ª alteração ao Código Penal, entrada em vigor em 3 de Outubro de 2010, foi alterada a redacção do n.º 3, que passou a estabelecer:

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

Paulo Pinto Albuquerque no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro 2015, anotação 16, página 220, refere:

 “Nos crimes que tutelam bens jurídicos pessoais, sejam dolosos, negligentes, cometidos por ação ou omissão, a ponderação do bem jurídico implica necessariamente a consideração da pluralidade de vítimas”, e na anotação 20, pág. 221, “A Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, proibiu claramente a aplicação do regime do crime continuado no tocante aos crimes relativos aos bens eminentemente pessoais, mesmo quando haja apenas uma vítima”.

E na anotação 22, pág. 222, refere que com a alteração foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, do que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas (concordam, por exemplo, acórdão do STJ, de 17.9.2014, processo 595/12.6TASLV.E1.S1 e acórdão do STJ, de 12.5.2011, processo 14125/08.0TDPRT.P1.S1).

Na anotação 32, na pág. 224, afirma: “No caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo. Esta é precisamente a consequência prática da supressão da benesse do crime continuado contra bens eminentemente pessoais. Foi este o resultado prático pretendido pelo legislador. Portanto, é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime “de trato sucessivo”, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador (concorda, acórdão do STJ, de 10.10.2012, processo 617/08.5PALGS.E2.S1).

M. Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, ponto 5, bb), pág. 227, afirmam: «Tratando-se de bens eminentemente pessoais (vida, integridade física, liberdade, honra), exclui-se a forma continuada. A lei é agora decisiva. Com a redacção dada ao art. 30.º/3 pela Lei n.º 40/2010, de 12-10, “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”».

Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.

Colocando a conduta criminosa em causa não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos, haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência de forma uniforme – acórdãos do STJ, de 14-04-1983, BMJ n.º 326, pág. 422; de 30-11-1983, BMJ n.º 331, pág. 345; de 30-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 411; de 15-11-1989, BMJ n.º 391, pág. 239; de 20-01-1994, processo 45265-3.ª; de 03-02-1994, processo n.º 45927-3.ª; de 26-10-1995, processo n.º 48237; de 01-02-1996, CJSTJ1996, Tomo 1, pág. 198; de 04-06-1996, CJSTJ 1996, Tomo 2, pág. 188; de 10-10-1996, processo n.º 851/96-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 4 -Outubro de 1996, pág. 76; de 18-09-1997, processo n.º 261/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 13 – Julho/Setembro de 1997, pág. 135 (Resulta da própria natureza das coisas, embora não esteja expressamente regulado na lei penal, que, sendo vários os ofendidos no crime de roubo, fica liminarmente excluída a possibilidade de unificação, em forma de crime continuado, das condutas dos arguidos); de 24-09-1997, processo n.º 552/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 13 - Julho/Setembro de 1997, pág. 140 (O crime de roubo não preenche a figura do crime continuado quando duas são as vítimas e a ambas são subtraídos bens. O número de crimes corresponde ao número de ofendidos); de 24-07-1998, processo n.º 734/98; de 17-10-1998, processo n.º 131/98; de 01-03-2000, processo n.º 17/00-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 39, pág. 53; de 19-04-2006, CJSTJ2006, Tomo 2, pág. 168, de 02-05-2007, processo n.º 1027/07-3.ª;  de 10-09-2007, CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 193; de 3-10-2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07, CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 198, estando em causa crimes de roubo (Não se verifica a continuação criminosa quando os arguidos violam bens jurídicos eminentemente pessoais e há pluralidade de ofendidos); de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3.ª, CJSTJ 2009, Tomo 1, pág. 237 (O n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, aditado pelo artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não permite  a interpretação segundo a qual a violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa reconduz-se necessariamente ao crime continuado, afastando o concurso real de crimes. Uma interpretação nesse sentido seria manifestamente atentatória da Constituição da República Portuguesa, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no art. 1.º e comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais em ofensa ao disposto no art. 18.º, da CRP); de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 221, com relator por vencimento (o que o n.º 3 do art. 30.º do CP, aditado pela Lei n.º 59/2007, veio estabelecer, aliás, de forma redundante, não é que nos crimes contra bens pessoais, tratando-se da mesma vítima, se deve sempre unificar as condutas, mas sim que nesses crimes a pluralidade de vítimas é obstáculo a essa unificação; ou seja, nesse tipo de crimes, a continuação criminosa só pode estabelecer-se em torno de cada vítima, e desde que estejam reunidos os demais requisitos do crime continuado, nomeadamente a mitigação substancial da culpa do agente); de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2009. Tomo 2, pág. 247 (Haverá um concurso de crimes (de abuso sexual de criança), ainda que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior).

E já depois da alteração de 2010 (Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro), podem ver-se:

Acórdão de 12-05-2011, processo n.º 14125/08.0TDPRT.P1.S1- 5.ª Secção:

 “O art. 30.º, n.º 2, reconduz o crime continuado a uma pluralidade de actos susceptíveis de integrar várias vezes o mesmo tipo legal de crime ou tipos diferentes se bem que análogos, mas que, apesar disso, apresentam entre si uma conexão objectiva e subjectiva que justifica a não consideração da pluralidade de actos como conformadores de um concurso efectivo de crimes e, coerentemente, subtrai a punição às regras da punição do concurso de crimes para a submeter a um regime adequado à consideração do caso como de unidade de crime (art. 79.º do CP).

Trata-se, afinal, de tratar um concurso efectivo de crimes no quadro de uma unidade criminosa normativamente construída.

À qualificação jurídica dos factos operada na 1.ª instância – um crime continuado de violação e um crime continuado de coacção sexual – não terão deixado de presidir as razões que, de um ponto de vista pragmático, estão subjacentes à construção normativa da figura do crime continuado.

Os factos provados demonstram numerosas violações do mesmo bem jurídico (a liberdade sexual), realizadas de forma essencialmente homogénea, relacionando-se contextualmente umas com as outras.

A figura do crime continuado, com acolhimento em diversas ordens jurídicas, ou por opção expressa do legislador ou por via de criação jurisprudencial, tem sido sujeita a uma crítica intensa: contra a figura esgrimem-se argumentos de justiça material que põem em relevo o benefício injustificado e injusto que, particularmente, resulta do seu regime de punição e afirmam-se, ainda, teses de princípio que partem da afirmação de que, no caso de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais nunca poderá haver unificação normativa por falhar – falhar sempre – a culpa diminuída que constitui o seu verdadeiro pressuposto.


Acórdão de 10-10-2012, processo n.º 617/08.5PALGS.E2.S1 - 3.ª Secção:

De repudiar a prática de crime continuado (art. 30.º, n. 2, do CP), que repousa numa pluralidade de acções criminosas, em obediência a um plano criminoso executado, de forma substancialmente homogénea, sendo o mesmo o crime, praticado no âmbito de uma solicitação exterior, diminuindo de forma considerável a culpa do agente, que, por isso, a lei unifica sob a égide de uma única infracção.

A solicitação criminosa partiu do arguido, foi ele que, sendo vizinho e tendo ascendente sobre as crianças, a criou, atraindo e encaminhando as suas vítimas para a prática de reiterados actos libidinosos, num quadro de elevada censura penal, sem diminuição considerável da sua culpa, incompatível, aliás, num quadro de ofensividade de bens de cunho eminentemente pessoal, como fez questão de realçar o n.º 3 do art. 30.º do CP, na redacção conferida pela Lei 40/2010, de 03-09.

Sendo bens eminentemente pessoais, o conceito de crime continuado está afastado.

O crime continuado é de excluir, igualmente, sempre que a reiteração criminosa, menos que a uma disposição exterior, se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso, pois que não pode falar-se aí de atenuação de culpa.

Acórdão de 14-03-2013, processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S2-3.ª Secção:

A Lei 40/2010, de 3-09, pondo fim à rejeição comunitária de tão criticado segmento, ao amputar o aditamento “salvo tratando-se da mesma vítima” reconstituiu a pluralidade de infracções, em função do número de crimes ou de vítimas, restringindo o crime continuado a bens não eminentemente  pessoais, sejam uma ou mais vítimas.

