Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO RAMOS DE FARIA | ||
Descritores: | ARRESTO EUROPEU PROCEDIMENTO DE DECISÃO EUROPEIA DE ARRESTO DE CONTAS BANCÁRIAS COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL APERFEIÇOAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A decisão europeia de arresto de uma conta domiciliada noutro Estado-Membro – Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 – não é uma penhora transfronteiriça, não sendo uma decisão incidental ou instrumental de uma ação executiva nacional. 2. A não ser que o pedido de decisão europeia de arresto de contas seja claramente inadmissível ou infundado, o tribunal deve dar ao requerente a oportunidade de completar ou retificar o pedido carecido de aperfeiçoamento (art. 17.º, n.º 3, do Regulamento). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa A. Relatório A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio AAAA, ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, requereu o arresto de uma conta bancária domiciliada noutro Estado-Membro da União Europeia, contra BBBB, titular de tal conta. Para tanto, com recurso ao formulário apropriado, alegou que: «O devedor tem conta na REVOLUT. Esta negou-se a prestar Informações, a pretexto de as operações serem sob as leis a Lituânia. Confrontado com as contas REVOLUT passarem a ser identificadas em Portugal, o devedor comentou “OMG”, que significa “Oh My God”, podendo haver o risco de a esvaziar. O devedor esvaziou todas as contas em Portugal e frustrando as penhoras». Liminarmente, o tribunal a quo indeferiu o requerimento inicial, concluindo nos seguintes termos: “Pelo exposto, indefere-se liminarmente o presente procedimento de decisão europeia de arresto de contas, ao abrigo do Regulamento UE n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014”. Inconformada, a requerente apelou desta decisão – cfr. o art. 21.º do Regulamento n.º 655/2014 –, concluindo, no essencial: “I – A decisão ou naquela que a revogue deve ser retificada, pois a recorrente pediu o arresto na Lituânia (…) e não na Eslovénia; II – Existe uma contradição entre os fundamentos da decisão que a torna ilógica e, entende-se, que a tornam ambígua e ininteligível, suscitando-se até a própria nulidade da decisão – alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ao dizer que não se estava exigir a concretização de atos de dissipação de património ou a indicação de outros devedores e, mais adiante se alegar justamente o inverso; III – O Tribunal não cuidou do exíguo espaço do formulário para a recorrente justificar a necessidade de urgência na adoção da medida, mas esta indicou a essencialidade dos motivos e juntou prova, além do que os próprios autos revelam e não pode ser ignorado; IV – A decisão padece de erro na apreciação da prova: O tribunal não considerou suficientes, em conjunto com as evidências dos próprios autos e os documentos juntos, nem o histórico do devedor perante a dívida, nem o facto de ter deixado de utilizar as contas em Portugal, para passar a utilizar a REVOLUT, com os objetivos referidos; V – Erro na apreciação da matéria de facto – Estão demonstrados: – Insuficiência do Património Penhorado em Portugal – o saldo penhorado no Banco Activo Bank é diminuto em relação à dívida exequenda, demonstrativo da insuficiência de bens penhoráveis em Portugal – necessidade de medidas cautelares para garantir o crédito da requerente ao abrigo do Regulamento CE; – Histórico de dissipação/ocultação de património: // O executado já esvaziou contas bancárias em Portugal, o que constitui um indício claro de risco de dissipação de património – essencial para avaliar o perigo iminente de frustração do crédito. – Errada interpretação do Comentário "OMG" – o executado ficou com receio da conta REVOLUT passar a ser controlada; – Risco de Dissipação – A ausência de bens penhoráveis em Portugal e a dificuldade de localizar património do executado são indícios concretos de risco de frustração na execução do crédito. VI – O tribunal errou ao exigir provas de atos específicos de dissipação e de indicação de outros credores quando o histórico e as circunstâncias já demonstram o mencionado perigo de frustração do crédito. VII – Erros nos Fundamentos de Direito // (…): Aplicação excessivamente restritiva do Regulamento UE n.º 655/2014 , com violação do disposto no art. 7.