Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0282/15.3BEFUN
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRS
USUCAPIÃO
MAIS VALIAS
Sumário:Tendo sido adquirido por usucapião o prédio rústico, onde posteriormente foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de Imposto de Selo.
Nº Convencional:JSTA00071279
Nº do Documento:SA2202110270282/15
Data de Entrada:01/22/2021
Recorrente:A............... E OUTROS
Recorrido 1:AT-RAM
Votação:UNANIMIDADE
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 10.º, n.º 1, al. a), art. 43.º, art. 45.º do CIRS;
art. 03.º do CIMSISD
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A…………………….. e o marido, B………………., ambos com os sinais dos autos, impugnaram no TAF do Funchal a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2015 5000035805, referente ao exercício de 2011, e respectivos juros compensatórios, da qual resultou um montante a pagar de € 49.795,36.

2 – Por sentença de 25 de Agosto de 2020, o TAF do Funchal julgou improcedente a impugnação e anulou as liquidações de IRS.

3 – Inconformados com o teor da referida sentença do TAF do Funchal, os Impugnantes e aqui Recorrentes vêm interpor recurso para este STA, apresentando, para tanto, alegações que rematam com as seguintes conclusões:
«[…]
Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.
No entender dos Recorrentes, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que:
a) A Fazenda Pública não impugnou especificamente quaisquer factos alegados pelos Recorrentes na petição inicial, nem impugnou quaisquer documentos juntos pelos Recorrentes aos autos, o que não pode deixar de ser relevado e apreciado para efeitos probatórios;

b) ficou provado que com o falecimento de C……………., em 15/7/1997, a Recorrente passou efetivamente a ser herdeira da nua propriedade (90%) do prédio misto em questão;

c) ficou demonstrado que, em 1997, ainda pendia a favor de D………………., donatária e avó da Recorrente, parte do usufruto constituído em 27/02/1989, correspondente a 10% do direito real sobre o imóvel;

d) ficou comprovado que, em 22/11/2010, foi outorgada uma escritura de partilha da herança aberta em nome de E……………….. e D……………., falecidos em 14/04/1993 e 22/09/2000, e seus filhos, F……………… e C……………, falecidos em 04/01/2006 e 15/07/1997, respectivamente;

e) provou-se que essa partilha integrava, como verba 1, o prédio misto objeto dos autos, ao qual foram atribuídos, na dita escritura, os seguintes valores: à parte rústica – art. …… Secção VV - € 120.000,00 e à parte urbana – artigo ……. - € 80.000,00;

f) demonstrou-se que da referida escritura de partilha viria a resultar para cada herdeiro uma quota hereditária de € 200.000,00, tendo o quinhão de C……………. cabido à sua única herdeira, a ora Recorrente;

g) comprovou-se que a Recorrente viu, através da dita partilha, o seu quinhão ser preenchido com o imóvel objeto dos autos na exacta proporção e em valor coincidente com o seu quinhão;

h) ficou provado que, por força da partilha realizada em 22/11/2010, a Recorrente adquiriu o prédio misto objecto dos autos pelo montante total de € 200.000,00, a parte rústica pelo valor atribuído de € 120.000,00 e a parte urbana pelo valor atribuído de € 80.000,00;

i) os valores atribuídos em sede de partilha deveriam ter sido considerados os valores de aquisição para efeitos de apuramento das mais valias fiscais;

j) antes da partilha, cada herdeiro já detém o direito a uma determinada quota ideal da herança, podendo afirmar-se que a mesma, a partilha, se limita a concretizar, em bens certos e determinados, o direito já existente e a fazer com que esse direito retroaja à data da abertura da herança;

k) deveria ter sido considerado que a Recorrente adquiriu 90% do prédio misto em questão, em 15/7/1997, a parte rústica pelo valor de € 108.000,00 (€ 120.000,00 x 90%) e a parte urbana pelo valor de € 72.000,00 (€ 80.000,00 x 90%), e os restantes 10%, em 22/09/2000, a parte rústica pelo valor de € 12.000,00 (€ 120.000,00 x 10%) e a parte urbana pelo valor de € 8.000,00 (€80.000,00 x 10%);

