Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO | ||
Descritores: | MENSAGENS DE CORREIO ELECTRÓNICO APREENDIDO NOS AUTOS BUSCAS E APREENSÃO COMPETÊNCIA PROCESSO CONTRAORDENACIONAL INFRACÇÃO/RESTRIÇÃO DA CONCORRÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/20/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | SENTENÇA ALTERADA | ||
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Sumário: | I. A apreensão de mensagens de correio electrónico efectuada em buscas levadas a cabo pela Autoridade da Concorrência no âmbito de processo contraordenacional encontra suporte no Regime Jurídico da Concorrência (artigos 18º/1 c) e 20º da Lei 19/2012, de 8 de Maio) e não na Lei do Cibercrime (Lei 109/2009, de 15 de Setembro), não se enquadrando o correio electrónico lido/aberto na noção de correspondência/meio de comunicação, tratando-se de um mero documento e como tal apartado da tutela constitucional do sigilo da correspondência. II. É da competência do Ministério Público (e não do juiz de instrução criminal) a autorização das buscas e apreensões em processo contraordenacional da concorrência, excepto nos casos das buscas e apreensões previstas nos artigos 19º e 20º/6 ambos do Regime Jurídico da Concorrência. III. Ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova (art.º 410º/2 c) do CPP), quando do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum resulta falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável. IV. O art.º 9º do Regime Jurídico da Concorrência, tal como o art. 101º/1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, descreve um conjunto de comportamentos, traduzidos em acordos e práticas concertadas de empresas, que têm por objecto ou como efeito impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência. V. A distinção entre os conceitos de infracção/restrição da concorrência por objecto e por efeito reside, no essencial, na própria natureza e objectivo da conduta; no primeiro caso, provando-se o objectivo anticoncorrencial, não há que verificar os seus efeitos na concorrência; já no segundo caso, não é necessário provar o objectivo anticoncorrencial, impondo-se a demonstração do grau de novicidade para a concorrência. VI. A interpretação e aplicação uniformes do Direito da União Europeia no conjunto dos Estados Membros, assim como o princípio do primado daquele Direito sobre o Direito Nacional impõem ao juiz nacional que, ao abrigo do art.º 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, suscite ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) as questões prejudiciais julgadas pertinentes para a resolução do litígio concreto, desde que exista dúvida interpretativa razoável quanto àquela solução à luz do Direito Europeu e não exista jurisprudência consolidada do TJUE (“teoria do acto claro”). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., (abreviadamente, MEO ou recorrente) impugnou judicialmente a decisão da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA, que condenou a visada pela prática de uma contraordenação às regras da concorrência prevista no artigo 9º/1 a) e c) da Lei nº 19/2012 (Novo Regime Jurídico da Concorrência, doravante RJC ou LdC) e no art.º 101º/1 a) e c) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e punível nos termos do art.º 68º/1 a) e b) da Lei nº 19/2012, no pagamento de coima no valor de €84.000.000 (oitenta e quatro milhões de euros) e na sanção acessória de publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da Decisão, de um extracto da mesma, a delimitar pela AdC, na II Série do Diário da República e em jornal nacional de expansão nacional, nos termos do disposto no artigo 71.º do RJC.. * Foi proferida sentença pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), julgando improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, mantendo a decisão da Autoridade da Concorrência, nos seguintes termos [transcrição]: a) Julgar todas as questões prévias e incidentais, nulidades e inconstitucionalidades suscitadas pela Recorrente e que foram concretamente apreciadas por este tribunal improcedentes (exceptuando-se, por isso, todas as questões que se devem considerar de apreciação prejudicada); b) Declarar que a Recorrente MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., ao realizar e implementar um acordo entre empresas com a NOWO – Communications, S.A., visando a fixação de preços e a repartição do mercado, no mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada (standalone) no território nacional e no mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixas) nas áreas geográficas em que a NOWO dispõe de uma rede de comunicações fixas (distritos de Aveiro, Castelo Branco, Évora, Leiria e Setúbal), com o objecto de restringir, de forma sensível, a concorrência, praticou uma infracção ao disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJC e nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE; c) Manter e condenar a Recorrente MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. na coima aplicada de €84.000.000 (oitenta e quatro milhões de euros), nos termos do disposto no artigo 69.º do RJC; d) Manter e condenar a Recorrente MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. na sanção acessória, de proceder à publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da Decisão, de um extracto da mesma, a delimitar pela AdC, nos termos e conforme cópia que lhes será comunicada, na II Série do Diário da República e em jornal nacional de expansão nacional, nos termos do disposto no artigo 71.º do RJC. * Inconformada com tal decisão, veio a visada MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. interpôr o presente recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: Objeto do recurso 1. O presente recurso é imposto da Sentença proferida pelo TCRS, em 04.07.2022, nos termos da qual foi mantida a condenação da MEO na coima aplicada pela Autoridade da Concorrência (“AdC”), no montante de €84.000.000,000 (oitenta e quatro milhões de euros), bem como na sanção acessória de publicação de um extrato da Sentença Recorrida na II Série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 dias úteis a contar do respetivo trânsito em julgado. 2. A MEO mantém interesse nos recursos por si interpostos no âmbito do presente processo de contraordenação que ainda não tenham sido definitivamente decididos, em particular (i) os autos de recurso n.º 145/21 pendentes no Tribunal Constitucional e (ii) o recurso no processo n.º 29000/18.2T8LSB, pendente no Tribunal da Relação de Lisboa. Enquadramento Jurídico do caso 3. Nos termos e para os efeitos da CEDH, e seguindo a jurisprudência do TEDH, em particular o caso Engel, o presente processo constitui uma causa penal à qual devem aplicar-se os princípios do direito penal. 4. Sendo igualmente um processo em que se aplica o direito da concorrência da União, aplica-se também a disciplina que resulta da CDFUE, em particular os artigos 47.º a 50.º relativos ao direito a um tribunal imparcial, à presunção de inocência, aos direitos de defesa, aos princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas 5. A perspetiva adotada pelo TCRS no tratamento do presente processo pela sua natureza contraordenacional, privilegiando critérios e soluções de simplicidade e celeridade em detrimento dos direitos e garantias do arguido, desconsidera, incorretamente, a aplicação da CEDH e da CDFUE e os princípios e garantias do direito penal ao presente caso. Nulidade da prova 6. O exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico (independentemente de terem sido abertas ou lidas) é inadmissível no âmbito de processos de contraordenação ao abrigo da LdC (em particular, ao abrigo do disposto no seu artigo 18.º, n.º 1, alínea c)), devendo, em consequência, considerar-se que a prova correspondente às mensagens de correio eletrónico apreendidas em que assenta a Decisão Final e, bem assim, a Sentença Recorrida é nula e não poderia, por isso, servir de fundamento à decisão de facto da Sentença Recorrida. 7. Com o devido respeito, o entendimento e os argumentos utilizados pelo Tribunal a quo na Sentença Recorrida para fundamentar o indeferimento desta questão prévia, devidamente suscitada pela MEO no seu recurso de impugnação, estão errados e contrariam frontalmente o entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a questão, da qual se destaca a expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.06.2022, proferido no processo n.º 10626/18.0T9LSB-B.L1, e a plasmada no Acórdão 687/2021 do Tribunal Constitucional, conforme melhor evidenciado nas motivações supra. 8. Além disso, e conforme igualmente demonstrado nas motivações do presente recurso, o entendimento seguido na Sentença Recorrida quanto a esta matéria assenta igualmente numa errada leitura da Diretiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.12.2019 (Diretiva ECN+) e contraria quer o elemento histórico de interpretação da LdC, quer o processo de transposição daquela Diretiva, no âmbito do qual a questão em apreço foi explícita e amplamente discutida (tendo sido inclusivamente objeto de comentários da AdC) e objeto de parecer pela CAC, tendo o Governo, nesse contexto e em face do aí discutido, optado por eliminar, por completo, todas as referências a correio eletrónico, ao seu estado de leitura e ao suporte ou local em que as mensagens pudessem estar armazenadas por forma a conciliar o respetivo texto com o texto da CRP. 9. Os artigos 18.º n.º 1 alínea c) e 20.º n.º 1 da LdC foram incorretamente interpretados e aplicados pelo TCRS, porquanto: (i) atendendo ao ordenamento jurídico na sua globalidade, estes preceitos têm de ser considerados travados pelos limites impostos pelos artigos 42.º do RGCO e 34.º n.º 4 da CRP; (ii) a omissão de referências ao correio eletrónico na letra daqueles preceito foi intencional, conforme resulta do elemento histórico de interpretação, decorrente da análise do processo legislativo da Lei n.º 19/2012, em particular da compaginação do texto da proposta inicial, com o parecer do Conselho Superior de Magistratura e da proposta da AdC, para que a menção a correio eletrónico fosse expressa, o que não foi incluído, precisamente porque foi entendido pelo legislador que a respetiva apreensão não é admissível; (iii) ao invés do sustentado pelo Tribunal a quo, o processo de transposição da Diretiva ECN+ não confere “abrigo ao sentido vasto da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJC” propugnado na Sentença Recorrida, dado que a Diretiva distingue entre o que pode ser objeto de inspeções e o que pode ser trazido como meios de prova, sendo que não se prevê expressamente no texto da Diretiva a imposição de previsão da possibilidade de apreensão de correio eletrónico ou da utilização de correio eletrónico apreendido; (iv) o recurso aos conceitos definidos na Lei 41/2004 e respetiva extrapolação para o caso dos autos é ilegítimo atento o âmbito de aplicação subjetivo e objetivo do diploma em causa, eminentemente direcionado às empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público e à regulação dos serviços por elas prestados e, por isso, incapaz de fornecer qualquer tipo de coordenada quanto ao âmbito efetivo de proteção do artigo 34.º da Constituição; e (v) a distinção operada entre mensagens de correio eletrónico abertas e lidas e não abertas e não lidas, e a qualificação das mensagens abertas e lidas como simples documentos é totalmente artificial, desajustada e ultrapassada, conforme já foi inclusivamente afirmado e demonstrado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 687/2021 e resulta do processo legislativo atinente à transposição da Diretiva ECN+. 10. O âmbito da proteção constitucional do sigilo da correspondência eletrónica decorrente do artigo 34.º n.º 1 da CRP (i) abrange o seu conteúdo; (ii) a ingerência proibida não distingue se a comunicação em causa foi ou não aberta ou lida pelo seu destinatário; e (iii) proíbe qualquer ingerência fora do processo penal. 11. Assim, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, e conforme já foi explicitamente esclarecido pelo Tribunal Constitucional, para efeitos da proibição constitucional decorrente do artigo 34.º, n.º 4 da CRP, tanto consubstancia ingerência a divulgação ou circulação do conteúdo da correspondência, como a mera tomada de conhecimento do conteúdo da mesma ou de outras informações que digam respeito à comunicação em causa, sendo considerada ingerência toda a agressão ao direito fundamental da inviolabilidade do sigilo da correspondência, consubstanciada na intervenção ou acesso ao objeto protegido pela inviolabilidade do sigilo. 12. Com efeito, por força do disposto na CRP e do transposto para o RGCO, as provas obtidas nos autos em violação da proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 42.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, da LdC, bem como dos artigos 18.ºn.ºs 1 e 2, 32.º, n.º 8 e n.º 10, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, circunstância que não se verificou de forma alguma no caso concreto. 13. E mesmo que assim não se entendesse – no que não se concede –, sempre teria de se considerar que tais provas, obtidas violando a proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, da LdC e 41.º, n.º 1, do RGCO, e dos artigos 32.º, n.º 8 e n.º 10, e 18.º n.ºs 1 e 2 e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, o que, não tendo sido pedido, também nunca foi prestado pela Arguida. 14. Contrariamente ao que sugere a Sentença, a proteção constitucional consagrada no artigo 34.º da CRP tem também aplicação às pessoas coletivas, sendo pacífico que o facto de a correspondência ser de âmbito profissional não lhe retira a proteção contra a ingerência das autoridades públicas, sem consentimento. 15. Por outro lado, a correta interpretação da remissão operada pelo artigo 41.º n.º 1 do RGCO para os preceitos reguladores do processo criminal (e não para o Código de Processo Penal como incorretamente considera o Tribunal a quo) redunda no reconhecimento de que ainda que não exista uma remissão da LdC para a Lei do Cibercrime, tal não prejudica a possibilidade de aplicação da Lei do Cibercrime em processo contraordenacional da concorrência, naquilo que não contrariar a LdC e o RGCO, nomeadamente quanto ao tema da apreensão de documentos eletrónicos (artigo 16.º da Lei do Cibercrime). A mais recente jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa vai, aliás, no sentido de considerar que a apreensão de correio eletrónico no quadro de um processo jus-concorrencial deve ser regida pelo artigo 17.º da Lei do Cibercrime. 16. Acresce que, mesmo que se pudesse admitir que, em processo contraordenacional do direito da concorrência seria possível a apreensão de e-mails – o que não se aceita e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio –, sempre teria de se considerar, em conformidade com o já afirmado pelo Tribunal Constitucional, que é o Juiz o detentor da competência para autorizar a apreensão de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, não bastando para o efeito a mera autorização do Ministério Público. 17. A norma decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, quando interpretada no sentido de possibilitar o exame, a recolha e/ou a apreensão de mensagens de correio eletrónico “abertas” ou “lidas” por tais mensagens consubstanciarem meros documentos é materialmente inconstitucional por violação dos direitos à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), bem como do princípio da proporcionalidade tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP – o que, desde já, se invoca para os devidos efeitos legais. 18. A violação da reserva constitucional absoluta prevista no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, por via interpretativa do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, por contender ilicitamente com os direitos fundamentais da MEO à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), que, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1 da CRP, “são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”, inquina a prova assim obtida pela AdC nos autos, a qual sai ferida de nulidade insanável por via da aplicação direta dos comandos constitucionais resultantes dos artigos 34.º n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 8 e 18.º n.º 2 da CRP. 19. Em qualquer caso, concluindo-se que o desenho legislativo da investigação em processo contraordenacional é compatível e materialmente equivalente à fase de inquérito em processo penal, e seguindo a interpretação do artigo 32.º n.º 4 da CRP que tem sido acolhida – de forma unânime – pelo Tribunal Constitucional, terá de concluir-se que a medida de exame, recolha e apreensão de correio eletrónico – porque consubstancia uma ingerência grave no sigilo da correspondência do visado pela mesma – carece de despacho judicial prévio, sob pena de ser considerada intolerável num Estado de Direito democrático. 20. Consequentemente, a interpretação da norma contida nos artigos 18.º n.º 1 alínea c), n.º 2, 20.º n.º 1 e 21.º da LdC, no sentido de admitir o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico em processo de contraordenação da concorrência, sem despacho judicial prévio, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de juiz para a ponderação da afetação de direitos fundamentais em direito sancionatório, em particular, do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência, contidos nos artigos 2.º, 32.º n.º 4 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP. 21. Nestes termos, e com base nos fundamentos que se vêm expondo, considerando que a prova examinada e apreendida pela AdC nas diligências de busca que levou a cabo, sem sustento em qualquer despacho de autorização (ou sequer de validação) judicial, e que se consubstancie em mensagens de correio eletrónico, a qual veio a ser utilizada e a servir de alicerce probatório da Decisão Final e, bem assim, da Sentença Recorrida é, também por este motivo, nula, por inadmissibilidade legal para o efeito, bem como por violação dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 2.º, 32.º n.º 4, 18.º n.ºs 1 e 2 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP, o que se requer que seja declarado, com as devidas consequências legais, nomeadamente de nulidade da Sentença, por assentar em prova nula, nos termos do disposto no artigo 122.º n.º 1 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. 22. Esta nulidade não pode ser sanada e determinará a anulação de todo o processado que teve na sua base a prova nula, por aplicação da teoria fruits of a poisonous tree, acolhida no nosso ordenamento jurídico no artigo 122.º n.º 1 do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, devendo, consequentemente, daqui retirar-se a nulidade de todo o processado desde as buscas realizadas na sede da MEO, o que se requer. Violação do direito a um processo justo e equitativo 23. O Tribunal a quo não respeitou o direito a um processo justo e equitativo nas suas vertentes de direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, de direito de defesa e direito ao contraditório, de direito à fundamentação das decisões e de direito à prova, tal como impõem os artigos 20.º n.º 4 e 5 da CRP e 6.º da CEDH, violação que se deixa expressamente invocada. 24. Com efeito: (i) o Tribunal a quo menosprezou o direito das contraordenações em abstrato e em concreto, desaplicando (ou aplicando incorretamente o artigo 6.º da CEDH) desconsiderando a coima abstratamente aplicável e concretamente aplicada. E, devido a esse entendimento, entendeu fazer aplicar de forma parcelar as regras do processo penal, estritamente na parte em que restringem direitos ou garantias (entendendo que a decisão administrativa, porque se convola em acusação com o recurso, não tinha de conter uma apreciação crítica da prova, porque tal é o exigido à acusação em processo penal, mas defendendo simultaneamente que em sede de recurso dessa decisão não se irá aquilatar da procedência da acusação, mas do recurso. (ii) o Tribunal fez depender a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso da prestação de uma caução no valor total de 143 milhões de Euros, valor muito superior ao da coima aplicada (84 milhões de euros), tendo exigido à MEO que prestasse quer uma hipoteca de um imóvel no valor de 84 milhões de euros, quer uma fiança com renúncia ao benefício da excussão prévia da sua sociedade mãe, no valor remanescente entre os 84 milhões de euros e o valor da avaliação do imóvel (25 milhões de euros), no valor total de 59 milhões de euros. Tal posição do Tribunal acarretou um prejuízo superior à MEO, desde logo pelo pagamento do imposto devido por prestação daquela garantia (assim ascendendo a 504 mil euros, em vez dos 150 mil euros, caso o Tribunal fixado a hipoteca pelo valor da avaliação do imóvel). (iii) o Tribunal permitiu a realização do julgamento e a utilização durante o mesmo de prova, cuja invalidade está pendente de avaliação, por corresponder a correio eletrónico, mesmo após a Recorrente ter chamado a atenção para esse facto. (iv) o Tribunal inverteu o ónus da prova em desfavor da Arguida, na medida em que retira da não inquirição de testemunha necessária a corroborar e, eventualmente, atribuir credibilidade à prova da acusação, consequências negativas para a MEO, fazendo impender sobre esta o ónus de (des)fazer o alegado na acusação, desconsiderando, interpretando e desaplicando incorretamente o artigo 72.º n.º 2 do RGCO e o princípio da presunção de inocência em favor da MEO (artigo 32.º n.º 2 da CRP); (v) o Tribunal desconsiderou as restrições de acesso ao processo para apresentação da PNI, tendo aceitado que a AdC possa desentranhar e truncar documentos dos autos, sem os dar a conhecer à Arguida para preparação da sua PNI, em violação do seu direito de defesa; (vi) o Tribunal adotou uma posição complacente e inconsequente perante as diversas nulidades e irregularidades cometidas pela Autoridade ao longo do processo, assumindo, contra legem, uma posição em desfavor da Arguida e em benefício da acusação, considerando as invalidades irrelevantes ou sanadas; (vii) o contraste entre o tratamento benevolente da Autoridade e as considerações tecidas quanto à MEO, numa apreciação com dois pesos e duas medidas, em particular das declarações das suas testemunhas e do seu legal representante, que acarreta uma desigualdade de tratamento que é transversal a toda a Sentença, com necessário impacto no resultado condenatório final; (viii) o Tribunal decidiu não levar ao elenco de factos provados e não provados os factos alegados pela defesa com fundamento na sua irrelevância, assim entorpecendo o conhecimento por V. Exas. da existência de uma versão alternativa e plausível que explica os factos objetivos narrados e que foi apresentada pela defesa; (ix) o Tribunal assume que selecionou apenas a prova que interessou para sustentar a sua posição final de condenação e, de facto, (i) não elenca a prova produzida; (ii) não reproduz os documentos em que se baseia apenas salientando as partes do mesmo que servem a tese da Acusação, e omitindo as partes do documento que favorecem a tese da defesa, assim descontextualizando os factos provados (veja-se o FP 101); (iii) afirma que tem em conta somente a prova que “considerou isenta” sem a listar e sem explicar de forma objetiva porque é que a restante não o é. (x) o Tribunal interpretou e valorou de forma absolutamente parcial a prova testemunha arrolada pela MEO, tendo feito tábua rasa dos seus depoimentos e das declarações do legal representante da MEO em tudo o que era favorável à defesa, apenas valorando quando não o fossem, enquanto que a prova da AdC mereceu total credibilidade, assim como declarações “escritas” de pessoas que não foram sequer testemunhas. 25. Tendo presente o exposto, em várias fases deste processo, mas de forma reiterada, ainda que com diferentes reflexos, foi negado à MEO um processo justo e equitativo, na medida em que o Tribunal incorreu em diversos erros e violações de direitos e princípios que são as bases de um due process. 26. Com efeito: a. o erro do Tribunal na decisão das questões referentes às nulidades e vícios do processo, desculpando e considerando sanadas as faltas da Autoridade e desmerecendo o seu efeito no exercício do direito de defesa, cujo âmbito reconduz ao da mera possibilidade de exercício de um contraditório, qualquer que ela seja, afetou o direito ao recurso (artigo 32.º n.º 1 da CRP), o direito de defesa (artigo 32.º n.º 10 da CRP), o direito ao contraditório (artigo 32.º n.º 5 e 10 da CRP), o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP) e princípio de igualdade de armas (artigo 20.º n.º 4); b. o erro do Tribunal na fixação da caução determinou um sacrifício significativo à MEO para obter a suspensão dos efeitos do recurso, em violação do seu princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP) e de um juízo imparcial (artigo 20.º n.º 4 da CRP); c. o erro do Tribunal na não suspensão do processo até à decisão a tomar pelo Tribunal Constitucional determinou que numa sentença e numa audiência, por natureza públicas, o sigilo da correspondência deixasse de ser considerado e que o direito ao recurso da MEO (artigo 32.º n.º 1 da CRP) – enquanto meio de proteção dessa sua prerrogativa – deixasse de ter qualquer efeito útil; d. o erro do Tribunal na valoração da prova determinou a prolação de Sentença em violação do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP); e. o erro do Tribunal quanto à validação da não disponibilização de elementos de prova à MEO no âmbito do acesso ao processo e à consideração de que a MEO deve procurar conhecê-la noutras sedes viola o direito de defesa da MEO (artigo 32.º n.º 10 da CRP) e o princípio da igualdade de armas (artigo 20.º n.º 4 da CRP) f. o tratamento não igualitário conferido pelo Tribunal à AdC, por um lado, e à MEO, por outro, na Sentença, indicia a falta de parcialidade do julgamento e viola o direito a um processo equitativo (artigo 20.º n.º 4 da CRP); g. a desconsideração pelo Tribunal dos factos alegados pela MEO com fundamento na circunstância de serem contrários à tese da AdC viola o direito ao recurso, o direito ao contraditório e o direito de defesa (artigos 32.º n.ºs 1, 5 e 20 da CRP); e h. a falta de fundamentação da Sentença quanto à prova desconsiderada favorável à MEO viola o direito ao recurso, o direito ao contraditório e o direito de defesa (artigos 32.º n.ºs 1, 5 e 20 da CRP). 27. Requer-se a V. Exa., analisando o presente recurso, tendo presente o que se disse e as consequências daqueles erros e decisões do Tribunal a quo, determinem, nos termos do disposto no artigo 50.º, do artigo 41.º n.º1 do RGCO e do artigo 119.º alínea c) do CPP, por força da violação do direito fundamental a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º da CRP e 6.º da CEDH, a nulidade da Sentença e do processado anterior, desde o momento em que os direitos da MEO foram postergados (o que sucedeu desde a busca e apreensão que teve início em 2018), nulidade essa que, atenta a essencialidade dos direitos em causa enquanto direitos e garantias fundamentais do arguido em processo contraordenacional, é insanável, devendo o processo ser remetido ao Tribunal a quo para decidir corretamente os vícios de nulidade que lhe foram apresentados, fazendo o processo retornar ao seu início, para que seja concedido à MEO um due process. Violação do direito de defesa – restrições no acesso ao processo 28. O Tribunal a quo andou mal ao indeferir a nulidade da Decisão Final por violação do direito de defesa da MEO em virtude das restrições de acesso ao processo, por errada interpretação e aplicação do artigo 17.º da LdC, compaginado com o artigo 25.º da LdC e os artigos 32.º n.º 10 da CRP, 6.º da CEDH e 48.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 29. O Tribunal reconhece que: (i) a AdC expurgou do processo elementos, cuja consulta não disponibilizou à MEO, indicando como fundamento no índice do processo “elementos respeitantes ao PRC/2019/1”, sendo que a MEO nunca logrou aceder aos mesmo no âmbito dos presentes autos; (ii) a AdC concedeu a consulta à MEO de elementos contendo excertos truncados (documentos a fls. 2019, 2020 a 2023, 3134 a 3150, 3358 e 3446 a 3459), dos quais apenas concedeu acesso a parte dos mesmos (fls. 2020 a 2023), invocando, smo, que os restantes “são elementos relativos a outros processos”. 30. Entendeu o Tribunal que, por força do poder de direção do processo previsto no artigo 17.º da LdC, a AdC pode desentranhar elementos do processo. 31. Porém: (i) tal não resulta da letra do disposto no artigo 17.º da LdC; (ii) é restritivo do direito de defesa (no feixe de direitos e garantias que assistem à Visada em processo contraordenacional da concorrência, mormente por via da aplicação do citado artigo 32.º, n.º 10, da CRP, não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de avaliar, na perspetiva da sua defesa e estratégia processual, se determinado documento é relevante como meio de prova dos factos que pretende alegar, ou se determinados documentos poderão corroborar (ou afetar) a sua estratégia processual e defesa), porque impede o conhecimento dos elementos destruídos pela AdC pela defesa, ficando esta sem saber se o que foi destruído pela AdC continha, ou não, elementos exculpatórios que pudessem favorecer a sua tese (cfr. artigo 32.º n.º 10 da CRP, do artigo 48.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União e do artigo 6.º da CEDH); (iii) é desproporcionalmente restritivo do direito de defesa, porque não é necessário determinar a exclusão desses elementos do processo antes de os dar a conhecer à defesa, sendo possível compaginar esses dois interesses mediante a concessão de oportunidade de à defesa para os analisar e pronunciar-se sobre a sua destruição em momento prévio (cfr. artigo 32.º n.º 10 e 18.º n.º 2 da CRP). 32. A circunstância de, após o prazo para apresentação de defesa no presente processo, a MEO ter tido acesso ao PRC 2019/1 (mais de 5 meses após o término do prazo para o exercício do direito de defesa neste processo) no qual, supostamente, constariam parte dos documentos não altera as conclusões no sentido da violação do direito de defesa. A definição da estratégia de defesa da MEO nestes autos teve de ser feita sem o acesso àqueles elementos documentais, que eram já do conhecimento da AdC. 33. Porém, o Tribunal concluiu que os documentos a fls. 2019, 2020 a 2023, 3134 a 3150, 3358 e 3446 a 3459 dos presentes autos também constariam do PRC/2019/1 quando, na verdade, não existe qualquer elemento do elenco de factos tomado pelo Tribunal para decidir esta questão que indique que esses documentos lá constam, mas antes que respeitam a “outros processos”. 34. Dito de outro modo, o Tribunal a quo não sabe (e a MEO também não, porque desconhece o seu conteúdo, dado que está truncado), se o acesso a esses elementos foi, posteriormente, disponibilizado à MEO no âmbito de qualquer outro processo. 35. Em face do exposto: (i) no que respeita ao primeiro grupo de elementos a que a MEO não teve acesso no âmbito destes autos, terá de considerar-se que as limitações do acesso da MEO ao processo acarretam uma nulidade por violação do direito de defesa, que, na perspetiva da MEO é insanável (nos termos do artigo 119.º alínea c) do CPP), mas que, ainda que assim não se entenda, nem mesmo em virtude do suposto acesso aos mesmos no contexto do PRC/2019/1 se sanou (nos termos do artigo 120.º n.º 2 alínea d) do CPP) porque a MEO não fez juntar aos autos esses elementos, pelo que deverá, consequentemente, anular-se todo o processado, fazendo tais elementos ingressar nestes autos e concedendo nova oportunidade para a MEO apresentar a sua defesa com conhecimento e consideração desses elementos, tudo nos termos dos artigos 48.º, n.º 1, 6.º da CEDH, por fim, das mais elementares e integrais garantias de audiência e defesa nos termos do artigo 32.º, n.º 10, da CRP, com assento nos artigos 22.º da LdC e 50.º do RGCO; (ii) no que respeita ao segundo grupo de elementos a que a MEO não teve acesso integral no âmbito destes autos, terá de considerar-se que as limitações do acesso da MEO ao processo acarretam uma nulidade por violação do direito de defesa, que, na perspetiva da MEO é insanável (nos termos do artigo 119.º alínea c) do CPP), mas que, ainda que assim não se entenda, fazendo tais elementos ingressar sem conteúdo truncado nestes autos e concedendo nova oportunidade para a MEO apresentar a sua defesa com conhecimento e consideração desses elementos, tudo nos termos dos artigos 48.º, n.º 1, 6.º da CEDH, por fim, das mais elementares e integrais garantias de audiência e defesa nos termos do artigo 32.º, n.º 10, da CRP, com assento nos artigos 22.º da LdC e 50.º do RGCO. 36. Andou, assim, mal o Tribunal a quo ao indeferir a nulidade da Decisão Final, por violação do direito de defesa da Visada, legalmente consagrado no artigo 25.º da LdC, constitucionalmente garantido no artigo 32.º, n.º 10, da CRP e previsto no artigo 6.º da CEDH, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119.º, alínea c), do CPP, ex vi dos artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 13.º da LdC – nulidade que expressamente se arguiu para os devidos efeitos legais, pelo que, requer-se a V. Exas. que, interpretando corretamente o conteúdo do direito de defesa da MEO e o disposto no artigo 17.º da LdC, determinar a nulidade da Decisão Final por ter sido proferida neste contexto e em violação do direito de defesa da MEO. 37. É materialmente inconstitucional a norma que se extrai do artigo 17.º da LdC se interpretada no sentido de permitir à AdC desentranhar do processo elementos a que teve acesso para produzir a NI sem dar a conhecer à defesa esses elementos e sem esta ter a oportunidade de os analisar e de sobre eles se pronunciar aquando da apresentação da sua PNI, por violação do direito de defesa (artigo 32.º n.º 10 da CRP), do direito a um processo equitativo e do princípio de igualdade de armas (artigo 20.º da CRP e 6.º da CEDH). 38. É materialmente inconstitucional a norma que se extrai do artigo 17.º da LdC se interpretada no sentido de que a AdC pode truncar documentos que constam dos autos, com fundamento em respeitarem a outro processo, sem dar oportunidade à defesa de analisar o conteúdo truncado e de se pronunciar sobre os mesmos aquando da apresentação da sua PNI, por violação do direito de defesa (artigo 32.º n.º 10 da CRP), do direito a um processo equitativo e do princípio de igualdade de armas (artigo 20.º da CRP e 6.º da CEDH). Nulidade insanável da decisão administrativa por ausência de uma lista de factos provados e não provados 39. O Tribunal incorreu em erro ao julgar improcedente a nulidade insanável da Decisão Final por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, e 58.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGCO, artigo 374.º n.º 2 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, e 13.º da LdC, por não conter um elenco de factos provados e não provados, que permitissem à MEO a compreensão da factualidade provada e com base na qual é condenada. 40. Com efeito: (i) a Decisão Final não continha um elenco de factos provados e não provados; (ii) a leitura da Decisão Final, em particular do Capítulo II da Decisão Final (exceção feita ao ponto 15 referente à descrição das Visadas e respetivas situações económicas e ao capítulo 17 sobre a posição das empresas no mercado), permite concluir que os factos são apresentados como uma dissertação de posições, análise de alegações, respostas à defesa e resultados da análise da prova, impossibilitando, assim, o efetivo direito de defesa pelas Visadas, por não se se compreender que pontos da Decisão correspondem à legalmente imposta descrição dos factos imputados, nem se percebendo se o objeto do Recurso de Impugnação se deveria centrar na mera impugnação dos factos ou do enquadramento jurídico efetuado pela Autoridade e/ou na valorização por esta realizada dos elementos de prova recolhidos; (iii) não é sequer possível à MEO extrair da Decisão Final quais os factos que a AdC considerava como provados e aqueles que entendia não terem ficado probatoriamente demonstrados; (iv) a Decisão Final não contém, portanto, uma narração espácio-temporalmente orientada dos factos, dos seus autores e do respetivo grau de participação dos mesmos nos factos, redundando a técnica narrativa empregue pela AdC na total confusão dos factos com realidades de natureza especulativa, opinativa e conclusiva. 41. Pelos mesmos motivos, no respetivo Recurso de Impugnação, a MEO invocou a nulidade da Decisão Final por inobservância dos requisitos estabelecidos nos artigos 58.º do RGCO e 283.º do CPP no que respeita à descrição dos factos em que assenta, redundando, também nesta hipótese, em nulidade, por violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, e 58.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGCO, artigo 374.º n.º 2 do CPP ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO, e 13.º da LdC. 42. O TCRS não poderia ter sanado o vício da nulidade da Decisão Final por ausência de um verdadeiro elenco de factos provados e não provado, através da construção de um tal elenco na Sentença, muito embora o Tribunal a quo tenha reconhecido que a secção dessa Decisão dedicada aos factos é uma amálgama de factos, meios de prova, apreciações críticas da prova, posições da Visada e posições da AdC. 43. Ao tê-lo feito, o Tribunal a quo incorreu num erro, dado que o reconhecimento da omissão da Decisão Final deveria ter determinado a sua nulidade e a consequente absolvição da MEO por inexistência de factos que lhe sejam imputáveis, que se requer que seja declarado e corrigido, devendo a ser sentença revogada e substituída por outra decisão que declare a nulidade da Decisão Final por violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, e 58.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGCO, ex vi 41.º, n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC e, consequentemente, determine a absolvição da MEO. Nulidade insanável da decisão administrativa por ausência de factos respeitantes ao elemento subjetivo e à culpa 44. O Tribunal errou ao julgar improcedente a nulidade da Decisão Final por não conter uma alegação suficiente de factos necessários ao preenchimento do elemento subjetivo, nos termos do disposto no artigo 58.º alíneas b) e c) do RGCO e 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC. 45. Com efeito, tal como a NI, a Decisão Final era omissa quanto aos factos que possam constituir o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, na medida em que dela apenas constam, assumidamente, conclusões e fórmulas tabelares. 46. Embora o Tribunal a quo, na Sentença Recorrida, afirme que a técnica decisória utilizada pela AdC ao longo da descrição factual da Decisão Final não corresponde à melhor nem à mais perfeita técnica decisória na vertente processual do sistema jurídico português, e admita que os “factos subjetivos” não constavam da parte da factualidade na Decisão Final (só da motivação de direito), além de constatar a evidente confusão da descrição factual da Decisão Final entre o que são factos, provas que sustentam factos e análise crítica da prova, com análise especificada dos argumentos aduzidos pelos visados, entende que tal não coarta os minimamente os direitos de defesa da MEO porque (i) a imputação subjetiva é feita de forma clara para qualquer cidadão que leia na íntegra essa decisão administrativa, não comprometendo a sua inteligibilidade no que respeita ao complexo de factos imputados (ii) a Decisão Final contém um capítulo destinado à matéria da culpa. 47. Porque uma realidade não pode ao mesmo tempo ser confusa e clara, a Sentença incorre no vício de contradição insanável para efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea b) do CPP, o que se deixa desde já arguido. 48. Não se encontra na Sentença qualquer explicação sobre a existência de indicação, na Decisão Final, dos factos nos quais a AdC pretendeu sustentar a imputação subjetiva do ilícito à MEO, o que evidencia que tais factos não só não eram compreensíveis para a MEO, em detrimento do seu direito de defesa, como também não o são para o Tribunal a quo, que, ao pactuar com a abordagem da AdC, se basta, assim, com meras conclusões, não tendo ultrapassado as insuficiências da Decisão Final nesta matéria. 49. A ponderação que se exige à Autoridade não é a de meramente fazer constar de todas as acusações e decisões finais frases tabelares e genéricas indistintamente aplicáveis aos visados, para imputação dos ilícitos a título de dolo, mas antes uma análise concreta dos factos e da prova, não apenas na perspetiva das obrigações genericamente decorrentes do Direito da Concorrência, mas também da admissibilidade e/ou justificação dos propósitos que determinada conduta procura atingir. 50. Não estamos aqui perante uma mera discordância da MEO quanto aos factos alegados a propósito da imputação subjetiva e culpa ou de que estes possam provar uma coisa ou outra quanto a essa matéria – o que sucede é que a AdC não explica, do acervo factual constante da Decisão Final, quais desses factos consubstanciariam o elemento subjetivo do tipo contraordenacional imputado à Arguida, de onde retirou as suas conclusões quanto a essa matéria. 51. A circunstância de um arguido alegar factos, pronunciar-se sobre determinada infração, não pode colocá-lo numa situação pior do que a que se encontraria caso não exercesse o seu direito de defesa, pois, isso sim, não só implicaria uma violação do seu direito de defesa, como seria aliás frontalmente contrário ao princípio da igualdade, mormente perante outras visadas que eventualmente o não fizessem. 52. Nessa perspetiva, a circunstância de o Tribunal considerar que a MEO negou a existência do dolo não significa que a MEO tenha tido oportunidade de se defender quanto à imputação subjetiva. Negar a existência do dolo não é igual a pronunciar-se e contraditar os factos (não alegados) do qual essa conclusão (jurídica) se extrai. 53. A omissão da Decisão Final no que respeita à indicação dos factos concretos que, no seu entender, justificam o preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração à MEO e a respetiva culpa, implica que não estejam satisfeitas as exigências decorrentes dos artigos 8.º n.º 1 do RGCO e 13.