No mesmo sentido o acórdão de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, de cujo sumário se extrai:

 “Face ao disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, a continuação criminosa só pode estabelecer-se respeitando à mesma vítima e desde que estejam reunidos os demais requisitos do crime continuado, designadamente, uma diminuição acentuada da culpa do agente.

A negação da possibilidade da continuação criminosa em função da existência de uma pluralidade de vítimas resulta da circunstância de cada bem jurídico eminentemente pessoal ter de ser entendido em concreto numa união incindível com o seu portador individual. A vida, a autodeterminação sexual ou a integridade física consubstanciam-se nas pessoas concretas que se vêm diminuídas na sua dignidade ou integridade próprias que é totalmente distinta dos restantes”.

O acórdão de 4-02-2016, processo n.º 792/13.7TAOAZ.P1.S1-5.ª Secção, versando crimes de pornografia de menores e peculato, considera: “O disposto no n.º 3 do art. 30.º do CP - com a redacção dada pela Lei 40/2010, de 03-09 e vigente desde 3 de Outubro de 2010 - não permite hoje a figura do crime continuado estando em causa crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, como é o caso do crime de pornografia de menores. Daí que em tais situações o número de crimes seja determinado pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (n.º 1 do art. 30.º).

No acórdão de 6-04-2016, processo n.º 19/15.7JAPDL.S1-3.ª Secção, foi ponderado o seguinte:  “Mesmo existindo uma unidade de resolução, a mesma não concede automaticamente a configuração de crime de trato sucessivo, pressupondo a afinidade desta figura com a do crime habitual, pois que somente a estrutura do respectivo tipo incriminador há-de supor a reiteração.

Em face de tipos de crime como os imputados no caso vertente - crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 e 2 e 177.º, n.º 4, do CP - não nos encontramos perante uma «multiplicidade de actos semelhantes» realizados duma forma reiterada sob o denominador duma unidade resolutiva pois que cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo numa policromia de contextos separados por um hiato temporal e comandadas por uma diversas resoluções, traduzindo-se cada uma numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.

Cada um destes actos não constituiu um segmento ou parcela duma globalidade factual desdobrando-se como parte duma única actividade, mas constitui por si mesmo facto autónomo. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos existe, pluralidade de crimes.

Se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime «de trato sucessivo», ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador.

É evidente que o apelo à figura de trato sucessivo permite ultrapassar uma outra questão que é o da determinação concreta do número de actos ilícitos que devem ser imputados. Porém, esse é um tema que convoca a forma como se faz a investigação criminal e a diligência acusatória e não uma questão de dogmática penal”.

No acórdão de 21-04-2016, processo n.º 657/13.2JAPRT.P1.S1-5.ª Secção, foi ponderado o seguinte quadro:  “O crime continuado, previsto no art. 30.º, n.º 2, do CP, é caracterizado por uma “realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”; porém, esta figura criada pelo legislador não deve, nos termos do n.º 3 do mesmo dispositivo, abarcar “os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
O crime continuado não é mais do que “um concurso de crimes efectivo no quadro da unidade criminosa, de uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída” (Figueiredo Dias), considerando-se que estamos perante situações em que há uma “diminuição da culpa, em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída” (Figueiredo Dias). Trata‑se, pois, de situações em que ocorre ou um dolo conjunto ou continuado, ou onde se verifica uma pluralidade de resoluções criminosas, todavia legalmente unificadas de modo a construir uma unidade criminosa.
Tem sido considerado que a figura do crime continuado privilegia injustamente os agentes de um crime continuado, relativamente aos que praticam um concurso efetivo de crimes, e desde logo tendo em conta o efeito de caso jugado que abarca todos os atos integrados na continuação ainda que não tenham feito parte do objeto do processo. Mas produz igualmente prejuízos para o condenado não só porque pode conduzir a um exame superficial dos factos praticados, como prolonga no tempo o início do prazo de prescrição do procedimento criminal, dado que esta apenas inicia com o último facto praticado (cf. art. 119.º, n.º 2, al. b), do CP).
Tratando-se no presente caso de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da liberdade sexual protegido pelo crime de violação, logo por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, não podemos concluir estarmos perante um caso subsumível à figura do crime continuado. Trata-se sim de uma sucessão de crimes.
É com base nesta ideia de sucessão de crimes idênticos contra a mesma vítima, e num certo e delimitado período temporal, que o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que estamos perante o que vem designando de “crime de trato sucessivo”.
A jurisprudência, seguindo as pisadas da jurisprudência alemã que construiu o crime continuado por dificuldade de prova, acaba por unificar, à margem da lei, várias condutas numa única, considerando que há uma unidade de resolução (que abarca todas as resoluções parcelares que ocorrem aquando da prática de cada sucessivo ato integrador de um tipo legal de crime), mas em que, à medida que se prolonga no tempo, produz uma agravação da culpa do agente.
Porém, a caracterização do crime como prolongado depende de a conduta legal e tipicamente descrita se poder considerar como sendo uma conduta prolongada - ora, a conduta, por exemplo, do crime de violação, ainda que este seja repetidos inúmeras vezes, está limitada temporalmente; os atos consubstanciadores da violação ocorrem num certo período e quando sucessivamente repetidos constituem sucessivamente atos diferentes e autónomos crimes de violação.
Ainda que as condutas criminosas estejam próximas temporalmente, ou sejam sucessivas, não podemos considerar estarmos perante um único crime. A punição de uma certa conduta a partir da reiteração ou da sua prática habitual, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas decorre da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta, sem que a lei tenha procedido a essa unificação, constitui uma clara violação do princípio constitucional da legalidade, e, portanto, uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 164.º, do CP.
Estaremos perante um crime de violação sempre que se ofenda o bem jurídico da liberdade sexual, sempre que o novo ato constitua um novo constrangimento da vítima, sempre que se a vítima tenha sido novamente obrigada, novamente ameaçada, constrangida, violentada.
Enquanto se mantiver a legislação que temos cabe fazer a prova do maior número possível de atos individuais, devendo ser excluídos, em nome do princípio in dubio pro reo, aqueles cuja prova se não consegue obter de forma segura.
Estando provados os diversos atos individuais que integram o crime de violação agravada, deverá o arguido ser punido segundo as regras do concurso de crimes, e em matéria de determinação da pena segundo o estabelecido no art. 77.º, do CP”.

No acórdão de 25-05-2016, por nós relatado no processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, foi mantida a qualificação com dois roubos qualificados, ponderando-se: “Resulta da facticidade assente que o assalto foi infligido ao casal, tendo os ofendidos sido vítimas do constrangimento, coacção e intimidação exercida pelos arguidos, que apontaram as armas de que eram portadores, agressões descritas nos FP 1.7 e 1.12 e causando as lesões físicas com sequelas, sendo as descritas no FP 1.15, no que toca ao ofendido e ofendida, em ambos os casos determinantes de um período de doença de 20 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral por igual período de tempo. 

Colocando a conduta criminosa em causa não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos, haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência do STJ de forma uniforme.

Dirigindo-se as diferentes acções contra diversos titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da liberdade de acção e de decisão, como aconteceu neste caso, está excluído o crime único ou continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado, não se podendo reconduzir à unidade as condutas provadas.

Improcede esta pretensão do recorrente, mantendo-se a qualificação da primeira instância, ou seja, a verificação da prática de dois crimes de roubo qualificado”.

No acórdão de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1, em causa estava a pretensão de unificação dos oito crimes de roubo na figura da continuação criminosa. 

A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais, proximidade temporal das condutas parcelares. A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, deve ser executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

No caso presente em todas e cada uma das condutas houve o renovar da resolução criminosa, o que afasta a unificação.

No caso concreto, dirigindo-se as oito condutas contra diversos oito titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da liberdade individual de acção e de segurança, como efectivamente aconteceu neste caso, está excluído o crime continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado, não se podendo reconduzir a pluralidade à unidade.”

A “aplastante” e/ou “abrumadora” cópia de jurisprudência citada evidencia a impossibilidade de integrar na figura de continuação criminosa condutas que lesem e ofendam bens jurídicos eminente pessoais, como é o caso da liberdade pessoal inerente à individualidade de pessoa.

