Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1328/16.3T8CSC.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: INSTRUÇÃO
TEMAS DE PROVA
NULIDADE
MATÉRIA DE FACTO
PROVIDÊNCIA INJUSTIFICADA
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Embora do artigo 410º, CPC, resulte que a instrução tem por objeto os temas de prova enunciados, em rigor, o objeto da instrução consiste nos factos controvertidos com relevo para a apreciação do mérito da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis para a questão de direito.
II – Tais factos podem reconduzir-se diretamente aos temas de prova enunciados, caso em que a decisão da matéria de facto os terá como referencial direto, mas também podem ser agrupados em temas de prova mais vastos, hipótese esta em que serão os factos controvertidos que deverão constar do acervo factual considerado apurado e não apurado.
III – Resultando da conjugação dos factos provados e não provados e da sua motivação que o tribunal tomou expressa posição quanto ao não apuramento de determinado facto controvertido, a falta da sua menção nos factos não se reconduz ao vício da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alínea d), CPC, mas a vício de insuficiência da matéria de facto, suprível por via do disposto no artigo 662º, CPC.
IV – A responsabilização de requerente de providência cautelar decretada, mas que foi ulteriormente “considerada injustificada” ou que veio a caducar, nos termos do artigo 374º, nº 1, CPC, depende da alegação e prova pelo lesado da prática pelo lesante de facto ilícito, culposo e gerador de danos, em termos subsumíveis à responsabilidade aquiliana – cfr. artigos 483º e 487º, CPC.
V - No artigo 126º do Código de Processo de Tribunais Administrativos está previsto um regime similar (“utilização abusiva da providência cautelar”), mas distinguindo-se do regime civil por dispensar o seu decretamento.
VI - A improcedência de providência cautelar instaurada pela ré no Tribunal Administrativo não implica, por si só, a sua responsabilização nos termos desse regime, sob pena de grave limitação no acesso ao direito e aos tribunais, impondo-se, para o efeito, a afirmação de um juízo de culpa agravada na sua atuação processual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
As autoras Cruzada Lógica, Ldª, e A, instauraram a presente ação declarativa comum, em 03-05-2016, contra a ré B., todas identificadas nos autos, pedindo a condenação da ré, a pagar:
- À 1.ª A., as quantias de € 9.150,00 “relativos a rendas pagas e não usufruídas”, € 30.140,75 “referentes ao aumento de encargos referentes a salários”, € 127.479,88 “referentes a lucros cessantes”, € 11.939,88, “referentes a encargos financeiros”, e € 8.542,71, “referente à privação de uso”;
-À 2.ª A., a quantia de € 25.000,00 “referente a danos não patrimoniais”, tudo acrescido de juros desde a data da citação até decisão.
Fundamentando tal pedido, invocaram as autoras, no essencial:
i)a sociedade Cinabaris, S.A. – cujos direitos foram adquiridos pela 1.ª A. por efeito da sua incorporação, por fusão, nesta última – formulou, em 25/07/2008, junto do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, um pedido de transferência de farmácia, ao abrigo dos artigos 38.º e seguintes da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, tendo em vista transferir as instalações da «C», sita na Praça da (…) Lisboa, para a Avenida (…), loja (…) freguesia de Linda-a-Velha, no Centro Comercial (…), pedido que veio a ser deferido por despacho de 17/03/2009, retificado em 25/05/2009;
ii) a R., sabendo que estavam verificados todos os requisitos de que dependia a transferência das instalações da farmácia para o novo local, designadamente o que respeita à distância mínima de 350m entre o novo local da farmácia e a farmácia por ela explorada (B), intentou, em 25/03/2010, um procedimento cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, invocando a inobservância de tal requisito, o que fez com o único objetivo de atrasar e/ou inviabilizar a instalação da nova farmácia e, assim, eliminar a concorrência que esta representava para si e para as outras farmácias existentes nas redondezas;
iv) apesar de a pretensão cautelar da R. ter sido indeferida, por decisão de 02/08/2010, certo é que a A. ficou impedida, por mero efeito de instauração do referido procedimento cautelar, de iniciar a sua atividade nas novas instalações entre maio e outubro de 2010;
v) em virtude disso, as AA. sofreram os prejuízos alegados, que a R. deve indemnizar, como determinado pelo artigo 374.º do Código de Processo Civil (CPC), nos termos peticionados.
A ré contestou, apresentando defesa por exceção (arguindo a ilegitimidade das Autoras e a prescrição do direito indemnizatório invocado) e por impugnação.
Alegou que se limitou a exercer os direitos que a lei lhe reconhece e que, de todo o modo, o invocado atraso na abertura da nova farmácia não pode ser imputado à instauração do procedimento cautelar em causa, sendo certo que o Infarmed, IP, já havia dado autorização para a transferência da farmácia, nos termos requeridos pela 1.ª A., e a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato impugnado não foi decretada, ainda que por razões processuais.
Foi proferido despacho saneador, afirmando a regularidade da instância, julgando improcedentes as exceções dilatória e perentória deduzidas pela ré, identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova, sem qualquer reclamação (despacho de 06-03-2017 – referência 105529645).
Foi realizada audiência de julgamento, ao longo de várias sessões (05-06-2024, 07-06-2024, 04-07-2024, 15-07-2024), com produção de prova e alegações orais.
Finda a audiência, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Não se conformando com a decisão proferida, a autora da mesma interpôs recurso, que concluiu com as seguintes conclusões que se transcrevem:
Da nulidade:
A. O despacho que definiu os temas da prova tem de ter um mínimo de correspondência com a factualidade provada até para as partes saberem quais são as questões que devem demonstrar, bem como o ónus probatório que recai sobre elas.
B. Desde logo não existe uma referência entre o tema da prova 1 e os factos dados como não provados ou provados.
C. Assim entendemos que não tendo o Tribunal a quo tomado posição sobre o tema da prova definido, a Sentença padece de nulidade por violação da alínea d) do n.º 1 do art.º 615 do C.P.C.
“1 - Do conhecimento pela Ré de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B, Lda e de que os seus pedidos eram infundados.
2 – da intenção da Ré em debilitar financeiramente a 1ª Autora com o atraso na abertura das instalações para lhe trazer prejuízos.
3 – da impossibilidade da Ré em abrir a Farmacia entre Maio de 2010 e 18 de Outubro de 2010 por causa da pendência do procedimento cautelar e impossibilidade de emissão de alvará (...)”
Do objeto do Recurso
D. Considerou o Tribunal quanto ao tema da prova identificado em 3 que a Recorrente não ficou inviabilizada de abrir entre maio de 2010 a outubro de 2010, mas sim como ficou demonstrada em 35 e 15 que não pode abrir ao publico entre junho e setembro de 2010, abrindo em 08.10.2010.
E. Ora, apesar da Recorrente não concordar com esta redução no período de transferência a realidade é que mediante a prova que foi produzida em julgamento, a referida redução não nos merece censura.
F. Acontece, porém, que quanto ao tema da prova 1, entendemos que o Tribunal a quo violou o artigo 410º do CPC e não se tendo pronunciado sobre o mesmo, a nulidade prevista no art.º 615 do CPC, por outro lado uma vez que para a demonstração de que a providência cautelar de suspensão do ato administrativo era ilícita e assim causadora de responsabilidade civil, a Recorrente apenas teria de demonstrar o conhecimento pela Recorrida de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B e de que os seus pedidos eram infundados.
G. Ora, por mera confrontação com os factos não provados 1, 2 e 3, o Tribunal a quo foi mais exigente e em nosso entendimento, para além de violador do artigo 410.º que não pode estar esvaziado de sentido, porque impôs outros requisitos, designadamente o conhecimento da intempestividade da providência e o conhecimento da ausência de pressupostos para o deferimento da providência cautelar.
H. Assim, entendemos que esta alteração ou tema da prova merece censura porque violou o 410 CPC, sendo que o referido artigo apesar de poder ser entendido como uma orientação genérica dos temas a provar, a realidade é que quando o tema da prova tão específico e concreto como o numero 1 aparenta ser um desvio de um tema de prova tão concretizado condicionou claramente a prova que a recorrente procurou fazer, focando-se nesse aspeto concreto e não noutros que agora viu o Tribunal a quo dar como não provados.
I. Desta forma conclui a recorrente que o tema da prova não deveria ter sido alterado e acrescentado critérios que não constavam do mesmo.
J. Parece-nos que desde demonstrada que a Recorrida sabia que a distância era superior a 350 metros, o seu pedido era infundado e logo suficiente para que a ação fosse considerada ilícita e causadora de dano, com quantum a definir nos demais pontos a provar.
Da matéria não provada
K. Em concreto, considerou o Tribunal como não provado o seguinte:
“ 1. A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15. dos factos provados cerca de 9 meses depois da decisão referida em 8. dos factos provados, bem sabia que o fazia intempestivamente.
2. A R. bem sabia também que o pedido formulado nesse procedimento cautelar era, quanto ao seu mérito, infundado, pretendendo apenas, com a instauração do mesmo, debilitar financeiramente a 1.ª A. e inviabilizar a abertura de uma nova farmácia concorrente.
3. À data da propositura do referido procedimento cautelar, bem sabia a R. que o mesmo não reunia os pressupostos de cuja verificação dependeria o seu deferimento, pretendendo apenas obter, através da mera instauração do procedimento cautelar, e sem contraditório, a suspensão da autorização pelo Infarmed e, assim, causar prejuízos às AA.
4. Durante os meses de paralisação, e tendo em conta a margem de comercialização de 25%, a 1.ª A. deixou de faturar uma média mensal de €101.983,91, pelo que totalizou uma perda de facturação de €509.919,58.
5. A A. perdeu lucros, durante esse período, de €127.487,88.”
Ponto 1 (não provado)
L. Entendemos que merece censura o Tribunal a quo, uma vez que quanto ao ponto 1 (não provado), era evidente que 9 meses depois da divulgação referida em 8. (facto provado), ou seja, a divulgação da decisão de aptidão do local em 16.06.2009 do despacho de 17.03.2009 e retificado em 25.05.2009, sabia a Recorrida que já se encontrava ultrapassado o prazo de impugnar a referida decisão, o qual é de 3 meses, conforme artigo 58º e seguintes do CPTA.
M. Esta conclusão tem o seu fundamento desde logo num dever de conhecer a legislação em contacto que a representante legal da Recorrida que ocupada um cargo de delegada da Associação de Nacional de Farmácias do Círculo de ... de conhecer a mesma.
Declarações de parte – Legal Representante da Ré E (audiência de julgamento de 04.04.2024 – início 16:14 e fim 17:26)
N. Refere no seu próprio depoimento que conjugado com o depoimento da testemunha G, que ambos estavam atentos a estas questões até por força de conversas que a mesma teria tido este. (depoimento da testemunha AA, prestado na audiência de julgamento do dia 04.07.2024, com início pelas 15h01 e fim pelas 15h47) (00:40:09 a 00:41:08) (00:41:26 a 00:42:30) (00:44:50 a 00:45:30)
Declarações de parte – Legal Representante da Ré E (audiência de julgamento de 04.04.2024 – início 16:14 e fim 17:26) (00:48:03 a 00:49:26)
O. Verifica-se até pela transcrição do seu depoimento e das declarações de parte supra que a Recorrida e a testemunha conheciam e que estavam atentos a estes pedidos de transferências e seus formalismos;
P. Ora, outro dos elementos probatórios que permitem concluir o esclarecimento dos meios de reação, bem como das medidas a adotar foi o facto da mesma logo em 04.08.2009 ter pedido esclarecimentos junto do Infarmed referentes à publicação da transferência, Cfr. ponto 9 (Facto provado).
Q. Sendo que logo em 04.08.2009 o que consta da matéria dada como provada nos pontos 8 e 9, o requerimento apresentado pela recorrida dado como provado, a recorrida solicita junto do infarmed a forma como este procedeu a contagem da distância mínima de 350 metros, identificando desde logo a exigência do artigo 2, n.º 1, alínea b da portaria aplicável ex vi 23º n.º 1 alínea d) ambos da portaria 1430/2007;
R. Ora, pela própria linguagem utilizada e estrutura do requerimento somos a concluir sem grande margem para dúvida as seguintes opções alternativas: 1) o requerimento foi feito por advogado ou 2) a recorrida dispõe de conhecimento vasto e domina uma linguagem jurídico que lhe permita construir e integrar perfeitamente a questão legislativa em causa.
S. Desta forma, conhecendo sem margem para dúvida, a implicação legislativa de uma portaria seguramente, sabia a Recorrida os meios impugnatórios de sindicância dos atos administrativos.
T. Motivo pelo qual não aguardou pelo final do prazo previsto no 58 do CPTA para suscitar junto da entidade administrativa esses esclarecimentos.
U. Os factos não provados 1 e 2 deveriam ter sido dados comos provados, uma vez que em 10.03.2010, a recorrida já assessorada por mandatário vem suscitar a ilegalidade fáctica de que a distância mínima de 350 metros entre farmácias contados em linha reta dos limites exteriores das farmácias, revelando estar acompanhada juridicamente e conhecer os critérios em causa (tudo isto já na posse de uma mapa que não lhe conferia razão para o seu pedido).
V. Ora, desde logo por aqui podemos retirar que em 10.03.2010 estava assessorada por advogado, que conhecia a legislação em contacto, o que resulta da sua exposição, pelo que necessariamente saberia que o ato administrativo ultrapassado o prazo de impugnação que o artigo 58º do CTPA, já se teria consolidado no ordenamento jurídico.
W. Merece-nos assim, censura a conclusão de que a recorrida até porque acompanhada desde logo por mandatário, não sabia que a providência cautelar onde se pede a suspensão da eficácia de um ato já estaria destinada ao insucesso uma vez que o direito a impugnar já teria precludido.