º do Código Penal, que consagram os princípios da responsabilidade subjetiva e da culpa e impõem a apreciação do comportamento da Arguida, ao nível volitivo, com base em factos concretos 54. Sendo a culpabilidade o elemento subjetivo do delito – o qual corresponde à relação que se estabelece entre o facto e a conduta do agente – é essencial apurar os factos que conduzem à verificação desse elemento subjetivo, sob pena de não se dar como verificada a censurabilidade exigida para que determinada atuação se assuma como censurável, tudo tendo em vista o exercício conveniente do direito de defesa que assiste ao arguido e que se encontra consagrado nos artigos 18.º, n.º 1 e 32.º, n.º 10, ambos da CRP. 55. Face ao exposto deverá a Sentença Recorrida ser revogada nesta parte, e substituída por outra que decida declarar a nulidade da Decisão Final por não conter uma alegação suficiente de factos necessários ao preenchimento do elemento subjetivo, nos termos do disposto no artigo 58.º alíneas b) e c) do RGCO e 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC. Nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos que constavam da decisão administrativa 56. A Sentença Recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO porquanto condena a MEO por factos diversos dos que constavam da decisão administrativa, fora das condições dos artigos 358.º e 359.º do CPP, in casu, do 358.º n.º 1 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. 57. Compulsada a Sentença Recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo nela procedeu a alterações dos factos descritos na Acusação, na Decisão Final e no Recurso de Impugnação. Na verdade, na Sentença Recorrida nem sequer se menciona a existência de qualquer alteração de factos, seja substancial seja não substancial, mas dela consta um elenco de factos provados e não provados que não constavam, desde logo, da Decisão Final. 58. A inexistência de uma narrativa dos factos adequados a integrar os elementos típicos do ilícito imputado à Arguida é um dado de facto, inclusivamente reconhecido pelo TCRS (Linhas 1324-1434 da Sentença), sendo que a consequência da constatação da ausência de um elenco de factos provados e não provados deveria ter sido a prolação pelo TCRS de uma decisão de absolvição da MEO ao invés do reescrever da Decisão Final para fazer constar da Sentença factos por forma a concretizar a imputação objetiva e subjetiva da infração em causa, sem sequer indicar em que medida e com base em que norma legal para o efeito. 59. Não podem ser (e não podiam ter sido) tomados em conta os factos que o Tribunal a quo entendeu resultarem provados e não provados após julgamento, mas que não vinham descritos na Decisão Final, pelo menos fora das condições dos artigos 358.º e 359.º do CPP, in casu, do 358.º n.º 1 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. 60. Nestes termos, e com base na jurisprudência citada nas motivações supra, deverá a Sentença Recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a absolvição da MEO, sob pena de violação do princípio da legalidade (cfr. artigo 3.º da CRP e 1.º do CPP), da estrutura acusatória do processo (cfr. artigo 32.º, n.º 5 da CRP) e da vinculação do Tribunal ao objeto do processo, com as consequências daí decorrentes ao nível dos seus poderes de cognição e dos limites da decisão a proferir, que saem assim ultrapassados (cfr. artigos 2.º e 202.º da CRP e artigos 303.º, 358.º e 359.º do CPP). 61. A norma contida nos artigos 358.º e 359.º do CPP, aplicada por via do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, quando interpretada no sentido de que não configura alteração de factos, pelo que não carece de comunicação prévia, nem do consentimento do arguido para prosseguimento do julgamento, a criação na Sentença de um elenco de factos provados e não provados que não constava da decisão final administrativa, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade (cfr. artigo 3.º da CRP e 1.º do CPP), da estrutura acusatória do processo (cfr. artigo 32.º, n.º 5 da CRP) , do direito de defesa do arguido em processo de contraordenação e do direito a um grau de recurso quanto à matéria de facto (cf. artigos 32.º n.ºs 1 e 10 da CRP) e, bem assim, redunda num atropelo ao direito fundamental da MEO a um processo justo e equitativo (cfr. artigo 20.º da CRP). 62. Ao proceder como procedeu, o Tribunal a quo fez uma nova decisão de facto, redefinindo o objeto do processo, em momento em que a MEO já não tem mais oportunidade de exercício do direito de defesa quanto a factos. 63. Com efeito, e conforme melhor evidenciado nas motivações supra, o Tribunal a quo deu como provados factos não descritos na Decisão Final fora dos casos em que está legalmente habilitado a fazê-lo, o que acarreta, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPP, aplicável por remissão do artigo 41.º do RGCO, a nulidade da Sentença Recorrida, que expressamente se argui. 64. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que, ao reescrever a DI, o TCRS conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que também constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 c) do CPP, a qual se deixa arguida. 65. Entendimento diverso, no sentido de que o Tribunal a quo não teria de comunicar à Arguida a inclusão de tais factos no elenco de factos provados decorre de uma interpretação inconstitucional da norma contida no artigo 358.º n.º 1 do CPP, por violação dos artigos 2.º, 20.º e 32.º n.º 10 da CRP, que garantem ao arguido em processo de contraordenação os direitos de defesa e a um processo equitativo, inconstitucionalidade que expressamente se invoca. Nulidade da sentença aditamento de factos integradores do tipo subjetivo 66. A Sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal a quo apercebendo-se (i) da omissão dos factos do elemento subjetivo, e (ii) da essencialidade dos factos para a imputação dos comportamentos à MEO, tentou corrigir aquele que é um erro de imputação gravíssimo da DI, mas uma tal correção é-lhe vedada. 67. De facto, compulsados os 683 artigos elencados no capítulo da Decisão Final sob o nome “Factos”, neles não se identifica um singelo “facto” a partir do qual se possa afirmar ou extrair o conhecimento e a vontade da MEO em praticar os pretensos comportamentos ilícitos por que vem condenada – situação que é, de resto, expressamente reconhecida pelo Tribunal a quo (cfr. Linhas 6087-6090 da Sentença Recorrida). 68. Sucede que o TCRS decidiu suprir a omissão identificada por via do acrescento do facto n.º 144, assim procurando preencher os elementos do tipo subjetivo de ilícito (cfr. Linhas 6086 e ss. da Sentença Recorrida), esclarecendo que a enunciação dos mencionados “factos” que incluiu sob o n.º 144 constaria da motivação de Direito da Decisão Final, argumentando que, por isso, podiam ser transpostos para a factualidade provada, neste momento processual. 69. Salvo o devido respeito, andou mal Tribunal a quo, não podendo os direitos da MEO ser prejudicados pelo simples facto de a autoridade administrativa não ter investigado como devia ou, apesar de o ter feito, não ter considerado no devido momento (acusação) os factos que apurou, não os narrando no segmento factual. Desde logo porque a omissão que está em causa não é a “mera” omissão do concreto facto que, abstratamente, permitiria o preenchimento do elemento do tipo subjetivo, mas antes a omissão de um elemento sem o qual não há imputação possível. 70. Verificada a omissão, na decisão final condenatória da autoridade administrativa, da narração dos factos que permitiriam concluir pela existência do referido substrato de culpabilidade (i) o Tribunal não pode “corrigir” essa omissão aditando factos sobre o elemento subjetivo e, (ii) em consequência, a Arguida MEO deve ser absolvida – é, aliás, o que resulta da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (Cf. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015). 71. A consequência da deteção – pelo próprio Tribunal! – da ausência de narração na factualidade da Decisão Final dos factos subsumíveis ao elemento subjetivo do tipo é a imediata absolvição da MEO (e não a correção daquela omissão com a introdução dos factos omitidos na factualidade provada da Sentença e, diga-se, sem qualquer contraditório). 72. Nestes termos, deverá a Sentença Recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a absolvição da MEO, por falta de preenchimento do elemento subjetivo e da culpa do tipo ilícito pelo qual vem a mesma condenada, sob pena de violação do princípio da legalidade (cfr. artigo 3.º da CRP e 1.º do CPP), da estrutura acusatória do processo (cfr. artigo 32.º, n.º 5 da CRP), do direito de defesa e do direito ao recurso (cfr. artigo 32.º n.º1 e 10 da CRP) e da vinculação do Tribunal ao objeto do processo. 73. É inconstitucional, por violação do princípio da legalidade (cfr. artigo 3.º da CRP e 1.º do CPP), da estrutura acusatória do processo (cfr. artigo 32.º, n.º 5 da CRP), do direito de defesa e do direito ao recurso (cfr. artigo 32.º n.º 1 e 10 da CRP) e da vinculação do Tribunal ao objeto do processo, a norma contida no artigo 358.º n.º 1 do CPP, aplicada ao processo de contraordenação por via do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, interpretada no sentido de que o Tribunal de primeira instância pode aditar factos provados necessários ao preenchimento do elemento subjetivo que não constavam da decisão condenatória da autoridade administrativa. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – quanto aos factos e quanto à sanção 74. A Decisão Final não continha um elenco de factos provados e não provados (omissão da qual se devem retirar as consequências já elencadas), tendo o Tribunal “corrigido” esse vício com a inclusão de um novo elenco de factos da Sentença (o que, acarreta a nulidade da Sentença, como vimos). 75. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a Sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal não deu como provados ou não provados os factos alegados pela MEO no seu recurso, e que constituíam uma versão e explicação alternativa para os factos que lhe são imputados. 76. Com efeito, do elenco de factos construído pelo Tribunal não constam nem como provados nem como não provados os factos relacionados com a dúvida do Grupo NOWO à MEO, nomeadamente os que constavam dos pontos 366, 128, 129, 173, 175, 203, 172, 209, 352 das conclusões do Recurso de Impugnação da MEO. 77. O Tribunal deliberadamente (L 2739-2761 da Sentença) excluiu do elenco de factos, a factualidade alegada pela MEO no seu recurso. Sucede, porém, que o Tribunal estava vinculado a pronunciar-se sobre a prova ou não prova dos mesmos, porquanto tais factos fazem parte da posição da defesa e poderá este Alto Tribunal, como se espera, fazer dos mesmos uma leitura diversa e utilizá-los para concluir, como se espera, pela inexistência de uma infração ao direito da concorrência. 78. Ao não ter proferido decisão quanto à prova ou não prova desses factos, o Tribunal a quo omitiu pronúncia que lhe era devida, assim coartando o direito ao recurso da MEO que, por não poder atacar a decisão de facto na qual não constam (como provados ou não provados), por decisão do Tribunal, os factos que subjazem à sua tese de Direito, vê o seu direito ao recurso (ainda mais) restringido. 79. Termos em que, deve a Sentença Recorrida ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por omissão de pronúncia, o que se requer que seja declarado. 80. Adicionalmente, a Sentença é ainda nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal não se pronunciou quanto à alegação da MEO de que a AdC, aquando da determinação da medida da coima, se afastou das suas LdO, às quais se tinha vinculado, assim violando os princípios da segurança jurídica, da boa fé e da confiança legítima, decorrentes do artigo 266.º n.º 2 da CRP. 81. No seu recurso de impugnação (vide, por todos, ponto 569 das conclusões de recurso) a MEO assinalou que, na Decisão Final, a metodologia de determinação das coimas estabelecida pelas LdO foi, em absoluto, esquecida, não constando da Decisão Final da AdC fundamentação que permita compreender a sanção aplicada. 82. A vinculação da AdC às suas LdO decorre dos princípios da segurança jurídica, da boa fé e da confiança legítima e é reconhecida pela jurisprudência nacional e do TJUE. 83. Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo decidiu simplesmente não estar vinculado nem aos cálculos nem às orientações da AdC (linhas 8651 da Sentença). Se é verdade que o Tribunal não está vinculado, a AdC está e o Tribunal está vinculado a decidir se a AdC se afastou ou não das suas LdO. 84. O Tribunal a quo tinha de pronunciar-se e estava vinculado a sindicar, porque esse era, também, o objeto do recurso, a conformidade da decisão quanto à coima aplicada com as LdO da AdC. 85. Apenas se entendesse que a AdC não se tinha afastado das suas LdO, poderia, depois, afastar-se e, de forma devidamente fundamentada, aplicar uma coima diferente. Mas não podia deixar de verificar se a AdC deu cumprimento aos princípios da segurança jurídica, da boa fé e da confiança legítima e seguiu as suas LdO na Decisão Final. 86. Ao não ter procedido a essa análise e não ter decidido da questão suscitada pela MEO quanto à insuficiente e incorreta fundamentação da Decisão Final em face das LdO da AdC, o Tribunal a quo incorreu numa omissão de pronúncia, que acarreta, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, que acarreta a sua nulidade. Nulidade da sentença por falta de fundamentação - enquadramento 87. A Sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do CPP, artigo 58.º n.º 1 alíneas b) e c) e artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por falta de fundamentação, na medida em que o Tribunal: a. Não apresentou motivação quanto a todos os factos provados e não provados; b. Relativamente à prova, não fez no texto da Sentença uma análise completa dos elementos carreados para os presentes autos, omitindo determinados elementos que impedem a MEO (e o próprio Tribunal da Relação) de conhecer o percurso do Tribunal quanto à valoração (ou ausência de valoração) de determinados elementos; c. Quanto à sanção não apresentou fundamentação minimamente suficiente. 88. As exigências de fundamentação da sentença quanto à matéria de facto, quanto exame crítico da prova, prendem-se com a possibilidade de sindicabilidade da decisão, de forma a que possa o seu destinatário exercer na plenitude o direito de recurso, donde resulta fundamental que aquela motivação seja clara, coerente e completa, sob pena de apenas se conferir uma aparência de recurso. 89. Mais ainda quando, por lei, encontra-se vedada a possibilidade de recurso quanto à matéria de facto e, no caso concreto, está em causa um facto típico (existência de acordo) sobre o qual, incontestavelmente, inexiste prova direta. 90. Mesmo em processo de contraordenação, em que por força do artigo 83.º da LdC, os poderes de cognição do Tribunal da recurso estão limitados a matéria de Direito e aos vícios do artigo 410.º do CPP, para que o tribunal superior possa sindicar, num julgamento sem prova gravada, (i) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, (ii) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e (iii) o erro notório na apreciação da prova, a exigência de fundamentação da Sentença é superior. Nulidade da sentença por falta de fundamentação - quanto aos factos 91. Quanto à fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo apresentou a sua motivação por grupos agregados de factos, indicando, em conjunto, as “mesmas” razões para dar como provados os factos n.ºs 1 a 95, os factos n.ºs 96 a 104, os factos n.ºs 105 a 143, o facto n.º 144, os factos n.ºs 145 a 152. 92. Note-se que, quanto factos mais relevantes e aqueles em que o Tribunal assenta o cometimento da infração, o Tribunal indica a motivação em conjunto para 40 factos (dos factos n.ºs 105 a 143) em 125 páginas da Sentença (p. 125 a 250). 93. A circunstância de o Tribunal ir colocando, entre parênteses, à frente das suas considerações, o facto provado retirado da prova aí analisada não é suficiente. 94. Basta atentar, a título de exemplo nos factos n.ºs 122 a 125, aqueles que, no fim, configuram os termos do suposto acordo. O Tribunal não refere, em concreto, os meios de prova de que se serviu para estes concretos factos. Nem explicita, assumindo que não há (como não podia haver) meios de prova diretos, de que factos provados (com meios de prova diretos) extraiu, por presunção, aqueles factos, e em que medida não existe qualquer outra explicação que não os factos base dados como provados para os factos n.ºs 122 a 125. 95. E quanto aos factos 126 a 128, o Tribunal nem sequer utiliza a técnica de os indicar entre parênteses à frente do meio de prova que considera que supostamente os demonstrou. 96. As dificuldades do trabalho do Tribunal decorrentes dos vícios da Decisão Final e da indistinção entre factos e motivação, constante dessa decisão, não podem justificar que, num caso em que se pretende confirmar a maior coima da histórica, à data em que foi aplicada, a MEO fique na dúvida sobre que meios de prova concretos suportaram a conclusão do Tribunal quanto à prova do teor de um determinado acordo, em particular quando esses factos respeitam a anuências e concordância da MEO em reuniões que esta nega e providenciou prova em sentido absolutamente inverso. 97. A técnica de fundamentação do Tribunal inviabiliza também o direito de recurso de toda a decisão, em particular dos vícios que, sendo cognoscíveis pelo tribunal superior, podem afetar a decisão da matéria de facto, que apenas podem ser apreciados se decorrerem do texto da sentença recorrida. A omissão de inclusão do processo lógico do Tribunal na sentença dificulta a sindicância desse processo e a invocação desses vícios. 98. Tendo o Tribunal a quo omitido uma completa e cabal fundamentação, de forma rigorosa, em termos que impediram a compreensão da motivação da decisão e impedem o exercício cabal do direito ao recurso, terá de considerar-se a Sentença nula, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 e 58.º n.º 1 alíneas b) e c) do RGCO, por remissão do artigo 13.º da LdC, o que se requer que seja declarado. Nulidade da sentença por falta de fundamentação – quanto à prova testemunhal, documental 99. Muito embora, na motivação da decisão de facto, o TCRS afirme que a formação da sua convicção se baseou na análise ponderada e crítica do conjunto de toda a prova, apreciada e valorada livremente nos termos do artigo 127.º do CPP, e com recurso a presunções judiciais, procurando concretizar os seus critérios de análise nas linhas 2797 a 2786 da Sentença, elencando as provas e meios de prova considerados pelo Tribunal, não densifica, em bom rigor, o que se propõe, incumprindo o dever de fundamentação quanto aos motivos de credibilidade dos elementos de prova obtidos e de indicação dos motivos para afastar provas de sentido contrário, conforme resulta do artigo 374.º, n.º 2 do CPP. 100. O Tribunal Recorrido não analisou criticamente determinados elementos de prova (relevantes), omitindo parcialmente a fundamentação da matéria de facto, em violação do dever de fundamentação contido no artigo 374.º, n.º 2 do CPP. 101. A análise crítica dos depoimentos é crítica num processo desta natureza, porquanto: (i) está em causa um processo de contraordenação em que foi aplicada uma coima de 84 milhões de euros, de forma absolutamente desviada da realidade empresarial; (ii) toda a prova produzida em audiência redunda na única prova existente, encontrando-se pela primeira vez a ser analisada pelo Tribunal e pela Recorrente; (iii) atenta a natureza do processo a prova não é gravada, apenas podendo o Tribunal da Relação conhecer o que foi dito pelas testemunhas através da descrição constante da sentença. 102. Com efeito, a propósito da prova testemunhal produzida em audiência, o Tribunal a quo: (i) embora identifique as pessoas que depuseram como testemunhas, através da indicação dos nomes e das funções, não verte no texto da Sentença Recorrida qualquer súmula sobre o que foi dito por cada uma das testemunhas nem quanto ao seu depoimento em geral nem quanto às partes que relevou na Sentença, mormente nas linhas 3056-3058, 3103-3109 e 3404-3407; (ii) não faz qualquer menção ao que as testemunhas afirmaram em concreto sobre a existência de um acordo, sendo que (i) é intuitivo que a experiência comum determina que tenham sido colocadas questões sobre essas matérias e (ii) todas as testemunhas inquiridas sobre a existência de um acordo restritivo, arroladas quer pela AdC quer pela MEO, negaram a sua existência, tendo sido dito por R… que não havia partilha de estratégia comercial da NOWO com a MEO; (iii) “desqualifica” completamente a versão dos factos trazida pela MEO, nomeadamente a questão da dívida da ONI/NOWO mas não descreve o que foi dito pelas testemunhas a esse respeito, não sendo crível que o TRL acredite que não foram colocadas às testemunhas questões sobre a situação económica da NOWO, sobre a dívida que tinha à MEO ou porque é que a dívida da ONI era relevante para a posição da NOWO e sobre a sustentabilidade da NOWO, quando foram arroladas testemunhas pela MEO precisamente com essa razão de ciência; (iv) não explica concretamente porque é que as testemunhas da MEO só são credíveis na parte em que alguma menção no seu depoimento possa ser vista como favorável à tese da acusação e as da NOWO são pouco credíveis quando desfavoráveis à tese da acusação. 103. Assim, ao ter omitido parcialmente a fundamentação da matéria de facto, por não ter analisado criticamente determinados elementos de prova (relevantes), violou o Tribunal Recorrido o disposto no artigo 374.º n.º 2 do CPP, requerendo-se desde já a V. Exas. se dignem declarar a nulidade da Sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, aplicável ex vi dos artigos 41.º n.º 1 do RGCO e 83.º da LdC. 104. No que respeita à prova documental, o TCRS referiu alguns documentos dos quais destacou cláusulas sem mencionar outras que contrariariam a tese da Acusação, em particular: (i) o Contrato MVNO de 24.01.2016, do qual destacou as cláusulas 3.2., 3.3., 8.3. e 19.5, embora o Contrato tenha 26 páginas e 28 cláusulas, que exigem uma análise na globalidade para retirada de alguma conclusão rigorosa; e (ii) o Settlement Agreement de 06.11.2018, que não reproduziu na Sentença, e cuja reprodução permitiria constatar que nele estão incluídas cláusulas (i) que correspondem às contrapartidas que a MEO obteve com o referido Acordo, e que permitiriam afastar a conclusão do TCRS de que a NOWO é que ganhou com o mesmo e não a MEO e de que a única racionalidade para a celebração do acordo seriam cláusulas ilícitas não escritas e (ii) que demonstram que, ao contrário do que afirma o TCRS, o Settlement Agreement foi acordado na sequência de um pedido de insolvência da Oni intentado pela MEO (primeira cláusula do acordo). 105. Além disso, o TCRS omitiu a referência a um conjunto de e-mails que permitiam confirmar uma leitura e conclusões contrárias às que foram extraídas pelo Tribunal e não reproduziu sequer os emails que invocou na sua totalidade, mas apenas os trechos que permitiam a condenação, tudo sem fundamentar devidamente as razões para desconsiderar as provas existentes no sentido contrário à condenação. 106. Nessa medida, o Tribunal incumpriu o dever de fundamentação contido no artigo 374.º n.º 2 do CPP, sendo a Sentença Recorrida nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, ambos os dispositivos aplicáveis ex vi dos artigos 41.º n.º 1 do RGCO e 83.º da LdC. Nulidade da sentença por falta de fundamentação – quanto à sanção 107. Já vimos supra que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o afastamento da AdC quanto às suas LdO (e consequente violação do princípio da boa-fé), fazendo tábua rasa da falta de verificação daqueles critérios e indicando que pretendia fazer a sua própria análise quanto à proporcionalidade da coima, o que acarreta a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia. 108. Caso assim não se entenda, a Sentença sempre seria nula por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 e 58.º n.º 1 alíneas b) e c) do RGCO, por remissão do artigo 13.º da LdC, porquanto o Tribunal não cumpriu um especial dever de fundamentação a que estava adstrito para que se compreendesse o montante da coima aplicada. 109. Se é verdade que o Tribunal a quo não estava vinculado ao raciocínio da AdC, nem aos critérios previstos nas LdO nem em seguir os cálculos ariméticos da AdC, é igualmente verdade que, chegando à conclusão – como estava vinculado a chegar – que a AdC se afastou da metodologia das suas LdO e que, consequentemente, a coima aplicada é muito superior à que encontra sustento nessas mesmas diretrizes, para aplicar outro valor, em particular, para aplicar 84.000.000 à MEO, o Tribunal tinha de explicar porquê o valor da coima teria de ser esse valor superior e não o que resulta das LdO. 110. O Tribunal limitou-se a referir que aquele montante seria adequado, não explicando minimamente a razoabilidade do montante de 84 milhões de euros de coima (e não qualquer outro). 111. A falta de fundamentação da Sentença, evidenciada no facto de o Tribunal, com o devido respeito, se limitar a enunciar os diversos critérios legais para a aplicação da medida da coima, sem, verdadeiramente, explicar em que medida e de que modo os mesmos contribuíram para a aplicação de uma coima naquele momento, acarreta a nulidade da Sentença, por violação do artigo 374.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, o que se requer que seja declarado. Erros notórios na apreciação da prova (emails de e para pessoas não ouvidas nos autos) 112. A Sentença incorre em erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 do CPP, porquanto, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios da prova, em particular dos emails enviados de e para intervenientes não ouvidos. 113. O Tribunal a quo conclui que: (i) “o facto dessas comunicações serem realizadas obviamente sem que se pense que podem ser levadas ao conhecimento de terceiros estranhos ao assunto. São, por isso, mensagens espontâneas e que devem ser valoradas devidamente”; (ii) “as palavras que lá estão ditas de forma tendencialmente uniforme e ao longo de vários meses não podem ser pura e simplesmente apagadas por depoimentos que as contrariam e se limitam a fazer interpretações daquelas palavras que não logram sequer ter o mínimo de respaldo coerente com as mesmas, sendo certo que a credibilidade de um depoimento não se mede pelo número de pessoas que repete o seu conteúdo” (linhas 3301-3311). 114. Estas considerações são claramente contra a experiência e o senso comuns dado que, como se sabe, os emails são comunicações escritas que não permitem, por si só, adivinhar (i) o contexto em que foram escritos, (ii) a forma como as coisas foram ditas (i.e., a emoção depositada nas palavras, o eventual recurso a figuras de estilo, como seja a ironia), havendo um vasto conjunto de elementos interpretativos que se veem excluídos na mera leitura e interpretação literal das palavras. 115. Os emails ganham valor quando são enquadrados pelos seus intervenientes que podem explicar o sentido das palavras que escreveram e aquilo que entenderam em relação aos emails que receberam. 116. Porém, e apesar de a MEO ter levado a julgamento os seus colaboradores e representante legal que participaram nas comunicações em causa e que as explicaram, a AdC e o MP não o fizeram em relação aos restantes intervenientes. 117. E o TCRS valorou como prova irrefutável os emails enviados, recebidos ou com conhecimento de e para intervenientes não ouvidos e entendeu não dar credibilidade aos depoimentos dos intervenientes ouvidos contra as declarações sobre o conteúdo desses mesmos emails prestadas em audiência pelas pessoas da MEO que nos mesmos intervieram. 118. O Tribunal refere a este propósito que: (i) “tudo o que foi escrito por P… apresenta um evidente grau de razoabilidade e de fidedignidade” (linhas 4910-4911 da Sentença Recorrida); (ii) “P…, que surge como participante em comunicações vertidas na prova documental analisada, era Diretor da consultora Mobile Conclusions, conforme resulta do documento de fls. 3483[1], assegurando serviços de consultadoria à APAX e à Fortino. Neste contexto, acompanhou de forma próxima o lançamento e desenvolvimento do negócio móvel da NOWO, incluindo grande parte das negociações com a MEO/Altice relacionadas com as condições associadas ao contrato MVNO.” (linhas 3676-3680). (iii) “[é] pouco verosímil que grandes empresas como as que estão em causa nos autos possam mandatar pessoas para tratar de assuntos sérios e importantes para a organização que não estejam em condições para expor de forma razoável e fidedigna o que presenciaram e falaram, não sendo expectável que o dito consultor inventasse informações, sem que nos autos haja qualquer justificação plausível para que o fizesse.”. 119. A Sentença valorou emails quase como se de documentos autênticos se tratassem porque a pessoa que neles escrevia mereceu a credibilidade do TCRS, sem que o TCRS a tivesse ouvido, visto, perguntado ou consultado o seu curriculum ou qualquer outro elemento de avaliação técnica das suas competências e sabendo que era um consultor contratado pelo acionista da contraparte da MEO (APAX/Fortino). 120. Para além dos emails de e para P…, o TCRS também considerou especialmente importantes emails de e para D… (acionista da NOWO à data dos factos), em particular para dar como provados os FP 120 a 121, quanto à existência de um entendimento entre acionistas da NOWO e MEO e ocorrência de uma reunião em 04.12.2017, que foram dados como provados com base em emails enviados de e para D… (assim como, novamente, P…, o qual nesses eventos nem esteve envolvido). 121. Para além de não ter sido ouvido, inexiste na Sentença qualquer rasto sobre a credibilidade de D…. 122. Não nos parece que a liberdade de apreciação do Tribunal Recorrido possa ir mais longe do que aquela que é conferida na apreciação da transcrição de uma escuta telefónica. À semelhança da escuta telefónica transcrita, a existência de um email (uma comunicação escrita) não pode ser considerada mais do que princípio de indicação ou de interação com outros factos. Os dados recolhidos no email, apenas por si mesmos, não podem constituir, nesta dimensão probatória, mais do que elementos da construção e intervenção das regras das presunções naturais como instrumentos metodológicos de aquisição da prova de um facto, mas não provam, diretamente, mais do que tal comunicação existiu, a certa hora e com um determinado conteúdo. 123. Tendo o Tribunal interpretado e apreciado tais emails como servindo de prova direta dos factos alegadamente relatados na comunicação, a Sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova que consiste na incorreta valoração pelo Tribunal a quo ter da prova correspondente ao correio eletrónico de e para P… e D…, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. 124. Consequentemente, e porque esse erro tem impacto na decisão da matéria de facto, deve a Sentença Recorrida ser, com este fundamento, revogada e o processo ser, nos termos do artigo 426.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, remetido para o Tribunal a quo para que proceda à sua correção e a à prolação de nova decisão. Erros notórios na apreciação da prova (as declarações de clemência) 125. O Tribunal a quo valorou ainda como meio de prova as declarações de clemência, referindo que “as declarações dos Requerentes, mormente da Nowo (essa empresa a única co-arguida nos autos), prestadas em sede destes autos não se limitam a incriminar a MEO, mas também consubstanciam uma autêntica declaração de culpa, confessando os factos que a incriminaram e pelos quais foi condenada (apesar da coima ter sido dispensada), servindo essa circunstância de princípio comprovativo da idoneidade intrínseca das declarações prestada e da validade material das mesmas.” (linhas 3242-3247 da Sentença). 126. Porém: a. os próprios representantes legais da NOWO não prestaram declarações no âmbito da clemência; b. a NOWO apresentou defesa escrita, na qual não confirmou todos os factos do Pedido de Clemência, em particular dos primeiros relatos feitos à AdC, sem explicar o motivo dessa incongruência; c. existem incongruências entre o Pedido de Clemência e as declarações complementares (desde a data do início da infração, passando pelos intervenientes envolvidos no acordo que, na primeira versão, incluía também a ONI e respetivos acionistas da ONI, da NOWO e da MEO e terminando no objeto do acordado, que na última versão incluiria também troca de informações sobre a estratégia de negócio e de construção de preços e/ou combinações de subidas e preços). 127. A versão da clemência – quer de facto, quer de Direito - não foi dada como provada. E a circunstância de a versão de Direito não ter sido acolhida pela AdC (nem pelo Tribunal) bem demonstra a controvérsia jurídica em que se envolvem os factos dados como provados, o que não pode deixar de ter consequências, desde logo na (não) prova da consciência da ilicitude da MEO, nos termos mais abaixo descritos a propósito do não preenchimento do tipo subjetivo de ilícito. 128. Em face do exposto, conclui-se que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, a Sentença contém erro notório na apreciação da prova que consiste na valoração e credibilização da prova junta com o Requerimento de Clemência, que sustentaria uma versão que, segundo o próprio texto da decisão recorrida, não foi corroborada nem dada como provada. 129. Consequentemente, e porque esse erro tem impacto na decisão da matéria de facto, deve a Sentença Recorrida ser, com este fundamento, revogada e o processo ser, nos termos do artigo 426.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, remetido para o Tribunal a quo para que proceda à sua correção e a à prolação de nova decisão. Erros notórios na apreciação da prova testemunhal 130. A MEO não pretende sindicar a ponderação da credibilidade das testemunhas assente no princípio da imediação. Porém, a premissa utilizada para aferir da credibilidade em si pode e deve poder ser questionada junto do TRL. 131. O Tribunal assenta a atribuição ou retirada de credibilidade das testemunhas exclusivamente na circunstância de serem próximas à MEO, o que lhes teria toldado a isenção. 132. O Tribunal de recurso pode sindicar essa atribuição de credibilidade quanto a opção não tem justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum. Não há fundamentos na Sentença que façam crer que o afastamento da prova se deu por razões de imediação, ficando antes patente que se deu por pré-conceitos do Tribunal quanto à predisposição das testemunhas para testemunhar parcialmente em virtude das suas ligações à Recorrente. 133. Adicionalmente, o Tribunal retira conclusões aberrantes do depoimento do legal representante da MEO e da sua conjugação com a restante prova. O Tribunal conclui, com base num email do seu administrador para a NOWO em que este declara não pretender imiscuir-se em temas de preços da NOWO e que foi confirmado pelo próprio em audiência, sendo prova direta desse facto, que a MEO tinha consciência da ilicitude por se ter imiscuído em matéria de preços da NOWO. 134. Em face do exposto, conclui-se que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, a Sentença contém erro notório na apreciação da prova que consiste na incorreta valoração pelo Tribunal a quo da prova testemunhal produzida pela MEO. 135. Consequentemente, e porque esse erro tem impacto na decisão da matéria de facto, deve a Sentença Recorrida ser, com este fundamento, revogada e o processo ser, nos termos do artigo 426.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, remetido para o Tribunal a quo para que proceda à sua correção e a à prolação de nova decisão. Erro notório na apreciação da prova por recurso ilegítimo à experiência comum 136. O Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto fez funcionar presunções judiciais com base em regras de experiência comum, sem que estivessem reunidas as condições legais para o recurso à experiência comum. 137. A valoração da prova deve, nos termos do artigo 127.º do CPP, ser feita à luz das regras da experiência comum. 138. As regras de experiência comum são máximas de experiência, assentes em casos anteriores que sejam semelhantes e, portanto, transponíveis para o caso em análise, não servindo tais regras, só por si, para dar factos como provados ou não provados. 139. Está vedado ao Tribunal dar como provados ou não provados factos em função de regras de experiência comum, bem como está vedado aceitar os depoimentos a favor da acusação com a consequente exclusão de tudo o que a contradiga ou ponha em dúvida, como não correspondendo a uma regra da experiência comum. 140. O Tribunal (vide, por todos, Linhas 3500-3504 da Sentença) afastou a narrativa da MEO de que os contactos com a NOWO se justificam com a preocupação do credor (a MEO) com uma estratégia seguida pelo seu devedor (a NOWO) que, na perspetiva do credor, não seria sustentável (seria, nesse sentido, “suicida”) e apontava para que o devedor não conseguisse pagar as suas dívidas com fundamento em que tal seria contrário às regras da experiência comum. 141. Segundo as próprias regras da experiência comum, um credor (em particular um credor de vários milhões de euros) tem todo o incentivo para impor condições para assegurar que o seu crédito é pago. E, nessa medida, a existência da dívida, o seu volume, as ações e preocupações do credor podem justificar (e justificam) os contactos, as interações com o devedor e a celebração de acordos posteriores que versem sobre o pagamento dessa dívida. 142. Desconsiderar a dívida como motivação da atuação da MEO é, pois, contrário às regras da experiência comum. Ainda mais quando a dívida significa que um outro operador exerce a sua atividade à sua custa. 143. Em conclusão, incorreu o Tribunal a quo em erro notório de apreciação da prova, em violação das regras da experiência comum, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi do artigo 74.º n.º 4 do RGCO, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser revogada. Erros notórios na apreciação da prova – a decisão quanto à prova dos factos 122 a 124 144. O erro notório na apreciação da prova (correspondente aos emails cujos intervenientes não foram ouvidos, às declarações de clemência, à apreciação da prova testemunhal e ao recurso ilegítimo às regras da experiência comum) teve consequências particulares no que respeita à decisão do Tribunal a quo quanto à prova do facto acordo, ínsito nos factos provados n.ºs 122 a 124 da matéria de facto provada, na medida em que redundaram num recurso a prova indireta que não cumpre os requisitos legais e que, como tal, é sindicável enquanto erro notório na apreciação da prova. 145. Não existe prova direta do acordo o que é reconhecido pelo Tribunal a quo na Sentença, tendo tais factos sido dados como provados por prova indireta ou por presunção (judicial), em violação dos requisitos legais para a utilização desta prova. 146. São requisitos das presunções judiciais: (i) a prova de um facto real de que possa retirar-se outro facto; (ii) o raciocínio subjacente à ilação ser conforme às regras da experiência comum; (iii) o raciocínio ser objetivável e motivado pelo decisor; (iv) o raciocínio ser ponderado em face das circunstâncias concretas; (v) a inexistência de outras alternativas / hipóteses que possam configurar-se a afastar a prova do facto presumido; (vi) devendo a presunção não funcionar mediante qualquer prova que crie a dúvida no julgador, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência. 147. A prova indireta da existência de um alegado acordo, consubstanciado na aceitação, pela MEO, da suposta proposta da NOWO apresentada na reunião de 03.01.2018 (cfr. factos provados n.º 122 a 124) não respeita as regras legais. 148. Os factos provados n.ºs 122 e 123, no que respeita à proposta da NOWO, são retirados: (i) do email (apenas) parcialmente descrito nas Linhas 4374-4390 da Sentença – e cujo texto integral, incompreensivelmente não transcrito pelo Tribunal a quo, aponta em sentido inverso - que é um email interno da NOWO do qual é destinatário uma das testemunhas ouvidas nos autos (M…), a qual, como é evidente, terá respondido a questões sobre a existência ou não do acordo (cuja existência não confirmou), omitidas em absoluto da Sentença, o que constitui a nulidade a que já aludimos e (ii) doutro email interno da NOWO (descrito na Linha 4420-4428), com os próximos passos adotados pela NOWO. Para prova da anuência da MEO ao proposto pela NOWO nessa reunião e que consta do email descrito nas Linhas 4374-4390, o Tribunal socorre-se de prova indireta, procurando retirar essa anuência, em primeiro lugar, da existência de ações de monitorização da concorrência (Linhas 4429 e seguintes), daqui retirando que se a MEO monitorizava a NOWO naquele contexto só poderia ser para fiscalizar um acordo firmado entre ambas. 149. Esta conclusão é contrária às regras da experiência comum, utilizando-as de forma abusiva e fazendo operar uma presunção judicial com base em factos que não cumprem os requisitos de que a lei faz depender a valoração deste tipo de prova, tal como acima indicados. 150. A MEO produziu prova direta em audiência de que o email da NOWO referido nas Linhas 4374-4390 da Sentença continha as propostas da NOWO que não mereceram acolhimento da MEO, prova essa que foi desconsiderada pelo Tribunal, com fundamento de que não faria sentido que o administrador da MEO se distanciasse desses propostas atendendo à reunião prévia entre os acionistas da MEO e da NOWO. 151. Este entendimento tem implícito que o Tribunal supõe que numa prévia reunião entre acionistas da MEO e da NOWO teria ficado acordada a renegociação do Contrato MVNO. Porém, esse facto – que serviu para o Tribunal presumir a anuência da MEO – é, também ele, demonstrado com recurso a prova indireta (notas de uma das partes nessa suposta reunião, sendo que essas notas pertencem a alguém não ouvido sobre as suas anotações). 