Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO SILVA MIGUEL | ||
Descritores: | PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL CONCORRÊNCIA DE CULPAS ACIDENTE DE VIAÇÃO PRESUNÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/23/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS CRIMES CONTRA A VIDA. DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. DIREITO ESTRADAL - INFRACÇÕES ESTRADAIS ( INFRAÇÕES ESTRADAIS. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, 695; Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª Edição, Coimbra, 1996, p. 544. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 351.º, 483.º, N.ºS1 E 2, 487.º, N.ºS 1 E 2, 563.º, 570.º, N.º1. CÓDIGO DA ESTRADA (CE), VERSÃO DADA PELO DECRETO-LEI N.º 138/2012, DE 05 DE JULHO: - ARTIGOS 24.º, N.ºS 1 E 3, 25.º, N.ºS 1, AL. F), E 2, 27.º, N.º 1, 29.º, N.º1, 35.º, N.º1. CÓDIGO PENAL. (CP): - ARTIGO 137.º, N.º1. REGULAMENTO DE SINALIZAÇÃO DO TRÂNSITO (RST), CONTIDO NO DECRETO REGULAMENTAR Nº 22-A/98, DE 1 DE OUTUBRO, NA VERSÃO DADA PELO DECRETO REGULAMENTAR Nº 2/2011, DE 3 DE MARÇO: - ARTIGOS 69.º, N.º 1, AL. B), 71.º, N.º 1, 76.º, N.º 1, ALS. A) E B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 6 DE JANEIRO DE 1987, PUBLICADO NO BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (BMJ), N.º 363, P. 488, DE 8 DE FEVEREIRO DE 2001, PROCESSO N.º 3637/00, E DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 3450/03, ACESSÍVEL TAL COMO OUTROS CITADOS NO TEXTO, QUANDO OUTRA FONTE NÃO FOR ESPECIFICADA, NA BASE DE DADOS DO IGFEJ EM HTTP://WWW.DGSI.PT/ ; -DE 29 DE ABRIL DE 2004, PROCESSO Nº 04B1302 ; -DE 19 DE MAIO DE 2005, PROCESSO N.º 05B1469; -DE 22 DE JUNHO DE 2006, PROCESSO Nº 06B1862; -DE 15 DE FEVEREIRO DE 2007, PROCESSO N.º 07B302, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 06B4390, DE 6 DE JULHO DE 2006, PROCESSO N.º 06B2216, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2014, PROCESSO N.º 2142/10.5T2AVR.C1.S1, DE 28 DE FEVEREIRO DE 2013, PROCESSO N.º 524/06.6TBPSR.E1.S1, PROCESSO N.º 6353/05.7TVLSB.L1.S1; -DE 3 DE FEVEREIRO DE 2011, PROCESSO N.º 605/05.3TBVVD.G1.S1; -DE 27 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 136/07.7TBTMC.P1.S1. * A.U.J. N.º 4/2002, DE 9 DE MAIO DE 2002, PUBLICADO DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, N.º 146, SÉRIE I-A, DE 27 DE JUNHO DE 2002. | ||
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Sumário : | I - O art. 487.º, n.º 2, do CC estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Consagra-se, assim, o critério da culpa em abstracto, conforme à diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto. O critério legal de apreciação da culpa é um critério abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal. II - A jurisprudência maioritária considera que, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial (art. 351.º, do CC) ao condutor que violou regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto. III - Pretendendo o arguido efectuar uma mudança de direcção à esquerda num entroncamento que permite o acesso a um arruamento, no qual se encontra colocado, na via de onde este precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direcção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, sendo que quando o arguido iniciou a manobra de mudança de direcção o sinal intermitente ficou amarelo fixo, tendo prosseguido a marcha, sem parar, em direcção ao arruamento, resulta claro que a sua actuação é culposa. IV - Com efeito, decorre dos factos que o arguido viu o sinal amarelo passar de intermitente a fixo que lhe impunha a proibição de entrada na zona regulada pelo sinal (salvo se o arguido se encontrasse já muito perto dessa zona quando a luz acendeu e não pudesse parar em condições de segurança o que não emerge da factualidade provada) e a uma velocidade reduzida próxima de 20km/h, não se deteve e resolveu fazer a manobra, sem que, por contraponto, qualquer perigo adviesse do cumprimento da obrigação de parar. Ter-se-á presente que, ainda que se admita que o arguido tenha visionado o sinal amarelo fixo já dentro da zona por ele regulada – impunha-se-lhe o dever de parar a sua viatura ao invés de avançar e fazer a manobra de mudança de direcção – contando o arguido, necessariamente, com a sorte da travessia, o que não veio a suceder. V - Com a referida conduta, o arguido violou o disposto no art. 69.º, n.º 1, al. b), do Regulamento de Sinalização do Trânsito – o que é sancionado, nos termos do art. 76.º, n.º 1, al. b), do mesmo regulamento – sendo que a sua conduta, ainda que não fosse considerável a prevalência da obrigação do respeito do semáforo de amarelo fixo, era igualmente apta a violar ainda as regras gerais de condução contidas nos arts. 35.