Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | CRISTINA LOURENÇO | ||
| Descritores: |  RESIDÊNCIA ALTERNADA SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA FALTA DE ACORDO DOS PROGENITORES  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: |  Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1. A falta de acordo dos progenitores sobre a questão da residência alternada não inviabiliza, de per si, a fixação de tal regime. 2. Num quadro de conflito entre os progenitores, mas em que um e outro revelam ter competências parentais e mostram empenho no exercício da parentalidade e na assunção das inerentes responsabilidades, e em que o filho está bem integrado no contexto materno e paterno e beneficia da presença do pai e da mãe (bem como da família alargada respetiva), o regime de residência alternada revela-se como o mais apto à satisfação dos interesses globais da criança, desde logo, ao nível da vinculação afetiva com ambos os progenitores, constituindo-se, igualmente, como garante da igualdade destes no exercício da parentalidade.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Relatório C.., contribuinte fiscal nº…, propôs ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em benefício do menor L…, contra J…, residente na Rua…, Amadora, com a fixação do seguinte regime, no que ora releva: a) Guarda e exercício das responsabilidades parentais: O menor fica à guarda da mãe, em cujo domicílio fixa a sua residência, e a quem caberá, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, designadamente, no âmbito escolar e na saúde, no que diz respeito a intervenções médico-cirúrgicas de carácter extraordinário. ** Realizada conferência de pais, não lograram os mesmos alcançar acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho. Posteriormente, em 21 de março de 2024, foi proferida decisão provisória nos seguintes termos: a) A criança fica entregue aos cuidados da mãe e a residir com esta. b) As responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas por ambos os progenitores, designadamente as atinentes à sua segurança, saúde, educação, religião e moral e, eventuais deslocações do menor ao estrangeiro, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações, por qualquer meio, ao outro logo que possível. c) A mãe fica obrigada a dar conhecimento ao pai de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde do filho. d) O progenitor poderá contactar diariamente com o filho, telefonicamente, ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso. e) A criança passará os fins-de-semana, alternadamente, de quinze em quinze dias, com o pai, indo este buscá-lo sexta-feira ao estabelecimento de ensino/infantário, findas as atividades letivas e entregá-lo na casa da mãe domingo até às 20:00 horas. f) O pai poderá conviver e ter a criança consigo, todas as quartas-feiras, indo buscar o filho ao estabelecimento de ensino findas as atividades letivas e entregá-lo no dia seguinte a casa da mãe, findas as atividades letivas, até às 19:00 horas. g) A criança passará, alternadamente, com cada progenitor, a véspera de Natal, o dia de natal, a véspera e o dia de ano novo. h) A criança passará 15 dias de férias do mês de agosto com cada progenitor, comunicando antecipada e reciprocamente, cada um deles, o respetivo período. i) Nas férias de Natal, e nas férias da Páscoa, o menor passará uma semana com cada progenitor, comunicando antecipada e reciprocamente, cada um deles, o respetivo período. j) O pai contribuirá a título de pensão de alimentos com a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) até ao dia 8 de cada mês, a pagar à mãe por meio de transferência bancária, que efetuará para uma conta cujo IBAN a mãe lhe deverá fornecer; sendo esta quantia atualizável anualmente, em função da taxa de inflação publicada pelo I.N.E.. k) O pai suportará ½ das despesas médicas, medicamentosas relativas ao menor, na parte não comparticipada, bem como ½ das despesas escolares/infantário, a entregar à mãe juntamente com o pagamento da prestação alimentícia vencida no mês subsequente àquele em que os respetivos comprovativos lhe forem exibidos. ** Em 3 de abril de 2025 esta decisão provisória foi alterada, nela se lendo, além do mais (que aqui se tem como reproduzido), o seguinte: “(…) O menino L… está bem integrado nos contextos materno e paterno, beneficiando com a presença de pai e mãe na sua vida (informação da ATE de 14-06-2024). Por sentença proferida em 14-03-2025, não transitada em julgado, foi o progenitor: Condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, na pena de 3 (três) anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a progenitora C…, com afastamento do local da residência e do local de trabalho desta, pelo período de 3 (três) anos. O arguido apenas poderá contactar com a ofendida por assuntos relacionados com o filho de ambos, devendo fazê-lo, sempre que possível com o intermédio de terceiros. É deveras conflituosa a relação entre os pais do menino L… (v.g. participações policiais de 24-06/3-09-2024/14-03-2025 e imediação resultante da conferência de pais de 5-09-2024). Vejamos. Como é sabido, processo de regulação das responsabilidades parentais é de jurisdição voluntária, pelo que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artigos 12.º do RGPTC aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.09 e 986.º do NCPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06). A lei remete para um conceito jurídico indeterminado, o interesse da criança. No presente caso de regulação do exercício das responsabilidades parentais, será o interesse do menino L… que há-de fundamentar e determinar o sentido da decisão, sendo que este interesse será aferido pelas suas peculiares circunstâncias, ligações afetivas e emocionais, estado de saúde e de desenvolvimento físico, psíquico, educacional, moral e social. É inegável a relação conflituosa dos pais. Efetivamente, os progenitores não são ainda capazes de dialogar cordialmente. Acresce a pena acessória de proibição de contactos, com afastamento do local da residência e do local de trabalho da progenitora. Assim, parece-nos prudente fixar um regime que não implique que os pais se encontrem presencialmente, pelo que, entende-se que o sistema da criança ser entregue diretamente no infantário, parece-nos adequado não comprometendo a segurança, estabilidade e bem-estar da criança, respeitando o único critério e o limite último de qualquer decisão nesta matéria, o do superior interesse do menino L…. Decisão Pelo exposto, altera-se o regime provisório (21-03-2024) nos seguintes termos: (…) e) A criança passará os fins-de-semana, alternadamente, de quinze em quinze dias, com o pai, indo este buscá-lo sexta-feira ao estabelecimento de ensino/infantário, findas as atividades letivas e entrega na segunda-feira, no estabelecimento de ensino/infantário. f) O pai poderá conviver e ter a criança consigo, todas as quartas-feiras, indo buscar o filho ao estabelecimento de ensino findas as atividades letivas e entrega no dia seguinte no estabelecimento de ensino/infantário.” ** Na falta de acordo sobre o exercício das responsabilidades referentes ao filho, os progenitores foram notificados para apresentarem alegações, o que fizeram. Em suma, e, no essencial, a progenitora pugnou pela manutenção da residência do filho consigo e pelo exercício conjunto das responsabilidades parentais. O requerido pediu que fosse fixado um regime de