Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | INÊS MOURA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO CUMULAÇÃO REGIME JURÍDICO APLICAÇÃO NO TEMPO LEGITIMIDADE INTERESSADO HERDEIRO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. Não obstante a Lei 23/2013 de 5 de março, que entrou em vigor em 2 de setembro de 2013, ter vindo instituir o regime jurídico do processo de inventário, revogando no seu art.º 6.º n.º 2, designadamente, os art.º 1326.º a 1392.º do CPC aprovado pelo DL 44129 de 28 de dezembro de 1961, a regulação aí prevista continua a aplicar-se aos processos de inventário pendentes nos tribunais em 1 de setembro de 2013. 2. O conceito assumido pelo legislador para definir a legitimidade de quem pode requerer o inventário, é o de interessado direto na partilha e não o de herdeiro, como consta da al. a) do n.º 1 do art.º 1327.º do anterior CPC, que nesta parte encontra correspondência na 1ª parte da al. a) do n.º 1 do art.º 1085.º do atual CPC que hoje rege sobre a legitimidade para requerer ou intervir no inventário como parte principal. 3. Se é certo que o herdeiro tem sempre legitimidade para requerer ou intervir no inventário, como dispõe expressamente o art.º 2101.º n.º 1 do C. Civil, que alude igualmente ao cônjuge meeiro, o conceito de parte diretamente interessada na partilha é mais amplo do que o de herdeiro, sendo suscetível de abarcar outras situações. 4. No art.º 2030.º do C.Civil o legislador estabelece o critério de distinção entre o herdeiro e o legatário, relevando a circunstância da qualidade de herdeiro ser conferida àquele a quem é atribuída a universalidade dos bens do de cujus ou uma quota dessa universalidade e a de legatário àquele que sucede em bens ou valores determinados, independentemente da qualificação que possa constar da deixa testamentária, que é irrelevante para este efeito. 5. A Requerente, neta da inventariada é havida como herdeira, quando a inventariada testadora atribui a nua propriedade dos bens que integrem a sua quota disponível aos filhos já nascidos e por nascer de cada uma das filhas, instituindo os seus netos como seus sucessores, sem qualquer especificação dos bens ou valores com os quais os beneficia, pelo que só com a realização da partilha aquela pode ver concretizado o seu direito de propriedade sobre determinados bens. 6. Não obstante a Requerente ter sido instituída sucessora do seu avô, por legado que o mesmo lhe atribuiu no âmbito da sua quota disponível, a ação por ela intentada onde pede o reconhecimento e cumprimento daquele legado foi suspensa, por existência de causa prejudicial, como ali invocado pela cabeça de casal “até que o processo de inventário atinja as suas finalidades, cumprindo-se ali a partilha das heranças em causa, cuja determinação do conteúdo e extensão importa à decisão do petitório”. 7. Na medida, em que a concretização do legado da Requerente através do processo que a mesma veio a intentar para o efeito, ficou dependente da partilha das heranças dos seus avós, afigura-se que a mesma tem um interesse direto na sua realização, sob pena de não poder ver cumprido o seu legado. 8. A cumulação dos dois inventários é admitida, tal como foi determinada por despacho não impugnado, verificando-se simultaneamente as três circunstâncias previstas nas três alíneas do n.º 1 do art.º 1337.º do CPC que a permitem, na medida em que as pessoas por quem haja de ser repartidos os bens são as mesmas; estamos perante heranças deixadas pelos dois cônjuges e a partilha da herança do inventariado está dependente da partilha da herança da sua mulher pré falecida. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório Vem a Requerente AA a 31-12-2012, intentar o presente processo especial de inventário contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II. Alega que o inventário tem em vista a partilha dos bens da herança dos seus avós já falecidos JJ e KK, que refere terem outorgado testamento público nos quais contemplam os seus netos, requerendo que se proceda a inventário por pretender pôr termo à comunhão hereditária, indicando como cabeça de casal a 1ª Requerida. Junta documentos, entre os quais a certidão de óbito e os testamentos que foram outorgados pelos inventariados. Por despacho de 07.01.2013 foi admitida “a cumulação de inventários, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1337.