Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/09.3BCPRT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO
Sumário:I - A interpretação do artigo 8.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na redação vigente no ano de 2006, circunscrevia-se ao respeito por estes pressupostos:
- são (estavam) isentas de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) as aquisições de imóveis;
- efetuadas por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado;
- no âmbito de processos de execução, de falência ou de insolvência;
- bem como, as aquisições derivadas de atos de dação em cumprimento;
- desde que, as aquisições (efetuadas em processos de execução, de falência ou de insolvência e/ou decorrentes de atos de dação em cumprimento) se destinassem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Nº Convencional:JSTA000P28390
Nº do Documento:SA22021102701/09
Data de Entrada:09/08/2021
Recorrente:SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:BANCO A................, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) recorre de acórdão, proferido no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em 29 de abril de 2021, que julgou procedente esta ação administrativa (especial), apresentada pelo Banco A………………, S.A., …, (presentemente, Banco B……………., S.A., …) contra o “Despacho n.º 1107/2008-XVII, proferido no processo IMT/IS -0608/2006, pelo qual foi indeferido o seu pedido de isenção de IMT relativamente à dação em cumprimento do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Sobrado, concelho de Castelo de Paiva, sob o artigo ….” e condenou “o Réu nos pedidos de prática do ato de reconhecimento da isenção de IMT requerido, de restituição do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios, …”.

O recorrente (rte) produziu alegação, encerrada com as seguintes conclusões: «

A. A Entidade Recorrente não pode concordar com o douto Acórdão a quo visado no presente Recurso, por considerar incorreu em erro de direito, por errada interpretação e aplicação aos factos, do artigo 8º n.º 1 do CIMT na redacção vigente na data do pedido.

B. O douto Acórdão ao interpretar o normativo legal em apreço, e ao fazer a sua aplicação aos factos, concluiu exactamente que: «A ratio da isenção, quer nas situações de dação em cumprimento, quer nas aquisições em processo de execução ou insolvência, é a mesma, sendo que nada justifica a exigência, como pressuposto do reconhecimento da isenção, de que nas situações de dação em cumprimento o crédito esteja em mora há mais de um ano.»
C. Entende a Recorrente que, na situação sub judice, o Acórdão recorrido andou mal, razão pela qual, pugna pela sua revogação, devendo ser substituído por outro que decida pela improcedência da acção, pelo facto de o acto visado estar conforme a legislação aplicável, nomeadamente o artigo 8º do CIMT.
D. Contrariamente ao entendido no douto Acórdão, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a ratio da isenção de IMT nas situações de dação em cumprimento, não pode ser equiparada com as aquisições em processo de execução ou insolvência, se não tiver ocorrido uma situação comprovada de impossibilidade de solver as responsabilidades do devedor.
E. Se atentarmos no artigo 8.º, n.º 1 do CIMT, em vigor ao tempo do pedido de isenção, resulta do mesmo que, subjacente à problemática da isenção está a incobrabilidade, ou a mora do crédito.
F. Portanto, não basta a existência de um crédito da entidade requerente sobre o proprietário do imóvel; é necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora, o que se afere, no entender da Entidade Recorrente, na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento.
G. Razão pela qual, a Entidade ora Recorrente podia e devia pedir todos os elementos que entendesse necessários para a atribuição do benefício, tal como lhe era permitido à data, pelo n.º 4 do artigo 14º da LGT, nomeadamente, elementos justificativos/prova do atraso no cumprimento da dívida, da inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora, bem como dos procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida, e que provam o incumprimento que dá origem à dação.
H. A Entidade Recorrente discorda, com o entendimento preconizado no douto Acórdão recorrido, pois, salvo o devido respeito, cumpre interpretar a norma na sua globalidade, não descurando o elemento literal, mas tendo também em conta o elemento lógico, designadamente o elemento teleológico, descobrindo o fim em vista pela norma.
I. Sendo a isenção uma medida extraordinária que tem subjacente um conjunto de interesses públicos extra-fiscais relevantes que permitem afastar a tributação-regra do imposto, há pois que identificar os interesses públicos extra-fiscais relevantes, bem como as situações factuais que se devem ter em conta na prossecução daqueles objectivos e que se encontram na previsão da presente norma de isenção.
J. Em última instância, o artigo 8.º, n.º 1 do CIMT serve para beneficiar as aquisições de prédios que são objecto de pagamento de uma dívida, que se demonstrou ser incobrável, já que o meio normal da contratante daqueles créditos satisfizer o contratado é pagar pontualmente as prestações a que ficou adstrita por via contratual.

