Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74/12.1SRLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESUNÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL - INFRACÇÕES ESTRADAIS ( INFRAÇÕES ESTRADAIS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, 695; Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª Edição, Coimbra, 1996, p. 544.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 351.º, 483.º, N.ºS1 E 2, 487.º, N.ºS 1 E 2, 563.º, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE), VERSÃO DADA PELO DECRETO-LEI N.º 138/2012, DE 05 DE JULHO: - ARTIGOS 24.º, N.ºS 1 E 3, 25.º, N.ºS 1, AL. F), E 2, 27.º, N.º 1, 29.º, N.º1, 35.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL. (CP): - ARTIGO 137.º, N.º1.
REGULAMENTO DE SINALIZAÇÃO DO TRÂNSITO (RST), CONTIDO NO DECRETO REGULAMENTAR Nº 22-A/98, DE 1 DE OUTUBRO, NA VERSÃO DADA PELO DECRETO REGULAMENTAR Nº 2/2011, DE 3 DE MARÇO: - ARTIGOS 69.º, N.º 1, AL. B), 71.º, N.º 1, 76.º, N.º 1, ALS. A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 6 DE JANEIRO DE 1987, PUBLICADO NO BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (BMJ), N.º 363, P. 488, DE 8 DE FEVEREIRO DE 2001, PROCESSO N.º 3637/00, E DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 3450/03, ACESSÍVEL TAL COMO OUTROS CITADOS NO TEXTO, QUANDO OUTRA FONTE NÃO FOR ESPECIFICADA, NA BASE DE DADOS DO IGFEJ EM HTTP://WWW.DGSI.PT/ ;
-DE 29 DE ABRIL DE 2004, PROCESSO Nº 04B1302 ;
-DE 19 DE MAIO DE 2005, PROCESSO N.º 05B1469;
-DE 22 DE JUNHO DE 2006, PROCESSO Nº 06B1862;
-DE 15 DE FEVEREIRO DE 2007, PROCESSO N.º 07B302, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 06B4390, DE 6 DE JULHO DE 2006, PROCESSO N.º 06B2216, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2014, PROCESSO N.º 2142/10.5T2AVR.C1.S1, DE 28 DE FEVEREIRO DE 2013, PROCESSO N.º 524/06.6TBPSR.E1.S1, PROCESSO N.º 6353/05.7TVLSB.L1.S1;
-DE 3 DE FEVEREIRO DE 2011, PROCESSO N.º 605/05.3TBVVD.G1.S1;
-DE 27 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 136/07.7TBTMC.P1.S1.

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A.U.J. N.º 4/2002, DE 9 DE MAIO DE 2002, PUBLICADO DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, N.º 146, SÉRIE I-A, DE 27 DE JUNHO DE 2002.
Sumário :


I - O art. 487.º, n.º 2, do CC estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Consagra-se, assim, o critério da culpa em abstracto, conforme à diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto. O critério legal de apreciação da culpa é um critério abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal.

II - A jurisprudência maioritária considera que, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial (art. 351.º, do CC) ao condutor que violou regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto.

III - Pretendendo o arguido efectuar uma mudança de direcção à esquerda num entroncamento que permite o acesso a um arruamento, no qual se encontra colocado, na via de onde este precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direcção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, sendo que quando o arguido iniciou a manobra de mudança de direcção o sinal intermitente ficou amarelo fixo, tendo prosseguido a marcha, sem parar, em direcção ao arruamento, resulta claro que a sua actuação é culposa.

IV - Com efeito, decorre dos factos que o arguido viu o sinal amarelo passar de intermitente a fixo que lhe impunha a proibição de entrada na zona regulada pelo sinal (salvo se o arguido se encontrasse já muito perto dessa zona quando a luz acendeu e não pudesse parar em condições de segurança o que não emerge da factualidade provada) e a uma velocidade reduzida próxima de 20km/h, não se deteve e resolveu fazer a manobra, sem que, por contraponto, qualquer perigo adviesse do cumprimento da obrigação de parar. Ter-se-á presente que, ainda que se admita que o arguido tenha visionado o sinal amarelo fixo já dentro da zona por ele regulada – impunha-se-lhe o dever de parar a sua viatura ao invés de avançar e fazer a manobra de mudança de direcção – contando o arguido, necessariamente, com a sorte da travessia, o que não veio a suceder.

V - Com a referida conduta, o arguido violou o disposto no art. 69.º, n.º 1, al. b), do Regulamento de Sinalização do Trânsito – o que é sancionado, nos termos do art. 76.º, n.º 1, al. b), do mesmo regulamento – sendo que a sua conduta, ainda que não fosse considerável a prevalência da obrigação do respeito do semáforo de amarelo fixo, era igualmente apta a violar ainda as regras gerais de condução contidas nos arts. 35.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, do CE.

VI - Resultando, também, dos factos provados, que a vítima, condutor do motociclo, a dada altura fez uma travagem, perdeu o equilíbrio e, já em perda de equilíbrio, passou uma zona de sinalização luminosa (apresentando-se o semáforo amarelo fixo à sua passagem), indo embater na lateral direita, na zona da roda da frente, da viatura do arguido, quando este passava na frente da faixa por onde seguia, na metade direita da faixa de rodagem destinada ao seu sentido de trânsito, verifica-se, de igual forma, a culpa da vítima. Com efeito, do facto de a vítima não conseguir travar resulta que a mesma vinha em excesso de velocidade, pois que, se tivesse cumprido as regras de trânsito que se lhe impunham, tinha adequado a velocidade que imprimia ao veículo por forma a permitir-lhe efectuar uma travagem segura, evitando deste modo o embate (arts. 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, al. f), do CEst).

VII – Tendo ambos os intervenientes no acidente de viação violado regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas. Havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou (art. 483.º, n.º 1, do CC).

VIII – Ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à dinâmica do acidente, ocorre um maior grau de culpa do arguido condutor do veículo automóvel na produção da ocorrência do evento colisão. Apesar da vítima circular com o motociclo em excesso de velocidade, no momento que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido estava atravessado, por inteiro, na faixa de rodagem do sentido contrário – impossibilitando assim à vítima qualquer possibilidade de efectuar uma manobra de evasão ou desvio de direcção de último recurso que pudesse evitar o embate atenta a dimensão do veículo automóvel que este conduzia – quando este último, poderia e deveria, ter parado ao sinal amarelo fixo, estando em perfeitas condições para o fazer em condições de segurança.

IX - Atendendo ao disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 40% para a vítima e em 60% para o arguido condutor do veículo seguro pela demandada, e não em 50% como havia feito a Relação, havendo que recompor as indemnizações fixadas em conformidade com esta nova repartição de culpas.

X - Existindo, à data do acidente, seguro válido e eficaz, cabe à demandante satisfazer a respectiva indemnização, na exacta medida daquela proporcionalidade da culpa do condutor do veículo seguro, o que significa que a demandada seguradora ficará condenada a pagar aos recorrentes, ora demandantes, a quantia de €60.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima, os montantes de €24.000,00, a título de indemnização por danos morais para cada um dos demandantes pela morte do seu filho, e por despesas fúnebres €222,85, valor esse que cobre o empobrecimento patrimonial ainda existente, que será arbitrado aos dois demandantes, em termos de solidariedade passiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, AA foi submetido a julgamento e absolvido, por sentença proferida em 9 de fevereiro de 2015, da acusação contra si deduzida, pela prática de infrações ao disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 7.º, n.º 2, 2.º, 29.º, 44.º e 146.º, alínea a), todos do Código da Estrada (CE), e pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP).

2. No decurso dos referidos autos, CC e DD constituíram-se assistentes e deduziram pedido de indemnização civil contra a “EE, SA.”, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 192.048,29 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data da notificação para contestar até efetivo e integral pagamento.

3. O pedido cível deduzido por CC e DD contra EE, SA. foi declarado parcialmente procedente, pela referida sentença, e em consequência a seguradora foi condenada a pagar[1]:
«. aos demandantes CC e DD a quantia de 75.000,00 Euros (setenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de 278,56 Euros (duzentos e setenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais;
. à demandante CC a quantia de € 26.250,00 (vinte seis mil duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais;
. ao demandante DD a quantia de € 26.250,00 (vinte seis mil duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais;
quantias estas acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização cível, até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%».

4. Inconformados, recorreram os assistentes e demandantes civis para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra que decidisse condenar o Arguido pela prática do crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e respetivas contraordenações que lhe foram imputadas em sede de acusação, e, em consequência, ser a “EE - Seguros Gerais S.A.” condenada no pagamento aos Assistentes/Demandantes/Recorrentes do montante global de € 190.371,41, acrescido dos juros legais desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

5. Também inconformada, recorreu igualmente a demandada “EE - Seguros Gerais, S.A.” para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando por seu turno pela revogação da sentença e substituição por outra que conduza à absolvição da recorrente do pedido, com todas as devidas e legais consequências.

6. Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu:
«1 - Declarar improcedentes os vícios de sentença que foram invocados pelos recorrentes e pelo Ministério Público;
2 - Declarar, oficiosamente, que a sentença sofre do vício de falta de fundamentação quanto ao ponto 4) do provado, vício esse corrigido nos termos supra referidos;
3 - Corrigir, oficiosamente, a redação dada aos pontos 5 e 20 do provado que passarão a conter-se, respetivamente, nos seguintes termos:
“O arguido pretendia tomar o arruamento de acesso à estação fluvial pelo que iniciou manobra de mudança de direção à sua esquerda e prosseguiu a sua marcha, sem parar, em direção àquele arruamento, apesar de, em sentido contrário, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo” e,
“Existia um sensor que era acionado pela presença de veículos no acesso da Estação Fluvial de Belém à Av. de Brasília”;
4 - Declarar, oficiosamente, que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, corrigindo o vício, em aditar-lhe os seguintes pontos de facto:
“48- As marcas de derrapagem do motociclo no solo iniciaram-se antes do semáforo respetivo, e por uma distância pouco superior àquela em que só ficaram marcas de travagem no solo;
49- Os vestígios de sangue do condutor do motociclo situam-se uns metros para além do local do embate, atento o sentido de trânsito desse motociclo”.
5 - Declarar, oficiosamente, que a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova e, corrigindo o vício, determinar que o ponto 2 do provado se passe a conter no seguinte texto: “nessa via existe um entroncamento que permite o acesso ao arruamento de acesso à estação fluvial de Belém no qual se encontra colocado, na via de onde o arguido precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido”.
6 - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos assistentes, quanto à responsabilidade penal do arguido e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, nessa parte:
i-    Condenando o arguido pela prática, em autoria, do crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º/1, do CP, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, a que corresponde pena de cem dias de prisão;
ii-   Condenando o arguido pela prática da contraordenação prevista no artº 69º/1-b), do Decreto Regulamentar nº 22-A/98 de 1/10, na a coima de quarenta euros;
iii-  Condenando o arguido na inibição de conduzir, ao abrigo do artº 69º/CP, pelo período de cinco meses;
7- Julgar improcedente o recurso interposto pelos demandantes civis e parcialmente procedente o recurso interposto pela demandada civil, quanto ao enxerto civil deduzido pelos primeiros, e em consequência em revogar a decisão recorrida, nessa parte, e condenar a demandada Mapfre a pagar aos demandantes civis, a título de indemnização civil, as seguintes quantias:
1) Solidariamente, a ambos os demandantes, a quantia de cinquenta mil euros pela perda do direito à vida da vítima;
ii-   Solidariamente, a ambos os demandantes, a quantia de  cento e oitenta e cinco euros e setenta e um cêntimos por despesas fúnebres;
iii-  A cada um dos demandantes civis, vinte mil euros  pela morte do seu filho.”

7. Ainda inconformados com a procedência parcial do pedido de indemnização civil que deduziram pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os demandantes recorreram para este Supremo Tribunal delimitando o recurso à parte civil, nos termos do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, pedindo a revogação do acórdão recorrido no que concerne à questão cível - "quantum" indemnizatório e sua substituição por acórdão que decida condenar a “EE - Seguros Gerais S. A.”, no pagamento aos Demandantes/Recorrentes do montante global de € 180.371,41 ou € 144.297,12, acrescido dos juros legais desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, formulando as seguintes conclusões:
«1 ª. O douto acórdão recorrido, ao contrário da sentença da 1.ª instância considerou que o arguido tinha tido grave responsabilidade no acidente "sub judice", tendo violado os artigos 69.º, n.º 1, al b) e 71.º, n.º 1, do Regulamento do Código da Estrada.
2ª. Atenta a velocidade a que o arguido circulava (20 Km/hora) e a falta de veículos no seu sentido de marcha, muito facilmente, o Arguido poderia fazer parar o veículo em condições de plena segurança, sendo que não existe qualquer prova em contrário do que agora se afirma, pelo que os requisitos para a exceção da obrigatoriedade de paragem à passagem para amarelo fixo do sinal luminoso, não ocorreram "in casu", nem se encontram provados, bem pelo contrário.
3ª. Acresce que, nesta situação, a sinalização amarela intermitente impunha cautelas redobradas ao arguido, ao contrário do que acontecia com a vítima, em que do sinal verde, passou imediatamente para o amarelo fixo, sendo certo que o arguido efetuava uma manobra perigosa de mudança de direção.
4ª. Neste sentido o douto acórdão recorrido, considera a responsabilidade do arguido no acidente "sub judice", condenando-o no crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, a que corresponde pena de 100 dias de prisão, e, ainda, pela prática da contraordenação prevista no artigo 69º, n.º 1, al. b) do Decreto-Regulamentar n.º 92-A/98, de 01/10, na coima de € 40,00, e na inibição de conduzir, ao abrigo do artigo 69º do C. P. pelo período de 5 meses.
5ª. Contudo, considerou que para efeitos indemnizatórios cabia verificar em que medida BB, vítima do acidente em apreço, havia contribuído para a sua ocorrência, concluindo que pelos elementos do processo e de acordo com o croqui de pág. 21 do douto acórdão, que, atendendo aos sinais de travagem e arrastamento, a vítima iria em excesso de velocidade.
6ª. Ora, o arguido sem sombra de dúvida, viola grosseira e manifestamente a sinalização semafórica "amarelo fixo", não parando a sua viatura automóvel, e depois de ter sido avisado pela sinalização "amarelo intermitente", quando poderia e deveria ter parado em segurança.
7ª. Na via onde seguia a vítima BB era permitido circular a 50 km/h e a sinalização passa diretamente do "verde" para "amarelo fixo", sendo que o BB, nestas circunstâncias, não estava obrigado nem podia parar, pois não lhe foi possível fazê-lo em condições de segurança.
8ª. O veículo conduzido pelo arguido aparece à vítima BB, de surpresa e inopinadamente, obrigando-o a uma travagem de emergência que leva ao seu próprio desequilíbrio, não lhe sendo possível evitar o acidente, o que não se pode considerar ou reconduzir a imperícia como pretende o douto acórdão recorrido (e, infelizmente para o próprio e seus pais, não temos a sua versão dos factos, ao contrário do que acontece com o arguido).
9ª. A travagem e os sinais de travagem de um motociclo não se podem equiparar aos de um veículo automóvel, não significando a mesma velocidade, sendo menor para o motociclo, sendo que o douto acórdão recorrido apenas levou em conta o fator velocidade, quando se sabe que há outros fatores que influenciam a distância de travagem, como sejam o atrito, a massa, o declive da via e outros fatores de resistência.
10ª. Resulta da factualidade provada que quem deu azo ao acidente foi o arguido, que ignorou o sinal de prudência e não parou a um sinal de proibição, que, nas condições e circunstâncias em que circulava determinava obrigatoriamente a sua paragem.
11ª. Para decidir o "quantum indemnizatório", para além do alegado anteriormente, também deverá ter-se em conta que o veículo automóvel é, de per si, um instrumento muito mais perigoso para terceiros do que um motociclo.
12ª. A douta sentença da 1ª instância, que tem a seu favor a imediação da prova, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, entendeu quanto à interpretação que fez quanto à velocidade a que seguia a vítima e o seu concurso para a responsabilidade (que os Recorrentes subscrevem na íntegra), não poder formar convicção, pois o veículo conduzido pelo arguido não se moveu por força do embate o que infirma uma violência do mesmo, para além de que os danos ocorridos neste não são significativos na parte exterior.
13ª. Refere que os locais onde se imobilizaram o motociclo e o corpo da vítima e o local no qual ficou o veículo do arguido encontram-se separados por uma curta distância, o que igualmente não permite concluir por uma velocidade elevada para qualquer dos veículos, nomeadamente, do ....-TH, sendo os danos sofridos pelo mesmo devidos aos materiais utilizados na sua construção.
14ª. Da análise cuidada do croqui conjugadamente com os esclarecimentos prestados pelo seu subscritor, a sentença da 1ª instância concluiu que o motociclo travou de forma eficiente durante cerca de 8,73m, perdendo, então, o equilíbrio até ao local do embate, sendo do conhecimento geral as longas distâncias que os motociclos percorrem em desequilíbrio e queda, não podendo tal ser considerado para efeitos da determinação da sua velocidade e muito menos a distância desde o seu início até ao local do embate, considerados o rasto de fricção existente no piso (v. d. Ac. STJ de 13/10/2010, proferido no proc.º 277/01 APAPTS.S.1, in http://www.dgsi.pt).
15ª. A douta sentença da 1ª instância considerou que não logrou provar-se a que velocidade seguia a vítima, nomeadamente, que a mesma era superior a 50Km/h, limite vigente no local, não resultando, por parte deste, qualquer violação, quer do limite absoluto de velocidade, quer de violação do denominado limite relativo de velocidade previsto no artigo 24.º, n.º 1, do Código da Estrada.
16ª. Aliás, a douta sentença da 1ª instância refere que não ficou provado que o condutor do motociclo tinha um espaço visível livre e suficiente que lhe permitisse parar o seu veículo (v. d. Ac. RL de 05/03/2009, proc.º n.º 8162/2008-6. in http://www.dgsi.pt), sendo este, igualmente, o entendimento dos Recorrentes.
17ª. Tal violação não acontece quando o motociclo, como no caso dos autos, o conduzido pela vítima, é surpreendido com a mudança de direção à esquerda do veículo conduzido pelo arguido à distância de cerca de 32,73 metros, sendo que o facto de após um rasto de travagem de cerca de 8,725 m ter perdido o equilíbrio do motociclo, deixando de circular na posição vertical, não permite concluir pela sua culpa, por não ter sido causal em termos naturalísticos do acidente a sua conduta, mas sim a manobra de mudança de direção à esquerda do veículo automóvel ....¬VQ (vide Ac. STJ de 13/01/2010, proc.º 277/01 APAPTS.S1, in http://www.dgsi.pt).
18ª. Ora, a matéria de facto considerada provada corrigida e aditada pelo douto acórdão recorrido não infirma, minimamente, as considerações plasmadas na douta sentença da 1ª instância quanto à velocidade do motociclo e responsabilidade deste para avaliação do (quantum) indemnizatório (às quais se adere), pois a seguir-se a tese do douto acórdão recorrido, a vítima é culpada de não ter conseguido evitar o acidente, quando é o próprio acórdão que refere que o despiste da vitima se dá porque se lhe depara o obstáculo constituído pelo veículo automóvel do arguido, que esse, sim, ostensivamente, viola regras estradais e dá azo ao acidente.
19ª. Conclui-se, pois, que o Arguido/Recorrido foi o único responsável pelo acidente "sub judice", pelo que o douto acórdão recorrido violou os artigos 24.º/1 e 25.º/1 do Código da Estrada e os artigos 483.º, 496.º e 570.º do Código Civil, no que respeita à fixação do montante indemnizatório, que, assim, devia ter sido fixado na totalidade do pedido.
20ª. Caso se entenda que a vítima teve alguma (pequena) responsabilidade no acidente e sua consequente morte, o montante indemnizatório não poderá ser repartido na proporção de 50% para cada como determina o douto acórdão recorrido, mas sim na proporção de 4/5 para o Arguido/Recorrido e 1/5 para a vítima do acidente.
21ª. Assim, deverá a Recorrida/Demandada Companhia de Seguros EE, ser condenada a pagar € 180.371,41, a título de indemnização civil, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido dos respectivos juros de mora legais.
22ª. Efetivamente, o douto acórdão recorrido, afirma que os Recorrentes têm direito a juros de mora à taxa legal de 4%, uma vez que a douta sentença da 1.ª instância não atualizou a indemnização, mas acabou por, na parte decisória não se referir à condenação em juros, pelo que violou o disposto nos art.ºs 559.º (com referência à portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril) e 805.º, n.º 3, 2ª parte, ambos do Código Civil.
23ª. Em alternativa (caso se considere existir alguma responsabilidade da vítima, o que não se concede) deve a recorrida Companhia de Seguros ser condenada no montante global de € 144.297,12, sendo que ao montante indemnizatório que vier a ser fixado, devem acrescer os respetivos juros de mora desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil e até integral pagamento.
24ª. Na verdade, ficou provado que a vítima BB nasceu em 26/09/1988, tendo, à data do acidente 24 anos de idade, sendo um jovem saudável, alegre, feliz, cheio de vida, com um futuro promissor e risonho, era um estudante aplicado, honesto e muito conceituado, no círculo de colegas, amigos vizinhança, um filho amantíssimo de seus pais, que o desgosto causado pela sua morte os mina destrutivamente, cada dia vivenciado, com incomensurável dor, solidão e saudade, o que lhes determina angústia e sofrimento extremos por forma igual para ambos, que se vêm privados de seu querido filho, com quem este residia, pelo que perderam a alegria de viver, passam os dias marcados pela dor e sofrimento, não recuperaram, ainda, nem se sabe se alguma vez serão capazes de recuperar a sensibilidade anímica para viver, não conseguindo debelar o seu estado depressivo, forçados ambos a consultas múltiplas e tratamentos frequentes de psicologia e psiquiatria.»

