Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01325/14
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:MAIS VALIAS
MENOS VALIAS
PME
CERTIFICAÇÃO
IAPMEI
Sumário:I - O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
II - O n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos de aplicação do supra referido regime de exclusão de tributação, remete a definição de micro e pequenas empresas para os termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, diploma que regula a certificação das PME pelo IAPMEI, sendo que os requisitos materiais para essa qualificação se encontram fixados no respectivo anexo.
III - Nem a letra da lei nem a sua ratio permitem concluir que a aplicação daquele regime de tributação fica dependente da certificação da qualidade de PME pelo IAPMEI.
Nº Convencional:JSTA000P22540
Nº do Documento:SA22017111501325
Data de Entrada:11/11/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
O Ministério Público, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… e B…………, melhor identificados nos autos, contra as liquidações de IRS relativa ao ano de 2012, no valor global de 72.256,77 €.

Inconformado com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
1. «Os impugnantes venderam a sua participação social na sociedade comercial “C…………, L.da”, realizando mais-valias, tendo a alienação ocorrido em Junho de 2012 — folhas 6 do PA.
2. Em sede de tributação de mais-valias em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares vigora o preceituado nos artigos 10º n° 1 b), 43º n° 1, 3 e 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
3. Os impugnantes apenas obtiveram a certificação da sociedade comercial como PME em 24.8.2013, apenas podendo ser usada tal declaração a partir dessa data.
4. Pretendem os impugnantes que a tributação seja reduzida a 50%, uma vez que a empresa tinha menos de 50 trabalhadores e a facturação foi inferior a 2 000 000 € no ano da alienação.
5. Tal pretensão foi atendida na decisão recorrida, por se ter entendido que basta a empresa reunir os requisitos previstos no artigo 2º do Anexo do DL 372/2007, não sendo necessária a certificação prevista no articulado do referido diploma legal.
6. Todavia, quer no Preâmbulo do citado diploma, quer no seu articulado, prevê- se a necessidade da certificação para comprovar o estatuto de PME, quer perante a Administração, quer perante o público em geral (artigos 1°, 5º, 6°, 8°, 10º, 11º e 13°).
7. O Anexo reproduz o Anexo constante da Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, Anexo que se destinou à «Definição de micro, pequena e médias empresas adoptada pela Comissão», ou seja, onde são descritos os elementos a atender para que a empresa possa obter essa qualificação, optando o legislador nacional por aproveitar tais definições e fazer inserir no texto do diploma os requisitos para as sociedades comerciais poderem beneficiar desse estatuto.
8. A assim não ser não se justifica a certificação, certificação essa que permite à entidade certificada poder usar a mesma perante qualquer entidade, sem necessidade de exibir a contabilidade e demais elementos necessários, como seja o comprovativo do número de trabalhadores.
9. Em face disso a decisão recorrida, ao dispensar a certificação como elemento necessário para a obtenção do estatuto de PME violou o disposto nos artigos 10º n.º 1 b), 43° n° 1, 3, e 4, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, artigos 1°, 5°, 6°, 8°, 10º, 11º e 13°, do DL 372/2007, na redacção introduzida pelo DL 143/2009.
10. Deve, assim, a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação, por ser essa a interpretação que se mostra mais correcta, atento o preceituado no artigo 9º, do Código Civil, e, ainda, à unidade do ordenamento jurídico.
Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, far-se-á JUSTIÇA!»
Os Recorridos apresentaram as suas contra alegações, com as seguintes conclusões:
1. O Thema decidendum do presente processo consiste em saber quais as condições para a redução em 50% da tributação da venda de participações sociais, por pessoas prevista nos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 43.° do CIRS.
2. O recurso interposto enferma de um grave erro de análise, pois procura um pretenso espírito do Decreto-Lei n.º 372/2007, a partir da lei fiscal, quando deveria partir antes da análise ao espírito do legislador fiscal, para o Decreto-Lei n.º 372/2007.
