Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0939/10.5BESNT 0982/10
Data do Acordão:03/01/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - O pagamento de juros indemnizatórios ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido.
II - Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.
Nº Convencional:JSTA000P30649
Nº do Documento:SA2202303010939/10
Data de Entrada:12/10/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a presente oposição deduzida por AA, melhor identificado nos autos, na qualidade de responsável subsidiário visando a cobrança coerciva de dívidas referentes ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), retenções na fonte, e coimas fiscais e respetivas custas, do período compreendido entre 2004 e 2009, no montante de € 25.746,38, em que é devedora originária a sociedade “A..., Lda.”
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 243 a 264 do SITAF;
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a oposição judicial, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação parcial da reversão subjacente ao PEF 3549200701158090 e apensos, com a consequente extinção parcial dos apensos nºs 3549200801105361, 3549200801182188, 3549200901043250, no montante total de € 5.525,42, na parte referente às coimas tributárias. Mais condenou o Tribunal a quo, por via da referida decisão, a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 23-12-2009, até à data da emissão da nota de crédito em que aqueles sejam incluídos. O presente recurso tem como objeto a parte condenatória da sentença que se refere a juros indemnizatórios, pois que no entendimento da Fazenda Pública esta condenação fere a sentença em questão de nulidade e, demais, ainda que assim não fosse, vai contra as disposições legais pertinentes.
II. A sentença prolatada pelo Tribunal a quo enferma de nulidade por excesso de pronúncia na medida em que decidiu “Condenar a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 23-12-2009, até à data da emissão da nota de crédito em que aqueles sejam incluídos”. Da análise da p. i. do Oponente resulta não ter sido peticionado, nem sequer indirectamente, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter-se pronunciado relativamente a esta questão na sentença por si emitida.
III. Como dispõe o artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Ora, não tendo o Oponente na fase de articulados peticionado ou suscitado a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, não podia o Tribunal a quo conhecer desta questão como se depreende do teor da sentença por si proferida.
IV. Assim, os termos em que a sentença ora recorrida foi elaborada ostentam uma nulidade que ora se argui e que impõe a sua substituição por outra sentença que, expurgada de tal nulidade, se limite a conhecer das questões que podem e devem ser conhecidas pelo tribunal a quo.
V. Num outro prisma, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida porquanto a mesma acolhe um deficiente entendimento sobre as disposições legais que fixam os requisitos para a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.
VI. A este propósito, convém ter presente que o artigo 100º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”. De tal normativo ressalta que a condenação no pagamento de juros indemnizatórios dá-se “nos termos e condições previstos na lei”. Pelo que se entende que o legislador remete o interprete/aplicador da lei para o que vem estabelecido no art.º 43º da mesma LGT sobre os juros indemnizatórios. Este preceito legal, sob a epígrafe de “Pagamento indevido da prestação tributaria”, fixa as circunstâncias e requisitos que devem estar na base do pagamento de juros indemnizatórios por parte da administração fiscal.
VII. Este preceito legal não prevê a condenação em juros indemnizatórios por via de uma Oposição à Execução Fiscal, mas somente “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial” o erro imputável aos serviços (n.º1 do art.º 43º da LGT). Acresce ainda que não está em causa na condenação patente na sentença recorrida as demais circunstancias previstas no nº3 do art.º 43º da LGT, as quais sejam: o cumprimento do prazo legal de “restituição oficiosa dos tributos”, a “anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária “, “a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte” e “decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução”.
VIII. Ora, não se enquadrando a situação subjacente aos presentes autos em nenhuma das situações referenciadas no art.º 43º da LGT, não existe suporte legal para a condenação ínsita na sentença recorrida respeitante a juros indemnizatórios, pelo que esta não pode subsistir nesta parte.
IX. Por outro lado, refira ainda que, tal como nas palavras do (proc.07103/13, Ac. de 12/12/2013), “ (…) o processo de oposição, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção ou suspensão da respectiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr.artº.204, do C.P.P.Tributário)”.
X. Nesta senda, o nosso ordenamento jurídico entende ser o fito do processo de oposição à execução a extinção do processo executivo, não abrindo portas para um enxerto declarativo capaz de criar novas obrigações entre Exequente e Executado. Nesta lógica, o artigo 43º, nº1 da LGT, refere especificamente que o direito a juros indemnizatórios depende da determinação “em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, nada sendo aqui referido quanto à oposição à execução, pelo que não pode o interprete fazer uma leitura deste normativo que não tem a mínima correspondência na letra da lei. Não existe, por conseguinte, previsão legal para a atribuição de juros indemnizatórios através da forma processual de Oposição à Execução Fiscal.