Na verdade, o arguido com as condutas narradas e descritas na factualidade provada evidencia que tomou diversas resoluções criminosas do mesmo passo que em cada das acções criminosas que conduziu lesou bens jurídicos que se inerem a individualidade da pessoa ou ser humano.


II.B.2. – Composição/Formação da Pena Unitária.
Para assolhar o quantum (unitário) da pena imposta ao arguido AA, o tribunal de primeira (1ª) instância, desenvolveu a justificação/argumentação que a seguir queda transcrita.  

Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Nos termos do n.º 2 desse mesmo normativo “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Encontrando-se os crimes cometidos pelos arguidos numa situação de concurso, uma vez que foram praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, deverão então ser condenados numa única pena, que deverá resultar da consideração, em conjunto, dos factos e da sua personalidade.

Como já referido o n.º 2 do preceito fixa, como limite máximo da pena aplicável, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que a moldura do cúmulo se fixará:
- Quanto ao arguido AA: entre os 4 anos e 6 meses e os 16 anos e 6 meses de prisão.

(…)

Ponderando-se, em conjunto, a ilicitude dos factos praticados pelos arguidos, o dolo intenso e directo com que actuaram, o grau de ilicitude dos factos, o tempo já decorrido desde a prática dos factos, os seus antecedentes criminais, bem como a sua personalidade e condições pessoais, consideram-se ajustadas as seguintes penas
- quanto  ao arguido AA a pena única de 9 (nove) anos de prisão.

Estatui o artigo 77.º, nº 1, do Código Penal: «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido».

O artigo 77º do Código Penal impõe um sistema ou regra de punição das acções criminosas que hajam sido praticadas pelo agente de forma consecutiva e reiterada sem que a sua acção tenha obtido de um órgão formal de controlo um sancionamento. Institui-se a regra de punibilidade por extensão e/ou acumulação de infracções, vale dizer a regra segundo a qual um infractor/criminoso pode vir a ser beneficiado, na punição que o Estado lhe impunha, pelo facto de violar reiteradamente uma, ou mais, normas incriminadoras.

Para que o arguido/agente possa beneficiar da benesse instituída na lei penal impõe-se que: (a) pratique diversos – mais do que um – crimes; (b) que esses crimes tenham sido praticados antes de ser condenado por qualquer um deles; (c) que a condenação por qualquer dos crimes cometidos não tenha obtido sentença firme.    

A lei prescreve que na formação da pena unitária, se atenda aos factos (antijurídicos e criminalmente puníveis) e à personalidade do agente.

Escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Dezembro de 2006 (Proc. 06P3379) que: «A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.» [[9]]

Como se deixou expresso supra, na formação da pena única conjunta haverá que respeitar o trânsito em julgado relativo às penas parcelares, mas já não quanto à pena conjunta em que essas penas parcelares tenham contribuído para formar/compor, isto porque o limite mínimo da moldura para a fixação autónoma ex novo da pena única conjunta, será a mais elevada das penas parcelares em concurso e não o quantum da pena conjunta anterior.

Por isso, nada impede, legalmente, que a pena do concurso, na reformulação do cúmulo, se quede pela fixada anteriormente (cfr. Acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 2007, Proc. 06P4456, www.dgsi.pt), havendo mesmo quem sustente ser admissível a aplicação, no novo cúmulo, de uma pena inferior à anteriormente aplicada (cfr. Acórdão do S.T.J., de 27 de Abril de 2006, Proc. 06P277, www.dgsi.pt).

