Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14217/03.2TDLSB-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DECISÃO QUE PÕE TERMO À CAUSA
Data do Acordão: 10/20/2016
Votação: MAIORIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / DECISÃO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / RECURSO DE REVISÃO.
Doutrina:
- Luís Osório, Comentário ao “Código de Processo Penal “Português, 6.º vol., C. Ed., 403.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do “Código de Processo Penal”, 4.ª ed., UCE, 1215 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 56.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 97.º, N.º 1, AL. A), 449.º, N.º 2, 450.º, N.º 1, ALS. B) E C), 464.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12.03.2009, PROC. N.º 09P0396-3.ª (E OS AÍ INDICADOS); 02.04.2009, PROC. N.º 09P0106-5.ª, 29.09.2010, PROC. N.º 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª, 21.12.2011, PROC. N.º 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª; 17.10.2012, PROC. N.º 1177/06.7GISNT-A.S1-3.ª, TODOS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 07.05.2009, PROC. N.º 73/04.7PTBRG-D.S1-5.ª; 09.12.2010, PROC. N.º 346/02.3TAVCD-B.P1.S1-5.ª, 20.02.2013, PROC. N.º 2471/02.1TAVNG-B.S1-5.ª; 05.11.2013, PROC. N.º 62/04.1IDACB-A.S1-5.ª; 07.05.2015, PROC. N.º 50/11.1PCPDL-A.S1-5.ª, TODOS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I -Sobre a natureza final ou não do despacho que revoga a suspensão da execução de uma pena confrontam-se no STJ duas orientações acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão desse despacho.
II -Uma das orientações jurisprudenciais considera que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena não se limita a dar mera sequência à decisão condenatória, antes dela fazendo parte integrante, mormente ambas as decisões se equiparando quanto ao efeito suspensivo de recurso que de uma e outra seja interposto, a subir nos próprios autos.
III - A outra orientação, que consideramos ser a correcta, considera que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta à recorrente não pôs fim ao processo, antes abriu a fase de execução da pena de prisão em que foi condenada, pelo que, consequentemente não pode ser objecto de revisão (art. 449.º, n.º 2, do CPP).
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA, veio, nos termos do art.º 449.º do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão em que havia sido condenada nos autos de processo n.º 14217/03.2TDLSB da extinta 4.ª Vara Criminal de Lisboa, ora a correr termos na 1.ª Secção Criminal-J16 da Instância Central de Lisboa, da Comarca de Lisboa.

Alegou, em resumo, que por acórdão [de 07.04.2006] transitado em julgado em 02.05.2006 fora condenada na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 5 anos, com a condição de pagamento [ao Estado Português] da quantia anual de 5 000,00 € durante esse período, sem que o tribunal tivesse ponderado, em termos de proporcionalidade e razoabilidade, a sua situação financeira para poder cumprir a condição, o que contendeu com o n.º 2 do art.º 51.º do CP.

Alegou ainda que “consultados os autos” verifica-se que a arguida nunca teve conhecimento do acórdão condenatório, nem nunca foi ouvida com vista à revogação da suspensão da pena, audição essa obrigatória, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do art.º 32.º da CRP e porque a condição era de cumprimento impossível, o que conduz ao afastamento da culpa e, “não havendo culpa, não deve vingar a revogação da suspensão da pena, antes devendo considerar-se extinta a pena”.

Concluiu pedindo:

1. Seja admitido o recurso de revisão;

2. Seja considerada ilegal a decisão de condicionar a suspensão da execução da pena sem a devida ponderação da possibilidade do cumprimento e consequentemente declarar extinta a pena, ou -

3. Seja julgada ilegal a determinação da revogação da suspensão da execução da pena sem audição prévia da arguida e ponderação de outros meios de prova que esta possa indicar e consequentemente ordenar a realização dessas diligências ao tribunal a quo.

Notificada para, em cumprimento do art.º 451.º, n.º 3 do CPP, juntar certidão da decisão de que pedia a revisão com nota do trânsito em julgado, juntou certidão do acórdão condenatório, vindo posteriormente e ex oficio a ser junta certidão do despacho que revogou a suspensão por ser esta, afinal, a decisão da pretendida revisão.