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil” e nomeada cabeça de casal BB. Após diversas tentativas de citação da cabeça de casal, a mesma foi conseguida e a 05-07-2013 aquela compareceu em tribunal, tendo-lhe sido tomadas declarações, com referência às heranças dos dois inventariados, conforme da ata consta, tendo requerido prazo para juntar a relação de bens das heranças, o que lhe foi concedido. A 09-03-2015 veio a cabeça de casal invocar a ilegitimidade da Requerente para intentar o presente inventário, alegando em síntese não ser a mesma interessada direta na partilha, por ser legatária de cada um dos seus avós falecidos, podendo fazer valer os seus direitos através dos meios comuns, sem que seja necessário proceder-se a inventário. A 25-03-2015 veio a cabeça de casal juntar aos autos a relação de bens. A 25-01-2018 foi proferido o seguinte despacho: “Nos presentes autos de inventário cumulado, verifica-se que foi junta relação de bens a fls. 684 a 773, seguida de aditamentos 1119, 1170/1174, 2188/2191 e 2238 a 2339. Não se mostram os interessados notificados para, nos termos do disposto no nº 1 do art. 1348º do Código de Processo Civil querendo, reclamar da mesma. Desde já se consigna aditar o nº 14A à relação de bens, em virtude de a mesma ser omissa quanto aos bens moveis que integram a verba 64 (fls. 709).” A 17-09-2018 foi determinada a suspensão da instância em face do óbito da interessada CC, filha dos inventariados, tendo sido os seus filhos habilitados por sentença a prosseguir no processo em seu lugar. A 13-03-2024 veio a ser proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos verifica-se que, por requerimento de 09/03/2015, sob a ref.ª 3847733 do p.e., veio a cabeça-de-casal suscitar a questão da ilegitimidade da requerente para a instauração dos presentes autos de inventário com fundamento na sua qualidade de legatária em ambas as heranças. Tal pedido veio reiterado no requerimento da cabeça-de-casal sob a ref.ª 1729683 do p.e., de 18/12/2017. Atenta a profusão de requerimentos apresentados pelas partes, nunca foi concedido o contraditório à requerente e, bem assim, aos demais interessados, nem foi a questão até ao momento apreciada por este tribunal, sendo que a mesma não pode deixar de o ser. Ora, não obstante se prefigurar uma eventual ilegitimidade da requerente, pelo menos, para requerer a instauração de inventário por óbito de KK e revelando-se a mesma questão mais duvidosa quanto à herança de JJ, considerando a data de instauração do processo, os actos já praticados pelas partes, com apresentação de relação de bens e e reclamações, notifique a requerente e demais interessados para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a questão da ilegitimidade suscitada no requerimento de 09/03/20015, sob a ref.ª 3847733 do p.e. Notifique.” Oferecido o contraditório à Requerente, a mesma veio pronunciar-se pela improcedência da exceção, alegando, em síntese, que é herdeira da sua avó materna por via testamentária e que por isso tem interesse direto na partilha, tendo a quota disponível da sua herança sido por ela conferida aos seus netos, a quem atribui a nua propriedade dos seus bens, conforme testamento já junto aos autos, atribuindo o seu usufruto ao seu marido e por morte deste às suas filhas BB e CC, não sendo possível determinar qual ou quais os bens em concreto cuja nua propriedade cabe à Interessada e demais netos. Refere ainda que é também legatária do seu avô, por via de deixa testamentária, legado de bens determinados que não lhe são entregues, sendo que a cabeça de casal não pretende entregar o legado à Interessada, como resulta da ação judicial que identifica e que se encontra suspensa, onde esta veio invocar que o cumprimento do legado deixado à A. pressupõe necessariamente a partilha da herança deixada pelo testador e pela sua falecida mulher, processo se encontra suspenso até à decisão final dos presentes autos de inventário. Foi proferido despacho que concluiu pela ilegitimidade ativa da Requerente para requerer o inventário por óbito dos seus avós maternos, absolvendo os Requeridos da instância. É com esta decisão que a Requerente não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que determine que a Requerente tem interesse e legitimidade ativa para instaurar o presente processo para partilha de ambas as heranças, ou seja, com cumulação de inventários ou pelo menos para partilha da herança da Inventariada, sua avó materna, de quem é herdeira, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem: A) A Requerente instaurou o presente processo de inventário em 31 de dezembro de 2012, para partilha das heranças dos seus avós maternos. B) A avó da Requerente fez testamento, nos termos do qual atribuiu o usufruto vitalício da quota disponível dos seus bens ao seu marido e por morte do seu marido, atribuiu o usufruto da quota disponível dos seus bens à sua filha BB e à sua filha CC, na proporção de metade para cada e simultaneamente, mas não sucessivamente, a nua propriedade da quota disponível dos seus bens aos filhos já nascidos e por nascer de cada uma das filhas, na proporção de metade para cada ramo; C) O avô da Requerente fez igualmente testamento, no qual deixou à Requerente, por conta da quota disponível, o usufruto da área correspondente às pastagens de três prédios rústicos; D) No dia 05 de julho de 2013, foram prestadas declarações de Cabeça de Casal, cargo ocupado pela mãe da Requerente, BB; E) No dia 09 de março de 2015, o Tribunal ad quo proferiu um Despacho a notificar a Cabeça de Casal para apresentar a relação de bens em 30 dias, sob pena de condenação em multa; F) No próprio dia 09 de março de 2015, a Cabeça de Casal apresentou um requerimento nos autos, no qual alegou que a Requerente era legatária nos termos dos testamentos