3. Depois labora no erro de que o Decreto-Lei n.º 372/2007 se dirige quer às empresas como aos respectivos sócios, quando assim não sucede.
4. O legislador fiscal não se equivocou quando no n.º 4 do art. 43.º do CIRS, remeteu apenas para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, e não para todo o diploma legal.
5. O legislador fiscal conhece bem o Decreto-Lei n.º 372/2007 e quando remeteu apenas para o anexo fê-lo intencionalmente.
6. O corpo do decreto-lei estabelece a certificação de PME, esclarece a justificação do diploma, indica a quem se aplica e para que serve, ao passo que o anexo indica especificamente as condições para que uma entidade seja considerada PME.
7. Nem o corpo do diploma estabelece as condições para uma entidade ser PME, nem o anexo estabelece rigorosamente nada acerca de certificação!
8. Com o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 43.° do CIRS o legislador pretendeu beneficiar, com uma redução de IRS, as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de participações sociais de micro e pequenas entidades.
9. O legislador fiscal, no n.º 4 do art. 43.º do CIRS, cinge a remissão da norma tributária para o anexo ao citado Decreto-Lei n.º 372/2007, para efeitos de se apurar o que se entende por micro e pequena entidade.
10. Independentemente do constante no Decreto-Lei n.º 372/2007, o legislador fiscal, para efeitos de IRS, limitou a referência ao anexo para efeitos de determinação do que se entende por micro e pequena entidade.
11. Donde, independentemente do âmbito, objectivos e abrangência do Decreto-Lei n.º 372/2007, o legislador fiscal não consagrou qualquer limitação ao regime previsto no art. 43.º do CIRS à existência de certificação PME, socorrendo-se daquele diploma legal apenas para evitar transcrever no n.º 4 do art. 43.º do CIRS os conceitos de micro e pequena entidade.
12. Não há necessidade de analisar, para efeitos fiscais, a ratio de diplomas que não têm qualquer aplicação tributária; como nenhuma norma tributária remete para o Decreto-Lei n.º 372/2007, não há que o analisar.
13. É falso que o processo de certificação PME não seja meramente formal e burocrático.
14. A certificação passa apenas pelo preenchimento electrónico de um formulário com identificação da entidade e remessa de elementos contabilísticos existentes nas declarações lES, tais como a actividade económica da entidade, número de trabalhadores, balanço e volume de negócios.
15. Não há juízo de oportunidade ou discricionariedade pela entidade que certifica a natureza de PME.
16. Desde que sejam remetidos os elementos e se cumpram os rácios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 a entidade é certificada.
17. A certificação não tem qualquer natureza constitutiva, serve apenas para simplificar e desburocratizar, evitando apenas a entidade”…de apresentar, sempre que pretendo usufruir dessa qualidade, os elementos contabilísticos e de identificação dos seus colaboradores em termos de relação de trabalho”.
18. Para efeitos do benefício de redução da tributação de mais-valias de participações em micro e pequenas entidades é indiferente se a entidade está certificada ou não pois a AT, ao contrário da generalidade dos restantes organismos públicos, tem acesso aos elementos contabilísticos da empresas — lES — através dos quais pode facilmente, sem necessidade de qualquer outro elemento, aferir a qualidade de micro e pequena entidade.
19. A certificação é dirigida para as entidades. O benefício fiscal é dirigido aos sócios/accionistas da empresa. Só a empresa tem legitimidade para requerer a certificação PME.
20.O sócio que pretenda usufruir do benefício não pode determinar o pedido de certificação PME. Tal cabe à gerência/administração da sociedade que pode pura e simplesmente não apresentar o pedido de certificação.
21. A tese defendida no recurso interposto é contraditória com a posição recentemente assumida pela AT sobre a temática sub judice na circular n.º 7/2014, de 29/07/2014, que reconhece que a certificação não é condição para reconhecimento do benefício.
22. Donde, pelo supra referido não resulta dúvida alguma que o recurso interposto deverá ser julgado improcedente

O Ministério Público, por ser o recorrente, não emitiu parecer.