Por mera cautela,

l) caso V. Exas. entendam que ao caso concreto não poderia ser considerado como valor de aquisição o valor atribuído aos imóveis em sede de partilha, entendem ainda assim os Recorrentes que o valor de aquisição dos imóveis jamais poderia ser o indicado pela Administração Fiscal, tendo em conta o disposto no artigo 45.º do CIRS, conjugado com o artigo 13.º n.º 1 do CIS e o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2013, de 12 de Novembro;

m) nos termos do artigo 45.º do CIRS: Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou o valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido;

n) de acordo com o artigo 13.º n.º 1 do CIS, "O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o valor determinado por avaliação (…)”;

o) segundo os n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro:

1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.

2 - O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.”

p) o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, impôs, no seu artigo 15.º, a avaliação dos bens adquiridos (ainda que gratuitamente), após 1 de Janeiro de 2004, nos termos do CIMI, reportada ao momento da sua aquisição;

q) a avaliação imposta pelo Decreto-Lei n.º 287/2003 determinava a actualização do valor patrimonial tributário desses imóveis, com efeitos directos na tributação dos incrementos patrimoniais que resultassem da sua posterior venda;

r) quer a Administração Fiscal quer o Tribunal a quo erraram ao não considerar como valor de aquisição nem o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI, nem o valor atribuído em sede de partilha;

s) os valores de € 271,49 (parte rústica – art. ……. secção VV) e € 1.357,24 (parte urbana – art. …….), em que se baseou a Administração Fiscal para apurar as mais valias, foram os valores apurados para a parte rústica e urbana do imóvel, ao abrigo do antigo Código da Contribuição Autárquica e não nos termos do CIMI;

t) ficou demonstrado que a primeira avaliação feita nos termos do CIMI avaliou o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….. em € 36.570,00, valor esse substancialmente superior ao considerado pela Administração Fiscal;

u) quer através do VPT apurado nos termos do CIMI (€ 36.570,00), quer através do valor atribuído em sede de partilha (€ 200.000,00), constata-se que o valor de aquisição, pelo menos, da parte urbana, teria necessariamente que ser superior, o que fere de ilegalidade a liquidação sub judice;

v) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender dos Recorrentes, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência, pelo menos, parcial da impugnação judicial, nos termos e com os fundamentos atrás indicados.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada por V. Exas., com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!.
[…]».