dos Inventariados e que, por isso, não teria legitimidade para intentar a presente ação de inventário, requerendo a absolvição da instância dos requeridos; G) Sem prejuízo, no dia 23 de março de 2015, a Cabeça de Casal apresentou então relação de bens das heranças dos Inventariados, tendo depois, sucessivamente, aditado diversas verbas ao longo do processo; H) No mês de abril de 2018, faleceu a herdeira CC, filha dos Inventariados, tendo o processo ficado suspenso até janeiro de 2019, data em que os respetivos filhos foram habilitados por Sentença; I) A Cabeça de Casal só veio a ser notificada das reclamações à relação de bens por Despacho datado de março de 2024, no qual o Tribunal ad quo, notificou igualmente as partes para se pronunciarem sobre a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, que a Cabeça de Casal havia suscitado em março de 2015, ou seja, há nove anos atrás; J) As partes pronunciaram-se sobre a questão, tendo o Tribunal ad quo proferido a Sentença de que ora se recorre, na qual, volvidos mais de dez anos sobre o início do presente processo e sem mais, absolveu os requeridos da instância, concluindo que a Requerente é legatária da herança dos seus avós e que, por isso, não tem legitimidade ativa, nos termos do disposto nos artigos 1327.º do Código de Processo Civil (versão aplicável) e 2030.º e 2133.º do Código Civil; K) Sucede que, resulta absolutamente evidente do teor do testamento da avó da Requerente, que os netos e, em concreto, a Requerente, não sucederam em bens ou valores determinados, mas sim numa quota do património da Inventariada; L) A Inventariada deixou a nua propriedade de todos os bens que viessem a integrar a sua quota disponível aos filhos já nascidos e por nascer das suas filhas BB e CC, ou seja, os filhos destas e netos dos Inventariados, deverão suceder na nua propriedade dos bens que venham a integrar a quota disponível da herança, não se encontrando tais bens determinados, algo que está dependente da realização da partilha, pelo que são herdeiros à luz do art.º 2030º, n.º 2, do Código Civil; M) Ou seja, não obstante este testamento intitular/classificar esta deixa como um legado, a realidade é que não estamos perante um legado, pois que não se sabe que bens integram a quota disponível da herança da Inventariada, nem os seus respetivos valores, sendo que, nos termos do n.º 5 do art.º 2030.º do Código Civil, a qualificação dada pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário, mas sim e apenas, o facto de os mesmos sucederem em bens determinados ou, ao invés, numa quota do património; N) Veja-se que correu termos na 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, o processo n.º 2615/07.7TVLSB, com o intuito de determinar os herdeiros da quota disponível da herança da Inventariada, uma vez que, tendo em conta o conteúdo das disposições testamentárias supra referidas, a quantidade de sucessores estava ainda por determinar (“filhos nascidos e por nascer”). O) Neste processo, foi proferida Sentença em 2008, que se encontra junta aos presentes autos e que determinou que os sete netos da Inventariada são os sucessores da quota disponível que caberia aos netos “nascidos e por nascer” nos termos do testamento em apreço; P) Mais, correu termos no Tribunal de Alenquer o processo n.º 1238/05.0TBALQ-C, que dizia respeito a uma indeminização devida por expropriação de um imóvel que integra as heranças dos Inventariados, no qual foi decidido (conforme Sentença também junta aos autos) que a herança da Inventariada ainda não foi partilhada, pelo que, neste momento, é impossível concluir qual seja a parte da indeminização que cabe em concreto a cada interessado, tendo a indemnização a atribuir que ser levada ao correspondente inventário, a fim de se apurar qual a quota disponível da falecida – operação que apenas nesse mesmo inventário terá lugar. Q) Ora, em face do exposto, é evidente que a Requerente tem legitimidade ativa para instaurar processo de inventário para partilha da herança da sua avó materna, uma vez que sem partilha não é possível determinar os bens que integram a respetiva quota disponível, sendo que a própria Cabeça de Casal, que suscitou a questão da ilegitimidade ativa em 2015, afirmou expressamente e admitiu, não só no auto de declarações, como também posteriormente, em diversos atos processuais ao longo do processo, que a Requerente é herdeira da Inventariada; R) Atento o exposto, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que a Requerente tem legitimidade ativa para instaurar o presente processo de inventário, pelo menos, no que à herança da Inventariada diz respeito, da qual não é legatária, mas sim herdeira; S) Nos presentes autos estamos perante heranças deixadas pelos dois cônjuges, que eram casados entre si no regime da comunhão geral de bens, ou seja, os bens que compõem as heranças a partilhar são os mesmos por força do regime de bens do casamento, pelo que a cumulação de inventários é admissível, nos termos do disposto no art.º 1094.º do Código de Processo Civil. T) Em 2013, a Requerente avançou com uma ação declarativa comum no Tribunal Judicial de Avis (processo n.