Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/16.2BEFUN 0547/17
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DISPENSA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão confirmativo do despacho que indeferira um pedido de reforma da conta por considerar extemporânea e inoportuna a pretensão do requerente - de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - visto que a solução unânime das instâncias observa a jurisprudência do Supremo na matéria.
Nº Convencional:JSTA000P32125
Nº do Documento:SA1202404110172/16
Recorrente:A..., LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DA CALHETA E OUTROS
Votação:UNANIMDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., LDA - contra-interessada nesta acção do contencioso pré-contratual - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 12.01.2023 - enquanto negou provimento à apelação que interpôs da decisão judicial - datada de 29.08.2022 - pela qual o TAF do Funchal julgou improcedente a sua reclamação da conta de custas elaborada neste processo em 06.02.2018.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social «se revista de importância fundamental» ou quando a admissão do recurso seja «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A presente acção do contencioso pré-contratual - nº172/16.2BEFUN - foi intentada pela sociedade B..., LDA, contra o MUNICÍPIO DA CALHETA - entidade adjudicante no âmbito de concurso público para formação de um contrato de empreitada designada «Infra-estrutura de Protecção e Prevenção da Floresta-Rede Natura 2000» - e 8 contra-interessados - entre os quais as sociedades A..., LDA, e C... SA - sendo que obteve julgamento de procedência - sentença do TAF do Funchal de 29.09.2016 - o que determinou a «anulação do acto de adjudicação» feita à proposta da contra-interessada A..., e a condenação da entidade demandada nas «custas do processo».

O tribunal de 2ª instância negou provimento às «apelações» interpostas pela entidade adjudicante e pela contra-interessada A... - acórdão de 16.02.2017 - e condenou as apelantes «nas custas».

A A... interpôs recurso de revista para o STA, que lhe negou provimento - acórdão de 26.10.2017 - e condenou a recorrente «nas custas».

Elaborada a «conta de custas» a 06.02.2018, e efectuadas as respectivas notificações, dela reclamaram todas as intervenientes nos autos - requerimentos de Fevereiro e Março de 2018 - sendo que tais reclamações foram julgadas improcedentes pelo TAF do Funchal através de decisão datada de 29.08.2022. Esta decisão foi «confirmada» pelo TCAS - acórdão de 12.01.2023 - que assim negou provimento às apelações da autora - B... - e das duas já referidas contra-interessadas - C... e A....

No fundo, o «tribunal de apelação» manteve a decisão judicial recorrida - de 29.08.2022 - com fundamentos semelhantes aos da decisão proferida pela 1ª instância, ou seja, por entender que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, nº7, do RCP, fora correctamente indeferido com fundamento na sua intempestividade - pois que fora feito em sede de reclamação da conta, e, portanto, após o trânsito em julgado da decisão final do processo - e que a sua redução equitativa - pedida pela A... a título subsidiário - não tem sustento nesse artigo 6º, nº7, do RCP.

A contra-interessada A... pede «revista» desta decisão do tribunal de apelação, requerendo a revogação do acórdão e sua substituição por outro que defira a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente segundo critérios de equidade. Defende que o acórdão ora recorrido procede a um «julgamento de direito» errado por ofensivo dos artigos 527º do CPC - ex vi 1º do CPTA -, 6º, nº7, e 14º, do RCP, 18º, nº2, e 20º, nº1, da CRP, bem como dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da equidade, da adequação, do acesso à justiça e da própria justiça enquanto inerente ao Estado de Direito. Sublinha que a «questão» da dispensa ou da redução equitativa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após o trânsito em julgado da sentença, nos casos em que é manifesta a desproporcionalidade da conta final, constitui uma «questão de importância fundamental», e que foi erradamente decidida pelos tribunais de instância. Explica que, no caso concreto, ela apenas foi demandada como contra-interessada, e não retirou da acção qualquer proveito, antes viu «anulada a adjudicação que lhe fora feita pela entidade adjudicante e por ilegalidade imputada a esta última», pelo que é manifestamente desproporcional passar a devedora da quantia - diz - de 106.753,20€.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Ademais, alicerçaram a sua decisão em vasta jurisprudência dos tribunais superiores de «ambas as jurisdições» - AC STJ de uniformização de jurisprudência de 10.11.2021, processo nº 1118/16.3T8VRL-B.GLS1-A; AC STA de 29.10.2014 processo nº547/14; AC STA de 20.10.2015 processo nº0468/15; AC STA de 10.01.2019 processo nº01051/16.9BELSB; AC STA de 15.10.2020 processo nº1202/13; AC STA de 25.02.2021 processo 12761/15.8; AC STA de 24.11.2022 processo nº08/12.3 -, jurisprudência esta que se vem mantendo como o demonstra recente aresto deste STA - AC STA de 01.06.2023, processo nº01757/09.9BEBRG.

As alegações da ora recorrente - a que não deixamos de ser sensíveis - esbarram, pois, com uma interpretação e aplicação da lei que, ao tempo dos factos - Fevereiro/Março de 2018 - já tinha sentido jurídico suficientemente elaborado e assente pelo órgão máximo da «jurisdição Administrativa» através de arestos das suas secções administrativa e tributária, sendo certo que na «jurisdição comum» foi uniformizada jurisprudência, a tal respeito, algum tempo depois. O que significa que o «acórdão ora recorrido» faz uma interpretação e aplicação da lei que, para além de ser possível era a mais correcta e aconselhável, daí que não vislumbremos quaisquer razões para admitir este recurso de revista ao abrigo do pressuposto substantivo da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito. Seria, na prática, abrir uma terceira instância - que a lei processual não permite - para acabar confirmando o já decidido pelas anteriores.

Naturalmente que, sem negar a relevância jurídica da questão, o certo é que ela já se encontra suficientemente tratada pela jurisprudência - como referimos - o que significa que desmerece a sua vocação paradigmática relativamente a casos semelhantes futuros, e desmerece a importância fundamental do seu novo tratamento por parte deste tribunal de revista.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela A..., LDA.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Abril de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.