Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0118/13.0BEPRT
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO
INDEFERIMENTO TÁCITO
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INDEFERIMENTO EXPRESSO
Sumário:Para os efeitos da formação da presunção do indeferimento tácito a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo de 60 dias a que alude o n.º 5 do seu artigo 66.º inicia-se no momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou a contar da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer, se esta ocorrer anteriormente.
Nº Convencional:JSTA000P27300
Nº do Documento:SA2202103100118/13
Data de Entrada:12/10/2019
Recorrente:A....................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A……………….., contribuinte fiscal n.º ……………., com domicílio indicado na Avenida ………., n.º ………., …., 4450-…. Matosinhos, recorreu da decisão da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido referente ao indeferimento tácito do recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa n.º 1821-2012/0400191.5, que indeferiu o pedido de anulação da liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares n.º 2011 5005140826, relativa ao ano de 2007, no valor de € 9.321,06.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(...):

I. Salvo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos.

II. Em 15.06.2013 o ora Recorrente apresentou recurso hierárquico no Serviço de Finanças de Matosinhos, no seguimento de indeferimento de reclamação graciosa previamente deduzida.

III. A partir da data de apresentação do recurso hierárquico, de acordo com o disposto no art. 66º, nº 3 do CPPT, o Serviço de Finanças deveria ter remetido o recurso para o órgão competente, no prazo de 15 dias.

IV. O nº 2 do art. 195º do CPA – subsidiariamente aplicável aos presentes autos (ex vi art. 2º, al. d) do CPPT, estabelece que o envio do recurso ao órgão competente deve ser notificado ao interessado.

V. Pois é através dessa notificação que o então recorrente pode controlar o prazo de decisão, dado que esta começa a correr a contar da data daquela remessa (cfr. art. 198º, nº 1 do CPA).

VI. O prazo de 60 dias estabelecido no art. 66º, nº 5 do CPPT apenas começa a contar da remessa do recurso ao órgão competente.

VII. Em 12.12.2012, o ora Recorrente endereçou à Direcção de Finanças do Porto pedido de informação relativamente ao recurso hierárquico, que informou que o recurso foi remetido ao órgão competente em 03.08.2012.

VIII. Pelo que o prazo de decisão do recurso hierárquico iniciou a sua contagem no dia seguinte, ou seja, no dia 04.08.2012, terminando, dessa forma, no dia 30.10.2012, data em que se operou a presunção de indeferimento tácito (60 dias úteis).

IX. À data da prática do acto, o prazo de impugnação judicial era de 90 dias, pelo que tendo em consideração o respectivo “dies aquo” (30.10.2012), o mesmo terminava no dia 28.01.2013, data em que caducava o direito de acção do Recorrente.

X. Mesmo que não se entendesse que o prazo de presunção de indeferimento tácito não se suspende aos sábados, domingos e feriados (correndo em dias de calendário), sempre resultaria que o prazo 90 dias para a impugnação judicial terminaria em 31.12.2012 que, como termina em período de férias judiciais, transitaria para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 04.01.2013.

XI. Pelo que, através de qualquer uma das supra aludidas hipóteses interpretativas, é manifesto que o articulado de impugnação judicial apresentado em juízo, pelo ora Recorrente, em 04.01.2013, é tempestivo.

XII. De qualquer forma, sempre se dirá que, entre o objecto da impugnação judicial, o ora Recorrente invoca nulidades que possibilitam que a impugnação judicial fosse apresentada a todo o tempo.

XIII. Resulta do exposto, o articulado de impugnação foi tempestivamente apresentado pelo Recorrente, pelo que, salvo o devido e merecido respeito, deve ser revogada a douta decisão recorrida e, em consequência, os autos prosseguir para apreciação das questões suscitadas pelo ora Recorrente.

XIV. Por tudo o exposto, salvo o devido e merecido respeito, a douta decisão recorrida violou, entre outros preceitos, o disposto nos artigos 66º e 102º, nº 1, al. d e nº 2 do CPPT e nos artigos 195º, nº 2 e 198º, nº 1 do CPA.».