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, do CE. VI - Resultando, também, dos factos provados, que a vítima, condutor do motociclo, a dada altura fez uma travagem, perdeu o equilíbrio e, já em perda de equilíbrio, passou uma zona de sinalização luminosa (apresentando-se o semáforo amarelo fixo à sua passagem), indo embater na lateral direita, na zona da roda da frente, da viatura do arguido, quando este passava na frente da faixa por onde seguia, na metade direita da faixa de rodagem destinada ao seu sentido de trânsito, verifica-se, de igual forma, a culpa da vítima. Com efeito, do facto de a vítima não conseguir travar resulta que a mesma vinha em excesso de velocidade, pois que, se tivesse cumprido as regras de trânsito que se lhe impunham, tinha adequado a velocidade que imprimia ao veículo por forma a permitir-lhe efectuar uma travagem segura, evitando deste modo o embate (arts. 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, al. f), do CEst). VII – Tendo ambos os intervenientes no acidente de viação violado regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas. Havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou (art. 483.º, n.º 1, do CC). VIII – Ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à dinâmica do acidente, ocorre um maior grau de culpa do arguido condutor do veículo automóvel na produção da ocorrência do evento colisão. Apesar da vítima circular com o motociclo em excesso de velocidade, no momento que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido estava atravessado, por inteiro, na faixa de rodagem do sentido contrário – impossibilitando assim à vítima qualquer possibilidade de efectuar uma manobra de evasão ou desvio de direcção de último recurso que pudesse evitar o embate atenta a dimensão do veículo automóvel que este conduzia – quando este último, poderia e deveria, ter parado ao sinal amarelo fixo, estando em perfeitas condições para o fazer em condições de segurança. IX - Atendendo ao disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 40% para a vítima e em 60% para o arguido condutor do veículo seguro pela demandada, e não em 50% como havia feito a Relação, havendo que recompor as indemnizações fixadas em conformidade com esta nova repartição de culpas. X - Existindo, à data do acidente, seguro válido e eficaz, cabe à demandante satisfazer a respectiva indemnização, na exacta medida daquela proporcionalidade da culpa do condutor do veículo seguro, o que significa que a demandada seguradora ficará condenada a pagar aos recorrentes, ora demandantes, a quantia de €60.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima, os montantes de €24.000,00, a título de indemnização por danos morais para cada um dos demandantes pela morte do seu filho, e por despesas fúnebres €222,85, valor esse que cobre o empobrecimento patrimonial ainda existente, que será arbitrado aos dois demandantes, em termos de solidariedade passiva. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, AA foi submetido a julgamento e absolvido, por sentença proferida em 9 de fevereiro de 2015, da acusação contra si deduzida, pela prática de infrações ao disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 7.º, n.º 2, 2.º, 29.º, 44.º e 146.º, alínea a), todos do Código da Estrada (CE), e pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP). 2. No decurso dos referidos autos, CC e DD constituíram-se assistentes e deduziram pedido de indemnização civil contra a “EE, SA.”, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 192.048,29 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data da notificação para contestar até efetivo e integral pagamento. 3. O pedido cível deduzido por CC e DD contra EE, SA. foi declarado parcialmente procedente, pela referida sentença, e em consequência a seguradora foi condenada a pagar[1]: 4. Inconformados, recorreram os assistentes e demandantes civis para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra que decidisse condenar o Arguido pela prática do crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e respetivas contraordenações que lhe foram imputadas em sede de acusação, e, em consequência, ser a “EE - Seguros Gerais S.A.” condenada no pagamento aos Assistentes/Demandantes/Recorrentes do montante global de € 190.371,41, acrescido dos juros legais desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil até integral pagamento. 