XI. Em suma, não pode a Fazenda Pública deixar de pugnar pela rejeição do entendimento vertido na sentença recorrida no que toca à sua condenação em juros indemnizatórios, porquanto, e sempre com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada subjunção jurídica da matéria factual constante dos autos ao direito, tendo violado o disposto nos artigos 43º e 100º, ambos da Lei Geral Tributária, o que deve determinar, salvo melhor opinião - e caso julgue estar a presente sentença ferida por excesso pronúncia - a revogação da sentença naquela parte.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 - Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida contra execução fiscal e apensos, instaurados contra sociedade em que o Recorrente exerceu a respetiva gerência e contra si revertida na qualidade de responsável subsidiário.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido na parte relativa à condenação da Fazenda Pública em juros indemnizatórios, assacando à sentença o vício de nulidade, por excesso de pronúncia.
Alega a Recorrente que o executado não peticionou juros indemnizatórios, pelo que o tribunal conheceu de pedido não formulado. E que além do mais no caso concreto o tribunal não podia, com base no disposto no artigo 100º da LGT, condenar a FP em juros indemnizatórios, por a situação configurada nos autos não estar prevista no artigo 43º da LGT, uma vez que o erro imputável aos serviços não foi determinado em reclamação graciosa ou impugnação judicial.
E termina pedindo a revogação da sentença.
2. Fundamentação de facto e de direito da sentença.
2.1 Na decisão recorrida deu-se como assente que a execução fiscal foi revertida contra o aqui Recorrido, para efeitos de cobrança da quantia de € 25.746,38 euros, a qual foi por si paga em 23/12/2009, e que incluía para além de dívidas fiscais valores relativos a coimas.
O Tribunal “a quo” considerou o oponente parte ilegítima no que respeita à responsabilidade pelo pagamento do valor das coimas, pelo que determinou a anulação do ato de reversão nessa parte e determinou a extinção da execução fiscal no que respeita à divida no montante de € 5.525,42 euros.
Mais determinou o tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto no artigo 100º da LGT, a restituição daquela quantia, acrescida de juros indemnizatórios a contar desde 23/12/2009, até à data da emissão a nota de crédito.
III. Análise do Recurso.
No seu recurso a Recorrente suscita a apreciação de duas questões: (i) Primeiro, a de saber se a sentença padece de nulidade, por excesso de pronúncia; e Segundo saber se em sede de oposição, tendo sido anulada a reversão por coimas e determinada a restituição da quantia paga, há ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 100º da LGT.
1. No que respeita ao vício de nulidade da sentença, é manifesta a falta de razão da Recorrente.
Impondo o artigo 100º da LGT que a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação anterior à prática do ato ilegal, o que inclui o pagamento de juros indemnizatórios, implica que o arbitramento desses juros por parte do tribunal não esteja dependente de pedido formulado pelo contribuinte, mas tão só de que o pagamento indevido decorra de erro imputável aos Serviços.
Daí que a pronúncia do tribunal nessa parte não se revele excessiva, mas antes conforme a lei.
2. Quanto à condenação em juros indemnizatórios.
Decorre da sentença recorrida que o pagamento do montante de € 5.525,42 euros, sobre os quais foi determinado, pelo tribunal “a quo”, o cálculo dos juros indemnizatórios, foi efetuado na sequência da reversão e da citação do recorrido para os termos da execução fiscal, e ao abrigo do disposto no nº5 do artigo 23º da LGT.
Tendo o tribunal “a quo” considerado parte ilegítima do revertido nessa parte, decisão sobre a qual se formou caso julgado, há que concluir que o pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido foi determinado por erro do órgão de execução fiscal, ou seja, pelos Serviços da Administração Tributária.
Dispõe o artigo 100º da LGT que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Não subsistem dúvidas que o processo de oposição é um processo judicial tributário, e que no caso concreto o recorrido obteve vencimento parcial na ação. Por outro lado o pagamento da dívida exequenda ocorreu na sequência do seu chamamento à ação executiva, por efeito da reversão operada pelo órgão de execução fiscal, sob pena de execução do seu património.