4 - O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção do decidido pelo TAF do Funchal, ainda que com outra fundamentação.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
1. No dia 22 de novembro de 2010, foi outorgada escritura pública de doação [leia-se partilha da herança, conforme elementos juntos aos autos, e não doação, como por lapso se refere e que assim se corrige] no Cartório Notarial da Lic. …………………, sito no Funchal, pela qual a ora Impugnante, A……………………., na qualidade de primeira outorgante, e outros declararam que:
[…] faleceram intestados, E……………., que também usava E’………………. e D………………., casados que foram no regime da comunhão geral, […].
I) Que o autor E…………….., deixou como únicos herdeiros a referida cônjuge sobreviva D………….., e três filhos:
[…]
c) C………………, divorciada, falecida em quinze de Julho de mil novecentos e noventa e sete, intestada, deixando como única herdeira, por sucessão legítima uma filha, a ora primeira outorgante, A………………. […]
II) Que à autora D……………, sucederam como única descendência sucessível os dois filhos acima identificados: a segunda outorgante, o mencionado F……………….. e uma neta, a primeira outorgante, em representação da filha pré-falecida C…………..
Que, consequentemente, são os únicos interessados na partilha dos bens que integram a herança por eles deixada e que são:
Verba Um
Prédio misto, ao Sítio da …….., freguesia e concelho de Câmara de Lobos *…+, inscrito: a parte rústica, na matriz cadastral sob o artigo ….., da Secção VV, com o valor patrimonial de € 271,49 a que atribuem cento e vinte mil euros e a urbana, destinada exclusivamente a habitação, na matriz predial respectiva sob o artigo ……, com o valor patrimonial de € 2.722,24, a que atribuem oitenta mil euros, o que perfaz o valor patrimonial de € 2.993,73 e o atribuído de duzentos mil euros, descrito na conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número mil cento e setenta e um barra mil novecentos e noventa e um doze zero seis - freguesia de Câmara de Lobos, […].
[…]
Que os identificados prédios foram doados pelos autores da herança, por conta da legítima dos donatários, sendo o primeiro à mãe da primeira outorgante C………………., já no estado de divorciada […].
Que do referido valor global de seiscentos mil euros que as outorgantes lhes atribuem para efeitos deste acto, resulta que a quota hereditária de cada um dos filhos dos autores e donatários é de duzentos mil euros.
[…]
O quinhão que pertencia à C……………., no mesmo valor de duzentos mil euros, incumbe à primeira outorgante, sua única herdeira.
Que procedem à partilha do modo seguinte:
As outorgantes e seus representados restituem à massa da herança, para efeitos de colação, os prédios doados na mencionada escritura, conferindo esses valores o montante global de seiscentos mil euros, mas mantendo-se na propriedade dos mesmos […], pelo que vão preenchidos na exacta proporção e em valor inteiramente coincidente com o seu quinhão, nada tendo a prestar uns aos outros, para igualização na formalizada partilha.
[…]” – cfr. certidão junta como doc. n.º 6 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente
reproduzido.
2. Por escritura pública outorgada em 06 de janeiro de 2011, a Impugnante A………………. alienou o prédio misto, localizado na freguesia e concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ……. Secção VV, pelo valor de € 310.000,00, e na matriz predial urbana sob o artigo ….., pelo valor de € 95.000,00 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 10 a 25 do Processo Administrativo (PA) apenso.
3. Os Impugnantes entregaram, a 31 de maio de 2012, declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2011, com a identificação 3450-J0223-55, no qual declararam no respetivo anexo G (“Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”) a alineação mencionada no ponto antecedente, indicando como valor de aquisição do prédio misto os montantes atribuídos em sede da partilha referenciada em 1. – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Pela ordem de serviço n.º OI201400247, datada de 12 de maio de 2014, com despacho de 13 de maio de 2014, e o código de atividade 1212210209 (Pessoas Singulares – Ação de controlo de mais-valias), foi determinada a realização de ação inspetiva interna aos ora Impugnantes, de âmbito parcial, incidente sobre o IRS de 2011 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 10 a 25 do PA apenso.
5. Os Impugnantes foram notificados do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201400247, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, por ofício com o número de saída 518, datado de 23 de janeiro de 2015 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 10 a 25 do PA apenso e doc. n.º 3 junto com a petição inicial.
6. Os Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia ao projeto de correções, por petição escrita com o registo de entrada n.º 1.630, em 06 de fevereiro de 2015 – cfr. relatório inspetivo constante de fls. 10 a 25 do PA apenso e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
7. A 18 de fevereiro de 2015, foi proferido relatório de inspeção tributária, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201400247, com o seguinte teor:
[cfr. documento original cujo teor aqui se dá por reproduzido]
8. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 26 de fevereiro de 2015 – cfr. fls. 11 do PA apenso.
9. Em 04 de março de 2015, foi expedido ofício de notificação das correções resultantes da ação de inspeção interna efetuada pela ordem de serviço n.º OI201400247, com o n.º 2.021, dirigido ao mandatário constituído pelos Impugnantes em sede de audição prévia ao projeto de correções, por via postal registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 5985 1 PT) – cfr. fls. 06 e 07 do PA apenso e doc. n.º 5 junto com a petição inicial.
10. O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 5985 1 PT foi assinado em 05 de março de 2015 – cfr. fls. 07 do PA apenso.
11. Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva foram emitidas, em 13 de março de 2015, as seguintes liquidações referentes ao exercício de 2011:
- Liquidação adicional de IRS n.º 2015 5000035805, no montante de € 75.972,92;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 2015 63261, no montante de € 4.891,44 – cfr. fls. 35 a 37 e 59 do PA apenso e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
12. Em 19 de março de 2015, foi emitida nota de demonstração de acerto de contas/compensação n.º 2015 3423081, por referência à liquidação adicional de IRS n.º 2015 5000035805, e respetivos juros compensatórios, da qual resultou um montante total a pagar de € 49.795,36, com data limite de pagamento em 27 de abril de 2015 – cfr. fls. 35 e 59 do PA apenso e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
13. Os Impugnantes procederam ao pagamento do montante apurado de € 49.795,36, referido no ponto anterior, no dia 27 de abril e 2015 – cfr. fls. 60 e 61 do PA apenso e doc. n.º 2 junto com a petição inicial.
14. A presente impugnação judicial foi apresentada em 13 de julho de 2015 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).

