Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
| Processo: | 
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| Relator: | JOAQUIM CRUZ | ||
| Descritores: |  ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS DEVER DE COMUNICAÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: |  I.	A “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; II. A “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; III. A alteração não substancial, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa, o que sucede quando impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido; IV. A omissão da comunicação a que alude o artigo 358º do CPP consubstancia nulidade da sentença nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 358º do Código Penal, que determina a reabertura da audiência com o desiderato de proceder a tal comunicação;  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Lisboa. I. Relatório: 1. O arguido AA, não se conformando com a sentença proferida em processo comum, com intervenção de Tribunal singular, no âmbito do processo n.º 907/22.4PBPDL, do Tribunal Judicial da Comarca Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Juízo Local Criminal de Ponta Delgada – Juiz 2, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a) e n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de três anos de prisão, dela, dela interpôs recurso, extraindo da sua motivação, com relevância para a delimitação do objeto do recurso, as seguintes conclusões: I - O presente recurso tem como objeto a impugnação da matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de violência doméstica, p.e p. pelo artigo p.p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a), e 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão. II - O Tribunal a quo considerou provado que “em data não concretamente apurada, mas ocorrida em ... de 2022, no seguimento de uma discussão com BB, agarrou e apertou BB pelos pulsos, com força, puxando a mesma por forma a que esta o seguisse, o que provocou dor e equimoses naquela.” III - Tal convicção assentou no depoimento da ofendida que revelou-se pouco espontâneo, impreciso e incoerente. IV - A testemunha CC, no seu depoimento, não logrou concretizar, objectivamente, as circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos dados como provados na douta sentença. V – Veja-se o contexto em que o arguido, alegadamente, puxa os pulsos da ofendida/assistente, através do seu depoimento registado digitalmente na sessão do dia 18 de Junho de 2025 com início às 10h:52min e termo às 11h:50min. VI – Resulta, claramente, do depoimento da ofendida, que o arguido não agiu de modo violento, capaz de provocar dor e equimoses nos pulsos da ofendida. VII - Não foi junto qualquer relatório médico legal que confirme a versão apresentada pela assistente quanto à conduta do arguido ter provocado dor e equimoses nos seus pulsos. VIII – Pelo que o facto 9, constante dos factos dados como provados na douta sentença, foi indevidamente julgado como provado. IX - O Tribunal a quo considerou, ainda, como provado que “Num outro dia, ainda no verão de 2022, em data não concretamente apurada, o arguido chegou à residência comum do casal em acentuado estado de embriaguez e vendo que o cão de BB ali se encontrava, agarrou o mesmo pelo pescoço, e, enquanto olhava para BB, dizia "dou-te uma afogadela que te mato.", cf. facto 12 dos factos provados). X - A convicção do Tribunal a quo fundou-se única e exclusivamente no depoimento da ofendida, uma vez que nenhuma testemunha o presenciou. XI- Do depoimento da assistente, infere-se, sem margem para dúvidas, de que a frase, alegadamente, dita pelo arguido foi dirigida apenas e só ao cão da ofendida. XII – Tendo a ofendida, espontaneamente, referido a frase que poderá ter sido proferida pelo arguido: “dou uma afogadela nesse cão que eu mato-lhe devez.” (19m:58s a 20m:00s na sessão de 18-06-2025). XIII - Mas ainda que se admita que o arguido tenha dito naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, a frase “dou-te uma afogadela que te mato”, a mesma não foi, claramente, dirigida à ofendida, face ao contexto em que a mesma terá sido proferida. XIV - Pelo que consideramos que tal facto foi indevidamente dado como provado. XV - Resulta da douta sentença que o arguido terá dito “em tom de voz alto e exaltado “…queres é foder com todos os homens”. XVI - Do depoimento da ofendida, que em nada foi espontâneo, não é possível extrair que o arguido tenha dito tal expressão XVII - Pese embora possa haver uma correlação entre as expressões “puta”, “prostituta” e a frase “queres é foder com todos os homens”, não andou bem o Tribunal a