Assim sendo, tendo o ato de reversão sido considerado parcialmente ilegal e anulado nesta parte pelo tribunal, entendemos que se mostram reunidos todos os pressupostos de facto e de direito previstos no citado artigo 100º da LGT para que, para efeitos de reconstituição da situação anterior à reversão, haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios no período em que o recorrido se viu privado daquela quantia pecuniária, na sequência da sua cobrança ilegal por parte da AT.
Como defende Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado, vol.I, pág. 539) «Na verdade, nos casos em que um acto administrativo ilegal vem a ser anulado e dele derivou uma transferência patrimonial do administrado para a administração, dever-se-á entender que há sempre lugar à responsabilidade da administração pelos prejuízos derivados dessa transferência (perda da disponibilidade da quantia) por força do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos: não há razão para ser a vítima do acto ilegal a suportar esses prejuízos em benefício da comunidade que se locupletou com a disponibilidade da quantia paga, pelo menos na medida «normal» desses prejuízos que é dada pelos juros legais».
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados pela Fazenda Pública, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 211 a 237 e seguintes do SITAF:
A) Em 13-07-1999, foi constituída a sociedade comercial “A..., Lda.”, com sede na Quinta ..., ..., Armazém A, ..., ..., NIF n.°..., sob a forma de sociedade por quotas, tendo por objeto a administração, formação, consultadoria e gestão de recursos humanos (cf. certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a fls. 25 a 28 do PA);
B) Entre 13-07-1999 e 15-05-2008, o Oponente exerceu as funções de gerente da sociedade comercial referida na alínea antecedente (facto não contestado, e cf. certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a fls. 25 a 28 do PA);
C) A sociedade comercial “A..., Lda.” tinha como cliente quase única uma outra sociedade denominada “B..., Lda.”, da qual o Oponente ainda é sócio, empresa esta que trabalha no ramo da assistência técnica a equipamentos de telecomunicações móveis (facto não contestado e cf. docs. 5 a 11 juntos à PI);
D) Em 01-01-2001, a sociedade comercial “B..., Lda.” trabalhava, quase exclusivamente, ao abrigo de um acordo de colaboração, para a sociedade comercial C... S.A. (facto não contestado e cf. doc. 4 junto à PI);
E) Em meados de 2006, a supracitada sociedade comercial C... S.A., por razões várias e também por causa das novas gerações de telemóveis que apareciam à venda no mercado, deu sinais indicadores à “B..., Lda.” de que, mais cedo ou mais tarde, iria cessar/denunciar o contrato de colaboração existente (facto não contestado);
F) Em abril de 2007, a sociedade comercial “B..., Lda.” apresentava prejuízos no valor de € 276.103,84 (cf. doc. 12 junto à PI);
G) Em 13-05-2008, a sociedade comercial C... S.A. comunicou à sociedade comercial “B..., Lda.” a sua intenção de terminar o acordo de colaboração, com efeitos a 31-12-2008, comunicação da qual se extrai o seguinte teor:
“De acordo com o estabelecido no contracto, cumprimos por este meio a comunicação com um aviso prévio de pelo menos 180 dias da data de términus do contracto, requerida para tal efeito. Como consequência, o contracto e todos os serviços e obrigações relacionados ou emergentes da mesma cessarão o seu pleno direito a dia 31 de Dezembro de 2008; sem prejuízo das cláusulas incluídas no contracto no qual se acordaram direitos e obrigações das partes que, de acordo com o seu carácter legal, continuam válidas e vinculando as partes para além do final do contracto. Durante este período, abrir-se-á um processo de negociação que poderá resultar em um novo contracto assinado por ambas partes. O formato do contrato será o Standard que a C... está utilizando actualmente na região.” (cf. doc. 4 junto à PI);
H) Entre fevereiro e abril de 2008, a sociedade comercial “A..., Lda.” celebrou acordos de cessação de contrato de trabalho com 2 trabalhadores (cf. docs. 15 e 16 juntos à PI);
I) Em 11-05-2008, foi instaurado o PEF n.º 3549200801105361, para executar, entre outras, a certidão de dívida n.º 5004546, referente a uma infração tributária ocorrida a 31-07-2002, e respetivas custas, no montante total de € 373, 49 (cf. doc. 22 junto à PI e fls. 234 do PA);
