Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01101/21.7BEBRG
Data do Acordão:11/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista relativamente à questão da fixação do valor da causa em caso de indeferimento de pedido de reconhecimento de benefício fiscal atenta a previsão expressa da alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT que a fixa no valor da isenção ou benefício.
Nº Convencional:JSTA000P31547
Nº do Documento:SA22023110801101/21
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – AA, com os sinais dos autos, vem ao abrigo do disposto no artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 2 de março de 2023, que confirmou o valor da acção fixado em 1.ª instância - €77,02 – e consequentemente rejeitou o recurso que a recorrente pretendia interpor da sentença do TAF de Braga que julgara improcedente a acção deduzida contra o indeferimento do pedido de reconhecimento de isenção de IUC em virtude da incapacidade da recorrente.
A recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
1)- A presente demanda consubstancia uma questão de proeminente relevância jurídica e social, revestindo fundamental importância, de tal sorte que, a admissão do presente recurso advém nitidamente necessária a uma mais perfeita aplicação do Direito.
2)- Objetiva e especificamente, a matéria sob debate possui como centro nevrálgico: a imperfeita fixação do valor da ação administrativa (em apreço), e reflexamente a nulidade do ato tributário praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, expurgado do contexto de incapacidade da Recorrente.
3)- A aplicação do Artigo 34º nºs 1 e 2 , impunha a atribuição ao valor da presente demanda, da tipologia "indeterminável", pelo respetivo objeto consistir em "...norma omitida...no exercício da função administrativa...",considerando-se a demanda de montante superior á alçada do Tribunal Central Administrativo e consequente e legalmente admissível o presente recurso, atento o duplo critério conexo com o valor da causa e da sucumbência.
4)- Na escalpelização das normas objeto de omissão no exercício da função administrativa, elencar-se-iam os preceitos expressos nos artigos 31º, 33º 34º do CPTA, nos artigos 5º nº2 al.a) e nº5 al. a), b) do CIUC, bem como nos artigos 11º e 2º do EBF.
5)- Num contexto fáctico de preliminar rejeição de atribuição á ora Recorrente, do benefício fiscal de isenção do Imposto Único de Circulação (face ao período fiscal de 2020) sem embargo do preliminar reconhecimento por parte da Ré/Recorrida, ao nível do "Sistema de gestão e registo de contribuintes", da contextura de incapacidade da Recorrida. Condição suscetível de operar ipso facto, na esfera jurídica do sujeito passivo, de harmonia com o consagrado no Artigo 5º, nº5 do Código do Imposto Único de Circulação, e com o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Ademais se constatando o preenchimento dos pressupostos cumulativos do preceito legal (artigo 5º nº2 al.a) do Código do Imposto Único de Circulação), face ao revestimento das condições objetivas e subjetivas do usufruto por parte do sujeito passivo/incapaz do Imposto Único de Circulação.
Encontrando-se a incapacidade da Recorrente averbada no "Registo Central do contribuinte", integrando a dupla informação da: cronologia da atribuição da deficiência - 10.04.2018 - e a intensidade e grau da mesma - permanente e definitiva, de 68%, verifica-se a subsunção contextual da Recorrente, no nº5 do
Artigo 5º do CIUC.
6)- Surpreendendo o presente recurso, a sua génese detonadora, na ofensa de tais leis substantivas, na perspetiva de erro de interpretação das referidas normas aplicáveis (ao abrigo da permissão concedida pelos artigos 141º, 144º e 150º nºs 1, 2 do CPTA).
7)- Com peculiar ressalva face á preterição do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º nº2 e 202º, todos da CRP, na produção do douto Acórdão recorrido, o qual, salvo o devido respeito, materializa uma relevante inconstitucionalidade, por enfraquecimento e paralisação do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º nº2 e 202º, todos da CRP.
Efetivamente, a interpretação aplicada fundamentalmente, ao preceito caracterizado pelo artigo 34º do CPTA, colide com o paradigma do direito de acesso aos Tribunais e á tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da CRP.
Nestes termos, nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se o douto Sentença, por erro de julgamento, substituindo-o por outro que considere procedentes as alegações da ora Recorrente (sintetizáveis na atribuição ao valor da presente demanda, da categoria "indeterminável", considerando-se a causa de montante superior á alçada do Tribunal Central Administrativo e consequentemente admissível o presente recurso, atento o duplo critério conexo com o valor da causa e da sucumbência.).
Assim se fazendo, Justiça.

2-Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 4/5 do acórdão)

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, na redação vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui jurisprudência reiterada e pacífica que as questões de inconstitucionalidade não são objeto específico do recurso excecional de revista, mercê da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional (cf. por todos, o Acórdão de 11 de janeiro de 2013, proc. n.º 0535/19.1 BEMDL).

Vejamos.

Nos presentes autos está em causa o valor da ação, que o TCA Norte confirmou dever fixar-se em €77,02, ex vi do disposto no artigo 97º-A, nº 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que estatui sobre o valor da causa nas ações que corram nos tribunais tributários, «No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício;» e que a recorrente pretende no recurso (pois que na sua petição de impugnação o indicou precisamente nesse valor, ao abrigo do art. 97.º-A do CPPT) que devia ter sido considerado como “indeterminável”, considerando-se a causa de montante superior á alçada do Tribunal Central Administrativo e consequentemente admissível o presente recurso, atento o duplo critério conexo com o valor da causa e da sucumbência.
Alega a recorrente ser necessária a admissão da revista porquanto a presente demanda consubstancia uma questão de proeminente relevância jurídica e social, revestindo fundamental importância, de tal sorte que, a admissão do presente recurso advém nitidamente necessária a uma mais perfeita aplicação do Direito.
É manifesto, porém, que não se justifica a admissão da revista, pois nem a questão decidenda tem qualquer complexidade nem a decisão do TCA merece qualquer censura, muito menos censura justificativa da admissão da revista.
O artigo 97.º-A do CPPT constitui norma especial relativa ao valor da causa das acções que decorram nos tribunais tributários e contém norma específica para o “recurso contencioso do indeferimento de isenções ou outros benefícios fiscais” – cf. a alínea d) do seu n.º 1 - fixando-o no “valor da isenção ou benefício”.
A solução legal é, pois, claríssima, como isenta de crítica a sua aplicação ao caso dos autos, o que determina carecer de qualquer justificação a admissão da revista.
Acresce que, como se consignou já, as questões de inconstitucionalidade – que não se vislumbram que existam no caso dos autos -, não constituem objecto específico do recurso excecional de revista.
Em conclusão:

Não é de admitir a revista relativamente à questão da fixação do valor da causa em caso de indeferimento de pedido de reconhecimento de benefício fiscal atenta a previsão expressa da alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT que a fixa no valor da isenção ou benefício.

Pelo exposto, o recurso, que não será admitido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 8 de Novembro de 2023. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Aragão Seia – Francisco Rothes.