quo ao concluir que aquela frase tenha sido proferida pelo arguido. XVIII - Assim sendo, a expressão “queres é foder com todos os homens”, constante do facto 13 dos factos dados como provados da douta sentença, foi indevidamente julgada como provada. XIX - Salvo o devido respeito, que é muito, não andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado que “o arguido deslocou-se frequentemente às imediações da residência de BB, batendo incessantemente na porta, pretendendo entrar em casa da mesma e falar com aquela, e como não conseguia os seus intentos, acabava por apelidar BB de "puta, prostituta, doida", tendo-lhe dito, numa dessas situações, "nem sabes o que te vai acontecer, não sabes o que te espera."” XX – Nem sequer resulta do depoimento da ofendida a referência às expressões “nem sabes o que te vai acontecer, não sabes o que te espera”. XXI - Não tendo sido feita prova irrefutável que permita ao Tribunal a quo dar como provado que o arguido dirigiu tais expressões à ofendida naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o facto 17 foi indevidamente julgado como provado. XXII - Por inerência, o facto 19 constante dos factos dados como provados, relativamente aos termos em que o arguido actuava descritos em 17), foi incorrectamente julgado como provado. XXIII - O facto 18 constante dos factos dados como provados da douta sentença, não consta da acusação. XXIV - Um dos princípios em que assenta o processo penal é o princípio do acusatório ou da acusação, consagrado no artigo 32º, nº 5, da CRP, nos termos do qual “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do acusatório. XXV - Pelo que a douta sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. b), do CPP, porquanto condenou o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358º e 359º, do CPP. XXVI - De qualquer forma e sem prescindir sempre se diga que, no que concerne ao facto 18 dos factos dados como provados, mais uma vez o Tribunal a quo baseou a sua convicção apenas no depoimento da ofendida, que por sua vez, revelou-se impreciso. XXVII - O Tribunal a quo baseou a sua convicção no depoimento da ofendida, que não merece qualquer credibilidade, porquanto não foi espontâneo. XXVIII - Não se pode conceber que o Tribunal a quo tenha dado como provado que “no dia ........2023 […] o arguido desferiu um empurrão no tronco da assistente, fazendo com que esta embatesse num móvel, o que lhe causou dor.”, sem que tenha sido feita prova bastante quanto à ocorrência de tal facto. XXIX - Não obstante a ofendida ter dito que houve uma discussão no dia ... de ... de 2023, também referiu não recordar-se da, alegada, discussão ocorrida nesse dia. (40m:50s a 40m:57s do depoimento registado digitalmente com início às 10h:52m e termo às 11h:50m na sessão do dia 18-06-2025). XXX - Pelo que o facto 20 foi incorrectamente julgado como provado pelo Tribunal a quo. XXXI - Mais se diga que, o Tribunal a quo não tomou em consideração outras declarações da assistente, sobretudo quanto à existência de discussões entre o casal, motivadas pelo facto de considerar que o arguido tinha a obrigação de a satisfazer sexualmente, cf. 17m:40s a 18m:06s do depoimento registado digitalmente na sessão de 18-06-2025. XXXII - Bem como o facto de a assistente apelidar o arguido de “ingrato”, e, até mesmo, elevar o tom de voz nas discussões que ocorriam entre eles. XXXIII - O Tribunal a quo ao dar como provados os factos supra descritos nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º, do CPP. XXXIV - Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, haverá que, dentro dos limites abstratamente oferecidos pelo tipo legal, atender à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial. XXXV - Em suma, se a determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do Recorrente e das exigências de prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o Recorrente (artigo 71.º do CP), e sendo, em caso algum, a medida da pena superior à medida da culpa (artigo 40.º n.