A teleologia que justifica a pena única assentará na ideia de que, de um ponto de vista político-criminal e à luz das exigências da culpa e da prevenção, geral e especial, se torna mais ajustado para a avaliação da personalidade do agente e a sua inserção societária a imposição de uma pena conjunta, ou seja numa pena única e global em que intervenham e concorram todos os elementos e factores, endógenos e exógenos, que determinaram aquelas exactas e concretas acções criminosas por parte do agente, e vez de juntar, materialmente todas as penas a que teria sido feito corresponder cada uma das acções típicas do agente.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente e munificente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta.
Por mais significativos e esclarecedores respigamos o que foi escrito nos arestos que a seguir se extractam.
No acórdão de, 27 de Janeiro de 2016, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral escreveu-se (sic): “O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, pelo menos de forma maioritária, que o momento relevante para a determinação do cúmulo jurídico de todas as penas é o trânsito em julgado da primeira condenação. A fronteira intransponível na consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é, assim, o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente. 
No caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras, devendo a decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira ou seja se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal deverá proferir duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência. 
Justificando tal posição o Acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004 refere que As regras da punição do concurso, estabelecidas nos referidos artigos 77º, nº 1, e 78º, nº 1, não se destinam a modelar os termos de uma qualquer espécie de liquidação ou quitação de responsabilidade, reaberta em cada momento sequente em que haja que decidir da responsabilidade penal de um certo agente, mas têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado. …... A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso, deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime (cfr., a propósito do regime análogo [“pena global”] do § 55 do Strafgesetzbuch, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição, pág. 787).   
Resumindo: o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente.
Não obstante tal entendimento jurisprudencial quase uniforme é diferente a perspectiva manifestada por parte da doutrina Efectivamente, para Figueiredo Dias e Vera Lúcia Raposo o momento relevante, o tal limes intransponível é o da condenação, ou da solene advertência feita pelo juiz ao condenado, e não o trânsito dessa condenação.   Justificando tal posicionamento teórico afirma a Autora ora citada que "quando alguém tiver praticado vários dos crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena"….. De acordo com uma interpretação literal, o legislador teria procurado conglobar numa única pena todos os crimes cometidos antes de transitar em julgado uma condenação, independentemente do facto de terem sido praticados antes ou depois dessa condenação. Porém, as considerações anteriormente formuladas a propósito da eventual impunidade do agente aplicam-se aqui, mutatis mutandis. Isto é, o agente que tivesse sido condenado na pena máxima (ou próximo da pena máxima) saberia que, entre o momento da condenação e o momento do trânsito em julgado, poderia perpetrar os crimes que lhe aprouvesse, já que nunca a sua punição excederia o montante que lhe tivesse sido aplicado na primeira pena. 
Por outro lado, ao cometer crimes após uma condenação judicial, o arguido manifesta maior desconsideração para com a ordem jurídica ia do que nos casos de inexistência de condenação prévia. Embora a mera condenação não configure a solene advertência que só o trânsito em julgado pode representar (e que distingue a figura da reincidência).Tal condenação assinala necessariamente um qualquer tipo de advertência (ainda que susceptível de ulterior modificação em sede de recurso). Este comportamento desrespeitoso do arguido deverá denegar-lhe a condenação em pena única conjunta quanto aos vários crimes em jogo, resultado que, em regra, se revelaria mais favorável do que o cumprimento sucessivo de penas. Ainda que não seja aplicável o instituto da reincidência, por carência de pressupostos, não é despicienda a existência de uma condenação anterior. Esta poderá não ser suficiente para fundar o juízo de censura agravada típico da reincidência, mas é certamente suficiente para afastar o "benefício" que geralmente o concurso de crimes apresenta face ao cumprimento sucessivo de penas. A partir do momento em que existe uma advertência, seja solene (condenação transitada em julgado) seja simples (condenação tout court) deixa de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos praticados (antes e depois dessa advertência) e da personalidade do agente. 
Atendendo a estes argumentos, o art. 77.°/1 do CP deverá ser interpretado no sentido de permitir a aplicação de uma pena única somente aos crimes cometidos antes da condenação. Qualquer crime praticado após esse momento será sancionado com uma pena autónoma, seja uma pena simples caso se trate de um único crime, seja uma pena única conjunta caso a situação englobe vários crimes. Deparar-se-nos-á então uma situação de cumprimento sucessivo de penas. A referida sucessão será composta pela pena referente ao crime ou crimes cometidos antes da condenação e pela pena relativa aos crime ou crimes praticados após a condenação, ainda que previamente ao trânsito em julgado. 
É esta, também, a interpretação sufragada por Figueiredo Dias a propósito do enquadramento temporal do crime para efeitos da sua punição a título de concurso referindo que: "é necessário, por um lado, que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-la tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dela tivesse tido conhecimento. Momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida - e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena conjunta - não o do seu trânsito em julgado 
Impressiona o argumento pragmático invocado pela Autora citada remetendo para a incongruência que constitui, na situação de penas muito elevadas, a criação dum hiato temporal que constitui um autêntico salvo-conduto para que o arguido cometa novos crimes na expectativa de que, até ao trânsito em julgado da pena aplicada, todos esses crimes entram em regime de regra de acumulação. Porém, tal argumento prático, que tem subjacente um deficiente funcionamento do sistema judiciário, não esbate o facto de a interpretação literal da norma do artigo 78 ser convergente com o principio da presunção de inocência consignado no art. 32º nº 2 da C.R.P. segundo o qual  “todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da decisão de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. Resulta de tal princípio que só a condenação inequívoca, porque transitada em julgado, pode ser desencadeadora duma determinada reacção penal, não se compadecendo a interpretação do artigo 78 do Código Penal com uma expectativa condenatória que, até o ser efectivamente,  nenhum efeito substancial pode gerar no estatuto do arguido, nomeadamente em sede de apreciação do concurso de infracções.
Assim entendemos que a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, está condicionada por um ponto de referência- o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais.
Tal entendimento teve o suporte do Acórdão do Tribunal Constitucional, 22 de Maio de 2002 referindo que a exigência formulada pelo artigo 77º, nº 1, do Código Penal como condição para a unificação das penas correspondentes aos crimes em concurso – isto é, a exigência de que a prática de um outro crime tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da decisão condenatória pelo primeiro crime – não pode entender-se como mera condição formal, antes revela um substancial sentido ético, ligado ao princípio da culpa, que deve relacionar-se com as dificuldades de reinserção do arguido, anteriormente condenado.
A condição estabelecida no preceito em análise não se afigura como desrazoável ou injustificada, pois, como ficou dito, assenta num fundamento material bastante e tem uma justificação racional: designadamente, o regime contido na norma impugnada assenta no princípio da culpa e justifica-se pelas especiais dificuldades de ressocialização nos casos em que um arguido a quem tenha sido aplicada uma sanção penal demonstre, pela sua actuação posterior – pela prática de novos crimes –, que não conforma o seu comportamento em função das exigências do direito penal.
Conclui-se que a interpretação normativa atribuída pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 77º, nº 1, do Código Penal, nos termos da qual se considera como momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória, não ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito, da tipicidade, da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1º, 2º, 20º, 29º, nº 1, e 30º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A questão colocada nos presentes autos perfila-se, na sua singeleza, como um caso exemplar de pena conjunta derivada do concurso de infracções.
No que respeita, e repristinando o teor de Acórdão de 30 de Março de 2007, é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. 
Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça 13/9/2006 o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. 
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. 
Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais 
Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72. ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável. 
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)
Importa ainda precisar que merece inteira sintonia o entendimento de que a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas. 
Sem embargo, importa salientar, recorrendo ao estudo profundo do Juiz Conselheiro Lourenço Martins sobre esta matéria, a ideia de que na aplicação de uma única pena no concurso de infracções se desenham hoje duas correntes no Supremo Tribunal de Justiça: uma delas (a tradicional) efectuando a valoração conjunta dos factos e da personalidade do agente sem recurso a regras aritméticas, a outra, fazendo intervir, dentro da nova moldura penal, ingredientes de natureza percentual ou matemática. 
Como exemplos das duas orientações convocadas para a resolução da questão adianta o mesmo autor os seguintes acórdãos que no seu entender são paradigmáticos de duas diferentes concepções:-.Corrente tradicional-Indiciador da tese que denominámos de tradicional se apresenta o ac. STJ, de 19-06-1996, o ac. de 20-05-1998 ou mais recentemente o ac. STJ, de 20-12-2006:  
-Como exemplo da refutação do apelo à tese dos critérios matemáticos (ou simplesmente aritméticos), o ac. ST J, de 29-10-2008 ou o acórdão de 22-02-2007 
Diversamente, convocando a coadjuvação de critérios complementares de natureza logarítmica ou matemática e, nomeadamente, uma denominada «compressão» que deve fazer-se entre o mínimo e máximo da moldura penal especifica prevista no artigo 77 do Código Penal se situa o ac. STJ, de 09-05-2002; No mesmo sector mas, numa formulação mitigada,  encontra-se o ac. STJ, de 24-11-2005   e o ac. de 26-02-2009.  
Após sintetizar as posições em confronto Lourenço Martins encontra algum conforto na tese do recurso à complementaridade, mas suportando esta em algo de mais substancial do ponto de vista dogmático do que a mera necessidade em igualização de penas em teros de obediência ao principio da igualdade. Defende o mesmo a «adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um Julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento. 
Colocada, assim, a questão, e repetindo a nossa posição de princípio da não-aceitação de quaisquer critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.
Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.  
Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).
Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida.
A utilização de tal critério de determinação está relacionada com uma destrinça fundamental que é o tipo de criminalidade evidenciada. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como refere Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fracção cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento
Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.
Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal
Um dos critérios fundamentais na procura do sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência.
Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa expresso pelo número de infracções; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela actividade.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena.”
Do mesmo passo, se consolidou no acórdão de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes.
A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e o máximo de 25 anos de prisão. Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo que a “autoria em série” deve considerar-se, em princípio, como factor agravante da pena. Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.
Analisando os factos verifica-se estarmos perante um extenso complexo criminoso, constituído por um crime de roubo, treze crimes de furto qualificado, dois na forma tentada, dois crimes de furto, um na forma tentada, um crime de violência depois da subtracção, um crime de introdução em lugar vedado ao público e dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, perpetrados entre Maio de 2009 e Outubro de 2010, com excepção de um crime de furto qualificado cometido no ano de 2005. O ilícito global, pese embora dele se não possa dissociar a toxicodependência do arguido, que o acompanha desde os 25/26 de idade, ou seja, há cerca de quinze anos, reflecte uma personalidade desligada dos valores éticos elementares da comunidade. Tal circunstância, associada ao facto de o arguido já ter sido condenado em vários outros processos, por crimes cometidos em 1992, 1997, 1998, 2000, 2003 e 2005, impõe se conclua ser o mesmo portador de tendência criminosa, o que, como já se deixou consignado, constitui factor agravante da pena conjunta. 
Sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, a natureza dos bens jurídicos violados, a gravidade de cada uma das penas singulares impostas, a toxicodependência do arguido e o efeito futuro da pena conjunta sobre o mesmo, entende-se manter intocada a pena de 9 anos e 6 meses de prisão cominada.”
Ou ainda no acórdão, de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro.
A pena de conjunto a aplicar releva da aplicação das regras respeitantes à figura do concurso  superveniente de infracções , previstas no art.º 78.º n.º 1 , em complementaridade com as do art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , quanto ao cúmulo simples , repudiando o legislador  abertamente o sistema de acumulação material de penas , que , na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações , para adoptar um sistema de pena conjunta , erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave , nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação , que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave , agravada pelo concurso de crimes , mas antes de acordo com um sistema misto pontificando a regra da acumulação , por força do qual se procede à definição da pena conjunta dentro de uma moldura cujo limite máximo resulta da soma das penas efectivamente  aplicadas , emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente , sob a forma de cúmulo jurídico ( cfr. Profs . Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 283 e Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs .277 a 284 ) , nos termos legais  précitados . 
Ao lado do cúmulo jurídico regra , previsto naquele art.º 77 .º em que  haverá lugar a aplicação de uma pena única quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, considerando-se na medida da pena  os factos e a personalidade do agente ;  no art.º 78.º n.º 1 , do CP ,  dispõe-se que no caso de conhecimento superveniente do concurso , ou seja quando posteriormente à condenação transitada em julgado se denotar que o agente praticou anteriormente àquela condenação  outro ou outros crimes , são aplicáveis as regras  do disposto no art.º 77.º , do CP , segundo o n.º 1 , do art.º 78.º , do CP , não dispensando o legislador, pois ,  a interacção entre as duas normas .
 Esta norma atinente ao concurso superveniente sofreu a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007 , de 29/8 ,estatuindo que a pena que tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única , excluindo do englobamento penas que tenham sido extintas ( por ex.º por amnistia ou prescrição ) por razões distintas do pressuposto e efectivo cumprimento , com perda de privação de liberdade , pois que aquele englobamento distenderia a moldura de cúmulo , em prejuízo do próprio condenado , como , de resto , se decidiu nos Acs. deste STJ , de 25.10.2012 , P.º n.º 242/10.00GHCTB-S1 e de 20.1.2010 , P.º n.º 392/02.TPFLRS .L1 .S1 .
No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se ,  por pura ficção , o tribunal apreciasse , contemporaneamente com a sentença , todos os crimes praticados pelo arguido , formando um juízo censório único ,  projectando –o retroactivamente ( cfr. Ac. deste STJ , de 2.6.2004 , CJ , STJ , II , 221 ) .
É dominante o entendimento  neste STJ de que o concurso de infracções não dispensa que as várias infracções tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas , representando o  trânsito em julgado uma “ barreira excludente “ afastando-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente ; o trânsito em julgado  de  uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobando as cometidas até essa data se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito .
A primeira decisão transitada em julgado constitui o ponto de partida e o pólo de referência , com eficácia em retroacção , para a identificação das penas que formam a pena de concurso ; todas as demais penas aplicadas posteriormente extrapolam desse primeiro cúmulo –cfr. Ac. deste STJ , de 19.12.2007 , P.º n.º 3400/07 .
A operação de formação da pena conjunta é , assim ,  a reposição da situação que existiria  se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cfr. Prof. Lobo Moutinho ,  in  Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português , ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 1324 ) . – (…) Os recentes Acs. de 25.10.2012 , P.º n.º 242/10.OO GHSTB-S1 e de 27.6.2012, P.º n.º 994/10 .8 TBLGS.S1 situam-se, ainda, nessa mesma orientação esmagadoramente maioritária reinante neste Supremo Tribunal. 
Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência, latu sensu, é a doutrina do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 425, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente, neste sentido, também, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, pág. 247. 
E as razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado, à partida, não deve ser englobada no cúmulo, aplicando-se, antes, as regras da reincidência, resulta do facto  de ao assim proceder o arguido revelar  maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia , deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade, circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo , defende Vera Lúcia Raposo, in  Rev. cit. , págs 583 a 599; idem Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, 313 e Paulo Dá Mesquita, Concurso de Penas, pág. 45 e segs .Cfr., ainda, Ac. deste STJ, de 15.3.2007, P.º n.º 4797/06-5.ª Sec. 
Esta orientação constituindo a jurisprudência prevalente no assinalando ao trânsito em julgado primeiramente ocorrido aquela eficácia e limitação foi a seguida na 1.ª instância e por aplicação desta metodologia escreveu-se no acórdão recorrido que das condenações impostas nos processos a primeira a transitar em julgado é a englobada em A) sendo que os “crimes elencados sob a alínea B) a E) (…) todos eles foram cometidos em datas anteriores ao trânsito em julgado da decisão descrita em A)”, e, sem dúvida, por factos praticadas antes da primeira decisão condenatória, com trânsito em 2.12.2013. 
Na determinação da medida concreta da pena de conjunto – art.º 77.º n.º 1, do CP - são levados em conta, os factos em conjunto e a personalidade do agente, porém afastando que o agente seja punido em função de um somatório achado materialmente de penas, numa visão puramente aritmética, matematizada, própria da mera acumulação de penas, de que se dissocia, já o dissemos, o legislador apontando para uma forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, erigindo uma dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs . 290 -292 ; cfr., ainda, os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06, este  daquela data, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente  ou seja exigências de prevenção especial de socialização . 
Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão entre eles e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, a uma “carreira” criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro –Prof. Figueiredo Dias , op. cit . § 421 . 
Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. 
A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa, mas essa realidade de novo nascente“ não apaga a pluralidade de ilícitos antes a converte numa nova conexão de sentido (…) . A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa, que continua a ser a culpa pelo facto, mas agora pelos factos em relação, a final a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP“, cfr. Cristina Líbano Monteiro, in a pena unitária do concurso de crimes, RPCC, Ano 16, Janeiro -Março, 2006, 164 . 
A pena de conjunto , nos termos do art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP, não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível, segundo Iescheck, RPCC,Ano XVI, 155 antes repousando numa valoração global dos factos, representativos, em termos de avaliação  da personalidade, pura manifestação estrutural dela ou de uma  mera pluriocasionalidade, dissociada de uma “ carreira” criminosa ou uma propensão que aquela exacerba. 
Na operação de fixação da pena, tanto parcelar como de conjunto, o juiz, escreve Iesheck, in Derecho Penal, pág. 1192, Vol. II, goza na sua determinação de uma certa margem de liberdade individual, não sindicável, é certo, não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente aplicação do direito. 
Essa margem de discricionariedade, escreve aquele penalista, op. e loc. citados, no que não se mostra positivado na lei, e por isso, não plenamente controlável de um modo racional, colhe justificação  já que se trata de converter as múltiplas vertentes da  formação da pena em “ magnitudes penais”, porém fora  disso o direito penal moderno fornece regras centrais para a determinação da pena . 
A tarefa de fixação da pena deixou de ser uma “arte” do julgador, para, em essência, ser uma função vinculada por meio da qual se exerce a função jurisdicional, reflectindo a soberania do Estado , que não consente que a pena seja alvo de escolha , tanto pelo condenado como pelo Tribunal (cfr. André Lamas Leite,  A Suspensão da Execução da Pena , Studia Jurídica,  2009 , Ad Honorem , pág. 591 . 
 A pena de conjunto , nos termos do art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , não prefigura  uma simples elevação esquemática ou arbitrária das penas do quadro punitivo em presença, uma estatuição mecânica, uma compressão no conjunto, em forma de fracção aritmética, antes segundo Jescheck, RPCC,Ano XVI ,155 implicando  uma valoração global dos factos , representativos , em termos de avaliação  da personalidade , de  pura manifestação estrutural dela ou de uma  acidentalidade no “iter” vital.  
Para a definição da personalidade do agente importa, pois, averiguar se os factos evidenciam conexão entre eles, espácio-temporalmente limitada, ou, pelo contrário, espelham uma tendência criminosa, arrastada temporalmente, incapaz de sustentar um juízo de prognose favorável pela sua reiteração, gravidade, modo de execução e demais circunstâncias que avolumam o grau de reprovação. 
De grande relevo é, na doutrina do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág.291, a influência da análise do previsível efeito da pena sob o comportamento futuro do agente e em geral.
(…) O crime de roubo que lhe é imputado ( art.º 210.º n.ºs 1 , 2 e 3 , do CP )  representa uma simbiose, em que concorrem, em concurso aparente,  o normativismo  atinente à protecção do património alheio, como se depreende da remissão feita para as regras do furto e, ainda, às  normas  que se propõem proteger valores tão importantes como os da vida, integridade física e da liberdade da acção e de movimentos. 
Assinala-se-lhe, por isso mesmo,  a natureza de crime pluriofensivo e de execução vinculada, pois que vigora, para sua consumação material, a sujeição a um regime apertado, taxativo, em termos de execução, só o podendo ser  pelos modos descritos no art.º 210.º n.º 1 , do CP , ou seja  pelo recurso à violência, física ou, psíquica, à ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física , pondo a vítima na impossibilidade de resistir, levando à entrega de coisa  móvel, alheia, desde que “res non nullius” ou “derrelicta”, abandonada. 