Inexistem factos não provados com interesse para a solução da causa.
[…]».


2. Questões a decidir
A questão que vem suscitada nos autos é apenas a da existência de um erro de julgamento de direito ao considerar que o valor de aquisição do bem (prédio misto) para efeitos de apuramento das mais valias em resultado da respectiva venda é o valor matricial no ano de 1997 (por efeito da morte da mãe) e de 2000 (por efeito da morte da avó), datas de aquisição da nua propriedade; e não, como pretendem os Impugnantes e aqui Recorrentes, o valor que lhes foi atribuído pelos herdeiros por ocasião do acto de partilha.


3. De direito

3.1. Está aqui em causa a determinação do valor de aquisição do imóvel para efeitos de apuramento de mais-valias respectivas ao exercício fiscal de 2011.

O imóvel em questão é um prédio misto que foi doado em 27 de Fevereiro de 1989 à mãe da Recorrente pelos respectivos avós, por conta da legítima, mas com reserva de usufruto vitalício a favor dos avós, sendo este um bem comum daqueles. Nesta ocasião, por efeito da doação, a mãe da Recorrente adquiriu a nua propriedade do imóvel.

Em 14 de Abril de 1993, por ocasião da morte do avô, abriu-se a sucessão, neste caso a favor da mãe da Recorrente.

Posteriormente, em 15 de Julho de 1997, a Recorrente adquiriu, por via sucessória (por efeito do falecimento da sua mãe), direitos sobre o imóvel, tendo transitado para si a nua propriedade da totalidade do imóvel e a propriedade plena descontada do usufruto ainda existente, uma vez que nessa data a avó ainda era viva (a mesma tinha 73 anos à data em que se constituiu o usufruto).

E em 22 de Setembro de 2000, por efeito da morte da avó, consolidou-se a propriedade plena do imóvel na esfera jurídica da mãe da Recorrente e, consequentemente, também na esfera jurídica da Recorrente.

Em 22 de Novembro de 2010 foi outorga a escritura de partilha da herança na qual os herdeiros atribuíram ao prédio o valor de €200.000,00.

Em 6 de Janeiro de 2011, a Recorrente alienou o prédio pelo valor de € 310.000,00

3.2. A regra para determinar o valor de aquisição do bem é a que consta do artigo 45.º do CIRS, na redacção em vigor à data da alienação [6 de Janeiro de 2011]:

Artigo 45.º
Valor de aquisição a título gratuito
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;
b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.
(Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)
2 - (Revogado) (Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)
3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação. (Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)

Ou seja, aplica-se o valor do bem determinado segundo as regras da respectiva aquisição gratuita no momento em que a mesma tem lugar e segundo as norma do imposto em vigor nessa data, ainda que aquela aquisição gratuita beneficiasse de isenção legal. Por isso se afirma na norma legal que o valor a determinar é aquele que serviria de base à tributação da aquisição gratuita, ainda que essa tributação não tenha lugar, por o sujeito passivo estar isento.

