Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11273/20.2T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: RESOLUÇÃO DE ARRENDAMENTO
HERANÇA INDIVISA
ILEGITIMIDADE ACTIVA
DECISÃO SURPRESA
GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. No art.º 3.º, n.º 3 CPC está consagrada a garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, facultando-lhes a possibilidade de influírem em todos os elementos processuais (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão;
2. (...) o que significa que o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
3. Tendo a ré arguido a ilegitimidade dos autores por preterição de litisconsórcio necessário ativo, a que os demandantes responderam em articulado autónomo, é nulo, por violação do princípio do contraditório na vertente da proibição da prolação de decisões-surpresa, o despacho saneador que julga procedente aquela exceção e absolve a ré da instância, com uma fundamentação ou argumentação jurídica completamente diferente da debatida pelas partes nos articulados, ou seja, por os autores se terem apresentado a demandar na qualidade de comproprietários do imóvel objeto dos autos, em vez de o fazerem na qualidade de herdeiros de uma herança indivisa.
4. O pleno respeito por aquele princípio impunha ao julgador que, antes de decidir como decidiu, indicasse às partes, de forma expressa, clara e fundamentada, as razões pelas quais, em seu entender, os autores careciam de legitimidade para os termos da causa.
5. A gestão processual, não obstante o legislador se lhe referir utilizando a expressão «dever», constitui um princípio do processo civil, que deverá estar bem presente na mente do juiz e conformar todo o processo, englobando o princípio da adequação formal, pois adequar formalmente o processo é uma das formas de gerir o processo, ou, se se quiser, uma vertente importante da gestão processual.
6. A herança indivisa não é titular de direitos, pois titulares dos direitos e deveres da herança aceite mas que se mantém indivisa, em comum e sem determinação de parte, são os herdeiros/sucessores do autor daquela herança, não a própria herança aceite, mas indivisa.
7. Logo, a herança indivisa não pode ter a qualidade de senhoria, pois para um senhorio ou locador decorrem os direitos e os deveres inerentes a uma relação arrendatícia ou locatícia.
8. Se, numa ação de despejo, os autores se apresentam a litigar como comproprietários do imóvel despejando quando o deveriam ter feito na qualidade de herdeiros de uma herança indivisa que integra aquele imóvel, não é caso para os julgar partes ilegítimas para os termos da causa;
9. (...) antes se impondo ao julgar, desde logo a coberto do poder/dever de direção formal do processo que legalmente sobre si impende, e ouvidas as partes, a adoção dos procedimentos necessários tendentes à retificação da qualidade jurídica com que os autores se apresentaram a demandar, o que, no caso, mais não exigia do que uma simples interpretação corretiva que definisse exatamente a qualidade jurídica dos demandantes: em vez de «donos e possuidores» do imóvel despejando, herdeiros da herança aberta e ainda indivisa.
10. Se, ainda assim, o julgador entendesse ocorrer uma situação de litisconsórcio necessário ativo, por não constarem do ativo da demanda todos os herdeiros da herança indivisa, então, impunha-se-lhe a adoção dos procedimentos necessários ao suprimento da falta desse pressuposto, convidando os autores, então já qualificados como herdeiros da herança indivisa à prática dos atos necessários a tal suprimento (art.º 6.º, n.º 2).
11. Sucedendo, no entanto, que na pendência da ação, ocorreu a partilha da herança indivisa, no âmbito da qua foi atribuído a um dos co-autores o imóvel despejando, ele tornou-se o sucessor único desse bem, desde a abertura da herança;
12. (...) constituindo, por isso, incumbência do julgador diligenciar pelo afastamento do obstáculo de natureza processual que se lhe apresentava, sempre mediante prévia audição das partes, de modo a que ação prosseguisse termos, nela figurando como único sujeito ativo a co-autora a quem o imóvel foi atribuído, por forma a garantir, em prazo razoável, a justa composição do litígio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO:
MRSV e JASAV, intentaram, em 1 de junho de 2020, a presente ação de despejo contra OIEAD, Lda., pedindo o seguinte:
«Termos em que, (...), deve a presente ação ser julgada integralmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento vigente entre os AA. e a R., cujo objeto é a fração «A» do Prédio m. id. nesta PI;
b) Ser a R. condenada na entrega imediata da referida fração aos AA., livre e devoluta de pessoas e bens;
c) Ser a R. condenada a pagar aos AA. até ao momento da efetiva restituição da fração indemnização de valor correspondente ao dobro da renda, nos termos do disposto no artigo 1045.º/1 e 2, CC;
d) Ser a R. condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória de 2 UCs por cada dia de atraso na entrega aludida na alínea anterior (cabendo 50% do valor apurado a este título ao Estado Português; a outra metade deve ser entregue aos AA.);
e) Ser a R. condenada a reverter as obras que realizou na fração no prazo a fixar pelo Tribunal (não superior a 30 dias) e, uma vez esgotado tal prazo sem que as obras se mostrem desfeitas, a reembolsar os AA. dos custos a suportar por estes na reposição da fração no estado em que se encontrava antes da realização das obras pela R.»
Para o efeito, na sua exagerada e desnecessariamente extensa petição inicial[1], alegam, em síntese, que são donos da fração “A”, integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ____, n.ºs ___-___, em Lisboa[2].
Os autores constam como titulares inscritos da "Fração" na Conservatória do Registo Predial, por terem sucedido, em conjunto com JLAV, no direito de propriedade sobre a mesma, que antes pertencia a JMAV e ZDAV.
Tendo ocorrido recentemente o decesso do referido JLAV, transmitiu-se para os autores a quota parte que àquele pertencia na propriedade da fração.
Não obstante ter sucedido a JLAV, MALV renunciou à herança daquele, pelo que são os autores os únicos proprietários da "Fração".
Entre os autores, na qualidade de senhorios, e a ré, na qualidade de arrendatária, vigora um contrato de arrendamento não habitacional que tem por objeto a fração.
A ré vem incumprindo o referido contrato de arrendamento, situação que motivou a instauração da presente ação pelos autores e a formulação dos pedidos atrás descritos.
*
A ré contestou, começando por arguir a exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da presente causa, o que fez nos termos seguintes:
Os autores «não são os únicos proprietários do imóvel (...).
Com efeito, da descrição predial em vigor junta pelos AA. além destes consta também como proprietário JLAV.
Sendo que, aberta a herança por óbito deste último, JLAV, sucederam-lhe os aqui AA, bem como, a mulher do falecido MALV (...).
Logo, os AA. não são os únicos e universais herdeiros do coproprietário falecido do imóvel dos autos.
Na verdade, a declaração de repúdio da herança da herdeira MALV (...) é nula e de nenhum efeito.
(...)
A escritura de habilitação de herdeiros foi realizada aos 20.03.2018, onde se declaram os AA. bem como, a dita MALV, filhos e mulher, respetivamente, dos herdeiros do falecido JLAV.
Ora, por via de tal instrumento - escritura pública de habilitação de herdeiros - a dita MALV, aceitou expressamente a herança de JLAV - artigo 2056.º /2 do C. Civil.
A aceitação que é irrevogável – art.º 2061.º do C. Civil.
A declaração de repúdio foi efetuada posteriormente, aos 28.05.2018.
Acresce que,
O pseudo repúdio da herança, por documento particular, junto pelos AA, tão pouco respeitou a formalidade legal - escritura pública, como previsto nos artigos 2063.º e 2126.º do C. Civil - pelo que, também por esse motivo é nula e de nenhum efeito a declaração de repúdio da herança.
Frise-se que a preterição da formalidade da escritura pública deve-se precisamente a ilegalidade e subsequente invalidade da mesma, caso fosse realizada, face à natureza irrevogável da aceitação, como referido supra.
Face ao exposto, é evidente que o imóvel objeto dos presentes autos é pertença em regime de compropriedade dos aqui AA., e da herança aberta e indivisa de JLAV.
Aliás, e em bom rigor, pertença ainda da herança indivisa com número de identificação fiscal _____, representada pelo cabeça de casal agora falecido, o dito JLAV (...).
Assim sendo, estando a herança indivisa, com o NIF _____, dotada de personalidade jurídica, a mesma tem capacidade judiciária, pelo que deveria ser parte (legitimidade activa) nos presentes autos – art.ºs 11.º e 12.º al. a) do Código de Processo Civil.