J) Em 29-09-2009, foram apensados ao PEF n.º 3549200701158090, os PEF instaurados contra a sociedade comercial “A..., Lda.”, com uma quantia exequenda total de € 35.118,71, com os seguintes números: 3549200701195875, 3549200801027450, 3549200801029223, 3549200801105361, 3549200801182188, 3549200801223518, 3549200801246518, 3549200901006142, 3549200901017977, 3549200901043250, 3549200901120417, 3549200701203509, 3549200801067672, 3549200801183486, 354920801309609, 3549200901039857, 3549200901123238, 3549200801016059, 3549200801083139, 3549200801199455, 3549200801330870, 3549200901041517, 3549200901168576 e 3549200901185888. (cf. fls. 15 do PA);
K) Em 29-09-2009, foi emitido um mandado de penhora aos bens da sociedade comercial “A..., Lda.”, no montante total de € 41.785,70, que incluía a quantia exequenda referida na alínea anterior, e acrescidos no montante de € 6.666.99 (cf. fls. 16 do PA);
L) Em 29-09-2009, no âmbito das diligências para o cumprimento do mandado referido na alínea anterior, foi declarada a inexistência de bens penhoráveis da sociedade comercial “A..., Lda.” (cf. fls. 22 do PA);
M) Em 29-09-2009, foi emitido o projeto de reversão das dívidas fiscais da sociedade comercial “A..., Lda.” contra os seus gerentes, incluindo o Oponente, relativamente ao período em que cada um exerceu a respetiva gerência, com fundamento na inexistência de bens penhoráveis da referida sociedade comercial, do qual se extrai o seguinte teor:
“Análise e conclusão
Conforme os elementos que antecedem, não são conhecidos bens do devedor originário susceptíveis de penhora, que permitam o pagamento da totalidade da dívida.
Conforme fotocópia não certificada da Conservatória do Registo Comercial de Sintra, são responsáveis subsidiários pelas dívidas da executada o(s) gerente(s) supra identificado(s).
No presente caso, justifica-se o chamamento dos responsáveis subsidiários por se verificar, em consulta aos vários sistemas informáticos e nos termos do artigo 153° do CPPT:
X A inexistência de bens penhoráveis do devedor (n.°1);
(…)
Despacho
Em face da informação que antecede, bem como todos os elementos carreados para os autos, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da dívida da executada A... LDA, NIPC: ..., na pessoa do(s) seu(s) gerente(s) responsável(eis) supra identificado(s), nos termos do art. 23° e 24° da Lei Geral Tributária conjugados com o disposto nos artigos 153° e 159° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.), e no caso das Coimas Fiscais, Art. 8 do Regime Geral das Infracções Tributárias, relativamente ao período em que cada um exerceu a gerência. Face ao disposto nos artigos 23.°, n.° 4 e 60° da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, por escrito, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação. Notifique-se.” (cf. fls. 29 a 31 do PA);
N) Em 14-10-2009, foi penhorada a conta bancária n° ...39 do ..., no valor de €0,35, o qual foi aplicado no abatimento da dívida (cf. informação dos serviços a fls. 74 a 76 dos autos, e fls. 47 e 48 do PA);
O) Em 16-10-2009, o Oponente apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, na qual pugnava pela falta de culpa no que concerne aos PEF’s referentes a dívidas tributárias, e pela inadmissibilidade da reversão no que respeita aos PEF’s referentes a coimas (cf. fls. 44 a 46 do PA, registo de remessa postal no doc. 2 junto à PI);
P) Em 14-11-2009, foi determinada a reversão contra o Oponente nos termos e com os fundamentos constantes do projeto de reversão, alegando ainda a admissibilidade da reversão das coimas tributárias, a falta de negação do exercício da gerência de facto e de direito, e a irrelevância dos motivos invocados pelo Oponente (cf. fls. 51 a 54 do PA e doc. 2 junto à PI);
Q) Em 14-11-2009, no âmbito da reversão referida na alínea antecedente, foi extraída certidão de dívida contra o Oponente, no montante global de € 25.746,38, que compreendia os seguintes PEF’s e certidões de dívida:
i. PEF n.º 3549200701158090, a executar a certidão de dívida n.º 274931, respeitante a IVA, relativa ao período tributário compreendido entre abril e junho de 2007, com pagamento voluntário até 18-06-2007, no montante total de € 15.7504,00;
ii. PEF n.º 3549200701195175, a executar as certidões de dívida n.º 921780, 921795, respeitantes à falta de retenção na fonte de IRS e de Imposto de Selo, relativa ao ano de 2007, com pagamento voluntário até 20-10-2007, no montante total de € 804,00;
iii. PEF n.º 3549200701203509, a executar a certidão de dívida n.º 1009722, respeitante à falta de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2007, com pagamento voluntário até 20-11-2007, no montante total de € 759,00;
