Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26726/20.4T8LSB.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
MORA
PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – A “Associação em Participação” constitui contrato comercial típico, cuja disciplina legal está consagrada nos artigos 21º a 31º do Dl 231/81, de 28-07, traduzindo-se na associação de um dos contraentes (associado) à atividade económica desenvolvida pelo outro (associante).
II – Por via de tal contrato, o associado presta uma contribuição de natureza patrimonial que possui como correspetivo necessário a sua participação nos lucros e, se não tiverem sido excluídas, também nas perdas do associante, o que se designa por uma “repartição de resultados”.
III – Porém, o associante mantém a gestão da atividade que continua a desenvolver em nome próprio diversamente ao que sucede em caso de constituição de sociedade comercial em que surge um novo ente jurídico, desenvolvendo os sócios em comum certa atividade económica.
IV – Tendo o contrato de Associação em Participação envolvido a aquisição e reabilitação de edifício para posterior revenda e ulterior partilha dos lucros, não pode o associado ser declarado titular de parte do imóvel (na medida da sua contribuição) por não ser esse o efeito do acordo celebrado.
V – Por outro lado, não tendo o associado cumprido integralmente a sua prestação, fica vedada a exigência da sua parte nos lucros, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 24º do DL 231/81, de 28-07 que expressamente estabelece que: “(…) a mora do associado suspende o exercício dos seus direitos legais ou contratuais”
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
O autor, A identificado nos autos, instaurou em 14-12-2020, a presente ação declarativa comum contra a ré B, igualmente identificada nos autos, formulando os seguintes pedidos:
a) – Declaração do direito do Autor à titularidade de parte do imóvel, ou em equivalente quantitativo, por frações autónomas que venham a compor, a título definitivo, o prédio sito na Rua (…), n.º (…), e Rua (…) n.º (…), em Lisboa, na percentagem resultante entre o valor entregue pelo Autor à Ré (475.000,00€), tendo por denominador o preço de aquisição do prédio (1.550.000,00€), ou seja 30,645%;
b) – Condenação da ré a reconhecer o direito do Autor a tal titularidade, e consequentemente a proceder, no prazo máximo de 30 dias aos necessários atos registais para a transferência da quota parte a que o Autor tem direito para a sua titularidade, ou alternativamente:
c) Condenação da ré a devolver ao A., no mesmo prazo de 30 dias, o quantitativo equivalente ao contravalor atualizado da quota parte a que o A. tem direito no imóvel, ou seja, em, 30,645%, valor a apurar mediante a avaliação independente do imóvel por empresa especializada a acordar entre as partes, quantitativo a que acrescerão juros de mora à taxa legal, até ao efetivo pagamento.
Fundamentando tais pedidos, alegou o autor:
- A Ré, tendo conhecimento de que o A. pretendia residir em Portugal e que dispunha de poupanças que pretendia investir de forma segura, propôs-lhe um acordo de investimento imobiliário, que consistia na aquisição, em compropriedade, de prédios para remodelar ou construir, conforme “acordo de cooperação” junto aos autos;
- Assim, o A., a Ré e outra investidora residente na China decidiram investir num prédio sito, na Rua (…), entregando, para o efeito, o A. à Ré € 475.000,00. correspondente a 1/3 do valor do imóvel;
- Porém, o A. veio a tomar conhecimento de que a Ré adquiriu o imóvel recorrendo a financiamento bancário, onerando o imóvel com uma garantia hipotecária, sem que desses factos lhe tivesse dado conhecimento;
- A Ré havia transmitido ao autor que ele seria cotitular do imóvel aquando da sua aquisição, pelo que o A. transmitiu-lhe que considerava ter sido violado o “Acordo de cooperação” não pretendendo continuar com o investimento e informou-a que sairia do “projeto” de investimento mediante o recebimento do quantitativo correspondente ao que seria a sua quota parte no imóvel, acrescido de juros à taxa de 5% desde a sua saída, ou, na alternativa, que pretendia ser constituído contitular do imóvel na proporção do que lhe caberia em face da quantia entregue;
- Porém a Ré não procedeu à restituição do capital nem procedeu à transmissão da quota parte a que o A. teria direito e anunciou em vários sites a venda do imóvel pelo valor de € 5.900.000,00.
A ré B contestou a ação, impugnando os factos invocados, referindo que, nos termos acordados, o autor aceitou contribuir para projetos de remodelação de imóveis promovidos pela ré, ficando com o direito a receber uma parte dos lucros resultantes da revenda dos imóveis remodelados. Nos termos de tal acordo, à Sociedade Ré sempre seriam devidos 25% dos resultados obtidos, cabendo ao autor uma parte do lucro e nunca qualquer quota nos bens objeto de investimento. Mais concretamente, o A obrigou-se a financiar 1/3 do projeto no montante de € 520.800,00, tendo entregue apenas € 475.000,00, recusando o pagamento dos restantes € 50.800,00, bem como de 1/3 das despesas de remodelação. Acresce que A. e R. desentenderam-se quando, em 2017 receberam uma proposta de aquisição do imóvel e o A. queria vender enquanto a Ré e outra investidora pretendiam prosseguir com as obras de remodelação. Uma vez que o A. entrou em mora, não tem direito a obter a sua parte dos lucros do negócio enquanto não entregar o remanescente à Ré.
Concluiu a contestante pugnando pela improcedência da ação.
Prosseguiram os autos com a realização de audiência prévia e a prolação de despacho saneador, no qual se afirmou a regularidade da instância e se enunciou o objeto do litígio e os temas de prova, sem qualquer reclamação (despacho constante da ata de 24-06-2022/referência 416998172).
Foram os seguintes os temas de prova enunciados:
1º Da real vontade das partes na celebração do “acordo de cooperação”;
2º Do incumprimento por parte do A. do acordo celebrado:
a) Falta de entrega do montante de €: 50.800;
b) Falta de entrega dos montantes necessários a assegurar 1/3 das despesas de remodelação;
Finda a audiência de julgamento (realizada em sessões de 12-03-2024, 12-04-2024, 07-05-2024) foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Não se conformando com tal decisão, o autor da mesma interpôs recurso, transcrevendo-se as respetivas conclusões:
“A. Tem o presente recurso por objeto a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo no decurso dos presentes autos, prolatada em 18.11.2024, com referência CITIUS 436934977, o qual versa sobre a matéria de facto, com apelo à prova gravada, e direito.
B. Entende o Recorrente que a douta Sentença recorrida, apesar do seu recorte técnico, não fez, salvo devido respeito, correta interpretação dos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas de direito fossem bem interpretadas e corretamente aplicadas aos factos conduziriam, necessariamente, sempre com o muito devido respeito, a decisão diferente da tomada pelo douto Tribunal a quo.
C. Como se verifica de facto provado 5º, no “Acordo de Cooperação”, adiante só acordo, as partes, identificadas no seu início por “A” e “B”, são só inequivocamente: C, e A, respetivamente.
D. A sociedade Recorrida não figurava neste acordo como parte, mas sim como uma prestadora de serviços/trabalhos, que lhe seriam pagos pelas partes.
E. Atente-se que a parte A no acordo, C, nele intervém só a título pessoal, e não como a legal representante e detentora da sociedade Recorrida.
F. Analisando o texto do acordo, este não se refere sociedade Recorrida como parte, investidora, ou detentora de qualquer quota.