º, mormente, os seus n.os 1 e 2, , o qual exige apenas indícios razoáveis de perigo para o deferimento do arresto, sem a necessidade de provar atos específicos de dissipação; (…) Termos em que e nos mais de Direito aplicáveis, deve o recurso proceder e consequentemente, ser revogada a decisão, substituída por outra que defira a providência cautelar (…)”. A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar Pelas razões adiante desenvolvidas, não se enfrentarão as nulidades arguidas. Não há questões de facto a decidir, não obstante a apelante ter alegado que “a decisão padece de erro na apreciação da prova”, conforme adiante se sustentará. As questões de direito a tratar – em torno da verificação dos pressupostos da medida requerida – serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei. * B. Fundamentação B.A. Factos processuais relevantes 1 – Em 6 de junho de 2025, por apenso ao processo n.º 7806/24.3T8LSB (despejo), que correu termos no Juízo Central Cível de Lisboa (Juiz 12), a requerente apresentou, preenchendo o respetivo formulário, um “pedido de decisão europeia de arresto de contas”. 2 – No campo 10 deste formulário consta, pré-preenchido, o seguinte texto: “10. Motivos do pedido de decisão de arresto A decisão de arresto só pode ser proferida se apresentar factos relevantes que demonstrem que o crédito necessita urgentemente de proteção judicial e que, sem a decisão de arresto, a execução de uma decisão judicial ou outro título executório, existente ou futuro, contra o devedor pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de, quando vir tal decisão ou título executado, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens detidos na(s) conta(s) bancária(s) a arrestar ou tê-los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual [considerando 14, conjugado com o artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 655/2014]. 10. Motivos do pedido de decisão de arresto 10.1. Explique por que motivo há necessidade urgente da decisão de arresto e, nomeadamente, um risco real de que, sem tal decisão, a execução subsequente do crédito contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada [artigo 7.º, n.º 1 , do Regulamento (UE) n.º 655/2014]” 3 – No quadro do campo 10 disponível para o efeito, a requerente inscreveu o seguinte texto: “O devedor tem conta na REVOLUT. Esta negou-se a prestar Informações, a pretexto de as operações serem sob as leis a Lituânia. Confrontado com as contas REVOLUT passarem a ser identificadas em Portugal, o devedor comentou “OMG”, que significa “Oh My God”, podendo haver o risco de a esvaziar. O devedor esvaziou todas as contas em Portugal e frustrando as penhoras”. 4 – Em 12 de junho de 2025, pelo juiz do processo n.º 7806/24.3T8LSB (despejo), foi proferida a seguinte decisão: «Os autos a que esta providência cautelar se encontra apensa mostram-se findos com decisão transitada em julgado. Acresce que a decisão proferida se encontra já a ser executada em processo que foi distribuído ao Juiz 1 dos juízos de execução, com o número 30376/24.8T8LSB. Assim, remeta estes autos para que corram por apenso àqueles autos de execução». 5 – Em 18 de junho de 2025, pelo juiz do processo n.º 30376/24.8T8LSB (execução de sentença), ao qual foram apensados estes autos de procedimento cautelar, foi proferida a seguinte decisão: «Notifique a requerente para, em 2 ( dois ) dias, indicar a morada das duas testemunhas que indicou no seu requerimento/Anexo». 6 – Em 4 de julho de 2025, foi proferida a seguinte decisão: «Informe a secção se a Ilustre mandatária da exequente/requerente tem procuração junta aos autos». 7 – Em 14 de julho de 2025, foi proferida a decisão apelada, dela constando, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Também o regulamento n.º 655/2014 exige os três requisitos probatórios inerentes às medidas cautelares e patentes no direito nacional: urgência, fumus boni iuris e periculum in mora” (…). Ora, é este último pressuposto que falha no pedido apresentado pela requerente, correlacionado com a urgência exigida. Efetivamente, e ainda que se prove o crédito (art. 7.º, n.º 2), a requerente nada diz de concreto quanto à necessidade de obtenção da medida requerida –art. 7.º, n.