º 2 do CP), deve a pena de prisão aplicada ser reduzida de modo a que se torne adequada, justa e proporcional face à gravidade dos factos. XXXVI - O Tribunal a quo merece censura na forma como apreciou e ponderou os factos tendo-se refletido na excessiva medida da pena em que condenou o arguido. XXXVII - Tendo o Tribunal a quo aproveitado o depoimento da assistente para relevar tudo o que o arguido tinha e fez de pior na ponderação da medida da pena a aplicar, valendo-se apenas de circunstâncias agravantes e nenhuma atenuante. XXXVIII - Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e a pena privativa da liberdade de 3 (três) anos e da qual o arguido foi condenado, ser diminuída. . O Ministério Público do Tribunal recorrido, apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões: Nenhum reparo merece a sentença recorrida, não padecendo de vícios o teor da decisão recorrida, nomeadamente os elencados no artigo 410ª, nº2, do Código de Processo Penal. Foi correctamente julgada a matéria de facto e nenhuma das provas produzidas impõe decisão diversa daquela que sufragou a sentença recorrida. A factualidade dada como provada está devidamente fundamentada e assentou na livre convicção da Mmª Juiz relativamente aos meios de prova produzidos. Foram sopesadas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes na determinação da pena de 3 (três) anos de prisão em que o arguido foi condenado. Traduz a sentença recorrida uma correcta e única subsunção jurídica e aplicação do direito atinente ao caso concreto. Termina a resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. * II. Fundamentação: 1. Delimitação do objeto do recurso: Constitui entendimento consolidado que, do disposto no n.º 1, do artigo 412º, do CPP, decorre que o âmbito dos recursos é delimitado através das conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [vide Germano marques da silva, in «Curso de Processo Penal», vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I.ª Série-A, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt.]. Por seu turno, resulta do disposto nos artº 368º e 369º ex vi artº 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão. Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal; por fim, das questões relativas à matéria de Direito. . No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente e a precedência lógica das mesmas, as questões a decidir são as seguintes: 1.ª - A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. b), do CPP, porquanto condenou o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358º e 359º, do CPP.; 2.ª – Os pontos 9), 12), 13), 17), 18) e 19) da sentença foram incorretamente dados como provados; 3ª- A medida da pena é excessiva; . 2. Apreciação dos fundamentos do recurso: 2.1. Nulidade do acórdão: Sustenta a recorrente que o acórdão é nulo nos termos do artigo 379º, nº 1, al. b), do CPP, porquanto condenou o recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358º e 359º, do CPP, nomeadamente por deu como provado o facto sob o n.º 18 não consta da acusação. Para apreciação de tal questão entende-se pertinente atender ao descrito na acusação [transcrição]: “1. O arguido iniciou relação de namoro com BB no dia ... de ... de 2019. 2. No dia ... de ... de 2019, o arguido foi preso e conduzido ao estabelecimento prisional de ... para cumprir a pena de prisão que lhe foi determinada no âmbito do processo..., onde permaneceu até ao dia ... de ... de 2022, data em que foi libertado, após ter cumprido a referida pena de prisão. 3. Logo nesse dia – ...-...-2022 – o arguido fixou residência comum com a sua namorada BB na residência daquela, sita na ..., em ..., passando desde então a viver em comunhão de cama, mesa e habitação. 4. Tal relacionamento foi pautado por constantes separações, seguidas de reatamento da relação, a qual perdurou até ao dia ... de ... de 2022, momento em que o arguido e BB se separaram em definitivo, tendo aquele abandonado a referida residência. 5. Durante o período em que mantiveram o descrito relacionamento, o arguido manteve um constante comportamento de controlo sobre BB, manifestando ciúmes constantes, as quais eram exponenciadas pelo frequente consumo de bebidas alcoólicas em excesso por parte do arguido, ficando constantemente embriagado. 6. Durante o referido período temporal, ou pelo menos em parte significativa do mesmo, o arguido exigia frequentemente quantias monetárias a BB, com as quais adquiria as bebidas alcoólicas e tabaco para seu consumo. 7. Nas ocasiões em que BB recusava entregar tais quantias, ou quando o chamava a atenção para tais gastos, imediatamente o arguido iniciava discussões com aquela, nas quais lhe respondia “vai para o caralho, vai-te foder”; 8. No descrito circunstancialismo, o arguido iniciava frequentes discussões com BB, sobretudo quando se encontrava em estado de embriaguez, ficando agressivo para com BB. 9. Nesse circunstancialismo, o arguido iniciava constantes discussões com BB, acusando-a de ter amantes. 10. No decurso dessas discussões, frequentemente o arguido dirigia a BB as seguintes expressões “puta, és doida, vai para o caralho, vai pra pinta da tua mãe”, desferindo socos nas paredes de casa de forma descontrolada, partindo ainda diversos objetos que se encontravam no interior da descrita habitação. 