K. É, portanto, a situação de impossibilidade de solver as responsabilidades do devedor que tem de se verificar e provar. Só, assim, a lei permite ao concessionário do crédito beneficiar, no sentido de não ser onerado com um encargo que é o imposto sobre as transmissões de imóveis, com a aquisição do imóvel, que vai satisfazer, ainda que de forma indirecta, o crédito que tem sobre o devedor.

L. Da norma decorre, naturalmente, que nem todas as dações em pagamento podem ser objecto de isenção. Então quais podem? E aqui entra a ponderação, que é necessariamente, discricionária da administração fiscal.

M. Tendo em conta o fim da norma, é certo que se a dação em pagamento tiver por objecto a normal transmissão de um bem imóvel, isto é, aquela em que o cumprimento se faz de forma pontual, não tem enquadramento na norma.

N. Tem, pois, de ser o não cumprimento pontual que deve levar à dação. E como se afere e prova o incumprimento?

O. A administração fiscal já definiu os requisitos desse incumprimento: incumprimento superior a um ano que se prova mediante elementos justificativos/prova do atraso no cumprimento da dívida, da inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora, bem como dos procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida.

P. O douto Acórdão a quo entendeu a redacção do artigo 8.º, ao tempo dos factos, não permitia estas exigências como pressuposto de atribuição da isenção em caso de dação em pagamento. Mas se assim fosse, isso significaria, como se disse, que qualquer dação poderia ser objecto de isenção.

Q. E sustenta também, o Acórdão recorrido, quanto à alteração que o Artigo 8º do CIMT sofreu com o OE 2007, que: «Dir-se-á, porém, que esta alteração veio até reforçar o entendimento de que a isenção em causa se funda na especificidade do negócio das instituições financeiras, tendo a nova redação em vista restringir o campo de utilizações abusivas por partes dos agentes económicos.»
R. Contudo, da análise da nova redação do artigo verificamos que a letra da lei, também não coincide com os elementos documentais que a administração fiscal exige à luz da versão anterior.

S. Na verdade há uma distinção evidente, pois a dação passa a estar prevista em número diferente e com exigência de outros elementos que, como se disse também não são coincidentes com aqueles que a AT pediu ao ora Recorrido.

T. Pelo que, a interpretação que administração fazia do artigo 8.º, e que se concretizava na exigência daquelas provas, encontra-se, como se disse, em consonância com o espírito da lei, e a nova redacção, veio apenas, limitar expressamente aquelas exigências, aos prédios que não se destinem a habitação.

U. Entende assim a Entidade Recorrente, que o nº 1 do artigo 8º aplicável, coloca no mesmo patamar, a aquisição por execução ou por insolvência e a aquisição dação, exigindo também para a aquisição por dação o cumprimento dos mesmos pressupostos.

V. Ou seja, também tem de ser comprovada a situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora. E só assim, é que a dação - nas situações em que consubstancia a última possibilidade para a dívida ser paga - preenche os pressupostos da isenção.

W. Deste modo, o artigo 8º nº 1 do CIMT tem como propósito beneficiar as aquisições de prédios que são objecto de pagamento de uma dívida, que se demonstrou ser incobrável, já que o meio normal da contratante daqueles créditos satisfizer o contratado é pagar pontualmente as prestações a que ficou adstrita por via contratual.

X. É, portanto, a situação de impossibilidade de solver as responsabilidades do devedor que tem de se verificar e provar – o que o A. manifestamente não fez.