º 20/13.5TBAVS), na qual peticionou o reconhecimento e cumprimento do legado que integra a deixa testamentário do seu avô, aqui Inventariado; U) Citadas para contestar esta ação, ambas as filhas dos Inventariados, nomeadamente, a ora Cabeça de Casal, referiram, em suma, que o cumprimento do legado está dependente da partilha da herança da esposa pré-decessa ao de cujus e, bem assim, da determinação da quota disponível da herança do Eng. KK; V) O Tribunal de Avis proferiu então decisão em 04/12/2013, na qual suspendeu o referido processo, enquanto os presentes autos de inventário não terminassem, com a partilha de ambas as heranças dos Inventariados; W) Ou seja, a Cabeça de Casal e o Tribunal de Avis entendem que a partilha da herança da Inventariada depende da partilha da herança do Inventariado e vice-versa, bem assim como o cumprimento do legado constante do testamento do avô materno da Requerente; X) Ora, se de acordo com tal entendimento, o cumprimento do referido legado está dependente da partilha das heranças dos Inventariados, a Requerente tem necessariamente que ter legitimidade (interesse) para instaurar processo de inventário para partilha da herança da avó cumulativamente com a herança do avô; Y) Caso contrário, ficaria para sempre dependente da vontade de terceiros, de avançarem com os referidos processos de inventário, para ver o legado cumprido, o que, salvo o devido respeito, não é admissível. Z) No entanto, é este o posicionamento da Cabeça de Casal, que entende, por um lado, que o cumprimento do legado do avô a favor da Requerente depende da partilha prévia das heranças dos Inventariados e, por outro lado, que a Requente não tem legitimidade para avançar com um processo para partilha de nenhuma destas heranças. AA) As heranças objeto dos autos devem ser partilhadas no mesmo processo, não fazendo sentido, do ponto de vista prático e para uma boa aplicação da justiça e do direito, que fosse de outra forma, porquanto são heranças compostas pelos mesmos bens, aliás, da herança do Inventariado, fazem parte a meação e a quota (hereditária) deste na herança da Inventariada; BB) Ademais, nos presentes autos, foi proferido Despacho logo em janeiro de 2013, no qual o Tribunal ad quo admitiu expressamente a cumulação de inventários nos presentes autos, decisão esta que não foi objeto de recurso e que há muito transitou em julgado; CC) Pelo que, salvo melhor entendimento, decidir agora, volvidos mais de dez anos, que o presente processo não deverá prosseguir para a partilha de ambas as heranças, violaria o Princípio do Caso Julgado formal, para além de não fazer qualquer sentido do ponto de vista prático como verificado; DD) Neste sentido, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que a Requerente tem interesse e legitimidade ativa para instaurar o presente processo para partilha de ambas as heranças, ou seja, com cumulação de inventários; EE) A acrescer ao exposto, mais cumpre mencionar que o presente processo corre termos desde 2012, conforme referido; FF) Tendo sido apresentados, ao longo de cerca de treze anos de processo, dezenas de requerimentos, relação de bens, aditamentos, reclamações à relação de bens, recursos, entre outros atos processuais, onde as partes expuseram amplamente os seus entendimentos sobre as questões controvertidas nos autos e juntaram diversos documentos.; GG) Pelo que, salvo o devido respeito, é absolutamente inadmissível que, após todo este tempo, seja proferida Sentença de absolvição dos requeridos na instância, por conta de uma suposta exceção de ilegitimidade ativa, que não foi invocado pela Cabeça de Casal no início dos autos, mas somente três anos depois, em 2015. HH) Ou seja, já após ter praticado diversos atos no processo, em que aceitou a legitimidade da Requerente e em que, inclusive, afirmou e aceitou que a mesma é herdeira, nomeadamente e desde logo, no próprio auto de declarações de Cabeça de Casal; II) Mais, o próprio Tribunal ad quo praticou diversos atos e proferiu dezenas de Despachos sem nunca suscitar qualquer questão referente a uma eventual ilegitimidade ativa, que é de conhecimento oficioso, tendo aceitado expressamente a cumulação de inventários; JJ) Na realidade, só em 2024, volvidos nove anos do requerimento da Cabeça de Casal, em 2015, é que o Tribunal ad quo notificou as partes para se pronunciarem sobre a alegada exceção de ilegitimidade; KK) Ou seja, sem mais, o Tribunal ad quo pôs termo a um processo que corre termos há treze anos, sem pensar nas consequências inerentes a tal decisão, ignorando todos os atos já praticados pelas partes, os encargos suportados com o presente processo, tanto a nível de taxas, como de honorários dos respetivos Mandatários, e o tempo entretanto passado e despendido; LL) A Requerente tem direito a ver as heranças em apreço partilhadas, assim como tem direito a que o legado que foi lhe deixado pelo Inventariado seja cumprido, porém, agora e a manter-se a decisão recorrida, perdeu treze anos sem qualquer necessidade e/ou justificação; MM) Esta questão deveria, naturalmente, ter sido apreciada e decidida no início dos presentes autos (até porque é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.