G. Resulta evidente que a sociedade Recorrida não é parte do acordo - o qual só tem duas partes/investidores, é uma sociedade temporariamente promotora de serviços, que recebe o pagamento por tais serviços, sendo o custo estipulado em 25% do lucro dos investimentos que as partes obtiverem.
H. No ponto 5º do acordo: Uma vez concluído um projeto, as duas partes devem recuperar o capital investido, nada se dizendo quanto a um qualquer investimento da sociedade, ou quanto a uma contribuição desta em capital ou indústria, porque inexiste.
I. Do ponto 6º do acordo, retira-se que intervenção da Recorrida no acordo é pontual, pois, esclarece-se este ponto que serão lançados concursos abertos para se decidir sobre os empreiteiros a quem serão adjudicadas as obras, não se mostrando prevista a sua participação futura nos termos do acordo como parte, ou investidora.
J. Esclarecendo o ponto 7º que os custos referentes a trabalhos burocráticos do escritório, vencimentos de empregados, impostos legais, entre outos, são suportados pela empresa da parte A, e não por esta parte, o que é coisa diferente.
K. Reforçando-se no ponto 8º, 9º, 10º e 11º, a identificação e intervenção das duas partes como investidores no acordo, as suas responsabilidades e obrigações, não sendo, nem tendo a sociedade a qualidade de investidor, ou de parte.
L. O escrito de facto provado 7º, intitulado “SOBRE O INVESTIMENTO NO PRÉDIO SITO NA RUA (…) N.º (…) E RUA (…) N.º (…)”, vide facto provado 5.º, identifica no seu ponto 3º, como únicos “investidores reais do prédio dos autos, C, A, e Ou D.”
M. A sociedade Recorrida não figura como investidora, pelo que não se pode confundir a parte A no acordo, a Senhora C, com a pessoa coletiva Recorrida embora seja sua legal representante, ou que a Recorrida seja parte.
N. A sociedade Recorrida B.1, Lda., nos termos do acordo de facto provado 7.º mostra-se como uma promotora imobiliária, não parte investidora a quem os restantes identificados investidores se tenham associado, ou se pretendessem associar no investimento, nem tal se pode retirar de qualquer dos documentos juntos aos autos.
O. São os identificados 3 investidores que, nos termos do acordo de fatos provados 7º que entregam à sociedade Recorrida a totalidade dos fundos para a aquisição do imóvel dos autos.
P. No caso concreto do imóvel dos autos a sociedade B.1, Lda., é como vimos a promotora da obra, sendo que para o futuro tal qualidade, nos termos do ponto 3º do acordo, resultará de concursos abertos para a escolha do empreiteiro promotor em cada caso, o que demostra e comprova que a Recorrida não é parte investidora. Em parte alguma se acorda que esta sociedade Recorrida será a proprietária dos imóveis a investir pelas partes.
Q. Atente-se ainda que, e nos termos do acordo, “após a conclusão de cada projeto, deverá ser depositado na conta da Empresa o valor equivalente a 10% das despesas manutenção de remodelação como fundo de reserva de manutenção, para efeitos de manutenção”, ou seja, as partes criaram uma conta corrente para os fins indicados, um fundo patrimonial comum, em conta de empresa a criar.
R. Concatenados os depoimentos com os documentos juntos nos autos, dúvidas não podem restar de que o investimento foi acordado efetuar por 3 pessoas singulares, os investidores, e a empresa Recorrida, titulada pela investidora Senhora C, era uma prestadora de serviços, pelo que seria paga, pelos investidores, no caso particular do investimento da Rua (…), também empreiteira, sendo de referir que em parte alguma dos acordos a sociedade figura como investidora, ou que tenha contribuído/investido com capitais ou industria, sendo os seus serviços pagos pelos investidores.
S. Resulta ainda que as partes por via do acordo celebrado, com a participação da sociedade Recorrida como promotora/empreiteira - só para o caso do imóvel dos autos - assumiram um modelo de negócio que consistia na aquisição de imóveis pelas partes, contribuindo cada uma com os capitais necessários, orientado para a recuperação e venda dos imóveis, rentabilizando os capitais investidos e a investir.
T. No quadro deste modelo e projeto de negócio seriam aportados pelas partes, nas proporções que viessem a ser fixadas em cada oportunidade de negócio, os quantitativos para os investimentos e despesas a realizar, sendo os lucros e despesas distribuídos pelas partes, na proporção da percentagem das suas quotas nos respetivos investimentos, como consta do ponto 1º do acordo de cooperação, cfr. facto provado 5.º.
U. A sociedade Recorrida, só participava no acordo, “temporariamente”, por via de lhe ter sido “cedido” o imóvel dos autos pelo Banco Montepio, cfr. ponto 2.º do doc. 5 da contestação, facto provado 7, imóvel esse que não é nem seria a contribuição da Recorrida no acordo, para o investimento do imóvel da Rua (…).
V. Nos termos do referido acordo, cada investidor teria de entregar 1/3 da quantia de 1.550.000 euros acrescida de 12.400 euros, como verba conjunta de aquisição do prédio e imposto de selo,
W. iniciada a obra, entregariam à Recorrida, conforme o progresso da obra de remodelação orçada em 600.000 euros, cfr. pontos 4º e 5º do escrito de facto provado 7º, os valores equivalentes à sua quota no investimento.
X. Ou seja, as partes, entregarem à Recorrida o quantitativo para a obra de remodelação, sendo assim a empreitada a cargo da Recorrida, paga, integralmente pelas partes à Recorrida, no montante de 600.000 euros.
Y. Demonstrando-se assim que a Recorrida foi tão só, e pontualmente/temporariamente, para o caso do imóvel dos autos, a empreiteira/promotora, não parte, ou associada, não tendo contribuído com capital ou indústria.
Z. Termos em que se entende, com o devido respeito por melhor e mais esclarecido entendimento, que o ponto 5 de factos provados, deve na sua redação ser alterado, retirando-se “legal representante da Ré”, passando a ler-se: “5 Em 05 de Junho de 2016, por documento particular intitulado, o “Acordo de Cooperação”, o A. acordou com a C, que:[…]”
AA. Já quanto à alínea f) de factos não provados, resulta cristalino dos depoimentos de parte do Autor e da Recorrida, que efetivamente os fundos por este entregues (475.000 euros como descrito em facto provado 8.º) se destinavam a adquirir 1/3 pelo Autor do imóvel dos autos, o que foi confirmado pelas declarações da Recorrida, pelo que o facto não provado f) deve passar a integrar os factos provados, com a mesma redação, no lugar que lhe competir, o que se requer.
BB. Resulta ainda do depoimento de parte do Autor, de que só em finais de 2018, mediante uma “inspeção” que mandou efetuar, se apercebeu que o imóvel já há muito havia sido adquirido só pela Recorrida, sem que esta lho tivesse alguma vez transmitido., no que não foi contrariado pelo depoimento da Legal representante da Recorrida, pelo que os factos não provados, k) e l) devem passar a integrar os factos provados, com a mesma redação, no lugar que lhes competirem, o que se requer.
CC. Resulta ainda do declarado pelas partes, e como supra se disse, que a Recorrida fez suas, pelo menos durante 3 anos, a quantia de 1.400 euros, diferença entre €3.000 de arrendamentos da Vila (…), e €1.600 a entregar ao Autor pela exploração do imóvel, num total de pelo menos 50.400 euros, como de resto concluído pela Mmª., Senhora Juiz a 01.23.02h.