residência alternada da criança com uma divisão equitativa de tempo. ** Realizou-se julgamento, após o que foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido fixar o regime de exercício das responsabilidades parentais relativamente a L…, revogando o regime provisório que se encontra em vigor em tudo quanto se mostrar incompatível, nos seguintes termos: I. O menor passará uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (mudança à segunda feira de manhã, depois de o menor ser deixado na escola, caso esteja em período escolar, ou em casa do outro, durante o período de férias), sendo que a semana que o menor passará com o pai coincidirá com a semana que o pai passa com o seu filho mais velho, F…. II. O exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida da criança é da competência de ambos os progenitores, designadamente as atinentes à sua segurança, saúde, educação, religião e moral e eventuais deslocações do menor ao estrangeiro, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro, por qualquer meio, logo que possível. III. Cada um dos progenitores fica obrigado a dar conhecimento ao outro de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde do filho. IV. Cada um dos progenitores pode contactar diariamente com o filho, quando este se encontre com o outro, telefonicamente, ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso. V. A criança passará, alternadamente, com cada progenitor, a véspera de Natal, o dia de Natal, a véspera e o dia de ano novo. VI. A criança passará 15 dias de férias do mês de agosto com cada progenitor, comunicando antecipada e reciprocamente, cada um deles, o respetivo período que pretende passar com o menor. VII. Nas férias de Natal e nas férias da Páscoa, o menor passará uma semana com cada progenitor, comunicando antecipada e reciprocamente, cada um deles, o respetivo período. Custas em partes iguais (artigo 527º, n.º 1 do CPC). Valor da ação: € 30.000,01 (artigo 303º, n.º 1 do CPC). Registe e notifique. Comunique à Conservatória do Registo Civil (artigos 78º do CRegCivil e 1920º-B, al. a) do CC).” ** Inconformada com a decisão no segmento que procedeu à fixação do regime de residência alternada do menor com ambos os progenitores, a progenitora interpôs recurso e pediu que em substituição do decidido, se determine que o menor fixa a sua residência na casa da mãe. Formulou as seguintes conclusões: “a) O Recurso é interposto da sentença, datada de 24 de Junho de 2025, do segmento que fixa um regime de residência alternada, semanalmente, ao menor, L…, de apenas 3 anos de idade, com ambos os progenitores, desconsiderando elementos fácticos e periciais que apontam para a inconveniência dessa solução no caso concreto. b) Encontra-se provada nos autos a existência de uma relação conflituosa e de ausência de comunicação funcional entre os progenitores, condição que compromete estruturalmente a eficácia do regime de residência alternada. c) Foi proferida sentença no âmbito do Proc. n.º …, que corre termos no Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz …, que condenou o progenitor pela prática de crime de violência doméstica agravada contra o aqui Recorrido, com aplicação de pena acessória de proibição de contactos e afastamento de residência e local de trabalho da Recorrente. d) Tal condenação, ainda que não transitada, reconhece uma situação de risco e insegurança, à luz do artigo 1906.º-A do Código Civil, que presume ser contrário ao interesse da criança o exercício conjunto das responsabilidades parentais nestes casos. e) O progenitor, ora Recorrido, interpôs recurso, mas a Recorrente foi recentemente notificada, a 02 de Julho de 2025, relativamente ao Parecer do Ministério Público, emanada do Tribunal da Relação de Lisboa – … Secção, no sentido de que o recurso deveria desde logo ter sido rejeitados, por ser “manifestamente improcedente”. f) Neste sentido, o posicionamento do Ministério Público reforça a validade e a força probatória da sentença condenatória proferida em primeira instância, que reconhece a prática de violência doméstica perpetrada pelo Recorrido e impõe restrições legais à comunicação entre os progenitores. g) Os novos desenvolvimentos processuais só vêm confirmar, com o devido respeito, que a decisão recorrida mostra-se juridicamente insustentável. h) Os relatórios do Instituto Nacional de Medicina Legal e do NIJ da Amadora são claros em apontar a mãe, ora Recorrente, como a principal figura de vinculação, cuidadora e educadora do menor, sendo o pai, ora Recorrido, descrito com um papel lúdico e ainda em processo de vinculação com a criança. i) O pai, ora Recorrido, não reúne condições habitacionais para a implementação de um regime de residência alternada, uma vez que reside na casa da avó paterna, onde compartilha o quarto com os seus dois filhos menores. j) Assim como o Progenitor também não dispõe de disponibilidade a nível pessoal e laboral, para acompanhar as rotinas do Menor, delegando, integralmente, as suas responsabilidades parentais na avó paterna. k) Ao abrigo do disposto no artigo 1906.º do Código Civil, as responsabilidades parentais pertencem aos progenitores, não podendo a rede de apoio familiar substituí-lo no desempenho integral das suas funções parentais. l) A introdução de uma residência alternada nesta fase precoce do desenvolvimento da criança, marcada por instabilidade emocional e jurídica, não acautela o superior interesse do menor, nem promove segurança, estabilidade e previsibilidade. m) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1906.º, 1906.º-A e 1901.º do Código Civil, bem como o artigo 40.º do RGPTC, ao não ter valorizado adequadamente o depoimento da Recorrente, os requerimentos e prova documental apresentados pela Progenitora, junta aos presentes autos, os relatórios técnicos e periciais, o histórico de violência e o vínculo afetivo estruturado do menor com a mãe, ora Recorrente. n) Com o devido respeito, a decisão recorrida padece de erro no julgamento e apreciação dos factos e da prova produzida, assim como de erro na interpretação e aplicação do direito. o) A decisão que melhor acautela o superior interesse do menor é fixar a a guarda e residência com a mãe, ora Recorrente, ou seja, devendo manter-se o regime provisório vigente, em virtude de ser o mais ajustado aos seus direitos, necessidades e bem-estar físico e emocional.” ** O requerido respondeu ao recurso, tendo sintetizado, a final, as suas alegações do seguinte modo: “1. Em 24 de Julho de 2025, recorrente e recorrido foram notificados da douta sentença referente às responsabilidades parentais do Menor L…, nos termos da qual fixou o regime de residência alternada, devendo a mesma coincidir com a semana em que o pai passa com o filho mais velho F…. 2. Inconformada com a Douta decisão, veio a recorrente interpor sendo certo que, as motivações de recurso resultam, tão somente, numa compilação dos vários requerimentos e alegações escritas apresentados pela recorrente, bem como, em meros comentários e conclusões que a recorrente vai tecendo ao longo do seu arrazoado. 3. Nos termos do disposto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. 4. Tal como proclama o AC TRE., datado de 27/02/2025, Proc. 549/23.7T8SSB.E1, aquando da interposição do recurso, “o que é pedido à recorrente, ao invocar a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e específicos elementos probatórios demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude”. 