Dispõe, o artigo 2091.º do C. Civil que “fora dos casos declarados nos artigos anteriores (…) os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”, ressalvadas as exceções ali previstas de exercício individual do direito de ação contra possuidor de bens da herança, administração de bens da herança e cobrança de divida, que não é o caso dos presentes autos.
Pelo que, em face do supra exposto e por força do disposto no artigo 33.º do CPC, os AA. são parte ilegítima para demandar a R. nos presentes autos, por preterição do litisconsórcio necessário activo.
Consequentemente, verificada que está a exceção dilatória supra invocada, impõe-se, como se requer, a absolvição da Ré da instância – artigo 278.º al d) e 577.º al. e) do CPC.»
*
Os autores responderam à matéria de exceção pugnando pela sua improcedência.
Para o caso de assim se não entender, «por mera cautela e dever de patrocínio», requerem que o tribunal admita «a constituição da herança indivisa como parte activa, nos termos e para os efeitos dos artigos 311º e seguintes do CPC.» - sic.
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Após apresentação, de sucessivos requerimentos cruzados, no dia 2 de maio de 2022, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«Cabendo apreciar a excepção dilatória de ilegitimidade e tendo sido profusamente exercido o contraditório, o despacho saneador será proferido por escrito e notificado às partes, ao abrigo do disposto nos artigos 593.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, al. d), 595.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil.
Notifique.
Oportunamente (artigo 149.º do Código de Processo Civil), conclua.»
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Posteriormente, em 29 de agosto de 2022, a senhora juíza a quo proferiu despacho saneador nos seguintes termos:
«(...)
Da legitimidade
(...)
Cumpre apreciar, adiantando-se desde já que assiste razão à Ré: à data da apresentação da acção, 1 de Junho de 2020, a fracção arrendada era ainda pertença da herança indivisa.
O documento 1 junto com a Petição Inicial é apenas a descrição geral do prédio, não tendo sido junta a descrição da fracção A, que está em causa nos autos; apenas em 29/03/2022 os Autores juntam a descrição relativa à fracção A, em que consta a aquisição a favor da Autora MRSV, por partilha da herança, registada em 21/01/2021, durante a pendência da presente acção, mais concretamente, após a apresentação da Contestação.
Da informação predial junta aos autos com a Petição Inicial resulta que à data da entrada da Petição Inicial a Herança de JMAV e de ZDAV tinha a qualidade de senhoria na relação material em causa nos autos.
Importa atentar que a instância se inicia pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada (artigo 259.º, n.º 1 do Código de Processo Civil); citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (artigo 260.º do Código de Processo Civil).
A qualidade de herdeiros dos Autores não faz deles donos e possuidores da fracção nem titulares ou comproprietários da mesma, como se alega na Petição Inicial.
Até à partilha os herdeiros não são titulares de quotas ou de bens concretos, mas de um direito sobre o conjunto da herança. Na herança cada co-herdeiro tem direito a uma quota ou fracção ideal sobre o acervo dos bens que a integram, mas não sobre bens determinados; na compropriedade, cada comproprietário tem direito a uma quota – fracção ideal – sobre bens determinados.
Os Autores intentaram a acção invocando a qualidade de comproprietários da fracção arrendada; todavia, os Autores não tinham essa qualidade: a fracção pertencia à herança indivisa e ainda não partilhada.
Até à partilha, os herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, são titulares de um direito sobre a herança, mas não são proprietários nem comproprietários dos bens.
A herança ilíquida e indivisa, já aceite pelos sucessíveis, não tem personalidade judiciária, pelo que serão os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário.
Nos termos do disposto no artigo 2079.º do Código Civil, a administração dos bens da mesma, até à liquidação e partilha, cabe ao Cabeça de Casal.
A presente acção de despejo não visa estritamente a entrega do bem locado e vai para além da cobrança de dívidas prevista no artigo 2089.º do Código Civil, normativo que aliás admite tal cobrança em termos restritivos, uma vez que apenas se admite que o cabeça-de-casal possa cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou quando o pagamento seja feito espontaneamente.
Nos termos do disposto no artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil, 2.ª parte, “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.
Não é admissível que os Autores intentem uma acção, em nome próprio, invocando a compropriedade do bem imóvel arrendado, quando a sua qualidade é de herdeiros do(s) proprietário(s) da fracção.
Face ao que fica exposto, a presente acção devia ter sido deduzida pela Cabeça de Casal da herança e por todos os demais herdeiros, nessa qualidade. Não o tendo sido, verifica-se ilegitimidade dos Autores para intentar a presente acção.
A ilegitimidade não é sanável, nomeadamente pela “constituição da herança indivisa como parte activa”, como requerido pelos Autores em 23/11/2021. Não é possível regularizar a parte activa da causa.
A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. e), 578.º, todos do Código de Processo Civil.
*
Nestes termos e pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de ilegitimidade dos Autores e consequentemente, absolvo a Ré da instância, nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.»
*
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«1. Nunca tiveram os Recorrentes oportunidade de se pronunciar sobre a questão que determinou a absolvição da instância, isto é, serem partes ilegítimas por actuarem “em nome próprio”.
2. Os Recorrentes pronunciaram-se, após terem sido notificados pelo Tribunal a quo (cfr. despachocomarefªcitius410053105) sobre a excepção de ilegitimidade suscitada pela Recorrida, no entanto o que esta havia suscitado era que existiria preterição de litisconsórcio necessário (cfr. contestação refª citius 27901147) por não estar nos autos a herança indivisa (cfr. art.º 16º da contestação); em momento algum, a Ré, alega que os AA./Recorrentes não são partes legítimas por actuarem “em nome próprio”.
3. A sentença recorrida consubstancia uma decisão-surpresa, que viola o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, razão pela qual deve ser declarada nula, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1, e no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 666.º, n.º 1, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos. Sem conceder sempre se dirá que,
4. A sentença é nula nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC e viola o art.º 205º da CRP, inconstitucionalidade que desde já se argui, porquanto não fundamenta qual a razão da referida ilegitimidade dos autos não ser sanável, quando as pessoas que apresentaram a acção são as mesmas que teriam legitimidade.
5. Tanto mais que analisando (e pesquisando - porque o Tribunal a quo é totalmente omisso) a doutrina - que defende que a ilegitimidade é insanável - o fundamento assenta no facto de não se poder substituir a pessoa Apela pessoa B. Ora, nos presentes autos as pessoas que estão nos autos são efectivamente as pessoas que têm legitimidade para apresentar a acção, não haveria lugar a qualquer substituição. Sem conceder sempre se dirá que,
6. Os Recorrentes são partes legítimas, porque à data da entrada da acção, eram os únicos herdeiros (cfr. docs. 1, 4 e 5 da petição inicial e doc. 1 junto com requerimento com a refª citius 32123465), e no caso da Recorrente MRSV, a cabeça-de-casal (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial).
7. Não necessitavam de alegar essa qualidade.
8. Os AA. são as pessoas singulares que podem exercer o direito que pretendem nos presentes autos, pelo que a “qualidade” em que alegam actuar é irrelevante para efeitos de apreciação da legitimidade dos mesmos.
9. Estando provado que os Recorrentes eram os únicos herdeiros, e que a Recorrente MRSV era a cabeça de casal, e que estes, nos termos do CC (art.ºs 2088º, 2089º e 2091 do CC), tinham legitimidade para intentar a presente acção, a sentença recorrida violou aquelas normas devendo ser revogada e substituída por outra que os declare partes legítimas.
10. Por outro lado, ainda que se considere que a invocação da qualidade em que actuam era essencial, o que se admite por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que a incorrecção das expressões utilizadas “donos”, “co-titulares” não determina a ilegitimidade dos Recorrentes.
11. Vejamos o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (in www.dgsi.pt, Acórdão de 7/12/16, Processo nº 74/15.0T8CHV-A.G1) - numa acção executiva em que a Exequente havia apresentado a acção contra os herdeiros, mas não os havia qualificado como representantes da herança - nos termos do qual declarou “É certo que ao concretizar a qualidade contra quem propõe esta execução a exequente não os identifica como representantes da Herança, falta que lhe é imputável conforme já se referiu. Não nos parece, no entanto, que essa circunstância deva impedir o normal prosseguimento da execução, na medida em que, em rigor, aquilo que está em causa, é uma mera incorrecção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que intervêm nesta acção (omissão), considerando que legalmente deve entender-se que a executada é a herança jacente representada pelos seus herdeiros devidamente identificados, nos termos supra explicados. Note-se que a herança indivisa nem sequer corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.”
