Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0372/15.2BEVIS |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/27/2021 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
![]() | ![]() |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
![]() | ![]() |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IVA NULIDADE DE SENTENÇA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA ISENÇÃO DEDUÇÃO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. II - Tendo a AT apurado que os serviços prestados na clínica da Impugnante consistiam na prestação de actos médicos, designadamente consultas de urologia e de outras especialidades, que configuram prestações de serviços subsumíveis no art. 9º nº 1 do CIVA, e portanto isentas, mostra-se correta a conclusão de que em relação a tais prestações de serviços estava vedado ao sujeito passivo o exercício do seu direito de dedução, atendo o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 20º do CIVA. III - Sendo assim, cabia, então, ao sujeito passivo, por se tratar da invocação do direito à dedução, o ónus de comprovar que parte das prestações desses serviços, pelas suas particularidades que só o sujeito passivo está em condições de comprovar, não eram subsumíveis na previsão do tal art. 9º nº 1 do CIVA, por não visarem diagnosticar, tratar e curar doenças. IV - A ora Recorrida nem sequer invocou na petição que ofereceu ao Tribunal qualquer elemento que permitisse esclarecer tal situação ou sequer que pusesse em dúvida o entendimento adoptado pela AT, sendo que, ao contrário do decidido, a falta de comprovação de tais elementos tem que ser valorada em desfavor da ora Recorrida e mesmo que se entenda, na parte relativa à prestação de “serviços de cirurgia estética”, que se impõe, pela sua natureza, a dúvida sobre se os mesmos visam ou não diagnosticar, tratar e curar doenças, sempre haveria lugar apenas à anulação parcial dos actos tributários nessa parte, uma vez que não se mostra necessário que resultassem discriminados no relatório como se concluiu na sentença recorrida. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Nº Convencional: | JSTA00071281 |
Nº do Documento: | SA2202110270372/15 |
Data de Entrada: | 02/20/2020 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A................., LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | RECURSO JURISDICIONAL |
Objecto: | TAF DE VISEU |
Decisão: | CONCEDE PROVIMENTO |
Área Temática 1: | IVA, ÓNUS DA PROVA |
Legislação Nacional: | ARTIGO 9º, N.º 1 DO CIVA |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
![]() | ![]() |
Texto Integral: | ******** Processo n.º 372/15.2BEVIS (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 08-03-2019, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A……………….., Lda.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações de IVA e juros compensatórios respeitantes ao exercício fiscal de 2013.
“ (…) a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2013; b) Conforme consta dos factos dados como provados na sentença sindicada, a impugnante iniciou, em 02.11.2010, o exercício da sua actividade, correspondente ao CAE 86220 (actividades de prática médica especializada, em ambulatório), tendo apresentado para o efeito a competente declaração de início de actividade, onde indicou que iria efectuar transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem direito à dedução (campo 1 do quadro 11 da declaração) – cfr. facto A) do probatório; c) Sendo que, naquela declaração, foi aposto o seguinte enquadramento por parte dos Serviços da Administração Fiscal em sede de IVA: Regime Normal Trimestral (campo 3 do quadro 10) - cfr. facto B) do probatório; d) Porém, em sede inspectiva, concluiu a AT pela aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 às operações tributáveis realizadas pela impugnante por considerar que tais operações, por não envolver a hospitalização e ou internamento dos utentes (porquanto prestadas em ambulatório), não poderiam beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do mesmo normativo legal; e) Sendo que, por esse facto, não poderia, então, a impugnante renunciar à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º CIVA, não podendo, assim, em consequência, optar pela tributação segundo o regime normal de IVA com periocidade trimestral, pois que no que respeita à renuncia à isenção, o art.º 12.º, n.º 1 alínea b) do CIVA delimita esse direito de renúncia apenas às actividades de saúde referidas no n.º 2 do art.º 9.º do CIVA; f) Considerou, no entanto, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que a AT não demonstrou que as operações tributáveis em sede de IVA realizadas pela impugnante se encontravam, na sua totalidade, isentas; g) Ressalvado o respeito que é devido, que é muito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença padece, nos termos do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e da alínea d), n.