5. Assim, a recorrente deveria ter indicado, concretamente, os factos que julgou incorretamente julgados, enunciando quer na motivação do recurso quer nas conclusões, e deveria especificar na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que determinam uma decisão diversa, o que não sucedeu. 6. É assim manifesto o incumprimento pela recorrente da obrigação processual prevista no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, o que é por si só suficiente para determinar a imediata rejeição de eventual pretensão de impugnação da matéria de facto, razão pela qual não deverá o recurso ser admitido, por preterição das regras de elaboração do recurso. 7. Entende a recorrente que a douta decisão recorrida, que desde já se esclarece que não merece qualquer censura ou reparo ao recorrido, viola o princípio do superior interesse da criança, nos termos do disposto nos art.º 1906.º, 1096.º-A do C.C. e art.º 40.º do RGPTC, por existir uma sentença judicial que condenou o recorrido na prática de um crime de violência doméstica, apesar de ainda não ter transitado em julgado. 8. Cumpre desde já esclarecer que a sentença recorrida aquando da prolação da decisão ponderou todos os elementos probatórios carreados nos presentes autos, designadamente os relatórios da NIJ e do INML, bem como a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, razão pela qual o Tribunal a quo só poderia fixar a aplicação do regime de residência alternada, por ser o regime que melhor satisfaz o superior interesse do Menor L…. 9. Na verdade, apesar de a recorrente mencionar que o tribunal a quo não teve em consideração os requerimentos por si apresentados, bem como a prova documental junta aos mencionados requerimentos, cumpre desde já referir que a recorrente não teve qualquer pejo de expor a intimidade privada do menor L…, ao proceder à junção de fotografias dos genitais, alegados vómitos, bem como, uma fralda com fezes do Menor. 10. Tal como resulta relatório do INML, realizado ao recorrido, a fls. 13 que, “as competências parentais do J… foram evidenciadas durante a entrevista, especialmente ao descrever a sua capacidade de estabelecer regras e limites ao filho, demonstrando preocupação com a disciplina e o comportamento do filho”. 11. Acresce ainda que a própria sentença recorrida deu como provado que “Do relatório de perícia médico-legal realizado pelo INML em 24.04.2025, relativo a J…, consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) J… demonstra competências parentais adequadas, sendo uma pessoa resoluta, mas recetiva às necessidades dos outros. A sua tolerância à frustração é considerada normal, e não apresenta crenças legitimadoras de violência física como estratégia educativa. (…) Com base nas informações fornecidas, observa-se que a vinculação afetiva entre pai e filho ainda está em desenvolvimento, especialmente considerando a distância física e emocional devido ao regime de visitas e ao contexto laboral. (…) O conflito parental, caracterizado por uma comunicação disfuncional e divergências sobre o regime de visitas, é um fator de risco relevante. No entanto, fatores de proteção importantes também estão presentes, como a estabilidade laboral de J… e o apoio da família paterna, que proporcionam uma rede de suporte emocional e prático. (…) Atualmente, as condições para proporcionar um ambiente seguro e estável para L… estão comprometidas devido à falta de comunicação entre os progenitores, dificultando a coordenação no cuidado da criança. Essa situação compromete a estabilidade necessária para o desenvolvimento saudável de L… (…)” 12. Por seu turno, a recorrente, aquando da perícia realizada no INML, quando questionada sobre a sua experiência enquanto mãe, refere “Solicitada a descrever a sua experiência enquanto mãe, afirma que tem sido “Protetora, cuidadora, interessada, preocupada, amorosa, participativa no dia a dia dele, orgulhosa e considero-me casa. Dinâmica no sentido do que lhe falei de estar sempre a procurar fazer atividades lúdicas e de desenvolvimento do L….” (sic)”. 13. Mais refere o referido relatório do INML, de forma clara e isenta, a fls. 15, que, “Neste contexto, observa-se que C… parece ter respondido de forma atenta e coerente, embora com uma possível inclinação para favorecer atributos considerados socialmente desejáveis. Em consonância, foram observadas pontuações dentro da normalidade em 9 das 18 escalas, o que poderá refletir essa tendência de autorrepresentação positiva”. 14. Ora, dúvidas não restam que, a recorrente revela uma postura excessiva de enaltecimento pessoal, protectora e de algum modo possessiva em relação ao menor L…, de tal forma que, aquando da interposição dos presentes autos, a recorrente peticionou que lhe fosse atribuído em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais, o que revela desde logo, o carácter possessivo, potencialmente conflituoso, e parco em bom senso. 15. Ora apesar de, quer a sentença recorrida, quer o relatório pericial realizado pelo INML, destacarem como factores de risco relevantes o conflito parental, caracterizado por uma comunicação disfuncional entre os progenitores e por divergências persistentes quanto ao regime de visitas da criança, cumpre desde já realçar que, ao minimio “incumprimento” por parte do recorrido, a recorrente não se coibiu de apresentar 17 aditamentos à queixa apresentada pela recorrente. 16. A recorrente tenta fundamentar a sua posição no facto de o recorrido não conseguir compatibilizar as suas obrigações profissionais com o cuidado efectivo do menor, especialmente ao nível das rotinas diárias, saúde, escola e actividades extracurriculares, até porque as responsabilidades parentais são delegadas na avó paterna. 17. Com efeito, a sentença recorrida deu como provado que, “11) A avó materna vai buscar o neto à creche cerca de 2 vezes por semana. 12) Quando J… não tem disponibilidade, é a avó paterna quem vai deixar o neto à creche e recolhê-lo no final das atividades.” 18. Tal matéria dada como provada, resultou das declarações de H…, mãe da recorrente, L.D., padrasto do recorrido e M…, mãe do recorrido. 19. Acrescenta ainda a sentença recorrida, para fundamentar tais factos provados que “Além disso, e no que particularmente diz respeito aos factos 11 e 12, foram ainda tidos em consideração os registos de entradas e saídas de L… da creche, em anexo ao requerimento com referência Citius 28116676, de 17.06.2025, que corroboram que as avós do menor, pelo menos nas datas a que os mesmos se referem, o vão buscar/recolher à creche”. 20. Pelo que, uma vez mais, não deixa de ser curiosa toda a argumentação da recorrente, quando na verdade a mesma também beneficia da rede de apoio familiar, pelo que, tal como resulta do disposto no art.º 1906.º do C.C., as responsabilidades parentais pertencem a ambos os progenitores, no entanto se é legitimo à recorrente socorrer-se da sua rede de apoio familiar, também é legitimo o recorrido socorrer-se do apoio familiar. 21. Tal como denota a sentença recorrida, a problemática assenta essencialmente na conflituosidade parental, contudo, no entender do Tribunal a quo, mesma não revela particular importância para infirmar a existência de uma residência alternada, uma vez que, e tal como proclama, “Não obstante a relação conflituosa entre os progenitores e a falta de comunicação que a caracteriza, não pode a mesma servir de impedimento à implementação de um regime de residência alternada, sob pena de se perpetuar o afastamento entre um filho e um progenitor que tem dificuldade em estabelecer com o outro um diálogo são com vista a garantir o superior interesse do primeiro”. 