Pediu fosse dado provimento ao recurso e fosse revogada a sentença recorrida.

A Recorrida não contra-alegou.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

A Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou provados os seguintes factos: «(...)


1. Em 17.03.2003, o Impugnante outorgou, na qualidade de comprador, um contrato e compra e venda através do qual procedeu à aquisição, pelo valor de € 177.073,25 (cento e setenta e sete mil e setenta e três euros e vinte e cinco cêntimos), da fração autónoma, designada pelas letras “...”, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob artigo …….., da freguesia e concelho de Matosinhos.

- Cfr. declaração de rendimentos (modelo 3) de IRS a fls. 17 a 19 do Processo Administrativo n.º 17/2013 junto aos autos; informações oficiais juntas aos autos; e por acordo;

2. Em 10.11.2006, entre o Impugnante, na qualidade de promitente-comprador, e a sociedade B………………………., S.A., na qualidade de promitente-vendedor, foi celebrado um contrato designado por CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, no qual foi clausulado, entre o mais:

“(…)


Cláusula Primeira

1. A Primeira Outorgante promete vender ao segundo, e este promete comprar, livre de qualquer ónus ou encargos, a fracção “H”, tipo T2+1, no ….., com entrada pela Avenida …………, n.º …….., destinada a habitação, e respectivo lugar de garagem para dois carros e arrumos n.º “H”---------------------------------------------------------------------------

(…)

5. Prevê-se que o empreendimento, onde se insere a fracção abaixo prometida, esteja concluído até ao final do 1.º trimestre de 2007. -------------------------------------------


Cláusula Terceira

O preço da prometida compra e venda da fracção autónoma identificada na clausula primeira e respectivo lugar de garagem é de Euro: 200.000,00 (Duzentos mil Euros). --

O preço acima referido será pago pelo Segundo à Primeira do modo seguinte: ------------

1. A quantia de Euro: 20.000,00 € (Vinte mil Euros) é paga como sinal e princípio de pagamento no acto da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda. --

2. Este sinal será reforçado da seguinte forma: ----------------------------------------------------

a) No montante de Euro: 10.000,00 € (Dez mil Euros) será paga até ao dia 15 de Janeiro de 2007. -------------------------------------------------------------------------------------------

3. A restante parte do preço, a quantia de Euro: 170.000,00 € (Cento e setenta mil Euros), será paga no acto da outorga da escritura pública de compra e venda. -----------


Cláusula Quarta

A escritura de compra e venda será feita nos 3 meses seguintes à conclusão do prédio e desde que esteja em vigor a licença de obras ou emitida a respectiva licença de habitabilidade. (…)” (realce conforme original)

- Cfr. contrato de fls. 34 a 39 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;

3. Em 10.11.2006, o Impugnante procedeu ao pagamento, através de cheque, à sociedade promitente vendedora identificada em 2) da quantia de € 20.000,00, como sinal e princípio de pagamento.

- Cfr. cheque a fls. 44 dos autos; por acordo das partes;

4. Em 10.01.2007, o Impugnante outorgou, na qualidade de vendedor, um contrato de compra e venda através do qual procedeu à alienação, pelo valor de € 212.500,00, da fração autónoma identificada em 1).

- Cfr. declaração de rendimentos (modelo 3) de IRS a fls. 17 a 19 do Processo Administrativo n.º 17/2013 junto aos autos; informações oficiais juntas aos autos; por acordo;

5. Em 15.01.2007, o Impugnante procedeu ao pagamento, através de cheque, à sociedade promitente vendedora identificada em 2) da quantia de € 10.000,00, como reforço de sinal referente à fracção “H” e, para cumprimento do ponto 2, alínea a) da cláusula terceira do referido Contrato Promessa de Compra e Venda, do qual foi dado quitação.

- Cfr. cheque e recibo de quitação a fls. 45 e 46 dos autos;

6. Em 24.07.2007, o Impugnante procedeu ao pagamento, através de cheque, à sociedade promitente vendedora identificada em 2), da quantia de € 10.000,00, como reforço de sinal referente à fracção “H” do qual foi dado quitação.