Y. Neste sentido veja-se o Acórdão proferido no TCA Sul, a 02.03.2010, no processo nº 02936/09 que supra se transcreveu, e que refere em suma: «A 2.ª parte da citada norma do n.º 1 do art.º 8.º do CIMT, não tem assim aplicação autónoma e distinta da previsão contida na 1.ª parte da mesma norma, pois a ela vai buscar, necessariamente, os sujeitos passivos – instituições de crédito e sociedades comerciais – a situação em que pode conferir o direito à isenção – dívida a ser pretendida cobrar em processo de execução, de falência ou de insolvência – e, por sua vez, alarga essa isenção à dação em cumprimento, verificados assim os requisitos, quer da 1.ª parte (comuns), quer da 2.ª parte da mesma norma, ou seja, em suma, quanto à dação em cumprimento carece o interessado de instruir o seu pedido quer quanto aos elementos relativos à 1.ª parte do segmento da norma, quer quanto aos do 2.º segmento da norma, como bem se pronunciou o despacho recorrido.».
Z. Pelo que, contrariamente ao decidido no douto Acórdão a quo, não podia o benefício fiscal requerido ser reconhecido, nem ser dada procedência ao pedido dos autos.
AA. De tudo o supra exposto, o Acórdão recorrido incorreu em vício de violação de lei na interpretação que fez do art.º 8º n.º 1 do CIMT e na aplicação que dele fez aos factos, devendo ser revogado com as legais consequências.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de Vossas. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão, com as legais consequências.»