X. As Recorrentes, consideram que o Tribunal a quo julgou incorretamente o ponto 1 dos factos dados como não provados, o que fazem por incompatibilidade com os factos dados como provados em 9., 11 e 15.;
Y. Da conjugação do depoimento da testemunha F (vide depoimento no minuto 00:23:20 a 00:23:42), das declarações de parte da legal representante da Recorrida (vide declarações no minuto 00:40:01 a 00:45:45 e 01:02:17 a 01:02:50), dos doc. 2,6,8,23 e 24 juntos com a petição inicial, bem como dos factos dados como provados nos pontos 8 a 14 da sentença, resulta sem margem para dúvidas que:
Z. Recorrida sabia do despacho de aptidão do local e respetiva autorização para a transferência da farmácia;
AA. A Recorrida conhecia a Portaria n.º 1430/2007, bem com foi devidamente esclarecida pelo Infarmed quanto aos critérios de medição de distância entre as farmácias;
BB. a Recorrida estava devidamente esclarecida dos meios impugnatórios e prazos ao seu dispor (uma vez que estava igualmente representada por mandatário e exercia funções de delegada da Associação Nacional de Farmácias do Círculo de ...);
CC. Ao invés de impugnar o ato, optou por intentar uma providência cautelar 9 meses depois de conhecer a decisão administrativa, bem sabendo que a mesma era intempestiva.
DD. Assim, deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado os factos dados como não provados no ponto 1, passando a ter a seguinte redação:
A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15. dos factos provados cerca de 9 meses depois da decisão referida em 8. dos factos provados, bem sabia que o fazia intempestivamente.
Ponto 2 (Facto não provado)
EE. Quanto ao ponto 2 dos factos não provados, como anteriormente já foi referido, a questão da alteração do tema da prova, levou a que o Tribunal forçasse que a Recorrida “soubesse e bem” que o pedido formulado, era quanto ao seu mérito infundado, pretendendo apenas debilitar financeiramente e inviabilizar a abertura da nova farmácia concorrente.
FF. Entendemos que esta exigência do Tribunal a quo, equivaleria exigir para efeitos da responsabilidade civil por danos causados pela ilicitude da atuação da recorrida necessariamente e exclusivamente na sequência de um dolo direto;
GG. Ora, não somente tal exigência não existe no artigo 126 no cpta, uma vez que estabelece que o requerente responde por danos que com dolo ou negligencia grosseira tenha causado ao requerido e aos contrainteressados.
HH. Consideramos que aqui errou o Tribunal a quo na interpretação legal ao equiparar a negligencia grosseira que o artigo 126 do cpta, aos pressupostos da litigância de má-fé previstos no n.º 2 do artigo 542º;
II. Entendemos que aqui não fundamentou bem, uma vez que como aliás a jurisprudência tem vindo a adotar que nestes casos poderá ser aplicável a responsabilidade civil, tal como está definida no artigo 483º e seguintes, do Código Civil.
JJ. Ora, não é necessário que exista um dolo direto ou os requisitos extraordinários que uma litigância de má-fé ocorra para que exista um dever de indemnizar, nem essa foi a opção do legislador no processo civil quanto as providências cautelares civis, sem fundamentos, nem foi a opção legislativa no artigo 126º do CPTA.
KK. Pelo que entendemos que o enquadramento legal da atuação da recorrida ao artigo 542º do CPC, (como faz na sua motivação de direito) encontra-se mal aplicada;
LL. Ora, faz depender como decorre claramente da sua motivação de direito, que apenas seria condenável ou sequer censurável a atuação da Recorrida se essa tivesse ultrapassado os limites da litigância de má-fé e que não seria a ela exigível (por não trabalhar no foro administrativo) o conhecimento de que os prazos impugnatórios já estariam ultrapassados.
MM. Ora, esta conclusão parece-nos de todo desadequada, uma vez que a Recorrida estava acompanhada por mandatário que não só conhecia os meios comuns de impugnação, como conhecia os meios cautelares de suspensão do ato administrativo e dos seus efeitos, designadamente o de suspensão imediata do artigo 128 do apta, suspensão essa que repetidamente a exigiu tanto em sede de providência cautelar, quando posteriormente em sede de recurso e de requerimento convolado em incidente, sendo esta matéria infirmada no RI da providência cautelar, vide, doc. 25;
NN. Somos a concluir principalmente conjugada a prova documental, designadamente o doc. 25, (providência cautelar), bem como os pontos dados como provados em 9, 11, bem como os meios que em 12 e 13 a mesma obteve para sustentar a sua pretensão de revogar o ato, que esta bem sabia a ausência de fundamento e que a providência cautelar não era o meio adequado.
OO. Alega o Tribunal na sua fundamentação de direito que se trata de matéria técnico jurídica de quem advoga na matéria de direito administrativo.
PP. Necessariamente não pretenderia o Tribunal a quo defender que um advogado que se propôs instaurar uma providência cautelar junto do TAF de Sintra não estaria apto ou preparado para tal.
QQ. Olvida assim, o Tribunal que mesmo que a Recorrida estivesse na ignorância, seguramente o seu advogado a alertaria para tal impedimento.
Ponto 2 e 3 (factos não provados)
RR. Entendemos que essa autonomização dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados acaba por ser algo redundante, pelo que existem motivos coincidentes e fundamentos iguais para inverter a opção do Tribunal a quo, os quais aqui, iremos sob pena de uma repetição inútil utilizar em comum para ambos os pontos não provados.
SS. Assim entendemos que os Pontos 2 e 3 (Factos não Provados) devem ser considerados provados, conclusão que se retira dos diversos requerimentos juntos pela Recorrida em sede da entidade administrativa, designadamente os identificados nos factos provados em 9, 11 e 13, bem como o aspecto que consideramos da maior relevância probatória, que constitui o documento 2 do requerimento da providência cautelar conjugado com a alegação do RI nos seus artigo 24 e 25, Vide fls 22 do Doc. 25 da p.i. por referência ao ponto 15 (facto provado)
TT. O que sabemos é que logo no requerimento apresentado junto do infarmed dado como provado em 11, instruído com facto 12 e 13 a recorrida dispunha de dois mapas cartográficos referentes às distâncias das farmácias, um pedido por si sem cumprir os critérios legais, com uma distância inferior a 350 m e outro dentro dos critérios legais, cuja distância era superior a 350 m;
UU. Podemos assim por mera confrontação dos factos provados em 11 a 13, e da providência cautelar e do doc. 2, saber que a recorrida, tinha dois mapas, e que usou um sabendo que não cumpria o critério legal, e na providência usou outro, com 357m, alegando que a distância era inferior a 350m
VV. Apenas esta matéria é suficiente para demonstrar que este conhecimento, por si obtido, conjugada com a pretensão e alegação que consta da providência cautelar, onde resulta nenhuma dúvida sobre o critério legal, que se encontra preenchida a obrigação indemnizatória;
WW. Defendeu o Tribunal a quo na sua motivação de facto que a recorrida poderia ter dúvidas quanto a forma de interpretar a distância entre farmácias.
XX. Com o devido respeito, essa conclusão não tem qualquer fundamento legal, até porque a portaria 936 A/99 de 22 de outubro que era a portaria anterior não mencionava no seu artigo 2º n.º 1 alínea b) qualquer referência a forma em que distância da farmácia era medida; ”Apenas referindo “não se encontrar instalada nenhum farmácia a menos de 500 metros de distância em linha reta”
YY. Ao contrário, o que decorre dos documentos juntos e dados como provados e da própria providência cautelar junta como doc. 25 é que a recorrida dispunha de dois mapas e ela própria no seu requerimento escrito pelo seu próprio punho (junto da Câmara Municipal de ...) utiliza o critério definidor legal, ou seja, a distância entre farmácias contadas em linha reta dos limites exteriores das mesmas.
ZZ. Ora essa expressão “dos limites exteriores das farmácias” consta em todos os requerimentos juntos pela recorrida;
AAA. No entanto, por que motivo, sem ser o de conhecer o critério legal, indica a recorrida no requerimento ao serviço cartográfico da CM ... esse mesmo critério e perante a confrontação de que com o limite exterior das farmácias não lhe assistia razão por que motivo insistiu em pretender revogar a decisão junto do Infarmed?
BBB. A resposta a esta questão que poderia desde logo ser feita com recurso às regras de experiência comum, ou seja, a Recorrida sabia que não lhe assistia razão e utilizando o meio probatório que sabia que estava incorreto alega junto do Infarmed que a medição não cumpre os critérios legais.
CCC. Ora neste caso em concreto, e por mera conjugação do requerimento junto em 10.03.2010 dado como provado no ponto 11 e o reconhecimento de que a distância era contada em linha reta dos limites exteriores das farmácias, a recorrida reconhece saber, que não é outra a forma de obter as distâncias entre farmácias, e junta ao Infarmed um mapa que sabe não corresponder à verdade.
DDD. Consideramos que pela mera conjugação das declarações da legal representante da recorrida que não ofereceu nenhuma justificação sobre ter requerido dois mapas, bem como o ter interposto a providência cautelar sabendo que a medida era superior, esta veio em sede de audiência alegar que isso se prendia com a localização da porta para o exterior da farmácia e que essa seria sim a sua dúvida.
EEE. No entanto, a análise critica do depoimento deveria ter infirmado essa conclusão uma vez que em nenhum dos requerimentos juntos ao Infarmed ou até do próprio requerimento da providência essa questão foi alguma vez suscitada.
FFF. Conjugados os elementos probatórios, motivo pelo qual a decisão de considerar essas factualidades ponto 2 e 3 como não provadas merece censura, devendo ser corrigida para a seguinte passando a serem considerados como provados;
GGG. Quanto a segunda parte dos factos dados como não provados 2 e 3, i.e pretender debilitar financeiramente e inviabilizar abertura de uma nova farmácia concorrente ou ainda que através da mera instauração a suspensão iria causar prejuízos às autoras, considera a recorrente que: não só sabia a recorrida do efeito suspensivo dado como provado em 15 e 35, mas também que a instauração do procedimento cautelar teria como efeito imediato (antes do contraditório e até decisão final) a suspensão da autorização da transferência da Farmácia;
HHH. Esta factualidade ficou patente e sobejamente demonstrada em todos os requerimentos feitos pela recorrida na providência cautelar junta aos autos como doc 25 e na matéria dada como provada em 15, 19, 20.
III. Ora, é evidente que a motivação da providência cautelar era paralisar a abertura e que com isso obviamente representou como provável causar prejuízos até porque decorre do depoimento do marido da representante legal que o mesmo acompanhava as obras de instalações da farmácia.
JJJ. Ou seja, é inquestionável que com a mera instauração do procedimento cautelar e citação deste ao Infarmed o ato ficaria automaticamente e por imperativo legal suspensa a sua eficácia, o que ocorreu, motivo pelo qual consideramos que devem ser dados como provados os referidos ponto 2 e 3;
KKK. Por outro lado, quanto a intenção subjacente à instauração do mesmo, parece-nos que é de considerar assente que a recorrida não representou como provável, mas sim como certa a suspensão da transferência, até porque foi por si requerida e que tal atuação causaria danos na recorrente.
LLL. Esta matéria mantendo-se como não provada, entra em contradição com a matéria assente no ponto 35 e 15;
MMM. Parece-nos que o Tribunal a quo, errou ao exigir uma exclusiva intenção associada à providência cautelar, motivada por um dolo direto, e que perante uma dúvidas, ou erros grosseiros, não tem de ressarcir a recorrente, em prejuízos que o Tribunal reconhece terem ocorrido;
NNN. Mais uma vez, consideramos que por força do art.º 483 do CC, sendo a conduta da Recorrida ilícita, por culpa ou negligência, terá de ressarcir dos danos que a sua ação tenha causado nesta;
OOO. Na realidade ficou demonstrado como resulta das declarações de parte da recorrida bem como da própria fundamentação do requerimento inicial que o que foi a motivou foi a existência de uma farmácia concorrente que lhe causasse graves prejuízos, cfr. doc. 25
PPP. A Responsabilidade civil, nos termos do art.º 483.º exige apenas que tenham agido sem a prudência normal, de molde a causar culposamente um dano.
QQQ. Ou seja, que tenha de existir uma conduta com dolo ou mera culpa de ocultação ou deturpação de factos com vista a convencer a existência de direitos, apesar de faltarem os requisitos legais de decretamento da medida provisória – neste sentido vide ponto 5 do sumário do Tribunal da Relação de Coimbra processo 639/13.4TBPBL.C1. visível in www.dgsi.pt;
RRR. Este Acórdão, considerou ainda que poderá tratar-se de um erro grosseiro na averiguação alegação e prova dos factos, o que ficou sobejamente demonstrado nos autos;
SSS. Desde logo porque a providência cautelar instaurada com um fundamento alegada no artigo 24.º e 25.º, que não corresponde à verdade, nem tão pouco o documento 2 (que supostamente iria provar) atesta exatamente o seu contrário, facilmente percebemos que ou foi dolosamente instaurado o procedimento com este único intuito ou foi o resultado de erros grosseiros sucessivamente praticados;
TTT. Esta última alternativa igualmente censurável e passível de responsabilização por danos resultantes da sua atuação por no limite negligente e de forma grosseira levará a condenação nos danos que esta atuação resulte.
UUU. Pelo que deveria ter considerado como provado: a Ré bem sabia ou não podia desconhecer que o pedido formulado nesse procedimento era infundado e que com essa atuação suspendeu a autorização de eficácia do Infarmed, podendo causar prejuízos à autora debilitando-a financeiramente.
Ponto 4 dos factos dados como não provados
VVV. A Recorrente juntou com a sua petição inicial o Doc.31 (vide requerimento submetido aos autos em 04.05.2016 com a referência n.º 22570378), que se trata de uma demonstração de resultados e balancete da Recorrente.
WWW. Se por um lado o Doc.31 não foi impugnado, por outro o mesmo foi utilizado pela Recorrente para fundamentar e demonstrar a faturação a menos (o que é diferente de nada faturar), em virtude da não abertura da farmácia nas novas instalações, neste sentido vide artigos 116º a 120º da petição inicial.