8. No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido despacho de admissibilidade do recurso a 26 de novembro de 2015 (fls. 1063).

9. O magistrado do Ministério Público junto no Tribunal da Relação de Lisboa, notificado para o efeito, prescindiu do decurso do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 413.º do CPP, por entender que, sendo o recurso limitado à vertente cível da causa, o Ministério Público carece de legitimidade para responder.

10. A demandadaEE Seguros Gerais, SA”, tendo sido notificada da interposição de recurso por parte dos Demandantes, veio apresentar a respetiva resposta, nos termos e fundamentos seguintes:
«A ora recorrida pugnou desde sempre pela total isenção de responsabilidade do condutor do veiculo seguro, tendo em conta todos os meios de prova que se encontram nos autos e acima de tudo as regras da experiência comum que em bom e objetivo rigor não permitem concluir de modo distinto.
A ora recorrida a fim de evitar repetições desnecessárias dá aqui por integralmente reproduzidas as alegações já juntas aos autos aquando da interposição de recurso, nas quais tenta explicar logicamente e de forma absolutamente objetiva, porque se deveria ter considerado desde sempre que a causa do acidente era de imputar á infeliz vitima. Com efeito,
Ao contrário do alegado pelos recorrentes que vêm usando uma argumentação falaciosa quanto á interpretação dos factos provados, tem-se por certo, repita-se, da conjugação de toda a prova que a vítima ao chegar ao semáforo (que regulava as suas obrigações de circulação rodoviária) já tinha o mesmo na luz vermelha! E
Por muito que se tente alterar as circunstancias, a verdade é que o condutor do veículo seguro não violou nenhum normativo rodoviário, nem as mais elementares regras de conduta, já que, ao contrário do que pretendem os recorrentes, o semáforo que se apresentava no seu sentido, passa a amarelo, no momento e que já havia iniciado a manobra de mudança de direção á esquerda/ e não antes, quer em termos de tempo, quer em termos de espaço, como forçadamente os recorrentes insistem em alegar, todavia sem qualquer fundamento.
Com efeito, recordando as distâncias indicadas no AO e corroboradas pelo respetivo agente, que se presumem verdadeiras, dado terem sido presenciadas pelo mesmo, quando conjugadas, com todos os restantes factos provados e documentados nos autos permitem, objetivamente concluir, como conclui o agente nomeadamente no relatório Cientifico do acidente, e bem assim no depoimento em julgamento, que a infeliz vitima, podia ter evitado o acidente!
A Visibilidade quer objetiva (reta / extensão) quer subjetiva ( luzes do veiculo seguro ligada, e bem assim pisca pisca acionado e iluminação no entroncamento) permitiriam a perceção mais do que atempada, do condutor da mota, e caso circulasse á velocidade regulamentar, a paragem segura e sem qualquer incidente.
Os recorrentes pretendem escamotear e desvalorizar os rastos e vestígios deixados no asfalto pela mota, de forma a diminuir á força a logica e as regras da experiencia comum, quanto á velocidade a que este veiculo circularia. No entanto,
Certo é que, seja de travagem, seja de fricção já numa posição distinta da normal de circulação, seja de qualquer outra forma, tais rastos evidenciam uma medida objetiva que repita-se, mais uma vez conjugada com todas as restantes circunstâncias apuradas, não podem em nome da honestidade intelectual serem interpretadas como irrelevantes ou pior, serem desvalorizadas para não permitir concluir pelo manifesto e evidente excesso de velocidade e desatenção do condutor da mota, enquanto fatores determinantes e essenciais para a produção do acidente!
Não estando o arguido em momento e espaço, anterior, à mudança do semáforo para amarelo fixo, não estava obrigado a parar antes da zona do entroncamento como é logico, portanto, não Violou, repita-se, qualquer normativo rodoviário ou sequer qualquer dever geral de cuidado. Basta fazer algumas perguntas objetivas, para atento todo o circunstancialismo de tempo e local que se apurou, corroborar a conclusão que vimos defendendo: onde estava o condutor da mota quando o veículo seguro fez a manobra? porque não parou o veículo no espaço livre e disponível á sua frente, alias, antes do semáforo, ou seja, antes do entroncamento em causa?
Ao contrário do que alegam os recorrentes no ponto 13. da respetiva alegação, a cor amarela no semáforo do condutor da mota, não deixa margem para dúvidas e não constitui qualquer surpresa. Ou seja, ao contrario do que sucedeu com o condutor do veículo seguro, o condutor da moto, ao avistar o semáforo amarelo, muito antes do entroncamento (já que é muito antes que se iniciam os vestígios de travagem .... ) sabia ou tinha obrigação de saber, que tinha obrigatoriamente de parar! .. o que não fez ... acabando por após percorrer todos os metros assinalados no AO ir embater no veiculo seguro com a violência documentada nos autos, não só porque não circulava á velocidade adequada, bem como não circulava com a diligencia devida e apropriada ao veiculo que conduzia, que alias, nem era seu!
No ponto 14. os recorrentes referem que" tudo leva a crer" que o veiculo seguro aparece de surpresa e inopinadamente ... ! Mas pergunta-se, tudo o quê exatamente? ...
A matéria de facto dada como assente aponta antes em sentido completamente contrário!
Os recorrentes insistem com a questão da prioridade de passagem, bem sabendo que tal questão, está errada desde o início, dado que atenta a existência de sinalização semafórica no local em concreto é esta que prevalece em termos de hierarquia das normas estradais.
Aliás, o voto de vencido no que especificamente concerne à questão da responsabilidade pela produção do acidente, evidência a bondade da argumentação da ora recorrida e significa que em bom rigor e justiça material, se deveria logicamente absolver a ora recorrida do pedido. Com efeito,
O grande e inconfessável drama, consiste na articulação entre a imputação da culpa e a obrigação de indemnizar, já que, por um lado, se não é justo punir nenhum cidadão sem culpa, por outro e moralmente subsiste a compreensão naturalmente humana do sentimento dos Demandantes ...
Todavia, a justiça material é o que se espera das decisões judiciais, que devem ser coerentes!
Assim, considera a ora recorrida que não tendo procedido o recurso anteriormente interposto, deve do mal o menos, manter-se a decisão vertida no Acórdão proferido pelo douto Tribunal " a quo " que se aproxima mais da justiça material em termos exclusivamente indemnizatórios, tendo em conta a clara e evidente culpa do lesado para a produção do acidente de que infelizmente foi vítima, tendo em conta o disposto nomeadamente no artº 570 do Cod. Civil. Também e ao contrário do que defendem os recorrentes, o perigo de circulação das motas é do domínio publico decorrendo das regras da experiencia comum o risco acrescido que tais veículos comportam quer para terceiros quer para os próprios condutores. Assim sendo,
Não deverá de forma alguma, alterar-se a repartição da responsabilidade fixada anteriormente de 50% para cada interveniente e se porventura assim se considerar, deverá em alternativa, atribuir-se sempre e em qualquer caso, maior grau de responsabilidade ao condutor da mota.
Quanto aos montantes indemnizatórios a ora recorrida dá aqui por integralmente reproduzida a sua alegação já junta aos autos, aquando da interposição do seu recurso da decisão de 1.ª instância.»

11. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, notificado para o efeito, não emitiu parecer, por entender que, sendo o recurso limitado à vertente cível da causa, o Ministério Público carece de legitimidade para emitir parecer, por não representar qualquer das partes.

12. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência (artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

II. Fundamentação

a. Matéria de facto

13.      Foi a seguinte a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que modificou parte da matéria de facto fixada pela 1.ª instância:
«1)   No dia 19 de Dezembro de 2012, cerca das 18.20 horas, o arguido AA conduzia o veículo automóvel de matrícula ....-VQ pela Avenida Brasília, nesta cidade e comarca de Lisboa, no sentido de marcha Alcântara- Belém.
2) Nessa via existe um entroncamento que permite o acesso ao arruamento de acesso à estação fluvial de Belém no qual se encontra colocado, na via de onde o arguido precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido ([2]).
3) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar circulava igualmente pela Av. Brasília, mas no sentido de marcha Belém-Alcântara, inverso ao do arguido, o motociclo de matrícula ....-TH, conduzido por BB, o qual, junto ao mesmo entroncamento, se deparou com o semáforo luminoso.
4) Quando o arguido inicia a manobra de mudança de direção à esquerda o sinal intermitente fica amarelo fixo, tal como o de BB.
5) O arguido pretendia tomar o arruamento de acesso à estação fluvial pelo que iniciou manobra de mudança de direção à sua esquerda e prosseguiu a sua marcha, sem parar, em direção àquele arruamento, apesar de, em sentido contrário, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo ([3]).
6) O arguido, ao entrar no entroncamento sem se aperceber da presença do motociclo ...-TH que circulava em sentido inverso ao seu, cortou a linha de trânsito deste, o qual não parou no entroncamento.
7) O arguido assinalou previamente a manobra de mudança de direção e acionando o sinal intermitente do lado esquerdo, vulgo" pisca".
8) Quando estava em plena manobra de mudança de direção, a uma velocidade de cerca de 20 km/h, foi o veículo conduzido pelo arguido embatido pelo motociclo conduzido pela vítima.
9) Em consequência direta e necessária do descrito embate, BB sofreu as lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas, descritas no relatório de autópsia de fls. 183 a 185, que foram causa direta e necessária da sua morte.
10) O embate ocorreu entre a frente do motociclo e roda e cava da roda dianteira direita, do eixo para trás, do veículo conduzido pelo arguido.
11) Antes de embater, o motociclo deixou no solo um rasto de travagem de 17,45 metros e vestígios de fricção de parte metálica não concretamente apurada do motociclo de cerca de 24,00 metros.
12) O veículo do arguido não sofreu danos na frente.
13) O embate partiu a caixa de direção do veículo tripulado pelo arguido e causou uma distorção no chassis, que não permite que o veículo possa circular, tendo o mesmo sido reprovado na inspeção obrigatória, mesmo após a reparação efetuada ao referido veículo.
14) Após o embate o motociclo apresentava deformações na zona dianteira superior principalmente ao nível do painel de instrumentos, ecrã e depósito.
15) Aquando do embate o motociclo já não circulava na posição de marcha normal na vertical na sequência de ter perdido o equilíbrio em momento imediatamente anterior àquele em inicia o rasto de fricção.
16) O arguido circulava com as luzes acesas do veículo que conduzia e acionou previamente o sinal luminoso de mudança de direção à esquerda, avistável para o condutor do motociclo, atenta a reta, pela qual o arguido circulava, sem outros veículos quer no seu sentido de marcha, quer em sentido contrário.
17) O arguido apenas avistou o motociclo em despiste imediatamente antes do embate, não se tendo apercebido antes da presença do mesmo na via.
18) No dia 19 de Dezembro de 2012, pelas 18.20horas estava bom tempo, havia boa visibilidade e o piso estava seco.
19) À data dos factos o supra referido entroncamento era regulado por sinalização semafórica que funcionava através e consoante, a presença de veículos no acesso à Estação Fluvial de Belém.
20) Existia um sensor que era acionado pela presença de veículos no acesso da Estação Fluvial de Belém à Av. de Brasília ([4]).
21) Aquando do embate era de noite e o local tinha iluminação pública.
22) A via no local do embate desenvolve-se numa reta com pelo menos 150 metros no sentido de que provinha o motociclo.
23) A via tem 12 metros de largura, dividida em 4 vias de trânsito, com duas para cada sentido de marcha.
24) A velocidade máxima de circulação é de 50kmh.
25) O modelo da mota envolvida no acidente atinge cerca de 280 quilómetros por hora.
26) O veículo conduzido pelo arguido era um ligeiro de mercadorias de marca Renault, modelo Master (FDBNE5) e circulava na Av.ª Brasília no sentido Alcântara-Belém.
27) O motociclo ...-TH circulava mesma artéria mas no sentido contrário, ou seja, no sentido Belém - Alcântara.
28) À data dos factos o motociclo era propriedade de ..., tendo sido emprestado a BB para este se deslocar à faculdade que à data frequentava.
29) Os demandantes são pais e únicos e universais herdeiros de BB.
30) A demandada exerce devidamente autorizada a indústria de seguros.
31) No exercício da sua atividade, a “EE Seguros Gerais S.A.”, celebrou com a sociedade comercial “FF Lda.”, enquanto proprietária do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ....-VQ, conduzido pelo arguido e único sócio e gerente da mesma e sem empregados, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n° .... relativo à circulação emergente da circulação deste e válido em 19.12.2012.
32) BB nasceu em 26 de Setembro de 1988, pelo que tinha à data do acidente 24 anos de idade.
33) Era um jovem saudável, alegre, feliz, cheio de vida, com um futuro promissor e risonho.
34) Era estudante aplicado, honesto e muito conceituado, no círculo de colegas, amigos e de vizinhança.
35) Era um filho amantíssimo de seus pais, ora demandantes.
36) Amigo de seus pais, sendo que o desgosto causado pela sua morte os mina destrutivamente, cada dia vivenciado, com incomensurável dor e solidão.
37) Angústia e sofrimento extremos sentidos pelos seus pais e de igualmente por ambos que se veem privados do seu querido filho com quem este residia.
38) Os ora demandantes perderam a alegria de viver, passam os dias marcados pela dor e sofrimento, não recuperaram ainda, nem se sabe se alguma vez serão capazes de recuperar a sensibilidade anímica para viver, não conseguindo debelar o seu estado depressivo, forçados ambos a consultas múltiplas e tratamentos frequentes de psicologia e psiquiatria.
39) Os demandantes despenderam o valor de 2.048,29 € em despesas fúnebres, sendo que foram reembolsados pela Segurança Social no valor de 1676,88 €.
40) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais ou estradais.
41) O arguido é gerente comercial, aufere mensalmente cerca de 600 Euros, é casado a sua mulher aufere mensalmente a mesma quantia, tem uma filha de 25 anos, licenciada a aguardar estágio e vivem em casa de familiares.
42) O arguido tem o 9º ano da escolaridade como habilitações literárias.
43) O arguido é um homem de bem, totalmente inserido na sociedade.
44) O arguido trabalha na área de instalação de sistemas da climatização, tendo para o efeito constituído uma microempresa.
45) O arguido é um bom pai de família.
46) Um experiente e zeloso condutor, fazendo do seu veículo o seu meio de transporte diário, de casa para o trabalho e em lazer.
47) O arguido está pessoal e socialmente inserido, fazendo inclusive parte de uma coletividade de cultura e recreio sita na Trafaria, que desenvolve projetos de desporto e cultura destinados à respetiva comunidade.
48) O início das marcas de derrapagem do motociclo no solo se iniciaram antes do semáforo respetivo, e por uma distância pouco superior àquela em que só ficaram marcas de travagem no solo ([5]).
49) Os vestígios de sangue do condutor do motociclo situam-se uns metros para além do local do embate, atento o sentido de trânsito desse motociclo ([6]).»