º 1. Não se está aqui a exigir a alegação e prova de que o devedor está a praticar atos específicos de dissipação de património ou tem outros credores, ou não tem bens no estrangeiro ou em Portugal, onde continua a residir, apenas algum índice concreto que revele a necessidade urgente de acautelar o crédito da requerente face a um risco de não poder vir a ser cobrado, algo mais que a mera impossibilidade atual de cobrança. Diz a requerente que existe o perigo do executado esvaziar as contas no estrangeiro como as esvaziou em Portugal. Ora, a mera impossibilidade de cobrança não serve de fundamento para o pedido de arresto. Além disso, conforme demonstram os autos de execução, no dia 19/03/2025 foi penhorado o saldo de uma conta bancária titulada pelo executado em Portugal, no Banco Activo Bank, S.A.. O não pagamento voluntário da quantia exequenda, também não serve de fundamento para o pedido de arresto. A requerente não alega factos tendentes a demonstrar que o requerido está a dissipar o seu património. A requerente também não alega a existência de outros credores, que tenham dificuldade em cobrar os seus créditos perante o executado. Em suma, a requerente não alega um acto, comportamento ou facto demonstrativo do risco de ver goradas as suas possibilidades de se ver ressarcida, sem que de forma urgente se tome a medida peticionada (…). No caso dos autos, como se referiu, até foi penhorado o saldo de uma conta bancária que o executado tinha em Portugal, o que indicia que pode não ter existido actos de dissipação ou ocultação do património. É certo que foi penhorada uma quantia diminuta por referência ao valor da divida exequenda, o que apenas demonstra ser escasso o património conhecido do executado. Diz a requerente que o requerido, confrontado com as contas REVOLUT passarem a ser identificadas em Portugal, o mesmo fez o seguinte comentário: “OMG”, que significa “Oh My Good”, podendo haver o risco de a esvaziar. Ora, “OMG” é uma abreviação em inglês da expressão “Oh My God”, que significa “Oh Meu Deus” em português. É usada para expressar surpresa, espanto, admiração, choque ou até mesmo exasperação. A expressão é bastante informal e popular em contextos de comunicação online, como chats e redes sociais. Para fundamentar tal alegação, a requerente juntou aos autos um documento extraído de uma “Publicação de Fisher”, onde alegadamente o requerido fez tal comentário. Quando alguém usa “OMG”, geralmente está reagindo a algo que considera surpreendente, impactante ou inesperado. Posto isto, afigura-se-nos ser algo conclusivo querer demonstrar o “periculum in mora” com a expressão “OMG” proferida pelo executado. Como se disse, a expressão é bastante informal e popular em contextos de comunicação online, como chats e redes sociais. De tal expressão, do foro íntimo de cada um, nunca se poderia concluir que o executado, ao tomar conhecimento daquela possibilidade, tomou a resolução de esvaziar as contas de que fosse titular na Eslovénia. Chegar a tal conclusão seria dar “um salto no escuro”. Tal expressão, consubstanciada em três letras (OMG), é manifestamente insuficiente para demonstrar o periculum in mora». B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais) Conforme se refere no Ac. do TRP de 25-03-2021 (59/21.7T8VCD.P1), “[p]or força da regra da substituição ao tribunal recorrido (artigo 665.º do Cód. Proc. Civil), quando a nulidade da sentença recorrida é apenas um dos vários fundamentos de impugnação dessa decisão, a arguição da nulidade é um ato inútil e não necessita sequer de ser apreciada pela Relação se a sentença puder ser confirmada ou revogada por outras razões”. Devendo o tribunal da Relação julgar o restante objeto da apelação (art. 665.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), abrangendo este julgamento todo o objeto da causa alegadamente afetado pela nulidade da decisão reclamada, o conhecimento desta é um ato inútil. Em face do exposto, não se tomará conhecimento da alegada nulidade da decisão recorrida, por constituir uma pronúncia inútil (art. 130.º do Cód. Proc. Civil). B.C. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto O tribunal a quo não proferiu nenhuma decisão relativa à matéria de facto, razão pela qual a impugnação desta suposta decisão é desprovida de objeto. O tribunal recorrido decidiu apenas com base nas meras alegações de facto da parte, não emitindo pronúncia sobre a sua prova, entendendo, com base nelas, ser manifestamente improcedente o requerido. Por todo o exposto, rejeita-se o recurso sobre a (inexistente) decisão da matéria de facto. B.D. Análise dos factos e aplicação da lei São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar: 1. Objeto e âmbito de aplicação da DEAC 2. Procedimento e pressupostos de obtenção de uma decisão de arresto 2.1. O ‘periculum in mora’ justificativo do arresto 2.2. O ‘periculum in mora’ alegado pela requerente 3. Responsabilidade pelas custas 1. Objeto e âmbito de aplicação da DEAC Pediu a requerente que o tribunal decrete o arresto de uma conta bancária pertencente ao requerido, domiciliada noutro Estado-Membro da União Europeia, ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial), aplicável em Portugal a partir de 18 de janeiro de 2017 (art. 54.º deste diploma) – adiante apenas Regulamento. Embora não seja obrigatória a constituição de advogado (art. 41.º do Regulamento), a demandante deu entrada do seu pedido por meio de mandatária, por via eletrónica (Citius) – cfr. o art. 8.º, n.º 4, do Regulamento –, afirmando que o requerimento se destina a “Apensar a Processo Existente”, indicando, para o efeito, o processo n.º 7806/24.3T8LSB. Este processo está classificado como ação declarativa de “Despejo”, tendo corrido os seus termos no “Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 12”. Não obstante, por decisão do tribunal designado pela requerente de 12 de junho de 2025, foi o procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto de contas (DEAC) remetido para apensação ao processo executivo n.º 30376/24.8T8LSB (“Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp Liminar”), pendente no “Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 1”. Este juízo não questionou a sua competência. No entanto, não é este o processo executivo no âmbito do qual se efetuará a penhora do saldo da conta bancária. A decisão europeia de arresto não é uma medida incidental requerida e que se inscreva no âmbito de uma execução em curso, não sendo um procedimento de conservação da garantia patrimonial prévio à penhora, instrumental ao fim deste processo executivo já pendente. Tipicamente, na satisfação do princípio da territorialidade das medidas executivas, o credor está obrigado a instaurar uma ação executiva perante a justiça do Estado-Membro no qual deve ser executada a ordem de penhora, isto é, o Estado da localização do bem ou direito – designadamente, a penhora de um crédito bancário. Esta realidade não é alterada pelo Regulamento. A decisão europeia de arresto não acrescenta nada aos regimes jurídicos predispostos pelo direito nacional e pelo direito da União, no que ao processo executivo diz respeito – designadamente, quanto à competência internacional do tribunal ou ao reconhecimento do título formado noutro Estado-Membro. Pode o credor, previamente à execução – previamente, pois na pendência do processo executivo existirão outros meios de apreensão do crédito –, perante essa mesma justiça do Estado-Membro onde deve ser executada a ordem de penhora – do lugar da situação do bem –, requerer as medidas de conservação do crédito admitidas no respetivo direito interno. É esta realidade jurídica que é alterada pelo Regulamento, ampliando os meios de tutela do crédito, mais precisamente, de conservação da garantia patrimonial. A decisão europeia de arresto é uma ferramenta que acresce aos mecanismos domésticos (do Estado-Membro da jurisdição competente para a execução do crédito) de conservação da garantia patrimonial deste (art. 1.º, n.º 2, do Regulamento), permitindo o arresto de contas bancárias por ordem da justiça de outro Estado-Membro – tipicamente antes de instaurada aquela execução, pois, como referido, depois de instaurada a necessária execução perante o Estado-Membro competente, o processo executivo disporá de outros mecanismos de apreensão do crédito, mesmo sem contraditório prévio (no direito nacional, veja-se o disposto no art. 727.º do Cód. Proc. Civil). É este o fim da ferramenta jurídica prevista no Regulamento: a obtenção de “uma decisão europeia de arresto (…) que impeça que a subsequente execução do crédito do credor seja inviabilizada pela transferência ou pelo levantamento de fundos (…)” (n.º 1 do art. 1.º do Regulamento) – sublinhado nosso. Assim também se encontra enunciado tal objeto no considerando introdutório n.