º 578.º do Código de Processo Civil) ou, pelo menos, quando foi alegada, em 2015!; NN) Tal situação não é admissível e ofende o Princípio da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança, que decorrem do Princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa; OO) Tais princípios implicam um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das pessoas e nas expetativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança do cidadão e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado; PP) Neste sentido, deverá a Sentença recorrida ser declarada nula por violação dos Princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança, que decorrem do Princípio do Estado de Direito Democrático e, consequentemente, revogada e substituída por outra que determine que a Requerente tem legitimidade ativa para instaurar o presente processo para partilha de ambas as heranças, ou seja, com cumulação de inventários. A cabeça de casal e os restantes interessados não vieram responder ao recurso. II. Questões a decidir É apenas uma a questão a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: - da (i)legitimidade processual da Requerente para intentar o presente processo de inventário por morte dos seus avós. III. Fundamentos de Facto Os factos que resultam provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam do relatório elaborado, para além dos seguintes que se aditam, por relevantes para a decisão, resultantes dos documentos juntos aos autos e do acordo das partes: 1-JJ, faleceu a 7 de outubro de 1996, no estado de casada com KK – doc. 1 junto com o requerimento inicial. 2- KK, faleceu a 6 de março de 2011, no estado de viúvo – doc. 2 junto com o requerimento inicial. 3- JJ e KK deixaram duas filhas, as Requeridas BB e CC– doc. 4 e 5 juntos com o requerimento inicial. 3- CC faleceu a 9 de abril de 2018, no estado de viúva – doc. junto a 27.04.2028, tendo sido habilitados os seus herdeiros na pendência dos autos. 4- A Requerente AA, é neta dos falecidos, filha de BB – doc. 3 junto com o requerimento inicial. 5- Os Requeridos EE, FF, GG, DD, HH e II, são também netos dos falecidos – doc. 6 a 11 juntos com o requerimento inicial 5- JJ lavrou testamento público no dia 23 de novembro de 1973, no 2º Cartório Notarial de Vila Franca de Xira, onde atribui o usufruto vitalício da quota disponível de todos os seus bens e direitos ao seu marido; por morte do seu marido, o usufruto da quota disponível dos seus bens à sua filha BB e à sua filha CC, na proporção de metade para cada uma; e simultaneamente, mas não sucessivamente, lega a nua propriedade desses mesmos bens aos filhos já nascidos e por nascer de cada uma das filhas, na proporção de metade para cada ramo - doc. 12 junto com o requerimento inicial. 7- KK lavrou testamento público a 19 de abril de 2010, em que por conta da quota disponível lega à sua filha BB quatro prédios, três rústicos e um urbano que identifica e lega à sua neta AA o usufruto da área correspondente às pastagens existentes nos mesmos três prédios rústicos identificados, nas condições que ali estabelece - doc. 13 junto com o requerimento inicial. 8- KK lavrou novo testamento público a 11 de janeiro de 2011, em que expressamente mantém o testamento outorgado a 19 de abril de 2010, e nomeia testamenteira para vigiar o cumprimento do referido testamento e o executar, a sua filha BB - doc. 14 junto com o requerimento inicial. 7- No processo judicial que correu termos com o n.º 2615/07.7TVLSB na 11º Vara 3ª Secção de Lisboa, intentado pela Herança Jacente de JJ, contra BB e CC, foi proferida sentença em 22.09.2008 transitada em julgado, que julgando a ação procedente decidiu que as RR. já não têm capacidade reprodutiva, autorizando a partilha da herança deixada por óbito daquela - doc. junto pela cabeça de casal a 19.06.2014. 9- Corre termos o proc. n.º 20/13.5TBAVS no Tribunal Judicial de Avis, intentado pela aqui Requerente contra as RR. BB e CC, no qual a mesma pede o reconhecimento e cumprimento do legado que integra a deixa testamentária do seu avô KK, no qual em 04.12.2013 foi proferido despacho a suspender o processo por existência de causa prejudicial, “até que o processo de inventário atinja as suas finalidades, cumprindo-se ali a partilha das heranças em causa, cuja determinação do conteúdo e extensão importa à decisão do petitório” – doc. 10 junto pela cabeça de casal a 30.01.2015. 10- Citadas em RR. em tal processo, vieram as mesmas contestar, alegando, designadamente que: “O cumprimento do legado deixado à A., nos termos supra descritos, supõe necessariamente a partilha da herança deixada por óbito do testador e da falecida esposa deste, a efetuar em sede própria que não os presentes autos, o que também se invoca para os devidos efeitos legais.” - doc. 10 junto pela cabeça de casal a 30.01.2015. IV. Razões de Direito - da (i)legitimidade processual da Requerente para intentar o presente processo de inventário por morte dos seus avós Alega a Recorrente que por força do testamento outorgado pela sua avó é herdeira, juntamente com os outros netos da inventariada, da nua propriedade dos bens por ela deixados que integrem a quota disponível da sua herança, não se encontrando tais bens determinados, dependendo da realização da partilha para o efeito, pelo que é sua herdeira nos termos do art.