º 1 do art.º 615.º do CPC, de nulidade por omissão de pronúncia; h) Atente-se que na douta sentença ora recorrida foi identificada como questão primordial aferir se ocorreu ou não “violação do art.º 9.º n.º 1 e 2 do CIVA porquanto as operações tributáveis realizadas pela Impugnante não se encontram isentas”; i) Assim, face ao thema decidendum definido, importava decidir sobre o enquadramento, em sede de IVA, da actividade da impugnante, e apreciar se a mesma seria susceptível de ficar abrangida pela isenção prevista no n.º 1 ou, antes, na do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA, caso em que, nos termos do art.º 12.º, n.º 1 alínea b) do CIVA, pode haver renúncia à isenção, optando o sujeito passivo, nessa situação, pela aplicação do imposto às operações por ele realizadas; j) Ora, perscrutada a sentença sob crítica verifica-se que a mesma somente abordou a questão de saber se, na sua totalidade, as operações tributáveis realizadas pela impugnante poderiam ou não beneficiar da isenção do n.º 1 do art.º 9 do CIVA e, nessa medida, aferiu se a liquidação impugnada violava ou não o disposto naquele normativo legal; k) Porém, no que concerne à eventual violação do preceituado no n.º 2 do art.º 9.º do CIVA, a sentença ora recorrida limitou-se, apenas e tão só, a referir que “não é líquido que a renúncia à isenção abranja apenas os estabelecimentos com internamento porquanto se prevê idêntica isenção para clínicas e dispensários.” e que não brota “claro do teor literal da lei tal restrição à possibilidade de renúncia à isenção”, sem sequer conhecer, de fundo, da questão em concreto; l) Ora, determina o art.º 608.º n.º 2 do CPC que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que, no caso sob apreciação, não ocorreu, uma vez que o Tribunal a quo não apreciou se a actividade da impugnante seria susceptível de ser abrangida pela isenção do art.º 9º, n.º 2 do CIVA e se, nessa medida, poderia (ou não) renunciar à isenção; m) Posto que, salvo melhor douta opinião, entendemos que a problemática em torno da eventual violação de tal normativo legal (isto é, se a impugnante, caso a sua actividade estivesse abrangida pela isenção do n.º 2 do art.º 9.º CIVA, poderia ou não renunciar à essa mesma isenção) não constitui uma questão cujo conhecimento tivesse ficado prejudicado pela solução dada à questão da violação do preceituado no n.º 1 do art.º 9 do CIVA, por a AT não ter demonstrado que todas as operações realizadas pela impugnante estavam isentas naqueles termos; n) Note-se que caso a impugnante pudesse, nos termos do art.º 12.º, n.º 1 alínea b) do CIVA renunciar à isenção, prevaleceria o regime de tributação normal trimestral, e nessa sequência, todas as prestações de serviço realizadas pela impugnante seriam tributadas em sede de IVA, podendo, dessa forma, deduzir, nos termos do art.º 19.º do CIVA, o imposto por si suportado; o) Do que resultaria a desnecessidade de destrinçar se a impugnante iria efectuar transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem ou não direito à dedução, porquanto, estaríamos perante um integral sujeito passivo de imposto, pelo que as prestações de serviço por este realizadas tratar-se-iam, na sua totalidade, de operações não isentas que conferem direito à dedução de imposto; p) Pois se o sujeito passivo exercer, pela forma instituída, a opção para que sejam tributadas operações, suas, isentas e que não dão direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização, ficam reunidas condições para poder agir como um sujeito passivo integral, deduzindo, na plenitude, o imposto pago; q) Sendo que, nesta matéria, importa salientar que é entendimento pacífico que a opção pelo regime de renúncia à isenção é insusceptível de ser presumida, tendo, por isso, de ser expressa na declaração de início ou de alteração de actividade, previstas nos art.º 31 e 32.º do CIVA, consoante os casos, produzindo efeitos, sempre, a partir da data da sua apresentação – cfr. Acórdão do STA de 30.06.1999, processo n.º 020940, Acórdão do TCA Sul de 22.05.2012, processo: 05235/11, Acórdão do TCA Sul de 21-05-2013, no processo 05447/12; r) Assim, não tomando a douta sentença sob crítica posição sobre uma questão de que devia conhecer suscitada por uma das partes, nem decidindo explicitamente que não podia dela tomar conhecimento, enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e dos art.º 608.º n.º 2 e 665º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso declarando-se nula a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que, nos termos supra expostos, se pronuncie sobre a questão se a actividade da impugnante estaria abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do art.º 9.º de CIVA e, se nesse caso, poderia ou não renunciar à isenção.”