5. Também inconformada, recorreu igualmente a demandada “EE - Seguros Gerais, S.A.” para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando por seu turno pela revogação da sentença e substituição por outra que conduza à absolvição da recorrente do pedido, com todas as devidas e legais consequências. 6. Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu: 7. Ainda inconformados com a procedência parcial do pedido de indemnização civil que deduziram pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os demandantes recorreram para este Supremo Tribunal delimitando o recurso à parte civil, nos termos do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, pedindo a revogação do acórdão recorrido no que concerne à questão cível - "quantum" indemnizatório e sua substituição por acórdão que decida condenar a “EE - Seguros Gerais S. A.”, no pagamento aos Demandantes/Recorrentes do montante global de € 180.371,41 ou € 144.297,12, acrescido dos juros legais desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, formulando as seguintes conclusões: 8. No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido despacho de admissibilidade do recurso a 26 de novembro de 2015 (fls. 1063). 9. O magistrado do Ministério Público junto no Tribunal da Relação de Lisboa, notificado para o efeito, prescindiu do decurso do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 413.º do CPP, por entender que, sendo o recurso limitado à vertente cível da causa, o Ministério Público carece de legitimidade para responder. 10. A demandada “EE Seguros Gerais, SA”, tendo sido notificada da interposição de recurso por parte dos Demandantes, veio apresentar a respetiva resposta, nos termos e fundamentos seguintes: 11. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, notificado para o efeito, não emitiu parecer, por entender que, sendo o recurso limitado à vertente cível da causa, o Ministério Público carece de legitimidade para emitir parecer, por não representar qualquer das partes. 12. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência (artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).
II. Fundamentação a. Matéria de facto 13. Foi a seguinte a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que modificou parte da matéria de facto fixada pela 1.ª instância: E, com relevo para a decisão, foram dados como não provados os factos que se transcrevem: «Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa articulados na acusação, no pedido de indemnização civil, nas contestações ou alegados em audiência que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicado por estes, para além de meras conclusões, matéria de direito ou exposição de motivos, nomeadamente que: b. Matéria de direito: b1). Objeto do recurso 14. De harmonia com o dispôs no artigo 412.º, n.º 1, do CPP, é a partir da motivação do recurso interposto e das suas conclusões que se delimita o objeto do recurso, salvo as questões de conhecimento oficioso. As questões, cuja reapreciação é requerida, tal como resultam das conclusões formuladas, são no essencial as seguintes: 15.Passemos pois a analisar separadamente cada uma das questões suscitadas que constituem o objeto do presente recurso: 15. Importa, antes de mais, quanto às questões suscitadas pelo recurso no que respeita à dinâmica do acidente de viação, sublinhar que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conforme dispõe o artigo 434.º do CPP, somente reaprecia matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento (oficioso) dos vícios previstos no artigo 410.º, n.os 2, alíneas a) a c), e 3, do CPP. Está, assim vedado ao STJ proceder à análise crítica da prova testemunhal ou documental produzida nos autos, substituindo-se às instâncias na valoração dos meios de prova e na fixação da matéria de facto provada e não provada. Neste sentido, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de dezembro de 2006 ([7]) ao afirmar: «I. Tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal coletivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. II. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer atuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido.» Por outro lado, como repetidamente este Supremo Tribunal tem afirmado, e aqui se reitera, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de que este Supremo Tribunal deva conhecer oficiosamente. 