Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 048/20.9BALSB |
Data do Acordão: | 10/20/2021 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
Sumário: | I - A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia pressupõe que a parte haja suscitado questão, de cuja decisão pretende extrair relevantes efeitos para a sua pretensão, sobre a qual o Tribunal, sem justificação, não tenha apreciado e decidido. II - Tendo o Tribunal, no acórdão proferido, adiantado expressamente os motivos pelos quais entendia que, no circunstancialismo concreto, não se justificava apreciar uma questão, há que reconhecer, independentemente do eventual erro de julgamento que lhe possa ser assacado, que não estão preenchidos os pressupostos necessários a que se julgue verificado o vício formal de omissão de pronúncia. |
Nº Convencional: | JSTA000P28336 |
Nº do Documento: | SAP20211020048/20 |
Data de Entrada: | 05/22/2020 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | BANCO A............, SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO 1.1. Banco A…………, S.A., doravante Recorrida, notificada do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu o recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral proferida no processo n.º 769/2019 - que, concedendo provimento ao recurso, anulou a referida decisão arbitral recorrida -, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 125.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 e 666.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, arguir a nulidade desse aresto e pedir que, declarada que seja essa nulidade, o mesmo seja substituído «por outro que cumpra o dever de pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade». 1.2. Como fundamento da sua pretensão, sustenta a Requerente, em síntese, que o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade, por ela expressamente invocada no Capítulo C das contra-alegações, sob a epígrafe «DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DO ARTIGO 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA». 1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, então Recorrente e ora Requerida, não respondeu. 1.4. Cumpre, agora, nos termos e em conformidade com o preceituado no artigo 666.º, n.º 2 do CPC, decidir em conferência do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. 2. APRECIAÇÃO 2.1. Considerando que o acórdão proferido nestes autos, cuja nulidade vem arguida, foi decidido com expresso acolhimento da fundamentação exarada no acórdão do Pleno desta Secção e Tribunal, proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB, e que, também neste último, foi arguida idêntica nulidade e com os mesmos fundamentos, já decidida por esta conferência a 22 de Setembro de 2021, é igualmente com a mesma fundamentação, que acolhemos sem reserva, que se apreciará e decidirá a pretensão formulada neste processo, que passamos a transcrever: «Antes do mais, importa ter presente que a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (Que segue o disposto no art. 615.º do CPC.) se verifica quando o tribunal (A norma refere o juiz, mas é aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores.), em violação do seu dever de cognição, consagrado no n.º 2 do art. 608.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar, ou seja sobre «todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Como a jurisprudência tem vindo a afirmar repetidamente, não há omissão de pronúncia sobre questões colocadas quando o seu conhecimento é expressamente recusado pelo tribunal ou quando este se abstém de conhecer de uma questão mas indica as razões pelas quais não conhece dela. Nas palavras de ALBERTO DOS REIS, «uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção» (Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, reimpressão, vol. V, pág. 143.). 2.2 A Requerente considera que o acórdão omitiu pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade formal e material do art. 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA, se interpretados no sentido de que se consente à AT regular o direito à dedução do IVA, com carácter geral e abstracto, através de direito circulatório. No acórdão recorrido, a propósito da questão, ficou dito: «Uma última referência, motivada pela argumentação da Recorrida no sentido de que os n.ºs 2 e 3 do art. 23.º CIVA, se interpretados no sentido de que se permite à AT definir o direito à dedução do imposto pelos contribuintes, enfermam de inconstitucionalidade material e formal, por violação dos princípios da separação dos poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP), do art. 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP]. A argumentação da Recorrida assenta no pressuposto de que o CIVA não contém norma que permita o método proposto pela AT. Mas, como acima ficou dito, entendemos que não é assim: o denominado «método de imputação específica» não é um método inovador, não previsto no art. 23.º do CIVA, mas é ainda um método de afectação real, com alguns ajustamentos («condições especiais»), motivo por que deve considerar-se subsumível à previsão daquela norma. Salvo o devido respeito, não se verificando o pressuposto de que partiu a Recorrida, toda a sua argumentação em torno da inconstitucionalidade, formal e material, deixa de assumir relevância» (Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se Recorrente onde se queria dizer Recorrida.). Talvez não tenhamos compreendido plenamente o alcance da argumentação da Recorrida, concedemos. Mas o que, seguramente, não pode sustentar-se é que o acórdão omitiu pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade. Pode ter-se pronunciado menos acertadamente, mas não deixou de o fazer, o que, por si só, afasta a possibilidade de se julgar verificada a nulidade por omissão de pronúncia. Na verdade, encontrando-se justificada no acórdão a razão pela qual não se conheceu da alegada inconstitucionalidade – se bem ou mal é matéria que se situa fora do âmbito da validade formal do acórdão, que é onde se situam as nulidades –, não pode ocorrer o vício formal de omissão de pronúncia, pelo que improcede a arguida nulidade, como decidiremos a final. 