A Recorrida “A……………, Lda.” não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Cumpre decidir. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e apreciar o suscitado erro de julgamento por o Tribunal “a quo” ter concluído que a AT não demonstrou que a Impugnante realizava apenas operações exclusivamente isentas e que nessa medida as liquidações adicionais padeciam do vício de ilegalidade. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… A) Em 29 de Outubro de 2010 a Impugnante apresentou declaração de início de atividade onde declarou que esta começaria em 2010/11/02, o CAE 86.220, a realização de transmissões de bens e / ou prestações de serviços que conferem direito à dedução (quadro 11 da declaração) e um volume de negócios esperado de EUR 300.000,00. [cfr. declaração constante de fls. 48 e ss. do procedimento administrativo apenso] B) Naquela declaração foi aposto o seguinte enquadramento por parte dos serviços da Administração Fiscal em sede de IVA: Regime Normal Trimestral [cfr. declaração constante de fls. 48 e ss. do procedimento administrativo apenso] C) A Impugnante tem por objeto social “clínica médica. Prestação de serviços médicos de urologia” [cfr. emerge do relatório inspetivo constante de fls. 41 e ss. do procedimento administrativo apenso] D) A Impugnante presta serviços de urologia, ginecologia/obstetrícia, cirurgia estética, cardiologia e neurologia. [cfr. emerge do relatório inspetivo constante de fls. 41 e ss. do procedimento administrativo apenso] Na prossecução do exercício da atividade, o s.p. procedeu ao apuramento do imposto, e à entrega das declarações periódicas de IVA, conforme vem estipulado na alínea c] do nº 1 do artigo 29º do Código do IVA, no prazo estabelecido na alínea b] do nº 1 do artigo 41º do mesmo Diploma. Os valores declarados em cada um dos trimestres de 2013, encontram-se resumidos no mapa seguinte IMAGEM III-1.3. ANÁLISE AOS ENQUADRAMENTO E RESPETIVO COMPORTAMENTO FISCAL RELATIVAMENTE À PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE Alínea e) do nº 1 do artigo 2º CIVA nº 2 do artigo 27º CIVA Alínea a), nº 1 do artigo 20º CIVA III.1.3.1. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE EFETIVAMENTE EXERCIDA PELO S.P. O s.p. tem como atividade a prática médica clínica especializada, em ambulatório, inserida na classificação de atividade económica [C.A.E.]- Rev.3, 86220. Da visita efetuada às instalações bem como informações recolhidas junto da sócia gerente da empresa foi possível constatar que, a atividade efetivamente exercida e, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 3º do contrato de sociedade, de "Clínica médica. Prestação de serviços médicos de urologia". O s.p. não celebrou quaisquer convenções com os subsistemas de saúde nem está integrado no Serviço", Nacional de Saúde. Para o exercício da atividade o s.p. adquiriu, em 14 de dezembro de 2010, na modalidade de locação financeira, um espaço destinado a serviços, sito na ……….., lote ……., designado pela letra "….", situada no piso …., inscrito na matriz predial urbana sob o número ….., da União de freguesias de Viseu [extinta Santa Maria], do concelho de Viseu. Esse espaço é constituído por, uma sala de espera e receção, três gabinetes onde são efetuadas as consultas aos pacientes [consultas estas realizadas, não só pelo sócio-gerente, de urologia, mas também por outros médicos de outras especialidades, designadamente ginecologia/obstetrícia, cirurgia estética, cardiologia e neurologia], um espaço equipado para a realização de ensaios clínicos/laboratório e duas casas de banho. Do exposto verificamos que, os serviços prestados pelo s.p. são em ambulatório, não envolvendo a hospitalização ou o internamento dos pacientes, facto este relevante para efeitos do enquadramento do s.p. em sede de IVA, o qual se descreve de seguida. III.1.3.2. Enquadramento fiscal do s.p. Conforme referido no ponto "III-1.2.1. SITUAÇÃO CADASTRAL" o s.p. iniciou a atividade em 2010-11-02 tendo, para tal, sido entregue a declaração de início pelos representantes da sociedade. O enquadramento de IVA declarado pelo s.p. foi o regime normal e, relativamente ao tipo de operações declarado que iriam realizar transmissões que conferem direito à dedução. Desde a data do enquadramento que o sujeito passivo passou a liquidar imposto sobre os serviços prestados faturados [operações ativas] e a deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços [operações- passivas]. A atividade exercida pelo s.p. enquadra-se no artigo 9º do CIVA, que é o seu regime próprio. No ponto seguinte apresentamos a legislação relacionada com a matéria em análise, no sentido de enquadrar o s.p. na alínea correspondente, prevista no citado artigo 9º. III.1.3.3. Legislação Assim, confere direito à dedução integral, o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações económicas que, sejam tributadas, isentas com direito a dedução [v.g. as exportações] ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), lI, do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA [operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributadas se fossem efetuadas no território nacional]. IMAGEM [cfr. relatório de fls. 41 e ss. do processo administrativo apenso] H) Em 29 de Dezembro de 2014 foi elaborado o ofício 101033330 dirigido à Impugnante onde se encontra fundamentada a liquidação respeitante ao 2.º trimestre de 2013 nos seguintes termos: [cfr. ofício de fls. 12 dos autos] «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do arts. 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 al. d) do C. Proc. Civil. Na verdade, a Recorrente aponta que “… perscrutada a sentença sob crítica verifica-se que a mesma somente abordou a questão de saber se, na sua totalidade, as operações tributáveis realizadas pela impugnante poderiam ou não beneficiar da isenção do n.º 1 do art.º 9 do CIVA (tendo em atenção que a mesma prestava cuidados de saúde da especialidade de cirurgia estética, as quais apenas podem beneficiar da isenção caso tivessem finalidade terapêutica) e, nessa medida, aferiu se a liquidação impugnada violava ou não o disposto naquele normativo legal”, para depois concluir que “o Tribunal a quo não apreciou se a actividade da impugnante seria susceptível de ser abrangida pela isenção do art.º 9º, n.º 2 do CIVA e se, nessa medida, poderia (ou não) renunciar à isenção”, de modo que, “… atendendo a que o art.º 608.º n.º 2 do CPC determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, a decisão recorrida, ao não ter apreciado a questão de saber se a actividade da impugnante seria susceptível de ser abrangida pela isenção do art.º 9º, n.º 2 do CIVA e, nessa medida, poderia (ou não) renunciar à isenção, padece, nos termos do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, de nulidade, por omissão de pronuncia”. Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia. Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. Pois bem, na decisão recorrida foi enunciada como questão decidenda, para além de outras, a questão de saber “se ocorre violação do artigo 9º, nº1 e 2 do CIVA, porquanto as operações tributáveis realizadas pela impugnante não se encontram isentas” e tendo concluído que a AT não havia demonstrado que as operações realizadas pela impugnante são “exclusivamente isentas”, julgou a acção procedente e prejudicado o conhecimento das demais questões, com excepção do pedido de juros indemnizatórios. Assim sendo, resulta claro que o Tribunal “a quo” tomou posição sobre a questão da qualificação das operações realizadas pela impugnante à luz do disposto no artigo 9º nºs 1 e 2 do CIVA, para aferir da legalidade das liquidações adicionais e se nessa pronúncia o Tribunal “a quo” não considerou determinados elementos interpretativos dos normativos em causa, como alega a Recorrente, então há que concluir, eventualmente, por uma errada aplicação da lei, o que configura erro de julgamento, e não omissão de pronúncia, pelo que, improcede a nulidade imputada à decisão recorrida. A Recorrente refere depois que o Tribunal “a quo” não chegou a concluir se a actividade da impugnante era ou não subsumível na previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA, pois que só neste caso o sujeito passivo tinha a possibilidade legal de renunciar à isenção ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 12º do CIVA, o que exigia uma manifestação expressa nesse sentido, apontando que em sede inspectiva, concluiu a AT pela aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 às operações tributáveis realizadas pela impugnante por considerar que tais operações, por não envolver a hospitalização e ou internamento dos utentes (porquanto prestadas em ambulatório), não poderiam beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do mesmo normativo legal; Sendo que, por esse facto, não poderia, então, a impugnante renunciar à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º CIVA, não podendo, assim, em consequência, optar pela tributação segundo o regime normal de IVA com periocidade trimestral, pois que no que respeita à renúncia à isenção, o art.