º 7: a obtenção de “uma medida cautelar (…) que impeça o levantamento ou a transferência de fundos (…) se existir o risco de, sem essa medida, a subsequente execução (…) ser frustrada ou consideravelmente dificultada”. Consequentemente, a competência para a decisão europeia de arresto não é orientada pela competência para a execução (na qual se efetuará a penhora do crédito) – que será, tipicamente, a do Estado-Membro em cujo território se situa o bem a arrestar –, mas sim pela competência para o conhecimento do crédito – formação do título executivo: arts. 5.º e 6.º do Regulamento e considerando introdutório n.º 13. Internamente, a competência é determinada pela lei doméstica (art. 46.º, n.º 1, do Regulamento), no respeito pela indicação feita por Portugal, em cumprimento do disposto no art. 50.º, n.º 1, al. a), do Regulamento. Entre outros – e de acordo com a divulgação feita pela Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 50.º do Regulamento –, Portugal indicou como tribunais materialmente competentes os juízos centrais cíveis e os juízos de execução – sobre a competência interna, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, «O Reg. 655/2014 sobre o procedimento de decisão europeia de arresto de contas: uma apresentação geral», ROA, ano 79, vol. I/II, jan./jun. 2019, p. 204. Não existe norma que estabeleça, em especial, uma competência por conexão processual, em ordem a impor que o procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto corra por apenso a outro processo. Podemos, no entanto, admitir que assim deve suceder na pendência do processo de declaração, por força do disposto no art. 346.º do Cód. Proc. Civil e 46.º, n.º 1, do Regulamento – aliás, só assim se compreende que Portugal tenha comunicado que os juízos centrais cíveis são competentes para o decretamento deste arresto. Já se o procedimento for instaurado após a prolação da decisão judicial que reconhece o crédito, não se vê que tal apensação deva ter lugar (estando extinta a instância declarativa), apenas havendo que instruir o pedido com certidão da decisão (art. 8.º, n.º 3, do Regulamento). Certo é que, quando o “Estado-Membro de origem” não é o “Estado-Membro de execução”, como ocorrerá normalmente, não se poderá admitir a apensação do procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto a um processo executivo – como ocorreu no caso dos autos –, pois nunca será ele dependente deste processo executivo, sendo, sim, dependente do (diferente) processo executivo a instaurar no “Estado-Membro de execução”, por força do princípio da territorialidade das medidas executivas que se impõe à necessária ulterior medida de penhora. A insólita apensação do procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto a uma execução pendente num tribunal português – o “Estado-Membro de origem” –, internacionalmente incompetente para a execução no âmbito na qual será ordenada a penhora do saldo da conta – sendo, sim, competente o Estado-Membro estrangeiro que também é o “Estado-Membro de execução” –, determinada nestes autos, não é, no entanto, caso único na nossa jurisprudência – cfr. o Ac. do TRP de 08-03-2021 (113/12.6TBESP-B.P1). Objetivamente, a decisão europeia de arresto dirige-se “aos créditos pecuniários em matéria civil e comercial em processos transfronteiriços” – cfr. n.º 1 do art. 2.º do Regulamento. Articulando esta norma com as que se encontram enunciadas nos arts. 3.º, 5.º e 6.º do Regulamento, concluímos que esta medida cautelar é (admissível e) requerida perante tribunal do Estado-Membro competente para o conhecimento do crédito – formação do título executivo –, quando as contas bancárias a arrestar são mantidas noutro Estado-Membro ou (ainda que as contas bancárias a arrestar sejam mantidas no Estado-Membro do foro declarativo) o credor tem o seu domicílio noutro Estado‑Membro – cfr. o considerando introdutório n.º 10. Neste caso especial, em que o Estado-Membro do foro declarativo é o mesmo onde se encontram domiciliadas as contas – o “Estado-Membro de origem” é, por assim dizer, o “Estado-Membro de execução” (sendo, aliás, também o Estado‑Membro do ulterior foro executivo) –, a decisão europeia de arresto é um meio cautelar totalmente redundante relativamente aos meios domésticos já existentes (mais do que concorrente), não envolvendo nenhuma cooperação judiciária transfronteiriça, não sendo estes cumuláveis (art. 16.