iv. PEF n.º 3549200801016059, a executar a certidão de dívida n.º 36031, respeitante à falta de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2007, com pagamento voluntário até 20-11-2007, no montante total de € 305,31;
v. PEF n.º 3549200801027450, a executar a certidão de dívida n.º 117660, respeitante a IVA, relativo ao ano de 2004, com pagamento voluntário até 31-01-2008, no montante total de € 177,21;
vi. PEF n.º 3549200801029223, a executar a certidão de dívida n.º 204625, respeitante à falta de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2007, com pagamento voluntário até 20-01-2008, no montante total de €601,00;
vii. PEF n.º 3549200801067672, a executar a certidão de dívida n.º 280083, respeitante à falta de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2008, com pagamento voluntário até 20-02-2008, no montante total de € 953,00;
viii. PEF n.º 3549200801083139, a executar a certidão de dívida n.º 343006, respeitante à falta de retenção na fonte de IRS, relativa ao ano de 2008, com pagamento voluntário até 20-03-2008, no montante total de € 679,00;
ix. PEF n.º 3549200801105361, a executar certidões de dívida respeitantes a coimas tributárias e respetivas custas, nomeadamente a n.º 5004546, referente a uma infração tributária ocorrida a 31-07-2002, e as certidões de dívida n.º 5007883 e 5009883, relativas ao ano de 2008, todas com pagamento voluntário até 10-04-2008, no montante total de € 3.870,74;
x. PEF n.º 3549200801182188, a executar as certidões de dívida n.º 5015034 e 5015035, respeitantes a coimas tributárias e respetivas custas, relativas ao ano de 2008, todas com pagamento voluntário até 11-05-2008, no montante total de € 448,55;
xi. PEF n.º 3549200901043250, a executar as certidões de dívida n.º 5002462, 5002468, 5002471, 5002482, 5002483, 5002484, respeitantes a coimas tributárias e respetivas custas, relativas ao ano de 2008, todas com pagamento voluntário até 18-03-2009, no montante total de € 1.206,13;
(cf. docs. 1 e 22 junto à PI e fls. 1, 2, 56, e 215 a 281 do PA);
R) Em 26-11-2009, o Oponente recebeu a citação da presente reversão, com os despachos e a certidão de dívida referidas nas alíneas antecedentes (cf. aviso de receção assinado a fls. 57 do PA);
S) Em 23-12-2009, o Oponente procedeu ao pagamento da totalidade da quantia exequenda revertida contra si, no montante de € 25.746,38 (cf. selo aposto no modelo 50, a fls. 67 do PA e doc. 1 junto à PI).

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, visando a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou parcialmente procedente a oposição judicial interposta pelo oponente, ora recorrido AA, e, consequentemente, anulou parcialmente o despacho de reversão proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra-2, no âmbito do PEF n.º 3549200701158090 e extinguiu parcialmente o mesmo na parte referente às coimas tributárias no montante global de e € 5.525,42;
Mais condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde 23-12-2009, até à data da emissão da nota de crédito – segmento decisório que ora surge contestado e constitui o objeto do presente recurso.
Para assim decidir, considerou a decisão recorrida, em síntese, que o oponente, ora recorrido, é parte ilegítima relativamente ao pagamento do valor das coimas, pois como “…resulta da matéria assente que do ato de reversão não consta qualquer alegação de culpa do Oponente [cf. alíneas M) e P) da matéria assente], pelo que é inválido na parte em que reverte as coimas tributárias contra o Oponente, por violação do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT.
Considerou, ainda, o tribunal a quo que houve erro material dos serviços no que respeita à reversão das coimas tributárias, pelo que “…tem o Oponente direito a juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago [cf. alínea S) da matéria de facto assente], desde a data do respetivo pagamento, ou seja, contados desde 23-12-2009, até à data da emissão da nota de crédito em que aqueles sejam incluídos, conforme estatui o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT”.

II. Discordando do assim decidido recorre a Fazenda Pública para este Supremo Tribunal, alegando que a sentença sob recurso padece de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que decidiu “Condenar a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 23-12-2009, até à data da emissão da nota de crédito em que aqueles sejam incluídos”.
