Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06045/23.5T8VNF.G1.S1
Data do Acordão:07/09/2025
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Sumário:I - Nos termos do art.º 666.º n.º 2 do CPC “A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.”
II - Neste conspecto, não podem os erros materiais retificar-se por simples despacho do relator.
III - A decisão que suprir nulidade de que possa enfermar considera-se “proferido como complemento e parte integrante” da sentença ou acórdão – art. 617.º, n.º 2 do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P34151
Nº do Documento:SAC2025070906045
Recorrente:GESWATER - ÁGUAS E RESÍDUOS, S.A.
Recorrido 1:AGERE – EMPRESA DE ÁGUAS EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M.
Recorrido 2:BRAGA - MUNICÍPIO
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de jurisdição
O Tribunal dos Conflitos delibera acordar: ------------------------.


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1. relatório:


As partes no vertente litígio, notificadas no acórdão deste Tribunal, 8 de maio de 2025, proferido nestes autos, vieram: -----

- GESWATER – ÁGUAS E RESÍDUOS, S.A., autora e recorrente, invocando o disposto nos art.º 615.º, n.º1, alínea c), ex vi art.º 666.º do CPC, arguiu-o de nulidade, alegando que enferma de manifesta contradição entre a fundamentação explanado na respetiva alínea g) e o dispositivo ou, se assim não se entender, requer que “sejam corrigidos os erros e lapsos que afetam a decisão proferida, na medida em que, por serem geradores de dúvida, afetam a tramitação subsequente do processo”;

- AGERE - EMPRESA DE ÁGUAS EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M., ré e recorrida, amparando-se no “disposto nos artigos 614.º e 666.º do Código de Processo Civil, requerer a retificação de erro material” adveniente de “manifesto lapso de escrita na sua parte dispositiva”, peticionando que no dispositivo do acórdão passe a “constar que o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar IMPROCEDENTE o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, porquanto se decidiu que materialmente competente para conhecer da ação intentada nos autos são, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.”

- CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGA, réu e recorrido, “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 614.º e 666.º do Código de Processo Civil (“CPC”), requerer a retificação de erro material” por “evidente lapso de escrita na sua parte dispositiva” peticionando que do dispositivo passe “a constar que «o Tribunal de Conflitos acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando o Acórdão recorrido», uma vez que verdadeiramente foi decidido que os Tribunais da Jurisdição Administrativa – nomeadamente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – são os materialmente competentes para conhecer da presente ação, nos termos do n.º 1, do artigo 1.º, e da alínea o), do n.º 1, do artigo 4.º, todos do ETAF.”

2. acórdão visado:


Sumariamente, o Tribunal dos Conflitos deliberou sobre recurso de acórdão da Relação que confirmou decisão do Juízo de comércio de Vila Nova de Famalicão que julgou verificada a exceção da sua incompetência absoluta em razão da matéria para conhecer a ação intentada pela Geswater nestes autos e absolveu os réus da instância.


Fundamentando que: -----


“(…) a autora pretende, como sintetizado, obter uma declaração judicial de anulação da deliberação da Assembleia Geral da AGERE, realizada em 6 de setembro de 2023, que aprovou a minuta do Contrato de Gestão Delegada (CGD), alegando para tanto que a mesma viola os Estatutos daquela EM e que viola também o acordo parassocial celebrado entre o Município de Braga e a Geswater.


Como explicitado, o contrato de gestão delegada contém enquadramento jurídico-administrativo próprio, subordinando a gestão dos serviços municipais à prossecução do interesse público legalmente definido, nomeadamente no domínio do abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos.


É um contrato, que depois de aprovado pelos órgãos próprios da autarquia, é celebrado entre o ente público e a empresa local por si detida, que tem de observar o conteúdo legalmente prescrito e obter parecer favorável da entidade reguladora. Não é um contrato de direito privado.


Pelo que, a validade do contrato de gestão delegada ou de alguma ou algumas das respetivas cláusulas só pode sindicar-se na jurisdição administrativa.