º 2030.º n.º 2 do C.Civil e parte legítima para intentar o presente inventário. Mais refere que a cumulação de inventários é possível, à luz do art.º 1094.º do CPC, por estarem em causa as heranças dos dois cônjuges, casados sob o regime de comunhão geral de bens, sendo que o processo em que solicitou o cumprimento do legado do seu avô se encontra suspenso, até à partilha de ambas as heranças. A decisão recorrida, de uma forma que não pode deixar de qualificar-se como extremamente simplista, vem considerar verificada a exceção da ilegitimidade ativa da Requerente, pronunciando-se quase 10 anos depois da questão ter sido suscitada pela cabeça de casal e do processo ter prosseguido os seus termos, entendendo que são os herdeiros contemplados no art.º 2133.º que têm legitimidade para requerer o inventário por morte de JJ, concretizando serem estes a filha BB e os netos HH e II por direito de representação da filha CC. O Regime jurídico do Processo de Inventário, como é sabido, tem vindo a sofrer diversas alterações, tendo sido reintroduzido no Código de Processo Civil com a Lei 117/2019 de 13 de setembro, a par do regime do inventário notarial. Não obstante a Lei 23/2013 de 5 de março, que entrou em vigor em 2 de setembro de 2013, ter vindo instituir o regime jurídico do processo de inventário, revogando no seu art.º 6.º n.º 2, designadamente, os art.º 1326.º a 1392.º do CPC, aprovado pelo DL 44129 de 28 de dezembro de 1961, que então regulava este processo, a regulação aí prevista continua a aplicar-se aos processos de inventário pendentes nos tribunais em 1 de setembro de 2013. Como bem refere Carla Câmara in O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial, pág. 8 a respeito da aplicação da lei no tempo: “aos processos de inventário pendentes nos Tribunais Judiciais em 01.09.2013 e aí corram os seus termos, aplica-se o regime do processo de inventário com previsão à data no Código de Processo Civil.” O que nos interessa no caso em presença é o regime do processo de inventário regulado no anterior Código de Processo Civil revogado, tendo em conta que o processo foi intentado pela Requerente em 31.12.2012, numa data anterior à vigência do regime instituído por aquela Lei 23/2013, sendo à luz daquele que importa avaliar a situação. O art.º 26.º do CPC que nos dá o conceito de legitimidade, nos mesmos termos que o art.º 30.º do atual CPC, dispunha: “1. O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.” Para avaliar a legitimidade processual das partes, nos termos previstos no art.º 26.º do CPC importa ter em conta a sua posição na relação material controvertida tal como a apresenta o A., aferindo-se a legitimidade perante o pedido e a causa de pedir invocados no requerimento inicial, sendo que o que se pretende é que na causa estejam os verdadeiros interessados diretos na questão que se discute. Sobre a questão da legitimidade, ensinam-nos com toda a clareza Antunes Varela, J Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 129: “Ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão existe; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida. Se assim não suceder, a decisão que o tribunal viesse a produzir, não poderia surtir o seu efeito útil, visto não poder vincular os verdadeiros sujeitos da relação material controvertida, ausentes da lide.” A legitimidade afere-se pela titularidade da relação jurídica que integra o objeto do litígio, sendo que não é qualquer interesse em demandar que confere legitimidade ativa a uma parte, exigindo o art.º 26.º n.º 1 do CPC que tal interesse seja direto, expresso na utilidade derivada da procedência da ação o que, desde logo exclui a legitimidade de quem se apresenta a demandar com um interesse apenas indireto ou reflexo, precisamente por não ser o titular da relação jurídica controvertida. Na situação em presença, importa ter em conta as especificidades do processo de inventário e a sua função ou finalidade, sendo que de acordo com o que já dispunha o art.º 1326.º do anterior CPC: “O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.” Com a epígrafe “legitimidade para requerer ou intervir no inventário”, estabelecia o art.º 1327.º do anterior CPC: “1 - Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os actos e termos do processo: a) Os interessados directos na partilha; b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a incapazes, ausentes em parte incerta ou pessoas colectivas. 2 - Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e donatários são admitidos a intervir em todos os actos, termos e diligências susceptíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e implicar eventual redução das respectivas liberalidades. 