E, com relevo para a decisão, foram dados como não provados os factos que se transcrevem:

«Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa articulados na acusação, no pedido de indemnização civil, nas contestações ou alegados em audiência que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicado por estes, para além de meras conclusões, matéria de direito ou exposição de motivos, nomeadamente que:
«a.Quando o arguido iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda o semáforo que regulava o trânsito para o 08-45-TH encontrava-se verde;
b. O arguido se apercebeu da presença do motociclo 08-45-TH na via antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda;
c. O motociclo ....-TH antes do embate circulava com as luzes acesas;
d. O motociclo ....-TH antes do embate circulava com as luzes apagadas;
e. O motociclo ....-TH circulava a uma velocidade inferior a 50 km/hora;
f. O arguido teve a possibilidade de avistar previamente o motociclo ...-TH, pelo menos a uma distância de 300 metros;
g. A que distância era possível ao arguido avistar o motociclo;
h. O motociclo teve possibilidade de travar de modo a evitar o embate;
i. O motociclo não teve possibilidade de travar de modo a evitar o embate;
j. BB faleceu algum tempo após o embate, não tendo morte imediata;
k. O local do embate apresenta uma curva à direita no sentido de marcha da vítima;
l. Caso o motociclo circulasse à velocidade de 50Km/h, o acidente não teria ocorrido;
m. Antes de iniciar a manobra o arguido verificou que não circulavam veículos no sentido oposto ao seu;
n. Antes de iniciar a manobra o arguido não olhou e não verificou que não circulavam veículos no sentido oposto ao seu;
o. O motociclo deixou no solo um rasto de travagem de 41 metros;
p. O motociclo deixou no solo um rasto de derrapagem de 41 metros;
q. O motociclo veio a imobilizar-se a mais de 10 metros do local de embate;
r. O motociclo circularia a velocidade não inferior a 100km/h;
s. Aquando do embate o motociclo seguia caído no chão;
t. Aquando do embate [o] motociclo seguia inclinado;
u. A concreta posição do motociclo no momento do embate;
v. Antes do embate o motociclo deixou marcas no asfalto de cerca de 51 metros de cumprimento;
w. O motociclo vai dos zero aos 100 kms em cerca de 3,6 segundos.»

b. Matéria de direito:

b1). Objeto do recurso

14.      De harmonia com o dispôs no artigo 412.º, n.º 1, do CPP, é a partir da motivação do recurso interposto e das suas conclusões que se delimita o objeto do recurso, salvo as questões de conhecimento oficioso.

As questões, cuja reapreciação é requerida, tal como resultam das conclusões formuladas, são no essencial as seguintes:
a) Saber se o acidente a que se reportam os autos derivou de culpa exclusiva do condutor do automóvel ligeiro seguro na demandada (conclusões 1.ª a 19.ª);
b) Subsidiariamente, caso se entenda pela existência de culpas concorrentes do arguido e da vítima a diferente repartição de culpas entre os intervenientes – que os recorrentes entendem que deverá ser fixada na proporção de 4/5 para o Arguido/Recorrido e 1/5 para a vítima do acidente (conclusões 20.ª a 24.ª).

15.Passemos pois a analisar separadamente cada uma das questões suscitadas que constituem o objeto do presente recurso:
 i. Da culpa na produção do embate

15. Importa, antes de mais, quanto às questões suscitadas pelo recurso no que respeita à dinâmica do acidente de viação, sublinhar que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conforme dispõe o artigo 434.º do CPP, somente reaprecia matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento (oficioso) dos vícios previstos no artigo 410.º, n.os 2, alíneas a) a c), e 3, do CPP.

Está, assim vedado ao STJ proceder à análise crítica da prova testemunhal ou documental produzida nos autos, substituindo-se às instâncias na valoração dos meios de prova e na fixação da matéria de facto provada e não provada. Neste sentido, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de dezembro de 2006 ([7]) ao afirmar: «I. Tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal coletivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. II. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer atuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido.»

Por outro lado, como repetidamente este Supremo Tribunal tem afirmado, e aqui se reitera, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de que este Supremo Tribunal deva conhecer oficiosamente.

16. No caso aqui em apreciação, da leitura das conclusões de recurso resulta claro que os demandantes ora recorrentes não pretendem por via do presente recurso sindicar os factos provados pelas instâncias, nem tão pouco o montante global fixado a título de indemnização (no valor de €180.371,41, a título de indemnização civil, por danos patrimoniais e não patrimoniais).

Na verdade, da leitura das referidas conclusões de recurso resulta manifesto que os recorrentes apenas pretendem impugnar o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no segmento relativo ao pedido de indemnização cível formulado nestes autos, no que respeita à conclusão quanto à existência de uma concorrência de culpas entre o condutor do veículo automóvel e o condutor do motociclo, filho dos demandantes ora recorrentes.

Assim, os recorrentes entendem que a matéria de facto considerada provada corrigida e aditada pelo acórdão recorrido não infirma, minimamente, as considerações plasmadas na sentença da 1ª instância quanto à velocidade do motociclo e responsabilidade deste para avaliação do (quantum) indemnizatório (às quais aderem), decorrendo da mesma que o Arguido/Recorrido foi o único responsável pelo acidente "sub judice", pelo que, entendem que o acórdão recorrido violou os artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Código da Estrada e os artigos 483.º, 496.º e 570.º do Código Civil, no que respeita à fixação do montante indemnizatório, que, assim, devia ter sido fixado na totalidade do pedido.

Em razão do exposto, não evidenciando a leitura do acórdão recorrido que o mesmo padeça de qualquer dos vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, que não foram sequer invocados pelo recorrente, cumpre analisar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergente do acidente de viação que culminou na morte vítima Tiago Carrilho, tendo por base os factos dados como provados pela 1.ª instância, com as alterações à matéria de facto introduzidas pelo acórdão da Relação sob recurso.

Apreciando.

17. Nos termos do artigo 483º, nº 1, do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Assim, em princípio, só está obrigado a indemnizar o prejuízo causado a outrem, aquele que tiver agido ilicitamente e com culpa.
Esta é a regra geral, reforçada pelo nº 2 do mesmo artigo, que assinala o carácter excecional da responsabilidade civil que não se baseia na culpa do agente.

Para que exista uma obrigação de indemnizar, a cargo do lesante, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, é necessário:
a) que haja um facto voluntário do agente;
b) que o facto seja ilícito;
c) que haja um nexo de imputação do facto ao agente;
d) que ocorra um dano;
e) que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano ([8]).

A responsabilidade civil é uma modalidade da obrigação de indemnizar, ou seja, de eliminar o dano ou prejuízo reparável, que pode ser patrimonial ou não patrimonial, no primeiro caso se atinente a interesses avaliáveis em dinheiro e, no segundo, se referente a interesses não avaliáveis em dinheiro, como é o caso do corpo, da vida, da honra, da saúde e da beleza.

A ilicitude formal do facto, envolvente de ação ou omissão, traduz-se na sua afetação de normas legais, e a sua ilicitude material na violação de direitos ou interesses legalmente protegidos.