11. Nalgumas ocasiões em datas não concretamente apuradas, mas compreendidas no período temporal acima descrito, o arguido desferiu golpes, de forma indiferenciada, no corpo de BB. 12. Noutras ocasiões, dirigia-lhe a seguinte expressão “és malcheirosa, tu cheiras mal”, tendo a primeira ocasião na qual lhe dirigiu tais expressões, ocorrido no mês de ... de 2022. 13. Durante o mês de ... de 2022, no seguimento de uma discussão com BB, o arguido agarrou e apertou com força os pulsos daquela. 14. No dia ... de ... de 2022, quando o arguido e BB se encontravam temporariamente separados, o arguido dirigiu-se à porta da residência daquela, e ali iniciou discussão com BB, na qual lhe dirigiu a seguinte expressão “puta, prostituta, andas com outros homens, um dos vizinhos foi dizer para o café que és uma puta”. 15. No dia ... de ... de 2022 o arguido chegou à residência comum do casal em acentuado estado de embriaguez e imediatamente apertou o pescoço do cão da ofendida que ali se encontrava, enquanto dizia “dou-te uma afogadela que te mato”. 16. Logo após, dirigiu-se a BB e em tom de voz alto e exaltado dirigiu-lhe as seguintes expressões “doida, deficiente, queres é foder com todos os homens”, em seguida, “tem cuidado comigo que ainda não me conheces, és uma ladra”. 17. BB terminou o relacionamento com o arguido, em definitivo, no dia ... de ... de 2022, o que não foi aceite por aquele. 18. Nas semanas que se seguiram, e apesar de saber que BB não tencionava continuar a comunicar consigo, o arguido efetuou sucessivas chamadas telefónicas dirigidas à sua ex companheira. 19. Nas ocasiões em que BB atendia as chamadas, imediatamente o arguido iniciava discussão com aquela, nas quais frequentemente lhe dirigia as expressões “eh caralha, vai para o caralho, vai foder com quinhentos, vai pra pinta da tua mãe”. 20. No mesmo circunstancialismo, após a data da separação, o arguido deslocou-se frequentemente às imediações da residência de BB, e aí iniciou discussões com a mesma, no decurso das quais, frequentemente a apelida de “puta, prostituta, doida, histérica”. 21. No dia ... de ... de 2022, o arguido dirigiu-se às imediações da residência de BB e aí iniciou discussão com aquela por motivos não concretamente apurados, na qual, em tom de voz alto e exaltado lhe dirigiu a expressão “nem sabes o que te vai acontecer, não sabes o que te espera”. 22. No dia ... de ... de 2023, após mais uma deslocação do arguido às imediações da residência de BB, o arguido iniciou discussão com aquela por motivos não concretamente apurados, na sequência da qual lhe desferiu empurrões. 23. Ao exercer o controlo coativo sobre a vida da ofendida, nos termos descritos, agiu o arguido com o propósito concretizado de provocar medo, receio e inquietação na ofendida, de forma a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação, o que logrou alcançar. 24. Mais sabia o arguido que com as condutas acima descritas e de modo reiterado, molestava física e psiquicamente a ofendida, sua companheira, e, posteriormente sua ex-companheira, infligindo-lhe maus tratos físicos e psíquicos, humilhando-a, ofendendo-a na sua honra e considerações pessoais, e que condicionava a sua vida, liberdade e bem-estar psicossocial, saúde e integridade física, ofendendo-lhe ainda a respectiva dignidade humana, criando e potenciando na ofendida sentimentos de dor, vergonha, humilhação e frustração. 25. Não obstante disso se encontrar ciente, o arguido quis praticar os descritos actos da forma como o fez, o que logrou alcançar. 26. Em todos os descritos actos o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente. 27. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.” . Por seu turno, na sentença, no que relevância para a apreciação questão enunciada, fez-se constar, o seguinte [transcrição parcial]: 1. O arguido iniciou relação de namoro com BB no dia ........2019. 2. No dia ........2019, o arguido foi preso e conduzido ao EP de ... para cumprir a pena de prisão que lhe foi determinada no âmbito do processo 765/14.2... PBPDL, onde permaneceu até ao dia ........2022, data em que foi libertado, após ter cumprido a pena de 2 anos e 3 meses de prisão. 3. Logo nesse dia — ... — o arguido fixou residência comum com a sua namorada, a assistente BB, na residência desta, sita na ..., em …, passando desde então a viver em comunhão de cama, mesa e habitação. 4. Tal relacionamento foi pautado por constantes separações, seguidas de reatamento da relação, uma dessas separações ocorreu no dia .......22, momento em que o arguido e BB se separaram, tendo aquele abandonado a referida residência. 5. Durante o referido período temporal o arguido exigia frequentemente quantias monetárias a BB, com as quais adquiria as bebidas alcoólicas e tabaco para seu consumo. 