- Cfr. cheque e recibo de quitação a fls. 47 e 48 dos autos;

7. Em 20.05.2008, o Impugnante procedeu à submissão da declaração de rendimentos (modelo 3) de IRS, ano de 2007, declarando no anexo G – Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais – quadro 4, linha 401, a alienação onerosa de direitos reais sobre o imóvel identificado em 1) e 4), inscrevendo no campo referente à realização, o ano de 2007, mês 01 (janeiro), valor € 212.500,00 e no campo referente à aquisição, o ano de 2003, mês 03 (março), valor € 177.073,25.

- Cfr. declaração de rendimentos (modelo 3) de IRS a fls. 17 a 19 do Processo Administrativo n.º 17/2013 junto aos autos;

8. Mais declarou no quadro 5 – Reinvestimento do Valor de Realização de Imóvel Destinado a Habitação Própria e Permanente – linha 504 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito), o montante de € 212.500,00, não indicando no campo 5B – identificação matricial do imóvel objecto de reinvestimento – qualquer imóvel objeto de reinvestimento.

- Cfr. declaração de rendimentos (modelo 3) de IRS;

9. Na sequência da declaração de rendimentos por si submetida, foi emitida a liquidação n.º 2008.5003249739, com rendimento global de € 46.942,00 e valor de imposto a pagar de € 4.607,17 (quatro mil seiscentos e sete euros e dezassete cêntimos).

- Cfr. demonstração de liquidação a fls. 20 do Processo Administrativo n.º 17/2013 junto aos autos;

10. Nas declarações de rendimentos (modelo 3) de IRS dos anos seguintes, o Impugnante não declarou a existência de qualquer reinvestimento.

- por confissão – artigo 86º da p.i.;

11. Em 28.11.2011, foi emitida a liquidação de IRS, ora impugnada, ano de 2007, n.º 2011.5005140826, com rendimento global de € 58.457,81 e valor de imposto a pagar de € 9.312,06 (nove mil trezentos e doze euros e seis cêntimos) que, após compensação n.º 2011 00007253616, resultou num saldo a pagar de € 4.704,89, com data limite de pagamento em 09.01.2012.

- Cfr. documento 1 junto à petição inicial (p.i.); demonstração de compensação e reliquidação – não reinvestimento – categoria G a fls. 58 e 60 do Processo Administrativo junto aos autos;

12. A liquidação e acerto de contas identificados em 11) foram dados a conhecer ao Impugnante através de cartas registadas datada de 06.12.2011 – registo dos CTT n.º RY548585628PT e RY54853387PT, respetivamente.

- Cfr. print do sistema informático a fls. 59 do Processo Administrativo;

13. Em 08.01.2012, o Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação referida em 11).

- Cfr. informação oficial apensa aos autos;

14. Em 10.05.2012, o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação referido em 11), peticionando a sua anulação, procedimento autuado com o n.º 1821201204001915.

- Cfr. fls. 5 a 12 do Processo Administrativo junto aos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

15. Com a petição de reclamação graciosa identificada em 14) não foi junta procuração forense.

- Cfr. fls. 12 do Processo Administrativo junto aos autos;

16. Em 15.05.2012, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento na inobservância do prazo para a respetiva proposição, tendo sido dispensada a audição prévia nos seguintes termos:

“(…) Dispenso a audição prévia nos termos da al. b) do n.º 2.2 da Circular nº 13/99.” (…)”

- Cfr. 61 a 63 do Processo Administrativo junto aos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

17. Através de Ofício n.º 8628, de 16.05.2012, remetido por carta registada com aviso de receção – registo dos CTT n.º RM785168343PT – foi dada a conhecer ao Impugnante a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa.

- Cfr. fls. 64 do Processo Administrativo junto aos autos;

18. Em 18.05.2012, o Impugnante tomou conhecimento da decisão final de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa.

- Cfr. fls. aviso de receção a fls. 64-A do Processo Administrativo junto aos autos;

19. Em 15.06.2012, o Impugnante interpôs recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento proferida na reclamação graciosa, procedimento autuado com o n.º 1821201210000297.