º do Regulamento). Repisa-se, depois de decretado o arresto no “Estado-Membro de origem”, e executada a medida no “Estado‑Membro de execução”, será, por regra, instaurada a execução neste último Estado. No âmbito desta execução perante Estado‑Membro estrangeiro, será proferida a ordem de penhora do crédito (ou de conversão do arresto) que determinará o fim da vigência da medida cautelar (al. c) do art. 20.º do Regulamento). Fazemos esta introdução para que a equivocada circunstância de o procedimento vertente se encontrar apensado a uma ação executiva não comprometa a compreensão do seu âmbito e objeto. 2. Procedimento e pressupostos de obtenção de uma decisão de arresto Quando o requerente já se encontra munido de uma decisão judicial que reconheça a existência do direito de crédito por si exercido, como é o caso dos autos, o tribunal do “Estado-Membro de origem” profere a decisão de arresto – “sem demora” (em regra, no prazo de 5 dias úteis) e sem audição prévia do requerido (arts. 11.º, 17.º, n.º 2, 18.º e 28.º do Regulamento) – quando aquele alegue (e prove) os factos que revelam que existe uma urgente necessidade do arresto do saldo da conta bancária, de modo a garantir que “a execução subsequente” não se frustre nem resulte consideravelmente dificultada (art. 7.º, n.º 1, do Regulamento). Trata-se do conhecido pressuposto da tutela cautelar do “periculum in mora”. Conforme é esclarecido no considerando n.º 15 do Regulamento, se as informações prestadas pelo credor – a factualidade alegada – não sustentarem a medida cautelar, o tribunal não deverá proferir a decisão de arresto (art. 17.º, n.º 1, do Regulamento). O mesmo é dizer que, se os factos alegados pelo requerente – nos termos previstos na al. j) do n.º 2 do art. 8.º do Regulamento, e conforme destacado no considerando introdutório n.º 14 – não revelarem a existência de “necessidade urgente de proteção judicial”, deverá ser o pedido liminarmente indeferido. No caso dos autos, liminarmente (isto é, sem produção de prova nem citação do requerido), o tribunal a quo indeferiu o requerimento inicial, por julgar não verificado um dos requisitos da decisão de arresto. Mais precisamente, o tribunal a quo entendeu não estar demonstrado o periculum in mora. Vejamos se com acerto. 2.1. O ‘periculum in mora’ justificativo do arresto São duas as “condições de concessão de uma decisão de arresto”, conforme previsto no art. 7.º do Regulamento: a) o periculum in mora – a “necessidade urgente de uma medida cautelar (…), porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada” (n.º 1 do art. 7.º do Regulamento); b) o fumus boni iuris – “é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor” (n.º 2 art. 7.º do Regulamento). O segundo requisito apenas existe quando “não tenha ainda obtido num Estado-Membro uma decisão judicial”, pelo que não interessa para o caso dos autos. O tribunal a quo enunciou um terceiro requisito – a “urgência” –, mas não se vê que este seja diferente do periculum in mora – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, «O Reg. 655/2014», cit., pp. 210 e 211, bem como o Ac. do TRP de 14-09-2023 (69/23.0T8PRT-A.P1); cfr., ainda, Micaela Monteiro Lopes, «Breve análise ao procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias», ROA, ano 78, vol. III/IV, jul./dez. 2018, p. 810, e e Joana Covelo de Abreu «O Regulamento n.º 655/2014 que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas: direitos à ação e de defesa em tensão reflexiva no contexto de uma integração judiciária em matéria civil – uma precoce antevisão», in Alessandra Silveira (coord.), UNIO E-book Volume I – Workshops CEDU 2016, Braga, Centro de Estudos em Direito da União Europeia, 2017, pp. 267 e 268. O considerando introdutório n.º 14 do Regulamento oferece-nos exemplos de “circunstâncias relevantes que fundamentam a concessão da decisão de arresto, nos termos do artigo 7.º, n.º 1”, a serem alegadas pelo requerente, nos termos previstos na al. j) do n.º 2 do art. 8.º do Regulamento – e com recurso ao formulário regulado pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/1823 da Comissão, de 10 de outubro de 2016 (que estabelece os formulários a que se refere o Regulamento (UE) n.