3 - Os credores da herança e os legatários são admitidos a intervir nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, cumprindo ao Ministério Público a representação e defesa dos interesses da Fazenda Pública.” O processo de inventário supõe a existência de um litígio entre os interessados na partilha da herança, que não se encontram de acordo quanto à forma de realização da mesma, como decorre do disposto nos art.º 2101.º n.º 1 e 2102.º n.º 1 a contrario e n.º 2 do C.Civil. O conceito assumido pelo legislador para definir a legitimidade de quem pode requerer o inventário, é o de interessado direto na partilha e não o de herdeiro, como consta da al. a) do n.º 1 do art.º 1327.º do anterior CPC, que nesta parte encontra correspondência com o estabelecido na 1ª parte da al. a) do n.º 1 do art.º 1085.º do atual CPC que hoje rege sobre a legitimidade para requerer ou intervir no inventário como parte principal. Se é certo que o herdeiro tem sempre legitimidade para requerer ou intervir no inventário, como aliás dispõe expressamente o art.º 2101.º n.º 1 do C.Civil, que alude igualmente ao cônjuge meeiro, o conceito de parte diretamente interessada na partilha é mais amplo do que o de herdeiro, sendo suscetível de abarcar outras situações. A este respeito ensina João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. I, edição de 1990, pág. 176, em termos que se considera que não perderam atualidade: “O Cód. Proc. Civil de 1939 determinava que o processo de inventário somente seria admitido «mediante requerimento de algum interessado…», entendendo-se por «interessado, o meeiro do inventário e as pessoas contempladas com o usufruto de parte da herança sem determinação de valor ou objeto». (seu § 2.º). Não é igual a redação que corresponde às sobreditas normas no diploma em vigor, mas nem por isso é legítimo concluir diferentemente. Como se observa no esboço do respetivo Anteprojeto, a eliminação das regras do Código cessante fundamentou-a o autor do mesmo esboço na desnecessidade delas, por isso que, atenta a sua natureza, a legitimidade para requerer o inventário devia aferir-se pela regra comum e geral que o Código de 1939 estabelecia no seu art.º 27.º, equivalente ao art.º 26.º da lei processual em vigor. O ter ou não ter interesse direto na partilha é que comanda a legitimidade para a requerer.” Salientando igualmente a distinção entre o herdeiro e o interessado direto na partilha, diz-nos com toda a propriedade Carla Câmara, in ob cit pág. 46: “Os conceitos não correspondem, assumindo o interessado direto um significado muito abrangente onde se inclui não só o herdeiro, como outras pessoas com interesse na decisão da causa. Não é todo e qualquer interesse, mas um interesse direto, analisado à luz do concreto processo de inventário.” No que respeita às espécies de sucessores, dispõe o art.º 2030.º do C.Civil: “1. Os sucessores são herdeiros ou legatários. 2. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados. 3. É havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes. 4. O usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é havido como legatário. 5. A qualificação dada pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos números anteriores.” O legislador estabelece neste artigo o critério de distinção entre o herdeiro e o legatário, relevando a circunstância da qualidade de herdeiro ser conferida àquele a quem é atribuída a universalidade dos bens do de cujus ou uma quota dessa universalidade e a de legatário àquele que sucede em bens ou valores determinados, independentemente da qualificação que possa constar da deixa testamentária, que é irrelevante para este efeito. O legatário enquanto sucessor, sabe desde logo o bem ou valor a que tem direito, independentemente da realização da partilha, ao contrário do herdeiro que dispondo apenas de uma quota ideal no acervo hereditário, só com a partilha vê concretizado o seu direito sobre os bens que vão integrar a sua quota. É por isso que o art.º 2030.º n.º 1 do C.Civil confere o direito a exigir a partilha ao co-herdeiro ou ao cônjuge meeiro e não ao legatário, na medida em que este, através dos meios comuns pode reclamar o cumprimento ou execução do seu legado, com referência aos bens ou valores especificados no testamento, sem que seja necessária a partilha da herança. Como se refere no Acórdão do TRE 19-04-2023 no proc. 3490/22.7T8STR.E1 in www.dgsi.pt : “Como decorrência da circunstância do direito de o legatário incidir sobre bens ou valores determinados, não lhe é reconhecido, ao contrário do que sucede com os co-herdeiros ou com o cônjuge meeiro, o direito de exigir a partilha [art. 2101º, nº 1, do CC] direito esse que se exerce mediante acordo ou por meio de inventário.” É à luz do que se expôs que importa avaliar a legitimidade a Requerente para requerer o presente inventário com vista à partilha das heranças deixadas pelos seus avós. No que respeita à herança da sua avó, atento o teor da sua deixa testamentária, não oferece dúvidas que a Requerente enquanto sua neta tem direito a requerer o inventário, uma vez que, atento o disposto no art.