*

O recorrido (rdo) formalizou contra-alegações, onde conclui: «


(a) À data dos factos relevantes - nomeadamente, em março de 2006, quando o Recorrido apresentou o requerimento com vista ao reconhecimento da isenção de IMT na aquisição da propriedade do imóvel identificado nos autos, em consequência de escritura de dação em cumprimento (a qual fora celebrada, igualmente, nesse mês e ano) -, previa o número 1 do artigo 8.º do Código do IMT a isenção de imposto nas aquisições de imóveis por instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital fosse direta ou indiretamente por aquelas dominado, decorrentes de atos de dação em cumprimento, desde que a mesma se destinasse à realização de créditos resultantes de empréstimos efetuados ou de fianças prestadas;
(b) Trata-se uma isenção não automática, nos termos do disposto no número 1 do artigo 10.º do Código do IMT, devendo ser requerido o seu reconhecimento junto dos serviços competentes para a respetiva decisão - e reconhecida, à luz do disposto na alínea b) do número 6 daquele preceito legal, pelo Ministro das Finanças (ou em quem o mesmo delegar o poder de decidir) -, devendo o pedido ser efetuado antes da ocorrer, sem prejuízo do seu posterior reconhecimento;
(c) Em face do pedido do Recorrido, a Autoridade Tributária estava investida no dever de verificar o cumprimento de determinados requisitos, de natureza formal e material, de que dependia o reconhecimento da referida isenção de IMT, devidamente plasmados na lei, os quais o Recorrido entendeu, ab initio, preencher;
(d) Atendendo à documentação junta aos autos, é evidente o preenchimento dos requisitos formais previstos no número 1 do artigo 8.º do Código do IMT, pois o requerimento apresentado pelo Recorrido (i) foi dirigido ao Senhor Ministro das Finanças e apresentado junto da Direção de Serviços de Impostos do Selo e das Transmissões de Património da então Direção-Geral dos Impostos, tendo o mesmo (ii) sido recebido pelos serviços competentes em 8 de março de 2006, (iii) tendo a liquidação do imposto sido efetuada em 15 de março de 2006 e (iv) tendo a escritura de dação em cumprimento sido celebrada ocorrido em 16 de março de 2006, ou seja, em momento posterior à apresentação do pedido de isenção de IMT, concluindo-se que o requerimento é tempestivo e, por conseguinte, se encontrava preenchido o leque de requisitos formais decorrente da lei, essencial para que o mesmo fosse decidido favoravelmente;
(e) No que respeita aos requisitos de índole material, o Recorrido entende ser indiscutível que, à luz do disposto nos artigos 2.º e 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (com as alterações subsequentes), o Banco A………………, S.A. qualificava, à data, como instituição de crédito para todos os efeitos, designadamente para aproveitar do benefício da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT, como resulta também claro da escritura de dação em cumprimento que a C……………. se encontrava, à data da celebração da mesma, devedora do Recorrido, no referido montante de € 2.550.000,00 e, bem assim, que o prédio devidamente identificado foi oferecido em cumprimento desse mesmo crédito;
(f) Na aferição do preenchimento destes pressupostos não decorre do regime legal aplicável qualquer necessidade de ponderação, “necessariamente, discricionária” (como indica, erroneamente, o Recorrente), por parte da Autoridade Tributária, pois que o ato de reconhecimento da referida isenção configura o exercício de um poder vinculado por parte do Ministro das Finanças (ou daquele em quem haja sido delegado o poder-dever legal de decidir), inexistindo, reitere-se, um qualquer espaço de discricionariedade administrativa que autorize qualquer ponderação de outros (alegados) interesses públicos, nem tão-pouco um poder de decidir ou não decidir;
(g) A isenção prevista no número 1 do artigo 8.º do Código do IMT, ao aplicar-se às dações de imóveis em cumprimento de créditos para com entidades do setor financeiro, visa garantir a liquidez do sistema financeiro e o apoio por parte deste aos agentes económicos, não se lhe podendo assacar qualquer outro intuito, desprovido de suporte quer na letra da lei, quer no espírito do legislador que presidiu à sua emanação;
(h) Tratando-se de um benefício fiscal - que embora concedido diretamente à atividade de concessão de crédito, visa, indiretamente, as atividades económicas dela beneficiárias -, tem plena aplicação a citada norma ínsita no número 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que, como se deixou patente, faz do Ministro das Finanças mero verificador dos pressupostos legais de que depende a aplicação da isenção;
(i) O reconhecimento (dos benefícios fiscais) é sempre praticado no exercício de poderes vinculados - e não discricionários -, daí decorrendo, inevitavelmente, que o reconhecimento tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respetivo, pelo que o nascimento desse direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento;
(j) O Recorrido instruiu o seu pedido de reconhecimento da isenção de IMT com os elementos essenciais, e estritamente necessários, à apreciação do seu pedido, no sentido de lhe ser conferida a isenção, não estando plasmado na norma aplicável à data da apresentação do pedido (o número 1 do artigo 8.º do Código do IMT) qualquer pressuposto atinente à existência de mora do devedor para que ocorresse o reconhecimento do benefício fiscal em causa. Tal pressuposto - aí sim, resultado da intenção do legislador - apenas passa a figurar na referida norma após a alteração operada pela Lei do Orçamento do Estado para 2007;
(k) Cabendo, nos termos do disposto no número 4 do artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aos interessados a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei, certo é que o Recorrido cumpriu o ónus que sobre si recaía, cumprindo-lhe apenas demonstrar que era uma instituição de crédito e, bem assim, que a aquisição ou a dação em pagamento se destinava à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas;
(l) Em face da solicitação de elementos adicionais, refira-se que o dever de colaboração plasmado no artigo 59.º da Lei Geral Tributária é um dever limitado, conduzindo a que o Recorrido não estivesse sequer obrigado a prestar os esclarecimentos que prestou, tendo-o feito, ainda assim, norteado por preocupações de boa-fé e de cooperação com a Autoridade Tributária;