16. No caso aqui em apreciação, da leitura das conclusões de recurso resulta claro que os demandantes ora recorrentes não pretendem por via do presente recurso sindicar os factos provados pelas instâncias, nem tão pouco o montante global fixado a título de indemnização (no valor de €180.371,41, a título de indemnização civil, por danos patrimoniais e não patrimoniais). Na verdade, da leitura das referidas conclusões de recurso resulta manifesto que os recorrentes apenas pretendem impugnar o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no segmento relativo ao pedido de indemnização cível formulado nestes autos, no que respeita à conclusão quanto à existência de uma concorrência de culpas entre o condutor do veículo automóvel e o condutor do motociclo, filho dos demandantes ora recorrentes. Assim, os recorrentes entendem que a matéria de facto considerada provada corrigida e aditada pelo acórdão recorrido não infirma, minimamente, as considerações plasmadas na sentença da 1ª instância quanto à velocidade do motociclo e responsabilidade deste para avaliação do (quantum) indemnizatório (às quais aderem), decorrendo da mesma que o Arguido/Recorrido foi o único responsável pelo acidente "sub judice", pelo que, entendem que o acórdão recorrido violou os artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Código da Estrada e os artigos 483.º, 496.º e 570.º do Código Civil, no que respeita à fixação do montante indemnizatório, que, assim, devia ter sido fixado na totalidade do pedido. Em razão do exposto, não evidenciando a leitura do acórdão recorrido que o mesmo padeça de qualquer dos vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, que não foram sequer invocados pelo recorrente, cumpre analisar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergente do acidente de viação que culminou na morte vítima Tiago Carrilho, tendo por base os factos dados como provados pela 1.ª instância, com as alterações à matéria de facto introduzidas pelo acórdão da Relação sob recurso. Apreciando. 17. Nos termos do artigo 483º, nº 1, do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Para que exista uma obrigação de indemnizar, a cargo do lesante, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, é necessário: A responsabilidade civil é uma modalidade da obrigação de indemnizar, ou seja, de eliminar o dano ou prejuízo reparável, que pode ser patrimonial ou não patrimonial, no primeiro caso se atinente a interesses avaliáveis em dinheiro e, no segundo, se referente a interesses não avaliáveis em dinheiro, como é o caso do corpo, da vida, da honra, da saúde e da beleza. A ilicitude formal do facto, envolvente de ação ou omissão, traduz-se na sua afetação de normas legais, e a sua ilicitude material na violação de direitos ou interesses legalmente protegidos. 18. O artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso ([9]). Consagra-se, assim, o critério da culpa em abstrato, conforme à diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto. 21. Antes de mais, cumpre referir que a legislação aplicável, atentas as sucessivas alterações ao Código da Estrada (CE, doravante), é o referido Código na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 05 de julho, e bem assim o Regulamento de Sinalização do Trânsito (RST, doravante), contido no Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de outubro, na versão dada pelo Decreto Regulamentar nº 2/2011, de 3 de março. Resulta do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do RST, que «[a] sinalização luminosa destinada a regular o trânsito de veículos é constituída por um sistema de três luzes circulares, não intermitentes, com as cores vermelha, amarela e verde, a que correspondem os significados seguintes: (…) b) Luz amarela — transição da luz verde para a vermelha: proíbe a entrada na zona regulada pelo sinal, salvo se os condutores se encontrarem já muito perto daquela zona quando a luz se acender e não puderem parar em condições de segurança; obriga os condutores que já estiverem dentro da zona protegida a prosseguir a marcha;» (sublinhado nosso). Por seu turno, estatui o artigo 71.º, n.º 1, do citado diploma legal, sob a epígrafe «Luzes intermitentes», que «[o] sinal constituído por uma luz amarela intermitente circular ou apresentando a forma de seta negra sobre fundo amarelo autoriza os condutores a passar, desde que o façam com especial prudência, tendo o mesmo significado que o sinal constituído por duas luzes amarelas dispostas verticalmente e acendendo alternadamente.»(sublinhado nosso) A infração aos referidos preceitos legais constitui contraordenação sancionada com as coimas previstas no artigo 76.º, alínea a), do R.S.T. Decorre por seu turno do preceituado no artigo 29.º, n.º 1, do CE, que «[o] condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste», estabelecendo-se no artigo 35.º, n.