22. Ora, apesar dos conflitos existentes entre os progenitores, a verdade é que os mesmos jamais poderão privar o Menor do convívio equilibrado com ambos os progenitores, até porque, o conflito reside entre os progenitores e não entre o progenitor e o Menor. 23. A conflituosidade é da recorrente e utiliza este argumento, para que a guarda partilhada não subsista, pois assim entende que, terá mais e melhores condições da guarda não ser partilhada. 24. O tribunal a quo, baseando-se no relatório pericial determinou que o recorrido tem competências parentais adequadas para exercer a função parental junto do Menor L…, contando igualmente com apoio familiar para o efeito, tal como a recorrente dispõe de apoio familiar, pelo que apesar dos conflitos que norteiam a relação entre os progenitores, os mesmos não podem servir de argumento e tão pouco demonstram a incapacidade de o recorrido ter o Menor L… em regime de semanas alternadas. 25. Aliás, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como, dos relatórios quer periciais quer da NIJ, não resulta demonstrado que a implementação do regime de residência alternada irá acentuar e institucionalizar qualquer tipo de incumprimento, ou irá exacerbar qualquer instabilidade ou expor o Menor L… a qualquer desorganização. 26. Aliás, do próprio relatório pericial do INML, fls. 15, resulta a declaração que a recorrente tem uma tendência de autorrepresentação positiva, sendo certo que também demonstrou dificuldades de formação de vínculos afectivos seguros, sendo compatível com padrões de vinculação de tipo ansioso ou evitante. 27. Numa tentativa, desmesurada, de demonstrar que não poderá ser aplicado o regime da residência alternada, a recorrente socorre-se do Processo de violência doméstica, que mereceu o n.º…, sendo certo que o mesmo ainda não transitou em julgado. 28. Sendo certo que, a própria recorrente parece esquecer-se que, o próprio recorrido também apresentou procedimento criminal contra o seu comportamento errático, o qual mereceu o n.º …. 29. Sendo que, a recorrente também foi constituída arguida nestes autos, nos quais se investigam factos que resultam na prática do crime de violência doméstica, executados pela recorrente contra o recorrido. 30. Contudo, e tal como resulta da douta sentença, “E mesmo que se consolide na ordem jurídica a decisão proferida nesses autos, ficando J… sujeito à pena acessória de proibição de contactos com C…, com afastamento do local da residência e do local de trabalho desta pelo período de 3 anos, os artigos 1906º-A, al. a) do CC, e 40º, n.º 9 do RGPTC consagram uma mera presunção de que, em casos de violência doméstica, o exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrário ao interesse da criança, quando é aplicada ao progenitor uma medida de coação ou proibição de contato com o outro. Pelo exposto, é de concluir que a residência alternada é o regime que melhor salvaguarda o superior interesse do menor L…, permitindo o fortalecimento dos laços com cada um dos progenitores e respetiva família – fator estruturante no desenvolvimento da sua personalidade –, não comprometendo a sua segurança, estabilidade e bem-estar”. 31. Ora, o art.º 1906.º-A do C.C. e o art.º 40.º, n.º 9 do RCPTC, estabelecem uma presunção de contrariedade do exercício conjunto das responsabilidades parentais ao interesse do menor, caso seja aplicada ao progenitor medida de coação ou pena acessória de proibição de contacto com o outro progenitor. 32. Contudo, tal presunção tem de ser analisada casuisticamente, e de acordo com a estabilidade emocional, pessoal e familiar do menor, razão pela qual, o Tribunal a quo, apesar de ter ponderado todas as circunstâncias, no âmbito da sentença proclamada no âmbito do Processo nº …, considerou e bem “é de concluir que a residência alternada é o regime que melhor salvaguarda o superior interesse do menor L…, permitindo o fortalecimento dos laços com cada um dos progenitores e respetiva família – fator estruturante no desenvolvimento da sua personalidade –, não comprometendo a sua segurança, estabilidade e bem-estar”. 33. Com efeito, tal como proclama o Ac. do TRL no âmbito do Proc. 20994/15.0T8SNT, “Ademais, a menor mostra-se bem integrada nos agregados familiares atuais do pai e da mãe, sendo que estes têm condições suficientes para a receber em regime de residência alternada. Os progenitores mostram-se também empenhados em acolher, apoiar e orientar a menor, sem prejuízo de – na senda do conflito parental – por vezes evidenciarem uma atitude de hipervigilância em relação ao outro progenitor”. 34. Mais, a recorrente esquece-se que “Não são as crianças que têm de se acomodar às idiossincrasias, inseguranças e conflitos dos progenitores, pelo contrário, são os progenitores que têm de se reinventar e de se superar, aperfeiçoando competências para suprir as necessidades e zelar pelo superior interesse dos filhos”, tal como proclama o AC. do TRL no âmbito do Proc. 20994/15.0T8SNT-E.L1-7. 35. E mesmo que a recorrente alegue que sempre procurou estabelecer uma coparentalidade funcional, apesar dos 17 aditamentos apresentados à queixa crime, a verdade é que tal se tem revelado difícil face à relação altamente conflituosa entre os progenitores. 36. Sucede que, a recorrente sempre que o Menor L… se encontra doente, tal doença imputa aos períodos de convívio com o recorrido, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, não é possível estabelecer uma relação sem o mínimo de conflituosidade, quando se imputa a responsabilidade ao recorrido. 37. Pelo que, o risco directo da estabilidade do Menor L…, colocada em causa pela conflituosidade parental, não resulta de qualquer comprometimento na saúde psicológica, emocional e das rotinas, mas sim única e exclusivamente da postura beligerante e parca em bom senso da recorrente. 38. Ora, o regime fixado pelo douto Tribunal, é o que melhor salvaguarda os interesses do menor L…, uma vez que resulta o convívio com os progenitores de forma igualitária e equitativa promove o crescimento saudável do menor, e reduz o conflito parental, pois os contactos são mais diminutos. 39. A sentença recorrida, face à prova testemunhal e prova documental carreada nos presentes autos, considerou e bem, que apesar do conflito parental, este não colocará em causa o superior interesse do menor, até porque o mesmo tem o direito de manter o vínculo quer com o pai, quer com o irmão F…, quer com a restante família paterna. 40. Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao decretar o regime de residência alternada, por este acautelar o Princípio do superior interesse do Menor L…. 