6. Nas ocasiões em que BB recusava entregar tais quantias, ou quando o chamava a atenção para tais gastos, imediatamente o arguido iniciava discussões com aquela, nas quais lhe respondia "vai para o caralho, vai-te foder " 7. No descrito circunstancialismo, o arguido iniciava frequentes discussões com BB, sobretudo quando se encontrava em estado de embriaguez, ficando agressivo para com BB. 8. Nesse circunstancialismo, o arguido iniciava discussões com BB no decurso das quais a apelidava de puta, prostituta, és doida, deficiente, malcheirosa, dizendo-lhe cheiras mal, vai para o caralho, vai pra pinta da tua mãe", tendo numa dessas discussões desferido uma pancada na mesinha de cabeceira, partindo a mesma. 9. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida em ... de 2022, no seguimento de uma discussão com BB, agarrou e apertou BB pelos pulsos, com força, puxando a mesma por forma a que esta o seguisse, o que provocou dor e equimoses naquela. 10. Noutras ocasiões, dirigia-lhe a seguinte expressão "és malcheirosa, tu cheiras mal", tendo a primeira ocasião na qual lhe dirigiu tais expressões, ocorrido no mês de ... de 2022. 11. Em data não concretamente apurada mas situada em... ou ... de 2022, quando o arguido e BB se encontravam temporariamente separados, o arguido dirigiu-se à porta da residência daquela, e ali iniciou discussão com BB, na qual lhe dirigiu a seguinte expressão "puta, prostituta, andas com outros homens, um dos vizinhos foi dizer para o café que és uma puta 12. Num outro dia, ainda no verão de 2022, em data não concretamente apurada, o arguido chegou à residência comum do casal em acentuado estado de embriaguez e vendo que o cão de BB ali se encontrava, agarrou o mesmo pelo pescoço, e, enquanto olhava para BB, dizia "dou-te uma afogadela que te mato 13. Tendo em seguida dito a BB e em tom de voz alto e exaltado "doida, deficiente, queres é foder com todos os homens", em seguida, "tem cuidado comigo que ainda não me conheces, és uma ladra. 14. BB decidiu, então, por outra vez termo ao relacionamento com o arguido, no dia ... de ... de 2022, o que não foi aceite por aquele. 15. Nas semanas que se seguiram, e apesar de saber que BB não tencionava continuar a comunicar consigo, o arguido efetuou sucessivas chamadas telefónicas dirigidas à sua ex-companheira. 16. Por vezes quando BB atendia as chamadas, acabavam por discutir, nas quais frequentemente lhe dirigia as expressões "eh caralha, vai para o caralho, vai-te foder, vai pra pinta da tua mãe 17. No mesmo circunstancialismo, após aquele dia ........2022, o arguido deslocou-se frequentemente às imediações da residência de BB, batendo incessantemente na porta, pretendendo entrar em cada da mesma e falar com aquela, e como não conseguia os seus intentos, acabava por apelidar BB de "puta, prostituta, doida ", tendo-lhe dito, numa dessas situações, "nem sabes o que te vai acontecer, não sabes o que te espera " 18. Em data não concretamente apurada, mas ainda em 2022, o arguido e a BB voltaram a reatar o relacionamento, voltando o relacionamento a pautar-se por discussões nos termos indicados em 8 e 10, o que ocorria pelo menos 2 a 3 vezes por semana. 19. Devido ao referido em 8), BB punha termo ao relacionamento, o que levava o arguido a actuar nos termos descritos em 15) a 17), voltando o casal a reatar alguns dias depois. 20. No dia ........2023, dois dias após o falecimento do pai de BB, e quando arguido e assistente tinham voltado a reatar cerca de 2 semanas antes, BB pediu ao arguido para ir buscar o seu filho ao aeroporto, o que aquele recusou, o que originou uma discussão entre o casal, no decurso da qual o arguido desferiu um empurrão no tronco da assistente, fazendo com que esta embatesse num móvel, o que lhe causou dor. 21. Nesse dia o arguido saiu de casa, tendo voltado o casal a separar-se temporariamente, voltando a reatar, o que foi sucedendo até ... de 2025, quando BB pôs termo final ao relacionamento. 22. Ao actuar nos termos supra descritos, o arguido agiu com o propósito concretizado de provocar medo, receio e inquietação na ofendida, de forma a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação, o que logrou alcançar. 23. Mais sabia o arguido que com as condutas acima descritas e de modo reiterado, molestava física e psiquicamente a ofendida, sua companheira, e, ciclicamente, sua excompanheira, infligindo-lhe maus tratos físicos e psíquicos, humilhando-a, ofendendo-a na sua honra e considerações pessoais, e que condicionava a sua vida, liberdade e bem-estar psicossocial, saúde e integridade física, ofendendo-lhe ainda a respectiva dignidade humana, criando e potenciando na ofendida sentimentos de dor, vergonha, humilhação e frustração. 