O M. P.º respondeu no sentido da inadmissibilidade do recurso uma vez que, sendo baseado na alín. f) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, a recorrente não indicou qualquer acórdão do Tribunal Constitucional, nem qualquer norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral em que se baseasse a condenação, pronunciando-se também pela improcedência do recurso já que quer o acórdão, quer o despacho de revogação da suspensão transitaram em julgado, sendo que a modesta capacidade financeira alegadamente impeditiva de ser fixada a condição de suspensão e a falta de audição poderiam ter sido invocadas em sede de recurso ordinário e não foram.

Na informação prevista no art.º 454.º do CPP a Exma. Juíza, após referência às duas correntes que no STJ se confrontam sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão de um despacho revogatório da suspensão da execução de uma pena, deixou à consideração deste STJ a pronúncia sobre tal matéria.

Quanto ao mais, sustentou a inexistência do fundamento invocado para o recurso, da alín. f) do n.º 1 do art.º449.º do CPP, por simplesmente não existir nenhuma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral provinda do Tribunal Constitucional, pois “o que se constata existir é uma discordância da recorrente quanto ao teor do acórdão condenatório e posteriormente quanto ao teor do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, discordância essa que seria fundamento de recurso ordinário – do qual a recorrente não se socorreu – e não de recurso extraordinário de revisão”.

Do historial do processo exposto nessa informação resulta não só haver transitado em julgado quer o acórdão condenatório, quer o despacho que revogou a suspensão da execução da pena (tal como, de resto, se prova com a certidão junta), mas também das tentativas ensaiadas para a audição prévia àquela revogação o que, não obstante às sucessivas notificações, sempre se recusou e só quando foi detida em Inglaterra em cumprimento de um MDE para extradição e cumprimento da pena imposta se aprestou à interposição do presente recurso.

Mais se informou que, mesmo analisando a justiça da condenação, sempre seria difícil entender que a arguida, ao ter-se apropriado da quantia de 157 834,24 € pertença do Estado, por cujo crime de falsificação de documentos e de peculato foi condenada na pena única de 3 anos de prisão e ao ter-se subordinado a condição de suspensão por 5 anos ao pagamento de um total de 25 000,00 €, ao longo desse período de tempo (5 000,00 € por ano), essa condição não pudesse com razoabilidade ser cumprida.

Já neste STJ o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da denegação da revisão, nos seguintes termos:

Aceitando-se a tese da admissibilidade de revisão do despacho de revogação da suspensão, entendemos (…) impor-se a denegação da revisão.

Em síntese:

É inexistente o fundamento invocado (o da alín. f) do n.º 1, do art.º 449.º), porquanto quer no acórdão condenatório, quer na decisão de revogação da suspensão não foi aplicada (nem a recorrente a enuncia) qualquer norma que servisse de fundamento a estas decisões que tenha sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral;

Outrossim, não foi invocado qualquer facto novo, ou novo meio de prova, que pusesse em causa e de forma grave a justiça quer da condenação, quer da revogação da suspensão. A arguida teve oportunidade não só de impugnar as decisões (acórdão condenatório e despacho de revogação), como também, antes da revogação, de expor as razões do incumprimento da condição suspensiva. Ora, tendo desprezado os meios ordinários de defesa, não pode agora socorrer-se dos extraordinários para obter a correcção de eventuais erros”.

Colhidos os vistos legais, cumpriria apreciar e decidir do fundamento invocado para a revisão, não fora colocar-se a questão prévia da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso, tendo em conta que a decisão objecto do pedido de revisão consiste num despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena de prisão.