° 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial). À luz deste considerando, podem ser indiciadores do periculum in mora: a) o comportamento do devedor em relação ao crédito do credor ou num anterior litígio entre as partes; b) o historial de crédito do devedor; c) a natureza dos bens do devedor; d) qualquer ato recentemente praticado pelo devedor a respeito dos seus bens, designadamente, os levantamentos efetuados das contas; e) os gastos em que o devedor incorre, ainda que para exercer a sua atividade profissional habitual ou para despesas familiares recorrentes; No entanto, “a simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão”. São estes apenas fatores que o tribunal poderá ter em conta na avaliação global da existência do risco. É essencial para a boa resolução do caso vertente ter presente que a requerente já obteve uma decisão judicial executória. Um credor que já se encontre munido de um título executivo tem ao seu dispor o mais poderoso meio processual destinado à satisfação coerciva do seu crédito: a ação executiva. Não tem, por regra, nenhuma necessidade de recorrer a um procedimento prévio conservatório da garantia patrimonial, pois o processo executivo já dispõe de uma ferramenta com este escopo: a penhora – podendo mesmo, admite-se, ter esta lugar à revelia do executado (no direito nacional, veja-se o disposto no art. 727.º do Cód. Proc. Civil). É relativamente irrelevante, na justificação da necessidade do recurso a um procedimento cautelar, a circunstância de a ação executiva apropriada dever ser instaurada noutro Estado-Membro. O mesmo é dizer que o facto de o devedor não ter bens num Estado-Membro não justifica, por si só, o recurso ao procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto; impõe, sim, que o credor instaure a necessária execução perante o Estado-Membro da situação dos bens a executar. Concretizando, a domiciliação do crédito a arrestar noutro Estado‑Membro – e a inexistência de bens penhoráveis em Portugal – é, em si mesma, relativamente irrelevante. Perante esta realidade, o credor que já esteja munido de uma decisão judicial reconhecendo o seu crédito deve instaurar uma ação executiva no Estado‑Membro da situação do bem a penhorar, e não requerer uma decisão de arresto. O credor (que já viu o seu crédito reconhecido por sentença) apenas está legitimado a lançar mão do procedimento para obtenção de uma decisão europeia de arresto de contas, se a instauração (diligente) da execução perante a justiça do Estado‑Membro da domiciliação da conta não proporcionar a pretendida conservação da garantia patrimonial. Ou seja, apenas quando o procedimento de arresto permite uma apreensão mais rápida ou mais eficaz do saldo da conta bancária – tendo em consideração a natureza ex parte do processo para a concessão da decisão de arresto – do que a apreensão proporcionada pelo processo executivo, é o mesmo admissível. Se, diferentemente, no processo executivo, a apreensão do saldo da conta bancária também for determinada sem citação prévia e ocorrer com brevidade, o arresto prévio tende a perder a sua justificação – afigurando-se que não basta que seja o meio processual meramente mais cómodo para o credor. Dito de outro modo, existindo já uma decisão judicial executória, não basta dizer que exista o perigo (hipotético) de levantamento ou transferência dos fundos; é necessário que se alegue (e prove) que esse risco só pode ser evitado com a prévia decisão de arresto – não sendo apta à conservação do património, face à sua maior demora, a penhora ordenada na execução imediatamente instaurada perante a jurisdição competente. Só assim se poderá afirmar a existência de um periculum in mora, isto é, de um risco de a execução subsequente ser impedida ou ser substancialmente dificultada. Admitimos, no entanto, que os naturais constrangimentos do recurso a uma justiça estrangeira, com leis de processo desconhecidas, obrigando à fluência em idiomas (e terminologia técnica nacional) menos comuns (familiares), podem ser considerados no juízo sobre a justificação do recurso ao DEAC, em ordem a permitir ao credor (sobretudo se for um consumidor) apenas se aventurar numa lide além-fronteiras depois de estar seguro da existência de bens penhoráveis. Vejamos, pois, se, no caso dos autos, o pedido de decisão europeia de arresto de contas se encontra devidamente fundamentado. 