Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0377/23.0BELLE-A
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCESSO CAUTELAR
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão confirmativo da sentença que concedeu o pedido cautelar se a decisão se mostra juridicamente alicerçada e a questão nuclear não denota, em concreto, uma importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P32128
Nº do Documento:SA1202404110377/23
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS - I.P.
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. [IFAP] - demandado neste «processo cautelar» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAS - de 12.12.2023 - que, negando provimento à sua apelação, confirmou a sentença do TAF de Loulé - de 01.08.2023 - pela qual foi deferida a pretensão cautelar de AA - requerente cautelar - e, em conformidade, suspensa a eficácia da decisão que determinou, a este último, a devolução da quantia de 136.196,78€.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

O ora recorrido - AA - não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O requerente cautelar - AA - pediu ao tribunal a «suspensão de eficácia» da decisão - «Decisão Final PDR2020 Acção 3.2.1 - Investimento na Exploração Agrícola Operação nºPDR2020 - 3.2.1» - pela qual a entidade requerida - IFAP - lhe determinou a devolução da quantia de 136.196,78€ antecipadamente paga a título de ajuda comunitária.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Loulé - concedeu a pretendida «suspensão de eficácia» por entender que estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 120º, nº1 e nº2, do CPTA, a saber, o periculum in mora, o fumus boni juris e a prevalência do interesse particular em detrimento do interesse público. Em sede de ponderação de interesses e danos escreve-se na sentença o seguinte: Finalmente, a providência deve ser recusada se os danos para o interesse público que resultariam da sua concessão forem superiores aos danos dos interesses particulares do Requerente. […] Independentemente dos montantes pagos ao requerente, a título de subsídio, terem uma componente paga por fundos da União Europeia […] esta circunstância, por si só, é insuficiente para justificar a preponderância dos prejuízos para o interesse público sobre os danos incidentes sobe o interesse particular do requerente. Pelo contrário, em face do perigo de prejuízos de difícil reparação e da aparência do bom direito alegados pelo requerente, é muito mais provável ou verosímil que a devolução de 136.196,78€ tenha um impacto mais intenso na esfera jurídica patrimonial do requerente do que no interesse público que à Entidade Requerida cabe proteger.

Conhecendo de apelação interposta pelo IFAP o tribunal de 2ª instância - TCAS - negou-lhe provimento e manteve a decisão da sentença aí recorrida, nomeadamente no juízo realizado quanto ao requisito negativo da ponderação de interesses e danos. Aí se diz, a respeito, o seguinte: O recorrente também não se conforma com a apreciação da ponderação de interesses porquanto, segundo entende, estando em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da Comunidade Europeia, o crivo do que pode justificar o incumprimento pelos beneficiários, não pode deixar de ser rigoroso, invocado o princípio do primado do Direito Comunitário previsto no artigo 8º da CRP. […] Como a propósito da análise do periculum in mora se refere na sentença recorrida, o requerente apresentou um resultado líquido negativo […] pelo que a imediata execução do ato suspendendo implicará a produção, na sua esfera, de prejuízos de difícil reparação. Por outra banda não se vislumbra em que medida o protelamento da deslocação patrimonial a que se dirige a execução do ato suspendendo importará para o requerido danos que se devam julgar superiores aos do requerente. […] O requerido limitou-se, em sede de oposição, a expor o seu entendimento nos termos do qual o facto de estarem em causa dinheiros públicos atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da Comunidade Europeia associado ao princípio do primado do Direito Comunitário constitui um interesse público que deve prevalecer sobre o interesse do requerente, entendimento que reitera nesta sede recursiva. Não é de acolher, como bem se decidiu, este entendimento. O princípio do primado respeita à prevalência de normas do direito da União face a normas nacionais em conflito com as primeiras. Não cabe no âmbito da apreciação deste pressuposto da tutela cautelar um juízo sobre a aplicação de normas mas tão só uma ponderação dos interesses em presença por forma a comparar os danos que resultarão da concessão e da recusa da providência.

De novo a entidade demandada, e apelante, discorda, e pede «revista» do acórdão do tribunal de apelação apontando-lhe erro de julgamento de direito. Defende, nas suas conclusões, que o acórdão recorrido não fez correcta aplicação aos factos da legislação aplicável no que diz respeito ao julgamento do requisito da ponderação de interesses. Sublinha, de novo, que no caso dos autos estão em causa dinheiros públicos atribuídos por Fundos da União Europeia, e que o interesse em recuperar pagamentos indevidos deverá prevalecer sobre quaisquer interesses privados.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita tal apreciação, impõe-se a esta «Formação de Apreciação Preliminar» a decisão de não admitir a presente «revista». Desde logo, a decisão, unânime, dos tribunais de instância, gera a convicção de se tratar de uma decisão «aparentemente correcta», ou, pelo menos, de uma decisão que não viola manifestamente a interpretação e aplicação das pertinentes normas legais à factualidade provada, de modo a exigir «claramente» uma melhor aplicação do direito no tocante ao julgamento do requisito da ponderação de interesses. Aliás, as «conclusões» apresentadas pelo recorrente insistem mais numa prevalência das normas e interesses comunitários, em termos abstractos, do que numa avaliação «concreta» dos interesses e danos em presença. E de tal modo o faz que, a ser admitida a sua pretensão de revista, estaríamos a abrir, no fundo, uma 3ª instância que não é permitida por lei.

Acresce que a questão ainda litigada, e circunscrita ao juízo feito sobre a «ponderação de interesses», revela uma importância casual e não uma importância fundamental de modo a servir de farol decisório para casos futuros semelhantes. A sua «relevância», em termos jurídicos e sociais, não é, pois, de molde a conceder-lhe esse estatuto de importância fundamental.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela entidade demandada cautelar IFAP.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Abril de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa - Fonseca da Paz.