2 - Fundamentação

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão:
A — Em 20.02.2008, os Impugnantes adquiriram duas quotas no valor nominal de € 2.50000 cada, do capital social da «C…………, Lda.», NIPC ………, pelo valor declarado de € 6.125,61 cada (cf. doc. a fls. 19 a 26 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B — Na data referida na alínea anterior, os Impugnantes subscreveram um aumento do capital social da sociedade referida na alínea anterior, em numerário no valor de € 17.500,00, tendo aqueles ficado titulares de 2 quotas de € 20.000,00 cada uma do dito capital, tendo despendido cada um dos Impugnantes e por cada quota a quantia de € 23.625,61 (cf. doc. a fls. 19 a 26 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C — A sociedade referida nas alíneas anteriores tem por objecto a exploração de supermercado, cafetaria e como objecto secundário o arrendamento de imóveis (cf. doc. a fls. 27 a 32 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D — Em 2011, a sociedade referida nas alíneas anteriores contava com 11 funcionários, tinha um volume de negócios de € 2.536.051,13 e um volume anual de balanço de 738.848,00 € (cf. docs. a fls. 38 a 92 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E — Em 2012, a sociedade referida nas alíneas anteriores contava com 12 funcionários, tinha um volume de negócios de € 2.709.337,98 e um volume anual de balanço de 887.870,78 € (cf. docs. a fls. 93 a 147 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F — Em 20.06.2012, os Impugnantes venderam as duas quotas de valor nominal de € 20.000,00 cada, de que eram titulares no capital social da sociedade referida nas alíneas anteriores, pelo valor de € 160.000,00, cada uma (cf. doc. a fls. 33 a 37 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G — Em 06.09.2013, a sociedade referida nas alíneas anteriores recebeu do IAPMEI a certificação como «Pequena Empresa» (cf. doc. a fls. 149 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H — A sociedade referida nas alíneas anteriores não está cotada em mercado regulamentado nem não regulamentado da bolsa de valores (cf. docs. a fls. 38 a 149 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I — Em 30.05.2013, os Impugnantes submeteram, através do portal da AT, a declaração de rendimentos Modelo 3, com os rendimentos obtidos em 2012, fazendo constar nos campos 801 e 802 do anexo G, os valores declarados de aquisição e alineação, das participações sociais na empresa referida nas alíneas anteriores, inscrevendo no campo 8A que as participações sociais alienadas eram reportadas a uma sociedade que se enquadrava no conceito de “Micro, pequenas e médias empresas” (cf. doc. a fls. 150 a 157 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J — Os Impugnantes receberam a liquidação n.º 2013 5004061734, emitida em 23/06/2013, no valor global de € 72.256,77, com data limite de pagamento de 31.08.2013, dela constando a título de tributação autónoma a quantia de € 72.256,77 (cf. doc. a fls. 18 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K — A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal via SITAF em 11.11.2013 (cf. fls. 2 a 162 dos autos).

3- Do Direito
A decisão recorrida julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação na parte impugnada (anulação parcial) com o fundamento na ocorrência de vício de violação de lei. Fê-lo na consideração de que não deve confundir-se a qualidade de PME com a respectiva certificação, sendo que do art. 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS, resulta que apenas aquela, e já não esta, é condição para aproveitar o regime de exclusão parcial de tributação aí previsto.
O Recorrente discorda da sentença nos termos supra destacados e, nuclearmente, sustenta que a sentença não fez a melhor interpretação das disposições legais aplicáveis, uma vez que a certificação como PME pelo IAPMEI é a seu ver imprescindível em ordem a poder usufruir do regime de exclusão parcial de tributação.
A questão que cumpre apreciar e decidir é, pois, a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que a AT incorrera no já referido vício de violação de lei ao liquidar o IRS de 2012 aos ora Recorridos relativamente à totalidade da mais-valia obtida com a venda de participações sociais. Tal implica a indagação sobre se o benefício em causa (exclusão parcial de tributação) depende da prévia certificação da sociedade como PME pelo IAPMEI. E, em primeiro lugar devemos considerar o disposto Artigo 43° do CIRS o qual estabelece:
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10°, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
5-...
6-...

No caso dos autos estão em causa mais-valias resultantes da alienação de participações sociais, as quais estão previstas como forma de rendimento na alínea b) do n.º 1 do art.° 10.º do CIRS.
E a discordância quanto à solução propugnada na decisão recorrida consiste em saber se devem incluir-se na tributação “beneficiada” em 50%; quaisquer micro ou pequenas empresas, ou apenas aquelas que se encontrem certificadas à luz do Decreto-Lei n° 327/2007.