DD. Esta foi a forma encontrada pelo Autor e Sr.ª C, para perfazer o valor do investimento a entregar por parte do Autor, o que foi acordado desde o início, não existindo assim qualquer incumprimento deste, de resto não foi interpelado por quem quer que fosse para proceder entrega de qualquer montante que se mostrasse, nos termos do acordo, por pagar.
EE. Devendo assim o facto não provado g) passar a integrar, factos provados, com a seguinte redação, e no lugar que lhe vier a competir:
g) Que o valor ainda necessário para completar o exato valor de 1/3 do preço do imóvel, foi liquidado pela diferença entre os arrendamentos da Vila (…) recebidos pela Sr.ªC, superiores a 3.000 euros mensais, e o valor de 1600 euros mensais que esta tinha de entregar ao Autor pela exploração do imóvel, num total de pelo menos 50.400 euros.
FF. A classificação da relação ocorrida entre as partes, será suscetível de determinar o regime jurídico a atender no relacionamento recíproco, no que tange às pretensões em causa, nomeadamente a natureza do contrato firmado entre as partes, e se apurar qual o regime jurídico aplicável.
GG. Desde logo sobreleva a demostração de que o objeto da atividade desenvolvida no acordo de cooperação é comercial (investimento), tendo as partes acordaram entre si a prática de atos de comércio com terceiros, pondo à disposição desse fim um património monetário, e serviços de terceiros, almejando um fim lucrativo,
HH. sucede, porém, que o contrato entre as partes não foi reduzido à forma legalmente exigida para a constituição de uma sociedade, pelo que e a existir, seria uma sociedade com vício de formação, imperfeita (irregular), sendo certo que a lei não define o conceito deste tipo de sociedade, pelo que terá de ser delineado no quadro do ordenamento jurídico envolvente, debaixo do chapéu da lei das sociedades comerciais e da lei civil stricto sensu.
II. Por sua vez, o contrato de associação em participação, como foi classificado, com o devido respeito, erradamente pela douta Sentença, é caraterizado pela associação de uma pessoa singular a uma atividade exercida por outra coletiva, destinado a permitir que a pessoa coletiva, industrial/prestadora de serviços/comerciante possa granjear os capitais de que necessite para a sua operação lucrativa, repartindo com quem lhe aporta os capitais, os riscos do empreendimento/investimento, mas guardando para si a inteira e exclusiva direção do negócio, sem que fique a caber ao associado qualquer direito de intromissão na atividade do associante.
JJ. Ora, nos termos do acordo, tal não se verifica, pois cabe às partes, pessoas singulares, que se associaram entre si para os investimentos imobiliários que decidirem efetuar, as decisões relevantes sobre esses negócios, investimentos, nomeadamente a escolha de empreiteiros, de imóveis a adquirir e a vender, sendo exercida pelas partes, conjuntamente, a direção do negócio, e não a uma entidade terceira aos associados, não se podendo confundir a empreitada com a gestão do investimento.
KK. Mais, não era intenção das partes transferirem o seu património financeiro ou o imobiliário a adquirir para qualquer um deles/parte, ou para um terceiro (empreiteiro), mas antes deterem o património imobiliário em conjunto, e contratarem os trabalhos de reestruturação a terceiros, que seriam geridos pela empresa Recorrida, que no caso do particular do imóvel dos autos, seria também empreiteira.
LL. Mais, vislumbra-se a formação de um fundo patrimonial comum, “após a conclusão de cada projeto, deverá ser depositado na conta da empresa ( que não é identificada, nem se refere à Recorrida) o valor equivalente a 10% das despesas de remodelação”, cfr. n.º 6 do doc. 2 de factos provados 5.º, existindo aqui uma atividade, vontade ou responsabilidade social, indiciadora de sociedade.
MM. Na verdade, e com o devido respeito por diferente entendimento, deve ser qualificado como contrato de sociedade - e não como associação em participação - os acordos dos autos, pelo qual as partes puseram em comum capitais para o exercício de uma atividade económica e lucrativa, em espírito associativo e no propósito do lucro que entre si repartiriam, a que nos atrevemos a chamar sociedade de facto, e não de direito, pois o que verdadeiramente releva para a qualificação do acordo não é a forma como ele se apresenta perante terceiros, tão só será a tradução da vontade das partes resultante das suas declarações negociais, expressa ou tacitamente emitidas, assim como os demais factos que, nas relações entre eles, permitem descortinar a verdadeira realidade negocial.
NN. Como única conclusão, a partir dos factos dados como provados, e das declarações de parte entre o Autor e C, A, e Ou D foi celebrado um contrato de sociedade, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um e a suportar ambos os riscos e a repartir os lucros, na proporção dos respetivos investimentos.
OO. Contrariamente ao defendido na douta Sentença na Fundamentação de Direito, entende-se que o acordo das partes envolvidas no Investimento não integra a previsão legal do n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho: “A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.”
PP. Estamos, no caso vertente, perante um acordo de vontades no sentido da constituição de sociedade comercial, que se iria dedicar à compra, recuperação e venda de imóveis, estando demonstrada a affectio societatis e todos os demais requisitos do acordo, configuram a constituição de uma sociedade com vício de forma, imperfeita/irregular, entre as partes.
QQ. Por isso, a conclusão é no sentido de que se está perante uma sociedade comercial imperfeita ou irregular, e não como associação em participação.
RR. E, no caso, deveria a douta Sentença ter conhecido oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre as partes, onde se incluíam Autor e Recorrida, caraterizada para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido e, como efeito da declaração judicial de nulidade, aplicar o regime jurídico que dai advém, e as consequentes responsabilidades para as partes.
SS. Mais, não podia a douta Fundamentação de Direito, concluir que o Autor violou ponto 2 do acordo de cooperação, a desistência, pois nada nos autos o demonstra ou comprova, e sem que para tal exista qualquer demonstração concreta desse facto, nem as partes se referiram tal pretensa realidade em declarações.
TT. Em suma, a se Mmª Senhora Juiz caso tivesse interpretando bem os documentos juntos aos autos e declarações das partes, deveria, quanto a nós, classificar o negócio jurídico celebrado entre as partes como “sociedade irregular”, e como se disse, oficiosamente reconhecer a sua nulidade.
UU. Entende-se assim, que devem os autos baixar à Primeira Instância, para que seja corretamente qualificado o acordo de cooperação como “sociedade irregular”, e consequentemente ser declarada oficiosamente a sua nulidade, e de acordo com o regime jurídico, serem apreciados os pedidos formulados pelo Autor, nomeadamente alíneas b) e c).
Normas violadas: artigo 286.º e 289.º do CC; n.º 1 do artigo 41.º do CSC, n.º 1 do artigo 52.º do CSC, n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho.
Termos em que se requer a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, que deva ser julgada procedente por provada a presente Apelação, e alterada a douta Sentença ora posta em crise, nos moldes peticionados.
A autora apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
1) O Recurso apresentado pelo Autor não merece provimento, por não permitir julgamento diferente sobre a matéria de facto nem de direito contestada, na medida em que o ora Recorrente não identifica meios de prova aptos à tomada de decisão diversa, bem como por a tese da criação de uma sociedade irregular não colher.
2) De facto, não há qualquer dúvida de que o acordo celebrado entre as partes relativamente ao projeto do imóvel objeto dos presentes autos se consubstancia num Contrato de Associação em Participação, tese que só agora veio o Autor invocar, em contradição com tudo o alegado anteriormente.