24. Não obstante disso se encontrar ciente, o arguido quis praticar os descritos actos da forma como o fez, o que logrou alcançar. 25. Em todos os descritos actos o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente. 26. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 27. O arguido é o quinto elemento de uma fratria de cinco, nascido em agregado familiar de modesta condição socioeconómica e cultural, cujo processo de crescimento e desenvolvimento decorreu, sem a presença da figura paterna, tendo o pai falecido quando o arguido tinha 9 anos de idade. 28. Apesar das carências financeiras vivenciadas à época, a mãe acabou por conseguir, através de muito esforço e dedicação, assegurar as necessidades básicas aos filhos. 29. Com o 6º. ano de escolaridade, iniciou atividade laboral aos 16 anos, tendo trabalhado numa ..., nos ..., e numa empresa de .... 30. Em 2011, ficou desempregado, e em 2017 refere ter ido trabalhar em ..., no sector da ..., onde se manteve até à reclusão, quando foi detido, numa vinda a ..., por revogação da suspensão da execução da pena de prisão, à ordem do processo atrás já referido. 31. Na esfera afetiva, o arguido está desde ... divorciado da mãe dos seus três filhos, todos maiores de idade e autonomizados, com os quais não vem tendo contacto. 32. Encontra-se a residir na habitação de um amigo, desde há cerca de três meses, altura em que ficou durante cinco dias em situação de sem abrigo, por término da relação com a ofendida BB. 33. A sua subsistência vem sendo assegurada pela atribuição de RSI no valor de 242€ mensais, referindo executar trabalhos não remunerados em um ... do qual o seu amigo é proprietário, em troca de habitação e alimentação. 34. O arguido encontra-se desempregado, com inscrição ativa no ... referindo efetuar alguns trabalhos pontuais. 35. Na comunidade é referenciado pela ausência de hábitos de trabalho, apresentando um historial aditivo (álcool), com resistência ao tratamento aditivo, por não reconhecer problemática. 36. Realizou consulta médica psiquiátrica no ..., no passado dia ........2025, tendo esta consulta sido apoiada monetariamente, pelos ..., tendo-lhe sido prescrita terapêutica, referindo estar abstinente desde essa data. 37. Apresenta lacunas ao nível das competências pessoais e sociais, fragilidade e instabilidade emocional, assim com dificuldade em antecipar as consequências do seu comportamento. 38. Durante a medida probatória que beneficiou no âmbito dos autos 765/14.2... PB PDL, pela prática do crime de violência doméstica, tendo como vítima a sua ex-mulher, mãe dos seus filhos, integrou a etapa psico-educacional do programa Contigo, tendo frequentado 4 das 1 8 sessões que integram aquele programa registou faltas consecutivas injustificadas, acabando por reconhecer que não gostava da intervenção da DGRS P, que não iria cumprir nenhum ponto do regime de prova nem da pena acessória, postura que manteve mesmo após ter sido advertido da possibilidade da revogação da pena de prisão. 39. Devido à postura assumida pelo arguido, revelando dificuldades em implementar ações promotoras de um processo de mudança, desvalorizando as obrigações judiciais o que culminou na revogação da suspensão e, consequente, reclusão. 40. Apesar de reconhecer as suas fragilidades pessoais, assim como as dificuldades em cumprir no passado as obrigações judiciais, aparentar ser um individuo que ademais das suas reduzidas competências pessoais e sociais, tem um estilo de funcionamento rígido, pautado por tomadas de decisão pouco refletidas e precipitadas, muitas vezes geradoras de comportamentos impulsivos, nomeadamente, quando com consumos de bebidas alcoólicas. 41. - Já respondeu e foi condenado: a. em 29.02.2016, pela prática em ........2014, de 1 crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução sujeita a regime de prova, e a pena acessória de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica, por igual período de tempo, a qual foi revogada, tendo sido declarada extinta pelo cumprimento efectivo com efeitos reportados a ... (PCS? 65/1 4.2 P BP DL, deste Juízo Local Criminal de Ponta Delgada-Juiz 1) ; b. em 19. 12.2023, pela prática em .......23, do crime de condução em estado de embriaguez, na pena de' 100 dias de multa e 5 meses de pena acessória (PS 248/23.0 PT PDL, do Juízo Local Criminal de Ponta Delgada- Juiz 1. 42. BB não pretende receber qualquer indemnização do arguido. 