152. Porém, o Tribunal afasta a credibilidade dessa prova, dizendo que não faria sentido que o Administrador da MEO tivesse assumido uma postura de se distanciar daquelas propostas, tendo em consideração uma reunião prévia havida entre os acionistas da MEO e da NOWO. 153. O Tribunal conclui ainda que a MEO teria de ter aderido ao proposto porque o seu administrador estaria ciente da existência de contactos com a NOWO ao nível acionista e estaria a par do seu teor. 154. Este facto tem por base a circunstância de o administrador da MEO ter pedido instruções sobre o que fazer na reunião da NOWO. Porém, não foi dado como provado se houve resposta e qual a resposta obtida pelo administrador da MEO. E também não foi dado como provado que o administrador estava ciente da existência desses contactos e, muito menos, do seu teor. 155. Mais uma vez, a demonstração da anuência da MEO à proposta da NOWO feita na reunião de 03.01.2018 é indiretamente retirada de factos, não provados diretamente, mas antes com recurso, também, a presunção e contra a prova direta produzida em sentido contrário nos autos, como resulta do texto da Sentença. 156. O Tribunal apreciou também incorretamente o teor do email descrito na Linha 4549 da Sentença, do mesmo retirando a suposta confirmação da existência de um acordo para o não lançamento de uma oferta standalone fora do footprint, assim dando como provado o facto provado n.º 124, o que não é possível, dado que da sua letra não resulta nem direta nem indiretamente o pretendido pelo Tribunal. Antes resulta a existência de reservas da parte da MEO. Não a anuência. 157. O facto provado n.º 124, na parte referente à anuência da MEO, é retirado da atuação da NOWO e da circunstância de ter lançado uma oferta standalone no seu footprint, concluindo o Tribunal que sem a adesão, tal atuação da NOWO não teria ocorrido. 158. A utilização de prova por presunção baseada neste facto para demonstração do facto n.º 124 não cumpre os requisitos da prova por presunção acima descritos, decorrendo, assim, de um erro notório na apreciação da prova. 159. Havia, e a MEO forneceu factos e prova nesse sentido, uma explicação alternativa que teria, pelo menos, de ter criado dúvida razoável sobre a verosimilhança de boa parte (para não dizer a totalidade) dos factos que suportam a tese espelhada na Sentença, com as inerentes consequências ao nível da valoração da prova como um todo e da fixação da matéria de facto que tal dúvida sempre teria de acarretar por força da aplicação do princípio in dubio pro reo. 160. Em particular, o email transcrito a Linhas 5613 da Sentença, que evidencia que, ao contrário do que resulta dos factos provados, em 23.05.2018, a NOWO ainda aguardava feedback da MEO e estava convicta de que esta não avançaria. 161. Não faz sentido concluir que não haveria outra explicação para a atuação comercial da NOWO em momento subsequente a janeiro de 2018, e em particular em março de 2018, senão o suposto acordo alcançando na reunião de 03.01.2018 (para dessa atuação presumir, de acordo com as regras da experiência, a existência de um encontro de vontades prévio), quando resulta do email transcrito na Sentença que, pelo menos, em maio de 2018 tal encontro de vontades não só inexistia, como a NOWO duvidava que viesse a existir. 162. Resulta do texto da Sentença a errada apreciação dos elementos de prova considerados pelo Tribunal que apontam em sentido divergente da tese que vingou e que permitem uma leitura consentânea com a narrativa (real) apresentada pela MEO. 163. O Tribunal afasta a tese da MEO de que o contrato devia ser renegociado para assegurar o pagamento da dívida da NOWO, afasta essa tese, descredibilizando o depoimento do administrador e de várias testemunhas, que reconhece que depuseram nesse sentido, fazendo sobrepor as suas regras de experiência comum, que, salvo o devido respeito, não resultam de qualquer experiência anterior do Tribunal sobre o negócio MNO/MVNO. 164. A prova dos factos n.ºs 122 a 124 da Sentença é, como se disse, totalmente dependente de prova indireta ou por presunção. E o que acima se explicitou bem demonstra que o Tribunal violou os critérios legais que admitem o recurso à prova por presunção, realizando uma análise contrária à experiência comum e aos depoimentos oferecidos em julgamento pelas testemunhas ouvidas, com base em manifesto erro na apreciação dos meios de prova. 165. O Tribunal a quo, na Sentença, motiva a matéria de facto fixada – em particular os factos provados n.ºs 122 a 124 (mas também os não provados) – socorrendo-se das regras de experiência comum e da prova indireta e por presunção para, no fundo, inverter o ónus da prova em desfavor da Arguida e, assim, escapar à dúvida razoável e às consequências dela decorrentes para a fixação da matéria de facto (em afronta ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 da CRP). 166. Essa inversão do ónus da prova dos factos operada pelo Tribunal a quo, porque contrária às regras legais que regem a valoração da prova, por consubstanciar um atropelo do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo e por decorrer explicitamente do texto dedicado à motivação da matéria de facto plasmado na Sentença, só pode também ela consubstanciar erro notório na apreciação da prova. 167. Erro esse que, a inexistir, deveria ter determinado uma distinta valoração da prova, com inegáveis reflexos quanto à matéria de facto que deveria ter sido dada como provada e como não provada, o que afetou a boa decisão da causa. 168. A decisão de dar como provados os factos n.ºs 122 a 124 decorre, pois, dos erros notórios na apreciação da prova acima assinalados, que, como se demonstrou, decorrem explicitamente do texto da Sentença Recorrida, pelo que se requer que sejam declarados, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, aplicável por remissão do artigo 41.º n.º1 do RGCO. 169. Tais erros devem determinar, nos termos do artigo 426.º do CPP, o reenvio do processo para o Tribunal a quo para que sejam por este devidamente supridos, o que se requer a V. Exa. se digne ordenar. ERRADA FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO PELO TCRS Quanto aos factos relevantes 170. A Sentença padece de falta de clareza e ambiguidade terminológica, designadamente no que toca aos conceitos de “oferta convergente” e de “oferta móvel convergente” e “oferta em pacote” e “oferta convergente”. 171. Daí resulta que a Sentença apenas poderia ter concluído que o acordo em causa teria impacto em termos de fixação de preços e de repartição de mercado, no mercado retalhista de comunicações móveis vendidos, isoladamente ou em pacote (standalone), no território em que a NOWO não dispunha de rede fixa, ou quando muito no mercado nacional, mas não poderia alcançar a mesma conclusão relativamente ao mercado retalhista de serviços de comunicações móveis oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixas) no território em que a NOWO dispunha de rede fixa. 172. A Sentença qualifica como factos conclusões de análise da prova e não factos propriamente e qualifica matéria de direito como matéria de facto, o que tem consequências importantes, designadamente no que toca aos limites do conhecimento do Tribunal da Relação. 173. São exemplos deste último caso: os factos provados n.º 35 a 81, quanto à definição dos mercados, em concreto à existência de “substituibilidade do lado da oferta”; o facto provado n.º 23 no qual se dá por assente que os MVNOs definem a sua própria estratégia comercial de forma “autónoma”; e os factos provados n.º 122, 123, 134, 138 e 139, quanto à existência de “acordo”, que é, para todos os efeitos, uma questão de direito, tendo, em matéria jus-concorrencial, um sentido jurídico específico. 174. Os factos dados como provados pela Sentença Recorrida são, nuns casos, insuficientes para assertar as soluções de direito conducentes à confirmação da sanção aplicada à MEO, e noutros inconciliáveis com as referidas soluções de direito. 175. Assim: 176. Quanto às visadas e à respetiva atividade, de acordo com os factos provados n.º 9 a 20, em 2018 e 2019 o volume de negócios total da NOWO é muito inferior ao da MEO, cerca de 3% daquele. 177. A Sentença Recorrida, no facto provado n.º 24, caracteriza o light MVNO como um operador com um mínimo de infraestrutura de rede de telecomunicações, “e, em consequência, possuindo uma reduzida liberdade na definição da sua política comercial”. 178. No tocante aos serviços prestados a clientes residenciais e não residenciais de acordo com os factos provados n.º 68 a 70, a Sentença Recorrida admite que se trata de tipos de procura distintos (em função do tipo de pagamento e da utilização intensiva da rede) embora do lado da oferta os operadores estejam genericamente aptos a oferecer os serviços solicitados. 179. No facto provado n.º 81, a Sentença Recorrida constata que tendo em consideração os elevados custos fixos e a morosidade associada ao desenvolvimento quer de redes de comunicações fixas, quer de redes de comunicações móveis, não é expectável que um prestador de comunicações fixas (ou móveis) possa, num curto espaço de tempo e sem custos acrescidos, começar a prestar serviços de comunicações móveis (ou fixas). Por outras palavras a NOWO não é um concorrente potencial da MEO enquanto MNO. 180. A Sentença Recorrida conclui que o mercado retalhista das comunicações móveis tem dimensão nacional e que no mercado retalhista dos serviços de telecomunicações prestados em pacotes que incluem serviços de comunicações móveis e serviços de comunicações fixas as condições concorrenciais podem ser heterogéneas em determinadas regiões na prestação de serviços de comunicações fixas, resultantes nomeadamente da presença de múltiplas infra-estruturas de rede de cobre, cabo e fibra óptica com coberturas geográficas distintas” factos provados nº 82 e 83). 181. Quanto à posição das empresas no mercado, dos factos provados n.º 84 a 95, extraem-se as seguintes conclusões: 182. o mercado convergente móvel/fixo teve maior crescimento do que o móvel stand alone, o que significa que a estratégia de expansão mais adequada para a NOWO era efetivamente a das ofertas convergentes fixo/móvel e não a das ofertas standalone, sobretudo fora do footprint, em que as expectativas de convergência eram mais remotas dadas as barreiras à expansão da rede fixa da NOWO; 183. o mercado móvel era crescente e dinâmico e estava sujeito a concorrência efetiva evidenciada na volatilidade das quotas de mercado dos três MNOs; 184. entre 2014 e 2019 a quota de mercado dos MVNOs manteve-se inferior a 3% e a da NOWO não foi além de 1,3%. 185. A Sentença Recorrida dá como provado que a venda da ONI e da Cabovisão foi uma condição imposta pela Comissão Europeia para autorizar a aquisição da PT Portugal pela Altice (factos provados n.º 94 a 98) mas, todavia, a celebração do Contrato MVNO não era uma condição imposta pela Comissão. 186. Para os eventuais compradores da ONI e da NOWO a conclusão de um contrato MVNO com a MEO tornava a transação mais atrativa já que as ofertas convergentes em pacote fixo/móvel tinham crescente e havia o risco de perda de clientes fixos na ausência de uma oferta móvel (facto provado n.º 99). 187. Apesar de ter sido dada como provada a existência de uma reunião, em 20.11.2017, entre os acionistas da NOWO e o acionista da MEO, não é dado como provado que a MEO tivesse tido conhecimento da realização desta reunião nem do que nela se discutiu (factos provados n.º 113 a 117). 188. Do facto provado n.º 120 não resulta que a MEO tivesse conhecimento de que a decisão de suspender a oferta M4A tivesse sido alcançada entre acionistas dela própria e da NOWO nem semelhante facto é dado como provado. 189. O mesmo se diga do facto provado n.º 121 segundo o qual os acionistas da MEO e da NOWO teriam decidido em 04.12.2017 melhorar os termos dos contratos MVNO e garantir o fim dos problemas operacionais da NOWO a troco do não lançamento pela NOWO de uma oferta móvel standalone fora do footprint. 190. A Sentença incorre em erro notório de apreciação da prova quando dá como provado (n.º 122 a 126) que a proposta feita pela NOWO à MEO na reunião de 03.01.2018 foi nessa altura aceite por esta. 191. Não resulta claramente dos factos provados, em especial dos factos n.º 130, 131 e 141, que a MEO tenha “aderido” à proposta da NOWO ou a ela “anuido” após 03.01.2018. 192. Nos factos provados n.º 142 e 143 a Sentença Recorrida conclui que o acordo estabelecido em 03.01.2018 cessou em 28.11.2018 e que no início de 2019 a NOWO lançou uma oferta standalone com abrangência nacional, todavia a posição de mercado da NOWO não evoluiu positivamente após o lançamento da dita oferta. Quanto aos pressupostos de aplicação do artigo 9º da LdC e do artigo 101º do TFUE. 193. O TCRS convocou a aplicação simultânea do direito da concorrência nacional e da União Europeia ao enquadrar a (alegada) prática não só no artigo 9º n.º 1 da LdC, como também no artigo 101 n.º 1 do TFUE, ao confirmar a suscetibilidade de afetação do comércio entre os Estados-Membros. 194. Como corolário do primado do Direito da União, de acordo com a jurisprudência do TJUE, os conflitos entre a norma comunitária e as normas nacionais devem ser resolvidos pela aplicação do princípio do primado da norma comunitária, ou seja, pela prevalência desta. Qualquer decisão tomada no âmbito do direito interno não deverá conduzir a uma decisão contrária ao TFUE em matéria de concorrência. 195. A aplicação dos artigos 9º e 10º da LdC e do artigo 101º do TFUE tem assim de respeitar a uniformidade e efetividade do direito da União e, em última análise, se dúvidas legítimas se suscitarem a um Tribunal nacional que decide em última instância, o TJUE garantirá que o artigo 101º é devidamente interpretado de modo que possa ser bem aplicado pelo Tribunal nacional. 196. Não obstante os órgãos jurisdicionais nacionais gozarem de autonomia processual no que toca a matérias processuais não harmonizadas pela União, há direitos e garantias processuais decorrentes do Direito da União que circunscrevem e limitam os poderes das autoridades da concorrência e dos tribunais nacionais. 197. Assim, como consequência dos princípios da efetividade e da equivalência, bem como da necessidade de assegurar um level playing field que permita o bom funcionamento do mercado interno devem os órgãos jurisdicionais nacionais: 198. garantir que as regras processuais nacionais não obstam à aplicação plena e uniforme do direito da União, procedendo, inclusive, à sua desaplicação, caso a efetividade do direito da União assim o exija; e 199. assegurar o cumprimento dos direitos e garantias de defesa que resultam do bloco de juridicidade europeu aquando da aplicação do direito da concorrência da União. Quanto à identificação dos mercados relevantes 200. A Sentença Recorrida não realiza um exercício suficiente e preciso de delimitação e caracterização dos mercados em causa para que pudesse concluir pela existência (ou não) de uma restrição por objeto. 201. Os tribunais da União Europeia têm entendido que, para estabelecer que um acordo tem um objeto anti concorrencial, é necessário analisar um conjunto de pressupostos, entre os quais a natureza do acordo, os objetivos que o acordo visa atingir e o contexto económico e jurídico em que o acordo se insere, no âmbito do qual há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa. 202. A correta, ainda que simplificada, análise dos mercados, em particular os que constam dos n.ºs 21 a 95 do elenco de factos provados, caso tivesse sido ponderada, representaria um elemento prévio essencial no contexto da aferição da existência de uma infração por violação do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º n.º 1 do TFUE. 203. Na ausência de análise da substituibilidade do lado da procura, de acordo com os argumentos invocados pela Sentença Recorrida, não é possível alcançar a conclusão de que são distintos, em termos de produtos e preços, os mercados de serviços retalhistas de comunicações residencial e não residencial, devendo, pois, excluir-se o segmento não residencial dos mercados em causa. 204. Deveriam ter sido ainda adequadamente caracterizadas e consideradas outras segmentações, nomeadamente: (i) uma exclusão dos serviços OTT do mercado em causa, uma vez que estes dependem de serviços de dados e voz para serem utilizados pelo consumidor; e (ii) uma segmentação entre serviços standalone e convergentes, não tendo a Sentença Recorrida indicado factos que permitam aferir – ainda que superficialmente mas de acordo com uma metodologia conhecida e robusta (como é o caso da descrita na Comunicação da Comissão Europeia – a existência de substituibilidade em termos de características e preço de cada tipo de oferta standalone, em pacote, convergente ou não convergente. 205. À semelhança da Comissão Europeia, a AdC considera que para efeitos de determinação do montante base da coima deve ser tido em conta o volume de negócios realizado pelo visado quanto aos bens ou serviços direta ou indiretamente relacionados com a infração. 206. Assim, independentemente da conclusão que se alcance quanto aos mercados relevantes, os volumes de negócio dos serviços não residenciais nunca poderiam integrar o volume de relacionado com a infração para efeitos de determinação da coima, porquanto a NOWO não está presente no segmento não residencial. 207. O erro de Direito do Tribunal a quo, um exercício insuficiente de delimitação e caracterização dos mercados em causa, designadamente no que toca ao tipo de cliente (residencial ou empresarial) e às ofertas convergentes e standalone para efeitos de aplicação do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, 208. impediu que o Tribunal procedesse à análise correta do contexto jurídico e económico, essencial para a qualificação do comportamento como uma restrição por objeto, o que se requer que seja corrigido. 209. Tal erro de Direito teve também consequências ao nível da sanção aplicada, porquanto a Sentença Recorrida se abstém também de caracterizar e identificar os mercados relacionados com a alegada infração. 210. Os factos provados relativos aos mercados confluem para a conclusão de que a NOWO, enquanto MVNO, não é um concorrente efetivo da MEO: (i) em primeiro lugar porque tem a sua capacidade de concorrência condicionada pela própria MEO enquanto MNO; e (ii) em segundo lugar porque registava, registou e continuou a registar uma quota de mercado de pouco mais de 1% no mercado móvel e nos mercados convergentes fixo/móvel. 211. Nessa medida, requer-se ao Tribunal da Relação que promova um exercício suficiente de delimitação e caracterização dos mercados relevantes, em particular considerando devidamente a segmentação supra apresentada, de modo a daí retirar as devidas consequências para efeitos de interpretação e aplicação dos artigos 9.º da LdC e 101.º, n.º 1, do TFUE. Quanto à existência de acordo 212. Para o preenchimento do tipo de ilícito contraordenacional dos artigos 9.º, n.º 1, da LdC, e do artigo 101.º, n.º1 do TFUE, tal como decorre da jurisprudência do TJUE, dever-se-á verificar a existência de um acordo entre empresas, ou seja de uma convergência formal ou informal de vontades independentes, que, seja qual for a forma de manifestação, traduza uma expressão fiel dessas vontades. 213. O Tribunal a quo incorreu num erro notório de valoração e descrição da prova ao dar como provada a existência de um acordo entre MEO e NOWO, concretizado no dia 03.01.2018 (cf. factos provados n.º 122 e 123). 214. Para prova do acordo, e perante a manifesta inexistência de prova direta, a Sentença Recorrida recorre a prova indiciária ou circunstancial, como permitido pela jurisprudência do TJUE, para efeitos de prova de infrações ao direito da concorrência. 215. Contudo, não atenta, nem se conforma com os limites impostos pela própria jurisprudência do TJUE, dos quais se retira que a prova indiciária ou indireta deve: (i) ser considerada no seu todo e não apenas no todo que suporta a narrativa da acusação; (ii) Traduzir indicadores sérios, precisos, objetivos e concordantes; (iii) resistir a outra explicação coerente/plausível alternativa (que seja arguida pelas empresas visada); e (iv) ser suficiente para a prova da existência do presumido acordo ou prática concertada. 216. Retira-se ainda da dita jurisprudência a necessidade de uma análise casuística quanto à adequação e suficiência da prova indiciária no caso concreto, por forma a permitir a sindicabilidade da sentença por parte de um juiz da União eventualmente chamado a se pronunciar, no sentido de que a culpabilidade empresa visada foi legalmente demonstrada. 217. A factualidade dada como provada pela Sentença Recorrida (nomeadamente factos provados n.º 122 a 125) encerra incongruências e não revela uma convergência de vontades. 218. Razão pela qual errou a Sentença Recorrida ao considerar estabelecido o elemento subjetivo de convergência de vontades, exigido para se estabelecer a existência de um acordo para efeitos de direito da concorrência, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o que configura um erro de direito da Sentença Recorrida na aplicação do n.º 1 do artigo 9.º da LdC e do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, razão pelo qual não se encontra preenchido o tipo contraordenacional em consideração, devendo, por isso, a MEO ser absolvida. Contrato MVNO e a Concorrência entre a MEO e a NOWO 219. A Sentença Recorrida socorre-se do argumento circular de que está em causa uma restrição por objeto, sensível e grave em si mesma independentemente dos seus efeitos, desvalorizando: (i) a natureza da relação entre a MEO e a NOWO (horizontal ou vertical); (ii) e o contrafactual da existência versus inexistência do MVNO; (iii) a questão de saber se as restrições de que a MEO vem acusada seriam lícitas caso tivessem sido inseridas ab initio no próprio contrato MVNO. 220. Em primeiro lugar, a Sentença Recorrida parte do pressuposto errado que a NOWO e a MEO, enquanto MVNO e MNO, são concorrentes típicos, limitando-se a concluir pela horizontalidade da relação, porquanto: (i) a MEO presta serviços de telecomunicações retalhistas; e (ii) a NOWO também e apresenta-se no mercado com a sua própria marca, e não com a MEO. 221. O Tribunal a quo não aborda a questão material essencial, que é de saber se um MVNO como a NOWO tem a capacidade de exercer uma pressão concorrencial efetiva sobre qualquer dos MNOs, incluindo a MEO e, por conseguinte, se pode ser perspetivada como um concorrente típico, atual ou potencial. 222. A prática decisória da Comissão e de várias autoridades nacionais da concorrência, assim como a doutrina económica, vão no sentido de entender que um MVNO – maxime, um light MVNO – não exerce uma efetiva pressão concorrencial sobre os demais players do mercado. 223. A NOWO, enquanto light MVNO, não tem quaisquer elementos de infraestrutura de rede de comunicações, tendo um grau de dependência técnica e operacional em relação à MEO, um grau de autonomia limitado, e, portanto, pouca capacidade para diferenciar os seus serviços. 224. Em casos análogos ao que nos ocupa, a doutrina económica, as analises da própria Autoridade e a prática decisória da Comissão Europeia (e outras autoridades da concorrência) consideram ser inerente à relação entre MNO e MVNO a imposição de restrições, diretas ou indiretas, ao nível dos mercados da clientela a endereçar e dos preços a praticar, tendo em conta que um MNO (como a NOWO) não é um concorrente efetivo de um MVNO (como a MEO). 225. Nas condições de atividade proporcionadas aos light MVNOs, as autoridades de concorrência ponderam sobretudo: (i) a circunstância de os MNOs podendo o mais (não celebrar o contrato), poderem o menos (condicionar a atividade do MNO) e (ii) o facto de a presença de um MVNO, ainda que muito condicionada pelo contrato com o MNO, ter vantagens para o consumidor, seja quando este representa um nicho de mercado, seja quando passa a ter acesso a ofertas convergentes. 226. No caso vertente parece ser incontestado que, dada a evolução do mercado no sentido do desenvolvimento das ofertas convergentes fixo móvel, a NOWO corria o risco de perder a clientela fixa do seu footprint se não lhe pudesse oferecer serviços móveis. Por outras palavras, o Contrato MVNO, com ou sem as restrições geográficas e de preços decorrentes do alegado acordo entre a MEO e a NOWO é sempre pró competitivo. 227. Para além da ambivalência dos efeitos do Contrato MVNO ou de qualquer acordo a ele relativo, que em si mesma compromete a ideia de uma conduta de extrema nocividade, o que está em causa, antes disso, é a própria relação de concorrência entre o MNO e o MVNO, pois que, para que um acordo seja censurável na perspetiva do artigo 9º da LdC e do artigo 101º nº1 do TFUE é indispensável que tenha por objeto ou efeito restringir sensivelmente a concorrência. 228. Ora quer o Contrato MVNO quer o alegado acordo de 03.01.2018 promovem a concorrência mais do que a restringem. O balanço concorrencial é sempre positivo antes de nos interrogarmos concretamente sobre os efeitos e sobre a necessidade e adequação das restrições. 229. Assim sendo, as particularidades da relação entre MVNO e MNO impedem a qualificação do acordo em apreço como um acordo típico de fixação de preços e repartição de mercados entre concorrentes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9.º, n.º 1, da LdC e 101.º, n.º 1, do TFUE. Quanto à natureza horizontal ou vertical do acordo 230. Não sendo a relação entre a MEO e a NOWO tipicamente horizontal, apresenta afinidades com o relacionamento vertical na medida em que a NOWO não pode concorrer no mercado móvel sem que o seu concorrente MEO lhe proporcione acesso à sua infraestrutura, ou seja, lhe disponibilize uma oferta grossista 231. Tendo em conta que um MVNO não tem a capacidade de exercer uma pressão competitiva significativa no mercado, terá de se concluir que está em causa uma relação substancialmente vertical, entre um grossista que disponibiliza acesso à sua infraestrutura de rede e um operador que pretende aceder e utilizar essa rede para oferecer serviços retalhistas pouco ou nada diferenciados no mercado de serviços de telecomunicações móveis. 232. Esta constatação não impacta apenas no tema da admissibilidade das restrições territoriais, por estar em causa uma atribuição exclusiva de um território ou de um grupo de clientes. Pode igualmente ter repercussões ao nível dos preços 233. A Comissão e diversas autoridades nacionais da concorrência admitem que um MNO imponha a um MVNO constrangimentos que resultem, direta ou indiretamente, numa incapacidade de os MVNOs definirem livremente os preços que adotam no mercado retalhista móvel. 234. À semelhança das relações de licenciamento (as que mais afinidades têm com o caso vertente), salvo nos casos em que, na ausência do acordo licenciamento, as partes fossem já concorrentes, não passam a sê-lo apenas pela circunstância de ter sido concluído o acordo de licenciamento. 235. No caso vertente, dado terem sido provados os obstáculos ao desenvolvimento de rede própria, a NOWO nem sequer pode ser qualificada como concorrente potencial da MEO, ou seja, como potencial MNO. 236. Na verdade, a Sentença Recorrida dá como provado que qualquer operador se confronta com sensíveis barreiras à entrada se pretender desenvolver uma rede móvel própria, o que significa que a celebração do contrato MVNO era uma condição indispensável à concorrência da NOWO no mercado móvel e no mercado das ofertas convergentes fixo/móvel. 237. Por isto, a relação entre a MEO e a NOWO não deve ser considerada como uma relação de concorrência horizontal e muito menos equiparada à relação de concorrência entre MNOs, para efeitos da aplicação do artigo 9.º, n.º 1, da LdC e 101.º, n.º 1, do TFUE. 238. Mesmo que se considerasse que um MVNO que depende da rede do MNO pudesse exercer uma pressão concorrencial (quod non), no presente caso sempre se chegaria à conclusão de que a NOWO não seria concorrente da MEO sem o contrato MVNO, razão pela qual a relação entre um MNO e um MVNO não pode ser considerada enquanto uma relação de concorrência. quanto à restrição por objeto ou por efeito 239. A Sentença incorre em erro de direito ao qualificar o alegado acordo entre MEO e NOWO como restrição por objeto, nos termos dos artigos 9.º, n.º 1 da LdC e 101.º, n.º 1 do TFUE, tendo assente tal qualificação em pressupostos errados, a saber: (i) que a liberdade comercial da NOWO era total e não constrangida (i) pelo contrato que celebrou (e no contexto em que celebrou) com a MEO; (ii) pelas suas próprias limitações enquanto operador de telecomunicações de pequena dimensão e pendor essencialmente regional; e (iii) pela dívida que o Grupo NOWO acumulou e ia gerindo junto da MEO; (ii) que a repartição de mercados e/ou fixação de preços são condutas proibidas, independentemente do contexto jurídico-económico em que se inscrevem. 240. A Sentença não equacionou devidamente o contexto jurídico e económico da relação de um MNO com um MVNO, em abstrato, nem, em concreto, as especificidades e vicissitudes da relação da MEO com a NOWO. 241. Da jurisprudência do TJUE retira-se que o conceito de restrição por objeto deve ser interpretado de forma restritiva, sendo reservado apenas a acordos ou práticas entre empresas com um grau de nocividade suficiente para a concorrência e que tal grau de nocividade suficiente só pode apreendido tendo em conta o caso concreto, a saber: o teor e disposições do acordo, ao seu propósito ou objetivo, ao seu conteúdo, bem como o contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere (tendo em conta a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa). 242. A apreciação do acordo e do seu contexto deve ainda considerar eventuais ganhos de eficiência ou efeitos pro-concorrenciais, bem como o cenário contrafactual, só podendo ser classificado como restritivo da concorrência pelo objeto o acordo desprovido de qualquer ambivalência associada a qualquer aspeto pró competitivo. 243. Esta análise não é dispensável mesmo quando estejam em causa formas de comportamento, tais como a fixação de preços ou a repartição de mercado ou as proibições de exportação, que, tipicamente, são consideradas como restrições por objeto. 244. O contexto jurídico-económico do alegado acordo entre MEO e NOWO a considerar é o Contrato MVNO e a relação vertical de MNO/MVNO entre MEO e NOWO daí decorrente. 245. De acordo com a Sentença Recorrida, o racional do acordo restritivo era o de proporcionar melhores condições de preços grossistas móveis (em especial no que toca aos dados) e remover obstáculos operacionais (dispensa de cartões) em benefício da NOWO, comprometendo-se esta a conter as suas ofertas móveis standalone ao footprint e a controlar a respetiva agressividade. 246. Assim, é inegável que o objetivo do Contrato MVNO e do alegado acordo de 03.01.2018 era, antes de mais, pró competitivo embora a liberdade de concorrência da NOWO fosse condicionada em contrapartida. O acordo não tinha como única explicação plausível o objetivo de restringir a concorrência, ou seja, o interesse comercial das partes em suprimir a concorrência pelo mérito entre elas. 247. A Sentença admite a legitimidade da celebração de um Contrato MVNO, ab initio, com determinadas limitações e restrições da atuação do MVNO, mas nega, incompreensivelmente, a possibilidade de, posteriormente, no contexto desse mesmo contrato, serem acordadas restrições análogas à política comercial da NOWO, o que constitui uma conclusão falaciosa. 248. Se, no âmbito de uma relação vertical, ab initio, seriam admissíveis determinadas limitações e restrições da atuação do MVNO, não se pode revestir de nocividade suficiente à concorrência a eventual imposição dessa mesmas limitações e restrições à atuação do MVNO em momento ulterior, em especial quando acompanhadas da melhoria das condições de funcionamento do MNOn. 249. Pode neste caso ser também estabelecido um paralelismo com a doutrina das restrições acessórias em relações verticais e horizontais, que as aceita como legítimas quando seja intrínsecas/necessárias e proporcionais ao tipo de relação contratual em causa. Nestes casos não há violação do n.º 1 do artigo 101º TFUE, não havendo sequer necessidade de as analisar à luz do balanço económico do n.º 3 do artigo 101º. 250. O Tribunal a quo incorreu em erro notório ao não dar como provado que na motivação da conduta da MEO pesava a questão da dívida que o Grupo NOWO mantinha para com a MEO (cf. factos não provados n.ºs 4 e 5 da Sentença), que só viria a ser definitivamente saldada com o Settlement Agreement. 251. A correta decisão da matéria de facto neste ponto teria permitido, consequentemente, uma diferente e mais ampla ponderação da motivação da conduta da MEO, e evitaria que a Sentença Recorrida tivesse secundarizado completamente o tema da falta de rentabilidade intrínseca a certas ofertas e a insustentabilidade da oferta comercial da NOWO. 252. A Sentença incorre em erro de Direito ao qualificar, para os efeitos do disposto no artigo 9.º n.º 1 da LdC e 101.º n.º1 do TFUE, o acordo entre MEO e NOWO como restritivo da concorrência por objeto, contrariamente aos termos exigidos pela jurisprudência do TJUE. Quanto à sensibilidade da restrição e à regra de minimis 253. Mesmo que se considerasse que o acordo em apreço configura uma típica fixação de preços e uma repartição de mercado que restringe a concorrência por objeto, sempre se teria de verificar, de acordo com o artigo 9º da LdC e com o artigo 101º do TFUE, se a alegada restrição por objeto é consubstancia, ou não, uma restrição sensível no caso concreto. 254. A Sentença Recorrida sustenta, com base no acórdão Expedia, a desnecessidade de apurar em concreto a natureza sensível de uma restrição por objeto, porquanto um acordo que tenha um objeto anti concorrencial constitui, pela sua natureza e independentemente dos efeitos concretos, uma restrição sensível da concorrência 255. Todavia, o carácter sensível da restrição da concorrência não pode ser determinado de forma automática e abstrata, sem a ponderação dos elementos concretos do contexto económico em que o alegado acordo foi celebrado, supondo sempre uma análise casuística da natureza sensível da restrição. 256. No caso concreto, diversos aspetos deveriam ter sido ponderados: (i) a pressão concorrencial exercida por um MVNO, como a NOWO, é muito limitada; (ii) a dimensão de mercado da NOWO, quer em termos de quota de mercado e volume de negócios, era negligenciável à data dos factos, e continuou a sê-o depois do termo da infração; e (iii) a efetiva concorrência no mercado dá-se entre a MEO, NOS e Vodafone, e sempre se teria de concluir que, a verificar-se uma restrição da concorrência por objeto decorrente do alegado acordo descrito na Sentença (no que não se concede), tal não configura uma restrição sensível da concorrência. Quanto à duração da infração 257. A Sentença Recorrida estabelece o período da infração entre 03.01.2018 e a data da realização das diligências de busca e apreensão. Ora o início da infração em 03.01.2018 não é objeto de qualquer prova concordante, havendo prova documental que indica expressamente não ter sido nessa data alcançado qualquer acordo. Quanto à ausência de justificação do acordo 258. Por opção da AdC a Decisão Final não realizou qualquer análise de efeitos que a MEO pudesse e devesse refutar, e, portanto, não tinha qualquer referência para justificar uma isenção por eventuais eficiências, proporcionalidade das restrições e não eliminação da concorrência. 259. Tratar-se-ia de um exercício inútil e contrário aos direitos da defesa sem que primeiro tivessem sido concretamente identificados os efeitos de impedimento, falseamento e restrição da concorrência decorrente da sua conduta, exercício que a Autoridade se dispensou de fazer. 260. A MEO limitou-se, pois, a contextualizar o acordo, exercício que cabia à Autoridade efetuar devidamente. 261. O ónus de refutar a qualificação de uma restrição por objeto não pode equivale ao ónus de refutar uma restrição por efeito e de, eventualmente, adiantar razões para a respetiva isenção. 262. A refutação da existência de efeitos restritivos – ou a arguição de efeitos de pro competitivos – apenas seria exigível caso a Autoridade tivesse alegado que a condutava afeta de forma sensível os parâmetros da concorrência, e a justificabilidade à luz dos artigos 9.º da LdC ou 101.º, n.º 3, do TFUE só se coloca quando consolidada a existência de uma restrição por objeto. 263. A MEO, ao caracterizar o contexto económico da conduta em causa e evidenciar os seus benefícios, veio, apenas, afastar a sua qualificação enquanto prática particularmente nociva, merecedora da qualificação como restrição por objeto, em sede dos artigos 9.º da LdC e 101.º, n.º 1, do TFUE. 264. Não tendo o Tribunal Recorrido respondido de forma adequada à alegação da MEO, incorre numa eventual omissão de pronúncia, pois circunscreveu-se a uma breve análise à luz dos artigos 10.º da LdC 101.º, n.º 3, do TFUE, quando se impunha uma análise desta ambivalência a nível dos artigos 9.º da LdC e 101.º, n.º 1, do TFUE. 265. Por tudo o exposto nos pontos 170 a 265 das presentes conclusões, deve a MEO ser absolvida. Quanto ao tipo subjetivo 266. Sem prejuízo do exposto e subsidiariamente, ainda que se mantivessem como provados os factos objetivos, como se disse acima os mesmos não corresponderiam a uma restrição da concorrência por objeto, não se subsumindo na proibição constante do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º n.º 1 do TFUE, de onde não pode deixar de retirar-se as devidas consequências no que concerne ao elemento subjetivo e, em particular, aos factos provados quanto a esta matéria. 267. Não poderá considerar-se demonstrada qualquer atuação dolosa da MEO na prática do ilícito pela qual foi condenada. 268. A decisão de dar como provado o facto provado n.º 144 não pode manter-se, devendo ser revogada, assim se afastando a imputação à MEO, a título doloso, do ilícito contraordenacional por violação dos artigos 9.º, n.º 1, alíneas a) e c) da LdC e 101.º, n.º 1, alíneas a) e c), não podendo, consequentemente, a Arguida ser condenada nos moldes em que o foi pelo Tribunal a quo, sob pena de violação do princípio da culpa e dos artigos 1.º, 2.º e 8.º do RGCO, devendo, pois, ser absolvida o que se requer. 269. Com efeito, em primeira linha: (i) conforme resulta do facto provado n.º 144, o preenchimento do elemento subjetivo do ilícito em causa, e a consideração de uma alegada atuação livre, voluntária e consciente da MEO, na prática dos factos, reportar-se-ia essencialmente ao alegado acordo celebrado em 03.01.2018 e respetiva implementação, sendo que, conforme demonstrado, a Sentença Recorrida padece de erro notório na apreciação da prova que evidenciaria a existência do acordo entre a MEO e a NOWO descrito na Sentença, não podendo aceitar-se que tal acordo ficou demonstrado; (ii) mesmo que não se reconheça a existência desse erro notório, o enquadramento jurídico feito no presente recurso aponta para a circunstância de os factos não serem sequer ilícitos; (iii) por maioria de razão, não logrando provar-se a existência de um acordo restritivo ilícito, tão-pouco se pode demonstrar a consciência da ilicitude na celebração do mesmo e na respetiva implementação, e, em particular, de que o mesmo violaria as regras de funcionamento de um mercado concorrencial e resultaria numa grave restrição da concorrência, consubstanciando uma restrição por objeto e sensível nos termos do artigo 9.º, n.º1 da LdC e do 101.º, n.º1 do TFUE. 270. Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, a decisão de dar como provado o facto n.º 144 esbarrará nas regras de experiência comum, que foram incorretamente ponderadas pelo Tribunal a quo quando deu tal facto como assente com base em prova por presunção, em particular o segmento da consciência da ilicitude, quando se afirma que a MEO tinha consciência, de que “o acordo celebrado em 03.01.2018” resultaria numa grave restrição da concorrência. 271. Com efeito: (i) não basta ter consciência de que o acordo restringe a concorrência para que se possa concluir pela consciência de ilicitude necessária ao preenchimento do tipo subjetivo do ilícito decorrente do artigo 9.º n.º 1 da LdC, sendo necessário que o agente tenha consciência de que o mencionado acordo a restringe de forma sensível e sem qualquer contrapartida positiva para o mercado e os consumidores, sendo que, no caso dos autos, essa sensibilidade é, pelo menos, discutível, desde logo conforme resulta do parecer económico; (ii) tanto o Contrato MVNO como o alegado acordo de 03.01.2018 têm uma finalidade pró competitiva. Por mais graves que hipoteticamente fossem as restrições de mercados e de preços, essas restrições inscrevem-se numa concorrência que não seria, de todo, possível sem o Contrato MVNO e sem o alegado acordo de 03.01.2018; (iii) a divergência entre posições (mormente a do Tribunal e a do parecer económico) e a finura e subtilidade de análise necessária para se concluir pela ilicitude da conduta, impedem que se possa concluir pela consciência da ilicitude de um agente ancorada apenas no seu conhecimento de que o acordo é restritivo da concorrência; (iv) não se provaram quaisquer factos que permitam concluir que a ilicitude ou licitude de um tal acordo foi previamente avaliada ou analisada pela MEO, mas apenas pela NOWO, previamente à apresentação do Requerimento de Clemência, ainda que para se concluir pela licitude da conduta. 272. Nessa medida, e em face das particularidades de Direito do caso em apreço, mesmo que o Tribunal da Relação viesse concluir que ficou demonstrada, objetivamente, uma conduta ilícita imputada à MEO, e que viessem a concluir que a MEO até tinha consciência de que essa conduta restringia a concorrência – no que não se concede – a verdade é que não existe qualquer fundamentação nas regras da experiência comum (utilizadas pelo Tribunal para dar como provado o facto n.º 144), antes pelo contrário, para concluir pela existência de uma consciência de que tal acordo era especialmente nocivo para e a restringia sensivelmente. 273. Não foi demonstrado que a MEO tivesse agido com consciência de que um acordo como o que está descrito nos autos constituísse uma restrição grave da concorrência. 274. Não tendo a MEO consciência da gravidade da restrição da concorrência imposta pelo acordo, está vedada a qualificação da sua conduta como dolosa, nos termos do artigo 8.º do RGCO, devendo, consequentemente, por falta de preenchimento do elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 9.º da LdC e 101.