*

II. Fundamentação

1. Da informação prestada a coberto do art.º 454.º do CPP, corroborada com a certidão junta, está provada a seguinte matéria de facto:

a) – Nos dias 22 de Fevereiro de 2006 e 15 de Março de 2006 teve lugar a audiência de julgamento na qual a arguida esteve presente e confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusada (fls. 375 a 378 dos autos principais);

b) – Em 7 de Abril de 2006 procedeu-se à leitura do acórdão na ausência da arguida (fls. 394 e 395 dos autos principais) que a condenou na pena única de 3 anos de prisão pela prática, sob a forma continuada, de um crime de falsificação de documentos e de um outro de peculato, bem como no pagamento ao Estado da indemnização de 157 834,24 €, pena essa declarada suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sob a condição de entrega ao Estado da quantia de 5 000,00 € por ano durante esse lapso de tempo;

c) – Em 8 de Maio de 2006 certificou-se o trânsito em julgado do acórdão condenatório, ocorrido em 2 de Maio de 2006 (uma vez que a arguida, tendo estado presente na audiência de julgamento e encontrando-se notificada da data designada para a leitura do acórdão foi nessa diligência representada pela sua ilustre defensora oficiosa, para todos os efeitos, incluindo a notificação do acórdão – art.º 332.º, n.º 5, do Código de Processo Penal);

d) – Em 25 de Junho de 2008 foi a arguida pessoalmente notificada para vir aos autos demonstrar que se encontra a cumprir com a condição de suspensão da execução da pena (fls. 469 e v.º dos autos principais);

e) – Uma vez que a arguida não compareceu naquela diligência nem justificou a sua falta foi a mesma notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar relativamente à eventual revogação da suspensão da execução da pena (fls. 486 e v.º dos autos principais);

f) – Não obstante, a arguida, na sequência de tal notificação, nada ter dito, foi proferido despacho a solicitar à DGRS a elaboração de relatório social que incidia, além do mais, sobre as condições económicas da arguida (fls. 488 a 489 dos autos principais);

g) – A arguida foi pessoalmente notificada desse despacho (fls. 492 e v.º dos autos principais);

h) – A DGRS informou em 6 de Abril de 2009 que a arguida não compareceu à entrevista que haviam agendado para o dia 25 de Março de 2009 e que, tendo efectuado uma deslocação à morada da mesma, contactaram com a arguida, que se disponibilizou a comparecer nos serviços da DGRS em 6 de Abril de 2009 (fls. 495 dos autos principais);

i) – Em 9 de Abril de 2009 a DGRS informou que a arguida não compareceu à entrevista marcada e que não estabeleceu qualquer contacto posterior com aqueles serviços (fls. 496 dos autos principais);

j) – Por despacho de 29 de Abril de 2009 designou-se nova diligência para audição da arguida, agora no dia 1 de Junho de 2009 (fls. 499 dos autos principais);

l) – A arguida, apesar de regularmente notificada, faltou a essa diligência (fls. 505 e 521 dos autos principais);

m) – Tendo em vista tomar posição quanto à eventual revogação da suspensão da execução da pena, foi proferido despacho a solicitar certificado de registo criminal actualizado da arguida, bem como informação sobre a eventual pendência de inquéritos ou processos contra a mesma (fls. 524 e 525 dos autos principais);

n) – A arguida foi pessoalmente notificada desse despacho em 16 de Junho de 2009 (fls. 527 e v.º dos autos principais);

o) – Em 20 de Janeiro de 2010 solicitou-se à autoridade policial competente informação sobre o local de trabalho da arguida, assim como voltou a solicitar-se à DGRS a elaboração de relatório social (fls. 559 e 560 dos autos principais);

p) – Em 18 de Março de 2010 a DGRS informou que não conseguiu estabelecer contactos com a arguida tendo em vista a elaboração do relatório social actualizado (fls. 564 dos autos principais);

q) – Por despacho de 19 de Abril de 2010 foi designada nova data para audição da arguida (fls. 567 desses autos);

r) – A arguida foi pessoalmente notificada para comparecer nessa diligência (fls. 579 desses autos);

s) – Não obstante, na data designada para a sua audição, voltou a não comparecer no tribunal (fls. 580 desses autos);

t) – Por despacho proferido em 29 de Junho de 2010 veio a ser determinada a revogação da suspensão da execução da pena aplicada à arguida (fls. 588 e 591 desses autos);