12. Acresce que, apesar do art.º 8º constar que “são donos” e do art.º 11º constar que são “co-titulares”, o tribunal não está vinculado à interpretação jurídica que os autores fazem da natureza do direito em que se fundam, conforme dispõe o art.º n.º 3 do art.º 5.º do CPC.
13. Os autores alegam, que adquiriram o bem por herança, por um lado de JMAV e ZDAV, por outro lado de JLAV.
14. Os Recorrentes invocaram a sucessão (cfr. art.ºs 9º e 10º da petição inicial).
15. Os Autores/Recorrentes fundam-se na sucessão hereditária e nesta desembocam a titularidade do direito de propriedade em causa.
16. Veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (in www.dgsi.pt, Acórdão de 12/03/15, Processo nº 607/12.3TVLSB.L1-2), no âmbito do qual estava em causa uma acção de reinvindicação, e nos termos da qual os Autores alegavam ser proprietários (não tendo ainda havido partilha): “Ora, no caso, os autores agem efectivamente enquanto herdeiros pois fundam-se nessa qualidade, e é esta que em substancia sustenta o pedido, sendo as suas afirmações de que são proprietários não mais do que mera interpretação jurídica dos efeitos decorrentes dessa sucessão, ou seja, não constitui matéria de facto, pelo que, o tribunal não está vinculado à interpretação jurídica que os autores fazem da natureza do direito em que se fundam. Os autores não adquiriram o bem por herança, os autores representam e são os herdeiros da herança à qual pertence o bem reivindicado, pelo que, o direito o de propriedade que aqui importa tem que ser juridicamente referenciado à herança cujos direitos são exercidos pelos autores nos termos da lei. Estando assim na lide quem pode exercer o direito, e comprovando-se a existência desse direito, o facto dos autores se intitularem proprietários quando na realidade o direito de propriedade está na titularidade da herança de que são os únicos herdeiros, não pode deixar de determinar a procedência do pedido de restituição se o réu não lograr provar factos que o impeçam, continuando o tribunal a actuar no âmbito e limites da causa de pedir mas conformando-a juridicamente, interpretando e aplicando as regras de direito à mesma realidade fáctica que os autores interpretaram diversamente.”
17. O Tribunal a quo, podia e devia, ao abrigo dos poderes que lhe são concedidos, nos termos do nº 3 do art.º 5º do CPC concluir que os AA. são partes legítimas atendendo à causa de pedir que invocam e, nessa medida, por referência à titularidade do direito na herança de que são herdeiros, não o fazendo violou o Tribunal a quo aquela disposição legal. Sem conceder sempre se dirá que,
18. A sentença recorrida decorre de uma leitura extremamente formalista da lei e dos autos, que, na nossa perspectiva, não se adequa ao espírito e filosofia do nosso sistema processual civil.
19. Em bom rigor, não está sequer em causa a sanação da falta de legitimidade mas sim uma leitura e interpretação da petição inicial menos formalista e da qual decorre que a parte activa (AA/Recorrentes) são os herdeiros.
20. Atendendo à filosofia subjacente ao nosso CPC - que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais – não se justificava, nos presentes autos, a absolvição da instância por falta de legitimidade quando as pessoas que estão em juízo são as pessoas que efectivamente têm legitimidade.
21. O espírito e a filosofia que estão subjacentes ao CPC também apontam para a conveniência de interpretar a petição inicial de modo a que a acção possa ser aproveitada, evitando a absolvição da instância por razões meramente formais e sem que tal justificação se vislumbre como efectivamente necessária. Neste sentido vejamos acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (in www.dgsi.pt Acórdão de 16/04/15, Processo nº 4933-13.6TCLRS.L1-8) e ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/12/16 (in www.dgsi.pt, Processo nº 74/15.0T8CHV-A.G1) que cita “várias decisões em que, ultrapassando o rigor formalista das palavras ou expressões utilizadas na petição inicial, se considerou que a verdadeira parte não era aquela que, formal e literalmente, resultava da petição inicial.”
22. O Tribunal tem um dever ético, e jurídico, de procurar a verdade material e esta deverá prevalecer sobre quaisquer formalismos legais.
23. O Tribunal a quo violou o princípio da justiça material, bem como os art.ºs 6º nº 2 e 579º do CPC, e a filosofia subjacente ao nosso CPC – que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma - devendo a sentença recorrida ser revogada. Sem conceder sempre se dirá que,
24. Ainda que se considere que os AA./Recorrentes alegam ser proprietários e, como tal, são parte ilegítimas, o que se admite por mera cautela e dever de patrocínio sempre se dirá que a única proprietária é a Autora MRSV.
25. Ainda que não tivesse esta “qualidade” à data da instauração da acção, adquiriu-a com a partilha retroactivamente à data da abertura da herança (20/03/18 – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial).
26. Pelo que, ainda que não tivesse a qualidade que invoca (de acordo com o Tribunal a quo), adquiriu-a com a partilha e esta tem efeitos retroactivos à data de abertura da herança (cfr. art.ºs  2050º e 2119º do CC), pelo que está sanada a irregularidade/ilegitimidade.
27. É certo que a acção foi apresentada também pelo irmão da única proprietária do imóvel, no entanto tal facto, não determina a ilegitimidade das partes, na verdade, permitindo a lei que, não estando uma das partes em juízo, no caso de litisconsórcio, se possa chamar essa outra parte, por maioria de razão, também deverá concluir-se que havendo uma parte que não é legítima, mas estando em juízo quem tem legitimidade, não deverá haver lugar à absolvição da instância.
28. E também aqui, dando-se por reproduzido o acima exposto, deverá prevalecer o fundo sobre a forma.
29. Estando em juízo quem tem legitimidade, não há lugar à absolvição da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do CPC, tendo o Tribunal a quo violado estas disposições legais, em conjugação com os art.ºs 6º nº 2 e 579º do mesmo diploma legal.
Nestes termos, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverão V. Exas.
a) Julgar procedentes as nulidades invocadas; Sem conceder sempre se dirá que,
b) Revogar a sentença do Tribunal da 1ª Instância, devendo a excepção suscitada ser julgada improcedente e, consequentemente, deverão os autos seguir os seus normais termos e a final a presente ação ser julgada integralmente procedente, por provada
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art.º 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os art.ºs. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a) se a decisão recorrida é nula por violação do princípio do contraditório, na vertente da proibição da prolação de decisões-surpresa;
b) se a decisão recorrida é nula por não fundamentar a razão pela qual, no caso concreto, a ilegitimidade ativa não é sanável;
c) se a decisão recorrida errou:
- ao julgar verificada a exceção dilatória consistente na ilegitimidade ativa; e, em caso de verificação da exceção,
- ao julgá-la insanável.
***
III - FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de Facto:
Além do que resulta do relatório que antecede, com relevo para a decisão do presente recurso, considera-se provado o seguinte:
1. Pela Ap. _ de 1989/__/__, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a aquisição, a favor de:
- JLAV, casado com MALV no regime da separação de bens;
- MRSV; e
- JASAV,
por sucessão de
- JMAV e mulher, ZDAV,
do prédio descrito naquela Conservatória sob o n.º ____/____1223-Freguesia ____, sito na Rua ____, n.ºs ___-___, Lisboa, composto rés-do-chão, 5 andares, sendo o último em águas furtadas e pátio[3].
2. Consta ainda dessa inscrição, a seguinte menção:
«O titular, JLAV, foi o único e universal herdeiro do referido JMAV, e o cônjuge deste, sua meeira; os restantes, MRSV e JASAV, foram por sua vez, únicos herdeiros daquela ZDAV, em conjunto com o mesmo JLADV. - Sem determinação de parte ou direito.»
3. Por escritura pública realizada no dia 7 de dezembro de ____ no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituído o regime de propriedade horizontal sobre o "Prédio", que passou a ser constituído por seis frações autónomas, sendo a fração “A” correspondente ao rés-do-chão, destinado a loja para comércio, com entrada pelo n.º 154 da Rua ____;
4. Pela Ap. 2 de ____/12/23 foi inscrita naquela Conservatória a constituição do regime de propriedade horizontal sobre o "Prédio";
5. No dia 20 de março de 2018, no Cartório de AC, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, tendo como outorgante MRSV, que disse:
«- Que, nos termos do artigo 2084.º do Código Civil, é cabeça-de-casal na herança aberta por óbito do seu pai, JLAV.