Está aqui em causa uma transmissão gratuita do bem (o momento da aquisição da respectiva propriedade pela titular do rendimento de mais-valias aqui em apreço) que ocorreu antes da entrada em vigor das normas do CIS sobre transmissões gratuitas de bens [no n.º 4 artigo 3.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro pode ler-se que “À tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis prevista no n.º 1 da Tabela Geral aplicar-se-ão, até à reforma de tributação do património, as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958”], ou seja, está em causa a aquisição de uma parte do bem em 1997 (mais precisamente de 90% do mesmo por ocasião da abertura da sucessão por morte da sua mãe) e a aquisição da parte restante (os outros 10%) em 2000, por ocasião da morte da avó (data em que se consolida a propriedade plena do bem na titularidade da Recorrente), sendo aplicadas as regras do CIMSISD na determinação do valor de aquisição do bem.

Procedemos, também, à transcrição dos artigos do CIMSISD relevantes para a decisão:

Artigo 3.º
O imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários.

§ 1.º Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada.

Artigo 20.º

O imposto sobre as sucessões e doações será liquidado pelo valor dos bens transmitidos.

§ 2.º Nos demais casos, o valor dos imóveis será o patrimonial constante da matriz, salvo se em inventário ou título de partilhas lhes for atribuído valor superior, sendo o valor dos imobiliários que não possa determinar-se pela matriz, assim como os dos mobiliários, o declarado na relação dos bens a que se refere o artigo 67.º, excepto se houver inventário ou título de partilhas, porque, neste caso, será o que os bens aí tiverem.

Artigo 21.º

Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto será liquidado pelo valor que os bens tiverem na altura em que o adquirente efectuar a consolidação da propriedade com o usufruto, tendo em conta:

1.º Se o proprietário falecer antes de se efectuar a consolidação, sem ter alienado o seu direito, deve o imposto ser liquidado ao seu sucessor ou representante legal quando se verificar a consolidação, conforme o valor que os bens tiverem a esse tempo, e pela taxa que competiria ao proprietário falecido, ou à transmissão deste para o sucessor, consoante a que produzir maior colecta;

Artigo 31.º

Sem prejuízo do disposto nos §§ 1.º e 4.º do artigo 19.º e no § 1.º do artigo 20.º, são ainda aplicáveis à determinação da matéria colectável, quer da sisa quer do imposto sobre as sucessões e doações, as regras seguintes:

(…)

4.ª O valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obter-se-á deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos ou, havendo várias, da mais velha ou da mais nova, consoante eles devam terminar pela morte de qualquer ou da última que sobreviver:

Idade
Percentagens a deduzir
Menos de 20 anos
Menos de 30 anos
Menos de 40 anos
Menos de 50 anos
Menos de 60 anos
Menos de 70 anos
Menos de 80 anos
80 ou mais anos
80
70
60
50
40
30
20
10

Se o usufruto, uso ou habitação forem temporários, deduzir-se-ão ao valor da propriedade plena 10 por cento por cada período indivisível de cinco anos, conforme o tempo por que esses direitos ainda devam durar, não podendo, porém, a dedução exceder a que se faria no caso de serem vitalícios;

5.ª O valor actual do usufruto obter-se-á descontando ao valor da propriedade plena o valor da propriedade, calculado nos termos da regra antecedente; e o valor actual do uso e da habitação será igual a esse valor do usufruto, quando os direitos sejam renunciados, e a esse valor menos 30 por cento, nos demais casos;

[…]