º 1, do CE, que «[o] condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e para que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito» Transpondo-se a aplicação das mencionadas normas estradais para o caso em apreço, no que, concerne ao ato de condução do arguido, não existem dúvidas quanto à atuação culposa do mesmo. Na verdade, no confronto com os factos provados, resulta que o arguido, pretendia efetuar uma mudança de direção à esquerda num entroncamento que permite o acesso ao arruamento de acesso à estação fluvial de Belém, no qual se encontra colocado, na via de onde este precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido (cfr. factos provados em 1 a 3). Mais se provou que, quando o arguido iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda o sinal intermitente ficou amarelo fixo (tal como o da vítima BB), e prosseguiu a sua marcha, sem parar, em direção ao arruamento, apesar de, em sentido contrário ao seu, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo, cortando a linha de trânsito deste, o qual por seu turno não parou no entroncamento (cfr. factos provados em 4 a 6). Provou-se igualmente que, o arguido assinalou previamente a manobra de mudança de direção, acionando o sinal intermitente do lado esquerdo ("pisca") e que quando estava em plena manobra de mudança de direção, a uma velocidade de cerca de 20 km/h, foi o veículo conduzido pelo arguido embatido pelo motociclo conduzido pela vítima (cfr. factos provados em 7 a 9). Decorre dos factos que o arguido viu o sinal amarelo passar de intermitente a fixo que lhe impunha a proibição de entrada na zona regulada pelo sinal (salvo se o arguido se encontrasse já muito perto dessa zona quando a luz acendeu e não pudesse parar em condições de segurança o que não emerge da factualidade provada) e a uma velocidade reduzida próxima de 20 km por hora, não se deteve e resolveu fazer a manobra, sem que, por contraponto, qualquer perigo adviesse do cumprimento da obrigação de parar. Ter-se-á presente que, ainda que se admita que o arguido tenha visionado o sinal amarelo fixo já dentro da zona por ele regulada (cfr. facto provado em 4) – impunha-se-lhe o dever de parar a sua viatura ao invés de avançar e fazer a manobra de mudança de direção – contando o arguido, necessariamente, como se diz no acórdão recorrido “com a sorte na travessia”, o que não veio a suceder. Acresce que, apesar de trazer as luzes acesas (cfr. facto provado em 16), do local estar dotado de iluminação pública, tendo boa visibilidade (cfr. factos provados em 21 e 18) e, na orientação do motociclo, a avenida configurar uma reta, com uma faixa de rodagem de cerca de 6 metros em cada sentido e de 150 metros de comprimento no sentido da origem do motociclo (cfr. factos provados em 22 e 23), não logrou aperceber-se que na via contrária circulava um motociclo (cfr. factos provados em 5, 6 e 17), do que se conclui que, não só passou quando o sinal impunha que tivesse parado, como fê-lo de modo desatento, pois não se apercebeu que na via contrária circulava um motociclo (cfr. factos provados em 5, 6 e 17), quando podia e devia fazê-lo. Tendo a via pelo menos 150 metros de extensão, não é defensável que no momento em que era exigível ao arguido a verificação acerca da circulação na outra via (o que se lhe impunha em face do sinal intermitente que antecedeu o fixo), ou seja, no momento em que inicia a manobra o motociclo não estivesse visível. Tanto que resulta dos factos provados que o veículo do arguido era avistável para o condutor do motociclo, o que impõe uma situação de reciprocidade (cfr. facto provado em 16). Resulta manifesto que, com a conduta apurada, o arguido violou o disposto no artigo 69º, n.º 1, alínea b), do RST – o que é sancionado nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea b), do mesmo regulamento – sendo que a sua conduta, ainda que não fosse considerável a prevalência da obrigação do respeito do semáforo de amarelo fixo, era igualmente apta a violar ainda as regras gerais de condução contidas nos mencionados artigos 35.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, do CE. Como sobressai do antes exposto, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação deve atribuir-se culpa na sua produção, por presunção judicial, ao condutor que violou as regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que tivessem determinado tal facto. Pelo que, não existem dúvidas da existência de culpa do arguido condutor do veículo seguro pela demandada civil que motivou inclusivamente a sua a sua condenação pela prática, como autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal. 22. Aqui chegados e avaliando a conduta da vítima, condutor do motociclo, da análise dos factos que resultaram como provados, resulta igualmente indubitável a conclusão de que esta desenvolveu igualmente uma atuação causal do acidente que lhe é imputável a título de culpa. Dimana do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do CE que «[o] condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente», acrescentando, por outro lado, o artigo 25.