43. BB apresenta sintomatologia depressiva e ansiosa, associada a uma baixa autoestima e traços de uma personalidade dependente, agravada em 2023 pelo diagnóstico da filha com a doença de DD, e pela vivência mantida pelo arguido. * Factos Não Provados: Não resultaram provados outros factos da acusação com interesse para a decisão da causa, designadamente, que: 1. - No dia .......22 0 arguido e BB se tenham separado em definitivo. 2. - Durante o período em que mantiveram o descrito relacionamento, o arguido manteve um constante comportamento de controlo sobre BB, manifestando ciúmes constantes, as quais eram exponenciadas pelo frequente consumo de bebidas alcoólicas em excesso por parte do arguido. 3. - Nas discussões com BB o arguido a acusasse de ter amantes, desferisse socos nas paredes de casa de forma descontrolada, partindo ainda diversos objetos que se encontravam no interior da descrita habitação. 4. - Nalgumas ocasiões em datas não concretamente apuradas, mas compreendidas no período temporal acima descrito, o arguido desferiu golpes, de forma indiferenciada, no corpo de BB. 5. - As situações tivessem ocorrido nos dias ........2022, ........2022, ........2022. 6. O arguido exercesse controlo coativo sobre a vida da ofendida . Em face do transcrito, resulta indubitável que o considerado provado pelo o tribunal sob o ponto 18, isto é, em data não concretamente apurada, mas ainda em 2022, o arguido e a BB voltaram a reatar o relacionamento, voltando o relacionamento a pautar-se por discussões nos termos indicados em 8 e 10, o que ocorria pelo menos 2 a 3 vezes por semana, não corresponde a quaisquer dos factos descritos na acusação. Configura esse acrescento uma alteração substancial como sustenta a recorrente? Tentando delimitar e compreender os contornos, sentido e alcance do conceito de alteração (substancial ou não substancial) dos factos, é oportuno tecer algumas considerações prévias. Em primeiro lugar, há que considerar que há uma alteração de factos quando se subtraem ou aduzem aos factos conhecidos – independentemente do momento processual em que tal modificação se opere – algum ou alguns factos, ou outros factos, quer estes se relacionem com o tempo do cometimento, com o lugar, com o evento, com o nexo de causalidade, com o agente ou com elementos subjetivos da imputação. A este propósito, cumpre referir que se parte do conceito processual do facto, como acontecimento histórico, como pedaço de vida que a acusação submete à apreciação judicial. Em segundo lugar, atento o disposto no artigo 1.º, alínea f) do Código de Processo Penal, importa sublinhar que “nem toda a alteração dos factos implica uma modificação do facto processual, ou seja do objeto do processo. A transformação ou alteração dos factos só implica uma modificação ou alteração do objeto do processo quando for qualificável como substancial, i. e., na expressão da lei, quando tenha por efeito o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis, ou a imputação de um crime diverso” [cf. Frederico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e a sua Relevância no Processo Penal Português, Almedina, 1995, pág. 98]. Isto significa que se a modificação dos factos for de natureza não substancial, por não implicar o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou a imputação de um crime diverso, o objeto do processo não se altera, muito embora haja que salvaguardar o direito de defesa e de contraditório do arguido, face aos novos factos, nos termos do artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Para efeitos do critério legal assim descrito, refira-se não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias de execução do crime (incluindo o dia, hora, local e modo de execução), desde que essas circunstâncias não constituam um outro “facto histórico unitário”, sendo este composto por todas as ações do agente que tenham um conteúdo ilícito semelhante e uma estreita continuidade espácio/temporal [Paulo Pinto de Albuquerque/Pedro Garcia Marques, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Volume I, 5ª edição, pág. 48]. O fica dito reflete a conceção prevalecente na doutrina e na jurisprudência quanto ao conceito de objeto de processo, o qual se pode definir «como o facto, o acontecimento global da vida, o acontecimento histórico, incluindo todos os acontecimentos com ele ligados, do qual deriva a acusação admitida» [Frederico Isasca, in ob., cit., p. 84]. Portanto, um facto que pode ser constituído por uma multiplicidade de factos singulares que se conjugam numa unidade de sentido, permitindo apercebê-lo como um acontecimento da vida real, dotado de individualidade e de características próprias (o tal pedaço de vida), incindível enquanto formando um todo significante do ponto de vista social e do ponto de vista jurídico, na