- Cfr. fls. 67 a 82 do Processo Administrativo junto aos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

20. Através de Ofício n.º 42763, de 06.07.2012, foi o recurso hierárquico identificado em 19) remetido ao Diretor de Serviços do IRS.

- Cfr. fls. 105 do Processo Administrativo junto aos autos;

21. Em 12.12.2012, o Impugnante endereçou à Direção de Finanças do Porto pedido de informação relativamente ao procedimento de recurso hierárquico.

- Cfr. data do registo dos CTT aposta no envelope a fls. 119 do Processo Administrativo e fls. 107 a 118 do Processo Administrativo;

22. Em 04.01.2013, o Impugnante deduziu a presente Impugnação judicial.

- Cfr. fls. 4 dos autos;

23. Através de Ofício n.º 358, de 09.01.2013, a Direção de Serviços do IRS comunicou ao Impugnante que o recurso hierárquico havia sido instaurado em 03.08.2012, que se encontrava em fase de apreciação, prevendo-se a sua conclusão durante o primeiro trimestre de 2013.

- Cfr. fls. 120 do Processo Administrativo apenso;

24. Em 22.02.2013, foi proferido projeto de decisão de indeferimento no procedimento de recurso hierárquico, nos termos e com os fundamentos que, em parte, ora se transcrevem:

“(…), em sede de reclamação graciosa não foi junta aos autos qualquer procuração, tendo esta sido junta aos autos, apenas aquando do envio do recurso hierárquico.

7. No caso em apreço, a falta de notificação do mandatário, não teria qualquer consequência a nível da validade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, mas apenas a nível da sua eficácia (…).

8. Sem prejuízo do que adiante vai ser exposto em sede de decisão do presente recurso, (…), o recorrente não ficou prejudicado, por esse facto, no exercício dos seus direitos, tanto mais que apresentou atempadamente, através dos seus mandatários, o presente recurso hierárquico.

9. Alega também o recorrente que não lhe foi dada, em sede de reclamação graciosa, a possibilidade de exercício de audição prévia, (…).

(…)

15. O motivo que norteou a dispensa do direito de audição em sede de reclamação graciosa foi o facto de já ter sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário.

(…)

18. Pelo exposto, não se verificando no caso em apreço, ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário, não tendo sido invocado ou verificado outro motivo de exclusão ou dispensa do direito de audição prévia, a sua violação implica a anulabilidade do ato decisório (…).

19. Não obstante, dada a manifesta extemporaneidade do pedido de reclamação graciosa deve este ser convolado em pedido de revisão da matéria tributável previsto no art.º 78º nº 4 da LGT.

(…)

36. Alega o requerente a nulidade da liquidação de IRS de 2007 efetuada em 2011 pela Administração fiscal por não lhe terem sido comunicados quaisquer factos que, apreciados em concreto, sejam suscetíveis de permitir compreender os motivos e fundamentos que levaram à sua emissão, nem forma indicadas quaisquer normas jurídicas que estiveram na base do recálculo do montante de imposto a pagar, carecendo assim de fundamentação de facto e de direito.

(…)

50. Ora, se requerente manifestou a intenção de reinvestimento, pressuposto da exclusão da tributação externado no anexo G na declaração de rendimento, não pode ignorar as consequências da falta desse reinvestimento, falta essa que esteve na origem da reliquidação.

(…)

IV – CONCLUSÃO

Pelo exposto:

- deve a reclamação graciosa ser convolada em pedido de revisão da matéria tributável

- Deve o pedido de revisão da matéria tributável ser indeferido e notificado ao recorrente para o exercício do direito de audição, nos termos do art.º 60º, n.º 1, al. b) da LGT.

(…). (realce conforme original)

- Cfr. fls. 121 a 135 do Processo Administrativo junto aos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

25. Através de Ofício n.º 3495, de 27.02.2013, foi dado a conhecer ao Impugnante, na pessoa do seu mandatário, o teor do projeto de indeferimento para, querendo, exercer o direito de audiência prévia.

- Cfr. fls. 136 a 149 do Processo Administrativo junto aos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

26. Em 14.03.2013, o Impugnante exerceu o direito de audiência prévia.

- Cfr. data do registo dos CTT aposta no envelope a fls. 166 do Processo Administrativo; cfr. fls. 158 a 165 do Processo Administrativo, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

27. Em 06.06.2013, foi proferido despacho de indeferimento nos seguintes termos que, em parte, se reproduzem:

“(…) Convolo a reclamação graciosa em pedido de revisão nos termos do n.º 4, do art.º 78º da LGT, ao qual nego provimento. (…)”.

- Cfr. fls. 167 a 173 do Processo Administrativo, aqui dadas por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais;

28. O despacho de indeferimento proferido no procedimento de revisão do ato tributário referido em 27) não foi dado a conhecer ao Impugnante.

- Cfr. acordo das partes;».


◇◇◇


3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou verificada a caducidade do direito de impugnar a decisão tácita de indeferimento do recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares do ano de 2007.

Com o assim decidido não se conforma o Impugnante – aqui Recorrente – por entender que a impugnação judicial é tempestiva [conclusão “XI”].

E é tempestiva porque – no entendimento do Recorrente – o prazo para considerar tacitamente indeferido o recurso hierárquico só começa a contar-se a partir da remessa do processo ao órgão competente [ver a conclusão “VI”].

A questão fundamental a decidir é, por isso, a de saber em que momento se inicia o prazo para formação do indeferimento tácito do recurso hierárquico a que aludem os artigos 66.º e 67.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em concreto, saber se este prazo se inicia logo após a conclusão do prazo de 15 dias a que alude o n.º 3 daquele artigo 66.º (como decidiu a primeira instância).

Ou se se inicia a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer (como pretende o Recorrente).

A esta questão respondemos que o prazo de formação de indeferimento tácito do recurso hierárquico a que aludem os artigos 66.º e 67.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário se inicia, em princípio, no momento em que o processo deveria subir.

Ou seja, no momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir.

Só assim não será quando a remessa do processo ocorrer anteriormente. Isto é, quando o autor do ato recorrido o faça subir antes desse prazo.

A razão fundamental para este entendimento tem sido assinalada em múltiplos acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e em interpretação do artigo 175.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (na redacção então em vigor): é a única interpretação que permite não frustrar o objectivo do instituto do indeferimento tácito, que é proteger os administrados contra a inacção da Administração (ver, por todos, o acórdão daquela Secção de 20/11/2002, tirado no processo n.º 046077).

Na verdade, se o preceito não fosse assim interpretado, a administração poderia protelar indefinidamente a formação da presunção de indeferimento, bastando para o efeito que o processo não fosse remetido ao órgão competente para dele conhecer.

Trata-se, por outro lado, de uma interpretação que não se incompatibiliza com as disposições que determinam a contagem do prazo a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, que está prevista para as situações em que o processo é enviado dentro do prazo legal.

Ou seja, consagra-se um dos sentidos possíveis do texto da lei e o único que se conforma com a finalidade prosseguida ao introduzir o instituto do indeferimento tácito – artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.

Pelo que o Recorrente não tem razão nesta parte: o prazo de decisão do recurso hierárquico, a relevar para o efeito da formação do indeferimento tácito e a consequente faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para aceder aos meios de impugnação contenciosa, não iniciou a sua contagem no dia seguinte àquele em que o procedimento respectivo foi remetido à Direção dos Serviços do IRS. Porque o procedimento não foi remetido dentro do prazo de quinze dias a que alude o n.º 3 do artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outro lado, os prazos do procedimento tributário são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil – artigos 57.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária e 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, e não estando em causa que o recurso hierárquico foi interposto em 15 de Junho de 2012 (ponto 19 dos factos provados) e que a impugnação judicial foi deduzida em 4 de Janeiro de 2013 (ponto 22 dos mesmos factos provados), deve concluir-se que, de facto, a impugnação judicial não foi deduzida no prazo a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Improcedem, por isso, as conclusões “I” a “XI” do recurso.

3.2. Alega ainda o Recorrente que, na impugnação judicial, invoca nulidades que possibilitam que a impugnação seja deduzida a todo o tempo.

Analisada a douta petição inicial verifica-se que vinha alegada a nulidade da notificação da liquidação, a falta de notificação da decisão da reclamação graciosa ao mandatário do sujeito passivo, a falta de audição prévia na reclamação graciosa, a violação de lei na decisão da reclamação graciosa e o erro sobre os pressupostos e na quantificação da liquidação. Nenhum desde vícios importa a nulidade absoluta dos atos impugnados e nem ali se invoca a subsunção deles a alguma das causas de nulidade previstas no artigo 131.º do Código de Procedimento Administrativo.

Em particular, as nulidades de que, eventualmente, possam padecer as notificações dos atos impugnados não importam a nulidade desses atos, mas a sua ineficácia – cfr. o artigo 77.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária. O que bem se compreende, porque os vícios dos atos de comunicação dos atos impugnados não podem afetar a validade dos atos precedentes.

Não se vê, por isso, como acordar com o Recorrente quando alega e conclui (de resto sem qualquer fundamentação de suporte) que invocou nulidades que possibilitariam a apresentação da impugnação judicial a todo o tempo.

E nem o próprio Recorrente como tal o configurou na própria impugnação judicial, visto que a deduziu a coberto do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e não do seu n.º 3.

Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.

Pelo que ao recurso será negado provimento na totalidade.


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4. Conclusão

Para os efeitos da formação da presunção do indeferimento tácito a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo de 60 dias a que alude o n.º 5 do seu artigo 66.º inicia-se no momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou a contar da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer, se esta ocorrer anteriormente.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

D.n.

Lisboa, 10 de março de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo (vencida, nos termos da declaração que junta).


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Declaração de voto da Senhora Conselheira Anabela Ferreira Alves e Russo:

Voto de vencida

Não acompanhamos a posição que obteve vencimento no presente acórdão relativamente à questão de caducidade do direito de acção suscitada em recurso pelas razões que passamos a expor.

I – A presente Impugnação foi inicialmente deduzida do acto tácito de indeferimento de um recurso hierárquico interposto pelo Impugnante da decisão proferida em reclamação graciosa que julgou extemporânea a sua apresentação e impossível a sua convolação em pedido de revisão da matéria tributável, com fundamento em que também já findara o prazo legalmente previsto para esse efeito.

II – Na contestação, a Fazenda Pública começou por invocar a caducidade do direito de acção, alegando que esta havia sido interposta depois de decorrido o prazo de três meses previsto para o efeito, contado da formação do acto tácito de indeferimento (artigos 1.º a 15.º), informou o Tribunal que entretanto já fora produzida decisão final no âmbito do recurso hierárquico, que o contribuinte, embora na instrução do recurso tivesse sido ouvido em audição prévia, nunca fora notificado da decisão e, por fim, alegou que essa decisão se traduzira na revogação da decisão da reclamação graciosa, por o contribuinte estar em prazo para pedir a revisão da matéria tributável, mas que, de mérito, tinha julgado improcedente a pretensão formulada.

III – Na mesma peça processual, a Fazenda Pública defendeu a legalidade da liquidação com a fundamentação constante da decisão proferida no recurso hierárquico, para cujos pareceres e despachos expressamente remeteu como fundamento de improcedência da Impugnação, juntando aos autos o processo administrativo instrutor do procedimento de reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

IV – O Tribunal notificou o Impugnante que, em resposta, se insurgiu contra a caducidade do direito de acção, mais adiantando que, de todo o modo, a impugnação, relativamente ao objecto do recurso hierárquico é tempestiva requerendo que prosseguisse em conformidade (cfr. em especial, artigo 24.º do referido requerimento).

V – A Fazenda Pública apresentou novo requerimento no processo “desistindo” da arguida excepção de caducidade, pedindo ao Tribunal que, em conformidade, desse como não escritos os artigos 1.º a 15.º da contestação, mantendo, no mais, a improcedência da Impugnação com os fundamentos exarados no recurso hierárquico.

VI. Ambas as partes produziram alegações finais e o Ministério Público emitiu parecer, sendo que, em todos os mencionados articulados e pronúncia, o ataque e defesa dirigidos ao acto se centraram nos fundamentos da decisão proferida no recurso hierárquico.

VII – Na sentença recorrida, a Meritíssima Juíza, sem deixar de consignar no relatório todas as vicissitudes ora recordadas, entendeu conhecer da excepção de caducidade, invocando, bem, que constituía questão de conhecimento oficioso, julgou verificada a caducidade do direito de acção, recorrendo, para fundamentar a sua decisão e para computo do prazo de exercício do direito de acção, ao prazo de 15 dias consagrado no artigo 66.º, n.º 3 do CPPT, ao prazo de 60 dias consagrado no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT e ao prazo de 90 dias previsto no artigo 102.º, n.º 1 do último diploma legal citado.

VIII – Sem prejuízo de se relevar a jurisprudência firme deste Supremo Tribunal Administrativo (de ambas as Secções – Tributária e Administrativa) de que a formação do acto tácito, nos casos em que não é observada a imposição legal que determina a sua notificação da remessa do procedimento ao órgão superior para decidir, sendo realizada essa remessa após o decurso desse prazo, o prazo para formação se conta desde o fim dos 15 dias previstos no artigo 66.º, n.º 3 do CPTA, e sem prejuízo de se ter presente que nos termos do artigo 66.º, n.º 5 do CPPT o prazo de decisão do recurso hierárquico é de 60 dias, o certo é que nem o acto cuja impugnação estava em apreço na data do julgamento era o acto de indeferimento tácito nem, mesmo que o fosse, existiria caducidade do direito de acção.

IX – Atento o entendimento que perfilhamos, cingir-nos-emos tão só ao facto de que não era já o acto impugnado. Por se ter registado uma modificação objectiva da instância, admissível à luz do artigo 63.º do CPTA, subsidiariamente aplicável ao processo tributário. A instância, ampliada, passou a abranger a decisão expressa proferida no recurso hierárquico, como, de resto, foi entendido por todas os intervenientes processuais. Ou seja, o julgamento de caducidade em 1ª instância foi realizado por referência a um acto que não era já (ou não era só) o acto impugnado, o que, só por si, nos determinaria a revogar a sentença, tanto mais que é indiscutível que relativamente ao acto que passou a incluir o objecto da impugnação não existem dúvidas (porque o Tribunal deu como provado que o Impugnante apenas tomou conhecimento dessa decisão com a contestação) nem quanto à admissibilidade da sua impugnabilidade na mesma acção, nem quanto à sua impugnabilidade nem, por fim, quanto “à tempestividade” da sua impugnação atenta a data em que foi proferido (já na pendência da presente Impugnação).

X – Note-se, ainda, que distintamente do que se afirma na sentença recorrida, e com efeitos relevantes na esfera jurídica do Impugnante, o facto de ter sido dado como provado que o Recorrente nunca foi notificado da decisão do recurso hierárquico não permite que se conclua que ainda estará em tempo de o impugnar, uma vez que, conforme decorre do preceituado no artigo 66.º, n.º 3 do CPTA, como alerta a doutrina, “a comunicação feita pelo tribunal ao demandante na pendência do processo, na sequência da informação prestada pela Administração da prática de novos actos administrativos, releva como conhecimento oficial de tais atos para efeito de dar início à contagem do prazo dentro do qual o demandante deverá proceder à respectiva impugnação” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.º edição, Almedina, anotação 4. ao artigo 63.º, página 437.).

Nesta medida, revogaríamos a sentença recorrida por não estar verificada a caducidade do direito de acção relativamente ao objecto da Impugnação decorrente da modificação objectiva da instância e determinaríamos a baixa dos autos ao Tribunal a quo para apreciar o mérito da pretensão.

Lisboa, 10 de Março de 2021

Anabela Russo