3) De facto, resulta claro do referido acordo e do Acordo de Cooperação no âmbito do qual aquele foi celebrado, que o mesmo foi celebrado com a empresa Ré/Recorrida, tendo a Sra. AA intervindo na qualidade de legal representante; e que seria a Recorrida (a associante) a proceder à realização do projeto, sendo o Autor um mero investidor, o típico associado previsto no regime do contrato de associação em participação.
4) Ficou claro que a Recorrida não era uma mera prestadora de serviços, mas sim a responsável pela realização integral do projeto e que seria a Recorrida a adquirir o prédio e não os investidores em compropriedade (até porque nesse caso não entregariam o capital para a aquisição à Recorrida).
5) Assim, não pode proceder o pedido de alteração do facto provado n.º 5.
6) Quanto aos factos não provados sob as als. f), k), l) e g), que o Recorrente pretende ver provados, o Recorrente não só não cumpre o ónus de indicar os meios de prova que levariam à adoção de decisão diversa (não indicando os segmentos das gravações das declarações de parte em que indica que teriam sido confirmados tais factos pelas partes, desonerando o Tribunal ad quem de fazer qualquer análise),
7) como faz alegações que são falsas e que resultam contraditadas pelos acordos juntos pelo próprio aos autos.
TERMOS EM QUE DEVERÁ A PRESENTE APELAÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE, POR SER DE ELEMENTAR JUSTIÇA”
Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Qualificação do acordo celebrado.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação da matéria de facto
A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que a impugna, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC. Assim, resulta de tal preceito incumbir ao recorrente, por forma a cumprir o que tem vindo a designar-se por “ónus primário de alegação”, e sob pena de rejeição do recurso, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e indicar a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC). Já o designado “ónus secundário” reporta-se à especificação dos meios de prova que implicariam, na perspetiva do recorrente, diversa decisão da matéria de facto, gerando o seu incumprimento a rejeição do recurso apenas se ficar gravemente dificultado o exercício de contraditório ou o exame pelo tribunal de recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019, proferido no processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt
Na exigência do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, “os aspetos de ordem formal (…) devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019 (proferido no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt)
Acresce que nesse âmbito haverá ainda que ponderar o AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão nº 12/2023 de 14 de novembro, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I de 2023-11-14) que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Aplicando tal entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 08-02-2024, (proferido no processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) considerou que “a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações”.
No caso, contrariamente ao que refere a recorrida, o recorrente cumpriu suficientemente os ónus enunciados, designadamente no que se reporta à indicação dos meios de prova que considera que determinariam decisão diversa. Efetivamente, no corpo das alegações (cfr. página 12) procede à análise “em bloco” das declarações de parte produzidas em audiência, transcrevendo (e situando) as passagens em que fundamenta a impugnação, especificando, mais adiante, os factos especificamente impugnados. Certo é que tal indicação permite uma suficiente identificação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a impugnação da matéria de facto que, consequentemente, não será rejeitada quanto aos factos não provados sob as alíneas f), k), l) e g).
Cumpre, pois, proceder à apreciação da impugnação deduzida.
A recorrente impugnou o facto provado sob o nº 5, ao qual o tribunal recorrido conferiu a seguinte redação:
5. Em 05 de junho de 2016, por documento particular intitulado, o “Acordo de Cooperação”, o A. acordou com a C, legal representante da Ré, que (…)”.
Pretende o recorrente que a tal facto seja suprimida a expressão: “legal representante da Ré”.
Fundamentando a sua impugnação defende o recorrente resultar do documento nº 2 junto com a contestação (Acordo de Cooperação de 05-06-2016) que a ré não é parte nesse acordo (no qual considera que intervieram apenas duas partes como investidores). Também do escrito aludido no 7 facto provado resulta, na sua perspetiva, que a ré não é investidora mas apenas promotora. Tal conclusão, na tese do recorrente, também resulta reafirmada nas declarações prestadas por ambas as partes em audiência.
Confluem esses meios de prova, na perspetiva da recorrente, para o apuramento de que foi acordado que o investimento seria efetuado por três pessoas singulares (os investidores), sendo a ré apenas uma prestadora de serviços, titulada pela Senhora C que seria paga pelos investidores e que só pontualmente para o imóvel em causa dos autos foi empreiteira/promotora, não parte ou associada, não tendo contribuído com capital ou indústria.
Apreciando a impugnação, forçoso é concluir que, nesta parte, apresenta-se em sentido contraditório ao da alegação do recorrente que, no artigo 7º da petição inicial, depois de relatar o propósito do autor de investir no ramo imobiliário em Portugal, alega: “(…) ciente destas preocupações do Autor, a legal representante da Ré logrou convencê-lo que a melhor solução para rentabilizar as suas poupanças seria investir, por intermédio da sua representada, e ora Ré, no ramo imobiliário”. Assim, como, no artigo subsequente, evidenciando pleno conhecimento da denominação e composição da ré, refere: “(…) designada por B.1, Lda., e atualmente por B., tendo mantido a composição societária e a legal representante e sócia única até à presente data”. E no artigo 9º: “(…) a legal representante da Ré foi anunciando ao Autor (…) alguns investimentos que disse estar a efetuar com outros cidadãos chineses, alguns conhecidos do Autor”. E mais adiante “(…) a Ré, tendo consciência que o Autor tinha poupanças disponíveis, e que pretendia investi-las de forma segura, propôs-lhe um “acordo” de investimento imobiliário” (artigo 12º da petição inicial) que consistia na “aquisição de imóveis para reconstrução e posterior revenda” (artigo 14º da petição inicial).
Ora, de tal alegação, reiterada ao longo de toda a petição inicial, extrai-se que a relação contratual em debate, na tese da autora expressa na petição inicial, foi estabelecida com a ré – pessoa coletiva – e não a título individual com a sua sócia (única), em consonância, aliás, com a configuração que atribuiu à lide no lado passivo.
De todo o modo, com relevo para a apreciação da impugnação, consta da motivação da decisão recorrida:
“(…) Cumpre referir que, para além das declarações de parte de A. e R., apenas foram inquiridas duas testemunhas, familiares da legal representante da Ré. Nenhuma delas teve conhecimento direto dos factos em discussão nestes autos, nem acompanhou a negociação, apenas sabendo o que o A. lhes contou e a sua experiência pessoal com a legal representante da Ré, encontrando-se, ambos, de relações cortadas com a mesma.
Por isso, o tribunal fundou a sua convicção essencialmente na análise dos documentos juntos aos autos e no acordo das partes. (…)
Os documentos 2 e 3 juntos ao Procedimento cautelar determinaram a prova dos factos 5, 6 e 7.
Ora, documento nº 2 reporta-se a “Acordo de Cooperação” datado de 05-06-2016, cujo teor foi integralmente transcrito no facto provado nº 5, mostrando-se identificada como “Parte A”: “C”. Porém, na parte final deste escrito, na menção relativa à assinatura, já a parte A surge identificada como “B.1, Ldª”. Consequentemente, deste meio de prova não pode extrair-se um argumento seguro e decisivo que evidencie que a intervenção de C não tenha ocorrido na qualidade de legal representante da ré.
Já o documento mencionado no facto provado nº 7 intitulado “Sobre o investimento no prédio sito na Rua (…) nº (…) e (…) e Rua (…) nº (…)”, embora identificando C como um dos investidores, mostra-se subscrito por “B.1, Ldª”, o que, em termos similares ao anteriormente afirmado, não permite infirmar a qualidade de legal representante da sua subscritora C.