Em particular, sustenta a Fazenda Pública, nas suas alegações recursivas, que o oponente, ora recorrido, não peticionou a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, pelo que o tribunal a quo não poderia conhecer desta questão.
Termina alegando, ainda, que a decisão recorrida padece de erro por ter violado o disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT.

III. Ora, como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA e 2.º, alínea e) do CPPT.
Posto isto, cumpre decidir se a decisão proferida pelo Tribunal a quo:
a) padece de nulidade por excesso de pronuncia;
b) padece de erro de julgamento por ter anulado a reversão por coimas e ter determinado a restituição da quantia paga com lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT.
Vejamos, se tem razão a Recorrente.

IV. Não tem razão a Recorrente, já se adianta, no que respeita ao vício de excesso de pronúncia.
Na verdade, não pode a Recorrente invocar semelhante vício quando, como é jurisprudência superior já assente, a outorga de juros indemnizatórios é, por força do artigo 100.º da LGT, independente da formulação de pedido para o efeito pelo contribuinte, podendo assim ser reconhecida oficiosamente.
A este respeito, e como se pode extrair do Acórdão do Tribunal Central Administrativo lavrado a 13 de Julho de 2016, no processo n.º 9624/16: “2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
Assim sendo, e como já se sublinhara no Parecer do MP junto aos autos, há que concluir que não padece a sentença recorrida do alegado vício de omissão de pronúncia no respeitante à outorga de juros indemnizatórios. E, no mesmo sentido, na Doutrina, vejam-se, nomeadamente, Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, p. 869 e, mais recentemente, Chloé Angélique Silva Rodrigues, Os Juros Indemnizatórios no Direito Fiscal, Faculdade de Direito da Escola do Porto – Universidade Católica Portuguesa, 2020, p. 32, disponível em www.repositorio.ucp.pt.
Não tem, por isso, razão a Recorrente a este respeito.

V. Diferentemente se passam as coisas quanto ao suporte legal concreto fundamentador do dito reconhecimento do direito a tais juros indemnizatórios.
Ora, a este respeito, e como bem sustenta a Recorrente, a formulação do artigo 100.º da LGT é restrita: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Quer dizer, o artigo 100.º não configura uma cláusula geral de outorga de juros indemnizatórios, sobreponível às situações tipificadas no artigo 43.º da LGT. Antes pelo contrário: o que resulta do artigo 100.º é o reconhecimento da natureza oficiosa do direito a juros indemnizatórios, conquanto verificados os condicionalismos legais especificados no artigo 43.º da LGT e nos montantes aí previstos.
Com efeito, os vários números e alíneas deste normativo logo deixam transparecer que o legislador pretendeu, deliberadamente, delimitar com rigor as condições e termos em que tais juros são reconhecidos. Assim, por um lado, só em certos circunstancialismos tais juros são de outorgar; por outro, nem sempre esses juros são devidos a partir do momento do pagamento da dívida, havendo regras de contagem específicas, consoante cada um daqueles referidos circunstancialismos.

VI. Consequentemente, há que concluir que tem razão a Recorrente, quando sustenta que não podia a sentença recorrida outorgar juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, as quais, em qualquer caso, teriam de ser demonstradas, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral.
É que, cotejando o circunstancialismo do caso com as hipóteses legais de reconhecimento de juros indemnizatórios previstas no artigo 43.º da LGT, forçoso é concluir que, por si só, a mera procedência de uma oposição à execução fiscal não encontra ali sustento legal bastante para o efeito e que não é o artigo 100.º da LGT que permite concluir em sentido distinto.
Por isso, cabe conceder razão à Recorrente quanto a este ponto e, em consequência, anular nessa exclusiva medida a sentença recorrida, negando o direito a juros indemnizatórios ali decidido.


III – CONCLUSÃO
I – O pagamento de juros indemnizatórios ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido.
II – Não podem ser outorgados juros indemnizatórios fora das situações previstas no artigo 43.º da LGT, sendo insuficiente o artigo 100.º do mesmo diploma para tal efeito, por não configurar uma cláusula geral de reconhecimento de tais juros.


IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso e anular a sentença sob escrutínio na parte recorrida, mais declarando não serem devidos juros indemnizatórios.

Custas pela Recorrida, com dispensa de Taxa de Justiça por não ter produzido Contra-Alegações na presente instância.

Lisboa, 1 de Março de 2023. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.