º, n.º 1, alínea f), do citado diploma legal (na redação aplicável) que «[s]em prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;», constituindo a infração aos referidos preceitos legais contraordenação sancionada com as coimas previstas, respetivamente, nos artigos 24.º, n.º 3, e 25.º, n.º 2, do Código da Estrada. Transpondo-se a aplicação das mencionadas normas estradais para o caso em apreço, no que respeita ao ato de condução da vítima BB, não existem igualmente dúvidas quanto à atuação culposa do mesmo. Com efeito, resulta, em suma, dos factos provados que, seguindo de motociclo, a dada altura a vítima fez uma travagem, perdeu o equilíbrio e, já em perda de equilíbrio passa uma zona de sinalização luminosa (apresentando-se o semáforo amarelo fixo à sua passagem) e vai embater na lateral direita, na zona da roda da frente, da viatura do arguido, quando este passava na frente da faixa por onde seguia, na metade direita da faixa de rodagem destinada ao seu sentido de trânsito (cfr. factos provados em 3, 6, 10 e croqui). 23. Entendem os recorrentes que, na via onde seguia a vítima BB era permitido circular a 50 km/h e a sinalização passa diretamente do "verde" para "amarelo fixo", sendo que o Tiago, nestas circunstâncias, não estava obrigado nem podia parar, pois não lhe foi possível fazê-lo em condições de segurança. Acrescentam ainda os recorrentes que o veículo conduzido pelo arguido aparece à vítima BB, de surpresa e inopinadamente, obrigando-o a uma travagem de emergência que leva ao seu próprio desequilíbrio, não lhe sendo possível evitar o acidente, o que não se pode considerar ou reconduzir a imperícia como pretende o douto acórdão recorrido. Referem ainda que a travagem e os sinais de travagem de um motociclo não se podem equiparar aos de um veículo automóvel, não significando a mesma velocidade, sendo menor para o motociclo, sendo que o douto acórdão recorrido apenas levou em conta o fator velocidade, quando se sabe que há outros fatores que influenciam a distância de travagem, como sejam o atrito, a massa, o declive da via e outros fatores de resistência. Ora, como se enfatiza no acórdão recorrido, a questão do excesso de velocidade tem que ser perspectivada em face das circunstâncias concretas do caso e pode não se reconduzir unicamente à violação do dever de acatar o limite máximo de velocidade de 50 km/hora, por o local estar situado dentro de localidade. Como antes se referiu, se é certo que o artigo 27.º, n.º 1, do CE impõe aos condutores limites máximos de velocidade, também o é de que eles são estabelecidos «sem prejuízo do disposto nos artigos 24º e 25º de limites inferiores que lhes sejam impostos» e, tais limites, como resulta da leitura dos citados preceitos legais supra transcritos, reconduzem-se aos princípios gerais de que o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo ao estado da via e do veículo e a todas as demais circunstâncias relevantes, o possa parar no espaço livre e visível à sua frente, em condições de segurança, sendo que deve moderar a velocidade especialmente nos entroncamentos. Porém, face à factualidade fixada pelas instâncias a que agora teremos de nos reportar em tal análise, a vítima BB não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente, pois que, ao tentar parar perdeu o equilíbrio (cfr. facto 11) e o controle do motociclo, de tal modo que este deixou um rasto de derrapagem no solo (fricção da parte metálica, de acordo com o facto provado em 11) que se iniciou metros antes do semáforo respetivo e por uma distância sensivelmente equivalente àquela em que só ficaram marcas de travagem no solo (cfr. facto provado em 49), derrapando em mais de 8,73 metros, correspondente a metade do rasto de travagem de 17,45metros, uma vez que a partir de cerca de metade do mesmo inicia-se o vestígio de fricção de parte metálica do motociclo, iniciando-se a perda de equilíbrio deste até ao local do embate. Tal factualidade implica a conclusão de que a vítima BB não passou semáforo nenhum no âmbito da sua condução, porquanto, antes de chegar à zona da sinalização semafórica (que se apresentava amarelo fixo), tentou travar, tendo perdido a condução efetiva do motociclo e, já em situação de derrapagem e perda de equilíbrio, foi embater na viatura do arguido, num ponto situado para além dessa sinalização. Podendo questionar-se, como fazem os