- Que, no dia __ de __ de dois mil e dezoito (...) faleceu JLAV (...), no estado de casado com MALV, sob o regime da separação de bens (...);
- Que o falecido não deixou testamento, nem qualquer outras disposição equivalente, tendo sucedido como seus únicos herdeiros:
1) A sua mulher, MALV (...);
2) A sua filha, MRSV, ora outorgante;
3) O seu filho, JASAV.
- Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos referidos herdeiros ou que com eles concorram à sucessão do falecido.»
6. No dia 28 de maio de 2018, perante a advogada, SM, MALV subscreveu um documento intitulado “Repúdio de Herança”, com o seguinte teor:
«MALV (...), declara que repudia à herança aberta por óbito do seu marido JLAV (...), falecido no dia __.__2018, (...) sem testamento ou qualquer declaração de última vontade, (...) com quem era casada no regime de separação de bens.
A Repudiante tem dois filhos maiores, MRSV, (...) e JASAV (...).»
7. Sobre esse documento recaiu o seguinte termo de autenticação, com a mesma data:
«Eu, SM, Advogada, (...), reconheço, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, a assinatura aposta, presencialmente perante mim, no documento antecedente de MALV (...).
Mais declaro que a presente autenticação é referente ao repúdio da herança aberta por óbito do seu marido JLAV.
Verifiquei a identidade da Outorgante pela exibição do seu documento de identificação acima descrito, cuja correspondência e validade conferi e imediatamente restituí.
Foi-me exibida a certidão emitida em __.__2018, pela Conservatória do Registo Civil da Amadora, do Assento de óbito registado com o número ____ do ano de 2018 da referida Conservatória do Registo Civil, requisitada sob o número ___/___.
E PELA OUTORGANTE FOI DITO:
Que, para fins de autenticação, me apresentou o documento que antecede, consistente numa Declaração de repúdio de herança, redigido em língua portuguesa, que, depois de o haver lido e explicado o seu conteúdo, foi assinado pela Outorgante, tal como está redigido, conforme foi declarado ser sua vontade esclarecida.»
8. Pela Ap. ___ de 2021/__/__, foi inscrita no registo predial, a aquisição da “Fração A” a favor de MRSV, por partilha de herança, figurando como sujeitos passivos, JMAV, e ZDAV.
*
Motivação:
Este tribunal de recurso considerou:
- quanto aos enunciados descritos em 1., 2. e 4.: o teor certidão predial permanente junta com a petição inicial;
- quanto ao enunciado descrito em 3.: o teor da escritura de constituição da propriedade horizontal junta com a petição inicial;
- quanto ao enunciado descrito em 5.: o teor da escritura de habilitação de herdeiros junta com a petição inicial;
- quanto ao enunciado descrito em 6.: o teor do documento intitulado “Repúdio de Herança” junto com a petição inicial;
- quanto ao enunciado descrito em 7.: o teor do documento intitulado “Termo de Autenticação” junto com a petição inicial;
- quanto ao enunciado descrito em 8.: o teor da certidão predial permanente junta com o requerimento apresentado elos autora no dia 29 de março de 2022.
*
3.2 – Fundamentação de Direito:
Uma nota quanto ao despacho proferido em 2 de maio de 2022:
Decidiu a senhora juíza  a quo que «Cabendo apreciar a excepção dilatória de ilegitimidade e tendo sido profusamente exercido o contraditório, o despacho saneador será proferido por escrito e notificado às partes, ao abrigo do disposto nos artigos 593.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, al. d), 595.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil.
Notifique.
Oportunamente (artigo 149.º do Código de Processo Civil), conclua.»
Considerando a senhora juíza a quo:
- ser de julgar procedente a exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da presentes;
- que a mesma já se encontrava debatida nos articulados, ou seja, que relativamente à mesma já se mostrava «(...) profusamente exercido o contraditório (...)»,
então, a norma autorizante da dispensa da audiência prévia reside no art.º 592.º, n.º 1, al. b)[4], e não nos preceitos legais citados no sobredito despacho.
Este desvio enunciado pela lei à regra da realização da audiência prévia, ou seja, a sua não realização quando o processo deva terminar no despacho saneador em função da procedência de uma exceção dilatória em relação à qual as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar nos articulados, radica na circunstância de o contraditório já ter sido assegurado em momento anterior, não se justificando, portanto, a convocação daquela diligência para tal finalidade, até porque, tendo em conta que o desfecho do processo consistirá na absolvição do réu da instância, a audiência prévia teria como única finalidade a produção do despacho saneador (art.ºs 591.º, al d) e 591.º, n.º 1, al. a).
Por isso, com o intuito de assegurar a economia processual, o legislador optou pela não realização da audiência prévia, havendo, consequentemente, lugar à prolação do despacho saneador por escrito[5].
Além disso, considerando já debatida nos articulados a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, ou, nas suas palavras, «(...) profusamente exercido o contraditório (...)» relativamente a tal exceção, predispondo-se a conhecer da mesma em sede de despacho saneador, não se compreende porquê e para quê:
- ordenar novamente a notificação das partes;
- ordenar que os autos lhe fossem oportunamente conclusos, com expressa referência ao art.º 149.º,
sendo certo que:
- o art.º 130.º, sob a epígrafe “Princípio da limitação dos atos”, proíbe a prática de atos inúteis;
-  qualquer decisão judicial deve ser clara, rigorosa, precisa, de modo a não deixar dúvidas quanto ao alcance e objetivo do comando nela contida, nomeadamente no espírito dos seus destinatários, o que não é o caso.
Uma nota quanto às conclusões:
Tal como refere ABRANTES GERALDES, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.
Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.»[6].
Conforme sustentava Jacinto Rodrigues Bastos[7], as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas por que se pretende obter o provimento do recurso.
Por outro lado, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, conforme resulta do art.º 635º, nº 3, do mencionado compêndio legal, devendo conter a identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.
Por isso, devem as conclusões integrar as razões invocadas para esse efeito e que constituirão as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à decisão pretendida.
As conclusões apresentadas pelos apelantes não cumprem exatamente o imperativo legal de síntese dos seus argumentos recursórios, chegando ao ponto de nelas se mostrarem transcritos argumentos jurisprudenciais.
Não se justifica, no entanto, a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, por razões de celeridade e economia processuais, e de eficácia das questões materiais acima de aspetos de natureza formal.
Da nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório na vertente da proibição de decisões-surpresa:
Assiste inteira razão aos apelantes, pois a decisão recorrida constitui, efetivamente, uma decisão-surpresa!
Nos termos do art.º 3.º, n.º 3, «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.»
Trata-se da consagração expressa do princípio do contraditório na vertente da proibição da prolação de decisões-surpresa, garantindo aquele preceito às partes a sua efetiva intervenção no desenvolvimento de todo o litígio, sob pena de nulidade da decisão que o não respeite: é o que se chama de contraditório dinâmico.
Tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 17.06.2014, Proc. n.º 233/2000.C2.S1 (Maria Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt, «deve esclarecer-se, em primeiro lugar, que se tem entendido que o art.º 3.º do CPC não introduz no nosso sistema o instituto da proibição de decisões-surpresa tal como foi configurado na Alemanha, país donde dimanou e tem longo historial, verificando-se importantes diferenças de regime entre o Código de Processo Civil português e o alemão.»
O que o art.º 3.º, n.º 3, consagra, afirma-se naquele aresto, em sintonia, aliás, com o entendimento de Lebre de Freitas, é a garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, facultando-lhes a possibilidade de influírem em todos os elementos processuais (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão; ou seja, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo[8].
O cabal respeito pelos princípios do contraditório (na dimensão acabada de apontar), da igualdade das partes, da boa fé processual e da recíproca cooperação que deve existir entre as partes e o juiz, impunham à senhora juíza a quo um procedimento substancialmente diferente daquele que adotou.
É certo que a questão de legitimidade ativa foi debatida pelas partes nos articulados.
No entanto, ante o decidido, não pode afirmar-se que relativamente a ela foi «profusamente exercido o contraditório».
É que a senhora juíza a quo decidiu a questão da exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da causa, com uma fundamentação ou argumentação jurídica completamente diferente da debatida pelas partes nos articulados.
Na contestação, como se viu, a ré argui a ilegitimidade dos autores para os termos da causa por preterição de litisconsórcio necessário ativo, em virtude de não serem eles os únicos proprietários da “Fração”.