Acresce que a ação é intentada também contra a Câmara Municipal de Braga, uma autarquia local, pessoa jurídica territorial, de direito público, criada para prosseguimento de tarefas de natureza pública. próprios das populações respetivas (cfr. artigo 235.º da Constituição da República), que, através do competente órgão deliberativo, aprovou o CGD em causa.


Assim, tudo ponderado, vista a relação jurídica material controvertida que a autora delineou na petição inicial – e somente esta releva para o efeito -, conclui-se que a jurisdição administrativa e fiscal é a competente para conhecer da ação, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. o), do ETAF.”


Acordando: -------------


“(…) em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para conhecer da ação intentada nos autos são, nos termos do no n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo e fiscal de Braga.”

3. Fundamentação:

a. nulidade do acórdão?


A autora, alegando “evidente contradição lógica” entre a fundamentação e o dispositivo, “geradora de dúvidas quanto ao sentido decisório”, argui de nulidade do acórdão visado. Argumenta que “não se compreende de que modo se compatibiliza a conclusão de que são competentes os tribunais administrativos para conhecer do objeto dos presentes autos, com a decisão de procedência da apelação e consequente revogação da decisão recorrida, na exata medida em que as decisões da primeira e segunda instância propenderam no sentido do decidido neste Tribunal de Conflitos”.


Sendo certo que do dispositivo do acórdão deveria constar que o Tribunal acordou julgar improcedente o recurso da autora, será que o “evidente lapso de escrita na sua parte dispositiva”, servindo-nos da qualificação dada pelos RR., o fulmina da arguida nulidade?


Vejamos: ------


Dispõe o art. 615.º n.º 1 alínea c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por remissão do art. 666.º, ambos do CPC:

1. É nula a sentença quando: ------

c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão inteligível.”

a. – art. 615.º, n.º 1, al.ª c), 1.ª parte, do CPC?


Comentadores do atual CPC sustentam que esta nulidade “ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final1.


Precisando que “A lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º [atual 615.º], à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efectuada por despacho a correcção adequada, nos ter­mos do artigo 667.º, a contradição fica eliminada.2


Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”.


Por sua vez, a jurisprudência entende que “a oposição entre os fundamentos e a decisão consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos invocados pelo tribunal, em si mesmo considerados, conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.3


Precisando que esta nulidade “existe quando há contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, ou seja, quando existe um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente4.


Verifica-se quando “todos os argumentos apontavam para certa decisão e, sem que nada o fizesse esperar, a decisão final foi a oposta ou diferente da que se anunciava.5


Como as partes concordantemente realçam, dúvidas não restam que o Tribunal dos Conflitos na fundamentação do visado acórdão motiva e conclui pela atribuição aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal da competência em razão da matéria para conhecer da ação que a Geswater intentou neste processo contra a Agere e o Município de Braga.


Será que o dispositivo contém a expressão lógica dessa conclusão?


A resposta é inequivocamente afirmativa uma vez que do mesmo consta: --


(…) decidindo-se que materialmente competente para conhecer da ação intentada nos autos são, nos termos do no n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo e fiscal de Braga.”


É, assim, incontestável que, neste concreto segmento (atribuição da competência material para a causa) não só inexiste oposição entre os fundamentos e a decisão como se verifica total conformidade lógica - e até literal - entre as premissas, de facto e de direito e o efetivamente deliberado pelo Tribunal.


Tanto basta para se concluir que o acórdão não enferma da nulidade prevista na primeira parte da invocada alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

b. ambiguidade ou obscuridade?


Na versão antecedente do CPC – de 1961 na redação dado pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de dezembro -, a ambiguidade ou obscuridade da sentença ou de acórdão, tanto na decisão como dos fundamentos, não sendo causa da respetiva nulidade – cfr. art. 668.º n.º 1 al.ª c) -, podiam ser esclarecidas a requerimento de qualquer parte – art. 669.º n.º 1 al.ª a).