18.      O artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso ([9]).

Consagra-se, assim, o critério da culpa em abstrato, conforme à diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto.
O critério legal de apreciação da culpa é um critério abstrato, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal.
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa normal em face do circunstancialismo do caso concreto, pelo que, no quadro do evento em apreciação, no âmbito da atividade da condução automóvel, a pessoa padrão a que a lei se reporta há de ser aquela que atua no âmbito da condução de veículos automóveis ([10]).
A culpa lato sensu abrange as vertente do dolo e da culpa stricto sensu, traduzindo-se a primeira na intenção de realizar o comportamento ilícito que o agente do comportamento configurou, e a segunda na mera intenção de querer a causa do facto ilícito.
A culpa stricto sensu ou censura ético-jurídica exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante que, em face das circunstâncias especiais do caso, devia e podia agir de outro modo, na omissão da diligência que, na espécie, lhe era exigível.
No plano da culpa stricto sensu, distingue-se entre a culpa consciente, por um lado, em que o agente prevê a produção do facto ilícito, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar, e a culpa inconsciente, por outro, em que o agente não chega, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade da produção do evento danoso, mas podendo e devendo prevê-lo se usasse da diligência devida.
Tendo em conta a vertente do regime legal da circulação rodoviária e o conceito de culpa acima delineado, pode concluir-se, em breve síntese, por um lado, que os condutores, antes de iniciarem qualquer manobra devem previamente certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do trânsito e proceder em termos de não a comprometer, e, por outro lado que, além de respeitarem os limites gerais e especiais de velocidade, devem regulá-la de harmonia com as circunstâncias dos veículos, da configuração e estado geral das estradas e da sua luminosidade e visibilidade ([11]).
O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da sua existência, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito, designadamente o de crédito indemnizatório [artigos 342.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, do Código Civil ([12])].
Neste domínio importa considerar, como faz a jurisprudência maioritária, que em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial (cfr. artigo 351º do Código Civil) ao condutor que violou regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto. Isto sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável.
Ao condutor cabe o ónus da contraprova, ou, noutros termos, a prova do facto justificativo ou de factos que façam criar a dúvida no julgador – mas, sempre será necessário demonstrar que a violação da regra legal de trânsito, quando concomitante com um acidente de viação, tenha sido a causa do sinistro, ou para esse evento tenha contribuído adequadamente ([13]).
19. A existência de prejuízos reparáveis, entre os quais se demarcam os patrimoniais e os não patrimoniais, a que acima já se fez referência, constitui outro dos pressupostos da referida obrigação de indemnizar.
Finalmente, a propósito do nexo de causalidade, expressa o artigo 563.º do Código Civil que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, mas aplicável em geral, a lei reconduz  a causalidade à probabilidade, afastando a ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a conceção da causalidade adequada.
Neste contexto, decorre do artigo 563º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
No processo causal conducente a uma situação de dano concorrem múltiplas circunstâncias, umas que se não tivessem ocorrido ela não teria eclodido, e outras que, mesmo não verificadas, não excluiriam a sua ocorrência.
Não basta para que se verifique o aludido nexo de causalidade adequada que a ação ou omissão do agente tenha sido “conditio sine qua non” do dano, exigindo-se que ela seja adequada em abstrato a causá-lo, o mesmo é dizer exigir que a ação ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstrato, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento ([14]).
A regra é a de que a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil, pressupõe a existência de um facto voluntário ilícito, isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal e um direito ou interesse de outrem legalmente protegido, censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico, sendo-lhe seja imputável a título de dolo ou culpa, e de um dano ou prejuízo reparável e de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto.
Expostos os enquadramento geral que antecede, abordar-se-á a análise da matéria de facto apurada, com vista a surpreender a dinâmica do acidente e determinar se este é ou não atribuível a culpa, exclusiva ou concorrente, dos condutores nele intervenientes.
20. A conclusão sobre a culpa na produção do evento em causa há de resultar da dinâmica envolvida pelos veículos nele intervenientes, no quadro da realidade concreta apurada.
Entendem os recorrentes que “in casu” a culpa pela produção do evento deverá recair unicamente sobre a conduta do arguido seguro na demandada que violou de forma grosseira a sinalização semafórica "amarelo fixo", não parando a sua viatura automóvel, e depois de ter sido avisado pela sinalização "amarelo intermitente", quando poderia e deveria ter parado em segurança, dando azo ao acidente, ignorando o sinal de prudência e não parando a um sinal de proibição, que, nas condições e circunstâncias em que circulava determinava obrigatoriamente a sua paragem.
Entendem igualmente os recorrentes que, o veículo conduzido pelo arguido, apareceu de surpresa e inopinadamente, obrigando a vítima BB a uma travagem de emergência que levou ao seu próprio desequilíbrio, não lhe sendo possível evitar o acidente, o que não se pode considerar ou reconduzir a imperícia como pretende o acórdão recorrido, sendo o acidente exclusivamente imputável ao arguido.
Da análise da factualidade dada como provada pelas instâncias não assiste razão aos recorrentes na sua pretensão recursória, porquanto, como se concluiu no acórdão ora recorrido, está-se perante uma situação em que ambos os condutores desenvolveram atuações culposas causais do acidente.
Conhecendo.

21. Antes de mais, cumpre referir que a legislação aplicável, atentas as sucessivas alterações ao Código da Estrada (CE, doravante), é o referido Código na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 05 de julho, e bem assim o Regulamento de Sinalização do Trânsito (RST, doravante), contido no Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de outubro, na versão dada pelo Decreto Regulamentar nº 2/2011, de 3 de março.

Resulta do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do RST, que «[a] sinalização luminosa destinada a regular o trânsito de veículos é constituída por um sistema de três luzes circulares, não intermitentes, com as cores vermelha, amarela e verde, a que correspondem os significados seguintes: (…) b) Luz amarela — transição da luz verde para a vermelha: proíbe a entrada na zona regulada pelo sinal, salvo se os condutores se encontrarem já muito perto daquela zona quando a luz se acender e não puderem parar em condições de segurança; obriga os condutores que já estiverem dentro da zona protegida a prosseguir a marcha;» (sublinhado nosso).

Por seu turno, estatui o artigo 71.º, n.º 1, do citado diploma legal, sob a epígrafe «Luzes intermitentes», que «[o] sinal constituído por uma luz amarela intermitente circular ou apresentando a forma de seta negra sobre fundo amarelo autoriza os condutores a passar, desde que o façam com especial prudência, tendo o mesmo significado que o sinal constituído por duas luzes amarelas dispostas verticalmente e acendendo alternadamente.»(sublinhado nosso)

A infração aos referidos preceitos legais constitui contraordenação sancionada com as coimas previstas no artigo 76.º, alínea a), do R.S.T.

Decorre por seu turno do preceituado no artigo 29.º, n.º 1, do CE, que «[o] condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste», estabelecendo-se no artigo 35.º, n.º 1, do CE, que «[o] condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e para que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito»

Transpondo-se a aplicação das mencionadas normas estradais para o caso em apreço, no que, concerne ao ato de condução do arguido, não existem dúvidas quanto à atuação culposa do mesmo.

Na verdade, no confronto com os factos provados, resulta que o arguido, pretendia efetuar uma mudança de direção à esquerda num entroncamento que permite o acesso ao arruamento de acesso à estação fluvial de Belém, no qual se encontra colocado, na via de onde este precedia, um semáforo que, entre o mais, suporta uma luz amarela intermitente, que regula a manobra de direção para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido (cfr. factos provados em 1 a 3).

Mais se provou que, quando o arguido iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda o sinal intermitente ficou amarelo fixo (tal como o da vítima BB), e prosseguiu a sua marcha, sem parar, em direção ao arruamento, apesar de, em sentido contrário ao seu, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo, cortando a linha de trânsito deste, o qual por seu turno não parou no entroncamento (cfr. factos provados em 4 a 6).

Provou-se igualmente que, o arguido assinalou previamente a manobra de mudança de direção, acionando o sinal intermitente do lado esquerdo ("pisca") e que quando estava em plena manobra de mudança de direção, a uma velocidade de cerca de 20 km/h, foi o veículo conduzido pelo arguido embatido pelo motociclo conduzido pela vítima (cfr. factos provados em 7 a 9).

Decorre dos factos que o arguido viu o sinal amarelo passar de intermitente a fixo que lhe impunha a proibição de entrada na zona regulada pelo sinal (salvo se o arguido se encontrasse já muito perto dessa zona quando a luz acendeu e não pudesse parar em condições de segurança o que não emerge da factualidade provada) e a uma velocidade reduzida próxima de 20 km por hora, não se deteve e resolveu fazer a manobra, sem que, por contraponto, qualquer perigo adviesse do cumprimento da obrigação de parar.

Ter-se-á presente que, ainda que se admita que o arguido tenha visionado o sinal amarelo fixo já dentro da zona por ele regulada (cfr. facto provado em 4) – impunha-se-lhe o dever de parar a sua viatura ao invés de avançar e fazer a manobra de mudança de direção – contando o arguido, necessariamente, como se diz no acórdão recorrido “com a sorte na travessia”, o que não veio a suceder.

Acresce que, apesar de trazer as luzes acesas (cfr. facto provado em 16), do local estar dotado de iluminação pública, tendo boa visibilidade (cfr. factos provados em 21 e 18) e, na orientação do motociclo, a avenida configurar uma reta, com uma faixa de rodagem de cerca de 6 metros em cada sentido e de 150 metros de comprimento no sentido da origem do motociclo (cfr. factos provados em 22 e 23), não logrou aperceber-se que na via contrária circulava um motociclo (cfr. factos provados em 5, 6 e 17), do que se conclui que, não só passou quando o sinal impunha que tivesse parado, como fê-lo de modo desatento, pois não se apercebeu que na via contrária circulava um motociclo (cfr. factos provados em 5, 6 e 17), quando podia e devia fazê-lo.

Tendo a via pelo menos 150 metros de extensão, não é defensável que no momento em que era exigível ao arguido a verificação acerca da circulação na outra via (o que se lhe impunha em face do sinal intermitente que antecedeu o fixo), ou seja, no momento em que inicia a manobra o motociclo não estivesse visível. Tanto que resulta dos factos provados que o veículo do arguido era avistável para o condutor do motociclo, o que impõe uma situação de reciprocidade (cfr. facto provado em 16).

Resulta manifesto que, com a conduta apurada, o arguido violou o disposto no artigo 69º, n.º 1, alínea b), do RST – o que é sancionado nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea b), do mesmo regulamento – sendo que a sua conduta, ainda que não fosse considerável a prevalência da obrigação do respeito do semáforo de amarelo fixo, era igualmente apta a violar ainda as regras gerais de condução contidas nos mencionados artigos 35.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, do CE.

Como sobressai do antes exposto, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação deve atribuir-se culpa na sua produção, por presunção judicial, ao condutor que violou as regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que tivessem determinado tal facto.

Pelo que, não existem dúvidas da existência de culpa do arguido condutor do veículo seguro pela demandada civil que motivou inclusivamente a sua a sua condenação pela prática, como autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal.

22. Aqui chegados e avaliando a conduta da vítima, condutor do motociclo, da análise dos factos que resultaram como provados, resulta igualmente indubitável a conclusão de que esta desenvolveu igualmente uma atuação causal do acidente que lhe é imputável a título de culpa.

Dimana do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do CE que «[o] condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente», acrescentando, por outro lado, o artigo 25.º, n.º 1, alínea f), do citado diploma legal (na redação aplicável) que «[s]em prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;», constituindo a infração aos referidos preceitos legais contraordenação sancionada com as coimas previstas, respetivamente, nos artigos 24.º, n.º 3, e 25.º, n.º 2, do Código da Estrada.

Transpondo-se a aplicação das mencionadas normas estradais para o caso em apreço, no que respeita ao ato de condução da vítima BB, não existem igualmente dúvidas quanto à atuação culposa do mesmo.

Com efeito, resulta, em suma, dos factos provados que, seguindo de motociclo, a dada altura a vítima fez uma travagem, perdeu o equilíbrio e, já em perda de equilíbrio passa uma zona de sinalização luminosa (apresentando-se o semáforo amarelo fixo à sua passagem) e vai embater na lateral direita, na zona da roda da frente, da viatura do arguido, quando este passava na frente da faixa por onde seguia, na metade direita da faixa de rodagem destinada ao seu sentido de trânsito (cfr. factos provados em 3, 6, 10 e croqui).

23. Entendem os recorrentes que, na via onde seguia a vítima BB era permitido circular a 50 km/h e a sinalização passa diretamente do "verde" para "amarelo fixo", sendo que o Tiago, nestas circunstâncias, não estava obrigado nem podia parar, pois não lhe foi possível fazê-lo em condições de segurança.

Acrescentam ainda os recorrentes que o veículo conduzido pelo arguido aparece à vítima BB, de surpresa e inopinadamente, obrigando-o a uma travagem de emergência que leva ao seu próprio desequilíbrio, não lhe sendo possível evitar o acidente, o que não se pode considerar ou reconduzir a imperícia como pretende o douto acórdão recorrido.

Referem ainda que a travagem e os sinais de travagem de um motociclo não se podem equiparar aos de um veículo automóvel, não significando a mesma velocidade, sendo menor para o motociclo, sendo que o douto acórdão recorrido apenas levou em conta o fator velocidade, quando se sabe que há outros fatores que influenciam a distância de travagem, como sejam o atrito, a massa, o declive da via e outros fatores de resistência.

Ora, como se enfatiza no acórdão recorrido, a questão do excesso de velocidade tem que ser perspectivada em face das circunstâncias concretas do caso e pode não se reconduzir unicamente à violação do dever de acatar o limite máximo de velocidade de 50 km/hora, por o local estar situado dentro de localidade.

Como antes se referiu, se é certo que o artigo 27.º, n.º 1, do CE impõe aos condutores limites máximos de velocidade, também o é de que eles são estabelecidos «sem prejuízo do disposto nos artigos 24º e 25º de limites inferiores que lhes sejam impostos» e, tais limites, como resulta da leitura dos citados preceitos legais supra transcritos, reconduzem-se aos princípios gerais de que o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo ao estado da via e do veículo e a todas as demais circunstâncias relevantes, o possa parar no espaço livre e visível à sua frente, em condições de segurança, sendo que deve moderar a velocidade especialmente nos entroncamentos.

Porém, face à factualidade fixada pelas instâncias a que agora teremos de nos reportar em tal análise, a vítima BB não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente, pois que, ao tentar parar perdeu o equilíbrio (cfr. facto 11) e o controle do motociclo, de tal modo que este deixou um rasto de derrapagem no solo (fricção da parte metálica, de acordo com o facto provado em 11) que se iniciou metros antes do semáforo respetivo e por uma distância sensivelmente equivalente àquela em que só ficaram marcas de travagem no solo (cfr. facto provado em 49), derrapando em mais de 8,73 metros, correspondente a metade do rasto de travagem de 17,45metros, uma vez que a partir de cerca de metade do mesmo inicia-se o vestígio de fricção de parte metálica do motociclo, iniciando-se a perda de equilíbrio deste até ao local do embate.

Tal factualidade implica a conclusão de que a vítima BB não passou semáforo nenhum no âmbito da sua condução, porquanto, antes de chegar à zona da sinalização semafórica (que se apresentava amarelo fixo), tentou travar, tendo perdido a condução efetiva do motociclo e, já em situação de derrapagem e perda de equilíbrio, foi embater na viatura do arguido, num ponto situado para além dessa sinalização.

Podendo questionar-se, como fazem os recorrentes, sobre o motivo que terá determinado a travagem do BB - o ter avistado o semáforo ou o ter avistado a viatura conduzida pelo arguido -, à luz da factualidade fixada pelas instâncias não foi possível demonstrar qual dos referidos motivos terá sido determinante de tal travagem.

Qualquer quer que tenha sido o motivo determinante, o facto objetivo é que a vítima que conduzia o motociclo não conseguiu travar, porque a velocidade de que vinha animado, conjugada com a sua (im)perícia na tripulação do motociclo não permitiram que o parasse, perante um entroncamento, antecedido por um semáforo que se apresentava amarelo fixo e do obstáculo constituído pelo outro veículo com que se deparou após o referido semáforo.

Ora, tivesse a vítima cumprido as regras de trânsito que se lhe impunham, teria adequado a velocidade que imprimia ao veículo por forma a permitir-lhe efetuar uma travagem segura, evitando deste modo o embate.

Perante o exposto, não há margem para questionar ou duvidar que, apesar de não se ter apurado que seguisse a uma velocidade superior a 50 km/h, a vítima seguia em patente excesso de velocidade, face ao estatuído nos artigos 24.º, n.º 1,e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, não adequando a velocidade que imprimia ao motociclo que conduzia por forma a que lhe fosse permitido travar, antecipadamente e em segurança, perante a aproximação a um semáforo (que se apresentava amarelo fixo) e a um entroncamento, não conseguindo travar e perdendo o controlo da viatura antes de chegar ao aludido semáforo, acabando por embater no veículo conduzido pelo arguido.

Ao não ter logrado imobilizar, completamente o veículo, antes de se produzir o embate no veículo conduzido pelo arguido, é de entender, com base em presunções naturais ou judiciais (artigo 351º do Código Civil), fundadas, designadamente nas características da via, incluindo o estado do piso, que tal condutor seguia em excesso de velocidade, com o que infringiu normas estradais importantes, como as estabelecidas nos artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, na redação do Decreto-lei nº 265-A/2001, de 28 de setembro, então vigente, infrações estas causais da produção do evento estradal de colisão e, como tal, reveladoras de um comportamento presuntivamente envolvido de culpa, presunção esta que não se mostra ilidida nos autos.

24. Por seu turno, e no tocante ao ato de condução empreendido pelo arguido, condutor do veículo automóvel, apurou-se que o mesmo infringiu com a conduta apurada o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do RST, que é sancionado nos termos do artigo 76º, n.º 1, alínea b), do mesmo regulamento, infração esta causal da produção do evento estradal de colisão e, como tal, reveladora de um comportamento presuntivamente envolvido de culpa, presunção esta que não se mostra igualmente ilidida nos autos.

Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de fevereiro de 2011 ([15]) «[s]e ambos os intervenientes num acidente deviação violaram regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas.»

25. Perante o quadro factual em presença, ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação em causa não tomaram todas as cautelas que lhes eram exigíveis perante as características da via e o estado do piso, ao contrário do que teria feito um condutor médio, colocado na mesma situação, certo que deveriam ter-se certificado previamente que os seus atos de condução não comprometiam, como comprometeram, a segurança do trânsito, devendo e podendo proceder, em face das circunstâncias concretas apuradas, em termos de não a comprometer.

Por isso, face ao quadro de facto disponível, bem andou o acórdão ora recorrido, ao concluir no sentido de que o evento estradal de colisão em causa é imputável a culpa concorrente dos condutores dos dois veículos intervenientes.

Isto é, na origem (causa) do embate entre os veículos, estiveram os atos de condução de ambos os condutores, censuráveis do ponto de vista ético-jurídico, ou seja, envolvidos de culpa stricto sensu, improcedendo assim nesta parte o fundamento do recurso apresentado, não se mostrando deste modo violados com o acórdão recorrido os artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, alínea f), do Código da Estrada, na redação do Decreto-lei nº 265-A/2001, de 28 de setembro, contrariamente ao defendido pelos recorrentes.

ii) Da repartição da culpa
26. No acórdão recorrido foi considerado adequado, sem que tenha havido impugnação recursória, o valor de € 100.000,00 a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima, os montantes de € 40.000,00 a título de indemnização por danos morais para cada um dos demandantes, pela morte do seu filho e por despesas fúnebres €371,41, valor esse que cobre o empobrecimento patrimonial ainda existente, que será arbitrado aos dois demandantes, em termos de solidariedade passiva.

Em suma, o acórdão recorrido determinou que a indemnização computada seria, portanto, paga a ambos os progenitores, em termos de solidariedade passiva, pelo valor de € 100.371,41, e a cada um, em termos de direito próprio, pelo valor unitário de € 40.000,00.

Porém, em face da repartição de culpa que fixou em 50% a cargo da vítima e de 50% a cargo do arguido condutor do veículo seguro pela demandada, determinou-se no acórdão recorrido que a indemnização devida seria reduzida na respectiva proporção, isto é, que os montantes indemnizatórios a pagar pela seguradora seriam reduzidos a metade.

Aqui chegados, concluindo-se pela existência de uma concorrência de culpas entre ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação, cumpre aferir da concreta repartição de culpas entre os intervenientes, na medida em que os recorrentes discordam da repartição de culpas fixada no acórdão recorrido por entenderem que a mesma deverá ser fixada na proporção de 4/5 para o Arguido/Recorrido e 1/5 para a vítima do acidente (conclusões 20.ª a 24.ª).

Apreciando.

27. Havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou – cfr. art. 483.º, n.º 1, do Código Civil.

Como refere Antunes Varela (in Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 695) como «à culpa de cada um dos condutores corresponde a culpa de cada um dos lesados, a respectiva indemnização terá de ser fixada nos termos do art. 570.º do Código Civil». 

Assim, decorre do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil que «[q]uando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.»

Ponderando as circunstâncias do caso concreto, comprovadas nos autos, relativas à dinâmica do acidente, ocorre um maior grau de culpa do arguido condutor do veículo automóvel na produção para a ocorrência do evento de colisão.

O quadro fáctico apurado, relativo à etiologia do acidente e respectiva dinâmica, permite-nos concluir que, apesar da vítima circular com o motociclo em excesso de velocidade, no momento em que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido estava atravessado, por inteiro, na faixa de rodagem do sentido contrário ─ impossibilitando assim à vítima qualquer possibilidade de efetuar uma manobra de evasão ou desvio de direção de último recurso que pudesse evitasse o embate atenta a dimensão do veículo automóvel que este conduzia ─ quando este último, poderia e deveria, ter parado ao sinal de amarelo fixo, estando em perfeitas condições para o fazer em condições de segurança.

O arguido circulava a cerca de 20 km/h, podendo perfeitamente parar em condições de segurança, prosseguindo ainda assim na execução duma manobra de mudança de direção à esquerda, apesar de, em sentido contrário ao seu, circular o motociclo conduzido por BB não se apercebendo da presença do mesmo, cortando a linha de trânsito deste, por conduzir de modo desatento.

No fundo, a questão, quanto à vítima, prende-se unicamente com a circunstância de não ter conseguido travar e ter perdido o controlo da viatura antes do semáforo, acabando por embater no veículo conduzido pelo arguido, e que se atravessara por completo na faixa de rodagem pela qual aquele circulava.

Atendendo ao disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 40% para a vítima e em 60% para o arguido condutor do veículo seguro pela demandada.

28. Em face do exposto, haverá que “recompor” as indemnizações fixadas em conformidade com esta nova “repartição”.

Existindo, à data do acidente, seguro válido e eficaz, cabe à demandante satisfazer a respectiva indemnização, na exata medida daquela proporcionalidade da culpa do condutor do veículo seguro, o que significa que a demandada Seguradora ficará condenada a pagar aos recorrentes, ora demandantes, a quantia de € 60.000,00 a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima, os montantes de € 24.000,00, a título de indemnização por danos morais para cada um dos demandantes pela morte do seu filho, e por despesas fúnebres € 222,85, valor esse que cobre o empobrecimento patrimonial ainda existente, que será arbitrado aos dois demandantes, em termos de solidariedade passiva.

Aos referidos valores acrescerão juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil para contestar.

Não tendo a sentença de 1.ª instância e o acórdão recorrido atualizado a indemnização, a condenação em juros de mora não se mostra atentatória do A.U.J. n.º 4/2002, de 9 de maio de 2002, publicado do Diário da República, n.º 146, Série I-A, de 27 de junho de 2002([16]).

Nesta medida o recurso procederá assim parcialmente nesta parte.

III. Decisão

Termos em que acordam na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao recurso interposto pelos demandantes civis CC e DD, relativamente ao enxerto civil por estes deduzido:
a) Julgá-lo parcialmente procedente, e em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte relativa ao pedido de indemnização civil, e condenar a demandada “EE – Seguros Gerais, S.A.” a pagar aos demandantes civis, a título de indemnização civil:
i. Solidariamente, a ambos os demandantes, a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima;
ii. Solidariamente, a ambos os demandantes, a quantia de € 222,85 (duzentos e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais relativos a despesas fúnebres;
iii. A cada um dos demandantes civis, os montantes de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) a título de indemnização por danos morais pela morte do seu filho;
iv. As referidas quantias serão acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização cível, até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
b) No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelos Demandantes civis;
c) Atento o provimento parcial do recurso, são devidas custas na proporção do respetivo decaimento, que se fixam em 4/10 a cargo dos recorrentes/demandantes civis e 6/10 a cargo da recorrida/demandada, de harmonia com o disposto no artigo 527.º, n.os 1 e 2, do NCPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 523.º do CPP.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de fevereiro de 2016

(Foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Manuel Augusto de Matos

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[1]     As transcrições respeitam o original, salvo gralhas evidentes e ortografia. A formatação é da responsabilidade do relator.
[2]     Redação introduzida pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
[3]     Redação introduzida pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
[4]     Redação introduzida pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
[5]     Redação aditada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
[6]     Redação aditada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido.
[7]     Acessível tal como outros citados no texto, quando outra fonte não for especificada, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/.
[8]     Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª Edição, Coimbra, 1996, p. 544.
[9]     Nesse sentido, o acórdão de 27 de março de 2014, processo n.º 136/07.7TBTMC.P1.S1.
[10]   Nesse sentido, o acórdão de 29 de abril de 2004, processo nº 04B1302.
[11]   Nesse sentido, o acórdão de 19 de maio de 2005, processo n.º 05B1469.
[12]   Nesse sentido, entre outros os acórdãos de 15 de fevereiro de 2007, processo n.º 07B302, de 14 de dezembro de 2006, processo n.º 06B4390, de 6 de julho de 2006, processo n.º 06B2216, de 11 de dezembro de 2014, processo n.º 2142/10.5T2AVR.C1.S1, de 28 de fevereiro de 2013, processo n.º 524/06.6TBPSR.E1.S1, processo n.º 6353/05.7TVLSB.L1.S1.
[13]   Nesse sentido, vide entre outros, os acórdãos de 6 de janeiro de 1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), n.º 363, p. 488, de 8 de fevereiro de 2001, processo n.º 3637/00, e de 20 de novembro de 2003, processo n.º 3450/03.
[14]   Nesse sentido, o acórdão de 22 de junho de 2006, processo nº 06B1862.
[15]   Acórdão de 3 de fevereiro de 2011, processo n.º 605/05.3TBVVD.G1.S1.
[16]   Que fixou a seguinte jurisprudência «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.»