É que, afirmam, da descrição predial consta também como proprietário JLAV, sendo que, aberta a herança por óbito deste último, sucederam-lhe, não apenas os aqui autores, mas também a sua mulher, MALV.
Por conseguinte, os autores não são os únicos e universais herdeiros do falecido comproprietário do imóvel dos autos.
O imóvel objeto dos presentes autos é pertença, em regime de compropriedade, dos aqui autores, «e da herança aberta e indivisa de JLAV.»
Foi à luz desta argumentação que os autores, notificados para o efeito, responderam à referida exceção em articulado autónomo, pugnando pela improcedência da mesma, chegando, no entanto, ao ponto de, ainda que «por mera cautela e dever de patrocínio», requererem «a constituição da herança indevisa como parte activa, nos termos e para os efeitos dos artigos 311º e seguintes do CPC.» - sic.
Sucede que a senhora juíza a quo, depois de, no despacho de 2 de maio de 2022, ter ordenado, sem que se perceba com que objetivo:
- a notificação das partes;
- e que os autos lhe fossem oportunamente conclusos,
proferiu despacho saneador, no qual julgou procedente a referida exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da causa e absolveu a ré da instância, não por considerar preterido o litisconsórcio necessário ativo, a situação que foi debatida pelas partes nos articulados[9], mas por entender que ação não poderia ter sido intentada por MRSV e JASAV na qualidade de comproprietários da "Fração"
Fê-lo, com base no seguinte entendimento:
- «(...) à data da entrada da Petição Inicial a Herança de JMAV e de ZDAV tinha a qualidade de senhoria na relação material em causa nos autos»;
- «A qualidade de herdeiros dos Autores não faz deles donos e possuidores da fracção nem titulares ou comproprietários da mesma, como se alega na Petição Inicial»;
- «Até à partilha os herdeiros não são titulares de quotas ou de bens concretos, mas de um direito sobre o conjunto da herança. Na herança cada co-herdeiro tem direito a uma quota ou fracção ideal sobre o acervo dos bens que a integram, mas não sobre bens determinados; na compropriedade, cada comproprietário tem direito a uma quota – fracção ideal – sobre bens determinados.»;
- «Os Autores intentaram a acção invocando a qualidade de comproprietários da fracção arrendada; todavia, os Autores não tinham essa qualidade: a fracção pertencia à herança indivisa e ainda não partilhada.»;
- «Até à partilha, os herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, são titulares de um direito sobre a herança, mas não são proprietários nem comproprietários dos bens»;
- «A herança ilíquida e indivisa, já aceite pelos sucessíveis, não tem personalidade judiciária, pelo que serão os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário»;
- «Nos termos do disposto no artigo 2079.º do Código Civil, a administração dos bens da mesma, até à liquidação e partilha, cabe ao Cabeça de Casal»;
- «A presente acção de despejo não visa estritamente a entrega do bem locado e vai para além da cobrança de dívidas prevista no artigo 2089.º do Código Civil, normativo que aliás admite tal cobrança em termos restritivos, uma vez que apenas se admite que o cabeça-de-casal possa cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou quando o pagamento seja feito espontaneamente»;
- «Não é admissível que os Autores intentem uma acção, em nome próprio, invocando a compropriedade do bem imóvel arrendado, quando a sua qualidade é de herdeiros do(s) proprietário(s) da fracção»;
- «(...) a presente acção devia ter sido deduzida pela Cabeça de Casal da herança e por todos os demais herdeiros, nessa qualidade. Não o tendo sido, verifica-se ilegitimidade dos Autores para intentar a presente acção»;
- «A ilegitimidade não é sanável, nomeadamente pela “constituição da herança indivisa como parte activa”, como requerido pelos Autores em 23/11/2021. Não é possível regularizar a parte activa da causa».
Sucede que nada disto foi discutido ou debatido pelas partes nos articulados.
É certo que, conforme dispõe o art.º 5.º, n.º 3, «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.»
Trata-se da consagração do princípio da oficialidade no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o qual, no entanto, está condicionado pela necessidade de ser respeitado o outro princípio de que vimos falando, o do contraditório, na mencionada vertente, de modo a serem evitadas decisões-surpresa, isto é, contra a corrente daquilo que as partes alegaram e debateram nos articulados[10].
Ante o alegado e debatido nos articulados, é evidente que as partes, sobretudo os autores[11], foram confrontados, no saneador recorrido, com uma solução jurídica surpreendente e inesperada, com a qual não contavam, por não ter sido objeto de discussão no processo.
O pleno respeito pelos princípios atrás mencionados, sobretudo o do contraditório, vertido no art.º 3.º, n.º 3, impunham que a senhora juíza a quo, antes de decidir como decidiu, indicasse às partes, de forma expressa, clara e fundamentada, as razões pelas quais, em seu entender, os autores careciam de legitimidade para os termos da causa.
Só assim a senhora juíza a quo teria observado e feito cumprir, plenamente, princípios estruturantes do processo civil como os acima enunciados, desde logo, reitera-se, o do contraditório, quanto a uma decisão-surpresa que o despacho saneador recorrido manifestamente configura.
O contraditório a conceder pela senhora juíza a quo, para ser autêntico e efetivo, não poderia, obviamente, ter-se limitado à singelíssima prolação do despacho de 2 de maio de 2022[12]; para o ser, era necessário que nele tivessem ficado clara e expressamente indicadas, sem margem para dúvidas, as razões pelas quais considerava os autores carecidos de legitimidade para os termos da causa.
Só assim a julgadora teria assegurado às partes a previsibilidade da decisão que se pretendia tomar, facultando-lhes a possibilidade de esgrimirem todos os argumentos que tivessem como válidos para rebaterem o entendimento da senhora juíza a quo quanto a tal questão, o mesmo é dizer, só assim lhes teria assegurado o pleno exercício do direito ao contraditório e as pouparia ao confronto com uma decisão-surpresa.
Por paradigmático, importa atentar na seguinte passagem do Ac. da R.P. de 01.12.2019, Proc. nº 14227/19.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt:
«A referida conceção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade e pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o ilustre professor Lebre de Freitas, cuja lição vimos seguindo, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo – quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa.
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.
Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art.º 3º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº 3, do art.º 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (...); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões-surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art.º 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
A citada norma, introduzida pela Reforma de 1995/1996, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, consagrando mais uma garantia de discussão dialética entre as partes no desenvolvimento de todo o processo, consagrando de forma ampla o direito a exprimir posição para influenciar a decisão.
Para que os referidos objetivos de melhor, mais rápida e definitiva composição dos litígios fossem alcançados, foi consagrado que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art.º 591º, nº 1, al. b)).
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão. A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.
O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
São, pois, proibidas as decisões-surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes.
A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
Há decisão-surpresa se o juiz de forma inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta decisão do litígio. Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade.
Quer se trate de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, casos existem em que as mesmas tinham obrigação de prever que o tribunal as podia decidir em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que, se as não suscitaram e não cuidaram de as discutir no processo, sib imputet, não se podendo, de modo equilibrado e razoável, considerar que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configura uma decisão-surpresa. Esta pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão, embora juridicamente possível, não estivesse sido prevista nem configurada por aquela. Se a decisão tomada pelo tribunal é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes e o tribunal se cingiu a esses factos, sem recurso novos, não alegados, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas previram ou, pelo menos, tinham a obrigação legal de prever, como possível, nenhuma decisão-surpresa existe.
Ora, não era previsível que o tribunal enveredasse pela posição que seguiu, constituindo a decisão recorrida, meramente de forma, uma decisão-surpresa. Constitui decisão-surpresa a solução seguida pelo tribunal que se afasta “do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as mesmas terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”, só aí se podendo considerar que o tribunal se apartou “do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao julgador”.
Não existe decisão-surpresa quando a decisão e os seus fundamentos estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do abstratamente permitido pela lei e que possa ser admitido como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado.
São, pois, proibidas as decisões-surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava legitimamente a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.»[13].
Na situação sub judice, estamos, como já repetidamente afirmado, perante uma decisão-surpresa, pois que à questão da (i)legitimidade ativa foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.
Ocorreu, pois, in casu, uma efetiva violação do princípio do contraditório na vertente da proibição da prolação de decisões-surpresa, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, preceito que garante às partes a sua efetiva intervenção no desenvolvimento de todo o litígio, sob pena de nulidade da decisão que o não respeite: é o que se chama de contraditório dinâmico.