Relevante, ainda, a concorrência de um nexo de finalidade, como lhe chamam Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal , comentado, a págs .  877. 
Teoriza o Prof . Faria Costa , in CCCP , II , 1999 , 43 , que o roubo é a eliminação do domínio de facto, que outrem detinha.
O roubo é, hoje , um crime temível, sobretudo quando emergente  de grupos,  sempre de difícil controle, imprevisibilidade de acção, usando os seus agentes, por vezes, meios de actuação sofisticados, deslocalizando-se com facilidade, tornando mais complexa a sua neutralização, com o  que a  pertinência a essa forma de  acção  traz um “plus” de culpa e de ilicitude, de censura e antijuridicidade, antinormativismo.
No conceito de violência se integram, por ex.º, o bater, entravar, agarrar, amarrar, deitar ao chão e o retirar  da mão, com força, um telemóvel, esclarece, José Hurtado  Pozo –Droit Penal, Parte  Spécial, 2009, 290. 
Actualmente a perigosidade da criminalidade violenta contra o património tende a esbater-se,  para dar-se mais relevo à percepção do desvalor do valor social do roubo, visto como uma grave forma de ataque às pessoas, cujas vítimas preferidas são os idosos, doentes, crianças e mulheres, justamente os mais desprotegidos do tecido social, escreveram Giovanni Fiandaca e Enzo Musco , Diritto Penale , Parte Speciale , vol . II , II , 5.ª ed. , 2012, 160, citados com pertinência a fls. 3651.
(…) A reinserção social com o afastamento futuro da delinquência  é meta  a atingir, nos termos do art.º 40.º , do CP , sempre que possível.  
Não há dúvida de que o arguido carece de educação para o direito; urge  uma tomada de consciência neste sentido, fazendo-lhe incutir, como se faz questão no relatório social, a necessidade de “reorganização pessoal e social da motivação individual para uma orientação social normativa, moldada em novos padrões de relacionamento social valorizada pela escolarização/profissionaliza-ção.
Ao nível da prevenção especial, sentida em grau elevado, importa corrigir o arguido, neutralizando os seus impulsos criminosos afastando-o da reincidência, a fim de recuperar o equilíbrio perdido, pondo a tónica na correcção, na lógica de que não vale a pena cometer crime, fazer-lhe sentir que não vale a pena praticar delitos precisamente porque a espada da lei se abaterá sobre quem o fizer, isto porque o delito fere o tecido social, causa um verdadeiro risco social, marcando a passagem do Estado de guardião a intervencionista. 
É a chamada prevenção especial positiva, em contraponto com uma concepção negativista em que a pena de prisão se reduz apenas à custódia, sem preocupação de intervenção junto do delinquente; é a eliminação do marginal e incorrigível, que só olha para a custódia do agente do crime ,  com a sua máxima expressão nos EUA e no aforismo “Three  stricker and you are out”, o que equivale a que alguém que pratica um terceiro delito, mesmo que de pouca gravidade, arrisca uma pena de prisão perpétua ou de 25 anos de prisão.
A pena única deve actuar,  ao nível da prevenção geral, mais do que o efeito intimidatório sobre o comum dos cidadãos, como o entendia Feuerbach, o grande impulsionador da doutrina da prevenção geral, segundo o qual as infracções têm um impulso psicológico sendo  função da pena  combater o impulso psicológico geral e imanente socialmente -teoria psicológica da coacção, contrapondo-se-lhe, agora, não  tanto aquele efeito dissuasor sobre a sociedade pela magnitude penal aplicada, forma de autocontrole das suas tendências criminosas, mas  como forma de reforçar, por via dela, a eficácia da lei e de o Estado manter a confiança da sociedade nos seus órgão aplicadores, de quem esperam intervenção sempre actual e revigorante do sistema, levando os cidadãos a crer na vantagem tanto individual como colectiva da observância da lei. 
É a protecção das expectativas  da comunidade  contra o contra o facto criminoso, que demanda vigor punitivo, intolerância ao atentado a  bens ou valores jurídicos fundamentais, pilares da subsistência da colectiva, que, entre nós, muito se  impõem num momento de frequente  desrespeito contra as pessoas e património alheio, causando alvoroço, insegurança e alarme social, demando uma intervenção penal vigorosa, mas justa.  
Na verdade a pena que o condenado e a sociedade reclamam é a pena justa, proporcionada, limitando ao mínimo o prejuízo junto do seu destinatário e família, comprimindo de forma ajustada, ao mínimo indispensável, tendo em vista o  fim das penas,  os direitos fundamentais do cidadão, nos termos dos art.ºs 18.º , da CRP , 40.º e 71 .º , do CP . 
E nessa justa medida, face à idade do arguido, que há data dos factos ainda era jovem menor de 21 anos (nasceu em 21 de Fevereiro de 1993 )à circunstância de os crimes por que foi condenado, revelando embora vontade criminosa, dolo firme, reiterado e à contrariedade manifesta à lei, atendendo ao modo de execução, se reconduzem à apropriação, na generalidade de insignificantes valores patrimoniais e mesmo na vertente pessoal dos roubos e das ofensas corporais (agravadas pela comparticipação nelas de mais de duas pessoas), não se situar o seu procedimento num chocante e grave patamar, à aposta na sua  capacidade de se regenerar, justifica-se a redução da pena a 9 (nove)  anos e 6 (seis )  meses  de prisão, que, ainda assim, satisfaz  as prementes necessidades  de prevenção geral, em sede comunitária e especial, de prevenção de reincidência.”     
Ou, por mais recentes, os acórdãos de 9 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). 
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1)[4]:
«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). 
Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. 
Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). 
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). 
Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»
Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[5].
A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[6].
 Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social, lê-se na decisão recorrida, acrescentando-se:
«Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo da repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar no caso concreto.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se orientado quase unanimemente no sentido que acaba de se referir, assumindo que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa.
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime.»
4.3. Determinação da pena conjunta
4.3.1. O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[7].
 A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20 de Dezembro de 2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». 
Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».
Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[8].
 Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[9], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”»[10]. 
4.3.2. O artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal prescreve que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 6 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1 – 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».
A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. 
A decisão que fixe a medida concreta da pena do cúmulo não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter, como se considera no acórdão que vem de se citar,  uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
 Na fundamentação da pena conjunta, lê-se no acórdão recorrido, que «o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena única, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas tabelares ou conclusivas, sob pena de inquinação de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do C.P.Penal».
4.3.3. Ora a decisão recorrida não cumpre inteiramente os critérios que o próprio tribunal a quo considera deverem ser convocados para a fundamentação da pena conjunta. Concorda-se com o entendimento da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no sentido de que a fundamentação da pena única «é escassa».
Não obstante, tendo em consideração a referência que é feita aos «factos e personalidade do agente» que devem ser considerados em conjunto na medida da pena e a remissão operada para os «factos provados» e para as «circunstâncias apuradas a favor e contra a conduta do arguido», entendemos que a decisão recorrida não é nula por falta de fundamentação.
De todo o modo, sempre caberia a este Supremo Tribunal, no âmbito deste recurso, suprir essa eventual nulidade, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 379.º do CPP na medida em que a decisão recorrida fornece, para tanto, os necessários elementos.
4.3.4. Ora, do acórdão recorrido e da matéria de facto dada como provada, resulta que o arguido, agora recorrente praticou dez crimes de furto – dois de furto simples e oito de furto qualificado –, um crime de dano qualificado e um crime de condução ilegal.
A actividade delituosa no âmbito destes crimes foi levada a cabo em Janeiro de 2014, no período compreendido entre finais de Julho de 2014 e o final da primeira semana de Agosto do mesmo ano, tendo ainda cometido um crime de furto em finais de Abril de 2015.
A prática criminosa do recorrente concentrou-se, portanto, mais intensivamente durante uma semana de Agosto de 2014, observando-se uma certa homogeneidade na execução dos crimes, com repetição do mesmo modo de actuação o que pode revelar umas personalidade criminosa pouco imaginativa.
Subjacente à prática dos crimes pelos quais foi condenado e estabelecendo uma conexão entre todos, estará uma concreta motivação associada à toxicodependência, à «problemática aditiva».
Assim, é razoável admitir-se que o conjunto dos factos praticados não é revelador de uma tendência criminosa do recorrente, sendo antes reconduzível a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Sendo assim, não será de atribuir à pluralidade de crimes o efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Esse efeito seria, isso sim, de atribuir se o conjunto dos factos fosse reconduzível a uma tendência desvaliosa do arguido.
Por seu lado, os crimes cometidos pelo arguido-recorrente atingiram, na sua quase totalidade, bens jurídicos patrimoniais. Em nenhuma situação se verificou a ofensa de bens pessoais.
4.3.5. De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a pena aplicável no concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No caso sub judice, a moldura penal do concurso tem uma «enormíssima amplitude», pois está compreendida entre o limite mínimo a pena de 2 anos e 9 meses de prisão e o limite máximo 24 anos e 5 meses de prisão. Nela estão compreendidas penas parcelares, na sua maioria, de equivalente dimensão, só devendo contar para a pena conjunta uma fracção menor de cada uma dessas penas. 
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta (proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas). 
Como a este propósito é salientado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Julho de 2014 (Proc. n.º 95/10.9 GGODM.S1), «é aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras».
O arguido foi condenado pela prática de 12 crimes, todos eles se situando no âmbito de uma criminalidade média-baixa.
Não obstante a elevada ilicitude dos factos praticados com as inerentes necessidades de prevenção geral, há que ter presente a idade do recorrente à data da prática da quase totalidade dos crimes – 24 anos –, ao seu problema no âmbito da toxicodependência, ao facto de ter confessado uma boa parte dos delitos cometidos e de estar a ser acompanhado no estabelecimento prisional pelos serviços clínicos, tendo retomado as consultas no CRI, frequentado também as sessões do Projecto Homem, comunidade terapêutica a intervir em meio prisional, considera-se algo inflacionada a pena de 9 anos de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido. Concordando com a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal também no parece que «que uma pena única de 9 anos de prisão estaria mais consentânea, quer com outro “tipo” de arguido, quer com um diverso tipo de criminalidade, criminalidade mais grave, nomeadamente contra as pessoas, que os factos praticados pelo recorrente, ainda que censuráveis, notoriamente não espelham».”
E. finalmente, o acórdão proferido no processo nº 261/10.JALRA.E2.S1, datado de 19 de Abril de 2017, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, no qual interviemos como adjunto.