Acresce que ouvidas as declarações de parte da legal representante da ré, constata-se que referiu que após realizada a escritura (de aquisição do prédio supra mencionado), a sua empresa ficou proprietária do edifício (minutos 9.22 a 10.00). Mais adiante referiu que não precisava de pagar IMI porque a sua empresa se dedica à construção civil, reafirmando que foi a empresa da depoente que comprou edifício e que fez os projetos de arquitetura e de engenharia, destinando-se o edifício a negócio (minutos 21.00 a 26.00). E quando questionada diretamente sobre quais as contrapartidas do autor para o investimento projetado (que não completou), referiu que depois das obras, o edifício seria vendido a beneficiários do visto gold, seus clientes. Assim, estaria no horizonte dos contraentes, a venda do edifício, atribuindo-se diretamente 25 % do produto da venda à ré, recuperando cada um dos investidores o que tinha investido (conforme pontos 3 e 5 do “Acordo de Cooperação”) e partilhando o lucro – minutos 27.00 a 43.00.
Nas suas declarações, o autor referiu que o edifício deveria ser dividido pelos três investidores. Como tal divisão nunca ocorreu, optou por fazer uma “inspeção” em maio de 2018, constatando que fora enganado porque a casa foi comprada pela empresa ré que, além disso, contraiu um empréstimo de € 900.000,00, onerando o edifício com uma hipoteca. Referiu ainda ter entregue € 475.000,00, faltando € 40.000,00 para o valor acordado, que a ré poderia obter porque o depoente ainda entregou a casa onde residia em Portugal para a ré gerir (arrendar e assim receberia o dinheiro da renda). Ao longo das suas declarações reiterou que sempre pressupôs que a entrega da quantia acordada tinha como contrapartida a aquisição, em seu nome, de parte do edifício (minutos 10.00 a 47.00). Declarou ainda que o acordo foi celebrado com a senhora C, e que a empresa dela ficaria com a obrigação de fazer as obras (minutos 47.30 a 48.20).
Porém, forçosa é a conclusão de que as declarações do autor não merecem corroboração nos demais meios de prova produzidos (declarações da legal representante da ré, documentos já analisados) e na própria alegação e configuração da lide efetuada na petição inicial. Julgamos, assim, que a manifesta divergência do sentido das declarações de parte deve ser resolvida mediante a prevalência das que foram produzidas pela legal representante da ré, atenta a sua corroboração nos elementos objetivos referidos, evidenciando que a declarante C teve intervenção no negócio em causa nos autos na qualidade de legal representante da ré e não a título individual. Assim, tratando-se de meio de prova a valorar livremente pelo tribunal, nos termos do disposto no artigo 466º, nº 3, CPC, conclui-se que a concreta valoração efetuada pelo tribunal recorrido correspondeu a uma análise conscienciosa e conjugada dos vários elementos probatórios, com respeito pelos factos essenciais carreados pelas partes para a lide, em cumprimento do ónus consagrado no artigo 5º, nº 1, CPC.
Pelo exposto, por não merecer qualquer censura a decisão do tribunal recorrido, improcede a impugnação do facto provado sob o nº 5 da decisão recorrida.
Pretende o recorrente que o facto não provado enunciado sob a alínea f) transite para os factos provados.
A tal facto foi conferida a seguinte redação:
f) Que as quantias entregues pelo A. à Ré se destinavam à aquisição do imóvel”.
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
Também os factos referidos nas al. e) e f) se consideram não provados já que qualquer investimento importa risco, não decorrendo dos documentos juntos aos autos que comportam o acordo firmado, qualquer garantia de capital investido. Da mesma forma não resulta de tais documentos que as quantias entregues se destinavam à aquisição de imóvel em compropriedade, mas sim a um “acordo de investimento”.
Na tese do autor o apuramento desse facto resulta dos depoimentos de parte produzidos (o seu e o da ré), tendo ambos os depoentes confirmados que os € 475.000,00 se destinavam à aquisição pelo recorrente de 1/3 do imóvel.
A este propósito, interessa retificar que o autor e a legal representante da ré prestaram declarações de parte, não depoimento de parte.
No que se reporta às declarações de parte produzidas por ambos os declarantes, reitera-se o exposto no ponto anterior, salientando-se que a legal representante da autora afirmou que o edifício se destinava a ser vendido a beneficiários do visto gold, seus clientes, com ulterior divisão do lucro. Tais declarações, ainda que em sentido diverso das produzidas pelo autor, deverão prevalecer por serem corroboradas pelo teor dos acordos celebrados entre ambas as partes Ou seja, manifestamente, a aquisição e reabilitação do edifício cumpria um propósito de investimento em conformidade com o constante do ponto 3 do “Acordo de Cooperação” onde se refere “Os projetos com investimento conjunto das duas partes, serão promovidos temporariamente sob o título da empresa B.1, LDA” (…) e no ponto 4: “Os lucros (…) referem-se ao valor resultante do preço da venda dos projetos com as despesas descontadas (…)”. No mesmo sentido, veja-se o constante do ponto 8., ali se referindo “Os imóveis remodelados só podem ser vendidos a preço acordado (…)”, o que evidencia que o acordo envolvia a remodelação e venda e não a aquisição em nome próprio e definitivo de qualquer das partes.
Assim, a conjugação dos meios de prova referidos não evidencia que o negócio celebrado visasse transmitir ao autor qualquer parte do edifício objeto da reabilitação, aspirando, ao invés, à capitalização dos montantes inicialmente investidos
Pelo exposto, improcede a impugnação quanto ao facto não provado enunciado em f).
Reagiu ainda o recorrente ao não apuramento dos factos enunciados em K e L com a seguinte redação:
k) O A. veio a apurar em finais de 2018, que o imóvel já há muito havia sido adquirido só pela Ré, sem que esta lho tivesse alguma vez transmitido.
l) A Ré nunca informou o Autor que havia efetuado a aquisição do prédio”.
Consta da motivação do tribunal recorrido:
No que respeita aos factos não provados, assim se consideraram por não ter sido produzida qualquer prova quanto a eles ou por estarem em contradição com os factos que se consideraram provados.
(…)Também no respeita às al. k), l) e m), se consideraram não provadas face ao teor do acordo donde não resulta que o A. estivesse a comprar um imóvel nem que ficaria titular de 1/3 do mesmo. Não junto qualquer contrato promessa de compra e venda, sendo que o A. pagou as quantias à ré e não ao proprietário do imóvel. Não é referido no acordo qualquer data para a outorga do contrato, não foi outorgada qualquer procuração para que a Ré, adquirisse em nome do A., não sendo credível a versão do Autor”.
Na perspetiva do recorrente, resultou das suas declarações que só em finais de 2018, mediante uma “inspeção” que mandou efetuar, percebeu que o imóvel há muito havia sido adquirido só pela recorrida, sem que esta lho tivesse transmitido. E como no depoimento da ré esses factos não foram contrariados, devem transitar para os factos provados.
Porém, neste segmento da impugnação, não poderá deixar de ser reiterada a análise das declarações de parte produzidas, bem como a sua conjugação com os elementos documentais juntos aos autos. E de tal análise conjugada, forçoso é concluir que o negócio firmado visava a reabilitação do edifício e a sua posterior venda com partilha de lucros, e ainda que “Os projetos com investimento conjunto das duas partes, serão promovidos temporariamente sob o título da empresa B.1” (ponto 8 do Acordo de Cooperação).