Conforme refere Teixeira de Sousa, em anotação ao art.º 3.º (nota 9.), «a violação da proibição da decisão-surpresa implica um vício da própria decisão-surpresa. A decisão-surpresa é, em si mesma, um vício processual que nada tem a ver com a tramitação processual e, por isso, com as nulidades processuais. É uma nulidade de um acto processual, não uma nulidade (da tramitação) processual. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o tribunal conhece de matéria que, nas condições em que o fez, não podia conhecer (RP 2/3/2015 (39/13); STJ 23/6/2016 (1937/15); RP 8/10/2018 (721/12); RG 19/3/2020 (6760/19); RL 8/10/2020 (95274/18); RG 12/11/2020 (2892/20); STJ 16/12//2021 (4260/15); RP 8/3/2022 (3281/20); tb RG 25/3/2021 (2935/11); dif., entendendo que a solução conduz à interposição de recursos “sugadores de esforços sem sentido”, RG 17/12/2018 (216/16)). Para proferir a sua decisão, o tribunal tem de ouvir previamente as partes; logo, o vício refere-se à própria decisão, e não ao que não deveria ter sido omitido para que não houvesse uma decisão-surpresa (dif. STJ 19/12/2018 (543/05); STJ 2/6/2020 (496/13); R.P. 10/11/2020 (358/19); RE 9/9/2021 (1883/20); em crítica a esta orientação, cf. Teixeira de Sousa, Blog do IPPC 22/9/2020; Teixeira de Sousa, Blog do IPPC 12/10/2021). Se a omissão da audição das partes constituísse uma nulidade processual, então não haveria decisão-surpresa. Haveria uma nulidade processual que teria como consequência a anulação dos actos subsequentes (art.º 195.º, n.º 2), entre os quais uma decisão posteriormente proferida. Para que se possa falar de decisão-surpresa é necessário que haja um vício próprio da decisão, e não uma decisão não viciada que é anulada na sequência de uma nulidade anterior (→NP art.º 186.º-202.º).»[14].
Em conclusão, o despacho saneador recorrido é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º al. d), 2.ª parte, aplicável aos despachos, por via do disposto no art.º 613.º, n.º 3.
*
Da nulidade da decisão recorrida, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), por não fundamentar a razão pela qual, no caso concreto, não é sanável a exceção dilatória consistente na ilegitimidade ativa:
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. b), igualmente aplicável, obviamente, nos termos do art.º 613.º, n.º 3, que «é nula a sentença quando (...) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.»
É manifesto que o saneador recorrido não padece da apontada nulidade.
O dever de fundamentação das decisões resulta expressamente dos art.º 205.º, n.º 1, da CRP, e 154.º, do CPC, impondo-se um tal dever por razões:
- umas, de ordem substancial, pois cumpre ao julgador demonstrar que da norma geral e abstrata soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto;
- outras, de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento ou fundamentos.
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que, tal como salientam Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC/13, ao escreverem, obviamente com referência ao CPC/61[15], que «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito»[16].
Segundo José Alberto dos Reis, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[17].
Resulta assim evidente que o saneador recorrido não enferma de tal nulidade.
Nele, a senhora, juíza a quo, refere as razões pelas quais considera:
- verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa;
- tal exceção insanável,
não relevando, para efeitos de verificação da apontada nulidade, se a respetiva fundamentação é deficiente, incompleta, medíocre ou não convincente.
Em conclusão, o despacho saneador recorrido não é nulo por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615.º, n.º al. b), aplicável aos despachos, por via do disposto no art.º 613.º, n.º 3.
*
Da questão da ilegitimidade ativa:
Não obstante a declaração de nulidade do saneador recorrido, este tribunal de recurso vai conhecer do objeto da apelação, nos termos do art.º 665.º, n.º 1, ou seja, vai conhecer da questão atinente à exceção dilatória consistente na ilegitimidade ativa.
Dispõe o art.º 30.º:
«1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
Como é sabido, no direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objeto do ato jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do ato jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo.
Como pressuposto processual geral, ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, no direito adjetivo o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objeto deste (a pretensão e o pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
Tal como no direito substantivo, haverá que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 30.º, ou seja, em função do interesse direto (e não indireto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e do interesse direto (e não indireto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)[18].
Ainda dentro da regra enunciada nos referidos n.ºs 1 e 2 do art. 30.º, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.
Há muito tempo que foi posto termo à clássica discussão no nosso direito processual civil, entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, sobre se a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objetivos, isto é, abstraindo apenas da efetiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjetivos, isto é, com abstração também da sua efetiva titularidade.
Se é verdade que o legislador perfilhou a segunda tese, também cumpre referir, na esteira de Lopes do Rego[19], que o Professor Barbosa de Magalhães nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula - mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.
De acordo com a tese prevalecente, como bem sintetizam Lebre de Freitas / Isabel Alexandre[20], ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última[21].
A legitimidade deve, assim, ser aferida e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da ação possa derivar para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que elas, considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor.
O julgador, para aferir da legitimidade das partes, tem apenas que atentar na relação material controvertida tal como o autor a apresenta na petição inicial para, em face dela, verificar se ele e o réu são sujeitos com interesse direto, o primeiro em demandar, e o segundo em contradizer.
Não importa:
- saber se essa relação é verídica ou não;
- indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir;
- considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito[22].
Perante estes considerandos e à luz da matéria de facto que este tribunal de recurso considerou provada, parece evidente, salvo o devido respeito, o desacerto, a incompreensibilidade até, da decisão que absolveu a ré da instância por considerar verificada a exceção dilatória consistente na ilegitimidade ativa.
Trata-se, desde logo, de uma decisão arreigada a injustificados e desajustados formalismos, há muito erradicados do sistema processual civil português e que, além do mais, olvida princípios basilares como o da gestão processual.
Um parêntesis apenas para referir que entendemos que a gestão processual, não obstante o legislador se lhe referir utilizando a expressão «dever», constitui um princípio do processo civil, princípio esse que, como refere Vera Leal Ramos, «deverá estar bem presente na mente do juiz e conformar todo o processo»[23].
Esse princípio, da gestão processual, engloba, por sua vez, o princípio da adequação formal, pois adequar formalmente o processo é uma das formas de gerir o processo[24], ou, se se quiser, uma vertente importante da gestão processual.
Além do princípio da gestão processual, que impõe ao juiz uma atuação em conformidade com o estatuído no art.º 6.º, ao decidir como decidiu, a senhora juíza a quo olvidou ainda, de forma flagrante, outros princípios estruturantes do processo civil português vigente, como o da prevalência da decisão de mérito, da economia processual, da atendibilidade dos factos supervenientes, da celeridade processual, do aproveitamento dos atos processuais.
A presente ação deu entrada em juízo a 1 de junho de 2020.
Em 1989, o direito de propriedade sobre a "Fração" encontrava-se registado a favor:
- dos autores, MRSV e JASAV; e ainda,
- do pai dos autores, JLAV,
que todos o adquiriram por sucessão de JMAV e mulher, ZDAV,
e com a seguinte menção:
«O titular, JLAV, foi o único e universal herdeiro do referido JMAV, e o cônjuge deste, sua meeira; os restantes, MRSV e JASAV, foram por sua vez, únicos herdeiros daquela ZDAV, em conjunto com o mesmo JLADV. - Sem determinação de parte ou direito».
No dia 7 de dezembro de 1989 foi constituída a propriedade horizontal sobre o "Prédio", que passou a ser constituído por seis frações autónomas, sendo a fração “A” correspondente ao rés-do-chão, destinado a loja para comércio, com entrada pelo n.º ___ da Rua ____, facto que foi inscrito na Conservatória do Registo Predial pela Ap. _ de 1989/__/__;
No dia __.__.2018 faleceu o pai dos autores, o referido JLAV, na sequência do que, no dia __.__.2018, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, tendo como outorgante MRSV, que disse:
«- Que, nos termos do artigo 2084.º do Código Civil, é cabeça-de-casal na herança aberta por óbito do seu pai, JLAV.
Bencatel
- Que, no dia __ de ___ de dois mil e dezoito (...) faleceu JLAV (...), no estado de casado com MALV, sob o regime da separação de bens (...);
- Que o falecido não deixou testamento, nem qualquer outras disposição equivalente, tendo sucedido como seus únicos herdeiros:
1) A sua mulher, MALV (...);
2) A sua filha, MRSV, ora outorgante;
3) O seu filho, JASAV.
- Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos referidos herdeiros ou que com eles concorram à sucessão do falecido.»
Pela Ap. __ de 2021/__/__, portanto, cerca de seis meses depois da entrada em juízo da ação, foi inscrita no registo predial a aquisição da “Fração” a favor da co-autora MRSV, por partilha de herança, figurando como sujeitos passivos, JMAV, e ZDAV, facto carreado para processo em 29 de março de 2022, com a junção da respetiva certidão predial permanente.
Perante estes factos, não é difícil decidir a questão da legitimidade ativa.
Antes, porém, importa referir que, tal como se salienta no Ac. da R.L. de 17.03.2011, Proc. nº 57/10.6TBVPT-L1-2 (Farinha Alves), in www.dgsi.pt, «a herança não é, nem nunca foi, um sujeito de direitos.».
É, assim, manifesto, o equívoco da afirmação vertida no saneador recorrido, no sentido de que «da informação predial junta aos autos com a Petição Inicial resulta que à data da entrada da Petição Inicial a Herança de JMAV e de ZDAV tinha a qualidade de senhoria na relação material em causa nos autos.»
Para um senhorio ou locador decorrem os direitos e os deveres inerentes a uma relação arrendatícia ou locatícia!
A herança indivisa não é titular de direitos!
Titulares dos direitos e deveres da herança aceite mas que se mantém indivisa, em comum e sem determinação de parte, são os herdeiros/sucessores do autor daquela herança!
Não a própria herança aceite, mas indivisa, a qual, repete-se não é sujeito de direitos!
Posto isto, a atual realidade processual mostra que se tornou até inútil discutir quem é que, na petição inicial através da qual foi instaurada, em 1 de junho de 2020, a presente ação, devia constar do lado ativo da lide:
a) se apenas a autora MRSV, na qualidade de cabeça-de-casal;
b) se os autores MRSV e JASAV, na qualidade de comproprietários da fração;
c) se os autores MRSV, JASAV, e a mãe de ambos, MALV, na qualidade de únicos herdeiros das heranças abertas por óbito de:
- JMAV e ZDAV; e de,
- JLAV.
É que está plenamente provado nos autos que na pendência da ação o direito de propriedade sobre a fração foi adquirido pela co-autora MRSV, por partilha da herança aberta por óbito de JMAV e ZDAV.
A co-autora MRSV, tornou-se, assim na pendência da ação, a única e exclusiva titular do direito de propriedade sobre a “Fração”, facto que, antes da prolação da decisão recorrida, já se encontrava plenamente provado nos autos.
Disso mesmo, aliás, dá conta a decisão recorrida, na seguinte passagem:
«O documento 1 junto com a Petição Inicial é apenas a descrição geral do prédio, não tendo sido junta a descrição da fracção A, que está em causa nos autos; apenas em 29/03/2022 os Autores juntam a descrição relativa à fracção A, em que consta a aquisição a favor da Autora MRSV, por partilha da herança, registada em 21/01/2021, durante a pendência da presente acção, mais concretamente, após a apresentação da Contestação».
No entanto, fazendo tábua rasa desse facto, como de outros aspetos, e considerando:
- que (...) à data da apresentação da acção, 1 de Junho de 2020, a fracção arrendada era ainda pertença da herança indivisa»;
- que da «informação predial junta aos autos com a Petição Inicial resulta que à data da entrada da Petição Inicial a Herança de JMAV e de ZDAV tinha a qualidade de senhoria na relação material em causa nos autos»;
- que «(...) a instância se inicia pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada (artigo 259.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)», e que, «citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (artigo 260.º do Código de Processo Civil)»;
- que «os Autores intentaram a acção invocando a qualidade de comproprietários da fracção arrendada; todavia, os Autores não tinham essa qualidade: a fracção pertencia à herança indivisa e ainda não partilhada»;
- que «até à partilha, os herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, são titulares de um direito sobre a herança, mas não são proprietários nem comproprietários dos bens»;
- que «a herança ilíquida e indivisa, já aceite pelos sucessíveis, não tem personalidade judiciária, pelo que serão os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário»;
- que «a presente acção de despejo não visa estritamente a entrega do bem locado e vai para além da cobrança de dívidas prevista no artigo 2089.º do Código Civil, normativo que aliás admite tal cobrança em termos restritivos, uma vez que apenas se admite que o cabeça-de-casal possa cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou quando o pagamento seja feito espontaneamente»;
- que «não é admissível que os Autores intentem uma acção, em nome próprio, invocando a compropriedade do bem imóvel arrendado, quando a sua qualidade é de herdeiros do(s) proprietário(s) da fracção»;
- que «(...) a presente acção devia ter sido deduzida pela Cabeça de Casal da herança e por todos os demais herdeiros, nessa qualidade. Não o tendo sido, verifica-se ilegitimidade dos Autores para intentar a presente acção»;
- que «a ilegitimidade não é sanável, nomeadamente pela “constituição da herança indivisa como parte activa”, como requerido pelos Autores em 23/11/2021. Não é possível regularizar a parte activa da causa»,
a senhora juíza a quo julgou procedente a exceção dilatória consistente na ilegitimidade ativa e absolveu a ré da instância.
É verdade que os autores afirmam na petição inicial:
- «Os AA., irmãos germanos, são os donos e possuidores da mencionada fração» - art. 8.º;
- «Os AA. constam como titulares inscritos na Conservatória do Registo Predial da fração «A» (...) por terem sucedido, em conjunto com JLAV, no direito de propriedade de JMAV e ZDAV»[25] - art.º 9.º.
Sucede que os autores se consideram «os donos e possuidores» da “Fração”, uma vez que, ocorrido, entretanto, o falecimento de seu pai, JLAV[26], a esposa, e mãe daqueles, MALV, renunciou, segundo afirmam, à herança aberta por óbito deste.
É por isso, repete-se, que os autores se consideram «os [únicos] donos e possuidores» da "Fração"»; ou seja-se, consideram-se «os [únicos] donos e possuidores» da "Fração" por, em consequência da invocada renúncia de sua mãe, MALV, à herança aberta por óbito do seu marido, e pai dos autores, JLAV[27], se terem tornado, eles os dois, e mais ninguém, os únicos sucessores da herança aberta por óbito de JMAV e ZDAV.
Perante o exposto, afirmar-se que:
- «não é admissível que os Autores intentem uma acção, em nome próprio, invocando a compropriedade do bem imóvel arrendado, quando a sua qualidade é de herdeiros do(s) proprietário(s) da fracção»;
- que «(...) a presente acção devia ter sido deduzida pela Cabeça de Casal da herança e por todos os demais herdeiros, nessa qualidade. Não o tendo sido, verifica-se ilegitimidade dos Autores para intentar a presente acção»;
- que «a ilegitimidade não é sanável, nomeadamente pela “constituição da herança indivisa como parte activa”, como requerido pelos Autores em 23/11/2021. Não é possível regularizar a parte activa da causa»,
e, consequentemente, proferir-se uma decisão de absolvição da instância com fundamento em ilegitimidade ativa, é desrespeitar todos os princípios processuais atrás enumerados.
É, afinal de contas, e para dizer o mínimo, tornar incompreensível a decisão!
Neste exato contexto, o que se impunha que a senhora juíza a quo fizesse, a coberto do poder/dever de direção formal do processo que legalmente sobre si impende e dos demais princípios processuais citados, era a adoção dos procedimentos necessários tendentes à retificação da qualidade jurídica com que os autores se apresentaram a demandar.
No caso presente, esse procedimento mais não exigia do que uma simples interpretação corretiva que definisse exatamente a qualidade jurídica dos demandantes: em vez de «donos e possuidores» da "Fração", herdeiros da herança aberta por óbito de JMAV e ZDAV.
As pessoas físicas continuavam a ser exatamente as mesmas, mudando apenas a sua qualidade jurídica.
Se, ainda assim, a senhora juíza a quo entendesse não estarem no lado ativo da demanda todos os herdeiros da herança aberta por óbito de JMAV e ZDAV, por faltar um herdeiro, MALV, esposa do falecido JLAV, que com os autores concorreu àquela herança, verificando-se, ou persistindo, por conseguinte, uma situação de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário ativo, então, mais uma vez se impunha à senhora juíza a quo a adoção dos procedimentos necessários ao suprimento da falta desse pressuposto, convidando os autores, então já qualificados como herdeiros da herança aberta por óbito de JMAV e ZDAV à prática dos atos necessários a tal suprimento (art. 6.º, n.º 2).