recorrentes, sobre o motivo que terá determinado a travagem do BB - o ter avistado o semáforo ou o ter avistado a viatura conduzida pelo arguido -, à luz da factualidade fixada pelas instâncias não foi possível demonstrar qual dos referidos motivos terá sido determinante de tal travagem. Qualquer quer que tenha sido o motivo determinante, o facto objetivo é que a vítima que conduzia o motociclo não conseguiu travar, porque a velocidade de que vinha animado, conjugada com a sua (im)perícia na tripulação do motociclo não permitiram que o parasse, perante um entroncamento, antecedido por um semáforo que se apresentava amarelo fixo e do obstáculo constituído pelo outro veículo com que se deparou após o referido semáforo. Ora, tivesse a vítima cumprido as regras de trânsito que se lhe impunham, teria adequado a velocidade que imprimia ao veículo por forma a permitir-lhe efetuar uma travagem segura, evitando deste modo o embate. Perante o exposto, não há margem para questionar ou duvidar que, apesar de não se ter apurado que seguisse a uma velocidade superior a 50 km/h, a vítima seguia em patente excesso de velocidade, face ao estatuído nos artigos 24.º, n.º 1,e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, não adequando a velocidade que imprimia ao motociclo que conduzia por forma a que lhe fosse permitido travar, antecipadamente e em segurança, perante a aproximação a um semáforo (que se apresentava amarelo fixo) e a um entroncamento, não conseguindo travar e perdendo o controlo da viatura antes de chegar ao aludido semáforo, acabando por embater no veículo conduzido pelo arguido. Ao não ter logrado imobilizar, completamente o veículo, antes de se produzir o embate no veículo conduzido pelo arguido, é de entender, com base em presunções naturais ou judiciais (artigo 351º do Código Civil), fundadas, designadamente nas características da via, incluindo o estado do piso, que tal condutor seguia em excesso de velocidade, com o que infringiu normas estradais importantes, como as estabelecidas nos artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, na redação do Decreto-lei nº 265-A/2001, de 28 de setembro, então vigente, infrações estas causais da produção do evento estradal de colisão e, como tal, reveladoras de um comportamento presuntivamente envolvido de culpa, presunção esta que não se mostra ilidida nos autos. 24. Por seu turno, e no tocante ao ato de condução empreendido pelo arguido, condutor do veículo automóvel, apurou-se que o mesmo infringiu com a conduta apurada o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do RST, que é sancionado nos termos do artigo 76º, n.º 1, alínea b), do mesmo regulamento, infração esta causal da produção do evento estradal de colisão e, como tal, reveladora de um comportamento presuntivamente envolvido de culpa, presunção esta que não se mostra igualmente ilidida nos autos. Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de fevereiro de 2011 ([15]) «[s]e ambos os intervenientes num acidente deviação violaram regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas.» 25. Perante o quadro factual em presença, ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação em causa não tomaram todas as cautelas que lhes eram exigíveis perante as características da via e o estado do piso, ao contrário do que teria feito um condutor médio, colocado na mesma situação, certo que deveriam ter-se certificado previamente que os seus atos de condução não comprometiam, como comprometeram, a segurança do trânsito, devendo e podendo proceder, em face das circunstâncias concretas apuradas, em termos de não a comprometer. Por isso, face ao quadro de facto disponível, bem andou o acórdão ora recorrido, ao concluir no sentido de que o evento estradal de colisão em causa é imputável a culpa concorrente dos condutores dos dois veículos intervenientes. Isto é, na origem (causa) do embate entre os veículos, estiveram os atos de condução de ambos os condutores, censuráveis do ponto de vista ético-jurídico, ou seja, envolvidos de culpa stricto sensu, improcedendo assim nesta parte o fundamento do recurso apresentado, não se mostrando deste modo violados com o acórdão recorrido os artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, na redação do Decreto-lei nº 265-A/2001, de 28 de setembro, contrariamente ao defendido pelos recorrentes. ii) Da repartição da culpa Em suma, o acórdão recorrido determinou que a indemnização computada seria, portanto, paga a ambos os progenitores, em termos de solidariedade passiva, pelo valor de € 100.371,41, e a cada um, em termos de direito próprio, pelo valor unitário de € 40.000,00. Porém, em