Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
| Processo: | 02207/24.6BEBRG |
| Data do Acordão: | 04/30/2025 |
| Tribunal: | CONFLITOS |
| Relator: | TERESA DE SOUSA |
| Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO DIREITO DE PROPRIEDADE TRIBUNAIS JUDICIAIS |
| Sumário: | A competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais. |
| Nº Convencional: | JSTA000P33684 |
| Nº do Documento: | SAC2025043002207 |
| Recorrente: | AA E OUTROS |
| Recorrido 1: | FREGUESIA DE SEGUDE |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Área Temática 1: | * |
| Aditamento: | |
| Texto Integral: | Conflito nº 2207/24.6BEBRG Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório AA e mulher BB, identificados nos autos, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Monção, acção declarativa de condenação contra Freguesia de Segude, pedindo que a Ré seja condenada: “A – A reconhecerem que os autores são legítimos proprietários e possuidores dos prédios identificados no art.º 1º. B – A condenarem a Ré a remover os materiais provenientes dos trabalhos, nomeadamente as pedras, cimento e outros lá colocados, de forma a permitir a saída normal da água quer na saída principal na represa onde existia uma comporta, quer na saída lateral, mencionados em 11 e 12 supra; C – Mais condenarem a Ré a repor a comporta que existia no local (represa), aberta durante o período de inverno e fechada apenas a 70% nos quatro meses de verão; D – Condenar-se a Ré a pagar aos AA. a importância de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, após o seu trânsito em julgado, a título de cláusula pecuniária compulsória, a reverter a favor dos AA. E – E, ainda, condenada a Ré a abster-se de voltar a praticar estes atos ou outros lesivos do direito de propriedade dos Autores. F – E, mais condenar em custas, procuradoria e demais despesas.” Os Autores alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores dos prédios rústicos, que identificam, seja por aquisição através de compra, seja por beneficiarem da presunção resultante do registo predial ou por usucapião. Acrescentam que tais prédios confrontam, a nascente, com o rio ... e que a Ré, há pelo menos 4 ou 5 anos, para aproveitamento da água para fins recreativos durante a época balnear, efectuou algumas obras, não licenciadas nem autorizadas por nenhuma entidade habilitada para o efeito, a poucos metros a jusante dos terrenos dos Autores, e construiu uma represa para retenção de água, que mantém completamente fechada. Esta situação, com a represa fechada, impede o curso normal da água do rio, e esta entra nos prédios dos Autores, pelo que os referidos prédios irão ficar sem terreno, porque se vão transformar no leito do rio, destruindo as vinhas ali plantadas, bem como o sistema de rega e os bardos em postes de madeira e arames que suportam a vinha. Defendem que os actos ilícitos praticados pela Ré são manifestamente abusivos e lesivos do direito de propriedade pleno dos Autores, pretendendo estes, com a interposição da acção, a reposição da situação que existia antes da intervenção da Ré, de forma a proteger o seu direito de propriedade. A Ré contestou por impugnação e por excepção, arguindo a incompetência material do Tribunal e a ilegitimidade passiva. Os Autores pronunciaram-se no sentido da improcedência das excepções suscitadas. Em 18.10.2024, o Juízo de Competência Genérica de Monção, decidiu declarar o Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer os pedidos deduzidos na acção, por ser competente a jurisdição administrativa, e absolveu a Ré da instância. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga), foi em 06.12.2024 proferida sentença a julgar aquele Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da acção e, em consequência, absolvida a Ré da instância. Suscitada a resolução do conflito negativo de jurisdição, foram os autos remetidos ao Tribunal dos Conflitos. Já neste Tribunal dos Conflitos as partes foram notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei n.º 91/2019. A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de a competência material para julgar a acção deverá ser atribuída aos tribunais da jurisdição comum. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório. 3. O Direito O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo de Competência Genérica de Monção do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. O Juízo de Competência Genérica de Monção entendeu que: “Dúvidas inexistem que a Junta de Freguesia é uma pessoa coletiva de direito público que integra a administração local (cfr. Artigos 235.º e 236.