Em termos mais simples, para sermos diretos e objetivos: estimulando-os a deduzirem incidente de intervenção principal provocada da sua mãe, a referida MALV.
Nada disto, no entanto, foi feito!
Sucede que, a partir de certa altura do processo, para que ficasse plenamente assegurada a legitimidade ativa, até o descrito procedimento ficou prejudicado, se tornou desnecessário.
É que, na pendência da ação, e na sequência da partilha aberta por óbito de JMAV e ZDAV, a co-autora MRSV tornou-se a única proprietária da "Fração".
No entanto, ainda assim, confrontada com esse facto, a senhora juíza a quo persistiu irredutível em julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa.
Afirma a senhora juíza a quo na decisão recorrida que «apenas em 29/03/2022 os Autores juntam a descrição relativa à fracção A, em que consta a aquisição a favor da Autora MRSV, por partilha da herança, registada em 21/01/2021, durante a pendência da presente acção, mais concretamente, após a apresentação da Contestação».
No entanto, como, além do mais, no entender da senhora juíza a quo:
- «Da informação predial junta aos autos com a Petição Inicial resulta que à data da entrada da Petição Inicial a Herança de JMAV e de ZDAV tinha a qualidade de senhoria na relação material em causa nos autos»;
- A «(...) a instância se inicia pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada (artigo 259.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)», e que, «citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (artigo 260.º do Código de Processo Civil)».
- «Os Autores intentaram a acção invocando a qualidade de comproprietários da fracção arrendada», e todavia, «os Autores não tinham essa qualidade», pois «a fracção pertencia à herança indivisa e ainda não partilhada»;
- «Até à partilha, os herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, são titulares de um direito sobre a herança, mas não são proprietários nem comproprietários dos bens»;
- «Não é admissível que os Autores intentem uma acção, em nome próprio, invocando a compropriedade do bem imóvel arrendado, quando a sua qualidade é de herdeiros do(s) proprietário(s) da fracção»;
- «(...) a presente acção devia ter sido deduzida pela Cabeça de Casal da herança e por todos os demais herdeiros, nessa qualidade», e «não o tendo sido»,
a conclusão a que chegou, não deixou de ser a mesma: «verifica-se ilegitimidade dos Autores para intentar a presente acção».
Não pode ser assim!
Mais uma vez se impunha que a senhora juíza a quo cumprisse os deveres que lhe são impostos pelo art.º 6.º, que tomasse, perante o processo, as atitudes que, à luz do citado preceito, se lhe exigiam, conduzindo-o ativamente, de forma a regularizar definitivamente a instância, sem diminuição das garantias das partes, assegurando o respeito pelo princípio do contraditório, tudo com o objetivo final de obter, com eficiência, a composição justa e célere do litígio.
Isso, aliás, lhe era imposto pelo princípio da garantia de acesso aos tribunais e de obtenção de uma resolução do litígio em prazo razoável, consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tudo isso, em vez de, apoiando-se em inconcebíveis argumentos formais, proferir uma decisão de forma, que a ninguém, a rigorosamente ninguém, aproveita; em vez de proferir, uma vez instruída e discutida a causa, uma decisão de mérito que pusesse termo ao conflito existente entre as partes.
Com a partilha da herança, cada um dos herdeiros é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, desde a abertura da sucessão.
Portanto, demonstrado que estava no processo, à data da prolação do despacho saneador recorrido, que na pendência da ação ocorreu a partilha da herança aberta por óbito de JMAV e de ZDAV, no âmbito da qual foi atribuída à autora co- autora MRSV, a "Fração" objeto dos presentes autos, o que se impunha à senhora juíza a quo era que, oficiosamente, diligenciasse pelo afastamento do obstáculo de natureza processual que se lhe apresentava, com vista a poder proferir decisão de fundo, a poder resolver definitivamente a questão de direito colocada ao tribunal.
A sanação oficiosa dos obstáculos processuais por parte do juiz visa, precisamente, afastar, sempre que possível, as situações de absolvição da instância, por não verificação dos seus pressupostos, e beneficiar uma apreciação de mérito[28].
Como já se disse, a decisão formal recorrida, a manter-se, não aproveita a rigorosamente ninguém:
- não aproveita, por razões óbvias, à autora MRSV, que se verá forçada a intentar nova ação, contra a mesma ré, exatamente com o mesmo objeto e objetivo;
- não aproveita à ré, que está perante uma vitória que certamente não deixará de ser “pírrica”, pois que, seguramente, a autora MRSV, não deixará de proceder nos termos referidos no ponto anterior;
- não aproveita ao prestígio e à confiança que são devidos aos Tribunais e à Justiça que, não se socorrendo dos mecanismos legais disponíveis, não assegurou a justa composição do litígio em prazo razoável, antes permitiu o seu arrastamento.
 *
Por todas as razões expostas, a decisão recorrida não pode subsistir, devendo ser substituída por outra que, com prévia audição das partes, eventualmente em sede de audiência prévia, determine a adoção dos procedimentos que legalmente se impõem, de modo a que a ação prossiga, nela figurando como única autora, MRSV, definindo-se a exata qualidade jurídica em que tal ocorre.
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, em consequência do que revogam a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra, nos termos e para os efeitos referidos no parágrafo antecedente, de modo a assegurar a legitimidade ativa de MRSV para os termos da causa.
Custas pela apelada.

Lisboa, 10 de janeiro de 2023
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
_______________________________________________________
[1] Os art.ºs. 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), são claros na afirmação de que na petição inicial, o autor deve cingir-se à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
[2] Doravante referida apenas por “Fração”
[3] Doravante referido apenas como “Prédio”.
[4] «A audiência prévia não se realiza (...) quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.»
[5] Cfr. João Pedro Pinto-Ferreira, Adequação Formal e Garantias Processuais na Ação Declarativa, Almedina, 2022, pp. 214-215.
[6] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-186.
[7] Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, p. 299.
[8] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 124-125.
[9] A considerar verificada a situação de preterição de litisconsórcio necessário ativo, impunha-se à senhora juíza a quo, previamente à prolação de decisão a considerar os autores partes ilegítimas com aquele fundamento, a prolação de despacho a convidar os autores a suprirem a falta, praticando os atos necessários à regularização da instância (art.º 6.º, n.º 2).
[10] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, p. 33.
[11] Os que saíram, para já, prejudicados com a decisão recorrida.
[12] «Cabendo apreciar a excepção dilatória de ilegitimidade e tendo sido profusamente exercido o contraditório, o despacho saneador será proferido por escrito e notificado às partes, ao abrigo do disposto nos artigos 593.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, al. d), 595.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil.
Notifique.
Oportunamente (artigo 149.º do Código de Processo Civil), conclua.»
[13] Vejam-se as referências doutrinárias e jurisprudenciais vertidas nas notas de rodapé do citado aresto.
[14] CPC Online, p. 5.
[15] O teor da al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC/61 é idêntico ao da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013.
[16] Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 670-672.
[17] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimp.), Coimbra Editora, 1984, pp. 139-141.
[18] Cfr. Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pp. 70-71.
[19] Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Almedina, 2004, p. 59.
[20] Ob. e Loc. Cit.
[21] Cfr. Ac. da R.C. de 12.06.2011, Proc. n.º 1223/10.0TBTMR.C1 (Carlos Querido), in www.dgsi.pt, do qual, nesta parte, se transcreveram alguns excertos.
[22] Cfr. Ac. da R.L. de 12/10/2009, Proc. n.º 29306/03.5YXLSB-A.L1-6 (Pereira Rodrigues), in www.dgs.pt.
[23] O princípio da gestão processual: Vertente material e formal do princípio, Mestrado em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 44, acessível na internet em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/85946/1/Tese%20Completa.pdf
[24] Neste sentido, Miguel Mesquita, Princípio da Gestão Processual: O “Santo Graal” do Novo Processo Civil?, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 145, nov-dez/2015, p. 85.
[25] O que, como se viu, é absolutamente verdadeiro.
[26] O qual, juntamente com os autores, seus filhos, sucedeu, com exclusão de outrem, na herança aberta por óbito de José Maria de Abreu Valente e Zulmira Diamantina Alexandre Alves Diniz d’Abreu Valente.
[27] A validade ou invalidade de tal é questão irrelevante para o que aqui e agora se discute, que não foi apreciada no despacho recorrido, nem tinha que o ser.
[28] Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, Almedina, 2013, p. 214.