41. Perante o exposto, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado, e em consequência manter-se a decisão da sentença recorrida, uma vez que, o regime da residência alternada é o que melhor salvaguarda o superior interesse do Menor L…, e o que pretende evitar a conflituosidade parental, acautelando sempre os efeitos da sentença penal.” ** O Ministério Público não respondeu ao recurso. ** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código). No caso, a única questão que importa apreciar e decidir é se a sentença recorrida deve ser alterada no segmento atinente ao regime da residência do menor. Fundamentação de Facto a) Questão prévia A recorrente tece considerações sobre a apreciação da prova por parte do tribunal de 1ª instância; sobre os factos que foram considerados como provados; e sobre outros que descreve e sobre os quais discorre, quer no corpo das alegações, quer na síntese conclusiva para sustentar o seu inconformismo ante a decisão em crise, recorrendo para tanto, inclusivamente, a matéria de facto alegadamente ocorrida já posteriormente à prolação da sentença e, que nessa medida, e como não pode desconhecer, não poderia ser ponderada por esta instância de recurso. Pretendia a recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto? Para o caso de ter sido essa a sua intenção, urge afirmar, antes de mais, que, in casu, está vedado a este tribunal conhecer do recurso no plano de facto, por não ter a recorrente cumprido quaisquer dos ónus que sobre si impediam e que se encontram previstos no art. 640º, do CPC, desde logo, no seu nº1, disposição legal aqui aplicável ex vi art. 33º, nº 1, do RGPTC. O nosso sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão de facto e os ónus a cargo do recorrente que a impugne encontram-se enunciados no art. 640º, do CPC. No nº 1 estão especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c). Já o nº 2 do mesmo preceito legal, nomeadamente, a sua alínea a), e por referência à al. b), do nº 1, enuncia o ónus denominado secundário, e que diz respeito ao modo como o recorrente deve indicar os meios probatórios em que funda a impugnação, impondo, no caso em que os meios invocados como fundamento do erro de julgamento tenham sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, sem prejuízo de transcrever os excertos que considere relevantes. A propósito dos ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, salienta Abrantes Geraldes, o seguinte[1]: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”. No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2023, de 17.10.2023, que a final, e sobre o ónus de que trata em concreto a al. c), do nº 1, do art. 640º, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, salienta-se o seguinte: “(…) Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63). (…) Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.” Deste modo, é indiscutível que os pontos concretos da matéria de facto que se pretendem impugnar devem constar obrigatoriamente das conclusões finais (ainda que imperfeitamente delimitados ou referenciados, desde que não resulte prejudicada a sua apreensão). Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2023 (proferido no processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1, e acessível em www.dgsi.pt), decidiu o seguinte: “(…) as conclusões de um recurso exercem a importante função de delimitação do objeto do seu objeto, através da identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende impugnar na decisão recorrida e sobre o qual se pretende que o tribunal superior faça uma reapreciação. O tribunal superior só aprecia o objeto definido pelas conclusões e, por isso, não tem de conhecer de uma questão, seja ela factual ou de direito, que não consta das conclusões, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso. E essa identificação não pode ser efetuada apenas por uma simples e genérica remissão para o corpo das alegações, uma vez que ela não define, com certeza qual o âmbito do recurso interposto, não cumprindo os objetivos visados com a exigência da existência de conclusões nas alegações de recurso. (…) Quando essa deficiência ocorre nos requisitos da impugnação da matéria de facto a sanção é aquela que está prevista no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – rejeição imediata do recurso, sem hipóteses de correção. Esta solução não infringe qualquer princípio constitucional, designadamente a exigência de um processo equitativo, uma vez que este modelo processual não impõe que em qualquer situação de omissão de cumprimento de determinados requisitos formais legalmente previstos não possa ser determinada a perda de um direito processual sem que seja concedida à parte uma oportunidade de suprir essa omissão, conforme tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional. Na verdade, na definição da tramitação do processo civil, vigora uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, desde que não sejam surpreendentes, sejam funcionalmente adequadas aos fins do processo e que as preclusões que decorram do seu incumprimento não se revelam totalmente desproporcionadas à gravidade e relevância da falta”. “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º,nº 4 e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[2], como sucede sem margem para dívidas no caso dos autos. Posto isto, aventando a possibilidade de a recorrente ter querido impugnar a decisão atinente à matéria de facto, e tendo por base os fundamentos expendidos, impõe-se, nesta parte, rejeitar o recurso. Deste modo, os factos a ter em consideração para a reapreciação da decisão e para além daqueles que se deixaram discriminados no relatório deste Acórdão, são os que foram fixados em 1ª instância, e que se passam a descrever. * b) Factos Provados 1. C… e J… contraíram entre si casamento civil em 10.10.2020. 2. Deste matrimónio nasceu um filho, L…, em 27.10.2021. 3. Por sentença proferida nos autos principais, em 27.05.2024, foi decretado o divórcio entre C… e J…. 4. Após a separação dos progenitores, em janeiro de 2024, L… passou a viver com a mãe. 5. J… tem um filho mais velho, F…, que reside consigo em semanas alternadas. 6. J… encontra-se a residir com a sua mãe e padrasto, num apartamento de tipologia T3. 7. Atualmente encontra-se à procura de uma casa para residir com os seus filhos. 8. Trabalha em empresa familiar, na área da jardinagem, tendo um horário flexível. 9. A mãe trabalha numa escola, como educadora de infância. 10. Ambos os progenitores contam com o apoio das suas mães e, no caso, de J…, também do seu padrasto, nos cuidados do menor L…. 11. A avó materna vai buscar o neto à creche cerca de 2 vezes por semana. 12. Quando J… não tem disponibilidade, é a avó paterna quem vai deixar o neto à creche e recolhê-lo no final das atividades. 13. L… mantém uma relação próxima e afetuosa com o irmão F…. 14. Ambos os progenitores apresentaram queixas-crime recíprocas, alegando terem sido vítimas de violência doméstica no âmbito da relação conjugal que mantiveram. 15. Foi proferida sentença no âmbito do processo n.º …, a qual foi objeto de recurso por parte de J…, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. a), 4 e 5, do CP na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, e na pena acessória de proibição de contactos com C…, com afastamento do local da residência e do local de trabalho desta pelo mesmo período, podendo apenas contatá-la por assuntos relacionados com o filho de ambos, devendo fazê-lo, sempre que possível com o intermédio de terceiros. 16. C… apresentou queixa junto da PSP, em 14.06.2024, dando conta de que J… incumpriu o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais fixado nestes autos. 17. Foram feitos 17 aditamentos à participação referida em 16), na sequência de queixas apresentadas pela mãe do menor dando conta, nomeadamente, de novos incumprimentos por parte do pai do regime provisório fixado. 18. Desde a sua separação, em janeiro de 2024, os progenitores mantêm uma relação conflituosa e de pouco diálogo. 