Assim, a factualidade em questão radica numa versão dos factos que não resultou minimamente sustentada, afigurando-se, além disso, que a promoção dos investimentos em nome da “B.1”, como contratualmente previsto, envolveria, decerto, a aquisição por essa empresa dos edifícios alvo do propósito de investimento. Consequentemente, enquadrando-se tal aquisição temporária no programa contratual, o seu concreto conhecimento pelo autor dificilmente assumiria relevância jurídica que justificasse a sua reapreciação em sede de impugnação da matéria de facto, sob pena de prática de ato inútil, vedado por lei (cfr. artigo 130º. CPC) – neste sentido, se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 27-03-2023 (proferido no processo nº 108/17.3T8VCD-G.P3, disponível em www.dgsi.pt), sumariado nos seguintes termos:”(…) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual”.
De todo o modo, trata-se de factos invocados apenas pelo autor em declarações de parte, meio de prova esse desacompanhado de qualquer outro que os demonstrem, afigurando-se racional e conscienciosa a valoração efetuada pelo tribunal recorrido quanto à sua insuficiência para apuramento da factualidade em questão.
Pelo exposto, improcede a impugnação, mantendo-se como não provados os factos enunciados em K e L.
A recorrente reagiu ao não apuramento do facto enunciado em g) com a seguinte redação:
g) Que o valor ainda necessário para completar o exato valor de 1/3 do preço do imóvel, seria resultante de acerto de contas a título pessoal entre o autor e a Sr.ª C, a legal representante da Ré”.
Como se referiu anteriormente, o tribunal recorrido motivou a decisão relativa aos factos não provados na inexistência de meios de prova que os sustentassem ou ainda por resultarem contraditórios com os factos apurados. E relativamente ao facto agora em apreciação, refere-se:
No que respeita à al. g), considerou-se não provado que o valor em dívida pelo A. seria completado com acerto de contas a titulo pessoal entre o A. e a legal representante da Ré porquanto, não obstante aquela administrar um imóvel do A., foi referido que, por conta da exploração que faz do imóvel do A. entrega-lhe 1600€ por mês, quantia que se afigura reduzida para que compensasse a quantia em falta. Por outro lado, admitir que compensaria como valor que retira da exploração era alterar os termos do contrato que tem com o A. relativo a tal imóvel, o que não se mostra, sequer alegado.”
Porém, considera o recorrente que, conforme resulta do que foi declarado por ambas as partes, tal facto deve transitar para os provados com a seguinte redação:
g) Que o valor ainda necessário para completar o exato valor de 1/3 do preço do imóvel, foi liquidado pela diferença entre os arrendamentos da Vila (…) recebidos pela AA, superiores a 3.000 euros mensais, e o valor de 1600 euros mensais que esta tinha de entregar ao Autor pela exploração do imóvel, num total de pelo menos 50.400 euros”.
Porém, a prova produzida evidencia não assistir razão ao recorrente. De facto, ao longo das declarações da representante legal da ré, foi referido que o autor lhe solicitou que gerisse um prédio (seu), sito na Vila (…) nº (…), vindo a ser celebrado um contrato relativo a essa gestão, pelo prazo de 10 anos (que o autor resolveu em 2020). Porém, negou que alguma vez lhe tivesse sido transmitido pelo autor que poderia reter o pagamento do montante mensal acordado (€ 1600) por conta do valor em dívida no âmbito do contrato em discussão nestes autos, sublinhando que estão em causa contratos diferentes. Esclareceu ainda que em 2020, o autor fez cessar esse contrato, passando a negociar diretamente com os inquilinos do edifício (minutos 47.00 a 52.00).
Das declarações do autor resultou que por conta do contrato em discussão nestes autos, efetuou o pagamento de € 475.000,00, faltando pagar €40.000,00. Referiu, contudo, ter entregue a sua casa (a mencionada no título de residência, ou seja, na Vila (…) nº (…) à ré, para que, “através de um fundo”, ela pudesse obter o montante de € 40.000, 00 ainda em falta.
Contudo, tais declarações do autor, contraditadas pela legal representante da ré, desprovidas da conjugação de elementos objetivos evidenciadores de tal “acerto de contas”, mostram-se insuficientes para o seu apuramento. Tanto mais que as partes recorreram sempre à forma escrita para convencionarem as respetivas estipulações contratuais, não se compreendendo por que motivo não o fariam para alterar o contrato celebrado.
Consequentemente, não merece qualquer censura a decisão do tribunal recorrido, pelo que improcede a impugnação, mantendo-se como não apurado o facto enunciado em g).
Factos Provados
Improcedendo a impugnação da matéria de facto, são os seguintes os factos provados:
1. O Autor, é cidadão da República Popular da China, residindo temporariamente em Portugal ao abrigo de visto de residência para investimento- ARI.
2. A Ré é uma sociedade unipessoal por quotas, cujo objeto é - compra, venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, mediação de obras de construção, remodelação, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis. Decoração e design (doc.1 da cont.).
3. A Ré era à altura, meados de 2016, designada por B.1, Lda., e atualmente por B, Lda., tendo mantido a composição societária e a legal representante e sócia única até à presente data.(doc. 1 da cont)
4. O Autor não domina a língua portuguesa.
5. Em 05 de Junho de 2016, por documento particular intitulado, o “Acordo de Cooperação”, o A. acordou com a C, legal representante da Ré, que:
Através da negociação amistosa entre as duas partes, foi elaborado o presente Acordo sobre o investimento conjunto (em remodelação de casas antigas), que deve ser cumprido por ambas as partes.
1. Em qualquer dos projetos de investimento conjunto, cada uma das partes detém a sua quota conforme a sua percentagem de investimento;
2. Enquanto decorre a execução do projeto, nenhuma parte pode sair do projeto, devendo continuar o investimento conforme a sua percentagem; caso contrário, será considerada a desistência.
3. Os projetos com investimento conjunto das duas partes, serão promovidos temporariamente sob o título da empresa B.1 LDA. e após a conclusão dos projetos, 25% dos lucros pertencerão à Empresa, sendo os restantes 75% divididos entre as duas partes conforme a percentagem de investimento.
4. Os "lucros" mencionados na Claúsula 3 deste Acordo referem-se ao valor resultante do preço de venda dos projetos com as despesas descontadas. As chamadas "despesas" referem-se ao preço da compra de casa antiga mais as despesas de remodelação, sem incluir os custos referentes ao requerimento de aprovação do projeto, desenhos de remodelação, trabalho burocrático do escritório, vencimento dos funcionários do escritório, etc.
5. Uma vez concluído um projeto, as duas partes devem recuperar o respetivo capital investido assim como receber os lucros.
6. Serão lançados concursos abertos para decidir sobre o empreiteiro. Sob a condição de serem garantidas a qualidade e a data de entrega, será escolhida a proposta com preço mais baixo, preço esse que será em princípio único e fixo, sem alteração posterior. Após a conclusão de cada projeto, deverá ser depositado na conta da Empresa o valor equivalente a 10% das despesas de remodelação como fundo de reserva de manutenção, para efeitos de manutenção.
7. Os custos referentes a trabalhos burocráticos do escritório, vencimento dos empregados, impostos ou prestações legais, requerimento de aprovação de projetos, desenhos de projetos, entre outros, serão suportados pela Empresa da Parte A.