Analisando esses dispositivos, sustentava Fernando Amâncio Ferreira que “para certos defeitos da sentença a lei admite, por razões de ordem prática, que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha”. Rematando que “o aperfeiçoamento da decisão judicial concretiza-se através dos remédios indicados no n.º 2 do art.º 666.°: retificação de erros materiais; […] e reforma. […]6”.


Procedimento de esclarecimento que não foi mantido na redação do vigente CPC (dada pela Lei n.º 41/2013 de 23 de junho).


Destarte e porque o preceito adjetivo cível acima transcrito, na segunda parte, fulmina também de nulidade a sentença ou acórdão em que “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” impõe-se indagar se o acórdão de 8.05.2025 proferido nos autos enferma dessa nulidade.


Alberto dos Reis comentava que uma sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível. E que é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade7.


Para os comentadores, obscura é a decisão judicial que “contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes8.


Na jurisprudência, um “acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade.


Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se.


A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.9


É “ (…) obscuro” o que não é claro, aquilo que não se entende; e é “ambíguo” o que se preste a interpretações diferentes, verificando-se que, em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir, sem olvidar que não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que “torne a decisão ininteligível10”.


Reafirmando que “a ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade, só ocorre quando o sentido da fundamentação ou da decisão é totalmente impossível ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.11


Os requerimentos das partes, embora divergindo na qualificação do defeito do acórdão – a autora como nulidade; os réus de erro material -, contudo, coincidem em resulta da fundamentação, clara e inequivocamente, que o Tribunal quis, ademais de fixar a jurisdição competente, acordar na improcedência do recurso.


Para a ré (com sublinhado nosso para realçar), “5 - (…) considerando a apreciação que é feita no ponto g) do douto acórdão, não se compreende de que modo se compatibiliza a conclusão de que são competentes os tribunais administrativos para conhecer do objeto dos presentes autos, com a decisão de procedência da apelação e consequente revogação da decisão recorrida, na exata medida em que as decisões da primeira e segunda instância propenderam no sentido do decidido neste Tribunal de Conflitos.


6. Padece pois, o douto Acórdão recorrido, de evidente contradição no respetivo dispositivo, contradição essa geradora de dúvidas quanto ao sentido decisório e teor interpretativo.”


Defeito que as rés expressamente qualificam de “manifesto lapso de escrita na sua parte dispositiva”


Explicitando a ré AGERE (também com sublinhado nossos para realçar) que “5 – (…) na parte dispositiva do Acórdão (página 17), existe um manifesto lapso de escrita quando refere: "Assim, o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para conhecer da ação intentada nos autos são, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo e fiscal de Braga."


6. Este lapso é evidente quando confrontado com a fundamentação do Acórdão e com o próprio sumário constante da página 18 e(…).


8. Deste modo, é manifesto que o Tribunal de Conflitos, ao concluir que a jurisdição administrativa é a competente, está efetivamente a NEGAR PROVIMENTO ao recurso (tornando-o improcedente) e a CONFIRMAR o acórdão recorrido, e não o contrário.


Igualmente o réu Município de Braga alegando que “5. (…) da análise atenta do aludido Acórdão, constata-se a existência de um evidente lapso de escrita na sua parte dispositiva”, conclui que “9. Assim, resulta evidente que, ao afirmar a competência da Jurisdição Administrativa, o Tribunal de Conflitos está, na verdade, a negar provimento ao recurso interposto pela Autora/Recorrente e a confirmar a decisão recorrida — e não o contrário.”


Rememora-se que as questões a decidir pelo Tribunal dos Conflitos, em qualquer dos três procedimentos legalmente instituídos, centram-se na definição da jurisdição – comum ou administrativa e fiscal – materialmente competente para uma concreta e determinada causa.


Diversamente do que sucede genericamente nos demais recursos, o Tribunal dos Conflitos, no recurso de jurisdição previsto nas disposições conjugadas dos arts. 3.º al.ª c) da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro e 101.º n.º 2 do CPC não decidir tão-somente do mérito ou demérito do recurso, não se podendo limitar a confirmar ou revogar a decisão recorrida. Por disposição legal está onerado com o poder-dever de “fixar o tribunal competente” (art.º 101.º n.º 2 citado) e indicar especificadamente o tribunal competente para aquela concreta causa – art.º 14.º n.º da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro.