XXX. Tinha o Tribunal a quo o dever de se ter pronunciado sobre o motivo pelo qual desconsiderou o referido documento e fundamentou a sua decisão exclusivamente no relatório pericial, o que não fez.
YYY. Por outro lado, o exame crítico da prova pericial impunha que o Tribunal a quo, não se limitasse a ver a resposta negativa, mas sim porque motivo ambos os peritos responderam que não, um, porque entendeu que o quesito referia com a expressão “deixou de faturar” um sentido de ter faturado zero, e outro porque discordou do valor tal como foi apresentado, tendo referido outra fórmula de apurar o valor que poderia ter faturado;
ZZZ. Concluiu o relatório pericial que, a Recorrente não suportou uma perda de faturação no valor de € 509.919,58, tendo no entanto tal montante sido corrigido uma vez que ambos (os peritos da Recorrida e da Recorrente) propuseram uma nova forma de quantificação;
AAAA. A Recorrente nunca alegou que tinha deixado de laborar e nessa sequência de faturar, o que foi alegado e peticionado é que nas novas instalações iria facturar mais nas antigas, sendo que essa diferença de faturação levou a uma redução de rendimento, no período em que a abertura da farmácia não pode ser transferida para as novas instalações.
BBBB. Analisando o erro na avaliação da prova pericial, consideramos ser de corrigir a decisão, porquanto o perito da Recorrida manteve a resposta negativa porque a Recorrente não deixou de faturar, vide “não, porque neste mesmo período, não havendo ausência de laboração a A., conforme referido no quesito 1, não deixou de faturar”, ora o perito da Ré/Recorrida motivou e condicionou a sua resposta negativa, o que impunha ao Tribunal uma análise crítica em relação a esta matéria o que não fez.
CCCC. Acontece porém que, a Recorrente em momento algum alegou que haveria deixado de faturar de todo, nem tão pouco peticionou qualquer valor indemnizatório com base nesse pressuposto.
DDDD. O que foi pedido, foi um valor indemnizatório pela perda de rendimentos que teria faturado e não conseguiu faturar na farmácia cuja abertura foi suspensa por força da providência cautelar que Recorrida intentou, o que não significa que tivesse ocorrido uma paralisação total da laboração da Recorrente e nessa sequência de toda a faturação.
EEEE. Acontece porém que a perícia pronunciou-se sobre a forma como cálculo indemnizatório deveria ter sido feito, pelo que apurou valores, os quais o Tribunal deveria ter acolhido, e não o fez;
FFFF. Esta questão merece-nos igualmente censura, devendo a decisão ser alterada e os cálculos indemnizatórios serem atribuídos com base nos cálculos da perícia;
GGGG. Ora, na realidade a média mensal não era de € 101.983,91 mas sim de € 92.037,98 (como referiu o relatório pericial) sobre a qual deveria incidir a margem bruta das vendas.
HHHH. Nesse sentido, deveria o ponto 6 do relatório pericial e o ponto 4 dos factos dados como não provados, ter sido modificado ou reduzido no seu montante para “Durante os meses de paralisação ocorreu uma redução na média mensal de € 92.037,98”.
IIII. Com esta conclusão, importaria agora apurar a margem de comercialização para aferir os rendimentos que a Recorrente deixou de auferir por não ter faturado aquele montante.
JJJJ. Esta questão é da maior importância, uma vez que se a Recorrente deixou de faturar € 92.037,98, a Recorrente perdeu a margem bruta que este montante libertaria, o que é exatamente o que a Autora/Recorrente peticionou, e que o relatório ultrapassado o preciosismo da expressão, deixou de facturar vs perda de faturação;
KKKK. A perícia corrigiu e bem um erro da Autora/recorrente que dividiu por 13 quando deveria ter dividido por 12 a sua faturação anual, modificando a média que esta utilizou para o cálculo indemnizatório;
LLLL. O Tribunal, analisando o relatório pericial, deveria ter concluído que a média mensal da faturação nas novas instalações era de 92037,98€;
MMMM. Esta conclusão tem suporte documental, vide doc. 31 junto com a petição inicial, bem como todo o anexo D1 do relatório pericial;
NNNN. Deveria ter dado com provado, os seguintes factos, “ A) Durante os meses de paralisação da mudança para as novas instalações, poderia ter faturado uma média mensal de 92037,98€;”
OOOO. E ainda “B) A margem bruta em 2010 era de 25% e em 2011 de 26,29%, e nas novas instalações a faturação passou de 41000,00€ para 92037,98€, pelo que a perda mensal de faturação era de 51 037,98€, sobre o qual deverá ser aplicada a referida margem, para apurar os lucros cessantes;
PPPP. Considerando como provado que “C) ao resultado da margem bruta apurada à média anterior, a mesma deverá ser computada ao tempo da paralisação pela providência cautelar, dado como provado no ponto 35. (facto provado) por força do ponto 15. (instauração do procedimento cautelar).;
QQQQ. Tendo em conta o relatório pericial, dispunha o Tribunal a quo, de todos os elementos para apurar os lucros cessantes e danos na sequência da paralisação cujo tempo balizou no ponto 35.
RRRR. Assim deveria o Tribunal a quo, alicerçado na perícia, ter considerado na resposta ao ponto 4 (facto não provado) como provado com as modificações mencionadas no relatório pericial e agora nessa conformidade;
Ponto 5 (facto não provado)
SSSS. À pergunta se a Recorrente perdeu lucro, o relatório pericial, responde negativamente condicionado ao facto de considerar que o lucro, é o valor apurado para efeitos fiscais, vide fundamentação, doc. Pc1, a Pc 4, extratos das prestações de contas individuais;
TTTT. Merece-nos assim censura a conclusão como inverificado o ponto 5 (facto não provado) uma vez que uma vez que é evidente, que lucro cessante e o lucro tributável são conceitos diferentes, onde o lucro, que consta do quesito, nada mais não é do que o benefício perdido, ou seja a margem bruta apurada sobre o ponto anterior;
UUUU. Pelo que o facto 5 deveria ter sido dado como provado, mas reduzido o seu montante para 115047,48€ com a menção que seria a sua margem bruta, com base na conclusão da resposta ao quesito que o menciona no relatório pericial, afastada a confusão entre o lucro da declaração anual da Autora/recorrente e o benefício perdido, ou lucro cessante, ou margem bruta”
A ré apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal em 05-09-2025, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir são as seguintes:
A – Nulidade da sentença;
B - Impugnação da matéria de facto;
C – Responsabilidade civil extracontratual - Pressupostos da obrigação de indemnizar por recurso indevido a providência cautelar (cfr. artigo 374º, CPC).
III – FUNDAMENTAÇÃO
A – Nulidade da sentença
Defendem as recorrentes que inexiste correspondência entre o primeiro tema de prova enunciado e os factos considerados provados e não provados, o que consideram reconduzir-se ao vício de nulidade da sentença previsto na alínea d), do artigo 615º, nº 1, CPC. Fundamentando tal arguição, dizem as recorrentes que o tribunal não se pronunciou sobre o referido tema de prova, e ainda que “foi mais exigente”, impondo “outros requisitos, designadamente o conhecimento da intempestividade da providência e o conhecimento da ausência de pressupostos” para o seu deferimento (conclusões F e G). Se o tribunal recorrido assim não tivesse entendido, “o recorrente apenas teria de demonstrar o conhecimento pela recorrida de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B e de que os seus pedidos [NA PROVIDÊNCIA] eram infundados”.
No despacho que admitiu o recurso, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre o fundamento de nulidade nos seguintes termos:
A arguição de nulidade, fundada no facto de «o Tribunal a quo [não ter] tomado posição sobre o tema da prova definido», integra-se, ainda, no recurso da decisão da matéria de facto, que apenas pode ser sindicada pelo tribunal de recurso, ao abrigo, designadamente, do artigo 662º, n.º 2, alínea c), do CPC. O invocado vício não configura, pois, em rigor, causa de nulidade da sentença, nos termos do 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, suscetível de ser suprida pelo tribunal a quo, nos termos do n.º 1 do artigo 617º do CPC.
Pelo exposto, não se conhece da arguição de nulidade deduzida pela recorrente, no requerimento de interposição do recurso”.
Cumprindo apreciar e decidir a questão suscitada, verifica-se que o vício que as recorrentes apontam à sentença é o enunciado sob a alínea d) do artigo 615º, CPC, traduzido na falta de pronúncia do tribunal sobre “(…) questões que devesse apreciar”, ou o conhecimento de questões que lhe estavam vedadas.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, pág. 735), o fundamento de invalidade invocado, relacionado com os limites da sentença, reporta-se à omissão e ao excesso de pronúncia, concretizando-se na violação do comando contido no artigo 608º, CPC, que impõe o conhecimento pelo juiz de todas – e apenas - das questões suscitadas (para além das que lhe cumpra conhecer oficiosamente).
O vício da nulidade da sentença consiste num “erro de atividade”, correspondendo à infração de regras que disciplinam o exercício do poder jurisdicional, respeitando à forma como o juiz exerceu a sua atividade – Alberto dos Reis, (CPC anotado 1981, Vol. V, págs. 124 e 125).
Porém, não se reconduz ao vício da nulidade o erro de julgamento, consubstanciado numa errada interpretação e aplicação da lei, ou numa errada apreciação dos factos, suscetíveis de determinar a revogação da decisão – Antunes Varela (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 11-10-2022 (proferido no processo nº 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt), sumariado nos seguintes termos: “I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. II - A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas. III - O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.”
Revertendo ao caso, interessa ter presente que ao primeiro tema de prova foi atribuída a seguinte redação:
1- do conhecimento pela Ré de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B, Lda e de que os seus pedidos eram infundados”.
Alega a recorrente que o tribunal não se pronunciou sobre este tema de prova, violando o disposto no artigo 410º, CPC, que lhe impunha tal conhecimento. Acrescenta que “para a demonstração de que a providência cautelar era ilícita e assim causadora de responsabilidade civil, a recorrente apenas teria que demonstrar o conhecimento pela recorrida de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B (…) Ora por mera confrontação com os factos não provados 1, 2 e 3, o tribunal a quo foi mais exigente (…) porque impôs outros requisitos designadamente o conhecimento da intempestividade da providência e o conhecimento da ausência de pressupostos para o deferimento da providência cautelar” (conclusões F e G).
Como se extrai do artigo 596º, nº 1, CPC “Proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”. Já do artigo 410º, CPC resulta que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
A propósito desta matéria refere Paulo Pimenta, (Os Temas da Prova, pág. 25-28 https://cej.justica.gov.pt): “Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos. (…) Colocadas as coisas nestes termos, logo se intui que, no regime proposto, a produção de prova decorrerá de modo muito mais fluído e flexível, sendo bom para o processo tudo aquilo que contribua para o tribunal formar a sua convicção acerca da verificação (ou não) dos elementos integradores do tipo legal em causa. Ponto fundamental é que não haja obstáculos a que, na instrução, seja abordado tudo quanto tenha atinência com o que se discute nos autos”.
No mesmo sentido, consignou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-03-2024 (proferido no processo 3375/21.4T8LSB.L2-6 in www.dgsi.pt) : “A terminologia do art.º 410º do Código de Processo Civil, face ao que se estabelece no atual Código de Processo Civil, não deixa de estar isenta de críticas, pois não são os temas de prova que serão objeto da instrução, ou seja, da produção de prova, mas sim os factos controvertidos (não aceites) ou necessitados de prova (em sentido estrito, isto é, os factos aceites mas sujeitos a prova tabelada. E, sintetizando a posição aí defendida, refere-se no sumário: “IV. Com esta perspetiva criou-se um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, (…) seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas, pois são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova, que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.”
Julgamos que deve concluir-se que, em rigor, o objeto da instrução consiste nos factos controvertidos com relevo para a apreciação do mérito da causa, de harmonia com as várias soluções plausíveis para a questão de direito. Factos esses que poderão reconduzir-se direta e literalmente aos temas de prova enunciados, mas que também poderão ser agrupados em temas de prova mais vastos. Na primeira hipótese, a decisão da matéria de facto poderá ter como referencial direto o próprio tema de prova, mas se este tiver sido elaborado agrupando um conjunto de factos controvertidos, em rigor são tais factos que deverão constar da decisão da matéria de facto.
Veja-se o que referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, 2013, Vol. I, pág. 333: “O que se pretende com a atividade instrutória é a prova (…) dos factos relevantes. A atividade instrutória orienta-se pelos temas de prova; não os tem por objeto”.
No caso presente, a pretensão indemnizatória deduzida pelas autoras radica na imputação à ré de um comportamento que consideram ilícito que se concretizou numa perturbação da transferência da farmácia de que são titulares. Efetivamente, ao longo da petição inicial concretizam factualmente essa perturbação, alegando que a ré, em 04-08-2009, dirigiu ao Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed um pedido de esclarecimentos sobre o pedido de transferência das instalações da farmácia (artigo 19º). Nesse pedido, a ré solicitava esclarecimento sobre como se deveria proceder à contagem da distância entre o seu próprio estabelecimento de farmácia e o que as autoras pretendiam transferir (artigos 20º e ss). Que não obstante a ré ter sido informada pelo Infarmed que a distância era superior a 350 m, em 10-03-2010, insistiu junto daquele organismo pela “reposição da legalidade”, alegando não se encontrarem preenchidos os requisitos da Portaria nº 1430/2007, de 2 de Novembro (entre eles o da referida distância mínima relativamente à farmácia da ré - artigos 22º, 54º). Mais alegaram as autoras que em resposta a tal pedido, o Infarmed reiterou que se encontravam preenchidos todos os requisitos, nomeadamente no que diz respeito à distância mínima entre Farmácias (artigo 57º). Contudo a ré, movida pelo objetivo de impedir a abertura das novas instalações da autora, instaurou uma providência cautelar em 25-03-2010, visando suspender o ato administrativo do Infarmed, alegando que as novas instalações não estavam à distância mínima prevista na lei de 350 metros (artigos 63º, 64º, 66º). Em face de tal atuação processual, consideram as autoras que o Infarmed “ficou impedido de praticar o ato até à data da sentença final (…) o que, consequentemente, implicou que a A. ficasse impedida de abrir as suas instalações” (artigos 86º e 87º). Da alegação das autoras depreende-se ainda que consideram que a ré, ao instaurar a providência cautelar, sabia que a distância mínima legal seria observada dado que “ (…) veio juntar no seu procedimento cautelar uma planta que demonstrava que entre as instalações da A. e as da Ré, existe uma distância de 375,57 metros”, estando ciente da inexistência de fundamento legal para tal atuação processual (artigos 144º e 151º).