8. Os imóveis remodelados só podem ser vendidos a preço acordado, antes da venda, pelas duas partes. Se o preço da proposta de compra for inferior ao preço de venda previamente acordado, deverá ser discutido entre as duas partes. Se uma das partes insistir em vender o imóvel a preço baixo, a outra parte terá o direito de preferência de compra, pagando nesse caso 10% do preço de venda como sinal através de um acordo de compra e liquidando todo o valor no prazo de 3 meses com o registo predial; caso contrário, será considerado o desistir de compra, sem o sinal ser devolvido e com o avanço de venda do imóvel a preço baixo
9. Os serviços pós-venda serão assumidos totalmente pela Empresa.
10. Neste momento o estado da empresa está bom, sem ter contraído empréstimos a terceiros nem a bancos, encontrando-se numa situação com lucros; no decorrer do investimento (enquanto os sócios não retirarem o capital investido), se a empresa entrar em falência ou num estado em que os seus ativos não chegarem a pagar as dívidas, prejudicando os interesses dos investidores, caberá à Parte A assumir todas as responsabilidades que inclui a responsabilidade penal. Todos os atos da empresa serão considerados atos da Parte A.
11. Os casos omissos neste Acordo serão discutidos pelas duas partes.
12. O presente Protocolo é feito em duplicado, fazendo a mesma fé, ficando cada uma das partes com um exemplar.”
6. No âmbito de tal acordo, o Autor, a legal representante da Ré, e D Ou, uma outra investidora que se encontra a residir na China, decidiram, em meados de 2016investir na recuperação um prédio urbano sito na Rua (…), n.º (…) e Rua (…) n.º (…), freguesia de Arroios em Lisboa.
7. Tendo para o efeito estabelecido as condições que iriam presidir a esse primeiro investimento, por documento particular, no qual acordaram:
SOBRE O INVESTIMENTO NO PRÉDIO SITO NA RUA (…) N.º (…) E RUA (…) N.º (…)
1. As informações referentes ao tamanho e área de construção do prédio assim como do número dos seus apartamentos, entre outras, seguem como anexo(s) deste documento.
2. O prédio acima referido foi cedido pelo banco Montepio à empresa B.1, LDA, no dia 28 de Julho de 2016.
3. Os investidores reais deste prédio são C, Ou D e A, representando respetivamente um terço do investimento total.
4. O valor total do custo deste prédio é de 1550 mil euros (valor de aquisição do prédio) + 600 mil euros (valor previsto de remodelação) + 12400 euros (selo fiscal), sendo o valor total de investimento calculado em aproximadamente 2162400 euros (dois milhões cento e sessenta e dois mil e quatrocentros euros).
5. Durante o dia 10, cada um dos investidores deve entregar à empresa Horizontocasiao, Lda. 520.800 euros, valor resultante de (1550000 + 12400) * 1/3, como verba de aquisição do prédio. Iniciada a obra de remodelação do prédio, cada um entrega à empresa Horizontocasiao, Lda. a sua parte de investimento conforme o progresso da obra.
6. Os assuntos relacionados à decisão sobre o destino final deste prédio assim como à distribuição do lucro, entre outros, serão tratados em cumprimento do ACORDO DE COOPERAÇÃO assinado a 5 de Junho de 2016 com a empresa Horizontocasiao, Lda.
8. Assim, o Autor entregou à Ré, para aquisição do imóvel, o montante total de 475.000 euros, da seguinte forma: (doc. 4 e 5 da PC)
a 195.000 euros, no dia 18/07/2016, via cheque n.º ...;
b 235.000 euros, no dia 03/08/2016, via transferência de pagamento.
c 45.000 euros, no dia 03/08/2016, por acerto de contas com a legal representante da Ré.
9. O prédio em causa veio efetivamente a ser adquirido pela Ré em 28 de Julho de 2016 (doc. 6 da PC)
10. Encontra-se registada sobre o imóvel uma hipoteca para garantia de financiamento bancário no valor de 900.000,00 euros, junto da Caixa Económica Montepio Geral, cfr. doc. 6 da PC.
11. O Autor, fez saber à Ré que, considerava ter sido violado o “Acordo de Cooperação”, e como tal não pretendia continuar com o investimento.
12. Em 2019 a Ré estava a tentar vender o prédio, promovendo-o em sites específicos na internet, nomeadamente no “Imovirtual” (doc. 7 da PC), através da imobiliária RCGI - Construções e Administração de Imoveis Lda., da qual é sócia maioritária e gerente a legal representante da ora Ré, (doc. 8 e 9) e também site “OLX” (doc. 10 da PC), pelo valor anunciado de 5.900.000 euros.
13. A partir de 2019 o A. não conseguiu contactar pessoalmente a Ré.
E são os seguintes os factos não provados:
a) Para apoiar esta nova fase da sua vida, a vivência em território nacional, o Autor transferiu para Portugal a generalidade das poupanças que tinha no seu país natal, a China.
b) A intenção do Autor passar a residir em Portugal era do pleno conhecimento da legal representante da Ré, a Sr.ª C.
c) O que o próprio Autor lhe havia ainda confessado, e ainda que pretendia investir as suas poupanças por forma a obter rendimentos que lhe permitissem assegurar o futuro, e lhe garantir uma reforma e velhice tranquila.
d) O Autor não detinha conhecimentos do mercado imobiliário em Portugal, nem dos procedimentos legais para a aquisição de bens imóveis.
e) A Ré propôs ao A. um acordo de investimento no qual prometera ao Autor total segurança para o seu capital, realçando o facto de se tratar de uma aquisição de imóveis para reconstrução e posterior revenda, com a “garantia” de uma elevada rendibilidade num curto espaço de tempo, que estimava em pouco mais de 2 anos.
f) Que as quantias entregues pelo A. à Ré se destinavam à aquisição do imóvel.
g) Que o valor ainda necessário para completar o exato valor de 1/3 do preço do imóvel, seria resultante de acerto de contas a titulo pessoal entre o autor e a AA, a legal representante da Ré.
h) A partir do terceiro trimestre de 2016, o Requerido começou a questionar a Ré quando iria ser adquirido e constituído como comproprietário do imóvel “cedido” pelo banco, bem como pretendia conhecer quando se iniciariam os trabalhos de reconstrução no imóvel,
i) A Ré sempre disse ao A., que não se deveria preocupar, estando o licenciamento das obras já a ser tratado junto da Câmara Municipal de Lisboa, e previsto o seu início para breve.
j) Mais informou o Autor que estava a formalizar junto do banco Montepio a transferência da titularidade do imóvel, recorde-se até então “cedido”, e que logo que o processo estivesse “pronto”, o Autor assumiria a qualidade de comproprietário na proporção correspondente ao seu “investimento”.
k) O A. veio a apurar em finais de 2018, que o imóvel já há muito havia sido adquirido só pela Ré, sem que esta lho tivesse alguma vez transmitido.
l) A Ré nunca informou o Autor que havia efetuado a aquisição do prédio.
m) A Ré sempre disse ao Autor que seria constituído contitular aquando da aquisição do imóvel, e que essa seria a sua segurança para o capital investido.
n) Face ao sucedido, e depois de negociações, informou, em data que não consegue precisar, mas que se situará no início de 2019, à legal representante da Ré, quer a título pessoal, quer na sua qualidade de legal representante da Ré, de que:
O Autor “sairia” de imediato do projeto de “investimento”, (i) mediante o pagamento por parte da Ré do quantitativo correspondente ao que seria a sua quota parte no imóvel, atualizada, e a apurar no momento por avaliação independente ao imóvel, (ii) quantitativo que seria acrescido de juros contabilizados à taxa de 5% aa, desde a sua “saída”, e até ao efetivo pagamento, ou alternativamente, no caso de tal não se mostrar possível a curto prazo, (iii) ser o Autor constituído contitular do imóvel, na proporção que lhe caberia em face dos dinheiros entregues.
o) Termos que a Ré, na pessoa da sua legal representante e Recorrente concordaram e aceitaram.