face da repartição de culpa que fixou em 50% a cargo da vítima e de 50% a cargo do arguido condutor do veículo seguro pela demandada, determinou-se no acórdão recorrido que a indemnização devida seria reduzida na respectiva proporção, isto é, que os montantes indemnizatórios a pagar pela seguradora seriam reduzidos a metade. Aqui chegados, concluindo-se pela existência de uma concorrência de culpas entre ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação, cumpre aferir da concreta repartição de culpas entre os intervenientes, na medida em que os recorrentes discordam da repartição de culpas fixada no acórdão recorrido por entenderem que a mesma deverá ser fixada na proporção de 4/5 para o Arguido/Recorrido e 1/5 para a vítima do acidente (conclusões 20.ª a 24.ª). Apreciando. 27. Havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou – cfr. art. 483.º, n.º 1, do Código Civil. Como refere Antunes Varela (in Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 695) como «à culpa de cada um dos condutores corresponde a culpa de cada um dos lesados, a respectiva indemnização terá de ser fixada nos termos do art. 570.º do Código Civil». Assim, decorre do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil que «[q]uando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.» Ponderando as circunstâncias do caso concreto, comprovadas nos autos, relativas à dinâmica do acidente, ocorre um maior grau de culpa do arguido condutor do veículo automóvel na produção para a ocorrência do evento de colisão. O quadro fáctico apurado, relativo à etiologia do acidente e respectiva dinâmica, permite-nos concluir que, apesar da vítima circular com o motociclo em excesso de velocidade, no momento em que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido estava atravessado, por inteiro, na faixa de rodagem do sentido contrário ─ impossibilitando assim à vítima qualquer possibilidade de efetuar uma manobra de evasão ou desvio de direção de último recurso que pudesse evitasse o embate atenta a dimensão do veículo automóvel que este conduzia ─ quando este último, poderia e deveria, ter parado ao sinal de amarelo fixo, estando em perfeitas condições para o fazer em condições de segurança. O arguido circulava a cerca de 20 km/h, podendo perfeitamente parar em condições de segurança, prosseguindo ainda assim na execução duma manobra de mudança de direção à esquerda, apesar de, em sentido contrário ao seu, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo, cortando a linha de trânsito deste, por conduzir de modo desatento. No fundo, a questão, quanto à vítima, prende-se unicamente com a circunstância de não ter conseguido travar e ter perdido o controlo da viatura antes do semáforo, acabando por embater no veículo conduzido pelo arguido, e que se atravessara por completo na faixa de rodagem pela qual aquele circulava. Atendendo ao disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 40% para a vítima e em 60% para o arguido condutor do veículo seguro pela demandada. 28. Em face do exposto, haverá que “recompor” as indemnizações fixadas em conformidade com esta nova “repartição”. Existindo, à data do acidente, seguro válido e eficaz, cabe à demandante satisfazer a respectiva indemnização, na exata medida daquela proporcionalidade da culpa do condutor do veículo seguro, o que significa que a demandada Seguradora ficará condenada a pagar aos recorrentes, ora demandantes, a quantia de € 60.000,00 a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima, os montantes de € 24.000,00, a título de indemnização por danos morais para cada um dos demandantes pela morte do seu filho, e por despesas fúnebres € 222,85, valor esse que cobre o empobrecimento patrimonial ainda existente, que será arbitrado aos dois demandantes, em termos de solidariedade passiva. Aos referidos valores acrescerão juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil para contestar. Não tendo a sentença de 1.ª instância e o acórdão recorrido atualizado a indemnização, a condenação em juros de mora não se mostra atentatória do A.U.J. n.º 4/2002, de 9 de maio de 2002, publicado do Diário da República, n.º 146, Série I-A, de 27 de junho de 2002([16]). Nesta medida o recurso procederá assim parcialmente nesta parte. III. Decisão Termos em que acordam na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao recurso interposto pelos demandantes civis CC e DD, relativamente ao enxerto civil por estes deduzido: * Supremo Tribunal de Justiça, 24 de fevereiro de 2016 (Foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Os Juízes Conselheiros,
João Silva Miguel
Manuel Augusto de Matos --------------- |