Na contestação, para o que ora importa, a ré veio alegar que o Infarmed, ao autorizar a transferência da farmácia, ponderou um espaço físico distinto daquele para o qual as autoras pretendiam transferir a farmácia, razão pela qual considerou que deveria ser reapreciada a sua aptidão, designadamente tendo em conta o requisito da distância mínima (artigo 26º da contestação). Mais alegou que instaurou a providência cautelar no convencimento que o Infarmed errara ao declarar preenchidos os requisitos legais para a transferência, e ainda que “A questão da distância entre as farmácias (…) é matéria controversa” (artigo 37º). Ora, esta posição da ré, associada à extensa impugnação dos factos alegados na petição inicial, evidencia que constituía questão controvertida a do conhecimento pela ré da distância mínima legal entre as – novas – instalações da farmácia das autoras e a sua própria farmácia.
Nesse sentido, justificou-se a enunciação do tema de prova em questão, no segmento “1- do conhecimento pela Ré de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais 350 metros da B, Lda (…)”, por se referir a matéria controvertida pertinente para a solução jurídica da lide. Acresce que, como resulta da sua própria redação, constituía facto concreto com relevo direto para a apreciação do mérito da causa, suscetível de merecer uma resposta na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado).
É certo que poderá afirmar-se que a inexistência de tal distância mínima se enquadra nos pressupostos para o decretamento da providência instaurada pela ré e, consequentemente, está contida nos factos não provados nºs 2 e 3, com a seguinte redação:
2. A R. bem sabia também que o pedido formulado nesse procedimento cautelar era, quanto ao seu mérito, infundado, pretendendo apenas, com a instauração do mesmo, debilitar financeiramente a 1.ª A. e inviabilizar a abertura de uma nova farmácia concorrente.
3. À data da propositura do referido procedimento cautelar, bem sabia a R. que o mesmo não reunia os pressupostos de cuja verificação dependeria o seu deferimento, pretendendo apenas obter, através da mera instauração do procedimento cautelar, e sem contraditório, a suspensão da autorização pelo Infarmed e, assim, causar prejuízos às AA.”
De todo o modo, o conhecimento pela ré da verificação da distância mínima legal constituía facto expressamente alegado e expressamente contraditado, diretamente transposto para o tema de prova nº 1, que deveria ter merecido resposta expressa do tribunal recorrido, no sentido do seu apuramento ou do seu não apuramento.
Todavia, lida a motivação da decisão, é manifesto que o tribunal recorrido tomou posição em tal matéria, posição essa que se revela congruente com o não apuramento dos factos não provados enunciados em 2 e 3.
Efetivamente, consignou-se na motivação da decisão recorrida:
“(…) não releva tanto a questão de saber se a distância exata entre o novo local da farmácia explorada pela 1.ª A. e a farmácia da R., para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, era de 375,57 metros, como invocado pela 1.ª A. no pedido de transferência da farmácia que dirigiu ao Infarmed, IP, em 25/08/2008, mas se este dado, no circunstancialismo de facto que precedeu a instauração do procedimento cautelar, era incontroverso ou insuscetível de dúvidas, e a R., apesar disso (…) sustentou em juízo o contrário apenas com o objetivo de atrasar ou, mesmo, inviabilizar a transferência da farmácia das AA. para o novo local e causar a estas prejuízos (…) avaliando as incidências do caso concreto, emergentes da globalidade da prova produzida, não se pode em consciência concluir que o referido dado de facto era claro e evidente para todos, incluindo para a R.”.
Tal posição do tribunal recorrido evidencia que a prova produzida não permitiu o apuramento de que a ré soubesse que entre a farmácia a transferir e a sua própria farmácia, existia a distância mínima legal. Efetivamente, além de resultar da própria motivação, mostra-se consonante com os demais factos não provados (designadamente os enunciados em 2 e 3, nos termos expostos).
O certo é que a não enunciação expressa de tal facto no elenco dos não provados, embora suscetível de justificar a complementação dos factos (não provados) por este Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC, não configura o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 615º, nº 1, d), CPC por ser manifesto que o tribunal recorrido tomou posição clara sobre o não apuramento do facto em questão, cumprindo complementar os factos nos termos expostos por forma a que ali seja expressamente enunciado. Complementação essa que permitirá suprir a falta de referência expressa ao referido facto.
Porém, da arguição da nulidade depreende-se ainda que as recorrentes consideram que o tribunal alterou o dito tema de prova, ampliando-o dado que “(…) por mera confrontação com os factos não provados 1,2 e 3, o tribunal a quo foi mais exigente (…) porque impôs outros requisitos designadamente o conhecimento da intempestividade da providência e o conhecimento da ausência de pressupostos para o deferimento da providência cautelar” (conclusão G). Neste segmento, as recorrentes arguem um excesso de pronúncia, com a adição de “critérios que não constavam do mesmo” [tema de prova 1] (conclusão I).
Porém, o tema de prova 1, com a redação já enunciada, não se referia apenas ao conhecimento pela ré da distância entre as farmácias, aludindo ainda ao conhecimento pela ré “de que os seus pedidos eram infundados”. Ora, esta falta de fundamento inerente à providência cautelar que está na origem do pedido indemnizatório deduzido nestes autos é suscetível de se reconduzir quer a uma vertente substancial, quer a uma vertente processual. E os factos não provados nºs 2 e 3, aludindo ao conhecimento da instauração intempestiva da providência, e à falta de fundamento de mérito, concretizam o que já resultava genericamente do tema de prova no segmento relativo a pedidos infundados. Acresce que tal concretização foi efetuada nos limites dos factos alegados pela autora. Veja-se que nos artigos 66º e 67º da petição inicial é alegado que a ré instaura a providência invocando que a farmácia das autoras não está à distância mínima de 350 metros da sua, juntando uma planta que infirma tal facto. Assim como alega que o procedimento cautelar foi instaurado depois de ter caducado o direito à impugnação do ato impugnado (artigos 68º a 77º).
Afigura-se, por isso, que os factos não provados sob o nºs 2 e 3, relativos ao conhecimento pela ré da falta de fundamento da providência e à falta de pressupostos para o seu deferimento, se referem ao tema de prova nº 1, no seu segundo segmento, concretizado-os de harmonia com os factos alegados e que se encontravam controvertidos. Consequentemente, não pode concluir-se que, nessa parte, a decisão da matéria de facto padeça de excesso de pronúncia em termos que se reconduzam à nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), CPC ou sequer a qualquer irregularidade.
Acresce que o segmento relativo ao conhecimento pela ré “de que os seus pedidos eram infundados”, como resulta da própria enunciação do primeiro tema de prova, acrescia ao do conhecimento da distância (ligado pela conjunção copulativa e), o que retira fundamento à expetativa de que a prova do primeiro dispensava a do segundo.
Pelo exposto, sem prejuízo de complementação por este Tribunal da Relação da matéria de facto por forma a nela incluir o não apuramento de que de que a ré tivesse conhecimento de que o limite exterior da loja 1.31 dista mais de 350 metros da B, Lda., conclui-se que a decisão recorrida não incorreu nem na omissão, nem no excesso de conhecimento invocados, improcedendo a arguição da nulidade.
Impugnação da matéria de facto
A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que a impugna, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC. Assim, resulta de tal preceito incumbir ao recorrente, por forma a cumprir o que tem vindo a designar-se por “ónus primário de alegação”, e sob pena de rejeição do recurso, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e indicar a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC). Já o designado “ónus secundário” reporta-se à especificação dos meios de prova que implicariam, na perspetiva do recorrente, diversa decisão da matéria de facto, gerando o seu incumprimento a rejeição do recurso apenas se ficar gravemente dificultado o exercício de contraditório ou o exame pelo tribunal de recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019, proferido no processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt
Na exigência do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, “os aspetos de ordem formal (…) devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019 (proferido no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt)
Acresce que nesse âmbito haverá ainda que ponderar o AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão nº 12/2023 de 14 de novembro, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I de 2023-11-14) que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Aplicando tal entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 08-02-2024, (proferido no processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) considerou que “a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações”.
No caso, as recorrentes cumpriram os ónus enunciados, cumprindo proceder à apreciação da impugnação deduzida.
As recorrentes reagiram ao não apuramento do facto não provado enunciado sob o nº 1 considerando que tendo decorrido nove meses sobre a divulgação da decisão de aptidão do local (conforme facto provado nº 8), sabia a recorrida, necessariamente, que estava ultrapassado o prazo de três meses, nos termos dos artigos 58º e ss, CPTA, para a sua impugnação. Consideram as recorrentes que a ré tinha o dever de conhecer a legislação, tanto mais que ocupava o cargo de delegada da Associação Nacional de Farmácias do Círculo de ..., conforme resultou das suas declarações de parte e do depoimento da testemunha G, nos segmentos indicados, e que desde 10-03-2010 já se encontrava acompanhada por mandatário. Acresce que tal conhecimento sempre seria corroborado pelo que resulta dos factos provados números 8 a 14. Por fim, as recorrentes sustentam a impugnação também no depoimento da testemunha F, e nos documentos nºs 2, 6, 8, 23 e 24 juntos com a petição inicial, e defendem que o facto impugnado se revela incompatível com os provados sob os números 9, 11 e 15.
Ao facto não provado nº 1 foi conferida a seguinte redação:
1.A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15. dos factos provados cerca de 9 meses depois da decisão referida em 8. dos factos provados, bem sabia que o fazia intempestivamente”.
O tribunal recorrido fundamentou nos seguintes termos a decisão:
Quanto aos factos julgados não provados, não foi produzida qualquer prova, direta ou indireta, que comprove a sua ocorrência
Das declarações de parte prestadas pela legal representante da ré E nos segmentos indicados (do dia 04-07-2024- e não 04-04-2024 como por lapso referem as recorrentes) resultou que, à época, era Delegada de Círculo para a Associação de Farmácias para o Concelho de ... e Diretora Técnica da B (minutos 2.10 a 2.40). Esclarecendo os termos em que subscreveu o requerimento que apresentou na Câmara Municipal, solicitando a medição desde a sua farmácia à que as autoras pretendiam transferir referiu “o que aí escrevi foi de acordo com o que me disseram que era importante para se fazer a medição (…) pedi para me auxiliarem a fazer isso (…) na câmara (…) o departamento respetivo que trata deste assunto (…) o que escrevi aí foi de acordo com o que me ajudaram a fazer (…) deram-me as normas (…) ponha assim (…) as limitações, os limites foram eles (…) podia ter acontecido aconselharem-me (…)e depois eles iam à legislação ver como fazer a medição. Depondo sobre a entrada do procedimento cautelar em 25-03-2010, referiu que não havia indicação de como seria o acesso da farmácia à rua e que, quando mais tarde se veio a conhecer tal acesso “(…) não houve mais questão nenhuma”, confirmando que era polémica a questão da forma para efetuar a medição entre as farmácias “(…) havendo divergências até no Infarmed” e que, embora desde data que não logrou situar a questão tenha ficado clarificada, tal não sucedia à data “na sua cabeça”. (minutos 14.20 a 17.30 e 40.00 a 50.00 e 01.02.00 a 01.02.50).
A testemunha G, farmacêutico de profissão, nos segmentos indicados, referiu que à data, juntamente com a legal representante da ré, pertencia à Associação Nacional de Farmácias. A propósito das transferências das farmácias referiu que existe sempre o problema de encontrar uma loja que fique à distância legal da farmácia vizinha, assim como afirmou que após realizados os Conselhos Nacionais da Associação Nacional de Farmácias, existia a obrigação de convocar as farmácias para lhes transmitir informação relevante que ali tivesse sido veiculada (minutos 15.00 a 17.00). Desde o início, a legal representante da ré suscitou a dúvida sobre se a farmácia estava ou não à distância legal. Referiu ainda que a legislação foi alterada, dado que se discutia se a distância relevante era a existente entre as portas (das farmácias) ou se devia ser medida entre o limite extremo de distância entre as farmácias. Desconhece se a Drª E estava atualizada e ciente da alteração operada por Portaria do ano de 2007 no critério a seguir. Concretizou ainda que a lei tem vindo a ser sucessivamente alterada visando não só proteger os interesses económicos das farmácias já instaladas, mas também dar uma boa cobertura ao território (minutos 40.00 a 46.00).
A testemunha F, gestor de projetos de cartografia, nos segmentos indicados pelas recorrentes, aludiu ao desenho do centro comercial, referindo que “(…) tanto faz que seja no R/C no primeiro no terceiro ou no quarto andar que a medida é sempre a mesma num projeção octogenal a 90º (…)” (minutos 23.20 a 23.42).
O documento 2 consiste em comunicação da C ao Infarmed, datada de 25-07-2008, pelo qual é requerida a sua transferência para a Avenida (…) “nº … Loja …, da freguesia de Linda-a-Velha”. Do documento nº 6 junto com a petição inicial consta declaração emitida pela entidade gestora do Centro Comercial D de que o pedido de transferência fora efetuado para a loja 1.31, tendo havido erro na menção anterior (loja 0.08).
Os documentos nºs 23 e 24 consistem, respetivamente, em comunicação de 10-03-2010 enviado pelo mandatário da ré ao Infarmed e na resposta deste organismo (reportam-se aos factos provados 11 e 24).
Ora, da análise crítica e conjugada de todos estes meios de prova, contrariamente ao que referem as recorrentes, não pode extrair-se, de forma objetiva e segura, que a ré tivesse conhecimento da intempestividade da providência que instaurou. De facto, nem das suas declarações, nem dos demais meios de prova é possível concluir pela afirmação desse conhecimento. Ao invés, a questão dos critérios para medição das farmácias, como resultou do depoimento da testemunha G, suscitava dúvida, tendo sido objeto de alteração legal.
E o facto de a ré ter constituído mandatário, por si só, não evidencia tal conhecimento, tanto mais que se tratou de providência instaurada ao nível da jurisdição administrativa, com regras e procedimentos diversos dos da jurisdição comum, e que não se apurou sequer que fossem do conhecimento do seu mandatário, e ainda que ele o tivesse transmitido à ré, optando esta por uma litigância temerária que sabia estar votada ao insucesso por decurso do prazo de que dispunha para reagir à autorização do Infarmed.
Acresce que os factos provados evidenciam o desenvolvimento de um processo de oposição à transferência da farmácia pela ré que se iniciou com um pedido de esclarecimento junto do Infarmed em 04-08-2009 (facto provado 9). Neste requerimento, a ré aludia à desconformidade relativamente a um dos pressupostos para a autorização (requerida e concedida para a loja 0.08 posteriormente retificada para a loja 1.31). Ora, na tese da ré, tal desconformidade tornava exigível uma reapreciação da legalidade da transferência, tanto mais que a loja resultante da retificação não tinha acesso direto ao exterior. Mais tarde, em 10-03-2010 a ré apresentou junto do Infarmed novo requerimento, invocando a inexistência da distância mínima de 350 metros entre farmácias, e ainda que as farmácias daquela freguesia manifestaram discordância à transferência, solicitando o cancelamento da autorização sob pena de adoção das “medidas legais” (facto provado 11). Este requerimento foi acompanhado de elemento cartográfico que atestava uma distância de 337 m entre as farmácias (facto provado 14). Mantendo o Infarmed autorização (facto provado 14), a ré instaurou providência cautelar em 25-03-2010 como anunciara (facto provado 15) Ora, os requerimentos analisados culminam com a instauração da providência, não resultando dos autos a evidência de que a ré conhecesse a sua intempestividade. Julgamos ser de salientar que embora a autorização tivesse sido divulgada em 16-06-2009, a ré invocou perante o Infarmed facto (erro na identificação da loja e, consequentemente, da sua concreta localização no centro comercial) que, na sua perspetiva (certa ou errada), determinava a sua repetição, o que levaria a que corressem novos prazos para a sua impugnação. A este propósito, deve ainda salientar-se que o afirmado pela testemunha F, relativa à indiferença para apuramento da distância da localização da loja no primeiro no terceiro ou no quarto andar do Centro Comercial, dado que a medida é sempre a mesma numa projeção octogenal a 90º, evidencia conhecimentos específicos a nível de cartografia, que não são do domínio corrente.
Conclui-se que não foi produzido qualquer meio de prova que evidenciasse que a ré tivesse conhecimento de que decorrera o prazo legal para a interposição da providência ou sequer que o seu mandatário lhe tivesse transmitido esse conhecimento.
Pelo exposto, improcede a impugnação quanto ao facto não provado nº 1.
Consideram as recorrentes que os factos não provados sob os números 2 e 3 devem transitar para os factos provados.
Fundamentam tal impugnação no teor dos requerimentos apresentados pela recorrida em sede administrativa, designadamente os mencionados nos factos provados 9, 11 e 13, e ainda no documento 25 da petição inicial, tendo ainda por referência o facto provado 15. Mais alegam que a recorrida apresenta ao Infarmed, quando subscreve o requerimento mencionado no facto provado 11, dois mapas, um dos quais sabe que não corresponde à verdade, facto para o qual, nas suas declarações, não apresentou qualquer justificação. Na tese das recorrentes, dos requerimentos apresentados na providência cautelar (doc, nº 25) fica bem evidenciado que a recorrida pretendeu paralisar a abertura da farmácia e, consequentemente, causar prejuízos às requerentes.
Acresce que a própria intenção subjacente à instauração da providência cautelar, a permanecer como não provada, entra em contradição com os factos 15 e 35, tanto mais que foi instaurada com base em fundamento que não corresponde à verdade.
A tais factos foi conferida a seguinte redação:
2. A R. bem sabia também que o pedido formulado nesse procedimento cautelar era, quanto ao seu mérito, infundado, pretendendo apenas, com a instauração do mesmo, debilitar financeiramente a 1.ª A. e inviabilizar a abertura de uma nova farmácia concorrente.
3. À data da propositura do referido procedimento cautelar, bem sabia a R. que o mesmo não reunia os pressupostos de cuja verificação dependeria o seu deferimento, pretendendo apenas obter, através da mera instauração do procedimento cautelar, e sem contraditório, a suspensão da autorização pelo Infarmed e, assim, causar prejuízos às AA.”
O não apuramento de tais factos, como já transcrito no ponto anterior, foi fundamentado na inexistência de prova que os comprovasse, referindo-se ainda na motivação da decisão recorrida:
Com efeito, as demais testemunhas nada referiram que pudesse assumir relevância, mesmo indireta, para a apreciação dos factos em causa. Note-se que para o efeito não releva tanto a questão de saber se a distância exata entre o novo local da farmácia explorada pela 1.ª A. e a farmácia da R., para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, era de 375,57 metros, como invocado pela 1.ª A. no pedido de transferência da farmácia que dirigiu ao Infarmed, IP, em 25/08/2008, mas se este dado, no circunstancialismo de facto que precedeu a instauração do procedimento cautelar, era incontroverso ou insuscetível de dúvidas, e a R., apesar disso – ou seja, apesar de saber que a distância entre as novas instalações da farmácia da 1.ª A e a B, por si explorada, observava o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, – sustentou em juízo o contrário apenas com o objetivo de atrasar ou, mesmo, inviabilizar a transferência da farmácia das AA. para o novo local e causar a estas prejuízos.
Ora, avaliando as incidências do caso concreto, emergentes da globalidade da prova produzida, não se pode em consciência concluir que o referido dado de facto era claro e evidente para todos, incluindo para a R.
Na verdade, a questão da medição da distância entre ambas as farmácias assumiu, no caso concreto, contornos algo problemáticos na sequência da retificação do despacho do Infarmed, IP, autorizativo da transferência, datado de 17/03/2009, na parte respeitante à identificação do local da transferência, que inicialmente se referia à loja 0.08 e passou a referir-se à loja 1.31, ambas situadas no Centro Comercial D. Apesar de o Infarmed, IP, ter concluído, no seu despacho retificativo de 29/05/2010, que a referência à loja 0.08, constante do requerimento inicial da 1.ª A, decorreu de um mero lapso de escrita, retificável, sem qualquer influência no mérito da decisão de autorização de 17/03/2009, tratavam-se, na verdade, de lojas fisicamente diferentes, designadamente no que respeita à existência de acesso direto para a rua, sendo que a primeira tinha esse acesso direto e a segunda não. A referência à loja 1.31 no despacho retificativo de 29/05/2009 suscitava, pois, um problema novo, relacionado com a circunstância de esta loja não ter, até à instalação de um elevador para o efeito, um acesso direto para a Avenida (…), instalação esta que veio a ser executada a mando da 1.ª A. e por exigência do Infarmed, IP (cfr. último parágrafo do ofício de 29/05/2009) só no ano de 2010 (cfr. faturas emitidas pela empresa Schimdt + Sohn Elevadores juntas com a PI, a última das quais datada de 29/04/2010), isto é, após a instauração do procedimento cautelar em apreço. Neste contexto, não se afigura manifestamente ilegítima ou demonstrativa de um comportamento processualmente censurável, nos termos alegados pelas AA. designadamente nos artigos 82.º, 83.º e 91.º da PI, a defesa em juízo de que o ponto relevante para a medição da distância entre as farmácias (a B e a nova farmácia a instalar na referida loja 1.31) era, no descrito contexto, a porta central de entrada no referido Centro Comercial, e não o exato local dessa loja no interior do Centro Comercial, como foi sustentado pela R. no procedimento cautelar intentado contra esse instituto público. Como atrás sublinhado, ainda que esse ponto de vista fosse juridicamente incorreto, o que cumpria às AA. demonstrar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), considerando os factos alegados da PI, era que a R. sabia disso e, não obstante, sem margem aceitável para discussão da questão, não se inibiu de invocar em juízo a violação do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, para atingir um objetivo ilegítimo, o de atrasar e/ou impedir a abertura da nova farmácia e, desse modo, causar às AA. um prejuízo tal que tornasse financeiramente insustentável esse projeto comercial.
Ora, não só não foi produzida prova demonstrativa desses factos, como a prova acima destacada tornou fortemente duvidosa a sua verificação (artigo 346.º do CC). Com efeito, a própria testemunha H, à data diretora do gabinete da Câmara Municipal de (…) com competência para a realização de tais medições, manifestou dúvidas sobre o sentido e alcance daquele requisito legal, nos casos em que, como sucedia, uma das duas farmácias em confronto se situa no interior de um centro comercial e o único acesso a essa farmácia é pela porta principal do centro comercial, tendo mesmo referido que, em função das exigências do Infarmed, IP, a medição a partir deste último ponto lhe parecia comparativamente mais rigorosa. Por outro lado, embora se tenha apurado que a legal representante da R. requereu a esse gabinete municipal, conforme atestado no requerimento de 09/03/2010 por si subscrito (cfr. referência Citius n.º 25951292, de 03/07/2024), que fossem feitas duas medições, indicando para o efeito diferentes pontos de referência quanto à loja 1.31 (ponto central da porta principal de acesso ao Centro Comercial D e ponto extremo correspondente à referida loja), este dado de facto apenas revela que a R. tinha dúvidas (compreensíveis) sobre a forma de realizar a medição da distância entre farmácias, para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, e que não ficou esclarecida, ou não aceitou como correta, a informação prestada pelo Infarmed, IP, no seu ofício de 08/09/2009 (cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados); e não que a mesma sabia ou tinha certezas em sentido divergente do que veio mais tarde a defender em juízo, como alegam as AA. em fundamento da responsabilidade civil que imputam à R.
Por outro lado, a testemunha F, marido da legal representante da R. – que acompanhou de perto a questão da localização da nova farmácia e do respeito pela distância mínima legalmente exigida entre esta e a B, explorada pela R. – referiu que o problema, tal como foi percecionado pela sua mulher e pela própria testemunha, tinha que ver com o facto de o acesso à loja 1.31, para onde foi autorizada a transferência da Farmácia das AA. (C), ser feito através da porta principal do Centro Comercial, o que ficou resolvido com a posterior instalação do elevador nessa loja (Maio/Junho de 2010), que passou a permitir um acesso direto da nova farmácia ao exterior, ficando, desta forma, assegurado, a seu ver, a distância mínima entre farmácias legalmente exigida. Mais referiu a testemunha, com interesse, que a mulher era, à data, delegada de zona da Associação Nacional de Farmácias (como foi igualmente confirmado pela testemunha G), sendo que uma das missões da mulher, enquanto delegada, era precisamente a de fazer respeitar a lei, tendo para o efeito sofrido grande pressão das demais farmácias existentes na zona geográfica em causa. Ora, também E (…), legal representante da R., reiterou esses dados, decorrendo das declarações de parte por esta prestadas que a sua intervenção, num contexto de pressão exercida pelas restantes farmácias de Linda-a-Velha, que então representava, enquanto delegada de zona para o concelho de (…)s, na Associação de Farmácias, decorreu da convicção de que, não dispondo a loja 1.31 de acesso direto para o exterior, o ponto de referência relevante, para efeitos de contagem da distância mínima exigida por lei, era a porta principal de entrada do Centro Comercial.
Também a referida testemunha G, farmacêutico e amigo da legal representante da R., contextualizou a intervenção desta, referindo que se suscitaram dúvidas entre os colegas, especialmente os potencialmente afetados com a transferência da C (para além da B, mais duas outras farmácias, que identificou como sendo a farmácia BB e farmácia CC), sobre o cumprimento da distância mínima legalmente exigida e sobre a correção do certificado junto pela 1.ª A., emitido por uma entidade privada, ao pedido de transferência, razão pela qual a Dra. E (…), pressionada pelas referidas farmácias, pediu a realização à Câmara Municipal de ..., uma nova medição. Mais referiu que os pontos de referência relevantes, para efeitos de verificação do respeito pela distância mínima entre farmácias, deixaram de ser, com a entrada em vigor da Portaria n.º 1430/2007, as portas de acesso das farmácias, para passar a ser os respetivos limites externos, o que, independentemente da correcção jurídica dessa asserção, indicia e pode explicar a existência e/ou subsistência de dúvidas interpretativas sobre a matéria, na perceção dos operadores de farmácia, entre eles a própria R.
Também decorreu do depoimento da testemunha I – que à data dos factos trabalhava, como farmacêutica, na Farmácia (…), em Linda-a-Velha, pertencente à sua mãe – que as dúvidas sobre o cumprimento do requisito respeitante à distância mínima suscitaram-se a partir do momento em que se percebeu que a farmácia da 1.ª A iria ser transferida, não para a loja onde se situava uma livraria (loja 0.08), mas para uma loja no andar superior, que, contrariamente àquela, não tinha acesso direto para a rua, tendo ocorrido a este respeito reuniões entre a mãe da testemunha e a Dra. E, em que a testemunha esteve presente.
Finalmente, não foi feita qualquer prova dos prejuízos constantes dos pontos 4. e 5. dos factos não provados, tendo os mesmos sido expressamente considerados inverificados pela perícia contabilística realizada nos autos.”
Analisando os fundamentos da impugnação e os meios de prova indicados, deverá desde logo referir-se que do facto provado nº 9 extrai-se que em 04-08-2009, a ré apresentou no Infarmed um requerimento dirigido ao seu presidente, relativo a “Pedido de esclarecimentos sobre o pedido de transferência da C (…)”- Ali referiu: “1. A entidade proprietária da C (…) apresentou junto do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (…) um pedido de transferência de localização da referida farmácia para a Avenida (…), Loja (…), Centro Comercial D (…) O pedido de transferência supra identificado foi autorizado pelo Conselho Diretivo do Infarmed através do despacho de 17 de Março de 2009(…) 3. Em 20 de Março de 2009, a entidade proprietária da C apresentou, junto do INFARMED, um requerimento de retificação da localização objeto do pedido de transferência, referindo que se tratava da Loja 1.31, e não da loja 0.08 (…) foi determinada, através de despacho de 25 de Maio de 2009, a retificação do despacho de aptidão de 17 de Março de 2009, tendo-se procedido à substituição da referência à loja 0.08, passando a constar do mesmo a indicação da loja 1.31. 5. Sucede, porém, que as lojas 0.08 e 1.31 correspondem a espaços físicos substancialmente distintos(…) a retificação do pedido de transferência realizada surge no quadro de uma verdadeira alteração da localização constante do pedido inicialmente formulado, razão pela qual parece afigurar-se exigível uma reapreciação da respetiva aptidão (…) Neste contexto, e uma vez que, contrariamente à loja (…), a Loja (…) não tem acesso direto ao exterior, a Requerente pretende saber a forma como se deve proceder à contagem da distância mínima de 350 metros entre a futura localização da C e a sua farmácia (…),”.
Já do facto provado nº 11 resulta que em 10/03/2010, a Ré apresentou no Infarmed, IP, um novo requerimento, subscrito por advogado, referindo, além do mais:
(…) Ora, acontece que da análise da constatação fáctica do requisito estatuído na alínea b) da norma legal em apreço, se verifica que o mesmo se não mostra preenchido. Dado que a distância desde o limite exterior da B –l, Lda., da propriedade da minha Constituinte, em confrontação direta, com o limite exterior da Farmácia transferida, não dista 350 metros, tal como é exigido pela norma legal supra referida. (…)A situação ora denunciada foi objeto de análise por parte de todas as Farmácias da freguesia as quais (…) manifestaram a sua discordância com o pedido de transferência da referida Farmácia (…)Nestes termos, e dado que se trata da reposição da legalidade vigente, sou, em nome da minha Constituinte, a indicar a V. Exas. que dispõem de um prazo de 10 dias para que seja de imediato cancelada a autorização de transferência de instalações da já identificada Farmácia (…) Findo o prazo ora estabelecido sem que tenha sido cancelada a autorização de transferência da referida Farmácia, não restará à minha Constituinte que não a adoção das medidas legais ao caso julgadas adequadas.”. Do facto provado nº 13 resulta que este requerimento foi apresentado com anexo que constituía elemento cartográfico que “(…) atestava que a distância entre a «Prt. Av. (…)l, n.º d Entrada D – Linda-a-Velha» e a «Farmácia [E]» era de 337 m”.
Já o facto provado nº 15 é referente à instauração da providência cautelar: “Em 25/03/2010, a R. instaurou contra o Infarmed, IP, (…), um procedimento cautelar (…) requerendo a final que «seja suspensa a transferência da C, uma vez que não estão preenchidos de forma clara e inequívoca os requisitos da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de novembro», pelas razões melhor invocadas no requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido”.
Contrariamente ao que referem as recorrentes, a conjugação destes factos não evidencia que a ré soubesse que estavam verificados os pressupostos para a pretendida (pela primeira autora) transferência da farmácia, designadamente no que se reporta à distância mínima exigível para a sua própria farmácia. Ao invés, toda a argumentação que desenvolve evidencia a existência de dúvidas fundadas quanto à verificação desse requisito, desde logo em face da discrepância (já analisada) quanto à exata identificação das lojas 0.08 (para a qual a autorização fora concedida) e 1.03 (correspondente à loja pretendida conforme retificação). De facto, pretendendo-se transferir a farmácia para um centro comercial, o facto de a loja em questão ter ou não acesso direto ao exterior, ou ficar mais próxima ou mais distante da porta para o exterior, para o comum dos cidadãos, sem informação específica em cartografia, não constituía questão irrelevante. E como se referiu anteriormente, embora a testemunha F afirmasse que era irrelevante “numa projeção octogenal a 90º” o andar da loja em questão, essa irrelevância não pode ter-se como apreensível para o cidadão comum, mesmo que titular de uma farmácia. E tanto mais que resultou do depoimento da testemunha G que a forma de medição da distância entre farmácias sofreu alterações legais cuja implementação e aplicação prática suscitaram dúvidas.
Também o facto de a recorrida dispor de dois mapas cartográficos relativos à distância, por si, não evidencia que usou aquele que sabia não cumprir os critérios legais. O mapa que afirmava a distância inferior à legal fora emitido pela Câmara Municipal de ... (factos 12 e 13), inexistindo, à partida, qualquer fundamento que lhe retirasse credibilidade e fizesse prevalecer o mapa que concluía em sentido diverso. Destes factos, haverá apenas que retirar que a ré possuía um elemento objetivo que sustentava a posição por si defendida, apesar de ser manifesto que, como referem as recorrentes, a página 22 do documento nº 25, reportada a foto área que instrui “Pedido de certidão de distâncias”, mencionar como “distância da pretensão” a de “357 m”.
Acresce que dos factos provados nºs 15 a 19 referentes à instauração e desenvolvimento da providência cautelar ali mencionada, não pode extrair-se conclusão diversa, dado não evidenciarem uma litigância que, não obstante se ter revelado infundada, não pode qualificar-se como temerária, nem que corresponda a uma afirmação de factos manifestamente falsos.
E, assim sendo, não se mostra factualmente demonstrada a imputação à ré de uma atuação dirigida a prejudicar economicamente a primeira autora, como exemplarmente motivou o tribunal recorrido em decisão que não merece qualquer censura.
Por fim, também não se deteta qualquer contradição entre os factos impugnados e os indicados pelas recorrentes, mormente o que se refere à instauração da providência (facto provado 15) e o 35 (“35. Em virtude do referido em 15., a nova farmácia da A. não pôde abrir ao público entre junho e setembro de 2010, só vindo a abrir portas em 08/10/2010”). Deverá concluir-se que por força da instauração da providência, a farmácia não pôde abrir ao publico no período apurado, o que não permite a automática conclusão de que a ré agiu visando prejudicar economicamente as autoras e com conhecimento da falta de mérito da providência que instaurou.
Pelo exposto, improcede a impugnação dos factos não provados nºs 2 e 3.
Entende a recorrente que o facto não provado sob o nº 4 deve transitar para os factos provados.
Trata-se de facto a que foi conferida a seguinte redação;
4 4. Durante os meses de paralisação, e tendo em conta a margem de comercialização de 25%, a 1.ª A. deixou de faturar uma média mensal de €101.983,91, pelo que totalizou uma perda de faturação de €509.919,58”
O tribunal recorrido motivou tal facto nos seguintes termos:
Finalmente, não foi feita qualquer prova dos prejuízos constantes dos pontos 4. e 5. dos factos não provados, tendo os mesmos sido expressamente considerados inverificados pela perícia contabilística realizada nos autos.”
A discordância da recorrente radica na desconsideração que aponta ao tribunal recorrido do documento por si junto com o nº 31, não impugnado, sem qualquer fundamentação que abale o seu valor probatório.
Por outro lado, a recorrente apontou erro ao relatório pericial dado que a pretensão que deduziu nos autos baseia-se na alegação de perda de rendimentos (que teria faturado – nas novas instalações - e não faturou por ter sido suspensa a abertura da farmácia). Ora, na sua perspetiva, a resposta ao quesito 1º, no qual se afirma que nunca a autora deixou de laborar e de faturar, determinou que a resposta pericial incorresse em erro, o que determinaria uma cabal interpretação do relatório pericial e o apuramento do facto em questão.
Da leitura da petição inicial extrai-se que as autoras alegam os inúmeros danos sofridos por força da ação da ré, designadamente a partir dos artigos 108º a 130º, não referindo expressamente o documento em causa (nº 31), embora seja manifesto que nele suportam a alegação (tanto mais que o juntaram com a petição inicial, embora em requerimento autónomo relacionado com constrangimentos informáticos inerentes à sua junção em ato único).
Assim, confirma-se que com o requerimento com a referência 22570378, as autoras juntaram o referido documento nº 31, que configura documento contabilístico, com 4 páginas, reportado ao ano de 2006, do mesmo constando as menções: “Prestação de Contas Individual”, “1.aDeclaração do Ano”, “Data de Receção: 2007-09-13”, “Anexo A”.
O certo é que como se alcança dos artigos 58º e 62º da contestação, a ré impugna os danos alegados pelas autoras, apontando-lhes “falta de fundamento e de adesão à realidade”, cumprindo o ónus de impugnação consagrado no artigo574º, CPC, extensível aos documentos – particulares – nos quais se suporta a alegação dos prejuízos
Trata-se, consequentemente, de documento que não pode deixar de ser considerado impugnado.
No que se reporta ao seu concreto valor probatório, não poderá deixar de adiantar-se que tratando-se de um documento contabilístico elaborado pela própria autora, não possui os requisitos de objetividade que as recorrentes lhe pretendem atribuir.
Mas mais decisivo é o facto de se tratar de documento reportado ao ano de 2006 e que, consequentemente, por si é insuscetível de evidenciar qual teria sido a faturação da primeira autora nos meses de paralisação, entendida como falta de abertura ao público no novo espaço, já que a autora, como referem os peritos e ela própria reconhece, nunca deixou de laborar, apenas tendo visto atrasada a sua mudança para as novas instalações (junho a setembro de 2010, cfr. facto provado nº 35).
Sucede que da leitura do relatório pericial não pode concluir-se que os peritos tenham incorrido em erro na sua elaboração, conclusão desde logo decorrente da ausência de qualquer reclamação no prazo – prolongado em face da sua complexidade – de que ambas as partes dispuseram para o efeito.
Sempre se dirá que merece concordância a prevalência conferida pelo tribunal ao relatório pericial, elaborado por um colégio de três peritos, portadores de conhecimentos específicos em matéria de contabilidade e, sobretudo de uma postura de isenção e de maior equidistância relativamente aos interesses em debate nos autos.
Ora, ao quesito 6º, em que é expressamente indagado se nos meses de paralisação a ré deixou de faturar a referida média mensal de € 101.983,09 e se totalizou uma perda de faturação de € 509.919,88, os peritos responderam negativamente, esclarecendo que a referida média corresponde à faturação, e não à falta dela.
Mas sobretudo, como naquela resposta enfatiza o perito da ré, interessa ter presente que logo na resposta ao quesito 1º (“Qual foi o período efetivo de ausência de laboração por parte da autora”?), responderam os peritos não ter havido ausência de laboração por parte da autora, dado que se manteve em plena laboração na Praça (…) até 07/10/2010 “tendo continuado enquanto Farmácia D a partir do dia 08-10-2020”. Ou seja, na realidade não se apurou a alegada paralisação, assim como não se apurou qualquer perda de faturação. O que se apurou foi que a farmácia só abriu ao público nas novas instalações em 08-10-2010, e não em junho daquele ano como era pretensão das autoras. O certo é que o apuramento dos montantes – a mais – que a farmácia teria faturado nessas novas instalações constitui facto hipotético, sem qualquer suporte probatório, designadamente no relatório pericial. Afigura-se, assim, que não merece censura a decisão do tribunal recorrido
Pelo exposto, improcede a impugnação do facto não provado sob o nº 4
Por fim, impugnam as recorrentes o facto não provado sob o nº 5, com a seguinte redação:
5. A A. perdeu lucros, durante esse período, de €127.497,88”.
A motivação do tribunal recorrido consta do ponto anterior.
Dizem as recorrentes que a resposta negativa conferida a tal facto no relatório pericial mostra-se condicionada ao facto de aí se considerar que o lucro é o valor apurado para efeitos fiscais. Porém, defendem as recorrentes que “(…) lucro cessante e o lucro tributável são conceitos diferentes, onde o lucro, que consta do quesito, nada mais não é do que o benefício perdido, ou seja a margem bruta apurada sobre o ponto anterior (…) pelo que o facto 5 deveria ter sido dado como provado, mas reduzido o seu montante para 115047,48 € com a menção que seria a sua margem bruta, com base na conclusão da resposta ao quesito que o menciona no relatório pericial, afastada a confusão entre o lucro da declaração anual da autora/recorrente e o benefício perdido, ou lucro cessante, ou margem bruta”.
A este propósito cabe, contudo, reiterar o exposto no ponto anterior, dado que inexiste qualquer meio de prova objetivo e seguro que evidencie qual teria sido o desempenho comercial da primeira autora no novo espaço e qual o lucro que teria obtido se visse transferidas as suas instalações no mês pretendido (junho de 2010).
Pelo exposto, improcede a impugnação do facto não provado nº 5.
*
Alteração da matéria de facto por iniciativa deste tribunal da Relação – cfr. artigo 662º, nº 1, CPC
Como se referiu a propósito da apreciação da nulidade apontada à sentença pelas recorrentes, resulta da conjugação dos factos provados e não provados e da sua motivação, que o tribunal recorrido concluiu que a prova produzida não permitiu o apuramento de que a ré soubesse que entre a farmácia a transferir e a sua própria farmácia, existia a distância mínima legal
Assim, por forma a suprir a falta de enunciação expressa de tal facto no elenco dos não provados, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC, procede-se à sa inclusão nessa sede.
Consequentemente, atribui-se ao facto não provado sob o nº 2, a seguinte redação, assinalando-se as alterações a negrito:
2. A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15, tinha conhecimento de que o limite exterior da loja (…) dista mais de 350 metros da B Ldª e de que o pedido formulado nesse procedimento cautelar era, quanto ao seu mérito, infundado, pretendendo apenas, com a instauração do mesmo, debilitar financeiramente a 1.ª A. e inviabilizar a abertura de uma nova farmácia concorrente
III – São os seguintes os FACTOS PROVADOS a considerar:
1. Encontra-se registada, pela Ap. 248/20141107, a incorporação, por fusão, da sociedade Cinabaris, S.A., na sociedade Cruzada Lógica, Lda., ora A.
2. A sociedade Cinabaris, S.A., era titular do estabelecimento comercial designado por «C», sito em Praça (…)nº (…) em (…) Lisboa.
3. Em 25 de Julho de 2008, a sociedade Cinabaris, S.A., apresentou junto do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (Infarmed, IP), um requerimento, instruído com documentos, no âmbito do qual requeria «a transferência da C, com o Alvará n.º (…), actualmente sita na Praça (…), em Lisboa, para a Avenida (…) nº (…) Loja (…) da Freguesia de Linda-a-Velha, Concelho de ..., nos termos e ao abrigo dos Artigos 23.º, 38.º e seguintes da Portaria 1930/2007 de 2 de Novembro e do Aviso 15115/2008 do Infarmed, publicado no D.R., 2.ª série, de 15 de Maio de 2008 (…)».
4. Em 19 de Março de 2009, a sociedade Cinabaris, S.A., remeteu ao Infarmed, IP, uma declaração do proprietário da loja, onde este declarava que o número de loja indicado – 0.08 – devia ser rectificado para a loja 1.31, e uma certidão emitida por Municípia, S.A., nessa mesma data, onde se lia, além do mais: «Conforme requerido junta-se planta de localização à escala 1:2000, com evidência das distâncias, medidas em linha recta, entre o limite exterior da loja (…), do edifício sito no n.º (…) da avenida (…) (Centro comercial D) da freguesia de Linda-a-Velha, concelho de ... e as farmácias e unidades de saúde mais próximas. Assim, certifica-se que: 1. A loja (…), do edifício sito no n.º (…) da Avenida (…), em Linda-a-Velha, dista mais de 350 metros, em linha recta da Farmácia mais próxima: - B na Av. (…), localizada a 375,57 metros. (…)».
5. Por ofício de 06/04/2009, o Infarmed, IP, solicitou à sociedade Cinabaris, S.A., que remetesse a esse instituto «uma declaração emitida pela entidade gestora do Centro Comercial D, que comprov[asse] que a Loja n.º (…) do D correspond[ia] à Loja n.º (…), para onde foi feito inicialmente o pedido de transferência e que se trata efectivamente da mesma loja, não tendo existido qualquer alteração do local inicialmente proposto».
6. Nesta sequência, a sociedade Cinabaris, S.A., enviou ao Infarmed, IP, por requerimento de 15/04/2009, uma declaração emitida pela sociedade Aplicação Urbana XIII – Investimento Imobiliário, S.A., na qual esta declarava, na qualidade de proprietária e gestora do Centro Comercial D, além do mais, que «a loja indicada no pedido de transferência ao Infarmed, enviado no passado dia 24 de Julho de 2008 pela C foi a loja (…), tendo sido esta a única loja negociada com a J, proprietária da C, para a instalação da Farmácia, sendo que a referência à loja (…) resulta de um lapso de escrita, conforme nossa declaração de 19 de Março de 2009».
7. Por ofício de 29/05/2009, o Infarmed, IP, comunicou à sociedade Cinabaris, S.A., o seguinte: «Dando cumprimento ao n.º 2 do Artigo 24.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro de 2007, por despacho de 17 de Março de 2009, do Conselho Directivo do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P. foi considerado apto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do Artigo 24.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro de 2007, no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, o pedido de transferência da C, sita na Praça (…) nºs (…), freguesia de (…), concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, para a Avenida (…), n.º (…), Loja (…), Centro Comercial D, freguesia de Linda-a-Velha, concelho de ..., distrito de Lisboa.
Solicita-se, deste modo, que remeta a este Instituto, no prazo máximo de 10 dias úteis, planta e memória descritiva da loja (…). do Centro Comercial D, a qual, relembramos, deverá ter acesso directo ao exterior».
8. Em 16/06/2009, o Infarmed, IP, divulgou no seu sítio na internet a decisão sobre a aptidão do local – despacho proferido em 17 de Março de 2009 e rectificado em 25/05/2009 pelo Conselho Directivo do Infarmed.
9. Em 04/08/2009, a R. apresentou no Infarmed, IP, um requerimento dirigido ao presidente deste Instituto, com o seguinte conteúdo:
«Assunto: Pedido de esclarecimentos sobre o pedido de transferência da C, sita na Praça (…), nºs. (…), freguesia de São José, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, para a Avenida (…), Centro Comercial D, freguesia de Linda-a-Velha, concelho de ..., distrito de Lisboa.
1. A entidade proprietária da C (…) apresentou junto do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (…) um pedido de transferência de localização da referida farmácia para a Avenida (…), Loja (…), Centro Comercial D (…).
2. O pedido de transferência supra identificado foi autorizado pelo Conselho Directivo do Infarmed através do despacho de 17 de Março de 2009, tendo considerado o referido pedido procedente no que se refere ao local, ao espaço e ao quadro farmacêutico, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da Portaria 1430/2007, de 2 de Novembro.
3. Em 20 de Março de 2009, a entidade proprietária da C apresentou, junto do INFARMED, um requerimento de rectificação da localização objecto do pedido de transferência, referindo que se tratava da Loja 1.31, e não da loja 0.08, tal como mencionado no pedido inicial, tendo justificado, para o efeito, que a errada identificação do local se tinha tratado de um mero lapso de escrita.
4. Perante esta circunstância, foi determinada, através de despacho de 25 de Maio de 2009, a rectificação do despacho de aptidão de 17 de Março de 2009, tendo-se procedido à substituição da referência à loja 0.08, passando a constar do mesmo a indicação da loja 1.31.
5. Sucede, porém, que as lojas 0.08 e 1.31 correspondem a espaços físicos substancialmente distintos, tendo as respectivas instalações diferentes características.
6. Com efeito, enquanto a loja 0.08 se situa no piso térreo do Centro Comercial D, dispondo de porta com acesso directo à Avenida (…), a loja 1.31, por seu turno, situa-se no primeiro piso do referido centro comercial, não tendo qualquer porta de acesso directo ao exterior.
7. Atenta a situação supra descrita, verifica-se que a rectificação do pedido de transferência realizada surge no quadro de uma verdadeira alteração da localização constante do pedido inicialmente formulado, razão pela qual parece afigurar-se exigível uma reapreciação da respectiva aptidão, conforme dispõe o artigo 24.º, n.º 1, da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro.
8. Neste contexto, e uma vez que, contrariamente à loja 0.08, a Loja 1.31 não tem acesso directo ao exterior, a Requerente pretende saber a forma como se deve proceder à contagem da distância mínima de 350 metros entre a futura localização da C e a sua farmácia, tal como se encontra exigido no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), aplicável ex vi artigo 23.º, n.º 1, alínea d), ambos da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro.
Nestes termos, a ora Requerente, na qualidade de proprietária de farmácia situada na mesma avenida que a C – Avenida (…) –, pretende ser esclarecida do modo como o INFARMED verificou os requisitos legais aplicáveis ao pedido de transferência de localização desta farmácia após a rectificação/alteração da localização requerida».
10. Em 08/09/2009, o Infarmed, IP, prestou à R. a seguinte informação:
«(…)
1 - Apesar do pedido da C ter sido instruído com uma planta da loja 0.08, no piso -1 do Centro Comercial D, atento o teor das declarações emitidas pela entidade proprietária do mesmo em 19 de Março de 2009 e 15 de Abril de 2009, foi entendido por este Instituto que se estaria perante um lapso de escrita.
(…).
3 - Nestes termos, através de despacho de 25 de Maio de 2009, foi rectificado o despacho de aptidão de 17 de Março de 2009 do Conselho Directivo, passando a constar do mesmo a loja 1.31 do 0 do Centro Comercial D.
4 – No que se refere à contagem da distância mínima de 350 metros entre a futura localização da C e a B, conforme exigido no artigo 2.º, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, aquando do pedido de rectificação efectuado pela C, foi remetido a este Instituto uma certidão e planta de localização, que atesta que a loja (…) do edifício sito no n.º (…) da Avenida (…), em Linda-a-Velha, dista mais de 350 metros, em linha recta, da Farmácia mais próxima: B, sita na Avenida (…)l, n.º (…), localizada a 375,57 metros».
11. Em 10/03/2010, a R. apresentou no Infarmed, IP, um novo requerimento, subscrito por advogado, com o seguinte conteúdo:
«Assunto: Transferência das instalações da C, sita na Praça (…), nºs (…), freguesia de São José, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, para a Avenida (…), Loja (…), Centro Comercial D, freguesia de Linda-a-Velha, concelho de ..., distrito de Lisboa.
Exmos. Senhores,
Fui contactado pela minha Constituinte, E & (…), Lda., proprietária da B – Unipessoal, Lda. (…).
Assim, e depois de analisada a legislação em vigor no que concerne a transferências de Farmácias, para o efeito a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, constata-se o seguinte:
1. A transferência de Farmácias tem que obedecer ao preenchimento cumulativo dos requisitos impostos nas alíneas do número 1 do artigo 2.º de tal dispositivo legal.
2. E que são requisitos os estatuídos nas alíneas a), b) e c) da norma supra referida, a saber:
a. (…).
b. Distância mínima de 350 m entre Farmácias, contados em linha recta, dos limites exteriores das Farmácias.
c. (…).
(…).
Ora, acontece que da análise da constatação fáctica do requisito estatuído na alínea b) da norma legal em apreço, se verifica que o mesmo se não mostra preenchido.
Dado que a distância desde o limite exterior da B – Unipessoal, Lda., da propriedade da minha Constituinte, em confrontação directa, com o limite exterior da Farmácia transferida, não dista 350 metros, tal como é exigido pela norma legal supra referida.
A medição foi feita respeitando os requisitos impostos pela norma em análise e supra referida e por Entidade Pública competente, ao caso a Câmara Municipal de ..., cujo documento emitido em resposta ao pedido de informação, Documento Cartográfico com localizações e medições solicitadas, ora se anexa.
(…)
A situação ora denunciada foi objeto de análise por parte de todas as Farmácias da freguesia as quais perante os factos ora consubstanciados na resposta ao pedido de informação emitida pela Câmara Municipal de ..., manifestaram a sua discordância com o pedido de transferência da referida Farmácia, dando assim relevo próprio do sentido da legalidade a observar por parte desse organismo.
Nestes termos, e dado que se trata da reposição da legalidade vigente, sou, em nome da minha Constituinte, a indicar a V. Exas. que dispõem de um prazo de 10 dias para que seja de imediato cancelada a autorização de transferência de instalações da já identificada Farmácia pela razão ora demonstrada, e de não obedecer efetivamente ao estatuído nos termos das alíneas a), b) e c) do número 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro.
Findo o prazo ora estabelecido sem que tenha sido cancelada a autorização de transferência da referida Farmácia, não restará à minha Constituinte que não a adoção das medidas legais ao caso julgadas adequadas.
(…)».
12. A R. juntou ao requerimento acima referido um documento emitido pela Câmara Municipal de ..., datado de 09/03/2010, dirigido a E , legal representante da primeira, com o seguinte teor:
«Assunto: Resposta a pedido de informação para cálculo de distância entre o ponto extremo Nordeste da B e o ponto central da porta de entrada do Centro Comercial D, ambos em Linda-a-Velha.
Em resposta ao pedido acima mencionado (…), junto anexamos documento cartográfico com a informação solicitada».
13. O documento cartográfico anexo a este documento atestava que a distância entre a «Prt. Av. (…), n.º d. Entrada C.C. D – Linda-a-Velha» e a «Farmácia [E]» era de 337 m.
14. Por despacho de 12/03/2010, notificado à R. por carta registada com aviso de receção, que esta recebeu, a Diretora da Direcção Inspecção e Licenciamento do Infarmed, IP, manteve a autorização concedida para a transferência de instalações da C, invocando em fundamento:
«(…).
4 – (…) a ora requerente vem pôr em causa o despacho de aptidão de 17 de Março de 2009 do Conselho Diretivo do Infarmed, I.P., que autorizou a transferência de instalações da C, por não preenchimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, que se refere à distância mínima de 350 metros entre farmácias, contados em linha reta dos limites exteriores das farmácias.
5 – No entanto, junta uma certidão camarária que atesta que a distância entre o ponto extremo Nordeste da B e o ponto central da porta de entrada do Centro Comercial D, ambos em Linda-a-Velha, é de 337 metros.
6 – Ora, o que a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro estipula é que a distância mínima de 350 metros entre farmácias deve ser contada em linha reta dos limites exteriores das farmácias, logo, a distância referida não deve ser contabilizada a partir do ponto central da porta de entrada do Centro Comercial D, mas sim do limite exterior da loja 1.31, do edifício sito no n.º(…) da Avenida (…), em Linda-a-Velha.
7 – Em cumprimento do que a legislação aplicável impõe, foi remetido a este Instituto, aquando da instrução do pedido de transferência da C, uma certidão e planta de localização, que atesta que a loja 1.31 do edifício sito no n.º 4 da Avenida (…), em Linda-a-Velha, dista mais de 350 metros, em linha recta, da Farmácia mais próxima: B, sita na Avenida (…), n.º (…), localizada a 375,57 metros.
(…)».