19. Do relatório elaborado pelo NIJ da Amadora em 14.06.2024, consta, nomeadamente, o seguinte: “Apesar do pai se encontrar numa fase de reorganização, na sequência da separação, do que foi possível apurar, ambos os pais reúnem condições habitacionais, socioeconómicas e familiares para exercerem a função parental junto de L…. No que concerne às competências, não foram recolhidos indicadores de preocupação em relação a qualquer um dos pais face à função desempenhada por cada um. Do ponto de vista de L…, considera-se que se encontra bem integrado nos contextos materno e paterno, beneficiando com a presença de pai e mãe na sua vida, ainda que a mãe se assuma como a principal cuidadora e responsável pelo acompanhamento de todas as áreas da vida de L… e o pai com uma função mais lúdica focada nos convívios e no restabelecimento de relação com o filho e deste com a família alargada, após definição do regime provisório. (…) Atendendo ao bem-estar de L…, e caso não se identifiquem obstáculos a uma coparentalidade partilhada pelos pais, sugere-se que a mesma ocorra, após uma participação efetiva do pai em todas as áreas da vida do filho e que os convívios se vão alargando de forma gradual com vista a uma residência alternada, uma vez que se tratará de uma alteração significativa quer na vida de L… quer na função exercida pelo pai junto deste (…)”. 20. Do relatório de perícia médico-legal realizado pelo INML em 24.04.2025, relativo a C…, consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) Importa ainda referir que a examinanda não revela crenças marcadamente legitimadoras do uso da violência física como método disciplinar, embora manifeste uma visão algo tradicional e patriarcal dos papéis familiares, onde o pai é concebido como figura de autoridade e disciplina. (…) No contexto da dinâmica familiar avaliada, identificam-se alguns fatores de risco relevantes. Entre os principais destaca-se o conflito parental, caracterizado por uma comunicação disfuncional entre os progenitores e por divergências persistentes quanto ao regime de visitas da criança. Também se incluem neste domínio as situações de violência presenciadas por L…, as quais terão contribuído para a sua insegurança emocional, bem como o relacionamento conflituoso entre a examinanda e os avós paternos, com impacto negativo na estabilidade e tranquilidade do ambiente familiar. Por outro lado, observa-se a presença de fatores de proteção importantes. Destaca-se, em particular, o envolvimento emocional de C… com o filho, traduzido numa relação de proximidade, afeto e investimento ativo na sua educação e bem-estar. Acresce ainda a estabilidade laboral da examinanda, que contribui para a manutenção de condições socioeconómicas estáveis, e o apoio prestado pela família materna no cuidado de L…, funcionando como rede de suporte emocional e prático. (…) Atualmente, encontram-se comprometidas as condições para proporcionar ao L… um ambiente seguro e estável. A falta de comunicação entre os pais, especialmente em relação à saúde e bem-estar da criança, dificulta uma abordagem coordenada para o cuidado de L… (…)”. 21. Do relatório de perícia médico-legal realizado pelo INML em 24.04.2025, relativo a J…, consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) J… demonstra competências parentais adequadas, sendo uma pessoa resoluta, mas recetiva às necessidades dos outros. A sua tolerância à frustração é considerada normal, e não apresenta crenças legitimadoras de violência física como estratégia educativa. (…) Com base nas informações fornecidas, observa-se que a vinculação afetiva entre pai e filho ainda está em desenvolvimento, especialmente considerando a distância física e emocional devido ao regime de visitas e ao contexto laboral. (…) O conflito parental, caracterizado por uma comunicação disfuncional e divergências sobre o regime de visitas, é um fator de risco relevante. No entanto, fatores de proteção importantes também estão presentes, como a estabilidade laboral de J… e o apoio da família paterna, que proporcionam uma rede de suporte emocional e prático. (…) Atualmente, as condições para proporcionar um ambiente seguro e estável para L…estão comprometidas devido à falta de comunicação entre os progenitores, dificultando a coordenação no cuidado da criança. Essa situação compromete a estabilidade necessária para o desenvolvimento saudável de L…. (…)”. * Consignou-se inexistirem factos não provados. Fundamentação de Direito O exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança (arts. 40º, nº 1, do RGPTC e 1906º, nº 8, CC). Trata-se de um conceito jurídico indeterminado, de concretização casuística. Os direitos e deveres dos progenitores têm assento constitucional, designadamente, no art. 36º da CRP, que proclama o direito e o dever dos pais na educação e manutenção dos filhos (nº 5), expressando, no seu nº 6, que "Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial". Os pais são, deste modo, titulares de direitos fundamentais na relação com os filhos, competindo-lhes, no interesse destes velar pela sua segurança, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens como consagrado no nº 1, do art. 1878º, do Código Civil, emergindo deste normativo o “interesse do menor” como guia fundamental do exercício das responsabilidades parentais e o reconhecimento dos menores como sujeitos dotados de autonomia, com interesses próprios, que têm de ser ponderados, designadamente, em momentos de crise, e a que Convenção sobre o Direito das Crianças[3] manda atender quando, nomeadamente, no seu art. 3º, consagra que, 1. Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” O interesse do menor mostra-se conexionado com “… uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral. Será pois o recurso a esse complexo de normas provenientes das várias instituições sociais que, em cada momento, em cada caso, possibilitará ao juiz a adopção de medidas conformes ao «interesse do menor», o que supõe uma análise sistemática e interdisciplinar da sua situação”.[4] Em consonância com o exposto, diz Maria Clara Sottomayor,[5], que “Da análise da jurisprudência resultam uma série de sub-critérios ou factores que servem de fundamento à determinação do interesse do menor. Estes factores são tantos e tão variados como as situações de facto que surgem perante o Tribunal, mas apesar da sua heterogeneidade é possível enumerá-los. Podemos dividi-los em factores relativos à criança e factores relativos aos pais. Os primeiros englobariam as necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a adaptação da criança ao ambiente extra-familiar de origem (escola, comunidade, amigos, actividades não escolares). Os segundos abrangem a capacidade dos adultos para satisfazer as necessidades das crianças, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental destes, a continuidade das relações da criança, o afecto pela criança, o seu estilo de vida e comportamento moral, a sua religião, a sua situação financeira, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar às crianças.” O art. 1906º, do CC, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º65/2020, de 4 de novembro, veio consagrar a possibilidade do tribunal determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido (“6- Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.”), pese embora tal possibilidade já viesse a ser anteriormente admitida, nomeadamente, em termos jurisprudenciais, a que não é alheia a importância do princípio da igualdade entre os progenitores no que tange às questões compreendidas no exercício das responsabilidades parentais (Princípio 2º do Anexo à Recomendação nº R (84) sobre as Responsabilidades parentais, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de 28 de fevereiro de 1984). A residência alternada assume-se, hoje, como uma forma de garantir que as crianças crescem num ambiente que mais se aproxime da situação que vivenciaram ou que pudessem ter vindo a vivenciar junto dos progenitores, e essencialmente, em circunstâncias que lhes permitam sedimentar laços de afeto, de respeito, intimidade e de conhecimento com ambos os pais, e respetivas famílias, condições essenciais a um são e equilibrado desenvolvimento global, sendo que a falta de acordo dos progenitores quanto à residência alternada não inviabiliza, de per si, a fixação de tal regime. Porventura, na maior parte das vezes, a residência alternada terá impacto na rotina diária das crianças, fruto do modo de vida diferenciado de cada um dos progenitores, mas desde que essas diferenças não tenham um impacto nocivo na esfera dos menores, não obstam a que se decida pela residência alternada, tanto mais que as crianças têm reconhecidamente capacidade de adaptação e podem inclusivamente colher ensinamentos e adquirir competências decorrentes de vivências distintas dos progenitores. A decisão dependerá, sempre, do quadro factual concretamente apurado, e no que diz respeito a esta questão da determinação da residência, continuamos a entender, como Tomé de Almeida Ramião[6], que a criança deverá residir com o progenitor que seja a principal referência afetiva e securizante, aquele com quem mantenha uma relação de maior proximidade, aquele que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico; que esteja em condições de lhe garantir segurança e saúde; a formação e desenvolvimento da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar; em suma, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, tudo sem abdicar do princípio da igualdade entre os progenitores e por isso, da possibilidade de residir alternadamente com cada um deles. Dispõe, por seu turno, o art. 1096º-A, do CC, na parte que importa considerar (tendo por base o quadro factual apurado): “Para efeitos do n.º 2 do artigo anterior, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se: a) For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, (…)” E, em consonância com esta norma, dispõe, por seu turno, o art. 40º, nº 9, do RGPTC, o seguinte: “Para efeitos do disposto no número anterior e salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores.”, resultando, por conseguinte, da conjugação destas normas uma presunção de contrariedade do exercício conjunto das responsabilidades parentais quando seja aplicada a progenitor uma medida de coação ou uma pena acessória de proibição de contatos com o outro progenitor. Vejamos o caso dos autos. O menor completará ainda neste mês de outubro quatro anos de idade. Desde janeiro de 2024 (altura em que ocorreu a separação de facto dos progenitores), que reside com a mãe. O relatório datado de 14 de junho de 2024 (facto nº 19) dá conta de que aquela assume o papel de principal cuidadora, por contraposição ao progenitor, a quem é reconhecida uma função mais lúdica, focada nos convívios e no restabelecimento da relação com o filho após a separação do casal e da definição do regime provisório anteriormente fixado, o que se nos afigura natural e perfeitamente compatível com a vivência do “núcleo familiar” após a rutura conjugal, nomeadamente, ao nível da relação pai-filho, porquanto, e tal como a experiência de vida nos permite afirmar, qualquer criança da mesma faixa etária deste menino, após a quebra da convivência diária com um dos progenitores necessita de se adaptar, de volta a ganhar confiança e segurança junto dele, constituindo o convívio lúdico uma forma salutar de alcançar tal desiderato, sobretudo num contexto de tempo de convívio limitado. O mesmo relatório, no qual também se apoia a decisão que introduziu alterações ao regime provisório (alterações pontuais e que se fundaram na necessidade de diminuir os contatos entre os progenitores dado o grau de conflituosidade existente entre ambos, de que nos dá conta a matéria factual apurada) assinala, volvidos três meses sobre o início dos convívios nos termos em que foram determinados pelo tribunal, e no que diz respeito à criança, que esta está bem integrada nos contextos materno e paterno, beneficiando com a presença de pai e mãe na sua vida, e, no que concerne às competências parentais, que “… não foram recolhidos indicadores de preocupação em relação a qualquer um dos pais face à função desempenhada por cada um.” Conclui-se, assim, que ambos os progenitores têm competências parentais e a matéria factual globalmente apurada evidencia, ainda, com a necessária segurança, que um e outro estão empenhados em exercer a parentalidade e assumir as responsabilidades inerentes. Ambos reúnem condições habitacionais. O facto de o requerido residir com a mãe e o padrasto numa casa de tipologia T3, e de um outro seu filho residir também consigo, em regime de guarda alternada, não indicia, sequer, que o L… não disponha de espaço adequado ao seu bem-estar e desenvolvimento. Acresce ter resultado provado que o requerido está a procurar casa para residir com os filhos. Os progenitores têm vida profissional ativa e contam com o apoio da família alargada nos cuidados do menor (avós materna e paterna e também o padrasto do requerido), nomeadamente, ao nível das deslocações da criança para a creche ou no regresso a casa, suprindo eventuais indisponibilidades daqueles o que, como é do conhecimento comum, constitui uma mais valia e garante de estabilidade e segurança nos cuidados a prestar a crianças desta faixa etária, para além de que os avós, constituem um pilar sólido e salutar no desenvolvimento das crianças, nos casos em que não se evidenciam situações de risco entre avós e netos, como aparenta ser o caso dos autos (ponderada a matéria factual globalmente demonstrada). E tendo por base o assinalado quadro fáctico, a residência alternada do menor com ambos os progenitores, assume-se como a solução que mais o beneficia, por ser aquela que mais se assemelha à sua vivência inicial, e àquela de que poderia ter beneficiado caso não tivesse existido quebra do vínculo conjugal dos pais, acrescendo que é igualmente o regime que permite que esta criança solidifique os laços familiares com o irmão mais velho e que vive também com o requerido em regime de residência alternada. O relatório elaborado pelo NIJ da Amadora em junho de 2024 (facto 19) salientava o seguinte: “… Atendendo ao bem-estar de L…, e caso não se identifiquem obstáculos a uma coparentalidade partilhada pelos pais, sugere-se que a mesma ocorra, após uma participação efetiva do pai em todas as áreas da vida do filho e que os convívios se vão alargando de forma gradual com vista a uma residência alternada, uma vez que se tratará de uma alteração significativa quer na vida de L… quer na função exercida pelo pai junto deste (…)”. A sentença foi proferida um ano depois, em 23 de junho de 2025. A vigência do regime provisório permitiu já a sedimentação dos contatos entre pai e filho, bastando atentar nos fins de semana alternados que lhes proporcionaram convívio de 48 horas seguidas; nos períodos de férias; nas quartas-feiras de cada semana, com pernoita junto do pai; sendo que, na semana que se inicia após um e outro terem passado juntos o fim de semana, o menor passa três dias (dois seguidos e um interpolado) na residência daquele. Os factos apurados não evidenciam qualquer reflexo negativo desta convivência na estabilidade física e emocional da criança, nem apelam à necessidade de aumentar gradualmente o tempo de residência até que se perfaça um período de sete dias seguidos de permanência junto do progenitor. Aliás, a interpolação de dias de residência com qualquer um dos progenitores, acarretando idas e vindas sucessivas da casa de um para a de outro constitui, não raras vezes, fonte de instabilidade e insegurança. No relatório pericial referente ao progenitor, conclui-se: “Com base nas informações fornecidas, observa-se que a vinculação afetiva entre pai e filho ainda está em desenvolvimento, especialmente considerando a distância física e emocional devido ao regime de visitas e ao contexto laboral. (…)” Tal conclusão não abala a convicção anteriormente firmada, antes, a nosso ver, a corrobora, pois, a manter-se um regime de convívio próximo daquele que foi estabelecido em termos provisórios, mais tardiamente se chegará à almejada consolidação da relação entre pai e filho. Posto isto, o que pode obstar ao regime que foi fixado? Existem fatores de risco na execução deste regime que exigem que em prol do superior interesse desta criança, o mesmo não seja implementado, nomeadamente, por força das normas dos arts. 1096º-A do CC e do art. 40º, nº 9, do RJPTC? O superior interesse desta criança que urge ter em conta e acautelar, traduz-se no direito a usufruir duma vivência sólida, pacífica, segura, gratificante, em prol do seu regular desenvolvimento físico, social e psíquico. O fator de risco evidenciado pela matéria factual emergente da prova produzida em audiência é, essencialmente, o conflito permanente dos seus progenitores, enraizado nas queixas de cariz criminal recíprocas, em que alegam terem sido vítimas de violência doméstica no âmbito da relação conjugal que mantiveram, e, sobretudo, a sentença já proferida no âmbito de processo crime, ainda que não transitada em julgado (mas que, tornando-se definitiva, constituirá uma situação grave) e que condenou o requerido pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. a), 4 e 5, do CP na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, e na pena acessória de proibição de contactos com C…, com afastamento do local da residência e do local de trabalho desta pelo mesmo período, podendo apenas contatá-la por assuntos relacionados com o filho de ambos, devendo fazê-lo, sempre que possível, com o intermédio de terceiros. A pena acessória ressalva, desde logo, a possibilidade do requerido estabelecer contatos com a requerida no âmbito e por força do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho de ambos. Em suma, e na realidade, nem sequer podemos afirmar, a nosso ver, a existência do facto base da presunção, qual seja, a proibição total de contatos. O menor foi exposto a conflito familiar no período de convivência conjugal, inexistindo registo factual de exposições posteriores, bem como índices factuais que evidenciem a existência de rejeição do pai em consequência de episódios anteriormente vivenciados. Pelo contrário, e como resulta da matéria apurada, o menor beneficia da vivência que mantém com a mãe e com o pai. Tendo em consideração tudo o que se deixou anteriormente exposto, nada na relação existente entre pai e filho desaconselha o estabelecimento de uma residência alternada nos termos fixados em 1ª instância. São os progenitores, enquanto adultos, e no interesse do filho, que têm de assumir comportamentos responsáveis e dirimir o conflito instalado de modo a não comprometer o são desenvolvimento daquele. Não basta apelarem ao interesse superior da criança para fazerem vingar no processo as suas vontades individuais, exigindo-se-lhes a adoção de comportamentos proativos em prol da satisfação dos interesses do filho, o que passará, inevitavelmente, por lograrem ultrapassar os respetivos receios, angústias, frustrações, que têm tantas vezes na sua génese o fracasso da relação conjugal. Temos igualmente por certo, e em face dos elementos dos autos, que ainda que fosse outro o regime que viesse a ser estabelecido, sempre o dito conflito dos progenitores constituiria um fator perturbante e obstaculizador à sua implementação e efetivação, conclusão que alicerçamos nas queixas desencadeadas pela progenitora na sequência do regime decidido anteriormente a título provisório (factos 16 e 17) e que fixou a residência do menor junto da mãe. Por outro lado, a sedimentar-se a condenação do ora requerido, sempre terá o mesmo o direito a estabelecer contato com a requerida para resolver questões relacionadas com o filho e embora possa recorrer a terceiros para intermediação nesses contatos, nada obsta, como já se disse, que contate pessoalmente aquela para tal fim, pelo que tais contatos sempre viriam a verificar-se caso a residência da criança fosse fixada exclusivamente junto da mãe, e, porventura, e dado o maior afastamento que daí adviria, necessariamente, para pai e filho, tais contatos poderiam vir a ser intensificados e gerar, inclusivamente, uma maior perturbação e o adensar do conflito dos progenitores, sempre com repercussão negativa na esfera da criança. Por outro lado, e apoiados na experiência, não podemos deixar de frisar que a residência alternada quando aliada ao decurso do tempo e ao esforço e predisposição dos progenitores para acautelarem os interesses dos filhos, tende a constituir um fator de esmorecimento da relação de conflito e, inclusivamente, da sua superação. Feito este considerando, tendo presente tudo quanto se deixou exposto e no âmbito do quadro fatual apurado concernente às condições de vida dos progenitores e à vinculação que existe entre a criança com um e outro, entendemos que, ainda que se considerasse que ocorria o facto base da assinalada presunção, sempre a mesma estaria ilidida. Decide-se, por conseguinte, em manter a decisão recorrida, que para além de satisfazer os interesse da criança, constitui-se como garante da igualdade dos progenitores no exercício da parentalidade. Em sentido idêntico ao aqui perfilhado, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/01/2022, proferido no processo Nº 20994/15.0T8SNT-E.L1-7, acessível em www.dgsi.pt. Decisão Pelo exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida, Custas a cargo da apelante (art. 527º, nº 1, do CPC). Lisboa, 23 de outubro de 2025 Cristina Lourenço Carla Figueiredo Teresa Sandiães _______________________________________________________ [1] In,“Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [2] António Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 199-200. [3] Convenção assinada em Nova Iorque em 26/01/1990, publicada no DR nº 211/1990, Série I, 1º Suplemento, de 12/ 09/1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12/09, que entrou em vigor em Portugal no 30º dia após a data do seu depósito (cf. DR nº 248, I Série, de 24/10/1990). [4] Rui Epifânio e António Farinha, “Organização Tutelar de Menores (Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro) Contributo Para Uma Visão Interdisciplinar Do Direito de Menores E De Família). [5] “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de divórcio”, pág. 36-37. [6] “Regime do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado”, Quid Juris Sociedade Editora, 2017, pág. 129  |