(m) Há uma limitação do poder da Autoridade Tributária na solicitação de informações e demais elementos que não sejam necessárias à apreciação, pelas autoridades competentes, do cumprimento dos pressupostos determinantes de determinada situação tributária pelo contribuinte, em conformidade com os imperativos de proporcionalidade que conformam o ordenamento jurídico tributário, estando a prestação de informação adicional limitada, portanto, em termos de necessidade e adequação;
(n) O Recorrente considera, infundadamente, que o Tribunal a quo incorre numa errónea interpretação do disposto no número 1 do artigo 8.º do Código do IMT, entendendo que a solução por si perfilhada é aquela que está em linha com a teleologia da norma, ainda que não encontre qualquer suporte no texto legal. Contudo, o Recorrente mais não está do que a aplicar retroativamente, ao arrepio dos ditames constitucionais, a versão do artigo 8.º do Código do IMT resultante da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (ou seja, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), cuja vigência data de momento posterior ao da ocorrência dos factos relevantes;
(o) No caso vertente está-se diante da apropriação, pela Autoridade Tributária, da decisão do processo, à completa revelia dos ditames da lei e dos parâmetros da própria Constituição da República Portuguesa, num procedimento que, além de mal decidido, se arrastou por um período inconcebível (de quase dois anos), contados desde a data de apresentação do pedido de reconhecimento da isenção de IMT até à data em que foi proferida a decisão de indeferimento contestada pelo Recorrido;
(p) Nos termos em que a dação em cumprimento é regulada no domínio civilístico (cfr. os artigos 837.º a 840.º do Código Civil) - termos que não são, obviamente, desconhecidos ao legislador fiscal, que deve aos mesmos recorrer nos termos do disposto no número 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária -, a mesma, que figura como causa de extinção das obrigações diferente (e além) do cumprimento, depende apenas do consentimento do credor e não do incumprimento do devedor (ou desse incumprimento, relativamente à prestação a que o devedor está inicialmente vinculado, ser superior a um determinado período de tempo). Não colhe, portanto, a argumentação do Recorrente, no sentido em que incumbia ao Recorrido provar que o recurso à dação em cumprimento havia constituído medida de ultima ratio antes do recurso ao processo executivo;
(q) A Autoridade Tributária não estava autorizada a aplicar retroativamente a nova redação do artigo 8.º do Código do IMT, cuja vigência remonta a 1 de janeiro de 2007, a uma situação temporalmente localizada no ano anterior, em que o requerimento com vista ao reconhecimento da isenção de imposto data de 8 de março de 2006, fundando-se o mesmo em dação em cumprimento ocorrida, por escritura pública, em 16 de março desse ano;
(r) Desde a revisão constitucional operada em 1997 que a Constituição da República Portuguesa consagra, no número 3 do seu artigo 103.º, uma proibição de retroatividade da lei fiscal, consubstanciada na previsão de um direito de resistência dos cidadãos no que respeita ao pagamento de impostos com natureza retroativa, pelo que se está, no caso em apreço, diante de uma violação intolerável do referido princípio, bem como do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa;
(s) O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (datado de 2 de março de 2010, proferido no processo número 02936/09) invocado pelo Recorrente para sustentar o seu erróneo e ilegal entendimento, foi expressamente revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de março de 2012, proferido no processo número 0599/10 (que, aliás, esteve na origem da fundamentação da decisão ora em análise), tendo aquele primeiro desaparecido da ordem jurídica, não se lhe impondo qualquer força persuasiva, enquanto “fonte de inspiração para o Direito”, nem relevando para auxiliar o Tribunal ad quem na sua tomada de decisão, como também não serve para sustentar, de forma alguma, o entendimento do Recorrente;
(t) Não se vislumbrando qualquer suporte na letra da lei e no espírito que presidiu à sua integração no sistema normativo, não mais está em causa do que, efetivamente, a aplicação retroativa da lei fiscal por parte da Autoridade Tributária, a qual se revela em contradição com a lei fundamental, pelo que não pode, no presente caso ser, admitida, não merecendo, portanto, qualquer censura o acórdão recorrido, devendo ser mantido na integra na ordem jurídica, improcedendo o recurso interposto pelo Recorrente;
(u) No que respeita ao direito do Recorrido ao pagamento de juros indemnizatórios no caso sub judice, sobre o qual não foram tecidas quaisquer considerações em sede de alegações de recurso pelo Recorrente - levando a que se infira que tal não integra, por isso, o objeto do presente recurso -, cumpre, à cautela, referir que se está perante um erro imputável aos serviços, nos termos previstos no número 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, sendo devidos juros indemnizatórios ao Recorrido, calculados ao dia, nos termos do disposto no mencionado artigo 43.º da Lei Geral Tributária, sobre a quantia paga, cifrada em € 127.000,00, calculados desde a data em que foi efetuado o pagamento do imposto até ao momento em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito, em conformidade com o disposto no número 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
(v) Tal entendimento não pode sofrer quaisquer desvios em virtude de estar em causa uma ação administrativa especial, ao invés de reclamação graciosa ou impugnação judicial (referidas no texto da lei), pois tais referências não são absolutas, abarcando os meios administrativos e contenciosos ao dispor dos contribuintes para impugnação dos atos de liquidação, sendo esta a única leitura que acomoda as exigências plasmadas no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, garantindo a reconstituição plena da legalidade, sendo vital o ressarcimento do imposto indevidamente pago, a par da compensação, também monetária, pelo tempo em que o contribuinte se viu privado de uma quantia que, nos termos da lei, não era devida a título de imposto;
(w) Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido não merece censura, devendo ser mantido na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso do Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válido na ordem jurídica o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências. »

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciou-se, no sentido de que “deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, o douto acórdão recorrido”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.

No acórdão recorrido, encontra-se exarado: «


Com interesse para a presente decisão, julgamos provados os seguintes factos:

1) Em 08.03.2006 deu entrada na Direcção-Geral dos Impostos - Área dos Impostos sobre o Património o requerimento dirigido ao Exm.º Senhor Ministro das Finanças pelo qual o A. peticionou que lhe fosse concedida a isenção do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis (IMT), pelo ato de dação em cumprimento do prédio rústico designado por …………….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o n.º …….., freguesia de Sobrado, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …. – cfr. fls. 2/77 a 3-A/77 do PA;

2) Como anexos do requerimento referido no ponto antecedente foram apresentados, para além de outros, cópia da carta subscrita pela sociedade devedora propondo a dação em cumprimento para pagamento das dívidas, cópias dos contratos que titulam os financiamentos e posição da conta n.º …… – cfr. fls. 36/77 na 69/77 do PA.

3) Por escritura pública outorgada em 16.03.2006 a sociedade comercial “C…………, Limitada” reconheceu-se devedora ao A. da quantia global de € 2.550.000,00, respeitante a capital, despesas e demais encargos convencionados no Contrato de Abertura de Crédito sob a forma de Conta Corrente Caucionada n.º …………, no Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca n.º 72695 e na facilidade sob a forma de descoberto na conta de depósitos à ordem n.º …….., para cujo pagamento total deram ao A. o prédio rústico composto de cultura com ramada, oliveiras, fruteiras, pinhal e mato, designado …………….., freguesia de Sobrado, concelho de Castelo de Paiva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o n.º ……, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …. – cfr. escritura pública junta como doc. 1 da p.i.
4) Pela aquisição do direito de propriedade plena do identificado prédio rústico, o A. pagou IMT, em 16.03.2006, no valor de € 127.000,00 – cfr. documento de cobrança junto com doc. 3 da p.i.

5) Em 24.03.2006, deu entrada na Direção de Serviços de Impostos sobre o Selo e das Transmissões de Património o requerimento da A. informando a realização da escritura de dação em cumprimento, reiterando o pedido de reconhecimento da isenção requerida e pedindo o reembolso do IMT entretanto pago, tendo anexado cópia da escritura e do documento de cobrança daquele imposto – fls. 17/77 a 29/77 do PA.

6) A coberto do ofício 1874, datado de 23.05.2007, a ATA notificou a A. para apresentar “justificativos/prova (extractos bancário) do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano”, “justificativos/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora” e “justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança das dívidas em mora” - cfr. ofício junto como doc. 4 da p.i.

7) A A. respondeu, conforme carta datada de 13.06.2007, manifestando desacordo quanto à solicitada prova da existência do crédito em mora há mais de um ano e informou terem sido esgotadas todas as diligências efetuadas com vista ao pagamento das responsabilidades, tendo a dação em cumprimento sido a única solução extrajudicial que restou para a regularização da dívida – cfr. carta junta como doc. 5 da p.i.

8) Em 20.09.2007, foi prestada informação pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais, propondo o indeferimento do pedido por a requerente não ter junto os documentos solicitados pela AT, incumprindo o n.º 4, do artigo 14.º, da LGT - cfr. mesmo processo Instrutor;

9) Notificada para o exercício do direito de audição prévia, a A. nada disse – cfr. ofício junto como doc. 6 da p.i. e admissão das partes constante do artigo 12.º da p.i. e 11.º da contestação.

10) Por Despacho de 01.10.2008, da autoria do Réu, foi indeferido o pedido aludido no ponto 1) supra – cfr. notificação junta como doc. 7 da p.i.

Motivação
A nossa convicção formou-se com base na prova documental junta aos autos e identificada em cada uma das alíneas antecedentes, cujo teor não se mostra impugnado.

Factos não provados:
Com interesse para esta decisão, inexistem factos que importe relevar como não provados.»

***

Preliminarmente, em virtude de, no presente caso, o STA deter, também, poderes de intervenção/análise e cassação, quanto à matéria de facto, relevante para a decisão conscienciosa da causa, impõe-se registar que, não tendo o rte impugnado, com os contornos prescritos no art. 640.º do Código de Processo Civil (CPC) [ainda, arts. 97.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 140.º n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], a factualidade julgada provada e não provada, pelo TCAN, bem como, na ausência de motivos para uma (nossa) intervenção oficiosa, a apreciação e julgamento das questões suscitadas neste apelo, far-se-á com base no cenário factual traçado pelo acórdão recorrido.

Feito este balizamento, compulsada a alegação formalizada pelo rte e as conclusões que a sumulam, identificamos como questão a dirimir, de seguida, saber se o aresto recorrido errou (ou não) na interpretação que fez do disposto no art. 8.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na redação vigente/operante no ano de 2006


( Artigo 8º

Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito

1 - São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda, as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.).
In limine, avançamos que a interpretação de tal normativo se circunscreve ao respeito por este conjunto de pressupostos:

- são (estavam) isentas de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) as aquisições de imóveis;

- efetuadas por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado;

- no âmbito de processos de execução, de falência ou de insolvência;

- bem como, as aquisições derivadas de atos de dação em cumprimento;

- desde que, as aquisições (efetuadas em processos de execução, de falência ou de insolvência e/ou decorrentes de atos de dação em cumprimento) se destinassem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

Posto isto, na situação julganda, estando, factualmente, comprovado que o rdo, no decurso do ano de 2006, na qualidade e condição de instituição de crédito (banco), adquiriu um imóvel, mediante dação em pagamento, destinada, esta, a solver a “quantia global de global de € 2.550.000,00, respeitante a capital, despesas e demais encargos convencionados no Contrato de Abertura de Crédito sob a forma de Conta Corrente Caucionada n.º …….., no Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca n.º ….. e na facilidade sob a forma de descoberto na conta de depósitos à ordem n.º ….., …” – cf. ponto 3) dos factos provados, encontram-se, sem mais e objetivamente, reunidos os pressupostos necessários para poder usufruir da isenção de IMT, concedida pelo normativo em apreço.

Reflexamente, entendemos que, para ficar isento do pagamento do tributo identificado, porque o normativo atribuinte da isenção não exigia, nem em espírito, nenhuma prova tinha de fazer (ou lhe era exigível) quanto à incobrabilidade ou mora do crédito, que esteve na origem da celebrada dação em cumprimento. A única justificação imposta por lei era a de que a aquisição decorrente desta dação se destinasse à realização (pagamento) de créditos resultantes de empréstimos feitos; o que sucedeu.

Em conclusão, tendo o acórdão sob crítica julgado e decidido, em termos jurídicos, na linha do exposto, com apelo, aliás, a pretérita jurisprudência deste STA, cuja fundamentação se apresenta detalhada, cuidada e consistente, nenhuma censura merece, na parte recorrida.


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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.


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Custas pelo recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 27 de outubro de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.