15. Em 25/03/2010, a R. instaurou contra o Infarmed, IP, ao abrigo dos artigos 112.º, nºs. 1 e 2, 121.º, n.º 2, alínea a), e 131.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), um procedimento cautelar «com pedido de decretamento provisório de suspensão de eficácia de ato administrativo», que veio a ser distribuído como processo cautelar n.º (…)/10.1BELSB, tendo por objeto o despacho de 12/03/2010 referido em 14. supra, requerendo a final que «seja suspensa a transferência da C, uma vez que não estão preenchidos de forma clara e inequívoca os requisitos da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro», pelas razões melhor invocadas no requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. Por despacho de 12/05/2010, o juiz no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra determinou que se procedesse à citação, quer da entidade requerida, o Infarmed, IP, quer da contra-interessada C, ora 1.ª A., para deduzirem oposição, no prazo de 10 dias, e ainda nos termos previstos no artigo 128.º, nºs. 1 e 2, do CPTA (proibição de executar o ato).
17. Em 02/06/2010, a 1.ª A. deduziu, na qualidade de contra-interessada, oposição – que aqui se dá por integralmente reproduzida – invocando, além do mais, a caducidade do direito de ação cautelar, por decurso do prazo de propositura da ação principal de que esta era dependente.
18. Por decisão de 02/08/2010, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra indeferiu o pedido cautelar de suspensão de eficácia formulado pela requerente, ora R., invocando em fundamento, na síntese conclusiva que dele consta, o seguinte:
«Em conclusão: o ato suspendendo é mero ato de confirmação não impugnável em sede de ação principal.
Circunstância que obsta ao conhecimento de mérito no processo principal (cfr. artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e artigo 89.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Assim, sendo manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito, a providência não pode ser concedida, atento o disposto no referido art.º 120º, al. b), in fine, do CPTA».
19. Em 27/08/2010, a R. interpôs recurso da decisão acima referida para o Tribunal Central Administrativo Sul, que veio a ser indeferido, por intempestivo.
20. Após a interposição desse recurso e ainda na pendência da (convolada) reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o requerimento de interposição do recurso, a R. apresentou em juízo, em 23/09/2010, um requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, formulando a final o seguinte pedido: «Assim, e face ao exposto, e porque a decisão ainda não transitou em julgado, estando a mesma a ser objeto de recurso, requer-se (…), ao abrigo do disposto no artigo 128.º do CPTA a suspensão da execução do ato administrativo de transferência da Farmácia Praça de Alegria».
21. Por despacho de 07/10/2010, o Tribunal convolou esse requerimento em «incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida» e ordenou, nos termos do n.º 6 do artigo 128.º do CPTA, a notificação da requerida e da contra-interessada para se pronunciarem, querendo, em 5 dias.
22. Por despacho de 11/11/2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Tribunal julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia deduzido pela R.
23. Em 15/02/2010, a sociedade Cinabaris, SA, e a sociedade Aplicação Urbana XIII – Investimento Imobiliário, S.A., assinaram um contrato com a designação «Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial», que aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. De forma a poder exercer a sua atividade nas novas instalações, a sociedade Cinabaris, S.A., em 17/02/2010, contratou com a sociedade Novo Interior – Arquitectura, Engenharia, Imobiliário, S.A., a realização de obras de adaptação a farmácia e seus acessos no Centro Comercial, pelo preço global de €225.789,89, que terminaram em Maio de 2010.
25. À data, a sociedade Cinabaris, S.A., contratou também com a empresa «Schimdt + Sohn Elevadores» a instalação de um ascensor nas novas instalações da farmácia, pelo preço de €19.250,00.
26. Para assegurar o pagamento das quantias referidas em 24. e 25. supra, a sociedade Cinabaris, S.A., contraiu junto do Banco BPI um empréstimo, no valor de €520.000,00, titulado pelo documento n.º 14 junto com a PI, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. Para assegurar o pagamento da quantia referida em 26., a 2.ª A. avalizou uma livrança em branco emitida pelo Banco BPI e a sociedade Lisgrante – Sociedade de Garantia Mútua, SA, prestou, a pedido da 1.ª A., uma garantia bancária a favor do mesmo banco.
28. Foi ainda prestado penhor mercantil «(…) sobre o estabelecimento de farmácia denominado C, incluindo o direito ao Alvará, a favor do Banco e da Lisgrante (…)».
29. E feito um penhor sobre «(…) das acções representativas de 100% do (…) capital social [da 1.ª A.], a favor do Banco e da Lisgrante (…)».
30. Em 28 de Abril de 2010, o Banco BPI, S.A., comunicou à sociedade Cinabaris, S.A., que o empréstimo referido em 26. supra havia sido concedido, mas a proposta só seria válida pelo período de 120 dias.
31. Ainda em 28 de Abril de 2010, foi aberto pelo Banco BPI um crédito em conta corrente a favor da sociedade Cinabaris, S.A., para apoio de tesouraria, no montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), nos termos constantes do documento junto como doc. 19, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
32. Para assegurar o pagamento da quantia referida em 31. supra, a 2.ª A. avalizou uma nova livrança em branco emitida pelo Banco BPI.
33. Em 28 de Abril de 2010, a sociedade Cinabaris, SA, contraiu junto do Banco BPI um novo empréstimo, no montante de €200.000,00 (duzentos mil euros), pelo prazo de 120 meses, nos termos constantes do contrato titulado no documento junto como doc. 21, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
34. Para assegurar o cumprimento das obrigações emergentes deste último contrato, foram prestadas as seguintes garantias:
a) Aval da A. A;
b) Penhor mercantil sobre o estabelecimento de farmácia denominado “Farmácia (…)”, incluindo o direito ao Alvará;
c) Penhor das ações representativas de 100% do capital social;
d) Penhor sobre as quotas representativas de 100% do capital social da A. Cruzada Lógica, Lda.; e
e) Seguro de vida em nome da A.AGonçalves.
35. Em virtude do referido em 15., a nova farmácia da A. não pôde abrir ao público entre Junho e Setembro de 2010, só vindo a abrir portas em 08/10/2010.
36. A A. suportou entre Maio e Setembro de 2010 um custo de €8.297,21 com rendas, referentes à farmácia localizada no Centro Comercial D.
37. A A. contratou novos trabalhadores no período em causa, sendo que os seus custos diretos com salários passaram de uma média mensal de €5.249,00, no período de Janeiro a Abril de 2010, para uma média mensal de €9.290,00, no período de Maio a Setembro de 2010.
38. A despendeu, entre Maio e Setembro de 2010, a quantia de €46.448,00 de salários com trabalhadores.
39. Entre Outubro de 2010 e Outubro de 2011, a A. faturou €1.223.807,00.
40. A A. suportou entre Maio e Setembro de 2010 custos de remuneração dos empréstimos contratados de €4.654,77.
41. A A. suportou com a abertura da farmácia, referentes a obras aí executadas, a quantia total de €235.554,43.
42. A A. suportou ainda a quantia de €27.500,00, referentes a elevadores, e a quantia de €30.000,00, referentes a material.
43. A 2.ª A., sendo avalista de todos os empréstimos bancários acima referidos, sentiu ansiedade, preocupação e angústia com a possibilidade de, em virtude do referido em 15. supra e do atraso na abertura da nova farmácia, serem acionados os avales pessoais por si prestados, ser resolvido o contrato de utilização de loja referido em 23., serem executados os penhores das ações da 1.ª A e, em consequência, a nova farmácia entrar em insolvência e perder (a 2.ª A.) a sua fonte de sustento.
*
E são os seguintes os factos não provados:
1.A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15. dos factos provados cerca de 9 meses depois da decisão referida em 8. dos factos provados, bem sabia que o fazia intempestivamente.
2. A R., ao dar entrada do procedimento cautelar referido em 15, tinha conhecimento de que o limite exterior da loja (…) dista mais de 350 metros da B Ldª e de que o pedido formulado nesse procedimento cautelar era, quanto ao seu mérito, infundado, pretendendo apenas, com a instauração do mesmo, debilitar financeiramente a 1.ª A. e inviabilizar a abertura de uma nova farmácia concorrente. (alteração assinalada a negrito, efetuada ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC).
3. À data da propositura do referido procedimento cautelar, bem sabia a R. que o mesmo não reunia os pressupostos de cuja verificação dependeria o seu deferimento, pretendendo apenas obter, através da mera instauração do procedimento cautelar, e sem contraditório, a suspensão da autorização pelo Infarmed e, assim, causar prejuízos às AA.
4. Durante os meses de paralisação, e tendo em conta a margem de comercialização de 25%, a 1.ª A. deixou de faturar uma média mensal de €101.983,91, pelo que totalizou uma perda de faturação de €509.919,58.
5. A A. perdeu lucros, durante esse período, de €127.497,88.
*
Recurso das autoras
As pretensões deduzidas pelas recorrentes fundamentavam-se na alteração dos factos provados, em cuja impugnação soçobraram. Consequentemente, julgamos ser de reafirmar o juízo de improcedência da ação afirmado pela primeira instância, dado não terem resultado apurados os pressupostos de que dependeria a responsabilização civil da ré pela indemnização peticionada.
As recorrentes alicerçaram o pedido no disposto no artigo 374º, nº 1, CPC, que estabelece: “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”.
Como tem vindo a reconhecer-se, a responsabilização de requerente de providência cautelar “considerada injustificada” ou que vem a caducar depende da alegação e prova pelo lesado dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º, CC “(…) para onde nos remete a letra e o espírito do artigo 374º, nº 1, CPC” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019 (proferido no processo nº 618/12.9TVPRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2022 (proferido no processo nº 639/13.4TBPBL.C1.S1, também disponível em www.dgsi.pt): “A formulação legal do art.º 374.º n.º1 CCiv conjuga-se com os pressupostos habituais exigidos pela doutrina para a prova da responsabilidade civil aquiliana, tal como prevista no art.º 483.º n.º1 CCiv, constituindo uma particular situação de responsabilidade civil extracontratual pelos prejuízos emergentes de atuação culposa do requerente de uma providência cautelar que omite deveres de prudência e cuidado que lhe eram exigíveis, ao requerer, sem fundamento legítimo, a referida providência”.
Assim, ao lesado incumbe a demonstração da prática pelos demandados de um facto ilícito, culposo e gerador de danos na sua esfera. Acresce que nesse domínio vigora o princípio de que ao lesado incumbe a prova do autor da lesão, nos termos do disposto no artigo 487º, CPC.
Com interesse para a decisão da causa, refere Alberto dos Reis (B.M.J nº 3 pág. 88): “Se o tribunal em face da instrução e discussão produzidas no processo principal, apura que o autor não tem o direito que se arrogava e julga a ação improcedente, isso não significa que a providência tivesse sido decretada indevidamente ou sem fundamento”.
Sobre este regime afirma Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 265) “(…) parece, no entanto que não são apenas os casos anteriormente apontados de ocultação intencional da verdade ou afirmação conscientemente contrária à verdade que deverão conduzir à responsabilização do requerente, mas ainda as situações que configurem atuações imprudentes ou baseadas em erros grosseiros de apreciação (…)”.
Tendo a providência cautelar que na perspetiva das autoras está na origem dos danos invocados sido interposta na jurisdição administrativa, não suscita reservas o enquadramento da pretensão indemnizatória deduzida no artigo 126º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Ali se prevê, sob a epígrafe “Utilização abusiva da providência cautelar”, no seu nº 1: “Sem prejuízo da possibilidade de aplicação pelo juiz da taxa sancionatória excecional, prevista no artigo 531.º do Código de Processo Civil, o requerente responde pelos danos que, com dolo ou negligência grosseira, tenha causado ao requerido e aos contrainteressados”. A alusão ao “dolo ou negligência grosseira”, em conformidade com o regime da “litigância de má fé”, evidencia a maior exigência inerente à responsabilização do requerente de providência em sede administrativa, que não se basta com uma culpa leve.
Porém, não resultaram apurados os requisitos da responsabilidade civil enunciados, não podendo extrair-se da manifesta improcedência da providência requerida em sede administrativa pela ré um juízo de ilicitude e de culpa, suscetível de a responsabilizar nos termos pretendidos. Na realidade, perante o comportamento sequencial apurado da ré, perante o Infarmed e depois em sede judicial, com instauração de providência julgada improcedente, não pode concluir-se que agiu com dolo ou negligência grosseira, ou sequer com falta de normal prudência. Nas condições concretas inerentes à instauração dessa providência (que são as relevantes para aferir da culpa na sua atuação), a questão controvertida (modo de medição da distância mínima entre as farmácias) suscitava dúvidas interpretativas e até de operacionalidade prática. De facto, a divergência quanto à concreta localização da loja no centro comercial, designadamente o concreto piso da sua localização (decorrente de imprecisão da autora que careceu de retificar esse elemento), e as dúvidas relativas à direta acessibilidade para o exterior, impedem a formulação de um juízo de culpa relativamente à atuação da ré. Acresce que a questão suscitada se inscrevia no domínio de sucessão de leis no tempo e de divergências quanto à sua interpretação prática, inviabilizando a imputação de um juízo de culpa à ré por ter recorrido a providência cautelar julgada improcedente. Improcedência essa que, nesta matéria, também não contribui argumento decisivo quanto à sua responsabilização nos termos pretendidos, sob pena de limitação no acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20ºCRP e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. De facto, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2022, já citado: “O insucesso de uma providência, além de poder resultar das contingências da prova, não deve afetar o direito de ação e de acesso ao Tribunal dos cidadãos, direitos que podem ter variadas causas, que o insucesso da demanda é insuficiente para explicar; ir além dessa sanção é pôr em questão preceitos constitucionais, convencionais internacionais e legais
Pelo exposto, deve ser mantida a decisão recorrida.
As autoras suportarão as custas do seu recurso, atenta a sua improcedência – cfr. artigo 527º, CPC
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível, julgar improcedente o recurso das autoras, mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pelas autoras (recorrentes) - cfr. artigo 527º, CPC.
D.N.

Lisboa, 23 de outubro de 2025
Rute Sobral
Teresa Bravo
Ana Cristina Clemente