2.2. O ‘periculum in mora’ alegado pela requerente No caso dos autos, a requerente alegou que: a) “O devedor tem conta na REVOLUT. Esta negou-se a prestar Informações, a pretexto de as operações serem sob as leis a Lituânia”; b) “Confrontado com as contas REVOLUT passarem a ser identificadas em Portugal, o devedor comentou “OMG”, que significa “Oh My God”, podendo haver o risco de a esvaziar”; c) “O devedor esvaziou todas as contas em Portugal e frustrando as penhoras”. A circunstância referida na al. a) é irrelevante. Não indicia ela que “existe um risco real de que”, sem o arresto da conta identificada, “a execução subsequente do crédito (…) seja frustrada ou consideravelmente dificultada”. Acompanhamos o entendimento do tribunal a quo no sentido de que o desabafo referido na al. b) não preenche o requisito do periculum in mora. Aliás, a requerente não afirma aqui a existência do risco de dissipação, mas apenas a possibilidade de esse risco existir. A relação entre a obrigação de identificação das contas estrangeiras REVOLUT (na declaração modelo 3 de IRS?) e o “risco de a esvaziar” é puramente especulativa. As circunstâncias descritas na al. c) são, no entanto, claramente indiciadoras da existência do risco de frustração da ulterior execução da conta bancária do requerido (perante a jurisdição nacional competente). Não entendemos, aliás, como pertinente a afirmação do tribunal a quo de acordo com a qual “a mera impossibilidade de cobrança não serve de fundamento para o pedido de arresto”. É que não estamos perante uma mera alegação de “impossibilidade de cobrança”; a alegação é a de que a impossibilidade de cobrança resulta de uma conduta do devedor aparentemente destinada a frustrar as penhoras. Não se trata, pois, de optar entre uma corrente jurisprudencial mais exigente na afirmação do periculum in mora – cfr. os Acs. do TRG de 10-09-2020 (1525/20.7T8VCT.G1) e de 29-06-2023 (2854/17.2T8GMR-A.G2) – e uma corrente que atribui relevância bastante ao “propósito de não cumprir” ou à transferência de ativos para o estrangeiro – cfr. os Acs. do TRL de 28-11-2017 (22649/17.2T8LSB.L1-7) e do TRG de 16-02-2023 (2854/17.2T8GMR-A.G1). Nesta fase do processo, trata-se apenas de constatar que a afirmação de que o devedor procedeu à transferência de saldos aparentemente com o propósito de frustrar a penhora preenche o requisito do periculum in mora – e quem procede à transferência de saldos com este propósito, também procede ao seu levantamento. Se o tribunal considerar esta afirmação pouco circunstanciada, pode convidar o requerente a densificá-la (e, a seu tempo, prová-la); o que não pode, sem mais, é indeferir liminarmente o requerimento inicial. A não ser que o pedido seja claramente inadmissível ou infundado, o tribunal deve dar ao requerente a oportunidade de completar ou retificar o pedido num prazo a fixar (art. 17.º, n.º 3, do Regulamento). O mesmo é dizer que a decisão impugnada não pode ser mantida, devendo ser substituída por outra que determine a produção de prova sobre a factualidade acima referida – em especial, sobre o propósito do devedor com a sua atuação quando “esvaziou todas as contas em Portugal” –, sem prejuízo de, previamente, poder ser a requerente convidada a explicar por que razão a imediata instauração da (necessária) ação executiva na Lituânia (com a penhora da conta bancária identificada) não evita a transferência ou o levantamento dos fundos depositados, necessitando de recorrer ao prévio arresto – ou explicar por que razão a preparação e instauração da ação executiva é, justificadamente, subjetiva ou objetivamente, mais demorada (custosa) do que a instauração da DEAC. 3. Responsabilidade pelas custas A responsabilidade pelas custas cabe à apelante (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), por ter tirado proveito do recurso (não se podendo ter o apelado por parte vencida). C. Dispositivo C.A. Do mérito do recurso Em face do exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar o despacho recorrido e determina-se o prosseguimento do processo perante tribunal a quo, sendo determinada a produção de prova, sem prejuízo de, previamente, se o tribunal a quo o julgar útil para o seu esclarecimento, ser permitido à requerente aperfeiçoar o requerimento inicial. C.B. Das custas Custas a cargo da apelante, nos termos previstos no art. 42.º do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014. * Notifique. Lisboa, 09-09-2025, Paulo Ramos de Faria Carlos Oliveira Ana Rodrigues da Silva |