Devemos referir, desde já, que não assiste razão ao recorrente e que esta é uma questão já tratada neste STA através do acórdão de 16/12/2015 tirado no recurso nº 01096/14 assim sumariado:
I - O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
II - O n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos de aplicação do supra referido regime de exclusão de tributação, remete a definição de micro e pequenas empresas para os termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, diploma que regula a certificação das PME pelo IAPMEI, sendo que os requisitos materiais para essa qualificação se encontram fixados no respectivo anexo.
III - Nem a letra da lei nem a sua ratio permitem concluir que a aplicação daquele regime de tributação fica dependente da certificação da qualidade de PME pelo IAPMEI.

Por ser exaustiva a fundamentação ali expressa com a qual se concorda na íntegra passamos a destacar a mesma, na sua parte mais elucidativa. Ali se expendeu:

“(…) 2.2.2 DA ISENÇÃO PARCIAL DE TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS OBTIDAS COM A VENDA DE PARTES SOCIAIS DAS PME – A PROVA DA QUALIDADE DE PME

2.2.2.1 O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção do art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, dispunha: «O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor».
No n.º 4 do mesmo artigo estabelecia-se: «Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro».
No caso, não é controvertido que a sociedade a que se referem as quotas alienadas é uma PME (requisito material do benefício). A controvérsia surge exclusivamente em relação ao meio de prova (requisito formal) desse estatuto para efeitos da aplicação do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.º do CIRS: é necessária a certificação como PME pelo IAPMEI, como sustentam ambos os Recorrentes, ou basta que a sociedade preencha os requisitos da qualificação como PME previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, como sustenta o Recorrido e entendeu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra?
Salvo o devido respeito, a tese dos Recorrentes não encontra apoio na letra da lei nem na sua teleologia.

2.2.2.2 Desde logo, não podemos perder de vista que a letra da lei – que constitui «o ponto de partida da interpretação» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182, que assinala uma dupla função à letra da lei enquanto factor hermenêutico: por um lado, «uma função negativa», qual seja «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei»; por outro lado, «uma função positiva», que se reconduz a dois efeitos, sendo o primeiro, que, «se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador» e o segundo «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais de um significado)», «dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis».) – aponta nesse sentido. Na verdade, como bem assinalou o Juiz do Tribunal a quo e bem argumenta o Recorrido, no n.º 4 do art. 43.º do CIRS diz-se o que se deve entender por micro e pequenas empresas, para o efeito de aplicação do regime de exclusão parcial da tributação previsto no número anterior: «as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro».
Ou seja, o legislador para definir as empresas que, para o referido efeito, se entendia constituírem micro e pequenas empresas, assim integrando a previsão do n.º 3 do art. 43.º do CIRS, não disse que eram as que estejam como tal certificadas pelo IAPMEI; disse, isso sim, que eram as que estejam como tal definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.
É, aliás, bem esclarecedor que a redacção escolhida para o n.º 4 do art. 43.º do CIRS se refira ao anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e não, singelamente, a este diploma legal: é que, enquanto neste se regula o procedimento de certificação, sendo esse o seu objecto [cfr. n.º 1 do art. 1.º («É criada a certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas, adiante designadas por PME».)], é naquele (i.e., no seu anexo) que se estabelecem os critérios, as condições materiais, a que devem obedecer as empresas em ordem a poderem ser qualificadas como PME [cfr. art. 2.º («Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio».)].
O legislador nunca se referiu ao certificado de PME, criado pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, a emitir pelo IAPMEI, mas apenas aos requisitos de qualificação como PME, fixados no Anexo àquele diploma legal. O que sucedeu foi que o legislador, ao invés de no n.º 4 do art. 43.º do CIRS enunciar os requisitos materiais da qualificação de uma empresa como PME, repetindo a norma do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, remeteu (A remissão é um «expediente técnico-legislativo de que o legislador se serve com frequência para evitar a repetição de normas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit, pág. 105).) para este Anexo, onde tais requisitos se encontravam já enunciados.
O que, por si só, afasta a tese dos Recorrentes. Tanto mais que o n.º 3 do art. 9.º do Código Civil (CC) impõe-nos presumir, não só «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas», como também que «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 182.). Ora, anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 não é sinónimo de certificação prevista no Decreto-Lei n.º 372/2007, sendo que aquela primeira expressão tem, manifestamente, um carácter mais preciso e restritivo relativamente a esta última.
Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no mesmo sentido.
Na verdade, a certificação como PME, criada pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, é uma exigência que o legislador faz às próprias empresas que pretendam valer-se dessa condição [cfr. arts. 1.º, n.º 2 («A certificação referida no número anterior permite aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade» (sublinhado nosso).), e 3.º, n.º 1 («A certificação de PME, nos termos do presente decreto-lei, é aplicável às empresas que exerçam a sua actividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação (MEI) e que necessitem de apresentar e comprovar o estatuto de PME no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regulamentarmente exigido» (sublinhado nosso).)]. Salvo o devido respeito, nenhum sentido faria essa exigência se dirigida a alguém que, como resulta da economia de todo o diploma, não tem legitimidade para requerer essa certificação.
Em conclusão, para efeitos da aplicação do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.º do CIRS, o legislador, a fim de delimitar o conceito de PME, limitou-se a remeter para a definição já constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, o que significa que, para aplicação daquele regime tributário, basta que a empresa a que pertencem as participações sociais alienadas cumpra os requisitos materiais enunciados naquele anexo para que possa ser considerada como PME, não se exigindo que o sujeito passivo do imposto logre também a demonstração de que a empresa está certificada pelo IAPMEI como PME.
O legislador não faz essa exigência em ordem à comprovação da qualidade de PME para o referido efeito, nem faria sentido que a fizesse.(…)”

Acresce referir que a Administração Tributária veio emitir a circular n.º 7/2014, de 29 de Julho (Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/4B7156A6-94F4-4618-B4C5-AF9F15EEEDB3/0/Circular_7_2014.pdf.), do seguinte teor:
«1. O n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
2. Por remissão expressa do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de Julho), diploma que define o procedimento de certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas (“PME”), da competência do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI).
3. O Decreto-Lei em referência não contém no seu articulado uma definição de PME, dispondo apenas que os conceitos e os critérios a utilizar, para aferir o respectivo estatuto de PME para efeitos de certificação, constam do anexo ao diploma legal, que dele faz parte integrante.
4. Nos termos do artigo 2.º deste anexo, verifica-se que a qualidade de PME depende, essencialmente, da verificação de um conjunto de requisitos materiais – (I) os efectivos e (II) os limiares financeiros – tendo como referência os dados do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual (cfr. artigo 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 373/2007 [trata-se de um lapso já que o diploma em questão é o Decreto-Lei n.º 372/2007]).
5. Assim, a qualificação de micro ou pequena empresa para efeitos da aplicação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, deve assentar na realidade material das entidades cujas partes sociais foram objecto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais vertidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, à data da alienação, impendendo sobre os sujeitos passivos o respectivo ónus da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
6. Por conseguinte:
a) A existência de Certificação emitida pelo IAPMEI, válida à data da alienação das partes sociais, faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS.
b) Caso a empresa não seja detentora de Certificação como micro ou pequena empresa, nos termos antes referidos, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com a consequente e eventual qualificação da entidade como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS».

Vemos pois que a AT, verificando que os seus serviços nem sempre estavam a fazer a melhor interpretação da lei – pois exigiam a certificação como PME da sociedade cujas partes sociais eram alienadas como condição para aplicarem o regime do n.º 3 do art. 43.º do CIRS – veio emitir, já em momento posterior à liquidação referida nos autos, instruções no sentido de ser efectuada a melhor interpretação da lei é a que aqui defendemos e que foi a efectuada pelo Juiz do Tribunal a quo.
A finalizar, deixa-se expresso que a posição anteriormente adoptada pelo STA no acórdão destacado e citado é completamente sobreponível à situação a que se reportam os presentes auto onde não são avançados novos e distintos argumentos dos que ali foram considerados e apreciados.
Assim sendo, o recurso apresentado não merece provimento, sendo de manter a sentença recorrida, que, fazendo correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação na parte impugnada.

4- DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Sem custas por delas estar isento o recorrente Ministério Público.

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Francisco Rothes.