º n.º 1 do TFUE, a MEO ser absolvida, o que se requer. Escolha e determinação das sanções 275. A Decisão Final da AdC padece de insuficiente fundamentação, porquanto se limitou a indicar as normas legais, elencar alguns fatores, e, no final, fixar o valor de 84.000.000 Euros – sem permitir à MEO descortinar qual a valoração efetiva que foi atribuída a cada um dos fatores. 276. Segundo a jurisprudência do TJUE, a fundamentação deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da administração e permitir às empresas que são destinatárias do ato jurídico identificar e compreender os critérios efetivamente utilizados para a fixação da coima. 277. Quando aprovou as suas LdO, a AdC previu e assumiu uma metodologia precisa e verificável de determinação da medida da coima, tendo-se auto-vinculado a seguir tal metodologia. 278. Ao não ter sido seguida essa metodologia, e sendo oferecida uma parca fundamentação na Decisão Final, ficou a MEO impedida de seguir os passos do raciocínio da Autoridade. 279. Da Decisão Final não consta qualquer fundamentação quanto aos seguintes aspetos basilares: (i) a percentagem da gravidade aplicada; (ii) o fator de multiplicação em função da duração utilizado; e (iii) se foi aplicada alguma percentagem de redução em função de fatores atenuantes. 280. Pelo que terá de concluir-se que andou mal o Tribunal Recorrido ao não censurar a Decisão Final que viola o dever de fundamentação, por não evidenciar porque se afasta das LdO, violação essa que invalida a decisão, nos termos do dispostos nos artigos 58.º, n.º 1, alínea c) do RGCO, ex vi artigo 13.º da LdC, 97.º, n.º 5, e 374.º, n.º 2, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e 268.º, n.º 3, da CRP, acarretando a sua nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP ou, pelo menos, a sua invalidade, de acordo com o artigo 123.º, n.º 1, do CPP, ambos por remissão do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO. 281. Deve, pois, a Sentença ser revogada e substituída por outra decisão que invalide a Decisão Final e ordene a remessa do processo à AdC para proferimento de nova decisão final. 282. Caso o Tribunal tivesse sindicado a Decisão Final da AdC quanto à coima e ao cumprimento das LdO, teria confirmado, mesmo com a inexistente fundamentação, que a coima aplicada decorre necessariamente de uma metodologia que se afasta das LdO. 283. À luz das LdO, a AdC deve: (i) definir o volume de negócios realizado pela visada quanto aos bens ou serviços direta ou indiretamente relacionados com a infração; (ii) aplicar uma percentagem entre 0% a 30% sobre o volume de negócios relacionado com a infração, em função da gravidade da infração; (iii) aplicar um fator de multiplicação correspondente ao número de anos de infração; (iv) ajustar o montante de base, conforme circunstâncias agravantes e/ou atenuantes 284. Para efeitos de determinação da medida da coima, releva o “volume de negócios realizado pelo visado pelo processo quanto aos bens ou serviços direta ou indiretamente relacionados com a infração”. 285. Independentemente da conclusão a que se chegue quanto aos mercados relevantes, é certo que a NOWO não estava nem está ativa no segmento não residencial, pelo que deveria esse segmento de volume de negócios ser excluído do volume de negócios relacionado com a infração. 286. Por conseguinte, deveria ter sido considerado o volume de negócios relacionado com a infração de 427.204.829,00 Euros. 287. A isto acresce que é contestável que o volume de negócio gerado pela MEO nas ofertas convergentes na área do footprint da NOWO e nas ofertas móveis stand alone nessa área tenham qualquer relação efetiva com a infração cuja prova se circunscreve às ofertas móveis standalone fora do footprint. 288. Era, desde logo, sobre este volume de negócios efetivamente relacionado com a infração que deveria a AdC ter aplicado uma percentagem em função da gravidade atribuída à conduta entre 0 e 30%. 289. Apesar de a Decisão Final não referir o peso concreto atribuído à gravidade, a AdC terá considerado uma percentagem de gravidade entre 16% e 17%, tendo em conta o volume de negócios relacionado com a infração que terá servido de base (568.667.423 Euros). 290. Ainda que se entenda que está em causa uma restrição da concorrência por objeto (quod non), estava vedado à AdC aplicar uma percentagem de gravidade superior a 7%, porquanto esta é que está em linha com a prática decisória da AdC anterior à Decisão Final. 291. Tendo em conta apenas o volume de negócios relacionado de 427.204.829,00 Euros, a aplicação dessa percentagem de 7% situaria o montante base da coima em 29.904.338,03 Euros. 292. Assumindo o fator de multiplicação de 0,92, a coima a aplicar pela AdC, seguindo as suas LdO, passaria a 27.511.990,90 Euros. 293. Este raciocínio não é despiciendo, mesmo tendo em consideração a fase do processo em que nos encontramos, pois cabia ao Tribunal a quo tê-lo feito, em face do pedido da MEO para sindicância da Decisão Final à luz das LdO, por força da aplicação do princípio da boa fé. 294. Assim, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que revogue a decisão da AdC por violação do princípio da boa-fé, ínsito no artigo 266.º n.º 2 da CRP, por se afastar das suas LdO, a que se auto-vinculou, e que ordene a baixa do processo à AdC para proferimento de nova decisão. Dito isto, 295. O princípio da proporcionalidade exige que não se ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para atingir o objetivo pretendido, e implica, neste contexto, que se fixe a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infração e a duração, ponderando esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada. 296. No que concerne à fundamentação da gravidade, a Sentença Recorrida e a Decisão Final limitam-se a repetir a qualificação do tipo contra-ordenacional objetivo, referindo que está em causa um acordo de fixação de preços e de repartição de mercado que configura uma restrição por objeto, apesar de a MEO ter alertado para a necessidade de uma ponderação casuística da gravidade da conduta no seu Recurso para o TCRS. 297. Ao utilizar a mesma circunstância para qualificar a conduta em causa enquanto restrição por objeto – logo como uma infração dos artigos 9.º da LdC e 101.º do TFUE – e fundar a gravidade desta, a Sentença Recorrida está a violar o princípio da proibição da dupla valoração. 298. Na Sentença Recorrida admite-se que seria possível estipular, de forma lícita, restrições muito semelhantes às que estão aqui alegadamente em causa, o que tem de significar que o juízo de censura que se pode fazer deve ser afastado, ou, na pior das hipóteses, muito atenuado. 299. No que toca à natureza e dimensão do mercado afetado, terá de ser ter em conta (i) a reduzida dimensão da NOWO, tanto em termos de quota de mercado como volume de negócios, e (ii) o facto de, enquanto MVNO, não ter capacidade para exercer uma efetiva pressão concorrencial, terão de ter um impacto de redução da gravidade de alegada infração. 300. Está em causa apenas o mercado de comunicações móveis standalone que não deve ter dimensão nacional mas antes estar circunscrito ao território em que a NOWO não dispõe de rede fixa, mercado esse que foi comprovado como estando em decadência. 301. No que se refere à duração da infração, o Tribunal Recorrido admite que esta foi muito reduzida. Não se consegue compreender, da fundamentação, em que medida terá o Tribunal concluindo que, apesar desse curta duração, deveria aplicar-se uma coima tão pesada à MEO. 302. Em respeito do grau de participação da MEO na infração, não parece ter sido devidamente ponderado o facto de, na tese da Sentença Recorrida e Decisão Final, a iniciativa de conduta em causa ter partido da NOWO, e haver sinais evidentes de distanciamento e desinteresse por parte da MEO. 303. No que toca às vantagens de que beneficiaram as infratoras, não há um concretização e quantificação das vantagens de que a MEO teria beneficiado com a alegada infração. 304. A Sentença Recorrida não considera que: (i) a NOWO podia descontar 33% os seus preços, o que é muito significativo; (ii) a MEO tinha de acompanhar o lançamento das ofertas do MVNO o que inevitavelmente significa ter acesso com antecedência à informação comercial relevante da NOW; e que (iii) os segmentos low-cost, tipicamente explorados por operadores, em pouco ou nada interferem na dinâmica concorrencial entre os operadores principais de mercado – isto é, MEO, NOS e Vodafone. 305. No que respeita à situação económica da visada, as considerações tecidas pela Sentença Recorrida são absolutamente irrelevantes para justificação da medida a nível do artigo 69.º, n.º 1, alínea g), da LdC. 306. Quanto à existência de antecedentes, apesar de se constatar que a MEO não os tem, não se consegue compreender de que forma foi esse fator ponderado (ou sequer se o foi), nem se atinge por que razão não justificou uma menorização das necessidades de prevenção especial negativa. 307. Relativamente à colaboração prestada à AdC até ao termo do procedimento a Autoridade, não se entende como pode o Tribunal Recorrido desvalorizar a postura de colaboração da MEO ao longo do processo, a qual foi até sinalizada pela Autoridade, parecendo, pois, que o Tribunal Recorrido faz uso de uma interpretação restritiva do artigo 69.º, n. 1º, alínea i), da LdC, a qual é de constitucionalidade duvidosa. Assim, devia o Tribunal Recorrido ter valorizado a postura de colaboração da MEO ao longo do processo. 308. Na determinação do volume de negócios relacionado com a infração, não deve ser incluído: 309. O volume de negócios realizado com ofertas móveis ou convergentes a clientes não residenciais, ou empresariais, uma vez que resultou provado que a NOWO não estava presente nesse mercado; 310. O volume de negócios associado a ofertas móveis standalone no footprint uma vez que não ficou provado que essas ofertas tivessem sido objeto de qualquer restrição; 311. O volume de negócios relacionado com ofertas convergentes fixo/móvel nas áreas em que a NOWO dispõe de uma rede fixa uma vez que não ficou efetivamente provado que tivessem sido objeto do alegado acordo. 312. Uma medida de coima em direito da concorrência é determinada em função de uma percentagem sobre o volume de negócios relacionado com a infração, pelo que valor apurado deve ser alcançado com precisão, como exige a jurisprudência do TJUE. 313. No que toca às exigências de prevenção, uma coima de 84.000.000,00 Euros revela-se exorbitante e desproporcionada para os fins de interesse público inerentes à defesa da concorrência e do mercado considerados pelo Tribunal, porquanto (i) é desnecessária para dissuadir a MEO de incorrer noutras infrações, e (ii) é desnecessária e inexigível para evitar que os demais agentes tomem o comportamento da MEO como modelo de conduta. 314. A indexação do limite máximo da coima ao volume de negócios das visadas, nos termos definidos no artigo 69.º, n.º 2 da LdC, não dispensa a apreciação da adequação, necessidade e proporcionalidade da coima concretamente aplicada em face das finalidades preventivas visadas, no caso concreto, pelo sancionamento, bem como os factos apurados em relação à visada condenada (nomeadamente, os concretizadores da sua culpa) 315. A coima aplicada, não é apenas exorbitante, é também manifestamente injustificada em qualquer das caraterizações possíveis da infração, o que representa um fator de insegurança, dissuasor da tomada de risco equilibrado pelas empresas e incentivador de atavismo comercial, em particular atendendo a que: (i) A visada é primária em relação a infrações ao Direito da Concorrência; (ii) A infração que (a existir) teria durado menos de um ano; (iii) A infração ocorreu no contexto de um contrato específico e pró competitivo; (iv) os seus efeitos na concorrência (a existirem) são ambivalentes e necessariamente negligenciáveis para um concorrente com a posição que a MEO ocupa nos mercados em causa (atenta a diminuta quota de mercado da NOWO); (v) a MEO nunca poderia ter retirado qualquer vantagem assinalável do acordo e efetivamente não tirou, muito pelo contrário (veja-se o deficit do balanço grossista retalhista dado como provado), tendo o Contrato MVNO sido concluído no interesse estratégico do acionista. 316. A este respeito, diga-se ainda, que a Sentença Recorrida, invocando a comparação da situação da MEO com a da “Altice”, a qual foi “condenada recentemente por uma infração ao direito da concorrência considerada igualmente muito grave”, por violação da obrigação de não implementação de uma concentração anteriormente à sua autorização por parte da Comissão Europeia (linhas 8445 e seguintes), 317. incorre em erro ao confundir a Altice Europe N.V., destinatária da referida decisão de condenação, e a Altice Portugal S.A, razão pela qual é irrelevante considerar o volume de negócios desta última (do qual as receitas da MEO representam 90%), para daí retirar qualquer conclusão quanto à proporcionalidade da coima. 318. Mesmo que se entendesse que a coima aplicada cumpria os requisitos de proporcionalidade que resultam do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a coima aplicada teria de ser reduzida por ultrapassar a culpa da MEO, que funcionaria como justificante e limite da sanção a aplicar, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2, do CP. 319. Deve, consequentemente, a coima aplicada pelo Tribunal ser revogada e, caso V. Exa. entenda, no que não se concede, que a MEO deve ser sancionada, deverá ser aplicada uma coima manifesta e significativamente mais reduzida, considerando um volume de negócios relacionado com a infração muitíssimo inferior e valorando as circunstâncias atenuantes devidamente explicitadas no presente recurso. 320. A tudo isto acresce que: 321. O exercício de determinação da coima deve pautar-se pelo respeito do princípio da igualdade, o que exige uma igualdade de tratamento do caso em apreço em relação aos casos anteriores análogos. Apenas poderá haver um desvio da prática anterior se este for devidamente fundamentado a nível de alterações no interesse público prosseguido 322. Verificou-se um manifesto rompimento com uma prática anterior de aplicação de medidas de coima, que rondaria os 4% a 7% do volume de negócios relacionado com a infração, desvio que, de acordo com a estimativa da MEO, correspondendo ao dobro do que vinha sendo aplicado, teria necessariamente de ser acompanhado de uma específica justificação, tendo de se explicar por que razão o interesse da defesa pública da concorrência se intensificou súbita e exponencialmente, de forma a exigir uma duplicação de percentagens de gravidade a aplicar. 323. Em face disto, deverá considerar-se que há uma violação do princípio da igualdade, saindo, assim, violados os artigos 13.º e 266.º n.º 2 da CRP. 324. Deveria, consequentemente, o Tribunal ter revogado a Decisão Final na parte em que aplicou uma coima deste montante à MEO e ter devolvido o processo à AdC para que pudesse fazer um novo cálculo da coima que considerasse os casos anteriores ou pudesse providenciar pela explicação segundo a qual este caso particular deveria afastar-se dos casos anteriores análogos. 325. Não o tendo feito, incorreu em Tribunal num erro quanto à aplicação do artigo 69.º, n.º 1, da LdC à luz do princípio da igualdade decorrente dos artigos 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP que se requer a V. Exa. que declarem, procedendo à consequente revogação da Sentença. 326. Por último, a aplicação da sanção acessória não é fundamentada com base em argumentos de gravidade e culpa específicos, como exige a lei, parecendo resultar de um exercício automático. 327. Por estas razões, deve a parte da Sentença Recorrida relativa à sanção acessória ser revogada. 328. Por tudo o exposto, e em conclusão quanto à coima, terá de concluir-se que a coima aplicada pelo Tribunal a quo é manifestamente desproporcionada, violando os princípios da proporcionalidade e da culpa, decorrentes dos artigos 1.º e 18.º n.º 2 da CRP, 40.º n.º 2 do Código Penal, por remissão do artigo 32.º do RGCO, ex vi artigo 13.º da LdC, devendo consequentemente a Sentença ser, quanto à sanção, revogada. REENVIO para o tribunal de justiça da União europeia Como referido no presente recurso, está em causa a aplicação simultânea do artigo 9º da LdC e do artigo 101º do TFUE. Este último deve ser objeto de uma interpretação uniforme na União Europeia de acordo com um procedimento que, embora definido pelo legislador nacional, observe o quadro regulamentar da União – vide o Regulamento (CE) 1/2003 – e garanta o efeito útil da referida disposição e dos procedimentos relativos à sua aplicação. A Recorrente considerou nas presentes alegações que a Sentença Recorrida se desviou do quadro de uniformidade e de conformidade exigido pelo direito da União Europeia. Os órgãos jurisdicionais nacionais são juízes de direito comum do direito da União e que o princípio do primado do direito da União Europeia e o princípio da interpretação uniforme exigem que os tribunais nacionais interpretem o direito da União sem divergências. Para o efeito, nos termos do artigo 267º do TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e do direito deles derivado. Caso dúvidas de interpretação se coloquem a um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como é o caso, esse Tribunal é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça. A este respeito o Tribunal de Justiça tem entendido que “na medida em que não exista recurso jurisdicional da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este está, em princípio, obrigado a questionar o Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE, quando lhe seja submetida uma questão relativa à interpretação do Tratado FUE (acórdão de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C-136/12, EU:C:2013:489, n.º 25)”[2]. O reenvio apenas não é obrigatório quando se “conclua que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável”[3]. No presente caso, sem prejuízo do douto suprimento do Tribunal da Relação, parecem existir dúvidas quanto a várias questões que a Recorrente toma a liberdade de sugerir sejam esclarecidas mediante reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a saber: No que toca à interpretação do artigo 101º do TFUE colocam-se várias questões: a. Saber se num contrato light MVNO nos termos do qual um operador de rede móvel (MNO) autoriza um operador virtual (MVNO) a utilizar a sua rede para oferecer serviços móveis aos seus clientes, MNO e MVNO podem ser considerados concorrentes efetivos tendo em conta um quadro contratual em que o MVNO necessita do apoio do MNO para operacionalizar os serviços e para ativar clientes e tem a margem de autonomia na definição dos preços retalhistas condicionada pelos preços grossistas aplicados pelo MNO. b. Saber se um contrato MVNO com as características acima referidas, com efeitos ambivalentes – que permite ao MVNO, com menos de 2% de quota de mercado, prestar serviços a novos clientes e lançar ofertas convergentes fixo/móvel destinadas a preservar os clientes da sua rede fixa, limitando em contrapartida a atividade móvel do MVNO condicionando-a em termos de utilização nas regiões em que dispõe de rede fixa e em termos de preços – pode ser considerado restritivo da concorrência por objetivo ou por objeto. c. Saber se a sensibilidade da restrição da concorrência resultante de um acordo com as características acima referidas deve ser aferida em função de todas as circunstâncias relevantes, designadamente relativas às partes, ao contrato e ao mercado, mesmo na hipótese de tal acordo ou contrato ser qualificado como restrição por objeto. No que toca à interpretação do procedimento de aplicação do artigo 101º do TFUE pelas autoridades e tribunais nacionais colocam-se também várias questões: a. Saber se uma autoridade nacional que publica orientações relativas ao cálculo das coimas, semelhantes às publicadas pela Comissão Europeia, tem a obrigação de as seguir em benefício da transparência e da não discriminação entre visados por procedimentos de infração às regras de concorrência, e se a plena jurisdição do Tribunal de recurso na fixação das coimas está pela mesma razão limitada. b. Saber se a visada tem ónus de refutar os efeitos de um acordo que foi pela autoridade da concorrência qualificado apenas como restrição por objeto e se, não tendo esse ónus, tem ainda assim o ónus de justificar o dito acordo com base no artigo 101º, nº3 do TFUE. Termina requerendo que sejam conhecidas todas as questões colocadas no recurso, nomeadamente pedindo que o Tribunal decida: (i) declarar nula a prova correspondente a mensagens de correio eletrónico apreendidas e, em consequência, declarar nula a Sentença Recorrida; subsidiariamente: (ii) declarar a violação do direito a um processo justo e equitativo com as legais consequências; subsidiariamente: (iii) revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que declare a nulidade da Decisão Final da AdC por ter sido proferida em violação do direito de defesa em virtude das restrições no acesso ao processo, por não conter uma lista de factos provados e não provados e por não conter factos necessários ao elemento subjetivo e, consequentemente absolva a MEO; subsidiariamente: (iv) declarar a nulidade da Sentença Recorrida por condenar a MEO por factos diversos dos que constavam da Decisão Final da AdC, por aditamento ilegal de factos respeitantes ao elemento subjetivo fora dos casos previstos na lei, por omissão de pronúncia quanto aos factos alegados pela defesa e quanto à violação pela AdC dos princípios da boa fé, da segurança jurídica e da confiança legítima na fixação da sanção e por falta de fundamentação; subsidiariamente: (v) revogar a Sentença Recorrida por padecer de erros notórios na apreciação da prova e por contradições insanáveis; subsidiariamente: (vi) revogar a Sentença Recorrida por erro na interpretação e aplicação do tipo objetivo e subjetivo dos artigos 9.º da LdC e 101.º n.º 1 do TFUE conjugados com os artigos 68.º n.º 1 alínea a) e 69.º n.º 2 da LdC, devendo, consequentemente, a MEO ser absolvida; caso assim não se entenda deve a Sentença Recorrida: (vii) ser revogada quanto à sanção principal e quanto à sanção acessória por ser manifestamente ilegal; em qualquer caso: (viii) conhecer as inconstitucionalidades arguidas; (ix) ponderar o reenvio para o TJUE para esclarecimento das questões acima identificada; e (x) agendar data para a realização de audiência para discussão dos seguintes pontos das alegações e conclusões: a. Nulidade da prova, conforme invocada no Capítulo III.B. da Motivação (designadamente nos pontos 81-158) e Pontos 6 a 22 das Conclusões; b. Violação do direito a um processo justo e equitativo, conforme invocada no Capítulo III.C da Motivação (designadamente nos pontos 159-265) e Pontos 23 a 27 das Conclusões; c. Nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos que constavam da decisão administrativa, conforme invocada no Capítulo III.F. da Motivação (designadamente nos pontos 379-423) e Pontos 55 a 64 das Conclusões; d. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto aos factos alegados pela MEO no seu Recurso de Impugnação, conforme invocada no Capítulo III.F (c) da Motivação (designadamente nos pontos 424-456) e Pontos 73 a 85 das Conclusões; e. Erros notórios na apreciação da prova, conforme invocados nos Capítulos IV. B a D da Motivação (designadamente nos pontos 556-686) e Pontos 110 a 168 das Conclusões; f. A errada interpretação do artigo 9.º e do artigo 101.º n.º 1 do TFUE conforme invocado no Capítulo V. da Motivação (designadamente nos pontos 687-1141) e Pontos 171 a 275 das Conclusões; g. Quanto à sanção: i. a omissão de pronúncia sobre o afastamento da AdC quanto às suas Linhas de Orientação, conforme invocado no Capítulo III.F.(d) da Motivação (designadamente nos pontos 532-552) e Pontos 80 a 86 das Conclusões; ii. a ilegalidade da coima aplicada pela AdC e o especial dever de fundamentação e precisão do Tribunal para aplicar uma coima daquele montante, conforme invocado no Capítulo VI (a) e (b) da Motivação (designadamente nos pontos 1142-1194) e Pontos 276 a 295 das Conclusões; iii. a desproporcionalidade da coima aplicada, conforme invocado no Capítulo VI. (c) e (d) da Motivação (designadamente nos pontos 1195-1271) e Pontos 296 a 326 das Conclusões. * O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência. * A Autoridade da Concorrência formulou as seguintes conclusões [transcrição]: Sem embargo: da alegada inadmissibilidade legal de apreensão de correspondência eletrónica no âmbito de um processo contraordenacional A. A presente resposta versa sobre o recurso interposto pela MEO da Sentença proferida nos presentes autos no passado dia 04.07.2022, que, confirmando in tottum a Decisão da AdC, condenou a MEO, pela prática de um cartel de fixação de preços e repartição de mercados, numa coima de €84.000.000 e em sanção acessória que consiste na publicação, após trânsito em julgado de um extrato da Decisão, na II Séria do Diário da República e em jornal de expansão nacional. B. Quer os vícios processuais arguidos, quer os erros notórios quanto à apreciação da matéria de facto, quer, ainda, os pretensos erros de Direito deverão, por diversas razões, merecer a sua improcedência total. Nulidade da prova C. À semelhança daquela que parece ter sido a posição tomada pelo Tribunal a quo e daquela que tem vindo a ser a orientação defendida pela maioria da jurisprudência a este propósito, entende a AdC que a Recorrente falha ao pretender aplicar o n.º 4 do artigo 34.º da CRP à apreensão de mensagens de correio eletrónico lidas/abertas – as únicas que foram apreendidas nos presentes autos. D. A doutrina e a jurisprudência mais autorizadas – e que inclusivamente se versam sobre o processo contraordenacional por infração às leis da concorrência – têm entendido que o escopo do n.º 4 do artigo 34.º da CRP apenas inclui o correio eletrónico fechado/por ler, pois só este convocará a (especial) necessidade de proteção, enquanto comunicação que ainda não chegou ao seu recetor: o que aquele preceito salvaguarda é a privacidade em sentido formal,ou seja, a interação e o processo comunicativo (ou o ato comunicativo em si) ao invés do objeto da comunicação, isto é, do seu conteúdo. E. O critério do correio eletrónico aberto/lido versus correio eletrónico fechado/não lido é o critério que tem sido, até à data, acolhido pela jurisprudência especializada como permitindo traçar a fronteira entre o que é correspondência e o que não é. A partir do momento em que o correio é lido e armazenado no computador, deixa de subsistir a vontade de o tornar confidencial e privado da curiosidade alheia, passando a valer como um mero documento, desprotegido de tutela constitucional. F. Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal ad quem proferidos no processos n.º 229/18.5YUSTR.L2 (3.ª Secção), n.º 71/18.3YUSTR-D (3.ª Secção) n.º 71/18.3YUSTR-M (PICRS), n.º 18/19.0YUSTR-D e, muito recentemente, n.º 28999/18.3T8LSB-B.L1 (Acórdão de 26.09.2022). G. O que a AdC apreendeu, no âmbito do PRC/2018/5, foram mensagens de correio eletrónico abertas/lidas que, como corretamente defendeu o Tribunal a quo e de acordo jurisprudência supra referida, constituem meros documentos escritos, estando, por isso, estão apartadas do regime de proteção da reserva de correspondência e das comunicações conferido pelo n.º 4 do artigo 34.º da CRP. H. Em todo o caso, não vá sem referir-se que, de qualquer modo, o artigo 34.º da CRP se reconduz à intimidade da vida privada e à tutela da privacidade da pessoa singular, sem aplicação ao contexto da vida empresarial e da informação criada, produzida e veiculada entre empresas, pelo que, tratando-se o litígio sub judice de uma diligência de busca feita a uma empresa em sede de processo contraordenacional da concorrência, a apreensão de correio eletrónico da mesma não seria em qualquer caso objeto do crivo constitucional prescrito pelo n.º 4 do artigo 34.º da CRP. I. A própria jurisprudência doTribunal Constitucional e adoutrina nelacitada que vêm acolhendo uma diferenciação ou graduação de proteção entre a esfera de intimidade da vida privada e a esfera de privacidade de uma pessoa coletiva – distinção essa com impacto no alce subjetivo do artigo 34.º da CRP. Veja-se, por exemplo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional n.º 593/08. A doutrina autorizada inclui Jorge Miranda/Rui Medeiros e Gomes Canotilho/Vital Moreira. Igualmente pertinente é o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 1590/17.4BEPRT. J. Até razões de ordem sistemática apontam para a natureza intrinsecamente pessoal do aludido n.º 4 do artigo 34.º, dado que o capítulo da Lei Fundamental onde se insere aquele artigo – capítulo I do título II – tem como epígrafe a referência aos “direitos liberdades e garantias pessoais”, sendo certo, por outro lado, que prescreve o n.º 2 do artigo 12.º da CRP que as pessoas coletivas gozam dos direitos compatíveis com a sua natureza – que vale por dizer, que as pessoas coletivas só gozam dos direitos que sejam compatíveis com a sua natureza. K. A pretensão do legislador subjacente a este preceito terá sido a de consagrar e proteger o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, como corolários da reserva da vida privada. L. Aqui chegados, é forçoso concluir que ocorrendo a apreensão de mensagens de correio eletrónico em ambiente empresarial, como sucedeu nos presentes autos, nunca se verificaria – independentemente só ter sido apreendido correio eletrónico já lido – qualquer ofensa ao direito à inviolabilidade das comunicações, porquanto estamos no âmbito da esfera jurídica da pessoa coletiva e não das pessoas singulares que colaboram com a Recorrente – e tal sempre seria quanto baste para encerrar em definitivo a discussão em torno da conformidade constitucional do teor da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º da lei da Concorrência e julgar improcedente o argumentário da Recorrente. M. Nesse preciso sentido se pronuncia o parecer do Professor Doutor Vital Moreira (disponível para consulta pública aqui), havendo inclusivamente já jurisprudência que parece propugnar por orientação semelhante. É o caso do já referido Acórdão proferido no processo n.º 28999/18.3T8LSB-B.L1 e a da Sentença proferida no âmbito do processo n.º 225/15.4YUSTR-W (pp. 1852 e ss). N. Tão pouco igualmente será aplicável ao regime sancionatório da concorrência o n.º 1 do artigo 42.º do Regime Geral das Contraordenações: só o seria se não houvesse norma específica na Lei da Concorrência a propósito do âmbito objetivo das diligências de busca, exame e apreensão promovidas pela AdC. O. Sucede que essa previsão legal existe e está contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º da Lei da Concorrência, razão pela qual, tal como entendeu já o TRL, designadamente no Acórdãos proferidos nos processos n.º 71/18.3YUSTR-D37 e n.º 28999/18.3T8LSB-B.L1, se afasta a aplicação subsidiária do referido n.º 1 do artigo 42.º do Regime Geral das Contraordenações. P. Da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º conjugada com o n.º 1 do artigo 20.º e com o artigo 21.º da Lei n.º 19/2012 decorre que a AdC, desde que autorizada, ordenada ou validada pelo Ministério Público, pode apreender qualquer documentação independentemente do seu suporte. Por seu turno, ao Juiz de Instrução Criminal cabe autorizar as diligências previstas nos n.ºs 1 e 7 do artigo 19.º e no n.º 6 do artigo 20.º da Lei n.º 19/2012, significando isto que a AdC apenas poderá proceder a (i) buscas domiciliárias; (ii) buscas em escritório de advogado; (iii) buscas em consultório médico e (iv) apreender, em bancos e outras instituições de crédito, documentos abrangidos pelo sigilo bancário, desde que autorizada, ordenada ou validada pelo Juiz de Instrução Criminal. Q. As diligências encetadas pela AdC dependem, pois, de um controlo prévio, ora efetuado pelo Ministério Público, ora efetuado pelo Juiz de Instrução Criminal, em função da proporcionalidade da medida em causa e decorrente de uma pré-determinação normativa que prevê uma verdadeira repartição de competências entre a autoridade judiciária que emite a ordem de busca e a autoridade administrativa que executa essa mesma ordem, enformada por um princípio de proteção da esfera privada contra intromissões abusivas e arbitrárias resultantes do exercício de poderes públicos. O Acórdão proferido no processo n.º 71/18.3YUSTR-D, à semelhança do Acórdão proferido n.º 18/19.0YUSTR-D, encontra-se pendente de decisão no Tribunal Constitucional. R. A validação e autorização do Ministério Público é uma condição sine qua non da diligência prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido diploma (assim como a autorização do JIC para as diligências previstas n.ºs 1 e 7 do artigo 19.º e no n.º 6 do artigo 20.º da Lei n.º 19/2012). O legislador transferiu para o Ministério Público a competência para, em face da notícia da infração, da sua qualificação e do pedido de autorização fundamentado pela AdC nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da Lei da Concorrência, efetuar o seu próprio juízo de ponderação sobre a indispensabilidade ou necessidade dessa diligência (neste sentido, vide, designadamente, a jurisprudência do TCRS no processo n.º 159/19.3YUSTR, posteriormente corroborada por este TRL). S. Essa eventual decisão de autorização da busca e apreensão de correio eletrónico lido concedida por uma autoridade judiciária orientada pelo “princípio da legalidade” nos termos do n.º 1 do artigo 219.º da CRP parametriza e baliza a atuação da AdC, definindo limites que esta não pode ultrapassar sob pena de atuar fora do âmbito de competências que lhe foi delimitado e é suscetível de ser judicialmente escrutinável pela empresa visada. T. O Ministério Público assume, no processo contraordenacional de concorrência, uma função de controlo e de sindicância materialmente homólogas àquelas exercidas pelo JIC no plano processual penal (que aqui não é o caso) tendo em vista o controlo da atuação do poder público e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, imprimindo um equilíbrio ao sistema legal. U. O artigo 21.º da Lei n.º 19/2012 assegura a intervenção do Ministério Público não como responsável pelo processo, mas como terceiro ao mesmo, numa lógica de checks and balances da atuação da AdC, transportando especial apelo à proporcionalidade da ingerência nos direitos fundamentais da empresa. Esta atribuição de competência própria e exclusiva às autoridades judiciárias para determinadas diligências tem em vista a prolação de decisões por parte de autoridades independentes e a dissipação de qualquer confundibilidade entre o estatuto e orgânica da entidade que investiga/acusa e aquela que autoriza, salvaguardando o princípio de separação de poderes. V. Bem andou também o Tribunal a quo ao afastar a aplicação da Lei do Cibercrime ao processo contraordenacional da concorrência: aquela tem como objeto processos relativos a crimes no domínio da cibercriminalidade e um âmbito de aplicação circunscrito aos ilícitos criminais, com as consequências que daí derivam. Pelo contrário, as infrações por violação das regras da concorrência não são crimes, são contraordenações, conforme artigos 67.º e 68.º da Lei da Concorrência, sendo certo que as regras atinentes às diligências de busca e apreensão emergem de um regime de natureza contraordenacional. W. A Lei da Concorrência atual data de 08.05.2012, tendo revogado a anterior, a Lei n.º 18/2003 de 11 de junho. A Lei do Cibercrime data de 15.09.2009, ou seja, quando ainda não tinha entrado em vigor a atual Lei da Concorrência. Donde, se o legislador tivesse intencionado relacionar a apreensão de documentação em suporte digital com outros diplomas legais – como a Lei do Cibercrime – tê-lo-ia feito. Nem na nova Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto (que transpôs a Diretiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2018) – Diretiva ECN+ – o legislador, tendo tido nova oportunidade para tanto, previu qualquer remissão para a Lei do Cibercrime. X. O legislador foi taxativo em permitir a recolha e apreensão de qualquer documentação, independentemente do seu suporte, no âmbito de processos contraordenacionais no domínio concorrencial, sem prejuízo do regime jurídico anteriormente definido para a recolha de prova em suporte eletrónico no âmbito da investigação de crimes informáticos. Y. Existem já diversas decisões judiciais que afastam a aplicabilidade da Lei do Cibercrime ao regime da apreensão de correio eletrónico no domínio contraordenacional jusconcorrencial: são disso exemplos os Acórdãos proferidos por este Tribunal ad quem no processo n.º 18/19.0YUSTR-D e no processo n.º 71/18.3YUSTR-D. O Acórdão proferido no processo n.º 10626/T9LSB-B.L1 – que mereceu um voto de vencido e ainda não transitou em julgado – é uma decisão dissidente da prática deste mesmo Tribunal e que, de resto, foi já contrariada por um outro Acórdão posterior, proferido no processo n.º 28999/18.3T8LSB-B.L1. Z. A apreciação do despacho recorrido deverá ter igualmente lugar não perdendo de vista o primado do Direito da União Europeia – proclamado, entre outros, no conhecido Acórdão Costa c. Enel – cuja primazia perante a ordem constitucional interna apenas cederá, nos termos do n.º 4 do artigo 8 da CRP, em face de ameaça dos aspetos essenciais dos princípios fundamentais do Estado de direito. AA. Acontece que a convicção do Direito da União em torno da relevância e instrumentalidade da apreensão de correio eletrónico para a prossecução de infrações à concorrência é tal que a Diretiva Diretiva ECN + – em fase de transposição para o ordenamento jurídico interno – vem precisamente constituir um instrumento adicional de defesa da concorrência e de garantia do bom funcionamento do mercado interno em face dos novos desafios que emergem do ambiente digital, sendo certo que, com a transposição da referida Diretiva (atualmente em curso), é límpida a admissibilidade de apreensão de correio eletrónico por parte da Comissão Europeia, e das autoridades nacionais da concorrência, independentemente de qualquer filtro como o “lido” ou “não lido”. Aliás, no Acórdão proferido no processo n.º 18/19.0YUSTR-D, este Tribunal explicou por que razões as finalidades e o sentido prescritivo das normas relativas à apreensão de correio eletrónico previstas no regime contraordenacional da concorrência carecem de ser harmonizadas com aquela Diretiva. BB. A admissibilidade e validade da prova eletrónica apreendida pela AdC nos presentes autos e propugnada pelo Tribunal a quo é, pois, a única que se compadece com as especificidades do direito da concorrência a que se aludiram nos pontos precedentes, respaldados na Diretiva ECN+, e a única que observará um espaço de interconstitucionalidade europeu, onde inclusivamente se caminha para a possibilidade inequívoca de apreensão, em meio empresarial, de correio eletrónico marcado pelo respetivo utilizador como não lido. CC. Sobre o alcance do primado do Direito da União na transposição, para o ordenamento jurídico interno, da Diretiva ECN+, veja-se o parecer do Professor Doutor Miguel Poiares Maduro. Também bem andou o Julgador a quo ao recusar qualquer subsídio útil para os presentes autos relativamente ao Acórdão n.º 687/2021, proferido pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização preventiva da nova Lei do Cibercrime. DD. Em primeiro lugar, porque a declaração de inconstitucionalidade de determinada norma em sede de fiscalização preventiva não tem qualquer consequência quanto à Lei da Concorrência atualmente em vigor e para estes autos, particularmente: seriam necessárias três decisões sobre as referidas normas do Regime Jurídico da Concorrência para que uma eventual declaração de inconstitucionalidade ganhasse força obrigatória geral (n.º 3 do artigo 281.º da CRP). EE. Em segundo lugar, as normas com relevância para a temática da apreensão de correio eletrónico nos presentes autos (al. c) do n.º 1 do artigo 18.ºe artigo 21.º da Lei da Concorrência) não são as mesmas postas em crise naquele acórdão de fiscalização preventiva e não viram, aliás e até à presente data, qualquer inconstitucionalidade reconhecida. FF. Em terceiro lugar, o circunstancialismo legislativo subjacente àquele Acórdão não é comparável com o dos presentes autos – e isso tem sido afirmado designadamente por este Tribunal da Relação, ao afastar a aplicação da Lei do Cibercrime ao regime contraordenacional da concorrência. GG. Em quarto lugar, o Tribunal Constitucional tão pouco apreciou a aplicabilidade do n.º 4 do artigo 34.º da CRP ao domínio contraordenacional: a fiscalização que lhe foi suscitada cingia-se ao processo penal. HH. Em quinto lugar, porque existem especificidades no direito da concorrência que reclamam uma solução diferente daqueloutra adotada no Acórdão n.º 687/2021: as diligências de busca, exame e apreensão previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º da Lei da Concorrência se cingem às instalações, terrenos ou meios de transporte das empresas, não estando pois aqui em causa diligências de busca a pessoas singulares. Por seu turno e como se elucidou supra, o núcleo do artigo 34.º da CRP reconduz-se à intimidade da vida privada e à tutela da privacidade da pessoa singular, primordialmente vocacionado para proteção de informação nesse específico contexto e não no contexto empresarial. II. Assim, estando em causa as diligências de busca, exame e apreensão feitas tão-somente a empresas e às contas de email profissional dos seus colaboradores, na problematização sobre a conformidade constitucional da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º e do artigo 21.º da Lei da Concorrência deve ser devidamente ponderada a dissemelhança da tutela concedida pela Lei Fundamental às pessoas singulares e às pessoas coletivas. JJ. Em sexto lugar, uma das razões invocadas naquele Acórdão de fiscalização preventiva relativamente à necessidade de reservar ao Juiz de instrução criminal a autorização de apreensão de correio eletrónico reside na necessidade de salvaguardar um processo isento e imparcial, não permitindo que o mesmo órgão que investiga em processo penal (o Ministério Público) também autorize a possibilidade de obtenção daquele meio de prova. Acontece, contudo, que no processo contraordenacional da concorrência semelhante preocupação se encontra salvaguardada porquanto a entidade que investiga, acusa e instrui o processo (a AdC) não é a mesma a quem caberá autorizar as diligências de busca, exame e apreensão – função reservada ao Ministério Público e, alguns casos particulares, ao próprio Juiz de Instrução Criminal. KK. Esta separação orgânica, funcional e material de entidades acautela assim a necessidade de isenção, neutralidade e imparcialidade exigidas, sendo certo, como se viu já, que a Lei da Concorrência inclusivamente discrimina as matérias da competência do Ministério Público e aqueloutras reservadas ao Juiz de Instrução Criminal. LL. Em face de tudo quanto se expôs e sem prejuízo do Acórdão do Tribunal Constitucional que venha a ser proferido no âmbito do apenso D dos presentes autos, deve improceder a nulidade da prova arguida pela MEO. MM. Também os demais vícios aclamados pela Recorrente não encontram qualquer fundamento, como se procurou demonstrar nos §§ 174 a 245 da resposta da AdC. Resposta aos alegados erros notórios cometidos pelo TCRS NN. Os quatro erros notórios quanto ao julgamento de facto também, de igual sorte, não merecem procedência, como se tentou elucidar nos §§ 246 a 274 da resposta da AdC. OO. O artigo 127.º do CPP não impõe nem se compagina com a interpretação pretendida pela MEO de que o Tribunal de julgamento apenas pode valorar a prova documental cujos emissores e recetores sejam inquiridos em sede de produção de prova testemunhal, mais a mais quando se trata, como é o caso, de prova pré-constituída face à data da abertura do processo contraordenacional – situação que naturalmente não se verifica quanto à prova testemunhal já produzida em fase de julgamento, naturalmente já sugestionada pela própria existência do processo de contraordenação. PP. A secção dedicada à motivação da Sentença é fértil em exemplos de análise objetiva da prova documental em confronto e no contexto com a prova testemunhal produzida e na ponderação da realidade alternativa narrada pela MEO, concluindo que a prova testemunhal produzida por esta não foi suficiente para abalar a sua convicção quanto ao sentido das palavras contidas na prova documental. Foi assim não só quanto aos factos provados, mas também relativamente aos factos não provados. A título meramente exemplificativo, vejam-se as linhas 3782 a 3788, 3877 a 3922, 3962 a 3989, 6244 a 6276, 6292 a 6297. QQ. A AdC, e, na fase judicial, o TCRS, valoraram os requerimentos de redução ou dispensa de coima, conjuntamente com os elementos documentais oferecidos no âmbito da clemência e a par com a prova produzida pela AdC ao abrigo dos seus poderes de investigação e de instrução, maxime, com as mais de oito centenas de documentos eletrónicos apreendidos nas instalações das empresas visadas (fls. 2767). RR. É irrelevante a configuração jurídica feita pelos clementes aquando da apresentação de um pedido de redução ou dispensa de coima: os requerentes de clemência trazem ao conhecimento da AdC os factos – e a respetiva prova – que, no seu entendimento, são suscetíveis de configurar algum acordo ou prática concertada restritiva da concorrência e a AdC é que é responsável pela subsunção dos mesmos ao Direito, não estando de nenhum modo vinculada a qualquer consideração jurídica proposta por aqueles. SS. O Tribunal apreciou a prova testemunhal à luz das regras da experiência e no contexto dos demais meios de prova, o que resulta profusamente demonstrado ao longo das 145 páginas dedicadas à motivação da decisão de facto. A interpretação do email apontado pela MEO deve ser lida em todo o seu contexto (linhas 6138-6147) e não apenas na parte que lhe é aparentemente conveniente. TT. A teoria alternativa avançada pela MEO a propósito do suposto receio de sustentabilidade da NOWO foi devidamente afastada pelo Tribunal de julgamento, após análise crítica do vasto acervo documental e da prova testemunhal produzida. Da motivação da Sentença constam várias alusões a diversos meios de prova que contrariam e descredibilizam a tese da defesa a este respeito. Nesse sentido, vide, por exemplo, p. 194. UU.A Sentença recorrida contém abundantes justificações sobre a forma como Tribunal a quo entendeu valorar cada elemento de prova, num diálogo exemplar e constante entre as teorias alternativas da MEO (vide, em particular, a partir da p. 186), os depoimentos das várias testemunhas, as declarações do legal representante e as mensagens de correio eletrónico juntas aos autos – tendo muitas delas sido inclusivamente objeto de confronto durante a audiência de julgamento. Alegada falta de fundamentação de Direito VV. Também a fundamentação de Direito oferecida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura. WW. Pacotes convergentes são definidos como aqueles que incluem serviços de comunicações móveis e fixos (factos provados n.º 9 e 16); a expressão oferta convergente surge, pela primeira vez no facto 122, transcrita de uma mensagem de correio eletrónico, e não é contraditória face aos pacotes convergentes, referindo-se ambas à mesma realidade, embora a expressão oferta convergente coloque a tónica na perspetiva da oferta do serviço. Também poder-se-ia falar em oferta de pacotes convergentes. A expressão ofertas móveis convergentes surgem no contexto de a NOWO ter começado a oferecer pacotes convergentes aos seus clientes fixos (Linhas 5194). 447. Quanto à alegação de que o Tribunal a quo teria incluído considerações de Direito nos factos e factos no Direito, note-se, em primeiro lugar, os factos numerados dos pontos 35 ao 81 têm natureza económica e técnica mas não são confundíveis com matéria de Direito; em segundo lugar, os factos 122 e 123, 134, 138 e 139 não são subsumíveis a meras conclusões de Direito (o ato de acordar é uma expressão também usada para descrever uma realidade em que duas ou mais partes chegam a um entendimento quanto a algo, sem prejuízo da sua subsunção da conduta ao Direito, em sede própria). O mesmo se passa com os factos relativos ao cumprimento (e respetiva monitorização) do acordo: não deixam de ser factos que o Tribunal considerou provados, sem prejuízo das ilações de Direito que, mais adiante, o Tribunal retirou sobre os mesmos. Definição dos mercados relevantes XX. A prática decisória aponta no sentido de inclusão dos segmentos residencial e não residencial no mesmo mercado (Cf. Decisão da Comissão Europeia relativa aos processos COMP/M.5650– T-Mobile / Orange UK, COMP/M.6497 – Hutchison3G Austria / Orange Austria, COMP/M.6992 – Hutchison 3G UK / Telefonica Ireland, COMP/M.7018 – Telefonica Deutschland / E-Plus, disponíveis em aqui, e Ccent. 5/2013 Kento*Unitel*Sonaecom/ZON*Optimus e CCENT/2006/8- SONAECOM/PT). YY. Na medida em que a Recorrente não ofereceu, no plano dos factos e do Direito, fundamento atendível para justificar essa segmentação, bem andou o TCRS ao corroborar a análise formulada na Decisão da AdC. ZZ. Não se alcança o suposto dissenso quanto aos serviços OTT: na linha 6440 (e não nas linhas 6447 e ss), o Tribunal a quo afirma o seguinte: “Mais deverá excluir-se os serviços over-the-top (OTT) de comunicações dos mercados em causa”, AAA. Também não se compreende a posição da Recorrente quanto às ofertas móveis convergentes e standalone: na realidade, decorre de forma linear da Sentença (p. 273) que o Tribunal, corroborando, uma vez mais, o entendimento da AdC, definiu dois mercados distintos: i) mercado standalone nacional e ii) mercado dos pacotes convergentes (serviços móveis + fixos) nas áreas geográficas onde a NOVO dispunha de uma rede de comunicações fixas – embora, naturalmente, reiterando que “(…) quaisquer alterações que pudessem advir na identificação dos mesmos não teriam quaisquer impactos na apreciação jus concorrencial que deverá ser realizada acerca das condutas em causa, na medida em que está em causa uma infração por objecto (…)”. O acordo de vontades BBB. O Tribunal fundamentou devidamente a sua convicção, valorando, no seu conjunto, os diversos meios de prova e recordando a natureza – cada vez mais – tendencialmente secreta dos carteis, para concluir que “(…) os termos de um acordo restritivo entre concorrentes estejam contemplados de forma perfeita num contrato escrito, devidamente assinado e carimbado por todos os intervenientes” (cf. p. 137 da Sentença). CCC. As largas páginas que o Tribunal de primeira instância dedicou à apreciação crítica da prova afastam contundentemente as insinuações da Recorrente quanto à inexistência de acordo e, com todo o respeito pelo acervo decisório por si citado a propósito do standard da prova, uma leitura da motivação oferecida pelo Tribunal é quanto baste para se concluir pela existência de provas sérias, precisas e concordantes que atestam a existência do acordo celebrado entre a MEO e a NOWO, nos termos detalhados na factualidade agora assente, e afastam as tentativas de explicação apresentadas pela Recorrente. Contrato MVNO, concorrência entre a MEO e a NOWO, alegada natureza vertical e natureza por objeto da infração DDD. A MEO questiona o objeto restritivo do acordo celebrado entre si e a NOWO, persiste na relação vertical subjacente ao contrato MVNO e na importância de um contrafactual que consiste, em síntese, na comparação entre a situação de concorrência no contexto de MVNO e a situação de concorrência na ausência de MVNO. O Tribunal a quo respondeu a todas estas questões, nenhum reparo merecendo a fundamentação para tanto oferecida. EEE. O TCRS configura o acordo restritivo como um cartel de fixação de preços e repartição de mercados (pp. 291 a 315 da Sentença), citando, para tanto, prática decisória relevante a esse respeito. Este tipo de carteis são considerados, de forma estabilizada, com uma prática hardcore (sobre o tema, vide Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência, 2018, AAFDL Editora, p. 630). FFF. Os factos provados n.ºs 96 a 120 são particularmente elucidativos do contexto particular em que o contrato MVNO foi celebrado: a contra-vontade da MEO. Esse mesmo contexto particular afasta a tese da Recorrente sobre os incentivos subjacentes a um contrato MVNO, a ausência de concorrência efetiva e a verticalidade da relação. GGG. A decisão da MEO de celebrar o contrato MVNO não foi “voluntária”, no sentido em que não foi adotada com finalidades puramente comerciais, tendentes ao lucro, fora de constrangimentos externos, depois de ponderadas as vantagens e desvantagens. Por seu turno a NOWO não queria (antes da celebração do acordo restritivo com a MEO), limitar a sua oferta móvel ao seu footprint, sendo certo que a oferta M4A estava planeada para ser dirigida a todos os portugueses, abrangendo todo o território nacional. A este propósito, mostram-se particularmente relevantes os factos provados n.º 113 a 120.º. HHH. De igual sorte, censura alguma merece a Sentença do TCRS ao refutar a tese da Recorrente de que poderia, enquanto MNO recusar, ab initio, o acesso à sua infraestrutura limitando a respetiva utilização: uma coisa é o momento antes da celebração do contrato MVNO, e outra diferente é o momento em que foi concluído entre a MEO e NOWO o acordo restritivo da concorrência objeto do presente recurso. III. Avaliar a “situação concorrencial que existiria na ausência do acordo”, no presente caso, não passa por avaliar a situação concorrencial na ausência do contrato MVNO, mas sim na ausência do acordo restritivo da concorrência concluído em janeiro de 2018. JJJ. Atentando ao concreto teor do contrato MVNO celebrado (designadamente, à sua duração deseis anos sem possibilidade de denúncia e a autonomia comercial do MNO), no momento em que o acordo restritivo da concorrência foi concluído, em janeiro de 2018, a MEO estava obrigada contratualmente a fornecer à NOWO acesso à sua rede que permitisse a esta última prestar serviços móveis a nível nacional durante um período até abril de 2022. KKK. Com efeito, na medida em que a avaliação do contrafactual implica ponderar o que aconteceria não ausência da conduta ilegal, i.e., perante a inexistência da restrição da concorrência objeto de análise, a comparação entre o cenário real e o cenário hipotético impõe a consideração (i) do cenário com o acordo restritivo controvertido no presente caso concluído entre a MEO e a NOWO, e (ii) do cenário sem esse acordo. LLL. A MEO coloca o raciocínio no momento que lhe convém, que é o momento antes da celebração do contrato, mas esse pressuposto encontra-se errado à luz da jurisprudência da Tribunal de Justiça da União Europeia. Ademais, o acordo restritivo da concorrência controvertido não é o contrato MVNO, cuja legalidade não se disputa, mas sim o acordo concluído entre a MEO e a NOWO em 03.01.2018. MMM. No momento em que o acordo restritivo da concorrência foi celebrado, a MEO tinha duas opções e nenhuma delas era não celebrar o acordo MVNO, cenário que a MEO coloca. O contrato MVNO já se encontrava celebrado, não previa quaisquer restrições territoriais à oferta móvel da NOWO, ainda estaria em vigor até abril de 2022, e não contemplava a possibilidade de denúncia por referência a um momento prévio a esta data. NNN. Doutra banda, a questão relevante não é se o contrato MVNO (escrito) é um acordo vertical ou horizontal, mas sim se o acordo restritivo da concorrência (não escrito) constitui uma prática vertical ou horizontal (ou seja, se a MEO e a NOWO, para efeitos deste acordo, agiram na qualidade de concorrentes ou de não concorrentes – relação de fornecedor/cliente). OOO. A atividade principal da MEO era (e é) a sua operação retalhista de prestar serviços de comunicações eletrónicas a clientes finais, sendo o mercado a montante apenas um meio (instrumental) para operar no mercado retalhista. PPP. Os MVNO’s prestam serviços sob a sua própria marca, o que significa que, diversamente do que tipicamente sucede em casos de restrições verticais, neste caso foi a concorrência intramarca que foi afetada (entre a MEO e a NOWO), e não a concorrência intermarca (por exemplo, entre vários revendedores de produtos da MEO) – nesse sentido, pp. 295 e ss da Sentença. QQQ. O acordo de fixação de preços e repartição de mercados foi celebrado a jusante da relação grossista entre a MEO e a NOWO: o acordo restritivo verificou-se no mercado do retalho, onde ambas as operadoras eram concorrentes efetivas: aliás, a leitura da factualidade provada deixa bem evidente os receios concorrenciais da MEO face à NOWO (em particular, factos n.ºs 105 a 116). RRR. A MEO não tinha, no momento da conclusão do acordo restritivo da concorrência objeto do presente recurso, a possibilidade de optar entre a NOWO ser ou não seu concorrente: no momento em que concluíram o acordo restritivo da concorrência, a MEO e NOWO encaravam- se, precisamente, na condição de concorrentes no mercado retalhista SSS. É irrelevante se, aquando da celebração do contrato MVNO, podiam ter sido licitamente definidas condições que limitassem geograficamente a oferta de serviços da NOWO: não só porque não é esse o cenário contrafactual relevante – mas sim aquele que corresponde ao contrato MVNO efetivamente celebrado entre a MEO e a NOWO – como ainda, como bem aventa o TCRS, sempre restaria por explicar a fixação de preços, essa, em qualquer situação, ilícita. TTT. À luz dos factos provados e do Direito aplicável, também a tese sugerida pela MEO da acessoriedade da fixação de preços e repartição de mercados não pode, evidentemente, colher qualquer fundamento. UUU. Finalmente e sem conceder, mesmo em contexto de uma relação vertical – mas que, insiste- se, não é essa que está em causa no caso sub judice – a fixação de preços e a repartição de mercado (enquanto proibição de vendas passivas) continuariam a ser ilícitas – vejam-se os casos Lactogal e GPL (já apreciados por este Tribunal ad quem). VVV. Pelas razões exaustivamente expostas, nomeadamente, nas pp. 146 e ss, 239 e 294 da Sentença, a tese da alegada dívida da NOWO e o suposto interesse da MEO na sustentabilidade financeira daquela também não merecem colhimento. WWW. O acordo de fixação de preços e de repartição de mercados foi, pois, acertadamente configurado pelo Tribunal a quo como sendo restritivo da concorrência pelo seu objeto: esse objeto restritivo foi devidamente fundamentado considerando o respetivo contexto jurídico e económico em que foi celebrado e tem sido, de resto, unanimemente reconhecido na prática decisória da União e entre os autores mais autorizados. Assim, a título exemplicativo, vejam os Casos Toshiba Corporation c. Comissão (EU:C:2016:26) e XXX. Entre a doutrina, Sandra Marco Colino, European Competition Law on the EU and UK, 18th Ed., Oxford, pp. 287 e ss. YYY. Conforme tem entendido o TJUE e se encontra vertida na comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do artigo 101.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Comunicação de minimis,§2), um acordo suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenha por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno constitui, pela sua natureza e independentemente de quaisquer efeitos concretos que possa ter, uma restrição significativa da concorrência, não sendo, por isso, suscetível de ser abrangido pela regra de minimis. ZZZ. Sem embargo, o TCRS não se bastou com a análise do objeto restritivo do acordo: nas pp. 317 e 318 elucida por que é que, à luz da factualidade provada, o dito acordo afetou a concorrência de forma sensível, inexistindo qualquer razão atendível para, também neste segmento, reverter a Sentença recorrida. AAAA. Não corresponde à verdade que a MEO não tenha apelado ao preenchimento do artigo 10.º da Lei da Concorrência e do n.º 3 do artigo 101.º do TFUE. Aliás, nem poderia ter sido de outra forma já que, como bem recorda o Tribunal a quo (cf. linhas 8177 e 8178) é sobre a empresa que pretende beneficiar da isenção que incumbe o ónus da prova quanto ao preenchimento cumulativo dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 10.º da Lei da Concorrência e n.º 3 do artigo 101.º do TFUE – cf. artigo 2.º do Regulamento (CE) 1/2003 e n.º 2 do artigo 10.º da Lei da Concorrência. BBBB. Bem andou o TCRS ao analisar os argumentos apresentados pela Recorrente à luz dos preceitos atinentes à sua justificação e a julgá-los a todos improcedentes (cf. pp. 332 a 338 da Sentença), nada mais havendo para, a esse respeito acrescentar. CCCC.À luz da fundamentação expendida pelo Tribunal (pp. 253 e ss da Sentença), e não se olvidando que, nesta fase, já não é possível o escrutínio da matéria de facto, nenhum erro de Direito pode ser assacado à Sentença de primeira instância ao dar por devidamente preenchimento o elemento do tipo subjetivo. Escrutínio das sanções DDDD.A metodologia adotada pela AdC nas suas decisões finais de condenação tem sido consistentemente validada não só pelo TCRS, mas também por este Tribunal ad quem – veja- se, nesse sentido, o acórdão proferido no processo n.º 322/17.1YUSTR.L1, em 05.04.2021. EEEE. O volume de negócios relacionado com a infração foi apurado em função da definição dos mercados relevantes, a qual, como se viu previamente, não merece nenhum reparo. FFFF. A AdC não estava – nem poderia estar – limitada por qualquer percentual de gravidade decorrente da sua prática decisória anterior: isso mesmo asseverou o Tribunal a quo (cf. p. 345 e ss), recordando a prática decisória do TJUE a esse propósito. Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Casos Musique Diffusion française e O. c. Comissão, processos n.º 100/80 a 103/8 (Acórdão de 07.06.1983) e Dansk c. Comissão, processo n.º 189/02 (Acórdão de 26.06.2005). GGGG.Relativamente ao fator de multiplicação (relacionado com a duração da infração), a AdC também não se afastou das suas linhas de orientação, particularmente no previsto § 29, que impõe o arredondamento da duração das infrações – e recorde-se, a infração durou praticamente um ano. HHHH.Não é verdade que a MEO não possa compreender por que razão é que, apesar da duração da infração de um ano, o Tribunal entendeu aplicar uma coima tão musculada. Tal justificação resulta bem clara no segmento em que o Tribunal enumera as circunstâncias que militam a favor (como a duração), mas vai fazendo o contraponto com os aspetos que justificação a mão pesada da sanção, explicando, logo adiante, que “(…) não menos despiciendo referir que esse terminus, em 28.11.2018, apenas ocorreu não por qualquer atitude proactiva da MEO nesse sentido, mas apenas porque a AdC iniciou as diligências de busca e apreensão” (cf. p. 361 e p. 366). IIII. Improcede igualmente a alegação da MEO quanto ao seu grau de participação na infração: não é verdade sequer, à luz dos factos cristalizados, que a MEO tinha mostrado sinais evidentes de distanciamento e desinteresse – nesse sentido, vide pp. 361 e 262 da Sentença). JJJJ. No que concerne à suposta falta de concretização das vantagens de que beneficiaram as infratoras, improcede igualmente a crítica da MEO: tal como esclarece o TCRS, a circunstância de as mesmas não serem numericamente contabilizáveis beneficia a Recorrente (vide linhas 8846 e 8847 da Sentença). KKKK. Não obstante, a Primeira Instância, contrariamente ao que afirma a Recorrente, concretizou as vantagens de que a MEO beneficiou, embora não tivesse que proceder à sua quantificação. Caso o tivesse feito – o que tipicamente só sucederia num caso de efeitos e não de objetivo restritivo da concorrência – então sim essas vantagens teriam penitenciado a medida concreta da coima. LLLL. Ainda quanto ao argumentário oferecido pela Recorrente para contrariar as vantagens verificadas, note-se que o mesmo não tem qualquer aderência à realidade dos factos provada, desde logo porque a teoria de que os operadores low-cost em pouco ou nada interferem na dinâmica concorrencial entre os três principais operadores de mercado esbarra frontalmente na factualidade agora estabilizada, maxime, nos factos provados n.os 105 a 111, 115, 116, 134 e 135. MMMM.Quanto à situação económica da MEO que o Tribunal teve em conta na determinação da medida concreta da coima, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 69.º da Lei da Concorrência, não se alcança por que razão se mostram impertinentes as considerações a esse respeito tecidas pelo Tribunal, atestando, inclusivamente, o crescimento da operadora mesmo a contraciclo, em pleno contexto pandémico (facto provado n.º 150). NNNN. Também quanto à ausência de antecedentes contraordenacionais da MEO, tal circunstância foi expressamente ponderada e particularmente sopesada no contexto dos demais critérios (p. 366), improcedendo, também nesta parte, a crítica da MEO. Igual conclusão merece a colaboração por si prestada à AdC durante a fase organicamente administrativa do processo, circunstância que o Tribunal esclareceu que, estando em causa o cumprimento do dever geral de cooperação, o mesmo se mostra inócuo face a alguma concretização particular dessa cooperação – não resultando, evidentemente, qualquer desconformidade com a Constituição nesse balanceamento. OOOO. Como certeiramente sinalizou o Tribunal a quo, as necessidades de prevenção geral e especial mostram-se particularmente elevadas: por um lado, pela necessidade de dissuasão geral e por outro pela necessidade de consciencialização da Recorrente no sentido de que a prática de fixação de preços e repartição de mercados é “intrinsecamente desvaliosa e repudiada veemente pelo direito” (pp. 365 e 366). PPPP. Por outro lado, são irrelevantes, para a boa decisão da causa, quaisquer efeitos pró- competitivos do contrato MVNO, dado que não foi esse o acordo objeto de censura: tal como elucida o TCRS, uma coisa é o contrato MVNO, outra, bem distinta, é o acordo ilícito de fixação de preços e repartição de mercados. QQQQ. Finalmente, também não se verifica, diversamente do que defende a MEO, qualquer violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que: i) o invocado princípio de igualdade invocado pela Recorrente tem como corolário tratar de forma igual as situações que são materialmente iguais; ii) a alegação da MEO não passa de considerações genéricas, que despudoradamente não têm em consideração as circunstâncias específicas de cada processo sancionatório, não oferecendo, também por isso, qualquer subsídio útil para a dosimetria da coima nos presentes autos; e iii) a prática decisória anterior quanto à fixação das medidas concretas das coimas não limita a prática futura, cujas sanções poderão ser fixadas de forma mais severa, em função das necessidades de prevenção e da sua evolução, bem como da política de concorrência e respetivas prioridades que, a cada tempo, se mostrem ajustadas aos operadores e a cada mercado. RRRR. Deverá pois, também quanto à medida concreta da coima (e igualmente quanto à sanção acessória) ser confirmada, na íntegra, a Sentença recorrida. A impertinência da “sugestão” de reenvio prejudicial SSSS. A MEO sugere – mas não o pede contundentemente, provavelmente ciente do desacerto da sua sugestão – que seja ponderado o reenvio prejudicial para, no fundo, colocar à consideração do TJUE questões relacionadas com um cartel de fixação de preços e repartição de mercado, por ventura as infrações mais paradigmáticas do direito da concorrência. TTTT. Para tanto – mas sem sequer formular questão concretas – lança dois conjuntos de dúvidas. UUUU. O primeiro não reveste qualquer pertinência pelo seguinte: i) como seu viu, a relação grossista entre a MEO e a NOWO existia em paralelo e em concomitância com a relação de horizontalidade que, no retalho, os tornava concorrentes efetivos, tendo nisso nesse mercado a jusante que se celebrou o acordo restritivo; ii) são irrelevantes quaisquer efeitos pró- competitivos – nem constando, de resto, na factualidade assente – eventualmente emergentes do contrato MVNO, MVNO este que, como provado e confessado pela própria MEO, foi celebrado contra sua vontade; iii) é irrelevante a circunstância de poderem ou não ser licitamente apostas restrições geográficas aquando da celebração de um contrato MVNO porque o contrafactual relevante para os presentes autos implicaria sempre o pressuposto da existência de um contrato como o que foi celebrado e que vinculava as partes durante seis anos – e onde não foram incluídas quaisquer repartições de mercado, iv) mesmo nesse cenário peregrino de comparação com uma restrição lícita aposta, num contexto totalmente diferente, a um contrato MVNO, nunca essa restrição poderia incluir uma fixação de preços, caindo por terra, a pertinência alegada quanto ao contrafactual sugerido pela MEO; v) os carteis de fixação de preços e de repartição de mercados estão de forma histórica, unívoca e consistente classificados pela prática decisória da União como restrições muito graves da concorrência; e vi) a realidade dos factos agora estabilizada, bem como a análise do respetivo contexto jurídico e económico, não oferece qualquer circunstância inédita ou inovatória – no plano da relação de horizontalidade entre a MEO e a NOWO – que justifique qualquer dúvida de interpretação ou aplicação do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. VVVV. Quanto ao segundo grupo de dúvidas aventadas pela Recorrente, o mesmo também não encontra razão de ser. WWWW. Quanto ao afastamento das linhas de orientação para cálculo das coimas: i) como o TCRS esclareceu, a AdC havia aplicado as suas linhas de orientação; ii) resulta expressamente das Orientações da Comissão para o cálculo das coimas aplicadas por força do n. o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.º 1/2003 (§37) a possibilidade de a Comissão se afastar da metodologia perante as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular; iii) tal possibilidade de afastamento foi já corroborado pelo TJUE (vide, por exemplo Caso AC-Treuhand AG c. Comissão, EU:C:2015:717); e iv) os Casos Romana Tabacchi c. Comissão, T-11/06, EU:T:2011:560, §266 e Parker-Hannifin c. Comissão, T-146/09 RENV, EU:T:2016:411, §179 atestam também a possibilidade de os Tribunais, ao abrigam dos seus poderes de plena jurisdição, não aplicaram as linhas de orientação da Comissão. XXXX. Quanto à dúvida relacionada com o ónus da prova, não se alcançam as problemáticas subjacentes: i) na presença de uma infração por objeto, não é necessário proceder a uma análise de efeitos, como de forma consistente tem sido entendido pelo TJUE. Nesse sentido, não se compreende sequer o que se pretende com “ónus de refutar os efeitos de um acordo” quando a infração pela qual vem a MEO condenada consiste numa prática restritiva por objeto (vide, por todos, Caso Visma Enterprise, EU:C:2021:935, em particular §§ 54 a 59); ii) por outro lado, porque quanto à aplicação do n.º 3 do artigo 101.º o artigo 2.º do Regulamento (CE) 1/2003 responde de forma expressa à questão colocada, no sentido de que “Incumbe à empresa ou associação de empresas que invoca o benefício do disposto no n.º 3 do artigo 81º [101.º] do Tratado o ónus da prova do preenchimento das condições nele previstas” (e o n.º 2 do artigo 10.º da Lei da Concorrência inclui semelhante norma). YYYY. A par com a prática decisória, a doutrina da União explica, unissonamente, semelhante distribuição de ónus da prova: vide, entre outros, Jones & Sufrin’s (EU Competition Law, Test, Cases and Materials, 17th Ed, Oxford, p. 261) e Richard Whish & David Baley (Competition Law,19th Ed, Oxford, p. 159). ZZZZ. A sugestão de pedido de reenvio prejudicial mostra-se, pois, em toda a linha, desnecessária e impertinente, rogando-se a este Tribunal que tenha a firmeza de, em face da vasta prática decisória da União, confirmar a subsunção dos factos ao Direito feita pela Primeira Instância. Termina pugnando pela improcedência do recurso e, consequente manutenção da sentença recorrida. * O Ministério Público apresentou a seguinte síntese conclusiva: 1ª A prova obtida a partir de correio eletrónico é válida; 2ª A restrição da visada no acesso a certos elementos do processo não a privou do direito de defesa; 3ª A sentença é válida, não enfermado dos vícios previstos nos art.ºs 374º, nº 2, 379º e 410º, nº 2, b) do CPP; 4ª O mercado relevante, cuja definição cabe em primeira linha à AdC, está retratado nos factos provados, sendo estes insuscetíveis de impugnação; 5ª Entre a MEO e a NOVO intercedia uma relação de concorrência no plano horizontal do mercado a retalho de ofertas de serviços de comunicações móveis no mercado nacional, plano este que não se confunde com a relação grossista estabelecida a partir do contrato MVNO de 20/01/2016; 6ª O acordo não escrito estabelecido entre a MEO e A NOWO a 03/01/2018 constitui um acordo colusório por objeto, de fixação de preços e repartição de mercado, tecnicamente designado de "cartel, a prática mais grave do direito da concorrência, punida como crime em diversas ordens jurídicas; 7ª A sentença não enferma de erro de direito quanto à integração da conduta como prática anticoncorrencial concertada, por objeto, proibida e sancionada com coima, nos termos das normas conjugadas dos artigos 101º, nº 1, a) e c) TFUE, ex vi art.º 3º, nº 1 do Regulamento CE 1/2003, do Conselho, de 16/12/2002, 9º, nº 1, a) e c) e 68º, nº 1, a) da LC, 8ª comportamento da MEO foi cometido a título de dolo direto. 9ª Reconstituído o procedimento de determinação da coima, constata-se que a mesma se pecou foi por defeito. 10ª À luz da jurisprudência citada em 280.º e 281.º, o caso concreto aparenta não justificar o mecanismo de cooperação previsto no art.º 267º do TFUE. Em todo o caso, essa é uma ponderação que só ao decisor cabe tomar. Se decidir suspender o processo e suscitar o reenvio prejudicial, os factos que suportam as questões a colocar ao Tribunal de Justiça da EU deverão ser indicados com o máximo rigor, de modo a não desvirtuar a matéria de facto dada como provada. Em face ao exposto, e sem prejuízo do merecimento dos autos quanto a II, nona questão e quanto a III, décima primeira questão (doseamento da coima), o recurso da Recorrente deverá improceder, assim se fazendo Justiça. * Neste Tribunal da Relação, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto, subscrevendo a fundamentação da resposta do Ministério Público junto da primeira instância, emitiu parecer consonante, no sentido de que o recurso da sentença deve ser julgado improcedente, sendo de manter o decidido no Tribunal a quo. * Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foi realizada audiência, como requerido pela recorrente. * II. QUESTÕES A DECIDIR O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (cf. artigos 402º, 403º e 412º/1 do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º/1, 123º/2 e 410º/ 2 als. a), b) e c) do Código de Processo Penal). Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação, importa ainda ter presente o disposto no artigo 75º/1 do D.L. n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) ex vi art.º 83º do Regime Jurídico da Concorrência (aprovado pela Lei nº 19/2012, de 8 de Maio, doravante RJC), nos termos do qual, em regra e salvo se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito. Assim, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º/2 do Código de Processo Penal. Atentas as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir: 1. Nulidade do despacho do Ministério Público que ordenou as buscas às instalações da visada; e nulidade da prova constituída pelo correio electrónico apreendido; 2. Nulidades da decisão administrativa e da sentença: a) Violação do direito a um processo justo e equitativo e violação do direito de defesa – restrições no acesso ao processo; b) Nulidades insanáveis da decisão administrativa: - ausência de uma lista de factos provados e não provados; - ausência de factos respeitantes ao elemento subjectivo e à culpa; c) Condenação por factos diversos da decisão administrativa; d) Nulidades da sentença: - aditamento de factos integradores do tipo subjetivo; - omissão de pronúncia quanto aos factos e quanto à sanção; - falta de fundamentação quanto aos factos, prova testemunhal, documental e quanto à sanção; 3. Erros notórios na apreciação da prova: - emails de e para pessoas não ouvidas nos autos; - declarações de clemência; - prova testemunhal; - recurso ilegítimo à experiência comum; - decisão quanto à prova dos factos 122 a 124; 4. Erros de julgamento de direito: a) factos relevantes; b) pressupostos de aplicação do art.º 9º da LdC e do art.º 101º do TFUE; c) identificação dos mercados relevantes; d) existência de acordo; e) contrato MVNO e a concorrência entre a MEO e a NOWO; f) natureza horizontal ou vertical do acordo; g) restrição por objecto ou por efeito; h) duração da infracção; i) ausência de justificação do acordo; j) tipo subjectivo; l) escolha e determinação das sanções. 5. Pedido de reenvio prejudicial (art.º 267º do TFUE). * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) FACTOS PROVADOS O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. As empresas envolvidas: 1.1. NOWO 1. A NOWO (anteriormente, Cabovisão) é uma sociedade anónima, com sede social na Alameda dos Oceanos, Lote 2.11.01 E, Edifício Lisboa - Parque das Nações, 1998-035 Lisboa, com o número de pessoa colectiva 503 062 081, cujo objecto consiste no exercício da actividade de prestação de serviços de comunicações fixas e móveis ([4]); 2. A NOWO actua nomeadamente no âmbito dos mercados de prestação de serviços de comunicações electrónicas, tendo por objeto a prestação de serviços de comunicações electrónicas nas suas várias vertentes (telefone fixo e móvel, Internet e televisão), bem como a instalação, exploração, comercialização e assistência técnica de sistemas de transmissão de imagens e sinal televisivo por cabo, estando essencialmente focada no mercado residencial ([5]). 3. A Altice Portugal vendeu em 20.01.2016, o grupo onde se inserem as participações da Cabovisão – Televisão por Cabo S.A. (Cabovisão) e da ONI ao Grupo APAX France ([6]) (84,5%) e à Fortino Capital ([7]) (15,5%) ([8]); 4. A estrutura societária do grupo em vigor de 20.01.2016 a 25.09.2018, era a seguinte, conforme o organograma: 5. A APAX France concentra a sua actividade na “exploração de vários fundos de investimento nos mais variados sectores de negócios, podendo afirmar-se que a sua atividade é estritamente de cariz financeiro”; 6. Por sua vez, a Fortino “está presente no mercado como investidor em empresas do mercado tecnológico onde centra a sua especial atenção”; ([9]). 7. Em 25.09.2018, a empresa KKR adquiriu a totalidade do capital social da NOWO; ([10]). 8. Em 15.10.2019, as empresas MasMovil Ibercom, S.A. (MasMovil) e GAEA Inversión, S.C.R., S.A. (GAEA) adquiriram controlo conjunto do capital social da Cabonitel, que controla a totalidade do capital social da NOWO ([11]); 9. O volume de negócios total realizado pela NOWO, em 2019, foi de €62.455.719, enquanto o volume de negócios realizado pela NOWO, em 2018, no mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada (standalone) no território nacional e com o mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixos) nas áreas geográficas em que a NOWO dispõe de uma rede de comunicações fixas de € 28.562.063 ([12]); 1.2. MEO 10. A Recorrente MEO é uma sociedade anónima, com sede social na Avenida Fontes Pereira de Melo, n.º 40, 1069-300 Lisboa, com o número de pessoa coletiva 504 615 947, cujo objecto consiste no exercício da actividade de prestação de serviços de comunicações fixas e móveis; ([13]). 11. A MEO é um operador de telecomunicações e multimédia com actividades em todos os segmentos de telecomunicações em Portugal, nomeadamente na prestação de serviços de comunicações electrónicas, na gestão de infra-estruturas para a prestação de serviços de comunicações electrónicas, no transporte e na difusão de comunicações eletrónicas; 12. Neste contexto, a MEO oferece serviços de comunicações fixas (voz, Internet, televisão por subscrição) e móveis (voz, Internet), que são vendidos de forma independente [standalone([14])] e em pacotes multiple play principalmente a clientes residenciais; 13. A oferta para clientes não residenciais inclui serviços de voz (fixa e móvel), serviços de Internet e serviços de TI, incluindo soluções de data center, serviços de virtualização, cloud, processos de outsourcing de negócios e outros serviços adicionais de valor acrescentado ([15]); 14. A estrutura societária do grupo onde a MEO se insere, por referência ao período 2015-2018 é a seguinte, nos termos resumidos no seguinte organograma ([16]): 15. O volume de negócios total realizado pela MEO, em 2019, foi de € 1.983.395.454,00; 16. O volume de negócios realizado pela MEO, em 2018, no mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada (standalone) no território nacional e no mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixos) nas áreas geográficas em que a NOWO dispõe de uma rede de comunicações fixa foi de € 568.667.423,00 ([17]) e em 2019, foi de € 558.508.677,00 (dados onde são englobados clientes residenciais e não residenciais); 17. Se for retirado o Mercado não residencial, aquele volume corresponde a €427.204.829,00 e €421.536.055,00, respectivamente; 18. Em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de comunicações fixas, rondou os €229.986.710,00; 19. Em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, a clientes residenciais, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de comunicações fixas, rondou €164.614.537,00; 20. Na União Europeia, para além de Portugal, o Grupo Altice detém também uma importante operadora de telecomunicações em França, a SFR (Société Française du Radiotéléphone), com 22 milhões de clients ([18]); 2. Mercado 2.1.1. Enquadramento regulatório a nível grossista: 21. Os operadores móveis virtuais (MVNO) são operadores que prestam serviços de comunicações móveis, sob marca própria e com autonomia na definição da oferta comercial, suportando-se nas infra-estruturas e direitos de utilização de frequências de outros operadores; 22. A noção de MVNO implica a existência de uma relação contratual directa entre o MVNO e o cliente final, associada à prestação do serviço; 23. Desta forma, os MVNOs são entidades que: (i) são responsáveis exclusivos pela relação com os utilizadores finais, assegurando o cumprimento das regras específicas do sector das comunicações electrónica; e (ii) colocam no mercado uma oferta retalhista própria, definindo a sua própria estratégia comercial de forma autónoma; 24. Consoante o grau de utilização de sistemas e infra-estruturas por operadores terceiros, existe uma diversidade de modelos de negócio associados ao MVNO que podem ser classificados como (i) MVNO light que se caracteriza por possuir um número reduzido ou nulo de elementos da infra-estrutura de rede de comunicações, estando por isso largamente dependente da infra-estrutura de outros operadores e, em consequência, possuindo uma reduzida liberdade na definição da sua política comercial; (ii) full MVNO em que apenas não detém o direito de utilização de frequências, mas possui diversos elementos do sistema de transmissão e da infra-estrutura de rede (e.g. emissão de cartões SIM ([19]), etc.), tendo por isso uma maior capacidade de diferenciação da sua oferta de serviços de comunicações móveis ([20]); 24. A Nos termos da Deliberação do seu Conselho de Administração, de 09.02.2007, intitulada “Enquadramento Regulatório da Atividade dos MVNO” da ANACOM é referido, no parágrafo 12, que: “esclarece-se que se apresentam aqui estes modelos genéricos de MVNOs, apenas para ilustrar a diversidade de modelos de negócio que podem surgir sob a designação genérica de MVNO, devendo ficar claro que os operadores de rede e as entidades interessadas têm total liberdade de estabelecer o modelo que melhor se adeque aos seus interesses específicos e à sua estratégia comercial”; 25. No quadro do leilão multifaixa foi estabelecida uma obrigação de acesso à rede aplicável às entidades que, após o leilão, detivessem 2x10 MHz na faixa dos 800 MHz ou pelo menos 2x10 MHz na faixa dos 900 MHz, no sentido de aceitarem negociar de boa-fé e em condições de não discriminação acordos que permitissem que as suas redes fossem utilizadas para operações móveis virtuais de terceiros ([21]). 26. Neste contexto, os operadores deverão comunicar à ANACOM todos os pedidos de acordo que recebam ao abrigo do regime aplicável às obrigações de acesso, no prazo de 10 dias após a sua recepção, bem como a dar conhecimento semanal da evolução das correspondentes negociações e sempre que não seja alcançado um acordo no prazo máximo de 45 dias, a ANACOM poderá intervir, caso tal seja solicitado por uma das partes ([22]); 27. No mesmo quadro do leilão multifaixa, a notificação pela ANACOM, à MEO do fim das restrições existentes à operação na faixa dos 800 MHz, prevista no artigo 34.º, n.º 8, do regulamento Multifaixa, ocorreu em 10.03.2016; 28. Em Portugal foram celebrados os seguintes acordos de MVNO ([23]): (i) no final de 2007, os CTT - Correios de Portugal, S.A. (CTT) lançaram a primeira operação móvel virtual, suportada na rede da MEO; (ii)em 2008, a ZON TV Cabo Portugal, S.A. (ZON) lançou um novo MVNO que se suportava na rede da Vodafone; (iii) em Setembro de 2012, um terceiro MVNO iniciou a actividade em Portugal, a Lycamobile Portugal, Lda. (Lycamobile), suportada na rede da Vodafone; (iv) no início de 2013, a Mundio Mobile (Mundio), lançou a sua oferta de comunicações móveis suportada na rede da Optimus (actualmente NOS); (v) em Janeiro de 2016, celebraram-se os acordos MVNO que permitem à NOWO e à ONI prestarem serviços de comunicações móveis sobre a rede da MEO. 29. No primeiro semestre de 2019, apenas os acordos MVNO da Lycamobile e da NOWO/ONI permaneciam activos, tendo uma importância reduzida em termos de quotas de mercado, nos termos dos dados constantes do facto provado n.º 86 infra; 30. A MEO, Vodafone e Nos são os únicos operadores que possuem uma rede própria de comunicações móveis, por questões de limitação de espectro; 31. O acesso grossista ao roaming abrange o acesso a todos os elementos da rede e recursos conexos, serviços pertinentes, software e sistemas de informação necessários para a prestação de serviços regulamentados de roaming aos clientes; 32. A nível grossista destaca-se também a prestação do serviço de terminação móvel que consiste num serviço em que o prestador móvel assegura aos demais – sejam estes prestadores fixos ou móveis, nacionais ou internacionais – terminar chamadas originadas pelos clientes desses prestadores, tendo como destino um cliente do prestador móvel; 33. Os serviços grossistas de terminação de chamadas de voz ([24]) prestados pelos operadores com rede móvel e MVNO encontram-se regulados de forma exante pela ANACOM ([25]), estando os seus prestadores sujeitos às seguintes obrigações: (i) dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso; (ii) não discriminação na oferta de acesso de interligação e na respetiva prestação da informação; (iii) transparência na publicação de informação, e (iv) controlo de preços ([26]); 34. A operacionalização da obrigação de controlo de preços encontra-se suportada num modelo de custeio, do qual resulta a definição do preço máximo que pode ser praticado pelos prestadores móveis pela prestação do serviço grossista de terminação de chamadas de voz até, para o que revela para o caso, ao exercício de 2020 ([27]); 2.1.2. Dimensão do produto 2.1.2.1. Serviços retalhistas de comunicações móveis por tipo de serviços (voz, mensagens, Internet): 35. Os serviços retalhistas de comunicações móveis integram serviços de voz, sob a forma de chamadas nacionais e internacionais para redes móveis ou redes fixas, para além de serviços de mensagens (Short Message Services ou SMS); 36. Relativamente ao serviço de voz, o número de minutos de conversação originados nas redes móveis totalizou, no primeiro semestre de 2019, cerca de 14,3 mil milhões (+1,6% face ao primeiro semestre de 2018) ([28]); 37. Nesse período, o número de minutos de conversação por acesso móvel com utilização efectiva foi, em média, de 202 minutos por mês, mais 2 minutos que no primeiro semestre de 2018; 38. Em termos médios, 99 foram minutos on-net (i.e. entre redes do mesmo operador), 80 foram minutos off-net (i.e. entre redes de diferentes operadores), 11 minutos tiveram como destino a rede fixa, 4 minutos destinaram-se a chamadas para números curtos/não geográficos e 8 minutos envolveram chamadas para redes internacionais ([29]); 39. A duração média das chamadas originadas na rede móvel naquele semestre foi de 162 segundos por chamada, mais um segundo que o registado em igual período do ano anterior ([30]); 40. No que se refere ao serviço de mensagens, no primeiro semestre de 2019 foram enviadas cerca de 7,3 mil milhões de mensagens escritas, menos 13% em comparação com o mesmo período do ano anterior ([31]); 41. O decréscimo do tráfego de mensagens que se tem vindo a registar desde 2013 deve-se, sobretudo, ao aparecimento de formas de comunicação alternativas; 42. O número médio mensal de mensagens enviadas por acesso móvel com utilização efectiva ascendeu a 103, o que representa aproximadamente 3 mensagens por dia e por acesso ([32]); 43. Mais recentemente, os serviços retalhistas de comunicações móveis geralmente integram também serviços de acesso à Internet; 44. 7 milhões de portugueses possuem um smartphone que requer acesso à Internet, sendo que 3 em 4 telemóveis são smartphones ([33]); 45. No final do 1.º semestre de 2019, 59% dos acessos móveis eram utilizados simultaneamente como suporte do serviço de voz e do serviço de acesso à internet no telemóvel ([34]); 46. Apesar dos serviços de voz, mensagens e acesso móvel à Internet apresentarem características distintas, estes serviços, em Portugal, são tipicamente adquiridos em pacote pelo consumidor final junto de um determinado operador de comunicações electrónicas; 47. Acresce que os operadores móveis em Portugal disponibilizam os três tipos de serviços, o que aponta para a existência de uma elevada substituibilidade do ponto de vista da oferta; 2.1.2.2. Serviços de comunicações móveis e serviços OTT de comunicações: 48. Os serviços OTT, através de plataformas como o Messenger, Skype, Viber, WhatsApp, FaceTime, Wechat, etc., são crescentemente utilizados pelos consumidores como uma alternativa aos serviços de comunicações móveis tradicionais; 49. Contudo, existe ainda um conjunto de barreiras que limitam a substituibilidade entre os serviços de comunicações móveis de voz e de mensagens e os serviços OTT; 50. Relativamente às comunicações de voz e mensagens, existem ainda muitas diferenças em termos de funcionalidades e interoperabilidade entre o serviço de mensagens SMS e os serviços OTT, mormente e a título exemplificativo, os utilizadores de uma plataforma (e.g. WhatsApp) não conseguem comunicar com os utilizadores de outra plataforma (e.g. Viber), enquanto os clientes dos vários operadores de comunicações móveis conseguem comunicar entre si ([35]); 51. A utilização de serviços OTT requer o acesso à Internet sobre redes fixas ou móveis, o que também limita a substituibilidade entre serviços de comunicações móveis de voz e de mensagens dos serviços OTT; 52. A utilização de serviços OTT através de redes fixas está limitada a uma área geográfica específica, contrariamente aos serviços de comunicações móveis de voz e dados que podem ser utilizados em qualquer lugar; 53. A utilização de serviços OTT recorrendo à Internet móvel não pode ser considerado um substituto eficaz porque obriga à contratação de um serviço de comunicações móveis com dados; 2.1.2.3. Serviços retalhistas de comunicações móveis e serviços retalhistas de comunicações fixas vendidos isoladamente 54. Do lado da procura, os serviços de comunicações (voz, SMS e acesso à Internet) sobre redes móveis introduzem o factor mobilidade nas condições de acesso e utilização dos serviços e, por isso, respondem a necessidades específicas dos utilizadores que procuram este tipo de serviços; 55. Os serviços de comunicações móveis têm características próprias que os distinguem e diferenciam dos serviços de comunicações fixas, nomeadamente no que se refere às características técnicas e percepção por parte dos utilizadores quanto à sua funcionalidade e utilização finais, sobretudo na questão da mobilidade e do carácter pessoal do acesso móvel; 2.1.2.4. Serviços retalhistas de comunicações móveis por tipo de tecnologia (2G, 3G, 4G) 56. Da perspectiva da procura, não existe uma diferença significativa em termos da experiência de utilização dos serviços de comunicações móveis consoante a tecnologia de transmissão de frequências; 57. Contudo, a crescente utilização da Internet móvel e o volume de largura de banda necessário para determinadas finalidades (e.g. visualização de vídeos) só é compatível com frequências mais elevadas através de uma ligação 4G; 58. Da perspectiva da oferta, os três operadores de rede móvel em Portugal, nomeadamente a MEO, NOS e Vodafone, detêm direitos de utilização de frequências muito semelhantes em todos os tipos de tecnologia ([36]); 2.1.2.5. Serviços retalhistas de comunicações móveis por tipo de tarifário (pré-pagos, pós-pagos ou híbridos) 59. Os serviços de comunicações móveis são tipicamente comercializados em três modalidades de pagamento: (i) pós-pago que implica a celebração de contrato que pode estar sujeito a um período de fidelização, (ii) pré-pago em que o cliente paga apenas o que consome, e (iii) híbrido que não implica a celebração de um contrato com fidelização, mas em que o cliente se obriga a realizar carregamentos constantes para a utilização do serviço; 60. No primeiro semestre de 2019 existiam cerca de 12,3 milhões de acessos móveis activos ([37]), repartidos entre 7,1 milhões de subscritores de serviços pós-pagos e híbridos (58%) e 5,2 milhões de subscritores de serviços pré-pagos (42%) ([38]); 61. Os planos pós-pagos e híbridos evidenciam uma tendência de crescimento (+5,1% em comparação com o primeiro semestre de 2018) associada ao aumento da penetração de pacotes convergentes (4P e 5P) que combinam serviços de comunicações fixas e móveis; 62. A crescente penetração destes pacotes convergentes tem resultado na substituição dos planos pré-pagos por planos pós-pagos (-5,8% face ao primeiro semestre de 2018) ([39]); 63. Os planos pré-pagos estão em queda desde 2013, tendo o número de subscritores dos planos pós-pagos ultrapassado o número de subscritores dos planos pré-pagos em 2016 ([40]); 64. As ofertas pré-pagas adequam-se a um perfil de cliente que apresenta consumos relativamente reduzidos ([41]) e que manifesta preferência pela ausência de compromisso de gastos regulares; 65. Por sua vez, as ofertas pós-pagas e híbridas implicam um compromisso de pagamentos regulares, mas geralmente recompensam o cliente com preços inferiores, sobretudo quando são comercializadas em pacotes de serviços de comunicações móveis e fixas; 66. De qualquer forma, as diferenças entre estas modalidades de pagamento têm vindo a diminuir, existindo actualmente ofertas pós-pagas sem períodos de fidelização e ofertas pré-pagas que prevêem carregamentos mínimos regulares; 67. Acresce que, do lado da oferta, a prestação de serviços pós-pagos, pré-pagos e híbridos não apresenta diferenças, o que concorre para a inclusão destes serviços no mesmo mercado; 2.1.2.6 Serviços retalhistas de comunicações móveis por tipo de cliente (residencial e não residencial): 68. Do lado da procura, os clientes residenciais e não residenciais apresentam diferenças relativamente ao tipo de serviços de comunicações móveis que procuram ([42]) designadamente e, por exemplo, enquanto os clientes residenciais adquirem serviços de comunicações móveis pré-pagos e pós-pagos, os clientes não residenciais tendem a contratar apenas serviços de comunicações móveis pós-pagos; 69. Os clientes não residenciais tendem a ter uma utilização mais intensiva de serviços de comunicações móveis, contrariamente aos clientes residenciais que utilizam estes serviços de forma menos intensiva ([43]); 70. Do lado da oferta, os operadores que prestam serviços de comunicações móveis a clientes residenciais também prestam serviços de comunicações móveis a clientes não residenciais, uma vez que dispõem da infra-estrutura necessária para oferecer os serviços solicitados por clientes não residenciais ([44]); 2.1.2.7. Serviços retalhistas de comunicações móveis vendidos isoladamente ou em conjunto com serviços de comunicações fixas: 71. As ofertas de serviços de comunicações electrónicas em pacote correspondem a ofertas comerciais que incluem dois ou mais serviços e dispõem de um tarifário integrado e de uma factura única ([45]); 72. As ofertas em pacote têm vindo a ganhar um peso acrescido no sector das comunicações electrónicas devido às suas vantagens em termos de preço e de pagamento; 73. Os utilizadores finais, sobretudo clientes não residenciais, mostram uma preferência clara por soluções one stop shop que lhes ofereçam a possibilidade de contratar com um único fornecedor e receber uma única factura, a que acresce a existência de descontos de preços na contratação de um pacote face ao que resultaria se os utilizadores contratassem os diversos serviços de forma autónoma; 74. Esta tendência é particularmente evidente na contratação de pacotes de serviços de comunicações fixas, nomeadamente através de ofertas triple play (3P) que incluem o serviço de telefonia fixa, acesso à banda larga fixa e televisão por subscrição ([46]); 75. Do mesmo modo, a contratação de serviços de comunicações móveis em pacotes, que integram os serviços de comunicações fixas, nomeadamente, ofertas quadruple (4P) e quintuple play (5P) ([47]), tem aumentado nos últimos anos; 76. No primeiro semestre de 2019, existiam 1,86 milhões de subscritores de pacotes quadruple e quintuple play (+7,8% em comparação com o primeiro semestre de 2018) ( [48]); 77. A penetração dos pacotes de serviços atingiu 95,3% das famílias no primeiro semestre de 2019 (+2,6% face ao primeiro semestre de 2018), enquanto a penetração das ofertas 4P e 5P foi de 44,8% no primeiro semestre de 2019 (+2,8% face ao primeiro semestre de 2018) ([49]); 78. Relativamente aos serviços de comunicações móveis em pacotes 4P e 5P, que integram serviços fixos e serviços móveis de comunicações, não é notória a existência de uma diferença significativa em termos das funcionalidades e da experiência de utilização dos serviços de comunicações fixas consoante a tecnologia de suporte (cobre, cabo ou fibra óptica) ([50]), sobretudo para níveis de débito semelhantes; 79. No entanto, subsiste ainda um volume significativo de clientes que preferem contratar serviços de comunicações móveis em separado, sobretudo através de ofertas pré-pagas sem qualquer tipo de obrigatoriedade de carregamentos; 80. Do lado da oferta de serviços de comunicações móveis em conjunto com serviços de comunicações fixas, esta implica a utilização de redes fixas e móveis; 81. Tendo em consideração os elevados custos fixos e a morosidade associada ao desenvolvimento quer de redes de comunicações fixas, quer de redes de comunicações móveis, não é expectável que um prestador de comunicações fixas (ou móveis) possa, num curto espaço de tempo e sem custos acrescidos, começar a prestar serviços de comunicações móveis (ou fixas); 2.1.3. Dimensão geográfica 82. No que respeita à dimensão geográfica, o mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos isoladamente, tem dimensão nacional; 83. No que se refere à dimensão geográfica do mercado retalhista de serviços de pacotes que incluem serviços de comunicações móveis e serviços de comunicações fixas, pode verificar-se a existência de condições concorrenciais heterogéneas em determinadas regiões na prestação de serviços de comunicações fixas, resultantes nomeadamente da presença de múltiplas infra-estruturas de rede de cobre, cabo e fibra óptica com coberturas geográficas distintas; 3. Posição das empresas no mercado 84. No final do primeiro semestre de 2019, existiam cerca de 17,5 milhões de acessos móveis activos associados a planos tarifários pós-pagos, pré-pagos e combinados/híbridos (+1,1% em comparação com o primeiro semestre de 2018) ([51]); 85. Em termos de utilização efectiva ([52]), existiam cerca de 12,3 milhões dos acessos móveis activos (70% do total) no primeiro semestre de 2019, sendo que o número de acessos móveis ascendia a 11,8 milhões se fossem excluídos os acessos afectos a banda larga móvel (PC/tablet/pen/router) ([53]); 86. Em termos de quotas de mercado, no final do primeiro semestre de 2019, a MEO era o principal prestador de serviços móveis com utilização efectiva com uma quota de 42,1%, a Vodafone detinha uma quota de 30,3%, a NOS apresentava uma quota de 25%, e os restantes operadores detinham uma quota de 2,6% através de acordos MVNO, nomeadamente a NOWO/ONI (1,3%) e a Lycamobile (1,3%) ([54]); 87. Verifica-se, nos últimos anos, uma convergência das quotas de mercado dos três principais operadores (MEO, NOS e Vodafone), apesar de ainda subsistirem diferenças relevantes; 88. Com efeito, os dois operadores com quotas de mercado mais elevadas (MEO e Vodafone) viram a sua quota reduzir, enquanto o terceiro operador (NOS) aumentou significativamente a sua quota de mercado; 89. Estes três operadores, para além de controlarem mais de 97% dos acessos móveis retalhistas, são os únicos que possuem uma rede própria de comunicações móveis; 90. A evolução das quotas de mercado dos operadores considerando o número de acessos móveis activos (excluindo M2M) com utilização efctiva é a seguinte ([55]): 91. Relativamente às ofertas em pacote, o número de subscritores de ofertas em pacote atingiu 3,95 milhões no final do primeiro semestre de 2019 (+147 mil ou +3,8% do que no final do primeiro semestre de 2018) ([56]); 92. O crescimento ocorrido resultou sobretudo do aumento do número de subscritores das ofertas 4P/5P (+7,8%) e, em menor medida, ao crescimento das ofertas 3P (+3,8%) ([57]); 93. No final de 2018, as ofertas 4P/5P apresentavam 1,86 milhões de subscritores, correspondendo a 47% do total ([58]); 94. Em termos de número de subscritores de pacotes 4P/5P, no final do primeiro semestre de 2019, a NOS era o prestador com maior quota de subscritores (43,9% do total), seguindo-se a MEO (42,8%), a Vodafone (10,1%) e a NOWO (3,2%) ([59]); 95. Em termos de receitas provenientes de pacotes 4P/5P, no final do primeiro semestre de 2019, o Grupo NOS surge também como o prestador com maior quota de receitas (47,8%), seguindo-se a MEO (42,3%), a Vodafone (8,1%) e a NOWO (1,7%) ([60]); 4. Comportamento: 96. No âmbito de uma operação de concentração respeitante à aquisição da PT Portugal ([61]) pela Altice, a Comissão Europeia manifestou preocupações com o efeito desta aquisição em alguns mercados grossistas e retalhistas de telecomunicações em Portugal; 97. Nessa sequência, a Altice apresentou um conjunto de compromissos à Comissão Europeia, incluindo o desinvestimento das suas subsidiárias ONI e Cabovisão, tendo a Comissão Europeia aceite estes compromissos e emitido uma decisão de não oposição à operação de concentração, conforme a decisão da Comissão Europeia de 20/04/2015, processo n.º COMP/M.7499 – Altice / PT Portugal, junta com o requerimento entrado em juízo em 16.05.2022, ref.ª 62443, anexo 2, que aqui se dá por integralmente reproduzida; 98. Em consequência desses compromissos assumidos pela Altice no âmbito da aquisição da PT Portugal, a Altice e a APAX negociaram a venda da ONI e da então Cabovisão (agora Nowo); 99. Para facilitar essa venda da ONI e da então Cabovisão (agora, Nowo), na medida em que os interessados pretendiam que as empresas pudessem operar no serviço móvel para aumentar a sua capacidade concorrencial e as empresas a vender apenas operavam no sector da rede fixa, foram celebrados, em 20.01.2016, contratos de prestação de serviços móveis grossistas (contratos MVNO) entre a Cabovisão e a MEO e entre a ONI e a MEO, figurando a MEO como prestadora do serviço e a então Cabovisão (agora Nowo) e a ONI como beneficiárias dessa prestação de serviço, nos termos e com as cláusulas constantes dos contratos insertos a fls. 6493-6518 e fls. 6519-6545 dos autos (vol. 17), que aqui se consideram integralmente reproduzidos; 100. De acordo com com esses contratos grossistas, os mesmos estarão em vigor durante um período de 6 anos, contados após o lançamento da oferta comercial; 101. As cláusulas 3.2 - “No discrimination” - e 3.3 – “Independence” – dos contratos MVNO, prevêem a independência de actuação da NOWO e ONI relativamente à MEO e o fornecimento à Cabovisão e à ONI da mesma qualidade de serviço e cobertura que a MEO assegura aos seus subscritores de serviços móveis; 102. Para além disso, os mesmos contratos MVNO não impõem qualquer tipo de restrição em termos de política comercial, nomeadamente ao nível dos preços e da cobertura geográfica das ofertas de serviços de comunicações móveis; 103. Na sequência da celebração de tais contratos, a NOWO, então Cabovisão, e a ONI iniciaram a sua actividade como prestadores de serviços móveis de comunicações eletrónicas enquanto MVNO em 21.04.2016, suportadas na rede da MEO; 104. Até aí a então Cabovisão (agora Nowo) apenas prestava serviços de comunicações de rede fixa, limitada às seguintes áreas (footprint): distritos de Aveiro, Castelo Branco, Évora, Leiria e Setúbal; 105. As condições comerciais das ofertas de serviços de comunicações móveis da NOWO criaram dificuldades à MEO na retenção de clientes, tendo a MEO entendido, em Maio de 2016, ser necessário monitorizar a evolução do número de clientes da NOWO e os impactos financeiros para a MEO decorrentes do negócio móvel da NOWO, e tendo também, em Julho de 2016 passado a ter disponíveis ofertas de retenção com vista a responder à pressão concorrencial das ofertas da NOWO, considerando que o motivo da mudança dos clientes era o preço baixo das ofertas da Nowo; 106. Em Abril de 2017, foi circulada internamente na MEO uma apresentação PowerPoint relativa à análise do negócio móvel da NOWO, que monitorizava a evolução do número de subscritores dos serviços móveis da NOWO e a sua origem, e avaliava os efeitos financeiros para a MEO associados à adesão de novos subscritores aos serviços móveis da NOWO; 107. Esta apresentação incluía ainda estimativas da MEO para o crescimento das ofertas móveis da NOWO, que previam um crescimento significativo dos subscritores destes serviços: 300 mil subscritores de serviços móveis, totalizando 420 mil subscritores destes serviços, no final de 2017; 108. De acordo com as próprias estimativas da MEO, caso a NOWO tivesse lançado uma oferta standalone em Abril de 2017, a sua quota de mercado nos serviços de comunicações móveis poderia ter atingido 3,6% no final de 2017 (incluindo serviços convergentes); 109. A apresentação incluia igualmente informação relativa aos efeitos financeiros associados à adesão de novos subscritores aos serviços móveis da NOWO, concluindo nomeadamente que, por cada cliente MEO que migrasse para a NOWO, a MEO perdia € 2,60, mesmo contabilizando a receita grossista associada ao contrato MVNO; 110. Esta apresentação, que foi enviada ao Presidente do Conselho de Administração da MEO à data, evidenciava um receio da MEO relativamente ao impacto no mercado das ofertas de serviços móveis da NOWO, em especial caso esta empresa viesse a disponibilizar serviços móveis standalone a consumidores residentes fora do seu footprint; 111. Os receios da MEO estavam relacionados com: (i) os efeitos directos que essa oferta poderia gerar na MEO; e (ii) as implicações indirectas decorrentes dessa oferta, nomeadamente na interação concorrencial com os restantes operadores, dado o seu elevado risco de criar uma guerra de preços; 112. A proporção de clientes da NOWO com números portados da MEO era superior à quota de mercado da MEO; 113. Em 20.11.2017 foi realizada uma reunião entre os acionistas da NOWO e o accionista da MEO, em que aqueles pretenderam informar este do lançamento da oferta denominada por M4A (mobile for all), propor uma liderança de preços da NOWO sujeita a um conceito de “razoabilidade” e discutir a melhoria das condições comerciais e operacionais do contrato MVNO; 114. A campanha M4A em questão assentava em 3 mensagens principais: (i) preço de 5€; (ii) disponibilização da oferta móvel a nível nacional; e (iii) ausência de período de fidelização; 115. A NOWO tinha perspetivas muito positivas quanto ao impacto de uma oferta standalone de âmbito nacional no seu negócio, estimando que a concretização desta oferta lhe permitiria aumentar significativamente o seu número de clientes, quota de mercado e faturação, bem como a margem média das suas ofertas; 116. Em Novembro de 2017, a NOWO preparou uma apresentação que incluía uma estimativa para a relevância das suas ofertas standalone em termos de aquisição de subscritores de serviços móveis, sendo indicado que o objetivo seria atingir 742 mil subscritores e 5,9% de quota de mercado (sem contabilizar os subscritores de serviços convergentes) no final do terceiro ano após o lançamento deste conjunto de ofertas; 117. Sem prejuízo, a NOWO receava que o lançamento desta oferta impactasse negativamente na renegociação das condições do contrato MVNO com a MEO, já que assumia a necessidade dos preços baixarem, especialmente por respeito aos dados, para que o negócio fosse mais rentável; 118. A Nowo tinha previsto o lançamento daquela oferta M4A, a qual estava agendado para 22.11.2017, com todas as ações de Marketing preparadas e contratadas; 119. Os preços standard definidos para o lançamento do M4A, nas ofertas de 250 MB + 250 minutos e de 1GB + 1000 minutos[62], ambas sem qualquer fidelização, correspondiam respectivamente a 5€ e 8€ (com oferta do primeiro mês e da portabilidade); 120. Contudo, os acionistas da MEO e da NOWO estabeleceram um entendimento em 20.11.2017, quanto à suspensão do lançamento da oferta M4A, como forma da MEO vir a aceitar melhorar os termos dos contratos MVNO, suspensão essa ocorrida no mesmo dia 20.11.2017; 121. Em reunião ocorrida em 04.12.2017, os accionistas da Nowo e da MEO estabeleceram um entendimento nos termos do qual a MEO iria melhorar os termos dos contratos MVNO e garantir o fim dos problemas operacionais existentes no âmbito da prestação de serviços associados a esses contratos, comprometendo-se a NOWO, por sua vez, a não lançar uma oferta standalone fora do seu footprint, ficando, contudo, por confirmar a possibilidade da Nowo vir a aplicar a oferta standalone apenas no seu footprint; 122. Nessa sequência, em 03.01.2018, realizou-se uma reunião entre P… (consultor da NOWO, que para esta trabalhava) e entre A… (CEO da MEO), onde a NOWO, em adesão ao entendimento alcançado pelos seus accionistas em 04.12.2017, propôs à MEO um acordo relativamente à alteração de disposições no contrato MVNO, incluindo uma redução dos preços dos dados móveis, bem como a resolução de questões operacionais no âmbito do referido contrato, comprometendo-se, em contrapartida e verbalmente a, inicialmente: (i) não lançar serviços móveis fora das áreas geográficas onde disponibilizava serviços fixos (i.e., fora do seu footprint); e posteriormente: (ii) a limitar a disponibilização de serviços móveis standalone às áreas geográficas onde a NOWO disponibilizava serviços fixos; (iii) implementar aumentos de preços e reduzir a qualidade nas suas ofertas convergentes em março de 2018; e (iv) implementar restrições à agressividade concorrencial em matéria de política de preços (não disponibilização de ofertas móveis a 5€ ou menos; desconto máximo de 33% face ao preço de referência de uma oferta similar no mercado); 123. Também em adesão ao entendimento alcançado pelo seu accionista em 04.12.2017, a MEO assentiu verbalmente nos compromissos a que se vinculou a Nowo, ou seja, anuiu que a Nowo não lançasse serviços móveis fora das áreas geográficas onde disponibilizava serviços fixos (i.e., fora do seu footprint), implementasse aumentos de preços e reduzisse a qualidade nas suas ofertas convergentes em Março de 2018 e implementasse restrições à agressividade concorrencial em matéria de política de preços (não disponibilização de ofertas móveis a 5€ ou menos; desconto máximo de 33% face ao preço de referência de uma oferta similar no mercado); 124. Contudo, apresentou relutância à proposta feita pela Nowo no sentido desta poder passar a disponibilizar serviços móveis standalone nas áreas geográficas onde disponibilizava serviços fixos, apesar da Nowo se comprometer a não lançar serviços móveis fora dessas áreas geográficas, sendo que depois acabou a MEO por assentir em tal proposta; 125. A MEO, por sua vez, e em contrapartida, concordou em vir a aceitar a alteração de disposições no contrato MVNO, incluindo uma redução dos preços dos dados móveis, bem como a resolver questões operacionais no âmbito do referido contrato; 126. Aquele pacto entre MEO e Nowo foi sendo executado através da realização de contactos bilaterais, nomeadamente por meio de reuniões e troca de e-mails entre os administradores e outros representantes das empresas visadas; 127. Na verdade, após aquela data foram encetados contactos bilaterais, onde participaram quer a MEO e a NOWO, quer os respectivos accionistas, ou por via de reuniões, ou por via de trocas de e-mails entre os administradores e outros representantes das empresas envolvidas, com vista à execução do ajustado naquela data de 03.01.2018, designadamente realizando os contactos descritos nos pontos 135 a 141 desta decisão; 128. As condições discutidas entre a NOWO e a MEO na reunião de 03.01.2018 foram implementadas através de alterações efectivas nas condições em que as ofertas da NOWO foram disponibilizadas; 129. Com efeito, a reformulação das condições das ofertas móveis da NOWO, iniciada na sequência dos ajustes da mesma reunião de 03.01.2018, assentou na definição de um desconto máximo de 33% relativamente ao preço mais baixo dos seus concorrentes; 130. Ainda na sequência do ajustado em 03.01.2018, a alteração das condições globais das ofertas da Nowo ocorrida em 05.03.2018 foi a seguinte:
131. Em 22.03.2018 foi finalmente lançado um conjunto de ofertas standalone da NOWO (disponibilizadas apenas a clientes residentes na área da sua cobertura de rede fixa), nos seguintes termos: 132. No que diz respeito à restrição da oferta standalone à cobertura fixa da NOWO verificou-se que: (i) As condições de comercialização das ofertas móveis da NOWO, incluindo os processos e sistemas de comercialização das mesmas, foram definidos e implementados de modo a garantir que apenas eram comercializados serviços móveis a subscritores com residência nas áreas geográficas com cobertura fixa da NOWO, tendo esta restrição sido definida no próprio processo de venda, através de um controlo da morada e código postal do cliente; (ii) as ofertas standalone da NOWO, efectivamente lançadas em 22.03.2018, destinavam-se unicamente aos residentes nas áreas geográficas com cobertura fixa da NOWO, não abrangendo assim todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas dos Açores e Madeira; 133. Em 27.06.2018, foi decidido, porém, pela NOWO que, de modo a “abafar” as reclamações de clientes e a evitar alguma implicação com a Anacom e ou Autoridade da Concorrência, podia concretizar a venda de serviços móveis a clientes fora do seu footprint apenas quando era abordada pelos clientes e não activamente, o que gerou vendas marginais a propósito; 134. O cumprimento do acordado, sobretudo no que se refere às condições das ofertas de serviços de comunicações móveis da NOWO, era monitorizado pela MEO, através do acompanhamento regular e detalhado, desde Janeiro de 2018 e pelo menos até ao final de Agosto de 2018, das condições de preço e da cobertura geográfica das referidas ofertas; 135. A…, Presidente do Conselho de Administração e CEO da MEO, promoveu activamente no período de 05.05.2018 a 17.05.2018 aquela monitorização, nomeadamente, solicitando, em 17.05.2018, que fossem recolhidas evidências de que a NOWO se encontrava a comercializar serviços móveis standalone em todo o país (via chamadas para call center que deveriam ser gravadas caso fosse obtida evidência); 136. J…, Chief Sales Officer/B2C da MEO/Altice Portugal e membro do comité executivo da Altice Portugal e membros da sua equipa, a solicitação do CEO da MEO, procuraram verificar, em Maio de 2018, se a NOWO estava a vender a oferta standalone fora do footprint; 137. A… reportou aos acionistas da MEO, em 07.05.2018, as condições das ofertas da NOWO, destacando que a nova oferta móvel standalone da NOWO tinha preços a partir de 5€, depois da Nowo ter dito à MEO que não o faria; 138. Efectuou, em 17.05.2018, um telefonema ao acionista da NOWO demonstrando o seu desagrado com os preços dos serviços móveis da NOWO e com a alegada disponibilização da oferta standalone fora do footprint da NOWO, exigindo a demonstração do cumprimento do acordo ou uma alteração de comportamento que respeitasse o acordo, situação que veio a ser do conhecimento da Nowo; 139. A NOWO, por sua vez, logo em 18.05.2018, procurou demonstrar à MEO que estava a cumprir o acordo ou que eventuais desvios não tinham qualquer relevância concorrencial; 140. Em 21.03.2018, R… (da Nowo) informou AF… (da MEO), na altura Head of Wholesale da MEO/Altice Portugal e membro do comité executivo da Altice Portugal, de que “como falado estamos a ultimar a subida de preços no Movel para lançamento stand alone no footprint, ainda este mês”; 141. Em 06.11.2018, a NOWO e a MEO, em linha com os termos ajustados em 03.01.2018, acordaram a alteração de condições do contrato MVNO no sentido previsto naquela data, incluindo a redução dos preços grossistas dos dados móveis, bem como o fornecimento de cartões SIM à NOWO; 142. O acordo iniciado em 03.01.2018 terminou em 28.11.2018, momento em que a AdC iniciou as diligências de busca e apreensão; 143. No início de 2019, a NOWO lançou no mercado uma oferta standalone com abrangência nacional; 5. Do elemento subjectivo: 144. Apesar de conhecer as normas legais violadas, a Recorrente MEO agiu de forma livre, voluntária e consciente, não se abstendo de praticar, de forma deliberada, os actos acima descritos, tendo consciência de que o acordo celebrado em 03.01.2018 e a sua implementação violava as regras de funcionamento de um mercado concorrencial, do qual resultaria numa grave restrição da concorrência, ilícita à luz das normas legais em vigor, o que representou e quis; 6. Outros factos: 145. Existe relutância por parte dos MVOs em celebrar contratos MVNO com outras empresas; 146. Durante o período em referência não foram celebrados outros acordos MVNO nem entraram novos prestadores de serviços de comunicações móveis no mercado nacional; 147. A Nowo e a MEO prestaram, em 2018, de modo agregado, cerca de 44% dos serviços de comunicações móveis vendidos isoladamente no território nacional e cerca de 48% dos serviços de comunicações móveis vendidos em pacote (4P/5P) no território nacional; 148. A MEO não tem antecedentes por infracções às regras da concorrência; 148-A. A Nowo, em 2018, apresentava débitos para com a MEO no valor de cerca de os 2 a 2.8 milhões de euros; 149. O EBIDTA da Recorrente, em 2019, correspondente a 821 milhões de euros ou 41% das receitas operacionais; 150. Apesar do contexto económico e social adverso, em 2020, fruto da situação pandémica que atingiu Portugal no final do primeiro trimestre, as receitas operacionais da MEO registaram um crescimento de 3,1% face ao ano anterior, atingindo os 2.075 milhões de euros em 2020, face a 2.012 milhões de euros em 2019; 151. No mesmo ano de 2020, o EBITDA reduziu-se 21,8% face ao ano anterior, para 642 milhões de euros e a margem EBITDA situou-se em 31,0%, menos 9,9 pontos percentuais do que a margem registada em 2019, resultado essencialmente dos impactos relacionados com um aumento dos gastos directos e outros gastos operacionais, reflexo essencialmente dos efeitos da cisão do negócio da rede de fibra óptica e da externalização dos serviços de operação e manutenção de infra-estruturas de redes de comunicações, que vieram alterar a estrutura de custos da empresa, cujos efeitos foram parcialmente compensados pelos efeitos positivos decorrentes do aumento das receitas operacionais e por uma redução dos gastos com o pessoal, beneficiando da externalização de serviços de operação e manutenção de rede e do programa voluntário de redução de pessoal concretizado em 2019; 152. Já no ano de 2021 a Recorrente obteve receitas de cerca de 2.230 mil milhões de euros, o que corresponde a 90% do valor das receitas da Altice N.V.. * B) Factos Não Provados O tribunal de 1ª instância considerou não provado que: 1. A Nowo, no dia 03.01.2018, propôs também à MEO um acordo de pagamentos por referência à dívida que tinha para com esta; 2. Na reunião de dia 03.01.2018 (dada como provada), A… (da MEO) fez saber a P… que não pretendia que a MEO participasse nos termos do que estava a ser proposto pela Nowo, ficando a Nowo plenamente ciente de que assim era; 3. No dia 22.05.2018, após o recebimento dos esclarecimentos/justificações sobre o cumprimento dos compromissos da Nowo, A… (da MEO) fez saber a R… (da Nowo) que não pretendia que a MEO participasse nos termos do que havia sido discutido na reunião de 03.01.2018, nem em qualquer outro tipo de acordo que afectasse a concorrência, ficando a Nowo plenamente ciente de que assim era; 4. A MEO anuiu com a Nowo nos termos da reunião de 03.01.2018, tal como provado, porque a MEO temia que os créditos que detinha sobre a Nowo nunca chegassem a ser liquidados, em face da política comercial que estava a ser adoptada pela Nowo, que considerava não ser economicamente racional, podendo levar à insolvência desta empresa, comprometendo o pagamento dos seus créditos; 5. As monitorizações da MEO dadas como provadas após 03.01.2018 foram feitas apenas e tão somente com o fito normal de verificar os moldes em como estava a actuar a Nowo no mercado, sem qualquer tipo de intensão de verificação se o acordado entre as empresas estava a ser cumprido por esta; 6. A informação prestada em 21.03.2018, por R… a A… de que “como falado estamos a ultimar a subida de preços no Movel para lançamento stand alone no footprint, ainda este mês”, tal como provado, tinha que ver apenas com questões técnicas que importavam ser tratadas no âmbito normal da execução do contrato MVNO; 7. Ao alterar as cláusulas do contrato MVNO, em 06.11.2018, a MEO apenas o fez por força de um acordo de pagamento com a Nowo e porque pretendeu conferir rentabilidade ao negócio da Nowo, possibilitando que essa pudesse, dessa forma, liquidar as dívidas que tinha para consigo; 8. Qualquer guerra de preços entre os três operadores que pudesse ter sido suscitada por ofertas agressivas da NOWO teria tido como resultado, cedo ou tarde, ou a evicção da NOWO ou restabelecimento das condições de mercado típicas da estrutura existente sem acréscimo sensível da quota de mercado da NOWO; 9. Esta evolução teria um paralelo na dinâmica do mercado das ofertas convergentes; 10. A Nowo acabou por concluir, de forma autónoma que, o cenário de lançamento de ofertas standalone com preços muito atrativos não era sustentável para a empresa em questão; 11. Não fosse o acordo celebrado em 03.01.2018, a MEO faria cessar o contrato MVNO por causa das dívidas acumuladas da Nowo e por causa da baixa rentabilidade das suas ofertas; 12. A Recorrente não tinha consciência de que os comportamentos que estão em causa nos autos eram proibidos por lei e estava a praticar condutas desvaliosas à luz do direito, desconhecendo a proibição subjacente às mesmas; 13. A Nowo devia cerca de 7 milhões de euros à MEO; 14. A conta corrente da Nowo junto da MEO no periodo entre 31.01.2016 a 31.12.2018 corresponde aos termos vertidos no quadro do ponto 1081 da impugnação judicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. *** O tribunal de 1ª instância consignou ainda que: A demais matéria quer constante da acusação, quer alegada pela Recorrente que não se compreendeu nem na matéria dada como provada nem na não provada se reporta a matéria considerada pelo tribunal como irrelevante para a boa decisão da causa, (nomeadamente quanto a factos alegados pela Recorrente, os mesmos, na sua esmagadora maioria, são factos que apenas consistem numa tese contrária à constante na decisão administrativa, que não importa ser levada à base factual), matéria de direito, de cariz meramente conclusivo ou meras remissões para meios de prova que não relevam para efeitos de subsunção dos factos ao direito. Importa ainda esclarecer que a maior ou menor sustentabilidade da estratégia comercial da Nowo, invocada nos pontos 699 e ss da impugnação é totalmente irrelevante em termos factuais para a boa decisão da causa, na medida em que ainda que as estratégias comerciais de um qualquer player no mercado sejam consideradas economicamente menos sustentáveis e se depois vêm mesmo a revelar-se com grau de insucesso, tal não valida que esse operador no mercado possa ver constrangida a sua política comercial por outro concorrente. A concorrência pelo mérito assim o impõe. Assim, para a boa decisão da causa são circunstâncias totalmente inócuas. O mesmo se passa com o nível de dívida da Nowo para com a MEO. Trata-se de uma tese contraditória à tese avançada pela AdC, que na perspectiva da MEO justificava algumas conclusões a extrair da prova produzida, mas que, como veremos, não teve esse condão. Assim, o menor ou maior nível de dívida da Nowo para com o MEO, para efeitos da infracção que se comprovou, é irrelevante, se bem que o tribunal tenha alocado aos factos não provados os concretos montantes de dívida que a MEO, em duas circunstâncias, logrou concretizar (normalmente a dívida foi invocada de forma meramente genérica como sendo “constante e elevada” ao longo da impugnação judicial apresentada) e aos factos provados o valor da dívida que resultou da prova produzida, apenas para possível enquadramento circunstancial da infracção. * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO IV.1. NULIDADE DO DESPACHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE ORDENOU AS BUSCAS ÀS INSTALAÇÕES DA VISADA; e NULIDADE DA PROVA CONSTITUÍDA PELO CORREIO ELECTRÓNICO APREENDIDO (conclusões 6 a 22) Sob as conclusões 6 a 22, sustenta a recorrente, em síntese, que é inadmissível a apreensão de mensagens de correio electrónico (independentemente de terem sido abertas ou lidas), no âmbito de processos contraordenacionais; e ainda que fosse admissível, advoga que tal apreensão sempre dependeria de despacho do juiz de instrução. Para tanto, alega que na sentença recorrida o tribunal interpreta incorrectamente os artigos 18º/1 c) e 20º/1 da LdC e faz uma errada leitura da Directiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/12/2019 (Directiva ECN+). Sustenta que na interpretação dos mencionados preceitos da LdC têm de ser considerados os artigos 42º do RGCO e o art. 34º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Mais considera que a Directiva ECN+ não prevê expressamente a imposição de previsão da possibilidade de apreensão de correio electrónico ou da utilização de correio electrónico apreendido, referindo ainda que a distinção operada entre mensagens de correio electrónico abertas e lidas e não abertas e não lidas é artificial, desajustada e ultrapassada, remetendo aqui para o declarado pelo Tribunal Constitucional (TC) no acórdão nº 687/2021 de 30/8/2021. Ancora a sua tese no conceito de correspondência para efeitos constitucionais, atendendo ao âmbito de protecção do sigilo da correspondência electrónica decorrente do art.º 34º/4 da CRP, que não distingue se a comunicação em causa foi ou não aberta ou lida pelo seu destinatário. Por outro lado, defende que, ainda que não exista uma remissão da LdC para a lei do Cibercrime, tal não prejudica a possibilidade de aplicação desta lei (cf. artº. 16º quanto à apreensão de documentos electrónicos) em processo contraordenacional da concorrência, naquilo que não contrariar a LdC e o RGCO. Insurge-se, assim, contra o entendimento do tribunal a quo de que o conceito de correspondência apenas abarca as mensagens de correio electrónico não lidas/não abertas e que as mensagens de correio electrónico lidas/abertas, por corresponderem a escritos/documentos, são admitidas em processo contraordenacional e não dependem de despacho do juiz de instrução. Neste conspecto, invoca a recorrente a inconstitucionalidade material do art.º 18º/1 c) da LdC, por violação dos art.ºs 34º/1 e 4, 35º/1 e 4 e 18º/2 todos da CRP, quando interpretado no sentido de permitir a recolha e apreensão de mensagens de correio electrónico “abertas” em processos contraordenacionais por tais mensagens consubstanciarem meros documentos. Invoca ainda a inconstitucionalidade material dos artigos 18º/1 c), nº 2, 20º/1 e 21º da LdC, por violação dos art.ºs 2º, 32º/4, 34º/1 e 4 todos da CRP, quando interpretados no sentido de se admitir a recolha e apreensão de mensagens de correio electrónico em processo contraordenacional da concorrência sem despacho judicial prévio. Conclui a visada que a prova obtida pela AdC padece de nulidade insanável, requerendo que seja, consequentemente, declarada a nulidade da sentença e de todo o processado desde as buscas, nos termos do disposto no art.º 122º/1 do CPP ex vi art.º 41º/1 do RGCO. A AdC e o Ministério Público pugnaram pela improcedência deste segmento do recurso. Cumpre apreciar. São duas as questões suscitadas, uma respeitante à admissibilidade/validade da prova e outra atinente à competência da autoridade judiciária para autorizar a busca e apreensão. A questão da competência para autorização das buscas e apreensão de correio electrónico em sede de processo de contraordenação jusconcorrencial e emissão dos competentes mandados (cf. conclusões 16 a 20) já foi apreciada e decidida no âmbito do apenso D destes autos. Com efeito, por acórdão proferido no aludido apenso em 21/12/2020 (Relator Rui Teixeira), pronunciou-se este Tribunal da Relação concluindo pela legitimidade/competência do Ministério Público para ordenar a realização das buscas nas instalações da recorrente que tiveram lugar no âmbito destes autos entre os dias 28/11/2018 e 21/12/2018. A este propósito pode ler-se no referido aresto que: «No fundo, o que se cura é de saber se o mandado de busca pode ser emitido pelo Ministério Público ou se, como defendido pela recorrente, só o juiz o pode emitir. Com a devida vénia iremos transcrever parte da resposta do Ministério Público porquanto, analisada a mesma, com ela concordamos na íntegra pouco mais havendo a referir. Assim: “ A recorrente alega erro de direito do TCRS ao legitimar, com suporte no inciso do artigo 18º, nº 1, c) da LC “independentemente do seu suporte”, o exame e a apreensão de mensagens de correio eletrónico pela AdC em processo de contraordenação (conclusões 6ª, 7ª), mediante mandado do Ministério Público (conclusões 8ª a 22ª), considerando que essa interpretação é duplamente inconstitucional, quer por violar as normas dos artigos 18º, nº 2, 32º, nºs 8 e 10 e 34º, nº 4 da CRP (conclusões 6ª, 7ª), quer por violar as normas dos artigos 2º, 18º, 32º, nº 4, 34º, nº 1 e nº 4 e 266º da CRP (conclusão 23ª). A recorrente alega que o TCRS aplicou erradamente a norma do art.º 18º, nº 1, c) da LC por considerar, num primeiro momento, que o art.º 34º da CRP não consente o exame e a apreensão de mensagens de correio eletrónico fora do processo penal. Argumenta, em segundo lugar, que as diligências de obtenção de prova que foram empreendidas pela AdC careciam de um mandado prévio emanado de um juiz. Como consequência de cada um destes exercícios, alega a violação da LC e da Constituição. Além dos factos provados, relevam os pontos 265. a 282. da fundamentação de direito da sentença, cujo teor aqui se reproduz. Dispõe o art.º 18º, nº 1 da LC que «No exercício de poderes sancionatórios, a Autoridade da Concorrência, através dos seus órgãos ou funcionários, pode, designadamente: c) Proceder, nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas, à busca, exame, recolha e apreensão de extratos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova». Por sua vez, o art.º 34º, nº 4 da CRP estabelece que «É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal». Trata-se de norma oriunda da versão original do Decreto de 10/04/1976 que foi retocada pela Lei Constitucional 1/97, de 20/09, a qual acrescentou “e nos demais meios de comunicação”. O sentido abrangente da norma do artº. 18, nº 1, c) da LC é inequívoco e tem hoje um claro e expresso amparo na Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/12/2018, como resulta quer dos considerandos 4, 30, 32, 34, 35 e 73, quer das normas dos seus art.ºs 6º e 32º. Como flui do seu art.º 3º, nº 1, esta Directiva teve como ponto de partida a preocupação pelo respeito pelos princípios gerais do direito da União e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Recebeu a designação informal de “Diretiva ECN+”, já que um dos seus principais desígnios é o de fortalecer a ECN (European Competition Network), a Rede Europeia de Autoridades de Concorrência, onde se inclui a AdC e a Comissão Europeia, por meio do reforço das respetivas garantias de independência, recursos, poderes decisórios e de investigação, tendo em vista habilitá-las a exercer a sua missão de forma efetiva. O teor daqueles considerandos e normas da Diretiva ECN+ é o seguinte: (4) «(…), conferir às ANC competência para obterem todas as informações relacionadas com a empresa investigada, nomeadamente em formato digital, independentemente do suporte em que estiverem armazenadas, poderá afectar também o alcance da competência das ANC, quando, nas fases iniciais do processo, adoptem as medidas de investigação pertinentes com base no direito nacional da concorrência aplicado em paralelo com os artigos 101º e 102º do TFUE. Conferir às ANC competência para realizarem inspecções com um alcance diferente consoante apliquem, em última análise, apenas o direito nacional da concorrência ou apliquem também, em paralelo, os artigos 101º e 102º do TFUE comprometeria a eficácia da aplicação do direito da concorrência no mercado interno. Por conseguinte, o âmbito de aplicação da presente directiva deverá abranger tanto a aplicação autónoma dos artigos 101º e 102º do TFUE como a aplicação, em paralelo, do direito nacional da concorrência ao mesmo processo». (30) «A competência de investigação das autoridades administrativas nacionais da concorrência deverá ser adequada aos desafios da aplicação das normas no ambiente digital e deverá permitir que as ANC obtenham todas as informações relacionadas com a empresa ou associação de empresas objecto da medida de investigação em formato digital, incluindo os dados forenses, independentemente do suporte em que as informações estiverem armazenadas, designadamente computadores portáteis, telemóveis, outros dispositivos móveis ou armazenamento em nuvem»; (32) Para ser eficaz, a competência das autoridades administrativas nacionais da concorrência para realizar inspeções deverá permitir-lhes ter acesso a informações acessíveis à empresa ou associação de empresas ou à pessoa sujeita a inspecção e relacionadas com a empresa ou associação de empresas investigada. Deverá assim incluir necessariamente a competência para pesquisar documentos, ficheiros ou dados em dispositivos não previamente identificados com precisão. Sem uma tal competência, seria impossível obter as informações necessárias à investigação nos casos em que as empresas ou associação de empresas assumissem uma atitude de obstrução ou se recusassem a cooperar. A competência para examinar livros ou outros documentos deverá ser extensiva a todas as formas de correspondência, incluindo mensagens eletrónicas, independentemente de parecerem não ter sido lidas ou de terem sido apagadas. (34) «(…) A fim de assegurar a eficácia das inspecções, as autoridades administrativas nacionais da concorrência deverão ter competência para aceder a todas as instalações, incluindo domicílios privados, se estiverem em condições de demonstrar que existe uma suspeita razoável de que aí estejam guardados documentos das empresas suscetíveis de serem relevantes para provar uma infração ao artigo 101º ou 102º do TFUE. O exercício dessa competência deverá ficar sujeito a que uma autoridade judicial nacional, que em alguns ordenamentos jurídicos nacionais poderá incluir um magistrado do Ministério Público, que a tal autorize previamente a autoridade administrativa nacional da concorrência». (35) «As ANC deverão dispor de competência efectiva para exigir que as empresas ou associações de empresas lhes forneçam as informações necessárias para detetar infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE. Para tal, as ANC deverão poder exigir a divulgação de informações que lhes permitam investigar potenciais infrações. Tal deverá incluir o direito de exigir informações em qualquer formato digital, incluindo mensagens de correio eletrónico ou de um sistema de mensagens instantâneas, independentemente do local em que estejam armazenadas, nomeadamente em nuvens e servidores, desde que a empresa ou associação de empresas destinatária do pedido de informações tenha cesso às mesmas (…)»; (73) «A prova é um elemento importante para a aplicação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE. As ANC deverão poder ter em consideração os elementos de prova relevantes, independentemente de serem escritos, orais, em formato eletrónico ou gravados. Tal deverá incluir gravações ocultas efectuadas por pessoas singulares ou colectivas, que não sejam autoridades públicas, desde que essas gravações não sejam o único meio de prova, e sem prejuízo do direito a ser ouvido e da admissibilidade de gravações efetuadas ou obtidas pelas autoridades públicas. De igual modo, as ANC deverão poder considerar as mensagens electrónicas como prova relevante, independentemente de essas mensagens parecerem não ter sido lidas ou de terem sido apagadas» (sublinhado do subscritor). Art.º 6º «1. Os Estados-Membros asseguram que as autoridades administrativas nacionais da concorrência estão em condições de realizar todas as inspeções necessárias sem aviso prévio nas empresas e associações de empresas, para efeitos da aplicação dos artigos 101º e 102º do TFUE. Os Estados-Membros asseguram que os funcionários e outros acompanhantes autorizados pelas autoridades nacionais da concorrência a realizarem tais inspecções, ou por elas nomeados para o efeito, dispõem, pelo menos, de competência para: a) Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e associações de empresas; b) Inspeccionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do suporte em que estiverem armazenados, tendo o direito de aceder a quaisquer informações acessíveis à entidade inspecionada; c) Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extractos dos documentos controlados e, sempre que o considerem adequado, continuarem a efectuar esse tipo de pesquisa de informação e selecção de cópias ou extratos nas instalações das autoridades nacionais da concorrência ou em quaisquer outras instalações designadas; d) Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspecção; e) Solicitar a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa ou da associação de empresas explicações sobre factos ou documentos relacionados com o objeto e a finalidade da inspeção e registar as suas respostas. 2. Os Estados-Membros asseguram que as empresas e as associações de empresas se sujeitam às inspeções a que se refere o nº 1. Caso uma empresa ou uma associação de empresas se oponha a uma inspecção que tenha sido ordenada por uma autoridade administrativa nacional da concorrência e/ou que tenha sido autorizada por uma autoridade judicial nacional, os Estados-Membros garantem também que as autoridades nacionais da concorrência podem obter a assistência necessária da polícia ou de uma autoridade com poderes de polícia equivalentes, a fim de lhes permitir realizar a inspeção. Essa assistência também pode ser obtida a título preventivo. 3. O presente artigo é aplicável sem prejuízo dos requisitos previstos no direito nacional para a autorização prévia por parte de uma autoridade judicial nacional à realização de tais inspeções». Art.º 32º sob a epígrafe Meios de prova admissíveis perante as autoridades nacionais da concorrência «Os Estados-Membros garantem que os meios de prova admissíveis perante uma autoridade nacional da concorrência incluem documentos, declarações orais, mensagens electrónicas, gravações e quaisquer outros objetos que contenham informações, independentemente do formato e do suporte em que tais informações se encontrem armazenadas». É à luz desta Diretiva que a Constituição e o seu art.º 34º, nº 4 em particular deverão ser perspetivados. A adesão de Portugal à CEE, atual União Europeia - goste-se ou não, aceite-se ou não -, trouxe para a ordem jurídica interna um novo conjunto de normas de direito primário e derivado europeu que são aplicáveis “nos termos definidos pelo direito da União” (art.º 8º, nº 4 da CRP), de acordo com o princípio do primado da União (art.º 7º, nº 6 conjugado com o art.º 8º, nº 4 da CRP), o qual densifica o princípio da cooperação leal entre a União e os seus Estados Membros (art.º 4º, nº 3 do TUE). O direito da União, uma ordem que - goste-se ou não, aceite-se ou não -, não sendo uma federação de Estados tem, contudo, caráter federalizante, isto é, apresenta-se como um sistema jurídico europeu federativo, “na medida em que a sua lógica de funcionamento decorre dos mecanismos e da tradição jurídico-política do federalismo (que como se sabe, admite as mais variadas conformações, para além do Estado federal). (…) A atuação da AdC teve como suporte a norma congénere do art.º 101º do TFUE e a Lei Nacional da Concorrência (v. art.º 3º, nº 1 do Regulamento 1/2003) e como credencial a aplicação desconcentrada do direito da concorrência (art.º 5º do Regulamento 1/2003). A LC contém disposições especiais que derrogam de forma expressa quer o RGCO, quer a lei penal e processual penal nacional, como decorre expressamente das normas dos art.ºs 18º, nº 1, c) «Proceder, nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas, à busca, exame, recolha e apreensão de extratos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova», 20º, nº 1 «As apreensões de documentos, independentemente da sua natureza ou do seu suporte, são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária» e 21º «É competente para autorizar as diligências previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 18.º e nos artigos 19.º e 20.º o Ministério Público ou, quando expressamente previsto, o juiz de instrução, ambos da área da sede da Autoridade da Concorrência». Por outro lado, com a entrada em vigor na nossa ordem jurídica da Diretiva ECN+, verificada a 04/02/2019, em fase de transposição, a aplicação ao caso da Constituição Nacional não pode ser realizada a partir de uma visão periférica, singular, monista e de supremacia em relação ao direito europeu, mas antes como resultado de um exercício de complementaridade funcional que forma uma unidade com esse ordenamento supranacional. A Constituição deixou de ser, por conseguinte, o vértice normativo que serve de parâmetro último de interpretação e validação da atividade da administração, como no caso em apreço. A finalidade e o sentido prescritivo das suas normas, designadamente o desenho dos limites por si impostos, carecem, no caso, de ser harmonizados com a Diretiva ECN+. Inexiste, por conseguinte, qualquer erro de direito do TCRS na interpretação que fez do artigo 18º, nº 1, c) da LC e da legitimidade do Ministério Público para ordenar a realização de busca nas instalações da recorrente que tiveram lugar entre os dias 28/11/2018 e 21/12/2018. A visada tem como pressuposto que a expressão “autoridade judiciária” abrigada nos artigos 18º, nº 2 e 20º, nº 1 da LC seja interpretada como sendo referida ao juiz de instrução, razão pela qual, ao permitir a emissão de mandados de busca e apreensão de correspondência pelo Ministério Público, a LC afronta, na óptica da visada, o art.º 34º, nº 4 e 32º, nº 4 da CRP. Parece seguro, contudo, que a CRP não impõe um modelo quanto à entidade que assegura os direitos, liberdades e garantias no processo contraordenacional. Pelo contrário, resulta do sentido expresso do art.º 32º, nº 4 da CRP que apenas no processo penal a lei fundamental reserva a um juiz a fase de instrução, assim como a possibilidade de intervir fora desta, a montante, na fase do inquérito, quando esteja em causa a prática de atos que contendam diretamente com os direitos fundamentais – cfr. a este respeito, entre outros, os Acs. do TC 7/87, 23/90, 581/2000 e 395/2004. O juiz de instrução é uma autoridade exclusiva do processo penal. Como referiu o Ac. do TC 158/92, no ponto 5 da fundamentação, “Como já se observou em passo anterior, o artigo 32.º, n.º 8 [actual art.º 32º, nº10] da Constituição, assegura ao arguido «nos processos por contra-ordenação os direitos de audiência e de defesa». Esta norma, aditada pela Lei Constitucional n.º 1/89, ao estabelecer como princípios materiais do processo contraordenacional, no âmbito das respectivas garantias processuais, os direitos de audiência e de defesa, consente que se afaste a aplicação directa e global a este tipo de processo dos princípios constitucionais próprios do processo criminal, designadamente, o princípio da judicialização da instrução consagrada no n.º 4 daquele artigo 32.º”. O que nas normas dos artigos 18º a 21º da LC o legislador parlamentar fez foi repartir pelo Ministério Público e pelo juiz a competência para autorizar e validar a prática de certos atos da AdC - busca, exame, recolha, apreensão, selagem -, tendo deixado a cargo do juiz os atos mais sensíveis como as buscas no domicílio, em escritório de advogado e consultório médico, as apreensões em escritório de advogado, consultório médico e nos bancos ou outras instituições de crédito. Esta repartição não obedeceu a um modelo garantístico constitucional, o qual não existe para o processo contraordenacional, mas a uma opção do legislador, no quadro da sua livre margem de conformação. Tudo indica que nesta solução o legislador foi inspirado pelas normas dos artigos 1º, b), 267º a 270º do CPP, mas daí não resulta afronta constitucional, justamente na medida em que o legislador procurou enriquecer o regime do processo sancionatório da concorrência, que tem como destinatários por excelência as empresas, com um standard garantístico mais elevado, semelhantemente aos processos europeus da Comissão. Assim, mesmo que se considerasse que a Constituição é atualmente o vértice normativo que serve de parâmetro último de interpretação e validação da atividade da administração, o que não se aceita como explanado supra, seria ainda assim possível concluir que a Constituição não impõe um modelo que faz depender da autorização prévia de um juiz a realização das diligências de obtenção de meios de prova que foram efetuadas pela AdC, nem que essas diligências devam ocorrer segundo as normas do processo penal. Consequentemente, a decisão recorrida não violou qualquer norma ou princípio constitucional.” Diga-se ainda que no que respeita ao argumento da Recorrente de que à apreensão das mensagens de correio eletrónico aberto são aplicáveis as normas da Lei do Cibercrime e que, por essa razão, a visualização (e apreensão) de mensagens de correio eletrónico com base em mandados emitidos pelo Ministério Público, viola o artigo 17.º da Lei do Cibercrime, importa esclarecer que o objecto e consequente âmbito de aplicação daquele Diploma é distinto do objecto e âmbito de aplicação da Lei da Concorrência, não se sobrepondo à mesma. De acordo com o artigo 1.º da Lei do Cibercrime, este Diploma “estabelece as disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte eletrónico, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa”. Mais estabelece o artigo 11.º daquele Diploma que, “com exceção do disposto nos artigos 18.º e 19.º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes: a) Previstos na presente lei; b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.” A Lei da Concorrência estabelece e regula o regime jurídico da concorrência, sendo que a matéria relativa aos poderes de inquirição, busca e apreensão encontra-se especialmente regulada no artigo 18.º, razão pela qual os artigos 11.º e 17.º da Lei do Cibercrime nunca poderiam aplicar-se especificamente aos processos contraordenacionais da concorrência. Com efeito, o artigo 17.º da Lei do Cibercrime apenas se aplica a processos relativos a crimes, independentemente da sua natureza ou moldura penal, excluindo, a contrario, processos de contraordenação, como salienta a AdC na sua resposta. Assim, improcede este argumento recursivo.» (realces e sublinhados nossos) Sufragamos o entendimento assim vertido no acórdão proferido sobre a (mesma) questão no âmbito do apenso D dos presentes autos (para o qual remeteu o tribunal a quo na sentença recorrida – cf. linhas 1613 a 1661 da sentença), apenso que se encontra pendente no Tribunal Constitucional (para onde foi remetido em 29/1/2021, constando da informação junta aos autos em 12/12/2022 que aquele apenso aguarda decisão de um outro processo). Idêntica posição defendemos nos acórdãos proferidos no âmbito dos processos desta secção PICRS nºs 71/18.3YUSTR-M.L1 e 28999/18.3T8LSB-B.L1 (relatados pela ora relatora e no caso do acórdão do P. 28999/18.3T8LSB-B.L1 subscrito pelo o ora 1º Adjunto), respectivamente em 24/2/2022 e 26/9/2022. Assim, no que concerne à questão da competência da autoridade judiciária (Ministério Público ou juiz de instrução) para autorizar as buscas e apreensão de correspondência nas instalações da recorrente sociedade, rege o disposto nos art.ºs 18º/2, 20º/1 e 21º todos do RJC. E de tais disposições normativas extrai-se indubitavelmente que compete ao Ministério Público ordenar e autorizar as buscas e não ao juiz de instrução criminal, porquanto não estão em causa buscas domiciliárias (neste sentido, vide Lei da Concorrência Anotada, Carlos Botelho Moniz (coord.), Almedina, 2016, pág. 197/198). Donde, as únicas situações em que é necessária a intervenção do juiz de instrução são as previstas nos art.ºs 19º/1 e 7 e 20º/6 do RJC, ou seja, nos casos de buscas domiciliárias e em escritórios de advogados, consultórios médicos e instituições de crédito (v.g. bancos). Nos demais casos, compete ao Ministério Público autorizar as diligências, designadamente as buscas e apreensões (art.º 21º do RJC). Por conseguinte, não estando em causa, no caso dos autos, qualquer das situações que impõem a intervenção do juiz de instrução, a autoridade competente é o Ministério Público, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao concluir que não foi cometida qualquer nulidade. Concluindo-se sobre esta primeira questão que é competente o Ministério Público, não carecendo de despacho judicial prévio, para autorizar as buscas e a apreensão de correio electrónico realizadas nos autos pela AdC, ao abrigo do art. 18º/1 c) do RJC. * Cumpre agora apreciar a segunda questão, atinente à admissibilidade legal de apreensão de correio electrónico em sede de processos contra-ordenacionais jus concorrenciais e consequentemente aquilatar da validade da prova obtida pela AdC na sequência da busca efectuada por esta autoridade nas instalações da visada, com base em mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. Como acima enunciámos, a ora recorrente argui a nulidade daquela prova (mensagens de correio electrónico abertas/lidas), com fundamento na violação do art.º 34º/1 da CRP. Sob a epígrafe «inviolabilidade do domicílio e da correspondência» estabelece este preceito legal que: 1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei. 3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei. 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. (sublinhado nosso) De tal norma, densificadora do direito da reserva da intimidade da vida privada consagrado no art.º 26º/1 da CRP, extraímos claramente que o acesso à correspondência é constitucionalmente tutelado e que a ingerência na correspondência apenas é admissível em matéria de processo criminal. Como se afirma no acórdão do TC nº 464/2019, «…o art.º 34º da Constituição tem por propósito consagrar e proteger o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ou seja, prima facie, a liberdade de manter a esfera de privacidade e sigilo, livre de interferência e ingerência estadual, quer no que respeita ao domicílio, quer (…) quanto à comunicação. É, aliás, entendimento doutrinal sedimentado que o âmbito de protecção da norma constitucional abrange todos os meios de comunicação individual e privada, e toda a espécie de correspondência entre as pessoas, em suporte físico ou electrónico, incluindo não apenas o conteúdo da correspondência, mas também o tráfego como tal (…)». Sublinhe-se que é diversa a natureza do ilícito de mera ordenação social, que não se confunde com o ilícito criminal. A questão que se suscita e a recorrente discute prende-se com o conceito de correspondência. Não existe consenso ao nível da doutrina e jurisprudência relativamente à questão de saber se tal conceito abarca apenas as mensagens de correio electrónico não lidas ou também as mensagens lidas. A distinção releva para efeitos da aplicação do art.º 17º da Lei do Cibercrime, que remete para o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP (art.º 179º). Diversamente da ora recorrente, o Tribunal a quo entendeu que o correio electrónico lido/aberto não se enquadra na noção de correspondência/meio de comunicação, tratando-se de um “mero documento”, apartado da protecção do sigilo que é conferida à correspondência pela Lei Fundamental. Para tanto, aquele tribunal remete para a definição de correio electrónico constante do art.º 2º/1 b) da Lei nº 46/2012, de 29 de Agosto, ou seja, “é correio electrónico” “qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário até que este a recolha” – cf. linhas 1917 e seguintes da sentença recorrida. E após aprofundada análise sobre o conceito de correspondência e o âmbito da protecção constitucional do sigilo das comunicações, concluiu-se na sentença recorrida que «(…) decorre da lei que o correio electrónico só é correio electrónico, enquanto comunicação, até que o seu destinatário passe a participar activamente no procedimento técnico informático do iter da mensagem de correio electrónico, “recolhendo-o”. Neste preciso momento, de acordo com a definição legal de “correio electrónico” que deriva da citada alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, a mensagem transmitida já não é mais considerada “correio electrónico”, no sentido de comunicação, passando antes a ser um “mero” documento. E sendo um documento, o mesmo deixa de merecer a tutela de sigilo consagrada no n.º 4 do artigo 34.º da CRP, podendo a AdC, reunidos os demais requisitos, apreender esses documentos.» - linhas 1938 a 1946. Na mesma linha decidiu este Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão proferido pela 3ª Secção Criminal em 4/3/2020 no âmbito do apenso D do supra mencionado processo nº 71/18.3YUSTR, em sede de recurso de medida da autoridade administrativa, sobre idêntica questão atinente à (in)validade da prova obtida mediante busca efectuada à ali visada e apreensão de correio electrónico. Considerou-se em tal aresto que a partir do momento em que a mensagem de correio electrónico é recolhida pelo seu destinatário, deixou de ser correio electrónico, passando a ser informação em arquivo (correio electrónico aberto e lido), concluindo que no caso em apreciação naquele apenso D, em que a AdC apreendeu informação em arquivo na sequência de buscas, não estava em causa a apreensão de «correspondência» (comunicação em trânsito). O mesmo acórdão procede à subsunção da situação em análise na previsão do art.º 18º/1 c) do RJC, sustentando que este preceito garante o respeito pelo princípio da reserva de lei necessário a este procedimento da AdC (apreensão de ficheiros de correio electrónico em diligência de buscas), concluindo que não se coloca um problema de proibição de prova e que as mensagens visualizadas e apreendidas pela AdC não gozam da tutela constitucional conferida pelo art.º 34º/4 da CRP. Nas palavras de Pedro Verdelho (vide revista do CEJ, pág. 165 e “Apreensão de Correio Electrónico em Processo Penal”, Revista do Ministério Público, Ano 25.º, nº 100, outubro-dezembro, 2004, pp. 161 – 164), citadas naquele acórdão, «é pacificamente aceite que a correspondência aberta deixa de estar abrangida pela protecção constitucional de sigilo de correspondência». Como afirmámos no acórdão proferido no aludido P. nº 71/18.3YUSTR-N.L1, “Perfilhamos o entendimento sustentado no aludido acórdão (…) no sentido de que a apreensão de mensagens enviadas por email, já lidas, porque se trata de documentos, não está sujeita à tutela prevista no art.º 34º/4 da CRP, sendo ainda certo que também não podem considerar-se mensagens privadas na acepção desta norma”. Como referiu o Ministério Público na resposta ao recurso daquele mesmo processo, a norma do art.º 34º da CRP, decalcada do art.º 8º/1 da CEDH, “não construiu o apontado círculo garantístico (da privacidade individual) em torno da privacidade empresarial”, além de que tal norma não tem como referente o direito da concorrência, em cujo âmbito “as empresas não gozam do tipo e nível de protecção garantido pelo art.º 34º da CRP, bem se podendo afirmar que no presente contexto os seus direitos são incompatíveis (v. art.º 12º/2 da CRP a contrario) com a tutela reservada ao indivíduo pelo art.º 34º da CRP”. Assim, no caso dos autos a apreensão das mensagens de correio electrónico encontra suporte no disposto no art.º 18º/1 c) do RJC. Dispõe este preceito que: “No exercício de poderes sancionatórios, a Autoridade da Concorrência, através dos seus órgãos ou funcionários, pode, designadamente: proceder, nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas, à busca, exame, recolha e apreensão de extratos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova.” A propósito do teor dos art.ºs 18º/1 c) e 20º/1 do RJC, pode ler-se na sentença recorrida (linhas 1676 a 1701) que: «Tendo em conta que, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, somos forçados a concluir que a AdC, verificados que estejam os demais requisitos legais, pode apreender documentos, de toda a natureza, estejam eles vertidos em suportes físicos ou estejam em suportes digitais. Esta interpretação da lei é totalmente pacífica. Todavia, o RJC nada disciplina directamente quanto a correio electrónico e muito menos realiza qualquer tipo de distinção entre correio lido/aberto ou não lido/não aberto. Ora, pelos motivos que infra serão aflorados, sob pena de inconstitucionalidade, apenas se considerarmos que o correio electrónico lido/aberto não se enquadra na noção de correspondência/meio de comunicação, sendo apenas um “mero” documento, apartado da protecção de sigilo que é conferida à correspondência pela Lei Fundamental, é que a prova em causa não estará ferida de nulidade. Na verdade, decorre, desde logo, do n.º 1 do artigo 42.º do RGCO que “não é permitida a prisão preventiva, a intromissão na correspondência ou nos meios de telecomunicação nem a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional”, sendo certo que “as provas que colidam com a reserva da vida privada (…) só serão admissíveis mediante o consentimento de quem de direito” (n.º 2 do mesmo artigo 42.º do RGCO). Consideramos, contudo, que a questão sob análise não encontra resposta neste preceito. Na verdade, aquilo que o n.º 1 do artigo 42.º do RGCO se limita a reconhecer é o que já decorre da própria CRP, porquanto nesta Lei Fundamental é erguida a garantia de que ingerências dos órgãos públicos na correspondência apenas são permitidas em sede do direito penal (afastando, por isso, o direito contra-ordenacional), conforme iremos analisar mais detalhadamente. Assim, facilmente chegamos à conclusão de que o que importa apurar é se correio electrónico aberto/lido pode ou não ser considerado correspondência e isso, repetimos, não nos é elucidado através deste preceito do RGCO.» Tal como também foi entendido no acórdão proferido em 4/3/2020 no apenso D, não vislumbramos fundamento para a aplicação ao caso de qualquer regime subsidiário (cf. art.º 13º, 59º/2 e 83º do RJC), porquanto não se nos afigura existir lacuna no regime jurídico da concorrência, já que o regime aplicável às práticas restritivas previstas no art.º 9º se encontra expressamente regulado no mencionado art.º 18º do RJC. Por outra banda, subscrevemos o juízo do Tribunal a quo no sentido de que deve ser excluída a aplicação ao caso da Lei nº 109/2009 (Lei do Cibercrime), cujo objecto e âmbito de aplicação é bem distinto do da Lei da Concorrência. Aquela lei apenas se aplica aos processos crime, como flui do seu art.º 1º, além de que não existe qualquer remissão para esse diploma, quer no RJC, quer no CPP (ex vi art.º 41º/1 do RGCO). No sentido da inaplicabilidade da Lei do Cibercrime no domínio do direito contraordenacional da concorrência, vide o supra mencionado acórdão proferido, em 21/12/2020, no apenso D dos presentes autos, assim como o acima citado acórdão proferido pela 3ª Secção Criminal deste TRL em 4/3/2020 (processo nº 71/18.3YUSTR-D.L2). Neste conspecto e ao contrário do que advoga a recorrente, não tem pertinência para o caso vertente o acórdão do TC nº 687/2021, de 30/8/2021 (publicado no DR nº 185, 1ª série de 22/9/2021), que, em sede de fiscalização preventiva, se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5º do Decreto nº 167/XIV da Assembleia da República, na parte que altera o art.º 17º da Lei nº 109/2009 (Lei do Cibercrime). Na verdade, as dificuldades técnicas e dogmáticas apontadas pelo TC, quanto à distinção, no âmbito das mensagens de correio electrónico, entre correio «aberto» e «fechado», reportam-se evidentemente ao objecto daquela decisão, ou seja, à Lei do Cibercrime, cuja alteração ao art.º 17º estava em apreciação. Quer dizer, face à inaplicabilidade de tal diploma ao caso dos autos, são muito escassos os contributos desse aresto, que cingindo-se ao processo penal (e não se pronunciando sobre o processo contraordenacional) concluiu pela inconstitucionalidade das normas em apreciação no acórdão (alteração ao art.º 17º da Lei do Cibercrime). Do exposto é forçoso concluir que não está em causa prova proibida, em virtude de a prova apreendida nos autos pela AdC assentar nas disposições conjugadas dos art.ºs 18º/1 c) e 20º/1 e 2 do RJC, improcedendo, pois, a alegada nulidade. De igual forma, não ocorre a invocada inconstitucionalidade destas normas, tendo em conta o entendimento acima explanado quanto à inaplicabilidade ao caso do RGCO (art.º 42º/2) e do CPP (art.º 126º/1) e o entendimento adoptado de que a apreensão de mensagens enviadas por email, já lidas, porque se trata de documentos, não está sujeita à tutela prevista no art.º 34º/4 da CRP, não se afigurando que a tese perfilhada seja susceptível de violar qualquer outra norma ou princípio constitucional (v.g. art.ºs 32º e 18º/2 da CRP). Pelo exposto, improcede este segmento recursório, quer quanto à competência da autoridade judiciária, quer à questão da validade da prova. * IV.2. NULIDADES DA DECISÃO ADMINISTRATIVA E DA SENTENÇA 2.1. Violação do direito a um processo justo e equitativo e violação do direito de defesa – restrições no acesso ao processo (conclusões 23 a 38) Sob a conclusão 23 das alegações de recurso invoca a recorrente que “o tribunal a quo não respeitou o direito a um processo justo e equitativo nas suas vertentes de direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, de direito de defesa e direito ao contraditório, de direito à fundamentação das decisões e de direito à prova, tal como impõem os artigos 20.º n.º 4 e 5 da CRP e 6.º da CEDH”. Concretizando na conclusão 26 que: a. o erro do Tribunal na decisão das questões referentes às nulidades e vícios do processo, desculpando e considerando sanadas as faltas da Autoridade e desmerecendo o seu efeito no exercício do direito de defesa, cujo âmbito reconduz ao da mera possibilidade de exercício de um contraditório, qualquer que ela seja, afetou o direito ao recurso (artigo 32.º n.º 1 da CRP), o direito de defesa (artigo 32.º n.º 10 da CRP), o direito ao contraditório (artigo 32.º n.º 5 e 10 da CRP), o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP) e princípio de igualdade de armas (artigo 20.º n.º 4); b. o erro do Tribunal na fixação da caução determinou um sacrifício significativo à MEO para obter a suspensão dos efeitos do recurso, em violação do seu princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP) e de um juízo imparcial (artigo 20.º n.º 4 da CRP); c. o erro do Tribunal na não suspensão do processo até à decisão a tomar pelo Tribunal Constitucional determinou que numa sentença e numa audiência, por natureza públicas, o sigilo da correspondência deixasse de ser considerado e que o direito ao recurso da MEO (artigo 32.º n.º 1 da CRP) – enquanto meio de proteção dessa sua prerrogativa – deixasse de ter qualquer efeito útil; d. o erro do Tribunal na valoração da prova determinou a prolação de Sentença em violação do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP); e. o erro do Tribunal quanto à validação da não disponibilização de elementos de prova à MEO no âmbito do acesso ao processo e à consideração de que a MEO deve procurar conhecê-la noutras sedes viola o direito de defesa da MEO (artigo 32.º n.º 10 da CRP) e o princípio da igualdade de armas (artigo 20.º n.º 4 da CRP) f. o tratamento não igualitário conferido pelo Tribunal à AdC, por um lado, e à MEO, por outro, na Sentença, indicia a falta de parcialidade do julgamento e viola o direito a um processo equitativo (artigo 20.º n.º 4 da CRP); g. a desconsideração pelo Tribunal dos factos alegados pela MEO com fundamento na circunstância de serem contrários à tese da AdC viola o direito ao recurso, o direito ao contraditório e o direito de defesa (artigos 32.º n.ºs 1, 5 e 20 da CRP); e h. a falta de fundamentação da Sentença quanto à prova desconsiderada favorável à MEO viola o direito ao recurso, o direito ao contraditório e o direito de defesa (artigos 32.º n.ºs 1, 5 e 20 da CRP). E conclui na conclusão 27 requerendo que “tendo presente o que se disse e as consequências daqueles erros e decisões do Tribunal a quo, determinem, nos termos do disposto no artigo 50.º, do artigo 41.º n.º1 do RGCO e do artigo 119.º alínea c) do CPP, por força da violação do direito fundamental a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º da CRP e 6.º da CEDH, a nulidade da Sentença e do processado anterior, desde o momento em que os direitos da MEO foram postergados (o que sucedeu desde a busca e apreensão que teve início em 2018), nulidade essa que, atenta a essencialidade dos direitos em causa enquanto direitos e garantias fundamentais do arguido em processo contraordenacional, é insanável, devendo o processo ser remetido ao Tribunal a quo para decidir corretamente os vícios de nulidade que lhe foram apresentados, fazendo o processo retornar ao seu início, para que seja concedido à MEO um due process”. Sobre este ponto, refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso que “Trata-se de uma pretensão muito genérica que agrega os incidentes que foram sendo decididos ao longo do processo com algumas questões que foram tratadas na sentença. Pior, agrega estas questões entre si. Paradigmático desta amálgama são os §§ 165 a 167 da alegação, cujo texto aqui se reproduz”. Mais esclarece que “a visada suscitou questões que foram objeto de dez recursos de decisões do TCRS com base em decisões interlocutórias da AdC: - O P. Principal (com origem na decisão da AdC de 21/12/2018, de apreensão de elementos pesquisados e encontrados na sede da MEO), - O Apenso B (recurso das diligências realizadas pela AdC entre 28/11/2018 e 21/12/2018), - o Apenso E (duas rondas recursivas com origem na decisão na decisão interlocutória da AdC de 01/10/2019 – classificação e tratamento de informação confidencial; recurso do efeito devolutivo atribuído pelo TCRS ao recurso interlocutório, constitucionalidade do art.º 84º, 4 e do art.º 30º, 2 e 4 da LC, violação do dever de fundamentar pela AdC, erro quanto à interpretação do art.º 121º, 1, c) do CPP, vícios de falta de pronúncia e de violação do contraditório pelo TCRS, erro na apreciação da classificação da confidencialidade de documentos eletrónicos e em papel), - o Apenso F (duas rondas recursivas com origem na decisão interlocutória da AdC de 01/10/2019, desafiando a atribuição do efeito do recurso atribuído pelo TCRS e outros vícios e erros de direito da decisão judicial, como a constitucionalidade do art.º 84º, 4 da LC, violação do dever de fundamentar pela AdC, interpretação do art.º 121º, 1, c) do CPP, vícios de falta de pronúncia e de violação do contraditório pelo TCRS, este por tomada de decisão surpresa na apreciação do conceito de segredo de negócio, a apreciação da validade e relevância de informação classificada pela arguida como confidencial com fundamento em segredo de negócio), - O Apenso J (duas rondas recursivas a partir da decisão da AdC de 20/12/2019 que encerrou o inquérito de levantamento do segredo de justiça, efeito devolutivo atribuído pelo TCRS ao recurso da visada e constitucionalidade da norma do art.