2.3 Sem prejuízo, sempre diremos o seguinte: O que a Recorrida e ora Requerente, se bem interpretamos o requerimento de arguição de nulidade, afinal sustenta é que a questão da inconstitucionalidade foi mal compreendida pelo Tribunal, que não a tratou com os contornos em que ela Recorrida a configurou. O que esta pretendia afirmar é que, a admitir-se, como admitiu o Supremo Tribunal Administrativo, que o CIVA contém uma norma – o art. 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA – que autoriza o método proposto pela AT (E, nesse sentido, é bem explícita a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a quem a questão foi colocada em sede de reenvio prejudicial.), então haveria de considerar-se inconstitucional, formal e materialmente, que o direito à dedução do IVA seja regulado, «com carácter geral e abstracto», «pela AT através de direito circulatório». Mas, salvo o devido respeito, nunca o Supremo Tribunal Administrativo adoptou essa interpretação: nunca defendeu, nem no acórdão ao qual é imputada a nulidade – que remete para o acórdão de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/91bfabc98c8f5cef802586680048da06.) –, nem na sua jurisprudência, a tese de que a AT pode definir por circular e com carácter geral e abstracto o modo como deve ser exercido o direito de dedução do IVA relativamente às despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista, designadamente qual o critério a utilizar na determinação da parte desse IVA que confere o direito à dedução; pelo contrário, o que tem vindo a dizer, repetidamente, e afirmou também no presente caso, é que a aplicação do critério constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, exige que seja possível formular um juízo de facto sobre se a utilização dos bens e serviços de utilização mista (inputs promíscuos) é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos e que fica reservada às situações que caibam no primeiro termo da alternativa (Quanto ao ónus da prova, tenha-se presente o que ficou dito no já referido acórdão de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB: «[…] quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução. // Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio. // Assim, e para concluirmos este ponto, diremos resumidamente que, para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» (para não fugir da expressão do Ofício), competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos».). Como logo ficou dito no acórdão de 4 de Março de 2015, proferido no processo com o n.º 81/13 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/548319a060513f62802585650052cb2a.), o Supremo Tribunal Administrativo não reconhece a validade incondicional desse critério, afirmando que «a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta». Como também ficou dito no acórdão, mais recente, de 4 de Março de 2020, proferido no processo com o n.º 7/19.4BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/548319a060513f62802585650052cb2a.), «Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), […], “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de Julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”. // Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos». Por isso, este Supremo Tribunal tem vindo a entender que quando o probatório fixado pelas instâncias não permite estabelecer se a utilização de bens ou serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos, haverá de se anular a decisão e ordenar a baixa dos processos à 1.ª instância em ordem à ampliação da matéria de facto. Mas, se assim é quando está sob recurso uma decisão dos tribunais estaduais tributários, já quando o recurso é do Tribunal Arbitral este Supremo Tribunal Administrativo entendeu, mais recentemente, que não pode ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto (Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1f4567c723ed8a33802586c3004cd177, no qual, em sede de reclamação do acórdão por que foi decidido o recurso, se explica detalhadamente porque se limitou, na parte decisória, a anular a decisão arbitral recorrida.), de modo a permitir a formulação de um juízo de facto sobre a efectiva utilização dos bens e serviços de utilização mista no caso; não obstante, isso não impede o Tribunal Arbitral de retirar as devidas consequências da decisão que anulou a sua decisão. O que este Supremo Tribunal nunca sustentou é que o critério do Ofício-Circulado n.º 30108 tenha validade incondicional e possa ser aplicado, sem mais e com carácter geral e abstracto.». 2.2. Donde, há que indeferir a reclamação apresentada, o que, a final, se decidirá. 2.3. As custas do presente incidente serão suportadas pela Requerente, que decaiu na sua pretensão, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC - artigos 527.º, 529.º, 530.º, 539.º, do CPC e 7.ª n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II ao mesmo anexa. 3. DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a reclamação. Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC. Notifique. Lisboa, 20 de Outubro de 2021 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro. |