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas, (…): “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

(…) A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substrato da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

 Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de (…) de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); (…).

Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, (…) de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); (…) de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); 8…) de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; (…).

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

(…) Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, (…) e processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1: “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                                                 

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica  em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade  relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; (…)

Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).

A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.

É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

“(…) Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

(…) Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.

(…) Começando pelo crime de roubo.

Na sistematização do Código Penal em vigor, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, enquadra-se na categoria dos crimes contra o património (Título II, do Livro II - Parte especial), e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade (Capítulo II – artigos 203.º a 216.º).

Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie em causa, a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade, nomeadamente, o direito à integridade pessoal, com tutela constitucional, abrangendo as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa - artigo 25.º, n.º 1, da Constituição da República - o qual consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, sendo o direito à integridade física e psíquica, à partida, um direito pessoal irrenunciável – assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º – Coimbra Editora, 2007, pág. 454.

Na doutrina clássica, o roubo denominava-se rapina, que Bohmer definia nos seguintes termos: ”Est enim delictum publicum, quod res mobilis, per vim personae illatam, animo lucrifaciendi intervertitur”.

Na antiga doutrina jurídica portuguesa, Pereira e Sousa, Classes dos Crimes, 2.ª edição, Lisboa, 1816, pág. 333, relativamente ao crime de roubo, escrevia: «Roubo é a tirada da coisa móvel para o fim do lucro com violência feita à pessoa», acrescentando ainda […] Não é preciso, porém, que a violência seja levada ao último grau, mas bastam as ameaças, e os gestos, quando obrigado por elas o dono da coisa a entrega».

Segundo Miguel Caeiro, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 18, pág. 15, versando sobre o tipo base/definição do então artigo 432.º do Código Penal de 1886 «… O roubo, por ser um crime complexo, não deixa de reproduzir integralmente os tipos legais que o formam. Nem da unificação deste resulta para o tipo complexo outra autonomia que não seja a respeitante à punição. Portanto, no artigo 432.º, encontra-se reproduzido o tipo legal do artigo 421.º, exceptuando o modo de execução».

E acrescentava: «Seja pessoal ou patrimonial o elemento predominante do roubo, não se vê razão para a menor diversidade de conceitos sobre a situação jurídica do agente perante a coisa subtraída, embora esta seja por violências ou ameaças contra as pessoas…».   

Então o artigo 421.º reportava-se ao crime de furto e o modo de execução do roubo, segundo a descrição legal, consistia em a subtracção de coisa alheia se cometer com violência ou ameaça contra as pessoas.

Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 85, o roubo constitui categoria típica autónoma, a comungar de características de furto e de extorsão, sendo sui generis o tipo face a eventualidade do duplo modo alternativo de comissão.

Como refere Conceição Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 160, a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime - fim do roubo.

Tal tipo de crime caracteriza-se como “um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais - o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - quer bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física, sendo que, em certas hipóteses, de roubo agravado, se põe em causa, ademais, o bem jurídico vida (art. 210º, n.º 2, a), primeira parte, e nº 3).”.

Nesta análise importará reter que o crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo (na expressão de Antolesi «um típico crime pluri-ofensivo»), em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – artigo 70.º do Código Civil –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia.

Cristina Líbano Monteiro, Roubo e Sequestro em Concurso Efectivo?, em crítica ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,  de 2 de Outubro de 2003, da 5.ª Secção, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, N.º 3, Julho-Setembro 2005, pág. 494, afirma: “O tipo legal do roubo provém, por assim dizer, de um concurso efectivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no art. 203º do Código Penal -, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida. O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. A acção social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais”.

No plano da jurisprudência, há que ter em consideração os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, versando sobre os tipos legais do artigo 306.º do Código Penal de 1982 e artigo 210.º do Código Penal de 1995, ou seja, i. a., os acórdãos de 30-11-1983, BMJ, n.º 331, pág. 345; de 15-11-1989, BMJ, n.º 391, pág. 239; de 04-04-1991, BMJ, n.º 406, pág. 335; de 04-02-1993, BMJ, n.º 424, pág. 369; de 22-04-1993, BMJ n.º 426, pág. 250, de 15-02-1995 (dois), CJSTJ1995, Tomo 1, págs. 205 e 216; de 12-03-1997, processo n.º 198/97-3.ª, in Sumários de acórdãos do STJ, n.º 9 – Março de 1997, pág. 69 (No crime de roubo há uma pluralidade de bens jurídicos violados: para além do ataque ao direito de propriedade, ataca-se também a liberdade); de 24-09-1997, processo n.º 1016/97-3.ª, in Sumários de acórdãos do STJ, n.º 13 – Julho/Setembro de 1997, pág. 138 (No crime de roubo o agente viola uma pluralidade de bens jurídicos, entre os quais avultam a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção de coisas móveis alheias, mediante o emprego de violência ou ameaça contra as pessoas. Por isso mesmo, o roubo é “um típico crime pluriofensivo”); de 18-05-2006, processo n.º 1411/06-3.ª, in CJSTJ 2006, Tomo 2, pág. 185, que após assinalar o carácter complexivo e pluriofensivo do roubo, afirma: “Trata-se de um crime de processo típico, na medida em que o iter criminis, está expressis et appertis verbis, definido na descrição dos processos de subtracção: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir”; (…) de 26-11-2008, processo n.º 3548/08-3.ª, em que se define o roubo como crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, como infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente; (…) de 27-05-2010, processo n.º 474/09.4PSLSB.L1.S1-3.ª (O crime de roubo constitui um crime de resultado, que pressupõe a produção de um resultado como consequência da actividade do agente: a subtracção de coisa alheia com constrangimento para bens jurídicos pessoais); (…) de 24-09-2014, processo n.º 280/13.1GARMR.S1 - 3.ª (O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados os primeiros, no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e de decisão e na integridade física, postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir); (…).

No crime de ofensa à integridade física grave, para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2.ª edição actualizada, Outubro de 2010, pág. 754 (e pág. 559, da 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015), “O bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade física de outra pessoa. No que respeita ao grau de lesão do bem jurídico, a incriminação legal tem a estrutura de um crime de perigo concreto na al.ª d) e de um crime de dano nas restantes alíneas”.

(…) Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal.

No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram.

O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima.(…).

Sob esta perspectiva da componente patrimonial, em termos puramente objectivos, são de considerar os valores dos bens apropriados pelos arguidos OO e PP, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo patrimonial causado.