Evidentemente que quando decide, - como lhe compete -, da atribuição da competência material para a causa a uma das duas jurisdições judicias em procedimento de recurso, a decisão implica, consequencialmente, a confirmação ou a revogação do acórdão recorrido.


Era assim que vinha demando e que o Tribunal decidiu no caso.


Mas, tendo decidido atribuir a competência para conhecer da causa, em razão da respetiva matéria, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e, concretamente, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em vez de projetar a inerente consequência para o vencimento ou a sucumbência do recurso, exarou no dispositivo que acordava “(…) em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, (…)”.

c. erro material devido a lapso manifesto:


Será que esta asserção é obscura, ininteligível, que não se percebe imediatamente o que o Tribunal quis assim decidir?


Será que, vista em si mesma, é ininteligível, confusa ou de difícil interpretação; ou que tem sentido equívoco ou indeterminado?


Ou será que da fundamentação e do sentido do dispositivo na sua integralidade decorre, para um destinatário medianamente esclarecido, a impossibilidade total de apreender o sentido efetivamente acordado à questão que ao Tribunal dos Conflitos incumbia decidir, consistente, reafirma-se, em determinar qual das jurisdições é competente para, em razão da matéria, conhecer desta causa?


Com respeito por diferente interpretação, conclui-se, - aliás em conformidade com o que leram e expressam os réus no respetivo requerimento -, resultar claramente, tanto da fundamentação como da parte restante do dispositivo que o Tribunal, fixando a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal para a ação, tinha em mente e quis acordar na improcedência do recurso com a consequente confirmação da decisão da instância recorrida.


Dito de outro modo, a escrita daquele trecho traiu o pensamento do Tribunal de modo que em vez de dizer o que realmente tinha querido acordar - a improcedência do recurso e a confirmação do acórdão recorrido como consequência lógica da resolução da competência material para a causa –– no dispositivo, por lapso manifesto, exarou ter acordado “(…) julgar procedente o recurso revogando-se o acórdão recorrido, (…)


Sendo assim, urge questionar se essa patente imperfeição do dispositivo fulmina o acórdão de nulidade, pela alegada ambiguidade (arredada a obscuridade. somente estoutra causa poderia eventualmente subsumir-se à nulidade arguida) que deva suprir-se, ou, ao invés, se se está perante erro material devido a lapso manifesto que deva retificar-se.


Sustenta a doutrina que “Os erros de escrita ou de cálculo, devidos a lapsus calami ou a outra causa, identificam-se com os referidos no art.º 249.° do CC a respeito do negócio jurídico. Tanto estes erros como as inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto pressupõem que a vontade declarada na sentença não corresponde à vontade real do juiz.”


“Sempre que a vontade declarada seja desconforme à vontade real, pode o juiz proceder ao seu ajustamento, mediante retificação.


Será o que ocorre em casos como os seguintes: depois de julgar a ação procedente, com base nos fundamentos que expôs, o juiz acaba por absolver o réu do pedido; depois de indicar os valores dos diversos danos parcelares, em ação de responsabilidade civil, num total de € 5000, o juiz fixa a soma em € 400012.”


Para os comentadores citados “O erro material só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto, se veja que há erro e logo se entenda o que se queria dizer”13.


Na jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça, entende que “I - Existe erro material quando o juiz escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou do despacho não coincide com o que juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.


II- Erro material este que tem de emergir do próprio texto da decisão, ou seja, é o próprio texto da decisão que há de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.14


É o que se verifica naquele segmento do dispositivo do acórdão visado, evidenciando manifesta divergência entre a vontade declarada e a vontade real do Tribunal tendo-se ali escrito coisa diferente daquela que se queria, de facto, escrever.