º 12.º, n.º 1 alínea b) do CIVA delimita esse direito de renúncia apenas às actividades de saúde referidas no n.º 2 do art.º 9.º do CIVA. Neste ponto, diga-se que o Tribunal a quo” considerou que “… não é líquido que a renúncia à isenção abranja apenas os estabelecimentos com internamento porquanto se prevê idêntica isenção para clínicas e dispensários. Não brotando claro do teor literal da lei tal restrição à possibilidade de renúncia à isenção”, para depois mencionar que “Todavia, mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição – pelo menos sem respaldo no teor literal da lei - tal não significa que a totalidade das operações tributáveis realizadas pela Impugnante se deva considerar isenta. (…) constando do relatório inspetivo a prestação de serviços de cirurgia estética nas instalações da Impugnante, era indispensável a aferição das concretas prestações efetuadas (pelo menos) nesse domínio e, consequentemente, destrinçar se o sujeito passivo em causa apenas realizava operações isentas (caso em que a liquidação seria devida se se considerasse não admissível a renúncia à isenção) ou, pelo contrário, se também realizava operações tributáveis isentas e não isentas (sujeito passivo misto), podendo deduzir o IVA por si suportado na proporção das operações não isentas que realizasse”. Tal equivale a dizer que não assiste razão à Recorrente na alegação de que a decisão posta em crise não apreciou da subsunção da sua actividade na previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA, na medida em que foi exposto que embora considerasse que a letra do nº 2 do artigo 9º do CIVA abrangia a actividade desenvolvida pela impugnante (por os serviços serem prestados numa clínica), por não resultar da letra uma restrição a “estabelecimentos com internamento”, como defendido pela ATA, considerou decisivo para a procedência da acção que os serviços de “cirurgia estética” prestados pela Impugnante não tenham sido caracterizados pela AT de modo a concluir que os mesmos tinham apenas fins terapêuticos (por “constituir operação tributável não isenta sempre que o fim da intervenção seja meramente estética”), além de que as correcções em sede de IVA não são alicerçadas ao abrigo do disposto no citado normativo legal e a Impugnante invoca a sua não aplicabilidade ao seu caso. Ora, na situação dos autos está assente que a Impugnante tem por objeto social “clínica médica. Prestação de serviços médicos de urologia” e presta serviços de urologia, ginecologia/obstetrícia, cirurgia estética, cardiologia e neurologia e que no âmbito de uma acção inspectiva os Serviços de Inspecção da AT constataram que a actividade da impugnante e aqui recorrida é desenvolvida num espaço “… constituído por, uma sala de espera e receção, três gabinetes onde são efetuadas as consultas aos pacientes [consultas estas realizadas, não só pelo sócio-gerente, de urologia, mas também por outros médicos de outras especialidades, designadamente ginecologia/obstetrícia, cirurgia estética, cardiologia e neurologia], um espaço equipado para a realização de ensaios clínicos/laboratório e duas casas de banho”, concluindo, assim, os SIT que “… os serviços prestados pelo s.p. são em ambulatório, não envolvendo a hospitalização ou o internamento dos pacientes,…” e ainda que “o enquadramento de IVA declarado pelo s.p. foi o regime normal e, relativamente ao tipo de operações declarado que iriam realizar transmissões que conferem direito à dedução. Desde a data do enquadramento que o sujeito passivo passou a liquidar imposto sobre os serviços prestados faturados [operações ativas] e a deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços [operações- passivas]”, tendo concluído que “…a atividade desenvolvida pelo s.p. tem enquadramento no regime de isenção previsto na alínea 1] do artigo 9.