Sendo a propriedade de coisa móvel alheia o bem jurídico protegido com a incriminação do furto e pretendendo-se com a punição do crime de roubo, para além do mais, também a tutela da propriedade, estando em causa valores patrimoniais de quantitativo variado, a intensidade da agressão ao património do (s) visado (s) variará de acordo com o montante das quantias e o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade do bem propriedade consoante esse valor, e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 202.º, alíneas a), b) e c) e artigo 204.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.º 4, distinção que releva sobretudo no crime de roubo qualificado, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 2, alínea b), como os anteriores do Código Penal, mas que fora do quadro de qualificação do crime, de agravação da moldura penal cabível, terá reflexos na medida da pena.

(…) Procurando estabelecer conexão entre os crimes cometidos, a mesma está presente na prática do roubo e sequente ofensa à integridade física grave, através de disparo com arma de fogo, perpetrados sobre a mesma vítima, em execução de um plano previamente determinado.

As consequências da ofensa à integridade física foram graves, como se alcança das cicatrizes descritas no FP 12, das sequelas enumeradas no FP 13, com realce para os 611 dias de doença com afectação para o trabalho geral e profissional e instabilidade da marcha.  

No caso presente é elevado o grau de ilicitude dos factos.

Como antecedentes criminais o arguido PP foi condenado por cinco vezes por factos praticados entre 25-10-2003 e 3-02-2008 (emissão de cheque sem provisão, por duas vezes, injúria, ameaça e abuso de confiança fiscal continuada) em penas de multa, tendo pago duas e outras duas substituídas por PTFC, que cumpriu, nada constando sobre a última.

O arguido PP foi condenado por cinco vezes, por ofensas à integridade física simples, em concurso com ameaça e injúria, por emissão de cheque sem provisão, ameaça, injúria e furto qualificado, por factos praticados entre 5-08-2004 e 12-06-2009, em penas de multa por quatro vezes, uma delas substituída por PTFC, sendo o furto qualificado punido por decisão de 3-05-2011 com a pena de 3 anos de prisão suspensa por igual período de tempo.

Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.

Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade dos recorrentes que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelos arguidos.” [[10]]
O arguido insurge-se contra a pena unitária que lhe foi imposta, em concreto, por (i) o consumo de álcool ter afectado a capacidade de discernimento, orientação vivencial e determinação resolutiva (activa) do arguido – cfr. itens 63.º e 64.º dos factos provados; (ii) que o arguido “(…) não se colocou nesta situação para perpetrar os actos ilícitos; (iii) o tribunal deveria, “nos termos do artigo 410º do CPP”, (…) “ter interpretado o estatuído no artigo 20.º n.º 2 do CP, no sentido de que a imputabilidade atenuada determina a atenuação especial da pena nos termos do art.72.º do CP”; (iv) o arguido tem 27 anos de idade (à data da prática dos factos tinha 25); (v) é oriundo de uma família destruturada e muito pobre, que abandonou a escola muito cedo e que apenas tem a 4.ª classe de escolaridade; (vi) tem uma filha menor de idade; (vii) à data da sua detenção exercia a actividade de jardineiro.
Para a formação da pena unitária pelo conjunto dos crimes cometidos pelo arguido, não será despiciendo recensear os factos e traços da personalidade mais expressivos, marcantes e salientes do arguido.
O arguido cometeu os crimes por que foi condenado num período temporal que mediou entre Novembro de 2014 e Dezembro de 2014; o arguido agiu em conjugação de vontades e esforços com mais indivíduos; agiu com expressiva, desapiedada e contundente violência sobre as pessoas que usurpou de bens – utilizando uma caçadeira de canos serrados; agredindo as vitimas com socos, pontapés e à coronhada; sequestrando um individuo na bagageira do automóvel; constrangendo uma pessoa a conduzi-lo, sob ameaça de arma de fogo, a uma caixa multibanco para retirada de numerário – era detentor de arma de fogo não legalizada; era detentor de substâncias psicotrópicas.
No plano estritamente pessoal, não possuía emprego constante, era consumidor de bebidas alcoólicas (que agiriam em substituição de outros produtos estupefacientes de que se abstivera.
O arguido evidencia, da factualidade ressumada supra, ser um indivíduo desajustado com um comportamento societário minimamente arrimado aos valores condensados na ordenação jurídico-social. Desintegrado socialmente evidencia um desprezo patente por valores axiais e inderrogáveis de qualquer pessoa conformada com a ontologia social que rege a convivência societária, a saber a vida. O modo como opera as acções criminosas são demonstrativas de uma pessoa desprovida de valorações sóbrias e atinadas com o respeito pela vida do semelhante. Um indivíduo que utiliza uma arma de canos cerrados, não deve desconhecer, antes há-de ter perfeito conhecimento, o potencial de danos que um disparo efectuado por uma arma com essas características pode produzir no corpo de outrem. Quem usa uma arma com essas características (i) demonstra conhecer os efeitos que ela produz nos demais; (ii) sabe que produzindo esses efeitos/temores obtém com mais rapidez tudo aquilo que pretende; (iii) tem a noção de que uma reacção do visado pode desencadear uma reacção sua e neste caso os danos ou efeitos de um disparo são fatais (até porque em situações similares os disparos são efectuados sem controle, a reduzida distância e em atitude de emergência, desespero e descarga pessoal de vingança sobre o potencial reversor da agressão, ou da pressão de usurpação de bens);  (iv) evidencia um sentido de poder e de injunção influente (mesmo perante os demais elementos do grupo) que o coloca numa posição de supremacia na entidade grupal em que se vivencia.
O modo de agir do arguido evidencia, pelos momentos sincopados que supra expusemos, acção armada, agressão, introdução de uma vitima na bagageira, posterior acção de subtracção de bens em casa de uma das vitimas com o modus operandi que se assinalou, uma personalidade desavinda e desafectada dos cânones mínimos que um viver societário impõe.   
O modo realização das acções típicas são evidenciadoras de uma personalidade desfasada e incruenta e não atenuam este modo de agir a ingestão de bebidas alcoólicas. Não vem demonstrado que o arguido, no momento em que ocorreram os factos criminosos por que foi condenado, estivesse alcoolizado, nem que seja portador de um estado de alcoolismo que lhe afecte o discernimento e a capacidade de determinação e resolução.
Decorre do que fica exposto, que a pena unitária que foi imposta ao arguido não se mostra desconforme com os padrões de injunção sancionatório para este tipo de acções criminosas e características personalísticas.      
         

III. – DECISÃO.
Na defluência do que foi expendido, acordam os juízes que constituem esta colectivo, na 3ª secção (criminal) deste Supremo Tribunal, em: 
- Negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão sob sindicância;
- Condenar o recorrente nas respectivas custas.



                                                                       LISBOA,

Gabriel Catarino (relator)
Manuel Augusto de Matos

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[1] J. Antón Oneca, Delito Continuado, em N.E.J., 1954, p. 448 e J.M. Rodriguez Devesa, Derecho Penal Español, parte general, Madrid, 1976, pag. 728, citados em “El Delito Continuado”, de Maria T. Castañeira, Bosch, 1977.p. 16.   Quanto aos elementos caracterizadores do crime continuado vide o Ac. do STJ, de 4.1.2006; CJ; Ano XIV; Tomo I/2006.
[2] Vide Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Giuffrè Editore, 1997, p. 509 e segs.
[3]  Cfr. op. loc. cit., p. 996.
[4] OP. loc. cit., p. 1002.
[5] Vide Op. loc. Cit., p. 524.
[6] Cfr. ainda Ac. do STJ de 4 de Janeiro de 2006, in Col. Juris., Acs. Do STJ, Ano XIV. Tomo I/2006, p. 157.
[7] Cfr. a este propósito Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosh, Barcelona, 1981, p. 1024; Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 1044.; e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime; Editorial Noticias, 1993, p. 276 e segs..
[8] Cfr. op. loc. cit. em último lugar da nota antecedente, p. 285.
[9] Disponível em www.dgsi.pt. «Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida ao crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso». - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Editorial de Notícias, p. 295.
[10] À excepção do derradeiro dos acórdãos citados, todos os demais têm guarida no sitio www.dgsi.pt.