u) – Em 12 de Agosto de 2010 foi a arguida pessoalmente notificada daquele despacho (fls. 598 e v.º desses autos);

v) – Não tendo a arguida recorrido desse despacho, o mesmo transitou em julgado, pelo que foram emitidos mandados de detenção contra a arguida a fim de cumprir a pena de 3 anos de prisão em que fora condenada (fls. 616 desses autos);

x) – Subsequentemente não foi possível dar cumprimento a tais mandados por a arguida se ter ausentado da sua morada, sendo desconhecido o seu paradeiro;

z) – Realizadas diversas diligências tendo em vista apurar do paradeiro da arguida, veio a constatar-se que a mesma se encontraria em Inglaterra, tendo sido emitido Mandado de Detenção Europeu para concretização da sua detenção;

aa) – Por haver sido detida em Inglaterra, ao abrigo do Mandado de Detenção Europeu emitido para o efeito, a arguida encontra-se actualmente e desde 30 de Junho de 2016, em Portugal em cumprimento da pena de 3 anos de prisão em que fora condenada. 

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2. Como é sabido, o recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, a que aludem os art.ºs 449.º e ss do CPP, com a dignidade constitucional conferida pelo n.º 6 do art.º 29.º da CRP, assume-se como um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários, ou casos de flagrante injustiça, em ordem a sobrepor o princípio da justiça material à segurança do direito e à força do caso julgado.

Dado o seu carácter extraordinário ou excepcional, está sujeito às causas taxativas e imperiosas elencadas no n.º 1 daquele preceito legal.

Foi precisamente com base no fundamento da alín. f) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP (“seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação”) que a recorrente peticionou a revisão.

Surpreendentemente não indicou, contudo, qualquer norma que tivesse servido de fundamento fosse ao acórdão condenatório, fosse ao despacho de revogação da suspensão e cuja inconstitucionalidade houvesse sido declarada pelo Tribunal Constitucional com força obrigatória geral, nem nenhum aresto desse tribunal apontou, o que e à falta de qualquer outro fundamento de revisão enunciado em qualquer das demais alíneas desse preceito, seria motivo de denegação da revisão.

Mas, conforme assinalado, há uma questão prévia a que importa dar solução e que tem a ver com a admissibilidade ou inadmissibilidade do próprio recurso tendo em conta a natureza do despacho objecto de revisão.

O art.º 449.º do CPP sob a epígrafe “fundamentos e admissibilidade da revisão”, depois de no seu n.º 1 fixar os fundamentos da revisão da sentença transitada em julgado, no seu n.º 4 equipara para esse efeito à sentença o “despacho que tiver posto fim ao processo”.

Ora, é sobre a natureza final ou não do despacho que revoga a suspensão da execução de uma pena que neste STJ se confrontam duas orientações acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão desse despacho.

A que não admite o recurso[1] baseia-se nos seguintes argumentos:

- O despacho que revoga a suspensão da execução da pena não põe fim ao processo, antes dá sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão, como decorre do n.º 2 do art.º 56.º do CP ao prescrever que a revogação da suspensão “determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”.

O despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídico-processual por razões substantivas ou adjectivas; é o que tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito; é o que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (art.º 338.º do CPP) ou a decisão sumária do relator. Já não o despacho que revogou a suspensão da execução da pena.[2]

A matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação, o que por força da equiparação do n.º 2 do art.º 449.º, tem de perpassar também pelo despacho que põe fim ao processo, como decorre das alíns. b) e c) do n.º 1 do art.º 450.º do CPP, o que não acontece com o despacho revogatório da suspensão, onde desde logo não é a justiça da condenação decretada na sentença que é posta em causa, mas a justeza e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena.

Acresce que essa alín. c) só confere legitimidade ao arguido para a revisão quanto a sentenças condenatórias pelo que, obviamente não se tratando o despacho revogatório da suspensão de uma sentença (art.º 97.º, n.º 1, alín. a) do CPP), sempre o condenado carecerá de legitimidade para o recurso.

Finalmente, resulta do art.º 464.º do CPP que o Supremo “se conceder a revisão, declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga”.

Quer dizer, o efeito útil da revisão traduz-se no prosseguimento do processo, pelo que, o despacho susceptível de revisão, há-de ser um despacho que antes tenha abortado o seu prosseguimento.

O que, de todo, não é o caso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena.

A outra orientação jurisprudencial considera que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena não se limita a dar mera sequência à decisão condenatória, antes dela faz parte integrante, mormente ambas as decisões se equiparando quanto ao efeito suspensivo de recurso que de uma e outra seja interposto, a subir nos próprios autos.[3]

Temos para nós que o entendimento que consagra a não possibilidade de revisão do despacho em causa, de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, consubstancia maior consistência argumentativa, nela nos revendo.

Sem querer repetir os fundamentos expostos diremos, a concluir, que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta à recorrente decididamente não pôs fim ao processo, antes abriu a fase de execução da pena de prisão em que foi condenada, em consequência não podendo ser objecto de revisão (art.º 449.º, n.º 2, do CPP).

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III. Decisão

Face ao exposto, na procedência da questão prévia, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em não admitir o recurso.

Custas pela recorrente, com 4 UC de taxa de justiça.

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Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Outubro de 2016

Francisco Caetano

Souto de Moura (Vencido, com declaração)

Santos Carvalho


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Vencido, pois o despacho que revoga a suspensão da pena ou o que extingue esta, na medida em que altera os termos da sentença condenatória, integra-se na mesma, sendo dela indissociável. Sendo um segmento da decisão condenatória é passível de recurso de revisão. Mal se compreenderia que, por exemplo, não tendo o tribunal conhecimento de que o condenado cumprira a obrigação que lhe foi determinada como condição de suspensão da pena e, em consequência, ter revogado a suspensão da pena, vir o condenado, posteriormente, apresentar prova cabal de que, afinal, a condição tinha sido cumprida em tempo, que não pudesse haver uma revisão desse segmento, cujo efeito poderia evitar que o condenado sofresse uma prisão a todos os títulos injusta. Creio mesmo que tal colide com o disposto no art.º 32.º, n.º 1, da CRP. Noto, no entanto, que no presente caso, ainda que se admitisse o recurso, o mesmo não conduziria à concessão da revisão, por falta absoluta de fundamento legal.

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[1] V. entre outros os Acs. STJ de 12.03.2009, Proc. 09P0396-3.ª (e os aí indicados); 02.04.2009, Proc. 09P0106-5.ª, 29.09.2010, Proc. 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª, 21.12.2011, Proc. 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª, estes dois do mesmo Relator; 17.10.2012, Proc. 1177/06.7GISNT-A.S1-3.ª, todos in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., UCE, pág. 1215 e ss.
Este Autor, a propósito do entendimento dos que defendem a revisão do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, salienta que tal se traduz numa “inadmissível interpretação frontalmente contra legem do art.º 449.º, n.º 2, que redunda numa aplicação analógica de normas excepcionais por via da “equiparação de efeitos” entre a condenação e a revogação da suspensão da execução da pena de prisão”. 
Já Luís Osório, em face do Código de 1929, perante preceito que só previa a sentença como susceptível de revisão (art.º 673.º), sustentava que também os despachos que “mandam arquivar o processo ou declaram não ter o arguido sido agente da infracção” podiam ser objecto de recurso de revisão (Comentário ao Código de Processo Penal Português, 6.º vol., C. Ed., pág. 403.
[3] V., entre outros, os Acs. de 07.05.2009, Proc. 73/04.7PTBRG-D.S1-5.ª; 09.12.2010, Proc. 346/02.3TAVCD-B.P1.S1-5.ª, 20.02.2013, Proc. 2471/02.1TAVNG-B.S1-5.ª, todos do mesmo Relator; 05.11.2013, Proc. 62/04.1IDACB-A.S1-5.ª; 07.05.2015, Proc. 50/11.1PCPDL-A.S1-5.ª, ambos da mesma Relatora, este último com voto de vencido, todos in www.dgsi.pt