º do CIVA», e que «…contrariando disposto na alínea a] do n. 1 do artigo 20º do CIVA, o s.p. deduziu imposto que incidiu sobre bens serviços adquiridos, utilizados pelo s.p. para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços isentas, que não conferem direito à dedução. Da referida análise verificámos ainda que o s.p. mencionou nos documentos emitidos, IVA liquidado. Uma vez que se trata de IVA liquidado indevidamente, nos termos da alínea c] do nº 1 do artigo 2º do CIVA, este terá que ser entregue nos cofres do estado…”. Nesta sequência, decorre dos elementos fixados na sentença que a liquidação adicional de IVA foi fundamentada pela AT no entendimento de que os serviços de clínica médica prestados pela Impugnante em regime ambulatório são subsumíveis na previsão do nº 1 do artigo 9º do CIVA e nessa medida essas prestações de serviços estão isentas, motivo pelo qual o sujeito passivo não pode exercer o direito à dedução do IVA suportado a montante, referindo ainda o relatório dos SIT que “Constatou-se também que o s.p., liquidou imposto, à taxa reduzida, relativamente à prática das operações previstas na alínea 1] do artigo 9º do CIVA, ou seja, sobre as prestações de serviços médicos em ambulatório. Esta isenção de imposto é considerada simples ou incompleta, já que, o operador económico, não está obrigado a liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestações de serviços que efetuar, mas, não pode em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições. No que respeita à dedução do imposto, estabelece a alínea a] do n.º 1 do artigo 20º do CIVA que, só pode ser deduzido imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos pelo s.p. para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”. Com este pano de fundo, a decisão recorrida ponderou que “afigura-se incontroverso que a prestação de cuidados de saúde da especialidade de cirurgia estética reúne os requisitos para ser enquadrada no âmbito de prestação de serviços de saúde se tiver subjacente “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” [cfr. acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01)] ou, pelo contrário, constitui operação tributável não isenta sempre que o fim da intervenção seja meramente estético e não tenha qualquer finalidade terapêutica (e independentemente da qualidade do sujeito passivo que a prestar)”. Como se sabe, o regime das isenções de IVA nas transacções internas constitui matéria que é objecto de harmonização nas legislações dos diversos Estados-membros. No preâmbulo da Sexta Directiva considerou-se a este propósito «que é conveniente estabelecer uma lista comum de isenções, a fim de que os recursos próprios sejam cobrados de forma uniforme em todos os Estados-membros». Daqui deriva, não só que os Estados-membros devem adoptar internamente legislação harmonizada com as normas comunitárias, mas também que as suas disposições devem ser interpretadas em sentido conforme com as disposições comunitárias que intentaram transpor. Mesmo que estejam em causa operações internas. O artigo 9.º, alínea 1) do CIVA representa (atualmente), a transposição para o direito interno do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Concelho, de 28 de novembro de 2006 [doravante “Diretiva IVA”]. Deste último deriva que os Estados-Membros devem isentar as «prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-membro em causa». Assim (cfr. referido nos Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de setembro de 2002, Kügler, C-141/00, n.o 27, e de 27 de abril de 2006, Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen, C-443/04 e C-444/04, n.o 23), a isenção a que se reporta esta norma depende do preenchimento de dois requisitos: (1.º) constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e (2.º) ser efetuada no âmbito do exercício de actividades médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa. Por outro lado (cfr. já referido no Acórdão do mesmo Tribunal de 2 de julho de 2015, De Fruytier, C-334/14, n.o 20) o conceito de «prestações de serviços de assistência», na acepção do artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Directiva IVA, visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde.
4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para serem apreciadas as demais questões cujo conhecimento se julgou prejudicado pela solução dada à questão apreciada no âmbito do presente recurso. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 27 de Outubro de 2021 - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |