Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA COELHO | ||
Descritores: | ANIMAL RESPONSABILIDADE CIVIL NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.– O proprietário de um animal, para além de poder ser considerado como utilizador do mesmo no seu próprio interesse, pode também ser considerado como encarregado de sua vigilância. 2.– A existência de uma relação de comissão não quebra a imputação directa ao vigilante, imposta pelo art. 493º, nº 1 do CC. 3.– Não basta afirmar um dever de vigilância a cargo do responsável, sendo indispensável que o poder de controlo abranja a possibilidade de influir sobre as condições que estiveram na origem dos prejuízos causados pela coisa, de molde a que lhe fosse possível adoptar as medidas preventivas especificamente necessárias para os evitar. 4.– Afastada a responsabilidade da R. nos termos do art. 493º, nº 1 do CC, a mesma apenas é responsável os termos do art. 502º do CC, respondendo com base no risco, por ser a proprietária do animal, sendo tal responsabilidade excluída quando o acidente for imputável a terceiro. 5.– Enquanto dura a consulta veterinária, o hospital veterinário, através dos seus funcionários, está obrigado ao dever de vigilância sobre os animais, dever que decorre das relações contratuais inerentes ao exercício da sua actividade. 6.– Enquanto presta os serviços veterinários por si disponibilizados, o hospital veterinário dispõe do controle material dos animais, e reúne condições para cumprir aquele dever de vigilância, impondo as regras de segurança necessárias. 7.– O proprietário de um hospital veterinário, como estabelecimento aberto ao público, está vinculado a deveres de segurança, para que os utentes, a quem presta serviços, o possam utilizar de forma segura e sem risco de danos na sua saúde, integridade física e propriedade. SUMÁRIO: (da responsabilidade da relatora): | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO:
Em 4.11.2011, Rita... intentou contra Manuela..., e Hospital Veterinário..., Lda., acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia de €145.000,00, a título de danos não patrimoniais e €514,75, a título de danos patrimoniais, bem como os montantes que futuramente a A. tenha de suportar com o pagamento de intervenção(ões) cirúrgica(s) plástica(s) e outros tratamentos médicos para corrigir a cicatriz com que ficou no braço esquerdo junto ao cotovelo, bem como todas as despesas com estas relacionadas e, ainda, os lucros cessantes que, futuramente e em função das referidas intervenções e tratamentos médicos, a A. deixe de auferir, a apurar em execução de sentença. A fundamentar o peticionado, alega, em síntese: No dia 14.03.2011, pelas 17h, nas instalações da 2ªR., no corredor central deste, no momento em que a A. caminhava com o seu cão ao colo, foi atacada por duas cadelas, de nome “Dantas” e “Fifi”, propriedade da 1ª R., que a morderam violentamente no braço e coxa esquerda, e que saíram de um gabinete situado no mesmo corredor. Atenta a gravidade das lesões, a A. foi assistida no Hospital S. Francisco Xavier, onde levou uma injecção para as dores, tomou a vacina contra a raiva e tétano, foi suturada com 10 pontos externos e inúmeros internos no braço, tendo sido mordida até ao osso, não tendo sido suturada na coxa, onde ficou com a marca de 2 dentes. Em consequência do referido a A. suportou despesas no valor de €343,95, com a taxa moderadora, transportes, consultas, fisioterapia, medicamento, e outros. À data dos factos a A. encontrava-se de baixa pelo período de 30 dias por motivos do foro psiquiátrico, tendo-se o seu estado de saúde agravado, em consequência dos factos referidos, pelo que viu a sua baixa prolongada até 30.05.11, deixando de auferir a quantia de € 85,40 de subsídio de refeição referente a Abril e igual quantia referente a Maio. Em consequência do ataque, até Maio de 2011, não mais quis sair de casa, passando o tempo deitada, e teve de ficar em casa da mãe, por se sentir doente, desalentada e assustada, e, após a referida data começou a sentir alento para sair à rua, mas continuou a ter comportamentos que revelam enorme stress traumático, e agravou o seu estado depressivo. Teve fortes dores, e ficou impossibilitada de usar o braço esquerdo durante cerca de 2 meses. Ainda hoje tem uma cicatriz que lhe desfigura o braço, pelo que se sente diminuída e envergonhada, e terá que se sujeitar a uma cirurgia plástica. A responsabilidade do ocorrido é da 1ª R., enquanto proprietária dos animais, que não os tinha presos, e com açaime, e não tomou as devidas precauções para que eles não atacassem outras pessoas, e da 2ª R. uma vez que esta tinha o dever de assegurar que os animais que se encontravam dentro do seu estabelecimento não provocavam danos às outras pessoas e animais. Regularmente citadas, as RR. contestaram, - a 1ª, por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, e por impugnação, propugnando, pela improcedência da acção, e sua absolvição do pedido, suscitou incidente de intervenção principal provocada da O., Companhia de Seguros, SA., e pediu a condenação da A. como litigante de má fé; - a 2ª, invocando a nulidade da citação, por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, e por impugnação, propugnando, pela improcedência da acção, e absolvição do pedido. A A. respondeu à matéria das excepções invocadas, propugnando pela sua improcedência, sustentou não estar a litigar com má fé, e pediu a condenação da 1ª R. como litigante de má fé. A 1ª R. treplicou. A A. requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y..., SA. Foi proferido despacho que decidiu não ter existido falta de citação da 2ª R., e, por extemporânea, determinou o desentranhamento da contestação [1]. Citada [2], a O., Companhia de Seguros, SA contestou, propugnando pela improcedência da acção, ou caso assim se não entenda, dever a 2ªR. ser responsabilizada pelos danos que se vierem a apurar como devidos. A A. respondeu, terminando como na PI. Foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada da O. Companhia de Seguros, SA e dispensou nova citação desta; bem como admitiu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y..., SA, ordenando a sua citação. A Companhia de Seguros Y..., SA contestou, por excepção, alegando não estar o sinistro em causa coberto pela apólice, e por impugnação, propugnando pela improcedência da acção. A A. respondeu, terminando como na PI. Realizou-se audiência prévia, na qual foi saneado o processo, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela 1ª R., identificado o objecto do litígio e fixados os temas da prova. Procedeu-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente: a)- condenou a Interveniente Companhia de Seguros Y..., S.A. no pagamento à A da quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; b)- condenou a Interveniente Y..., S.A. no pagamento à A da quantia de € 127,18, a título de indemnização por danos patrimoniais; c)- condenou a Interveniente Y..., S.A. no pagamento à A da quantia efectivamente suportada por aquela, depois de comprovada a eventual comparticipação da ADSE, com as quatro consultas de cirurgia plástica, bem como às sessões de massagem manual e ultra sons, que efectuou, a liquidar em execução de sentença; d)- condenou a Interveniente Y..., S.A. no pagamento à A da quantia correspondente a despesas com tratamentos efectuados no centro de saúde de Oeiras, a liquidar em execução de sentença; e)- condenou a Interveniente Y..., S.A. no pagamento à A da quantia referente a despesas futuras com cirurgia(s) plástica(s) e outros tratamentos médicos com vista a corrigir a cicatriz com que ficou no braço esquerdo, bem como eventuais lucros cessantes que os mesmos possam vir a causar, a liquidar em execução de sentença; f)- À condenação da Interveniente Y..., S.A. deduziu o valor de € 100,00 a título de franquia; g)- condenou a 2ª R. Hospital Veterinário..., Lda. no pagamento à A da quantia de € 100,00 correspondente à franquia no âmbito do contrato de seguro que celebrou com a Y..., S.A.; h)- No mais, absolveu a 2ª R e a Interveniente Y..., S.A. do pedido; e i)- absolveu a 1ª R e a O. Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. do pedido. Inconformadas com a decisão, apelaram a 2ªR. e a Y..., Companhia de Seguros, SA., tendo sido proferido despacho a julgar inadmissível o recurso interposto pela 2ªR., rejeitando-o, em consequência. No final das respectivas alegações formulou a Y... as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1.– A decisão do Tribunal recorrido para a prova positiva dada aos pontos 63, 64, 70 e 71 e para a prova negativa dada ao facto constante da Alínea gg) da Sentença não se encontra devidamente fundamentada, pelo que a mesma Sentença é nula ao abrigo do disposto no artº 615º/1 b) do CPC. 2.– O Ponto 64 da Sentença foi incorrectamente dado como provado e o facto constante da Alínea gg) da mesma Sentença foi incorrectamente dado como não provado. 3.– De harmonia com a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que foi uma funcionária do 2º Réu Hospital que saiu do gabinete médico e deixou a porta aberta. Antes, e de acordo com a mesma prova produzida, não poderia o mesmo Tribunal deixar de dar como provado que foi a empregada da lª Ré Manuela quem abriu a porta daquele gabinete. 4.– Sobre a concreta "dinâmica da abertura da porta" depuseram com conhecimento, certeza e razão de ciência, as testemunhas Paula..., Diogo..., a Autora Rita... em declarações de parte e a testemunha Anabela..., e que, individual e em conjunto, imporiam decisão diversa da Sentença a esse respeito. 5.– Para a prova (positiva) daquele facto constante do Ponto 64 da Sentença, o Tribunal a quo baseou-se nas declarações de parte da Ré Manuela e no depoimento prestado pela testemunha HH., funcionária daquela e por si arrolada, a qual demonstrou ter manifesta dificuldade no entendimento da língua portuguesa e, o que é mais, das concretas perguntas que lhe eram colocadas. 6.– Inexistindo outro(s) meio(s) de prova, objectivo e imparcial que efectivamente suporte a versão da parte, o Tribunal a quo não poderia valorar as declarações da lª Ré Manuela dessa forma, eivadas que estão do interesse da mesma no desfecho da acção. 7.– Impõe-se a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto dado que as referidas provas testemunhais produzidas em sede de julgamento e que atrás se deixaram identificadas, impunham, decisiva e forçosamente, decisão diversa da que foi tomada. 8.– Deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada, com nova ponderação e avaliação da prova testemunhal produzida como fundamento do pedido de alteração da decisão proferida da matéria de facto e, em conformidade, julgar inequivocamente que: a)- no Ponto 64 dos Factos Provados, a porta não foi deixada aberta por funcionária do 2º Réu Hospital, ou seja, dar como não provado o facto que consta do referido Ponto 64.; e b)- na Alínea gg) dos Factos Não Provados, que foi a empregada da lª Ré Manuela quem abriu a porta do gabinete médico, ou seja, dar como provado o facto que consta nessa mesma Alínea gg). 9.– O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, tendo em conta, designadamente, a matéria de facto que na Sentença se considerou provada nos Pontos 5, 6, 10, 11, 53, 63, 69, 71 e 55. 10.– O que releva no caso dos autos, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, é que o dever especial de vigilância incumbe a quem tiver, em cada momento, o poder de facto sobre os animais, ou seja, aquele que tem a sua efectiva detenção e que que pode sobre eles exercer controlo físico e tenha o dever de os guardar, vigiar e tomar as medidas convenientes de forma a evitar que, do comportamento daqueles animais, advenha risco para a vida ou a integridade física de outras pessoas (e animais). 11.– Independentemente de ter confiado os seus animais à sua empregada, a lª Ré Manuela era, na altura do acidente a detentora dos ditos animais. 12.– A lª Ré Manuela omitiu durante todo esse período, todo e qualquer dever de vigilância e cuidado que lhe eram exigíveis em relação aos ditos animais, sendo ela quem deveria ter tomado as providências indispensáveis para evitar qualquer possível dano por eles causado. 13.– Mesmo admitindo, por mero exercício de raciocínio, que, de facto e por momentos, a detenção física teria sido efectivamente confiada pela lª Ré Manuela à sua empregada, a detenção efectiva dos animais por parte da sua empregada era feita em seu nome, por sua ordem e no seu interesse. 14.– O facto de se encontrar num hospital veterinário implica que tenha que existir um dever de cuidado acrescido: a omissão desse dever de cuidado significa que há, pelo menos, negligência e esta é uma forma da graduação da culpa. 15.– A lª Ré Manuela, enquanto proprietária dos animais causadores do acidente, não ilidiu a presunção de culpa estatuída no art. 493º/1 do CC, não tendo feito prova, para os efeitos dos artºs 487º/1 e do referido 493º/1, ambos do CC, a ausência de culpa de sua parte ou que os danos igualmente se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua. 16.– Excluindo-se na Sentença a responsabilidade civil por factos ilícitos por parte da 1ª Ré Manuela, foram violados os artºs 487º/1 e 493°/1, ambos do CC. 17.– A lª Ré Manuela, enquanto proprietária dos animais, é utilizadora dos mesmos no seu próprio interesse, retirando deles proveito, sendo que os danos concretamente por eles causados correspondem aos riscos normalmente conexos com a utilização desses animais. 18.– O proprietário dos animais que os utiliza no seu próprio interesse responde pelos danos por estes causados, que são decorrentes da especial perigosidade inerente àquela utilização. 19.– Encontram-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil pelo risco por parte da lª Ré Manuela. 20.– Excluindo-se na Sentença a responsabilidade civil pelo risco por parte da lª Ré Manuela, foi violado o artº 502º do CC. 21.– O 2º Réu Hospital não é responsável civilmente por factos ilícitos, por não ter o controlo de facto dos animais em causa no momento do acidente nem o dever ou o encargo de os vigiar. 22.– A actuação do 2º Réu Hospital mais não foi do que prestar um serviço médico aos proprietários/detentores dos animais. 23.– Um médico, que acaba de prestar o seu serviço de servação clínica, que passa o controlo dos animais para o seu proprietário/detentor, não tem, não poderia nem seria exigível ou expectável que tivesse, qualquer tipo de controlo sobre os ditos animais. 24.– Não recai sobre o 2º Réu Hospital o ónus de demonstrar que não houve culpa sua para afastamento da presunção legal de culpa, por não ser o detentor dos referidos animais. 25.– Diferente seria o caso em que um animal se encontrasse internado, sem a presença dos donos/detentores, e que, desse modo, estivesse entregue aos cuidados do 2º Réu Hospital, caso em que se subsumiria esta hipótese à assunção de um encargo de vigilância de um animal em seu poder. Não é esse o caso dos autos. 26.– Imputando-se ao 2º Réu responsabilidade civil por factos ilícitos, a Sentença recorrida violou os artºs 487º/1 e 493º/1, ambos do CC. 27.– No exercício da sua actividade, o 2º Réu Hospital não utiliza os animais no seu próprio interesse, mas tão-só, e de forma a prestar cuidados médicos a animais que deles necessitem, utiliza as suas instalações, os seus instrumentos e a sua experiência clínica profissional, colocando-os ao serviço dos proprietários/detentores dos animais, esses sim, que tiram beneficio dos mesmos. 28.– Tendo-se decidido pela imputação ao 2º Réu Hospital uma responsabilidade pelo risco, a Sentença recorrida violou o artº 502° do CC. 29.– O contrato de seguro celebrado entre a ora Apelante e o 2º Réu Hospital consubstancia-se num contrato do ramo Multirriscos Comércio e Serviços — Mercantil e que não garante, pela própria natureza e tipo de seguro contratado, quer a responsabilidade civil extracontratual pelo risco quer a responsabilidade civil contratual. 30.– Esse contrato de seguro apenas cobriria a eventual responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que fosse comprovadamente imputável ao 2º Réu Hospital, enquanto seu Segurado. 31.– Os danos indemnizáveis tiveram origem em causa que se encontra fora do âmbito da cobertura, por não decorrerem de danos da exploração normal da actividade segura que é, evidentemente, a prestação de cuidados médicos veterinários. 32.– A absolvição do 2° Réu Hospital do pedido leva igualmente à absolvição da Apelante do mesmo pedido, podendo esta vir a responder na medida e quando o 2° Réu Hospital pudesse vir a ser responsabilizado pelo pagamento de indemnização. 33.– Por tudo, a Sentença recorrida violou o preceituado nos artºs 40, 413º, 414º, 516°, 607º, 609º, 615º, 662º, todos do CPC bem como os artºs 342º, 346º, 487º, 493º, 502º, todos do CC. Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra que absolva a apelante do pedido, tudo com as legais consequências. Contra-alegaram a A., a 1ª R., e a interveniente O..., cada uma propugnando pela improcedência dos recursos apresentados. A 1ª R. requereu a rectificação da sentença quanto a custas, o que foi deferido. QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são: a)-nulidade da sentença; b)- impugnação da decisão sobre a matéria de facto; c)- do mérito da causa – da responsabilidade pelo acidente; d)- da responsabilidade da apelante. Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: 1.– No dia 14/03/2011, pelas 17H00, a A. encontrava-se, com o seu cão de raça YORKSHIRE, nas instalações veterinárias da 2ª Ré, Hospital Veterinário..., sitas no Restelo, em Lisboa, onde o seu cão havia ido realizar uma ecografia (1º, 4º p.i./46º parte cont. 1ª R.). 2.– É o referido hospital veterinário quem presta assistência veterinária ao cão da A. (2º P.I.). 3.– Após a realização do exame na sala de ecografias do referido Hospital a A. saiu da referida sala com o seu cão ao colo, no seu braço direito (5º. 6º p.i./46º parte cont. 1ª R.). 4.– Já no corredor central do Hospital Veterinário foi a A. atacada por duas cadelas, de porte médio, sem raça definida, ambas de cor mel, uma de nome “Cookie” e outra de nome “Anfy/Fifi”, ambas pertencentes à 1ª R., Manuela... (7º parte, 9º p.i./16º parte, 17º parte cont. 1ª R.). 5.– Estes dois animais saíam de um gabinete de consultas situado no lado oposto do corredor do gabinete de ecografia, de onde acabava de sair a A. com o seu cão (8º p.i.). 6.– Uma das cadelas mordeu, por diversas vezes, o braço esquerdo da A. e a outra mordeu também a coxa esquerda (10º, 11º p.i./19º cont. Y...). 7.– A médica veterinária Dra. Paula... puxou e agarrou a A. afastando-a dos referidos animais e empurrando-a para um gabinete vazio, localizado imediatamente ao lado do gabinete de onde saíam os animais da 1ª R., conseguindo assim evitar a continuação do ataque (12º parte p.i./55º cont. 1ª R./20º cont. Y...). 8.– A A. ficou totalmente paralisada pelo pânico e pelo terror durante o ataque dos animais (13º p.i.). 9.– Em consequência da gravidade das lesões causadas pelos identificados animais, foi chamado o INEM e a A. teve de ser imediatamente transportada para o Hospital de S. Francisco Xavier, onde deu entrada pelas 17,25h (15º p.i.). 10.– Em resultado do ataque das duas cadelas a A. foi mordida no braço esquerdo, com perda de substância e exposição do osso (16º, 17º p.i.). 11.– E foi também mordida na coxa esquerda (16º, 18º p.i). 12.– As lesões que a A. apresentava quando deu entrada no referido Hospital e que são consequência directa do ataque dos referidos animais encontram-se documentadas na ficha de urgência do Hospital S. Francisco Xavier cuja cópia se mostra junta a fls. 25 a 29 dos autos (16º, 19º p.i.). 13.– A A. foi suturada com vários pontos externos e múltiplos pontos internos na mordedura que sofreu no braço esquerdo (21º 1ª parte p.i.). 14.– Quanto à mordidela sofrida na coxa esquerda a A. não foi suturada, porque não houve rasgão (22º parte p.i.). 15– A A. teve alta do Hospital S. Francisco Xavier cerca das 18,50 do mesmo dia (23º p.i.). 16.– Em consequência do ataque dos animais a A. despendeu com o pagamento da taxa moderadora relativa ao atendimento e assistência médica que lhe foi prestada no dia 14/03/11, nas urgências do Hospital de S. Francisco Xavier, o montante de 9,60€ (26º p.i.). 17.– Teve que efectuar pensos, retirar pontos e outros curativos, que realizou no Centro de Saúde de Oeiras, tendo despendido quantias cujo montante global ainda não apurou (29º p.i.). 18.– Em virtude das cicatrizes com que a A. ficou no seu braço esquerdo aquela consultou um médico especialista em cirurgia plástica tendo despendido relativamente às 4 consultas a quantia total de 120,00€ (cada consulta custou 30,00€ em virtude de ser beneficiária da ADSE) (32º, 34º, 35º p.i.). 19.– Os originais das despesas referidos em 18 foram remetidos pela A. para a ADSE (36º p.i.) 20.– Realizou diversas sessões de massagem manual e de ultras sons de acordo com a indicação do referido especialista tendo suportado despesas no valor total de 32,78€ cujo original foi pela A. remetido à ADSE, sendo a referida quantia respeitante às duas consultas do médico fisiatra e a 40 tratamentos de fisioterapia (33º parte, 37º parte, 38º p.i.). 21.– Suportou ainda a A. a quantia de 47,70€ com a compra de uma manga de compressão para a cicatriz do braço esquerdo, conforme prescrição médica (39º p.i.). 22.– E a quantia de 37,10€ com a compra de uma placa de silicone para a cicatriz do braço esquerdo, conforme prescrição médica (40º p.i). 23.– Tendo ainda despendido em medicamentos a quantia de 15,40€ (41º p.i.). 24.– A A. necessita de vir ainda a ser submetida a intervenção ou intervenções, cirúrgicas plásticas para corrigir a cicatriz com que ficou no braço esquerdo junto ao cotovelo, no que despenderá mais despesas médicas e outros tratamentos (44º p.i.). 25.– À data do acidente sofrido pela A. esta encontrava-se de baixa pelo período de 30 dias, por motivos do foro psiquiátrico, tendo a mesma tido início no dia 1 de Março de 2011 (48º p.i.). 26.– Em consequência do acidente ocorrido o estado de saúde da A. agravou-se (49º, 68º p.i.). 27.– A médica assistente da A. prescreveu, face ao estado de saúde da A., um prolongamento da baixa desta até ao dia 30 de Maio 2011 (50º parte p.i.). 28.– Em virtude do acidente ocorrido e em consequência do mesmo a A. esteve de baixa desde o dia 1 de Abril 2011 até 30 de Maio 2011 (51º p.i.). 29.– Por virtude deste facto a A. deixou de auferir o montante de subsídio de refeição referente ao mês de Abril de 2011 no montante de 85,40€ (52º p.i.). 30.– Até à data de interposição desta acção ainda não foi descontado à A. pela sua entidade empregadora o montante do subsídio de refeição referente ao mês de Maio de 2011 no valor de 85,40€, em virtude de ter estado de baixa durante o referido mês (53º p.i.). 31.– Desconto que iria ocorrer no mês de Junho de 2010 (54º p.i). 32.– Em consequência dos ferimentos causados pelo ataque dos animais, a A. - que se encontrava de baixa psiquiátrica desde o dia 1 de Março -, nunca mais quis sair de casa até meados do mês de Maio de 2011 (56º parte p.i.). 33.– Só após essa data a A. começou a sentir-se com alento e vontade para sair à rua (57º, 60º p.i.). 34.– Até meados de Maio a A. passava o seu tempo, ora deitada, ora sentada em casa sem qualquer ânimo ou vontade para fazer fosse o que fosse (58º p.i.). 35.– A A. sentia-se tão doente, desalentada e assustada que teve de ficar a viver em casa de sua mãe, desde a data do acidente e até meados do mês de Maio 2011 (59º p.i.). 36.– A partir dessa data a A. passou de novo a passear o seu cão mas, assim que via outros cães aproximar-se da sua pessoa, ou do seu cão, entrava em pânico e, desabridamente, começava a correr (62º p.i.). 37.– Estas reacções, ainda na data da instauração da acção – 04/11/11 - ocorriam, embora com menos frequência (63º p.i.). 38.– Na data do ataque, a A. encontrava-se de baixa psiquiátrica desde o dia 1 de Março 2011, com indicação que podia sair de casa (64º p.i.). 39.– As razões pelas quais a A. tinha uma baixa psiquiátrica, prendiam-se com o facto de, desde Fevereiro de 2011 estar a ter problemas no seu emprego que lhe causavam níveis altos de stress (65º p.i.). 40.– Até ao dia 14 de Março, data em que ocorreu o ataque, a A. saía todos os dias à rua (66º p.i.). 41.– A A., ainda hoje, apresenta uma cicatriz no braço esquerdo (69º parte p.i.). 42.– Em virtude das feridas que sofreu a A. andou, durante várias semanas, com o braço esquerdo ligado (70º p.i.). 43.– E com a coxa esquerda também ligada (71º p.i.). 44.– Teve fortes dores em ambos os membros (72º p.i.). 45.– Ficou impossibilitada de utilizar o seu braço esquerdo durante cerca dois meses (74º p.i.). 46.– Ficou limitada quanto à possibilidade de utilizar a sua perna esquerda em virtude da dentada sofrida na coxa (75º p.i.). 47.– Durante o referido período deixou de conduzir (76º p.i.). 48.– A A. ficou com uma cicatriz que lhe desfigurou o braço esquerdo, junto ao cotovelo (77º p.i.). 49.– Durante os meses de Verão a A. evitou usar mangas curtas, para que a cicatriz não se visse (78º p.i.). 50.– A A. sente-se mal na praia, pois tem a sensação que toda a gente olha para o seu braço (79º p.i.). 51.– Sente-se diminuída e envergonhada com a cicatriz com que ficou (81º p.i.). 52.– Terá de efectuar uma cirurgia plástica ao braço esquerdo para que este volte a ter o seu aspecto normal (82º p.i.). 53.– A 1ª R. é proprietária dos animais que morderam a A. (86º parte p.i.) 54.– No momento do ataque dos animais à A. estes não tinham açaimo (87º parte p.i.). 55.– O cão é um ser irracional capaz de ter, em qualquer altura, reacções imprevisíveis e violentas que podem por em perigo a integridade física das pessoas, de outros animais e danificar bens de terceiros (95º parte p.i./36º 1ª parte répl. à cont. Y...). 56.– Os canídeos “Cookie” e “Anfy”, na data dos factos, estavam licenciados na freguesia de Carcavelos e possuíam um número de identificação e de registo (16º parte cont. 1ª R). 57.– Relativamente a estes dois animais celebrou a 1ª R. com a O. Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro de responsabilidade civil denominado “Pétis – Animais Domésticos”, titulado pela apólice n.º Rc7…, com início em 13/01/2011, nos termos do qual transferiu para esta companhia de seguros a responsabilidade civil que lhe pudesse ser exigível pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e materiais causados a terceiro pelos animais seguros até ao montante de € 50.000,00 por animal e sinistro (18º e 19º cont. 1ª R./cont. O.). 58.– A 1ª R. comunicou o sinistro à O... em 22/02/2011 [3] e disso deu conhecimento à A. (20º parte cont. 1ª R./22º trépl.). 59.– A O... abriu um processo de sinistro (21º parte cont. 1ª R.). 60.– No dia 14/03/11 a 1ª R. deslocou-se às instalações da 2ª R., H.V.R., com as suas duas cadelas de nome “Cookie” e “Anfy/Fify”, sendo que a primeira ia realizar uma ecografia (36º cont. 1ª R.). 61.– Porque estiveram bastante tempo a aguardar pela realização do exame a 1ª R. pediu ao H.V.R., 2ª R., que lhe facultasse um gabinete médico vazio onde pudesse estar mais sossegada com os seus dois cães (37º, 65º parte cont. 1ª R.). 62.– Depois de realizado tal exame os seus animais foram vistos, em consulta, pelo Dr. Diogo..., o qual foi auxiliado por uma funcionária da 2ª R., H.V.R. (38º parte cont. 1ª R.). 63.– Terminada a observação médica a “Cookie” e “Anfy” mantiveram-se dentro do gabinete (o qual tinha a porta fechada), presas, cada uma, por uma trela, segura pela empregada da 1ª R., isto enquanto a 1ª R. conversava, junto ao computador, com o médico veterinário acerca de prescrições e datas com vista a marcar outro(s) acto(s) médico(s) (39º parte cont. 1ª R./17º, cont. Y...). 64.– Enquanto a 1ª R. e o médico veterinário conversavam a funcionária da 2ª R., H.V.R., saiu do gabinete onde todos se encontravam e deixou a porta aberta (40º parte cont. 1ª R./5º parte cont. O...). 65.– Os animais que circulassem no corredor do H.V.R. pressentiam os animais que estavam nos gabinetes médicos e vice-versa (42º parte cont. 1ª R.). 66.– Os animais, designadamente os de raça canina, que estão a ser ou estão para ser assistidos por médicos veterinários ficam particularmente vulneráveis, agitados e stressados (43º cont. 1ª R.). 67.– O que é agravado pelo facto de num hospital veterinário estarem rodeados de outros animais, designadamente de raça canina, animais que vivem e funcionam em mantilha e que sentem uma necessidade de marcar território e de exercer domínio (44º cont. 1ª R.). 68.– O cão da A. era um cão de pequeno porte (47º parte cont. 1ª R.). 69.– Embora estivesse segura e presa com a trela a “Cookie”, ao aperceber-se da presença do cão da A., de imediato tentou aproximar-se deste, tendo para tal dado um esticão inesperado e brusco que arrastou consigo a “Anfy” e a pessoa que os segurava (50º cont. 1ª R.). 70.– Tudo aconteceu de forma tão rápida e imprevista que, nem a 1ª R., nem o médico veterinário Dr. Diogo..., tiveram tempo de se aperceber do que se estava a passar senão quando ouviram gritos (52º cont. 1ª R.). 71.– Quando a 1ª R. se apercebeu que a sua cadela mordia a A. num braço de imediato chamou a “Cookie”, a qual obedecendo abriu a boca e não mais mordeu a A. (53º, 54º cont. 1ª R.). 72.– Como a Dr. Paula... agarrou e puxou a A. a “Cookie” prendeu ainda mais o braço desta aprofundando a dentada (56º cont. 1ª R.). 73.– De tais puxões resultou um rasgão da própria mordedura (57º parte cont. 1ª R.). 74.– Esta ocorrência durou apenas alguns segundos (58º cont. 1ª R.). 75.– A 2ª R., H.V.R., não costuma, como regra de funcionamento, açaimar os animais que se encontram sob os seus cuidados (61º parte cont. 1ª R./5º 1ª parte cont. O...). 76.– A “Cookie” e a “Anfy” são pacientes da 2ª R., H.V.R., pelo menos, desde 2007, onde além de receberem cuidados médicos, são vacinadas (63º 1ª parte cont. 1ª R.). 77.– A sala de espera da 2ª R., H.V.R., é de reduzida dimensão e estava com bastantes animais a aguardar atendimento (65º parte cont. 1ª R.). 78.– A 1ª R. aufere uma remuneração mensal ilíquida de € 485,00 e uma pensão de reforma mensal ilíquida de € 2.122,07 (103º cont. 1ª R.). 79.– Imediatamente após o ocorrido a 1ª R. acudiu à A. tentando prestar-lhe auxilio, e posteriormente interessou-se pelo seu estado de saúde, telefonando-lhe e mandando mensagens (105º cont. 1ª R). 80.– Até determinada altura a A. respondia com delicadeza às manifestações de interesse da 1ª R. (106º parte cont. 1ª R.). 81.– Em declarações, em sede de processo de averiguação de sinistro levado a cabo por LR, a pedido da O..., a 1ª R. fez constar: “… no passado dia 14-03-2011 cerca das 17.00h as minhas cadelas Anfy e Cookie morderam a Sra. D. Rita... no interior do Hospital Veterinário... …” e que: “… A Cookie cheirou o cãozinho e deu um enorme esticão …com o intuito de aceder ao cãozinho que vinha ao colo … mordeu a Srª do cãozinho que ficou com o braço lesionado …” (12º, 13º, 54º répl.). 82.– A 1ª R. só forneceu à A. a indicação do número da apólice de seguro após intervenção e insistência da P.S.P. de Oeiras para que fornecesse à A. estas indicações (37º, 47º répl.). 83.– A A. contactou a P.S.P. de Oeiras e, na sequência desse contacto, esta, na pessoa do Chefe Barrocas, contactou a 1ª insistindo para que fornecesse à A. os elementos do seguro (39º répl.). 84.– No dia 23 de Março a A. recebeu um e-mail, remetido por Pedro..., onde este lhe indicava num documento anexo o número da apólice de seguro da 1ª R. cfr. doc. de fls. 127 a 128 (41º a 43º répl). 85.– O e-mail que a A. recebeu no dia 23 de Março foi depois por si reenviado para o Chefe Barrocas (44º répl). 86.– No doc. de fls. 127, assinado e datada pela R., esta fez constar “…considero que o Hospital Veterinário... é responsável pela ocorrência, porém, para os fins que entender por convenientes pela presente comunico que possuo seguro de responsabilidade civil …” (49º, 50º répl.) 87.– No doc. referido em 58 a 1ª fez constar “… comunica o facto para o caso de V. Exas. serem contactados pela mesma..” (52º répl.). 88.– Na sequência da participação do sinistro por parte da 1ª R. O... deu início à averiguação do mesmo encarregando para tanto a sociedade LR, S.A., actualmente denominada U... (2º 2ª parte cont. O...). 89.– Aquela sociedade, por intermédio do seu Perito, Sr. Francisco… e no início do mês de Abril de 2011, não só contactou com a 1ª R., como também com a A. e outras testemunhas do acidente (3º 1ª parte cont. O...). 90.– A 1ª R. recebeu uma quantia de dinheiro paga pela O... que se destinava à A. (3º parte cont. O.../req. 1ª R. 01/09/12). 91.– Entre Y..., Companhia de Seguros, S.A. e a 2ª R. foi celebrado um contrato de seguro Multirriscos Comércio e Serviços – Mercantile, titulado pela apólice nº 55…, garantindo as indemnizações devidas por danos nos bens móveis e/ou imóveis ali identificados, bem como a responsabilidade civil extracontratual do segurado decorrente da exploração normal da actividade segura, esta com o limite máximo de capital de € 50.000,00, cobrindo as indemnizações decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações da 2ª R. (sitas na Rua…, em Lisboa), e vigorando com uma franquia, dedutível, de € 100,00 cfr. doc. de fls. 289 a 315 cujo teor aqui se dá por reproduzido (1º, 2º cont. Y...). 92.– À A., pela médica veterinária da 2ª R., foi prestada uma primeira (ajuda) enquanto aguardava a chegada da ambulância do INEM para a transportar para o Hospital cfr. doc. de fls. 289 a 315 cujo teor aqui se dá por reproduzido (21º cont. Y...). 93.– O quantum doloris foi fixado em 5/7. 94.– O dano estético permanente foi fixado em 4/7. 1.– Começa a apelante por sustentar que a sentença recorrida é nula, ao abrigo do disposto no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, e por violação do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC, porquanto o tribunal recorrido não fez uma análise crítica da prova, limitando-se à simples indicação dos meios de prova, sem justificar os motivos da sua decisão, sem indicar os critérios racionais que conduziram à sua convicção, o que determina a nulidade da sentença, por não se mostrar a decisão sobre factos essenciais devidamente fundamentada. Salvo melhor opinião, a sentença não padece da nulidade invocada, nem de qualquer outra. Não obstante as profundas alterações introduzidas em sede de julgamento e elaboração da sentença pelo NCPC, afigura-se-nos que se deverão manter os termos em que a doutrina e jurisprudência vinham interpretando o âmbito de aplicação das causas geradoras de nulidade da sentença, agora, constantes do art. 615º do CPC e que não sofreram alterações relevantes [4], como, a seguir, melhor se especificará. No âmbito do CPC61, realizada audiência de julgamento, a matéria de facto era decidida por meio de acórdão ou despacho [5], no qual se declaravam os factos que o tribunal julgava provados e os que julgava não provados, e se procedia à analise critica das provas, especificando os fundamentos decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2). O referido acórdão ou despacho era lido em audiência, e qualquer das partes podia reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação, pronunciando-se, de seguida, o tribunal sobre as reclamações (art. 653º, nº 4). Posteriormente, o juiz elaborava sentença, começando por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões a solucionar, seguindo-se a fundamentação, com a discriminação dos factos que considerava provados (aqueles dados como provados após audiência de julgamento e atrás referidos, os admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, fazendo o exame crítico destas provas) e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão (art. 659º). A impugnação da decisão sobre a matéria de facto podia ser feita em sede de recurso, devia obedecer ao disposto no art. 685º-B, e era apreciada nos termos do art. 712º. A impugnação da matéria de facto visava a alteração da decisão pela Relação, tornando efectivo o princípio do duplo grau de jurisdição quanto àquela. No âmbito do CPC61 entendia-se que não se devia confundir a decisão sobre a factualidade provada e não provada (proferida ao abrigo do art. 653º) com a fundamentação de facto da sentença (art. 659º), não se reportando as nulidades da sentença elencadas no art. 668º, nº 1, als. b) a f) àquela decisão, mas à validade formal da própria sentença, traduzindo-se num desvalor da mesma. No actual CPC (aprovado pela L. 41/2013 de 26.06), realizada audiência de julgamento, os autos são conclusos para sentença, na qual o juiz, tal como anteriormente, começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões a solucionar, seguindo-se a fundamentação, com a discriminação dos factos que considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (art. 607º, nºs 2 e 3). Contudo, compete-lhe, agora, conhecer, na sentença, dos factos provados e não provados em resultado da prova produzida em julgamento, “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, impondo-se-lhe ter, ainda, em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos provados as presunções impostas pela lei e por regras da experiência” (art. 607º, nº 4). A fixação da matéria de facto resultante da prova produzida deixa, pois, de ser feita em despacho autónomo para passar a ser feita em sede de sentença. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto continua a ter lugar em sede de recurso, obedecendo ao disposto no art. 640º (em que se reforçou o ónus de alegação imposto ao recorrente), e é apreciada nos termos do art. 662º (no qual se clarificou e reforçou os poderes da Relação em sede de decisão da matéria de facto). As nulidades da sentença constantes do nº 1 art. 668º do CPC61 foram transpostas para o art. 615º, nº 1 do NCPC, apenas se tendo acrescentado, na parte final da al. c), a previsão da nulidade da sentença poder resultar de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [6], e tendo sido eliminada a al. f), que respeitava à omissão de pronúncia quanto à responsabilidade por custas, que, agora, é tida como erro material rectificável nos termos do art. 614º, nº 1. Abrangendo, agora, a sentença a decisão sobre a matéria de facto, somos levados a concluir que as nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) a d) podem afectar tal decisão, embora se nos afigure que não se poderá interpretar o actual regime no sentido de aí terem passado a estar inseridos todos e quaisquer erros e vícios do julgamento de facto, nomeadamente quando o que está em causa é eventual erro de julgamento, sindicável em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, ou nulidades processuais. Por outro lado, o âmbito das causas de nulidade previstas deve continuar a ser entendido nos termos em que já se vinha fazendo, como supra referido. Assim, a falta de especificação dos fundamentos de facto (al. b) só se verificará quando for absoluta [7], o que implica que se a sentença discriminar os factos tidos por provados (ainda que de forma deficiente) e indicar e interpretar as normas jurídicas aplicadas, não se mostra ferida de nulidade. A falta de motivação da decisão de facto não integra esta nulidade, e só gerará nulidade da sentença se ocorrer falta absoluta de motivação da decisão de facto que contribua para tornar ininteligível a sentença, caso em que esta será nula nos termos da al. c), 2ª parte do nº 1 do art. 615º [8]. Uma fundamentação insuficiente sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, poderá, apenas, levar o tribunal de recurso a determinar que o tribunal de 1ª instância fundamente a sua decisão, nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. d) do CPC. Ora, por um lado, a apelante acusa o tribunal recorrido de uma motivação deficiente/insuficiente sobre a decisão da matéria de facto [9], e, por outro, em momento algum sustenta que tal torna ininteligível a sentença recorrida. Face ao que supra se deixa dito, não se verifica, pois, a nulidade invocada. Por outro lado, e ao contrário do que sustenta a apelante, afigura-se-nos que a decisão sobre a factualidade essencial se encontra devidamente fundamentada, de forma perceptível, não obstante demasiado sintética, pelo que se entende não ser caso de lançar mão do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC. Improcede, pois, a apelação nesta parte. 2.– Impugna a apelante a decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no que respeita ao ponto 64º da fundamentação de facto, e à al. gg) dos factos dados como não provados. (…) Por tudo quanto se deixa dito, afigura-se-nos, pois, não existir fundamento para alterar a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se mantém. 3.– Inalterada a fundamentação de facto, apreciemos do mérito. O tribunal recorrido concluiu: - que era de afastar a responsabilidade por facto ilícito da 1ª R. (dona dos cães) por a mesma ter logrado demonstrar que não houve culpa da sua parte na ocorrência do facto danoso; - estavam reunidos os pressupostos da responsabilidade civil da 1ª R. pelo risco, por esta usar os animais no seu interesse, e os danos causados pelas cadelas corresponderem aos riscos normalmente conexos com a sua utilização; - concluiu pela responsabilidade por facto ilícito por parte da 2ª R., hospital veterinário, porquanto, não tendo ainda terminado o acto médico, tinha o poder de facto sobre os animais e o dever de os vigiar, não tendo logrado demonstrar que não houve culpa da sua parte; - caso se entendesse que não há responsabilidade por facto ilícito, sempre haveria responsabilidade pelo risco, porquanto, no exercício da sua actividade de medicina veterinária, utiliza os animais no seu próprio interesse, dirigido ao lucro, tendo obrigação de suportar os riscos que dessa actividade decorram, sendo um deles, o dos animais morderem uma pessoa ou outro animal, incumbindo-lhe criar condições para que tal não acontecesse; - caso se entendesse inexistir responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, sempre haveria responsabilidade contratual, porquanto dos contratos celebrados com os seus clientes, donos dos animais, emergem deveres laterais derivados do princípio da boa fé, que a 2ªR. violou, em relação à A., na medida em que não conseguiu evitar que esta, durante e por causa da prestação de serviços pela 2ªR., sofresse danos na sua integridade física, presumindo-se a culpa (art. 799º, nº 2 do CC), que não afastou; - a A. não teve qualquer comportamento que concorresse para a produção da lesão; - verificando-se que o acidente se deveu exclusivamente ao facto da 2ªR. não ter exercido o seu dever de vigilância sobre os animais durante o acto médico, a responsabilidade da A. deve ser excluída nos termos do art. 505º do CC, aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço. O que, no entender do tribunal recorrido, determinou absolvição da 1ª R., e, consequentemente, da interveniente O..., SA do pedido. Tendo concluído pela responsabilidade da 2ªR., e tendo por verificados os restantes pressupostos da responsabilidade (danos, e nexo de causalidade), entendeu ser a interveniente Y..., SA responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pela A., por força do contrato de seguro entre esta e a 2ªR. celebrado, a que deduziu a franquia estipulada, que condenou a 2ªR. a pagar à A. Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando: - a 1ªR., como proprietária dos animais causadores do acidente, não ilidiu a presunção de culpa estatuída no nº 1 do art. 493º do CC, porquanto na sua efectiva detenção, assumiu o encargo de vigilância daquele ser, por sua natureza irracional, devendo tomar todas as providências indispensáveis a evitar qualquer possível lesão, para mais encontrando-se num hospital veterinário, em que lhe é exigível um dever de cuidado acrescido, o que não fez; - não era a 2ª R. que tinha o poder de facto sobre os animais e o dever de os vigiar, nem os utilizava no seu próprio interesse; - ainda que assim não se concluísse, sempre se teria de concluir pela concorrência de responsabilidades; - em todo o caso, os danos indemnizáveis tiveram origem em causa que se encontra fora do âmbito da cobertura, desde logo, por não decorrerem da exploração normal da actividade segura que é a prestação de cuidados médicos veterinários, e, tendo a 2ªR. sido absolvido da instância (com excepção do valor da franquia contratualizada), a apelante teria, também, de ser absolvida, dado que responde na medida e quando aquela for responsabilizada pelo pagamento da indemnização. Vejamos. Fonte das obrigações, nomeadamente da de indemnizar, são, para além de outras, o contrato, e a responsabilidade civil, esta por facto ilícito, ou pelo risco, no que ora importa. Para que haja dever de indemnizar na responsabilidade por facto ilícito é necessário que o agente, com culpa, pratique um facto ilícito, do qual resultem danos para o lesado (art. 483º do CC)[10], ao qual incumbe fazer prova dos referidos pressupostos, incumbindo-lhe, nomeadamente, provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art. 487º, nº 1 do CC). Um dos casos em que há presunção de culpa é quando ocorrem danos causados por animais, dispondo o nº 1 do art. 493º do CC que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de qualquer animal, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que houvesse culpa sua” [11]. Apenas existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (nº 2 do art. 483º), ou seja, nos casos de responsabilidade pelo risco (art. 499º e ss.), sendo um desses casos, também, o resultante dos danos causados por animais, dispondo o art. 502º do CC que “quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização” (sublinhado nosso). Em anotação ao art. 502º do CC, explicam Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit. em nota de rodapé, pág. 444/445, que “a diferença de regimes explica-se pela diversidade de situações a que as duas disposições se aplicam: o art. 493º refere-se a pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais (o depositário, o mandatário, o guardador, o tratador, o interessado na compra que experimenta o animal, etc.), enquanto o disposto no art. 502º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse (o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatário, etc.)”. É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia de risco: quem utiliza em seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigo, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização (…). … No caso de o utente haver incumbindo alguém da vigilância dos animais, poderão cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no art. 493º e a fixada no art. 502º) perante o terceiro lesado, caso o facto danoso provenha da presuntiva culpa do vigilante; não havendo culpa deste, a obrigação de indemnização recairá apenas, com o fundamento do risco, sobre a pessoa do utente, caso se verifiquem os pressupostos que a condicionam” [12]. Como se escreveu no Ac. do STJ de 23.04.2009, P. 7/09.2YFLSB (Oliveira de Vasconcelos), consultável em www.dgsi.pt, “um proprietário de um animal, para além de poder ser considerado como utilizador do mesmo no seu próprio interesse, pode também ser considerado como encarregado de sua vigilância. Aliás, será esse o caso normal. Na verdade, um proprietário que utiliza um animal no seu próprio interesse, naturalmente assume o encargo de o vigiar, aplicando-se-lhe assim, cumulativamente, as disposições previstas nos citados nº1 do artigo 493º e 502º do Código Civil. Senão e como se diz no acórdão deste Supremo de 06.09.21 “in” www.dgsi.pt, relatado pelo conselheiro Noronha do Nascimento, “teríamos o ilogismo de o proprietário/utilizador/vigilante se subtrair a uma presunção de culpa que recairá sobre um mero vigilante”. Não pode ser”. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, em Responsabilidade Civil por Violação de Deveres de Tráfego, págs. 387/388, a propósito do nº 1 do art. 493º escreve que “apesar da sua aparente simplicidade, a formulação encerra razoável teor de complexidade sobre o exacto alcance do âmbito de vinculação. Em primeiro lugar, o critério de identificação das pessoas vinculadas prescinde, ao invés do que suporta o art. 492º, de qualquer posição de vantagem associada à condição de possuidor, centrando-se no puro controlo da coisa, contradizendo também a solução acolhida no artigo 2394º do Código de Seabra, que consagrava a culpa presumida do proprietário, dado se considerar agora que esta modalidade de responsabilidade não deve constituir um encargo correspectivo de situações de soberania jurídica ou económica mas apenas de presumir a culpa daquele que, pela sua situação de facto em relação à coisa, deva guardá-la. Em segundo, ao impor como pressuposto de responsabilidade que as pessoas vinculadas tenham em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar, o artigo 493º/1 requer o corpus possessório. Com efeito, só os sujeitos que dispõem o controlo material de uma coisa, reúnem condições para cumprir aquele dever de vigilância; a exigência implica portanto a necessária exclusão de todos aqueles que mantêm um simples contacto físico com a coisa, ocasional ou mesmo duradouro mas desprovido de poderes de controlo que, não servindo para construir o corpus, impede consequentemente a formação de uma situação de detenção em sentido técnico. A solução legal conhece plena justificação ao nível dos princípios fundamentais que governam o ordenamento civil. …, explicando que só devam responder pelos danos causados por coisas as pessoas que tenham poder de controlo (que pressupõe liberdade) para dispor acerca do modo como devem ser guardadas e utilizadas e não aqueles que, embora as guardem ou usem, o fazem sob a autoridade e direcção de outrem”. Segundo Pereira da Costa, em Dos Animais, pág. 59, citado no supra referido Ac. do STJ de 23.04.2009, para o efeito do disposto no nº1 do artigo 493º do CC “o responsável é aquele que tem, não o poder jurídico sobre o animal, mas o poder de facto, aquele que, possuindo-o, por si ou em nome de outrem, pode sobre ele exercer um controlo físico e tenha a obrigação de o guardar, aquele que se encontra em condições de o vigiar e tomar as medidas convenientes para esse efeito”. Feitas estas considerações, atentemos no caso em apreço. Resulta da factualidade provada que, no dia 14.03.2011, pelas 17horas, quando a A. se encontrava com o seu cão nas instalações veterinárias da 2ª R., foi atacada por duas cadelas (de nomes “Cookie” e “Anfy/Fifi”) pertencentes à 1ª R. No referido dia, o cão da A., que tinha assistência veterinária na 2ª R., tinha acabado de fazer uma ecografia, após o que a A. saiu do gabinete de ecografia, com o seu cão (de pequeno porte) ao colo, e acompanhada da médica veterinária Dra. Paula... (pontos 1., 2., 3. e 68.). Já no corredor central, as duas cadelas da 1ªR. saíram de um gabinete de consultas situado no lado oposto do corredor ao gabinete de onde a A. tinha acabado de sair, atacando a A., uma das cadelas mordendo, por diversas vezes, o braço esquerdo desta e a outra mordendo a coxa esquerda (pontos 4., 5. e 6.). A A. ficou paralisada pelo pânico e a médica veterinária Dra. Paula... puxou e agarrou a A., tendo a cadela prendido ainda mais o braço da A. aprofundando a dentada, sendo certo que, quando a 1ªR. se apercebeu que a sua cadela “Cookie” mordia a A., de imediato a chamou, a qual obedecendo abriu a boca e não mais mordeu a A., tendo aquela médica veterinária afastado a A. das cadelas, empurrando-a para um gabinete vazio (pontos 7., 8.,71., e 72.). Tudo aconteceu de forma muito rápida e imprevista, durando apenas alguns segundos (pontos 70. e 74). As cadelas da 1ªR., que, também, eram pacientes da 2ª R., tinham-se deslocado às instalações desta para uma das cadelas realizar uma ecografia (ponto 60.) Depois de realizado o exame, os animais foram vistos, em consulta, pelo médico veterinário Dr. Diogo..., o qual foi auxiliado por uma funcionária da 2ª R. (ponto 62.). Terminada a observação clínica, as cadelas mantiveram-se dentro do gabinete (que tinha a porta fechada), presas, cada uma, por uma trela, segura pela empregada da 1ª R., enquanto esta conversava com o médico veterinário acerca de prescrições e datas com vista a marcar outro(s) acto(s) médico(s) (ponto 63.). Enquanto decorria tal conversa, a funcionária da 2ªR. saiu do gabinete onde todos se encontravam e deixou a porta aberta (ponto 64). Embora estivesse segura e presa com a trela a “Cookie”, ao aperceber-se da presença do cão da A., de imediato tentou aproximar-se deste, tendo para tal dado um esticão inesperado e brusco que arrastou consigo a “Anfy” e a pessoa que os segurava, atacando a A. (ponto 69.). Para além desta factualidade, e para apreciar as questões que se suscitam, releva, ainda que: Porque estiveram bastante tempo a aguardar pela realização do exame, a 1ª R. pediu à 2ª R. que lhe facultasse um gabinete médico vazio onde pudesse estar mais sossegada com os seus dois cães (ponto 61.). A sala de espera da 2ª R. é de reduzida dimensão e estava com bastantes animais a aguardar atendimento (ponto 77.). No momento do ataque dos animais à A. estes não tinham açaimo (ponto 54.). O cão é um ser irracional capaz de ter, em qualquer altura, reacções imprevisíveis e violentas que podem por em perigo a integridade física das pessoas, de outros animais e danificar bens de terceiros (ponto 55.) Os animais que circulassem no corredor da 2ªR. pressentiam os animais que estavam nos gabinetes médicos e vice-versa (ponto 65.). Os animais, designadamente os de raça canina, que estão a ser ou estão para ser assistidos por médicos veterinários ficam particularmente vulneráveis, agitados e stressados (ponto 66.), o que é agravado pelo facto de num hospital veterinário estarem rodeados de outros animais, designadamente de raça canina, animais que vivem e funcionam em mantilha e que sentem uma necessidade de marcar território e de exercer domínio (ponto 67.). A 2ª R. não costuma, como regra de funcionamento, açaimar os animais que se encontram sob os seus cuidados (ponto 75). Perante a factualidade provada, a primeira coisa que se pode concluir é que a A. não deu causa ao acidente, não teve qualquer comportamento que concorresse para a produção da lesão, como referiu o tribunal recorrido. Por outro lado, afigura-se-nos ser de concluir, também, que a 1ªR., para além de ser a proprietária das cadelas em causa, era, ainda, quem, no momento, tinha a sua guarda, estava obrigada à sua vigilância, embora socorrendo-se da sua empregada para a concretizar (art. 493º, nº 1 do CC) [13]. Como refere Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, na ob. cit., pág. 389, “…, a existência de uma relação de comissão não quebra a imputação directa ao vigilante, imposta pelo art. 493º/1”, escrevendo a págs. 391/392 que “Não responde assim … pelo artigo 493º/1 o empregado do vigilante que guarda a coisa ou o animal …, visto que, em qualquer dos casos, exercem as suas funções sob a autoridade do verdadeiro titular do poder de determinação. Logo, em todas estas hipóteses, embora o cometimento físico dos factos tenha sido obra do comissário, a imputação jurídica dos delitos tem necessariamente que desconsiderar a relação de comissão, sem prejuízo do agente responder nos termos gerais do artigo 483º/1”. O detentor do animal (no caso a proprietária) está obrigado a um especial dever de cuidado na vigilância sobre o animal, devendo certificar-se que o mesmo não põe em causa a integridade física de outras pessoas ou animais [14], o que se nos afigura dever, também, acontecer na deslocação que o detentor do animal faz ao médico veterinário, à clínica veterinária, e mesmo durante a consulta, sem prejuízo de se entender, como entendeu o tribunal recorrido, que, durante esta, também ao médico veterinário (à clínica) incumbe o dever de vigiar o animal. E logrou a 1ªR. provar que cumpriu aquele dever de vigilância e que nenhuma culpa houve da sua parte na ocorrência do acidente, como entendeu o tribunal recorrido? Nos termos do nº 2 do art. 487º do CC, “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, vol. I, pág. 424, em anotação ao referido artigo, “mandando atender às circunstâncias de cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto”. Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que, nas circunstâncias em apreço não se podia exigir a um homem normal, dono de um cão, que tomasse quaisquer providências que evitassem que este reagisse instintivamente à passagem de outro animal no corredor, quando é certo que as cadelas estavam dentro de um gabinete de consulta, com a porta fechada, e devidamente presas pela trela, tendo sido, apenas, o facto, anómalo, da empregada da 2ªR. ter deixado a porta aberta quando saiu, violando um dever de cuidado que lhe era manifestamente exigível, que permitiu a reacção impulsiva da cadela, impulsividade que impediu uma actuação diferente, mais enérgica, por forma a impedir o ataque. Recorde-se que tudo aconteceu de forma muito rápida e imprevista, durando apenas alguns segundos. É certo que a 1ª R. está obrigada a um especial dever de guarda, e é quem tem melhor conhecimento das cadelas, sendo certo que, em momento anterior, porque estiveram bastante tempo a aguardar pela realização do exame, a 1ª R. pediu à 2ª R. que lhe facultasse um gabinete médico vazio onde pudesse estar mais sossegada com os seus dois cães, ciente das reacções destes perante os outros animais e pessoas, no espaço onde se encontravam. Mas o que é certo é que, enquanto ultimava os últimos aspectos da consulta com o médico veterinário, a 1ªR., na mesma linha de comportamento, manteve-os dentro do gabinete médico onde decorria a consulta, com a porta fechada, e presos pela trela, auxiliada pela sua funcionária. Por um lado não lhe era exigível que previsse que a funcionária da 2ªR. ia ter um comportamento não expectável, contrário à diligência exigida a quem trabalha numa clínica veterinária, e, por outro, não resulta da factualidade provada que a 1ªR. (ou a sua funcionária) se tivesse apercebido da porta aberta por forma a ser-lhe exigível um outro tipo de comportamento [15], tudo se tendo passado de forma repentina e imprevista. É certo que a perigosidade que a lei quer prever e proteger é, exactamente, a imprevisibilidade do comportamento dos animais e os especiais cuidados que é necessário ter, contando com a sua irracionalidade e impulsividade, mas foi a actuação anómala, não previsível, da empregada da 2ªR. que levou ao acidente. Não basta afirmar um dever de vigilância a cargo do responsável, sendo indispensável que o poder de controlo abrangesse a possibilidade de influir sobre as condições que estiveram na origem dos prejuízos causados pela coisa, de molde a que lhe fosse possível adoptar as medidas preventivas especificamente necessárias para os evitar. Como se refere no Ac. do STJ supra referido “Não se pode presumir a existência de culpa …que não pode existir”. Afastada a responsabilidade da 1ªR. nos termos do art. 493º, nº 1 do CC, a mesma apenas é responsável os termos do art. 502º do CC, respondendo com base no risco, por ser a proprietária das cadelas, sendo tal responsabilidade excluída quando o acidente for imputável a terceiro (art. 505º do CC) [16]. E, no caso, o acidente ficou a dever-se a culpa da 2ªR., como resulta do que supra já se deixou dito, sendo que, enquanto dura a consulta veterinária [17], o hospital, através dos seus funcionários, está, também, obrigado ao dever de vigilância sobre os animais, dever que decorre das relações contratuais inerentes ao exercício da sua actividade. No caso, poderá falar-se numa situação de pluralidade de vigilantes, numa guarda fraccionada. Enquanto presta os serviços veterinários por si disponibilizados, a 2ªR. dispõe do controle material dos animais, e reúne condições para cumprir aquele dever de vigilância, impondo as regras de segurança necessárias, nomeadamente evitando a saída intempestiva destes do gabinete médico. Sufragamos, pois, o entendimento do tribunal recorrido que a responsabilidade da 2ªR. deve, também, ser apreciada à luz do disposto no art. 493º, nº 1 do CC, sendo certo que não logrou demonstrar que não houve culpa da sua parte, porquanto o acidente só ocorreu porque a empregada deixou a porta aberta [18]. Assim como sufragamos que existe responsabilidade contratual da 2ªR. para com a A., por violação de deveres secundários do contrato de prestação de serviços com esta firmado. Os proprietários de um hospital veterinário, como estabelecimento aberto ao público, estão vinculados a deveres de segurança, para que os utentes o possam utilizar de forma segura e sem risco de danos na sua saúde, integridade física e propriedade, sendo que a 2ªR. não conseguiu assegurar tais deveres perante a R. Face ao que se deixa dito, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida ao concluir, como concluiu, que a responsabilidade pela ocorrência do acidente é de imputar à 2ªR., estando esta obrigada a ressarcir a A. pelos danos causados. Responsabilidade que foi imputada à apelante, em virtude do contrato de seguro entre ambas celebrado, à excepção da quantia relativa à franquia, que a 2ªR. foi condenada a pagar. Não se compreende a alegação da apelante de que tendo o tribunal recorrido decidido pela absolvição da 2ªR. do pedido, tal levaria, necessariamente, à absolvição da apelante. O tribunal recorrido não decidiu pela absolvição da 2ªR. do pedido. O tribunal recorrido decidiu que a 2ªR. era a responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pela A., e, em consequência condenou a apelante, em parte, no pedido, por força do contrato de seguro entre ambas celebrado, embora respeitando a franquia estipulada, que teria, necessariamente de ser suportada pela 2ªR., absolvendo ambas do demais peticionado. E fê-lo correctamente, porquanto, ao contrário do que defende a apelante, o contrato de seguro celebrado entre a 2ªR. e a apelante abrange o sinistro em causa. O contrato de seguro celebrado é multirriscos mercantil. Nos termos do nº 1 do art. 2º das condições gerais, o contrato garante, “nos termos estabelecidos nas respectivas coberturas, as indemnizações devidas por: a) Danos nos bens móveis e/ou imóveis identificados nas Condições Particulares; b) Responsabilidade civil Extracontratual do Segurado emergente da actividade segura”. A cobertura do contrato abrange a responsabilidade civil exploração – condições particulares (fls. 289/290), e art. 3º, 6. das condições gerais (fls. 291 e ss.). Nos termos do art. 6º, al. B., nº 1. das condições gerais, o contrato “Garante as reparações pecuniárias legalmente exigíveis ao Segurado, até ao limite indicado nas Condições Particulares, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas Condições Particulares e decorrentes da exploração normal da actividade segura”, o que não significa, como pretende a apelante, responsabilidade civil extracontratual decorrente de danos causados a terceiros, em consequência de sinistros ocorridos nas instalações e por força destas instalações seguras e que decorram da normal exploração da actividade segura. Improcede, pois, a apelação, devendo manter-se a sentença recorrida. DECISÃO. (Cristina Coelho) | ||
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