Concluindo-se assim que o acórdão contém erro material que se impõe retificar.

d. retificação:


Sem olvidar que as nulidades da sentença ou acórdão e os erros materiais que contenha são institutos jurídico-processuais distintos, todavia, no caso, sendo o acórdão deste Tribunal irrecorrível, a eventual procedência e o consequente suprimento de nulidade arguida pela autora, redundaria resultado prático idêntico ao que decorre da retificação do erro material denunciado pelos réus e que se vai retificar e o procedimento também não seria diferente.


Se se concluísse pela nulidade do acórdão, sendo irrecorrível, competia a este Tribunal supri-la, corrigindo-o de maneira a que fique válido e eficaz, prosseguino o processo o curso normal.


Também compete a este Tribunal a retificação de erros materiais do acórdão, consistente na correção de lapsos manifestos de modo a que passe a expressar a vontade real do tribunal do deliberado.


Estabelece o art.º 666.º n.º 2 do CPC que “A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.”


Neste conspecto, não podem os erros materiais retificar-se por simples despacho do relator.


Como é de lei, a decisão que suprir nulidade de que possa enfermar considera-se “proferido como complemento e parte integrante” da sentença ou acórdão – art. 617.º, n.º 2 do CPC.


E também a correção de erros materiais constitui complemento e parte integrante da sentença ou acórdão (por aplicação analógica do preceito adjetivo ora citado).


No caso, contendo o dispositivo do acórdão proferido nos autos erro material manifesto e bem patenteado, tanto pela fundamentação como pelo segundo e nuclear segmento do mesmo dispositivo, como de resto, as partes imediatamente bem compreenderam, impõe-se proceder à devida retificação, nos termos do artigo 614.º n.º 1 do CPC, de modo expressar a vontade real do Tribunal.


Para tanto, na primeira parte do respetivo dispositivo, corrige-se o termo “procedente” para “improcedente” e o termo “revogando-se” para “confirmando-se”, de modo a que em vez do trecho: ----


“(…) em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, (…)


passa a constar: -----


“(…) em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, (…)”.

4. dispositivo:


Pelo exposto, decidindo retificar o erro material constante da primeira parte do dispositivo do acórdão proferido nos autos em 08.05.2025, determina-se que passa a ter a redação seguinte: -----


Assim, o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para conhecer da ação intentada nos autos são, nos termos do no n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo e fiscal de Braga.”


Insira-se a retificação no acórdão.


Sem custas por não serem devidas.


Notifique-se.


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Lisboa, 9 de julho de 2025. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.


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1. Código de Processo Civil Anotado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Filipe de Sousa, Almedina, 2018, vol. 1 pag 737/738.

2. Manual de Processo Civil, de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Coimbra Editora, pág. 671

3. Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 24.01.2024, proc. 2529/21.8T8MTS.P1.S1, em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75cec266514cae9380258aaf004012ab?OpenDocument

4. ACSTJ de 06-05-2004, Revista n.º 1419/04, em Sumários do STJ (Boletim) - Cível

5. Acórdão de 29.04.2021, proc. 704/12.5TVLSB.L3.S1, em https://jurisprudencia.pt/acordao/200692/

6. Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição, abril de 2008, Almedina, pág. 45 e sgs.

7. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, 1984, p. 151

8. Código de Processo Civil Anotado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Filipe de Sousa, Almedina, 2018, vol. 1, pag. 738.

9. STJ, Acórdão de 11.04.2007, proc. 06P4086, em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/EAFBAB35F6418D63802573080038B36A

10. STA, acórdão de 16.12.2021, proc. 04/16.1BEPRT0757/18, em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/04-2021-188948275

11. STJ, Acórdão de 19.10.2021, proc. 63/13.9TBMDR.G2.S1

12. Manual citado.

13. Ed. de 2022, Almedina, pág. 759.

14. Acórdão de 13/07/2021, proc.º n.º 380/19.4T8OLH-D.E1.S1, em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:380.19.4T8OLH.D.E1.S1.6E/