º 2030.º n.º 3 e n.º 5 do C.Civil, é havida como herdeira. A testadora ao atribuir a nua propriedade dos bens que integrem a sua quota disponível aos filhos já nascidos e por nascer de cada uma das filhas, na proporção de metade para cada ramo, institui os seus netos como sucessores, sem especificar os bens ou valores com os quais os beneficia, pelo que a Requerente sua neta, só com a realização da partilha pode ver concretizado o seu direito de propriedade sobre determinados bens. No que se refere à herança do avô da Requerente, o mesmo lavrou testamento no qual por conta da quota disponível lega a uma das suas filhas quatro prédios, três rústicos e um urbano que identifica e lega à sua neta aqui Requerente o usufruto da área correspondente às pastagens existentes nesses mesmos três prédios rústicos identificados, nas condições que ali estabelece. Desta forma, foi pelo inventariado definido, por conta da sua quota disponível, um legado para a Requerente, devidamente concretizado no direito de usufruto da área correspondente às pastagens existentes em três prédios rústicos identificados, bem como um legado para uma das suas filhas - a mãe da Requerente - a quem, por conta da mesma quota disponível deixa a nua propriedade desses mesmos prédios. Se é certo que estamos aqui perante bens concretizados que o testador quis atribuir a dois sucessores, a verdade é que a determinação da herança do de cujus e da sua quota disponível só se torna possível depois da realização da partilha da herança da sua pré falecida mulher, de quem o mesmo é herdeiro, além de cônjuge meeiro. Isso mesmo é aliás reconhecido pela cabeça de casal, estranhando-se por isso que tenha vindo defender nos autos que a Requerente pode fazer valer os seus direitos através dos meios comuns, tendo levado à suspensão da instância, com fundamento na existência de causa prejudicial, do proc. n.º 20/13.5TBAVS que corre termos no Tribunal Judicial de Avis, intentado pela aqui Requerente, no qual a mesma pede o reconhecimento e cumprimento do legado que integra a deixa testamentária do seu avô KK, ali tendo sido decidido suspender à instância “até que o processo de inventário atinja as suas finalidades, cumprindo-se ali a partilha das heranças em causa, cuja determinação do conteúdo e extensão importa à decisão do petitório.” Na medida, em que a concretização do legado da Requerente através do processo que a mesma veio a intentar para o efeito, ficou dependente da partilha das heranças dos seus avós, afigura-se que a mesma tem um interesse direto na sua realização, sob pena de não poder ver cumprido o seu legado. Importa ainda ter em conta, que nos autos já foi anteriormente proferido despacho a admitir a cumulação dos inventários de JJ e de KK. Sobre a cumulação de inventários, estabelece o art.º 1337.º do CPC: “1- É permitida a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas: a. Quando sejam as mesmas as pessoas por quem hajam de ser repartidos os bens; b. Quando se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges; c. Quando uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras. 2 - No caso referido na alínea c) do número anterior, se a dependência for total, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado hajam de ser atribuídos na outra, não pode deixar de ser admitida a cumulação; sendo a dependência parcial, por haver outros bens, pode o juiz indeferi-la quando a cumulação se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para a boa ordem do processo. 3 - Não obsta à cumulação a incompetência relativa do tribunal para algum dos inventários.” Na situação em presença, verificam-se simultaneamente as três circunstâncias previstas nas três alíneas do n.º 1 do art.º 1337.º do CPC que permitem a cumulação de inventários, na medida em que as pessoas por quem haja de ser repartidas os bens são as mesmas; estamos perante heranças deixadas pelos dois cônjuges e a partilha da herança do inventariado está dependente da partilha da herança da sua mulher pré falecida. Constata-se ainda que a cumulação dos inventários foi determinada por despacho de 07-01-2013, que não foi impugnado, designadamente pela cabeça de casal que quando prestou o seu compromisso de honra e declarações relativas aos diversos herdeiros e bens das duas heranças, tendo só mais tarde vindo suscitar a questão da ilegitimidade da Requerente. Por tudo o que se referiu, considera-se que a Requerente é parte legítima nos presentes autos, por ser herdeira da sua avó e ter interesse direto na partilha da herança do seu avô, assistindo-lhe o direito de requerer o inventário por óbito dos mesmos, que devem seguir cumulados, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos, em conformidade. V. Decisão: Em face do exposto, julga-se totalmente procedente o recurso interposto pela Requerente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos. Custas pela Cabeça de Casal que ficou vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC. Notifique. * Lisboa, 11 de setembro de 2025 Inês Moura Paulo Fernandes da Silva Fernando Besteiro |