Cabe assim verificar qual seria o valor do bem à data de cada uma das transmissões. Resulta do relatório de inspecção tributária, junto com o processo instrutor, cujo conteúdo foi dado como provado no ponto 7 da matéria de facto assente nos autos, que a AT considerou neste caso como valor de aquisição, os valores constantes da matriz predial no ano de 1997 e no ano 2000, os quais correspondiam a €271,49 para a parte rústica e €1.357,25 para a parte urbana de acordo com o procedimento de cálculo que em seguida transcrevemos:

«[…]

Assim, após apuramento das percentagens temos:

- 90% dos direitos menores, dos imóveis (nua-propriedade e ½ usufruto) foram adquiridos por óbito de sua mãe, (…), no estado de divorciada, tendo deixado como únicos e universais herdeiros, por direito de sucessão, sua descendente (sujeito passivo B), nos termos dos artigos 2039.º e seguintes do CC. O valor de aquisição de bens ou direitos adquiridos a título gratuito] para efeitos de determinação das mais-valias, é, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, o valor patrimonial tributário que tiver sido considerado/atribuído por efeitos de liquidação do imposto do selo, que no caso concreto para o prédio rústico é de 244,34€ (271,49€ x 90%) e para urbano é de 1.221,52€ (1.357,24€ x 90%). Por sua vez, a data ela aquisição é a data em que ocorreu abertura da herança que nos termos do artigo 2031.º do código Civil é em 15 de Julho de 1997.

- De acordo com o artigo 1746.º do CC, a extinção do usufruto dá-se por morte do usufrutuário. Neste caso, o sujeito passivo adquiriu os restantes 10% do usufruto, em 22 de Setembro de 2000, por óbito de sua avó (…), consolidando-se assim a propriedade plena. O valor de aquisição de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, para efeitos de determinação das mais-valias, é, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, o valor patrimonial tributário, que no caso concreto para o prédio rústico é de 27,15€ (271,49€ x 10%) e para urbano é de 135,73€ (1.357,24€ x 10%). Por sua vez, a data da aquisição é a data em que ocorreu abertura da herança que nos termos do artigo 2031.º do Código Civil é em 22 de Setembro de 2000.

[…]».

É este valor que a Recorrente impugna nos autos, não porque considere que à luz das regras antes mencionadas ao mesmo deveria corresponder outro montante, mas porque considera que o valor de aquisição deveria ter sido fixado pelo valor atribuído ao prédio pelos herdeiros em sede de partilhas em 2010 (ou seja, €200.000,00) ou, subsidiariamente, pelo VPT fixado segundo as regras do CIMI (ou seja, €36.570,00). Ou seja, o que vem impugnado é o regime legal aplicável à determinação do valor e não o apuramento do valor em si.

Mas sem razão. Vejamos.

É de afastar o valor atribuído pelos herdeiros em sede de partilhas porque a Recorrente não logrou provar que o valor que veio a declarar em 2010, à data em que realizaram as partilhas, fosse aquele que tinha sido atribuído ao bem dentro do prazo de liquidação do imposto sobre sucessões e doações (oito anos, segundo o disposto no artigo 92.º do CIMSISD).

E é de afastar o VPT fixado segundo as regras do CIMI porque, como vimos, as regras aplicáveis à data dos factos eram, por efeito do artigo 45.º do CIRS e do diploma que aprovou o CIS, ou seja, as do CIMSISD e não as do CIMI.

Assim, cabe concluir que é correcta a fixação, in casu, pela AT, do valor de aquisição do imóvel — para efeitos da tributação das mais-valias resultantes da sua alienação em 2011, segundo as regras dos artigos 10.º, n.º 1, al. a), 43.º e 45.º do CIRS — de acordo com o valor patrimonial inscrito na matriz nas datas em que o mesmo foi adquirido pela Recorrente.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a decisão da sentença recorrida, com a fundamentação que consta do presente acórdão.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.