medida em que esse complexo de elementos pode ser também relevante deste último ponto de vista e, nomeadamente, do ponto de vista jurídico-penal. À luz do exposto, é então possível que, por exemplo, o tempo, o lugar, o modo de execução, o resultado, o grau de execução, possam sofrer modificações e, nem por isso, necessariamente se deve concluir por uma alteração substancial dos factos. A jurisprudência, embora por outras palavras, aponta no mesmo sentido, ao sustentar que a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo, ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, determinando a reformulação do objeto do processo, operada pelo acordo dos sujeitos processuais com vista à rápida resolução do litígio, tudo sem intervenção do julgador e, portanto, sem trair o princípio do acusatório [entre outros, vide acórdãos do TRL, de 20.09.2017 e 26.10.2022, relatores, respetivamente, João Lee Ferreira e Rosa Vasconcelos, acórdãos do TRC, de 22.03.2023 e 20.11.2024, relatores, respetivamente Cristina Branco e Paulo Guerra, acórdão do TRP de 04.03.2020, relatora Liliana de Páris Dias, todos acessíveis in www.dgsi.pt] Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a factualidade nova trazida aos autos, para além de não implicar uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, não se traduz num crime diverso, pois não constituem elementos de um outro “facto histórico unitário”. Com efeito, ao acrescentar que após a separação em ........2022, o arguido e a assistente reataram a relação, ainda no decurso do ano de 2022, tendo arguido, na sequência dessa reatamento, assumido condutas idênticas à que já havia praticado antes da separação, estamos ainda perante o mesmo facto histórico. Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 21.12.2016 [relatora Eduarda Lobo, disponível, em texto integral, in www.dgsi.pt.], o crime de violência doméstica constitui um crime habitual, constituindo modalidade dos crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que a incidência do tempo na unidade resolutiva, pode comprometer a sua caracterização, caso decorra um largo hiato de tempo entre as condutas que o compõem. Com efeito, apenas hiatos temporais demasiado longos é que não são suscetíveis de sustentar a exigência de uma “unidade resolutiva” realidade que se não deve confundir com “uma única resolução”, pois que “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação” [Eduardo Correia, 1968: 201 e 202]. O hiato temporal que medeia entre ... e ... de 2022, não é suficientemente longo para que se possa afirmar a existência de novo crime de violência doméstica, pelo que os novos factos que constam da sentença não consubstanciam uma alteração substancial de factos. Estamos sim perante uma alteração não substancial dos factos relevante, não medida em que os factos novos não comunicados não configuram uma mera concretização dos factos já descritos na acusação, inócuos para o exercício do direito de defesa, na medida em que os mesmos se refletem na graduação da pena, agravando-a. Com efeito, o reatamento da relação com reiteração de comportamentos que integram o tipo objetivo do crime de violência doméstica, não são mera concretização do já descrito na acusação, mas uma ampliação do descrito na mesma, que agrava a imagem global do facto e, como tal, implicam a aplicação de um pena concreta mais elevada do que aquela que deveria ser aplicada sem a existência dos factos novos, sobre os quais o arguido não teve oportunidade de pronunciar. Em face do exposto, julga-se verificada a nulidade da sentença, por violação do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 379º, do CPP [condenação por factos diversos, fora das condições previstas no artigo 358º, do mesmo diploma, o que implica a reabertura da audiência para suprir o vício apontado [nestes termos Pedro Soares Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, anotação ao artigo 358º, § 23, p. 640 e acórdão do TRE de 11.03.2025, relatora Cristina Branco, in www.dgsi.pt]. Em face da necessidade de reabertura da audiência, a apreciação das demais questões fica prejudicada. . - Da responsabilidade tributária: Atenta a procedência do recurso não são devidas custas. * III. Decisão: Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência: a) Declara-se o acórdão recorrido nulo, determinando-se a reabertura da audiência de julgamento, pelo mesmo tribunal, para se proceder à comunicação dos novos factos nos termos do disposto no artigo 358º nº 1 do Cód. Proc. Penal e ao processamento subsequente a que houver lugar; b) Declara-se que não são devidas custas; . Lisboa, 22 de outubro de 2025 Joaquim Cruz Ana Rita Loja João Bártolo  |