º da Constituição da República Portuguesa). Os autores alegam que os atos danosos da ré foram cometidos no exercício das funções administrativas que lhe estavam atribuídas, o que determinará a atribuição de competência aos Tribunais Administrativos e Fiscais. Assim, sendo a ré uma pessoa coletiva de direito público e porque, no caso em apreço, estamos perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual deduzida contra a ré, com vista a obter o pagamento de indemnização por danos emergentes da execução de tarefas de natureza pública, inquestionável se torna que a eventual responsabilização da ré se insere no âmbito de aplicação do artigo 4.º, nº 1, alínea f), do ETAF.”. Por sua vez, o TAF de Braga também se julgou incompetente considerando: “Da leitura da petição inicial constata-se que os Autores apenas pretendem defender os seus direitos relativamente aos imóveis em causa: pretendem ser declarados proprietários dos prédios em causa; que a Ré seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade; e que os prédios sejam repostos no estado em que se encontrava antes das intervenções efetuadas pela Ré junto ao rio ... e na represa ali existente. Está, portanto, em causa uma típica ação de reivindicação. (…) Posto isto, caberá aos tribunais comuns a competência para conhecer de ação em que os Autores pedem a condenação desta ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios em causa e a executar os trabalhos necessários à reposição dos prédios no estado em que se encontravam antes das intervenções da autarquia com a colocação de materiais junto ao rio ... e na represa ali existente. Ademais, in casu, os Autores nem sequer pedem qualquer indemnização e, como tal, temos por certo que não se está perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual nos termos previstos na Lei nº 67/2007, de 31.12. Assim, o litígio em causa está excluído da competência dos tribunais administrativos, competindo aos tribunais judiciais a competência para o julgamento da causa, conforme esta vem delineada pelos Autores.”. Vejamos. Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” [artigos 211.º, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF].” A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4º do ETAF com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4). Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. 08/14, «A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo». Analisados os termos e o teor da petição inicial, deparamo-nos com uma causa no âmbito dos direitos reais. Com efeito, a pretensão principal que os Autores enunciam na acção visa o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados e a sua defesa relativamente à perda de terreno que a alteração do curso normal do leito do rio tem causado, e que imputam às obras e actividades realizadas pela Ré. Por isso, pedem a condenação da Ré na execução de actos materiais para reposição da situação que existia antes da sua intervenção e, ainda, “a abster-se de voltar a praticar estes atos ou outros lesivos do direito de propriedade dos Autores”. Assim, em face da configuração da acção, o litígio respeita a uma relação de direito privado. Trata-se de uma acção para defesa do direito de propriedade dos Autores e não de uma acção de responsabilidade civil extra-contratual. Este Tribunal dos Conflitos tem uniformemente entendido que pertence aos tribunais judiciais a competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais, (cfr., entre outros, Acórdãos de 30.11.2017, Proc. 011/17, de 13.12.2018, Proc. 043/18, de 23.05.2019, Proc. 048/18, de 23.01.2020, Proc. 041/19, de 02.03.2021, Proc. 062/19, de 14.07.2022, Proc. 016/21, de 21.09.2022, Proc. 02539/21.5T8PRD-S1 e de 18.04.2024, Proc. 01439/23.9BEBRG, todos consultáveis em www.dgsi.pt/). Como se sumariou, nomeadamente, no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 14.07.2022, Proc. 016/21: “A competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais”. É esta jurisprudência que se reitera, por também aqui se tratar de uma acção no âmbito dos direitos reais, uma vez que a questão central neste processo é a da titularidade do direito de propriedade de um bem, invocada pelos Autores, e da defesa desse direito perante a actuação da Ré. Deste modo, a competência material para conhecer a presente acção cabe aos tribunais judiciais. Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a presente acção o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Monção. Sem custas. Lisboa, 30 de Abril de 2025. – Teresa Maria Sena Ferreiras de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves. |