Enquadramento jurídico do contrato celebrado
A decisão recorrida concluiu pela celebração de um contrato de associação em participação, previsto nos artigos 21º a 31º do Dl nº 231/81, de 28-07, o que mereceu o desacordo do recorrente que considera que foi, ao invés, convencionada a constituição de uma sociedade (embora irregular, por vício de forma) que teve como objeto a compra, recuperação e a venda de imóveis. Pretende o recorrente que sejam enquadradas nesses termos as pretensões que deduziu em juízo, designadamente as enunciadas sob as alíneas b) e c) (reconhecimento do direito do autor à titularidade do edifício e devolução do “contravalor” a que o autor tem direito no imóvel, atento o montante por si investido).
Dispõe o artigo 21º, nº 1, do Dl 231/81, de 28 de julho, que: “1 - A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes”. Já do nº 2 daquela norma resulta: “É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada”.
Atenta a sua expressa regulação, constitui o contrato típico: “(…) pelo qual uma ou mais pessoas, singulares ou coletivas (ditos associados ou partícipes), se associam a uma atividade económica exercida por outra (dito associante ou titular), ficando as primeiras a participar nos lucros (ou, facultativamente, também nas perdas” que resultarem desse exercício para a última” – José Engrácia Antunes (Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pág. 406). Refere Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, Volume II, 1968, págs. 23 e 25) “Destina-se esta figura jurídica a permitir que um comerciante ou industrial possa granjear os capitais de que necessite para as suas operações lucrativas, repartindo com quem lhos cede os riscos do empreendimento e guardando para si a inteira e exclusiva direção do negócio, sem que fique a caber ao capitalista qualquer direito de intromissão na atividade do associante. Ao capitalista oferece este contrato, em vez da certeza do juro, a perspetiva aliciante de um lucro porventura bem maior do que o máximo legal da taxa de juro, embora com a contrapartida da assunção de uma parte do risco do negócio”.
Trata-se de contrato que, anteriormente à vigência do Dl 231/81, esteve regulado nos artigos 224º a 229º do CCOM de 1888, e que na legislação portuguesa assume uma vertente marcadamente contratual, dado que não dá origem a uma nova entidade (como sucede num modelo societário), não se formando sequer qualquer património comum já que o contributo do associado ingressa diretamente no património do associante. Esta é uma das principais notas distintivas do contrato de sociedade dado não originar a “(…) formação de um fundo patrimonial comum, nem sobretudo a de uma unidade organizatória e representativa, ainda que rudimentar (…) não se podendo falar em atividade, vontade ou responsabilidade social, não poderá pensar-se em sociedade” – Ferrer Correia, (ob. Cit., págs. 26 e 27). A doutrina e a jurisprudência confluem na sua distinção das sociedades, considerando que deve negar-se “caráter societário às associações em participação” dado que “não originam novas entidades; a atividade económica a que os sujeitos se associam não é exercida em comum, é exercida essencialmente pelos associantes; as contribuições dos associados integram-se normalmente no património dos associantes; não há património comum, nem autónomo”, Coutinho de Abreu (Curso de Direito Comercial, Almedina 2ª edição, págs. 39 e 40); Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2014 e 25-03-2010 (proferidos, respetivamente, nos processos nº 1918/07.5TBACB.C1.S1, 682/05.7TBOHP.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se refere na decisão recorrida, o contrato celebrado reúne as caraterísticas inerentes à “Associação em Participação” dado prever a associação do autor (associado) na atividade económica exercida pela ré (associante). Manifestamente, ao contrário do que refere o recorrente, não ficou previsto o exercício em comum de uma atividade económica, cabendo ao autor, que contribuiu para o financiamento do projeto, a participação nos lucros e, eventualmente, nas perdas, dada a inexistência de convenção quanto ao seu afastamento – cfr. artigo 21º, nº 1, do Dl 231/81, de 28 de julho.
Assim sendo, merece concordância a decisão do Tribunal recorrido quanto à improcedência dos pedidos formulados (nas alíneas a e b do pedido) relativos ao reconhecimento da (co)titularidade do autor no prédio que foi alvo do seu investimento. Efetivamente, nessa qualidade de investidor, o autor fica com o direito de participar no resultado do investimento (lucro), não se tornando titular de qualquer quota no prédio que foi alvo do empreendimento assumido pela ré.
Já no que se reporta ao pedido pecuniário formulado sob a alínea c), merece igualmente concordância a decisão recorrida, no segmento relativo a falta de fundamento contratual para a sua procedência. De facto, apurou-se que o autor não cumpriu integralmente a sua prestação, dado que da contribuição acordada não entregou à ré o valor de € 40.000,00, ainda em falta. Ou seja, o autor não cumpriu integralmente a sua obrigação de contribuição, o que lhe veda a exigência da sua parte nos lucros (embora não neutralize a sua eventual obrigação de participar nas perdas). De facto, dispõe o artigo 24º do DL 231/81: “1 - O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial (…) 5 - Salvo convenção em contrário, a mora do associado suspende o exercício dos seus direitos legais ou contratuais, mas não prejudica a exigibilidade das suas obrigações.”
Assim, inexiste fundamento contratual para a condenação da ré na entrega ao autor do montante pecuniário peticionado, reproduzindo-se o afirmado a tal propósito pelo tribunal recorrido: “Relativamente ao pedido formulado em c) relativo à entrega do quantitativo equivalente a 30,645% do prédio, também o mesmo não pode proceder, por contrariar o acordo das partes. O acordo não passava pela aquisição pelo A. de parte do prédio, mas apenas de participação na atividade desenvolvida pela Ré.
Acresce que tendo o A. desistido dessa participação, não pode pretender fazer cessar o contrato e obter a valorização do investimento como se o mesmo tivesse sido pontualmente cumprido.”
E como se refere, e bem, na decisão recorrida, esta pretensão pecuniária do autor também não encontra sustentáculo jurídico no regime do enriquecimento sem causa, uma vez que a matéria de facto apurada não permite concluir pela existência de qualquer enriquecimento, nem afirmar a inexistência de causa (existe um contrato firmado entre as partes), nem determinar a eventual medida daquele enriquecimento. Além disso, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2022 (proferido no processo nº 3840/21.3T8LSB.L1-7, disponível em jurisprudência.pt), o enriquecimento sem causa não é de conhecimento oficioso, devendo ser invocado, e demonstrado (os respetivos pressupostos), pela parte que dele pretenda beneficiar.
Consequentemente, em face da improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, julgamos ser de confirmar a conclusão jurídica afirmada na sentença recorrida, julgando-se o recurso improcedente.
O autor deverá ser responsabilizado pelas custas do recurso, por ter ficado vencido – cfr. artigo 527º, CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª Secção Cível:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo autor, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo autor – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
D.N.

Lisboa, 23 de outubro de 2025
Rute Sobral
Paulo Fernandes da Silva
Susana Maria Mesquita Gonçalves