º 84º, 4 da LC), - O Apenso I (no qual se apreciou a pretensão de suspender as diligencias de busca e apreensão com fundamento no direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo)”. Na esteira do Ministério Público, afigura-se-nos que a recorrente, sob a égide da violação do processo justo e equitativo, procede a uma prolixa descrição de múltiplas questões processuais e substantivas, referentes quer ao processo administrativo, quer à fase judicial. Antes de mais, importa sublinhar que este Tribunal ad quem está impedido de reapreciar a matéria de facto julgada pelo tribunal recorrido (art.º 75º/1 do RGCO), sem prejuízo de poder tomar conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º/2 do CPP (ex vi art.º 41º do RGCO e art.º 13º do RJC). Por outro lado, e nos termos previstos nos citados artigos 63º, 64º e 73º do RGCO, apenas admitem recurso para o Tribunal da Relação a sentença e o despacho judicial que, na 1ª instância, tiverem conhecido da impugnação da decisão da autoridade administrativa e do despacho liminar que tiver rejeitado o recurso por ser extemporâneo ou por não respeitar as exigências de forma. Quanto às demais decisões anteriores à sentença judicial que tenham conhecido e decidido questões suscitadas durante o julgamento, são as mesmas irrecorríveis, já que não constituem sentença ou despacho final que conheça do mérito do recurso interposto da decisão da autoridade administrativa. Designadamente, no que tange à irrecorribilidade das decisões interlocutórias que decidam requerimentos probatórios, como refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações, 2011, página 301: “São irrecorríveis as decisões interlocutórias de natureza estritamente processual, que não afetem direitos das pessoas, como, por exemplo, o despacho interlocutório que negue a realização e produção de meio de prova (acórdão do TC n.º 522/2008), o despacho de indeferimento de uma inspeção judicial requerida pelo arguido na audiência de julgamento (decisão do vice-presidente do TRL de, de 27.06.2001, In CJ, XXVI, 3, 134) o despacho de indeferimento de expedição de uma carta rogatória (decisão do presidente do TRC, de 18.05.2007, processo 111/07), o despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual (…) proferido na pendência da fase judicial de impugnação (acórdão do TRE, de 28.6.2005, in CJ, XXX, 3, 269”. No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 28.06.2005, Processo 2160/04, da Relação de Lisboa, de 6 de abril de 2011, Proc. 1.724/09.27FLSB-3, e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de abril de 2011, Proc. 88/16.2T8SEI.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Aliás, o Tribunal Constitucional tem vindo reiteradamente a entender que «a interpretação do artigo 73.º do RGCO, no sentido de não permitir recurso do despacho que indeferiu uma diligência de prova requerida pela arguida no processo de contra-ordenação, não é incompatível com a Constituição, nomeadamente, com as garantias de defesa que o artigo 32.º, n.º 1, consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação». É com base neste quadro normativo e na senda da aludida doutrina e jurisprudência que se analisará este ponto do recurso. Não oferece dúvida que a ordem jurídica portuguesa consagra, como direito fundamental, a exigência de um processo equitativo, como decorre do art.º 20º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), princípio também consagrado no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, por ter sido ratificada por Portugal, faz parte integrante do direito português – art.º 8º/1 da CRP. Trata-se de um princípio fundamental em qualquer sociedade democrática, profundamente imbricado com o Estado de Direito (rule of law), que visa, acima de tudo, defendendo os interesses das partes e os próprios da administração da justiça, que os litigantes possam apresentar o seu caso ao tribunal de uma forma efectiva; tem como significado básico que as partes na causa têm o direito de apresentar todas as observações que entendam relevantes para a apreciação do pleito, as quais devem ser adequadamente analisadas pelo tribunal, que tem o dever de efectuar um exame criterioso e diligente das pretensões, argumentos e provas apresentados pelas partes e que a justeza (fairness) da administração da justiça, além de substantiva, se mostre aparente (“justice must not only be done, it must also be seen to be done”) - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.02.2016, processo n.º 176/06.3TNLSB.L2-1, publicado em www.dgsi.pt e citado pela recorrente no ponto 164 da motivação recursória. Quer dizer, o processo equitativo significa a “conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva”[4]. - Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª ed. revista, 2007, pág. 415. O direito a um processo equitativo tem sido abundantemente densificado pela jurisprudência, designadamente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É comum referir-se que o princípio da igualdade de armas, adicionado também ao do contraditório, constitui um elemento incindível do processo equitativo (I. CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, 2005, pág. 133). Também o Tribunal Constitucional se tem pronunciado reiteradamente sobre o âmbito de protecção do princípio em análise, designadamente reportando-se às especificidades do Direito Contraordenacional. A este propósito, no Acórdão n.º 278/2011 declarou aquele Colendo Tribunal que: «Antes de mais, importa reter que a Lei Fundamental, em sede de garantias processuais dos cidadãos e das pessoas coletivas, reconhece, expressamente, que, além do Direito Penal, outros ramos do Direito Público assumem uma natureza punitiva ou sancionatória. Assim, além da referência específica ao Direito Contraordenacional, a norma constitucional assume uma vocação ampliadora, abarcando todos os demais ramos do Direito Administrativo Sancionatório, devendo a lei assegurar o respeito pelos direitos de audiência e de defesa (artigo 32º, n.º 10, da CRP). Se atentamos nos mecanismos próprios do Direito Contraordenacional, verificamos que o legislador operou a uma cisão entre uma fase de aferição administrativa do cometimento do ilícito – “fase administrativa” (artigos 33º a 58º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) – e uma fase de controlo jurisdicionalizado da decisão sancionatória – “fase jurisdicional” (artigos 59º a 75º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro). Visando a sanção contraordenacional fins de prevenção geral e especial da prática de atos contrários ao bloco de legalidade – que, no entanto, não se revestem de um desvalor jurídico suficientemente forte que justifique a respetiva criminalização –, compreende-se, portanto, que o legislador tenha cometido à própria administração pública os poderes para fiscalizar o cumprimento daquele bloco de legalidade e, em caso de infração, o poder para os sancionar. Essa função corresponde, aliás, à própria essência da função administrativa, ou seja, à execução dos comandos normativos adotados pelos órgãos competentes, em estrita observância e prossecução do interesse público. Seguindo esta linha de raciocínio, conclui-se que, sem prejuízo de os arguidos em processo contraordenacional gozarem de várias garantias de defesa – sejam elas de génese procedimental administrativa, sejam antes de génese processual (ou jurisdicional) –, importa reiterar que a eventual preterição dessas “garantias de defesa”, durante a “fase administrativa” de um procedimento contraordenacional não implica uma violação do “direito a um processo equitativo” (cfr. artigo 20º, n.º 4, da CRP), pois este apenas reclama aplicação em caso de tramitação de um processo jurisdicional. De todo o modo sempre se imporia a convocação da norma constitucional decorrente do n.º 10 do artigo 32º da CRP, por se tratar de norma especial, e nunca daquele outro preceito legal, supra citado. Este mesmo entendimento foi já sufragado pela 3ª Secção deste Tribunal, através dos Acórdãos n.º 595/2012 e n.º 49/2013 (ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), tendo o primeiro deles expressamente afirmado, reportando-se ao artigo 20º, n.º 4, da CRP, que: «Sucede que desta norma constitucional não decorre o efeito que a decisão recorrida, por si e pelo que absorve do precedente jurisprudencial a que se acolhe (Acórdão do TRP de 2/11/2011, P. 801/06.6TPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), lhe atribuiu, no que se refere à fase administrativa do processo de contraordenação. Desde logo, porque a conformação legislativa dessa fase do processo de contraordenação está fora do campo de previsão desta norma constitucional. O “processo equitativo” que constitui objeto imediato do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição respeita à “tutela jurisdicional efetiva”, aos “tribunais”, a “causas” e “procedimentos judiciais”. Como diz o Ministério Público, a linguagem, o sentido e a função desta disposição constitucional são inequívocos ao localizarem o direito (fundamental) ao processo equitativo em sede “judicial” e não em sede “administrativa”, como é o caso da fase administrativa do “processo de contraordenação”.» No caso dos autos a recorrente invoca “o erro do tribunal na decisão das questões referentes às nulidades e vícios do processo, desculpando ou considerando sanadas as faltas da Autoridade e desmerecendo o seu efeito no exercício do direito de defesa, cujo âmbito reconduz ao da mera possibilidade de exercício de um contraditório, qualquer que ela seja, afetou o direito ao recurso (artigo 32.º n.º 1 da CRP), o direito de defesa (artigo 32.º n.º 10 da CRP), o direito ao contraditório (artigo 32.º n.º 5 e 10 da CRP), o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2 da CRP) e princípio de igualdade de armas (artigo 20.º n.º 4)”. Não logrou a recorrente explicitar as concretas questões, nulidades ou vícios a que se reporta, que terão sido cometidos pela autoridade administrativa e considerados sanados pelo tribunal a quo. Buscando na motivação do recurso as razões em que se estriba a recorrente, percebemos que se insurge contra o entendimento vertido na sentença acerca das especificidades do direito das contra-ordenações e consequente adaptação nessa sede dos princípios estruturantes do processo penal e valores fundamentais do direito penal (cf. ponto 170 da motivação recursória), apontando exemplos do alegado menosprezo do direito das contraordenações e compressão da posição da arguida em nome da celeridade processual, confluindo para a violação do direito a um processo justo e equitativo. Em primeiro lugar, aponta o facto de o tribunal recorrido, “para sanar a decisão final da AdC”, ter considerado que não é exigível que a decisão administrativa proceda a uma apreciação crítica da prova, em virtude de essa decisão se converter em acusação logo que remetida ao juiz pelo Ministério Público, mas simultaneamente entender aquele tribunal que “o objecto do recurso de impugnação judicial é definido pela acusação e, especialmente, pelas conclusões do recurso apresentado pela Recorrente, uma vez que não se trata de um verdadeiro processo criminal, mas de um processo onde predominam as regras concernentes aos recursos, sendo de conhecer sobretudo as questões colocadas pela Arguida e não tanto aquilatar a procedência ou improcedência da acusação (linhas 36-40 da Sentença)”. Ora, não se vislumbra em que medida ocorre incongruência entre uma coisa e a outra. O facto de a decisão administrativa se converter em acusação nos termos do art.º 62º/1 do RGCO não tem a virtualidade de transformar a fase judicial do processo de contraordenação num verdadeiro processo criminal, apartado do regime geral das contraordenações. Nem obsta à aplicação subsidiária das regras do processo penal nos casos não especialmente regulados (art.º 41º/1 do RGCO). Aliás, como temos vindo a afirmar noutros acórdãos, designadamente no acórdão proferido no âmbito do P. nº 19519.0YUSTR.L1, o direito contra-ordenacional ou de mera ordenação social tem autonomia reconhecida pela Constituição face aos demais ramos do direito (cf. art.º 165º/1 d) da Constituição da República Portuguesa), designadamente face ao direito penal, atenta a diversa natureza dos bens jurídicos e a desigual ressonância ética das condutas, o que estabelece a principal distinção entre crimes e contra-ordenações (vide acórdão do TC nº 344/93 de 12/5/93), pelo que se impõe formular em cada decisão um juízo de analogia substancial, aferindo se um dado princípio ou regra do processo penal é transponível, com as devidas adaptações, para o processo contra-ordenacional (v. Augusto Silva Dias, ob cit. pág 196), apontando assim para a necessidade, adequação e adaptação como critérios norteadores da aplicação subsidiária do regime do processo penal ao processo de contra-ordenação. Como se pode ler no acórdão do TC nº 633/2009 (processo nº 103/08) publicado no DR. nº 35, 2ª série, de 19 de Fevereiro de 2010, para Figueiredo Dias, «o direito de mera ordenação não é filho ou herdeiro de um direito penal administrativo já falecido, não é a sua máscara presente, mas sim limite negativo de um direito penal administrativo que evoluiu e surge hoje renovado sob a face do direito penal secundário». Conclui-se no citado aresto que estamos perante «um direito penal secundário, cujas raízes e aforamentos recentes em nenhum ponto poderão confundir-se com o direito administrativo e com a regulação das «relações jurídicas administrativas». No mesmo sentido, foi declarado no acórdão do TC nº 528/2008 de 29/11/2008 que «a opção legislativa com longa tradição entre nós, de manter o contencioso das contra-ordenações excluído da jurisdição administrativa foi assumida na discussão que antecedeu a recente reforma do contencioso administrativo (…)». Ainda em sede de jurisprudência do Tribunal Constitucional, sublinha-se no acórdão nº 336/2008, citando Figueiredo Dias, que «existem sempre razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção, sendo que a diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade». Nesta senda, não merece censura a distinção a que se procede na sentença recorrida entre processo criminal e contra-ordenacional, sobretudo quando se refere que não se trata de um verdadeiro processo criminal e se atende à natureza e especificidades do ilícito de mera ordenação social. Em segundo lugar, aduz a recorrente que no “tratamento pelo TCRS do incidente de prestação de caução para obtenção do efeito suspensivo do recurso de impugnação, constata-se também a adoção de uma perspetiva penalizadora do TCRS, desproporcional e sem qualquer justificação”. Aqui a recorrente insurge-se contra o decidido pelo tribunal a quo no âmbito do incidente de prestação de caução, concretamente mediante a prolacção dos despachos judiciais de 02/06/2021, 28/10/2021, 09/03/2022, 25/03/2022 e 06/04/2022. Como vimos, relativamente às decisões proferidas pelo tribunal de 1ª Instância que tenham recaído sobre questões suscitadas pelo recorrente ao longo do julgamento do recurso de impugnação, que não façam parte da sentença ou despacho final que conheça do mérito do recurso interposto da decisão da autoridade administrativa, não poderão ser apreciadas por este Tribunal da Relação, sendo irrecorríveis. Assim, não sendo os mencionados despachos proferidos no âmbito do incidente de prestação de caução objecto do presente recurso, nem podendo sê-lo, mostra-se prejudicada a apreciação deste segmento recursivo. Em terceiro lugar, argumenta a recorrente que “tendo sido suscitada a questão da suspensão da audiência até à decisão final sobre a validade da apreensão do correio eletrónico, e apesar de não estar em causa qualquer risco de prescrição, o TCRS optou por invocar, para a resolução desta questão, a necessidade de cumprir de forma escrupulosa o formalismo legal (linhas 1656-1665 da Sentença e ata da sessão de julgamento de 09.05.2022) decorrente de ter sido atribuído efeito devolutivo ao recurso pendente no Tribunal Constitucional. Argumenta o Ministério Público na sua resposta ao recurso que “a visada invoca o incidente que suscitou na primeira sessão de julgamento, de 09/05/2022, ocasião em que requereu a suspensão da audiência [v. ainda conclusão 24, (iii)]. Também aqui este segmento do recurso não tem objeto, por não incidir sobre a sentença recorrida, mas sobre um despacho judicial, documentado em ata, proferido naquele dia 09/05/2022. Assim, também esta parte do recurso será desconsiderada.” Na esteira do MP, entendemos que, tal como na questão anterior, a recorrente pretende aqui atacar despacho judicial proferido antes da sentença, o que não é objecto do presente recurso e como tal prejudica a sua apreciação. Em quarto lugar, alega a recorrente que “o TCRS, após declarar que a Decisão Final se convola em acusação, entende que, afinal, quem tem de fazer a prova é a Arguida e inverte o “ónus da prova”. Mais alega, no ponto 203 da motivação recursória, que “A título de exemplo, o TCRS declarou não acreditar no legal representante da MEO, com conhecimento direto dos factos, porque corroborou a tese sustentada pela Defesa no Recurso de Impugnação, aceitando antes como bom o que é escrito nas comunicações pelo outro interveniente (P…), sem o ouvir, justificando que resultaria das “regras de experiência construídas pela prática” que os arguidos não requererem que sejam ouvidas testemunhas susceptíveis de fornecer a explicação, não abona a seu favor” (linhas 4965-4984 da Sentença). Refere ainda que «Em concreto, lê-se ainda na Sentença a este propósito, o seguinte: “Contudo, como verificamos, tal não impede de extrair ilações negativas do facto de perante documentos incriminatórios, tais como notas de reuniões com concorrentes, como sucede no vertente caso, não solicitem as Recorrentes a inquirição de pessoas que, efectivamente, possam infirmar aquele sentido incriminatório dos documentos. Ora, no vertente caso, perante o documento NOWO_0441, a Recorrente limitou-se a prestar, ela própria, declarações, mediante o seu legal representante. É certo que este participou na reunião a que alude o documento. Porém, como se viu, as declarações do legal representante, como já seria esperado, não divergiram da tese sustentada pela Recorrente em sede de impugnação, não tendo sido pedida a inquirição de P… que, na qualidade de testemunha e sujeita a um dever de verdade, poderia (ou não) corroborar aquela tese, tese essa que, frisamos, não encontra sustento lógico nos demais meios de prova produzidos, que constituem um conjunto probatório concordante, cujo conteúdo, no seu essencial, corresponde à realidade vertida nos factos provados.” (linhas 4965-4984 da Sentença). Sobre este ponto, o Ministério Público pronuncia-se da seguinte forma: “(…) a visada transporta-nos para um detalhe, respeitante à convicção do Tribunal, quanto à forma como a prova foi apreciada. Não é sequer apresentada qualquer contextualização das linhas da sentença citadas – 4965 a 4984. Independentemente de qualquer outra consideração, uma coisa é certa: a visada faz apelo às regras do ónus da prova, respeitantes à validade da sentença no âmbito da matéria de facto, sem invocar qualquer dos vícios indicados no art.º 410º do CPP. Consta-se ser o recurso inadmissível nesta parte. Assiste razão ao Ministério Público, pois neste ponto a recorrente insurge-se contra a valoração da prova produzida perante o tribunal a quo e a relevância/credibilidade atribuída às declarações do legal representante da MEO, sendo que, conforme acima explicitámos, está vedado a este Tribunal a reapreciação da matéria de facto e de questões probatórias (art.º 75º/1 do RGCO), sem prejuízo do conhecimento dos vícios a que alude o art.º 410º/2 do CPP (aplicável ex. 41º/1 RGCO), sendo certo que tais vícios não foram invocados nesta sede. E mesmo quanto aos vícios do art.º 410º/2 do CPP, “fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e/ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto” (v. CPP Comentado, 3ª edição revista, António Henriques Gaspar e Outros, p. 1291). Face ao exposto, não é admissível o recurso quanto a este ponto. * Em quinto lugar, a visada afirma nos pontos 205 e 206 do recurso que: «205. Em quinto lugar, perante a invocação, pela MEO, de restrições ao seu direito de defesa em virtude de a AdC, ao invés de ter extraído certidão de determinados elementos que estavam juntos ao presente processo (em particular emails apreendidos nas empresas visadas) tê-los desentranhado dos autos, o TCRS afirma que cabia à MEO ir procurar tais elementos ao processo para o qual a Autoridade os remeteu porque também é arguida nesse processo e, se não os juntou, deve ter sido porque lhe são desfavoráveis! 206. Refere-se na Sentença a este propósito: “Se [a MEO] não juntou nestes autos quaisquer elementos que constavam dos outros autos, em vista à sua defesa, foi necessariamente por ter concluído, com a AdC, que relevo algum os mesmos tinham para a boa decisão destes autos em concreto. Reforçamos, os elementos de prova em questão não foram sequer destruídos, sabendo precisamente a Recorrente a sua precisa localização, tendo acesso aos mesmos, como acabou por ter, pelo que violação alguma de direito de defesa foi cometida pela AdC” (linhas 376-381 da Sentença)». Sustenta a recorrente ter sido privada dos seus direitos de defesa por lhe ter sido negado o acesso a todo o processo, o que acaba por se prender com as conclusões 28 a 38 (violação do direito de defesa – restrições no acesso ao processo). Contra-alega o Ministério Público que “a questão resume-se a saber se o desentranhamento de elementos do processo da AdC PRC 2018/5 que deu origem a estes autos, para dar início a novo processo de contraordenação, o PRC 72019/1, determina a nulidade da decisão final da AdC nestes autos (conclusão 36) por denegação de acesso à visada de elementos potencialmente exculpatórios.” Embora não o indique de forma fundamentada, a recorrente pretende extrair daqui uma nulidade insanável. Do que se pode depreender do alegado, a visada coloca a hipótese de aqueles elementos conterem matéria probatória capaz de demonstrar a sua falta de culpa. A questão foi tratada na sentença em sede de questões prévias, com base nos factos extraídos dos autos, elencados nas páginas 4 a 7 da sentença, onde se pode ler o seguinte (cf. linhas 165 a 462 da sentença): “Em primeiro lugar, a Recorrente esgrime que não existe qualquer despacho a determinar o desentranhamento dos elementos que não constam dos autos, apenas um despacho que determina a extracção de certidão, não podendo, por isso, os elementos em causa, serem extraídos destes autos e inseridos noutros, na medida em que tal não se enquadra na noção de extracção de certidão. Assiste razão à Recorrente, nessa parte. Com efeito, uma certidão, nos termos do n.º 1 do artigo 383.º do Código Civil consiste na extracção do teor de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas, mantendo-se o original no local em que se encontra arquivado, não pressupondo qualquer desentranhamento desse original. Assim, a execução do despacho de extracção de certidão foi executado de forma errada, já que em vez de uma certidão, foi executado um desentranhamento. Contudo, tal situação, numa perspectiva meramente formal (execução errónea de despacho de extracção de certidão), não implica que tenha sido cometida uma qualquer nulidade. Na verdade, decorre do disposto no artigo 13.º do RJC que é aplicável ao processo de contra-ordenação em curso, ainda que na fase administrativa, o RGCO. Por sua vez, o RGCO determina, por via do disposto no artigo 41.º, n.º 1, que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.” Nos termos da configuração da tipologia legal plasmada no CPP, os vícios dos actos processuais podem constituir: nulidade insanável; nulidade sanável; irregularidade. Dispõe o n.º 1 do artigo 118.º do CPP, sob epígrafe “princípio da legalidade”, que a “violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.” Tendo em vista o exposto, logo se conclui que se estando perante uma mera decisão interlocutória que foi executada de forma errada, não constando da lei expressamente a cominação da nulidade no caso de cometimento de tal vício, esse vício, existindo, constitui uma mera irregularidade, nos termos do artigo 123.º do CPP. A irregularidade deve ser arguida perante a própria autoridade administrativa, nos três dias seguintes à notificação de qualquer termo do processo – neste sentido, vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Ed., Universidade Católica Editora, pág. 269, em anotação ao artigo 97.º do CPP, nota n.º 9. Não consta dos autos que a Recorrente tenha arguido perante a AdC o cometimento dessa irregularidade, nem tal é sequer sustentado pela MEO. A irregularidade é um vício que é sanável, porque não se mostra elencado no artigo 119.º, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, que respeita às nulidades insanáveis. E sana-se, precisamente, através do decurso do prazo legalmente fixado para a sua arguição, sem que a mesma seja efectuada. A esse propósito, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tem constantemente afirmado que é de 3 dias o prazo para arguir irregularidades em processos de contra-ordenação, ainda que corram perante a AdC, incluindo no douto acórdão proferido no apenso J destes autos (processo n.º 18/19.0YUSTR-J.L1), datado de 20.10.2020, onde se escreveu o seguinte: “a irregularidade terá de ser, nos termos do art.º 123º nº 1 do C.P.P., arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.” Neste contexto, a eventual existência de irregularidade por execução errada de despacho mostra-se sanada. Contudo, a questão também deverá ser abordada noutro prisma, na medida em que, para além da execução errada do despacho de extracção de certidão, a Recorrente defende também que a própria execução em si, ou seja, o próprio acto de desentranhamento de peças processuais dos autos, sem que lhe seja dada a possibilidade de analisar a sua pertinência para efeitos desculpatórios, violou os seus direitos de defesa, na vertente de acesso ao processo, considerando ter sido cometida a nulidade insanável prevista na línea c) do artigo 119.º, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e 13.º do RJC, também em violação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 33.º do RJC e do n.º 1 do artigo 25.º do RJC. Decorre da referida alínea c) do artigo 119.º do CPP, que “constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais (…) a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”. “A nulidade da alínea c) (…) justifica-se pelo interesse público no asseguramento das condições de integridade do direito de defesa que justificam a necessidade da presença pessoal do arguido, garantido pelas consequências para a inobservância dos direitos consagrados nos artigos 61.º, n.º 1, e 64.º, n.º 1; actos de presença obrigatória do arguido são o debate instrutório (artigo 300.º, n.º 1), salvo renúncia, e a audiência (artigo 332.º), embora com as excepções dos artigos 333.º, n.º 2 e 334.º, n.ºs 1 2”. – vide Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Ed. Revista, Almedina, pág. 350 e ss. Como nos parece que resulta do teor literal do preceito em apreço, para que se verifique o cometimento de tal nulidade, é necessário que esteja em causa um acto processual em que a lei impõe a presença física do arguido, o que já não sucede quando está em causa a “mera” audição do arguido, com vista a possibilitar-lhe exercer o contraditório. Neste sentido, o acórdão do STJ de 21.11.2012, processo n.º 150/10.5JELSB, indicado no Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Ed. Revista, Almedina, pág. 351, decidiu o seguinte: “Não se verifica a nulidade da al. c) do art.º 119º do CPP quando não se refira a acto processual em que lei impõe a presença do arguido; no caso de não ter sido dada ao arguido a possibilidade de ser ouvido previamente sobre o pedido de especial complexidade do processo, não está em causa nenhum acto processual a que o arguido devesse comparecer, mas apenas a sua audição prévia e a possibilidade de exercer o contraditório, não exigindo este a presença do arguido.” No mesmo sentido, em sede do acórdão do STJ de 14.11.2007, processo n.º 4289/07, também citado in Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Ed. Revista, Almedina, pág. 355, foi defendido o seguinte: “A alínea c) do art. 119.º do CPP deve ser lida em conjugação com o art.º 61.º, n.º 1 do mesmo diploma, que enumera os direitos do arguido e que distingue com clareza entre o direito de estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito (al. a) do n.º 1), e o direito de ser ouvido sempre que o tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o afecte (al. b) do mesmo n.º 1). “São direitos distintos, com protecção jurídica também diferente, sendo evidentemente mais forte a do primeiro, que se reporta a situações em que o direito de defesa tem de beneficiar de uma mais intensa protecção: o direito à presença do arguido em determinado acto tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma superior garantia de defesa, ao permitir ao arguido a imediação com o julgador e com as provas que contra ele são apresentadas, estando naturalmente esse direito circunscrito a um número reduzido de actos, entre os quais sobressai o julgamento; o direito de audição não envolve a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito de tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor. “É, pois, insustentável a inclusão do direito de audição no de presença, sendo assim de rejeitar o conceito de “ausência processual”, ao menos enquanto equivalente à ausência física, para os efeitos do art.º 119.º, al. c) do CPP.” Nesta conformidade, tendo em vista que não estão em causa actos que impliquem uma presença física obrigatória da Recorrente, por intermédio de representante legal (vide n.ºs 1 e 4 do artigo 33.º do RJC e do n.º 1 do artigo 25.º do RJC), não está em causa a nulidade insanável a que se refere a Recorrente. Mas será que poderá ser considerado que foi praticada uma nulidade sanável, por preterição do direito de defesa da Recorrente? Consideramos que, no âmbito do processo contra-ordenacional, o direito de defesa dos Visados não apresenta a dimensão que lhe dá a Recorrente. De acordo com o disposto no artigo 50.º do RGCO, sob a epígrafe de “Direito de audição e defesa do arguido”, que dá expressão ao estatuído no n.º 10 do artigo 32.º da Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa – CRP), “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.” Expressa, este artigo, o direito de audição e de defesa dos Arguidos, direitos estes fundamentais neste ramo sancionatório do direito e com assento constitucional. Efectivamente estatui o n.º 10 do artigo 32.º da CRP que “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa.” Tal implica que ao Arguido seja dada previamente a conhecer “a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.” (vide acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2003, publicado no DR-I-A, de 25-01-03, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 70/2008, de 26/11). Neste conspecto, cumpre chamar à colação a jurisprudência fixada em sede do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2003, publicado no DR-I-A, de 25-01-03, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 70/2008, de 26/11. De acordo com o mesmo, “quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.” Tal como é advogado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 209 (citado no douto acórdão referido), a notificação a que alude o artigo 50.º do RGCO, fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos. Ora, no vertente caso, esse direito de defesa foi assegurado pela AdC, onde na acusação notificada à Recorrente, procedeu à descrição dos factos que lhe eram imputados, enquadrou juridicamente esses factos, sendo indicadas as sanções em que incorria com a prática dos factos e concedeu um prazo razoável para o exercício do direito de defesa, mostrando-se devidamente cumprido o preceito legal a que alude o artigo 50.º do RGCO. Mas a Recorrente defende que existiu por parte da AdC uma atitude entorpecedora do seu acesso aos autos, mormente, a toda a prova que nos autos, num momento, constava e depois, à data da pretensão de acesso, já não constava e nunca mais constou, por ter sido remetida para a instrução de outros autos ou por estar truncada. Com todo o respeito por melhor entendimento, consideramos que o desentranhamento de prova obtida pela AdC, em determinado momento, não implica um entorpecimento no acesso aos autos, caso essa prova não seja utilizada pela autoridade para efeitos de justificar a imputação de determinada factualidade à Visada, na medida em que é permitido à AdC formular um juízo de utilidade e de adequação dos meios de prova coligidos para o processo, sendo tal uma das competências que resulta da sua actividade de investigação e sancionatória. Aliás, em função da evolução da investigação e do decurso do processo, esse tipo de decisões é normalmente tomado em vários momentos no decurso de um processo penal, em que as garantias de defesa implícitas num pretenso direito de acesso aos autos importam ser mais musculadas que no próprio domínio contra-ordenacional em que nos movemos. Reforça a nossa convicção o facto de quando é necessária a manutenção nos autos de todos os elementos de prova recolhidos ao longo da investigação, a lei identifica-os, estando em causa regimes processuais excepcionais, como é o caso do procedimento acerca da intercepção e gravação de conversações telefónicas a que alude o n.º 12 do artigo 188.º do CPP ( ). Por se tratarem de regimes excepcionais, não é admitida a sua aplicação analógica. Assim sendo, não sendo utilizados como prova pela AdC, então não vislumbramos qualquer impedimento que derive de norma constante do RJC, do RGCO ou do próprio CPP, no sentido de que não possa a AdC desentranhar elementos de prova que, para determinado processo, conclua que não tem relevância, são inócuos ou desnecessários para o apuramento da responsabilidade sancionatória das visadas. Neste sentido, julgamos que conclui o douto acórdão da Relação de Lisboa de 26.06.2019, processo n.º 71/18.3YUSTR-H.L1-3, in www.dgsi.pt, onde na nota de rodapé n.º 29 alude a decisão proferida no proc. n.º 195/16.1YUSTR, nos seguintes moldes: “(…) admitimos, frontalmente, que a AdC dispõe de competência para autorizar o desentranhamento de documentos apreendidos, mesmo posteriormente à diligência de apreensão – trata-se de uma actuação plenamente conforme com a actividade de investigação e apuramento de factos com relevância sancionatória, em função do contínuo apuramento de factos ao longo do processo. “A indiciação probatória que subjaz à validade das diligências instrutórias do processo sancionatório não se confunde com os juízos ulteriores sobre a utilidade, pertinência e adequação de tais meios de prova para prova dos factos entretanto apurados. Parece-nos até elementar assinalar a diferença entre os pressupostos que devem presidir ao deferimento de diligências de prova de natureza invasivas numa fase inicial do processo e os pressupostos que, após apuramento e aprofundamento das diligências de prova, devem presidir a um juízo de oportunidade processual sobre o interesse de manter tais elementos de prova no processo. “A decisão sobre a validade na obtenção de meios de prova não equivale nem delimita a decisão sobre a relevância/irrelevância dessa prova por confronto com outros elementos de prova e com os factos indiciados. “Essas decisões (aparte regimes excepcionais) são tomadas a todo o momento no âmbito do processo penal (em que as garantias do processo equitativo devem auferir de maior assertividade) pela autoridade judiciária competente e em respeito ao decurso do processo. Numa palavra, não vemos obstáculo legal ou impedimento processual no NRJC ou no regime subsidiário do R.G.CO. para que a AdC proceda ao desentranhamento e devolução de documentos entretanto considerados irrelevantes, inócuos e desnecessários para o apuramento da responsabilidade sancionatória das visadas. “Os regimes processuais que obrigam a uma manutenção de todos os elementos de prova recolhidos por determinada autoridade competente para a investigação de factos com relevância sancionatória são de natureza excepcional - por exemplo o regime de intercepção e gravação de conversações telefónicas previsto nos artigos 188.º, n.º 12 do C.P.P. - não permitem a aplicação analógica e a obrigatoriedade de manutenção de suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não forem transcritas para servirem como meio de prova reflecte determinadas posições garantística sobre a precariedade e sensibilidade dos dados recolhidos.” Por outro lado, não é despiciendo aludir ao facto de que, como refere a AdC, a aqui Recorrente também é visada nos autos para onde foram remetidos os elementos que contesta que não teve acesso neste âmbito, tendo acedido a esses mesmos autos. Assim, os elementos de que se queixa a Recorrente nem sequer se encontram em parte incerta ou sequer forem destruídos. A sua localização actual está devidamente indicada nos autos. Assim, querendo, a Recorrente sempre poderia ter acesso aos elementos de prova em causa, como teve. A Recorrente, neste momento processual, estava em plenas condições para alegar em que medida os elementos desentranhados eram relevantes para a sua defesa, o que não alegou, limitando-se a esgrimir de forma meramente formal e abstracta a violação de um direito, sem que dessa alegação resulte o grau de efectiva lesão do mesmo. Se não juntou nestes autos quaisquer elementos que constavam dos outros autos, em vista à sua defesa, foi necessariamente por ter concluído, com a AdC, que relevo algum os mesmos tinham para a boa decisão destes autos em concreto. Reforçamos, os elementos de prova em questão não foram sequer destruídos, sabendo precisamente a Recorrente a sua precisa localização, tendo acesso aos mesmos, como acabou por ter, pelo que violação alguma de direito de defesa foi cometida pela AdC. A alegada violação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 33.º do RJC e do n.º 1 do artigo 25.º do RJC também não colhe, na medida em que o acesso ao processo que é regulado nesses artigos não invalida que a AdC possa realizar o referido juízo de oportunidade e relevância da prova. Aliás, veja-se que esse tipo de juízo sobre a oportunidade da prova deve ser feito pela AdC, ainda que se tratem de meios de prova requeridos pela defesa, conforme resulta do n.º 3 do artigo 25.º do RJC ( ). Por maioria de razão, relativamente às provas que obteve através da sua própria actividade investigatória poderá a AdC formular igualmente esse juízo de oportunidade e dispensar tudo o que se relevar inoportuno. No que se reporta aos elementos truncados juntos nos autos, também eles se reportam a elementos que constam dos autos PRC/2019/1, relativamente aos quais, conforme se referiu, a Recorrente também é visada e aos mesmos já teve acesso. Ora, sabendo que os elementos de prova foram truncados mas que os originais constam dos outros autos, onde também a Recorrente é visada e pode ter acesso aos mesmos, como teve, com todo o respeito, não se logra compreender como é que não consegue defender-se e como pode alegar que desconhece se tais elementos contêm ou não informações com carácter exculpatório. Se os documentos estão acessíveis em sede daqueles autos PRC/2019/1 e se já foram acedidos pela Recorrente, com todo o respeito, é estranho alegar que se desconhece se existem ou não informações com cariz desculpatório. Pelos motivos expostos e apesar de poder ser criticável a opção da AdC em manter no processo documentos truncados (aparentemente sem que tenha deixado no processado os originais) sem relevo para os autos, não possibilitando, nestes autos, o acesso aos originais, que foram juntos a outro processo por aí serem relevantes, consideramos que a factualidade não implica “um encurtamento inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável das possibilidades de defesa do arguido”, o que acarreta que esse procedimento, nesta sede, não possa ser considerado ilegítimo – vide acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 135/88, 207/88 e 39/04. A Recorrente sustentou ainda a inconstitucionalidade, por violação dos direitos de audiência, de defesa e a um processo equitativo, previstos nos artigos 32.º, n.º 10 e 20.º da CRP, da interpretação da norma que resulta do artigo 33.º, n.º 1 e n.º 4 da LdC, no sentido de que a AdC pode recusar a disponibilização da consulta da versão integral dos autos ao mandatário da Visada, após a emissão da Nota de Ilicitude e exclusivamente para o exercício do direito de defesa, com fundamento de que tais elementos são relativos a outro processo de contra-ordenação também em curso. Em primeiro lugar, importa referir que, salvo melhor entendimento, não está em causa a ausência de acesso integral aos autos, na medida em que foi permitido o acesso aos autos nos exactos termos em que os autos se encontravam no momento da consulta, não sendo vedado o acesso a elementos que foram usados pela AdC para fundamentar quer a Nota de Ilicitude, quer a decisão final. Ainda que assim não seja, o Tribunal Constitucional tem apreciado o direito de defesa em sede dos processos contra-ordenacionais constitucionalmente consagrado no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, de forma mais elástica por comparação ao processo penal (vide, por exemplo, acórdão n.º 158/92 e n.º 469/97). Frederico de Lacerda da Costa Pinto, in “O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal”, Direito Penal Económico e Europeu/Textos Doutrinários, pág. 209 e ss, refere que o essencial é a existência de uma dogmática própria que podendo acolher os contributos da dogmática penal não se limite, contudo, a uma importação acrítica de regimes e figuras. Por sua vez, no que tange ao direito de audição e defesa do arguido, Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 153, destaca o princípio do contraditório e da audiência, como “oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo (…)”. Contudo, o mesmo Tribunal Constitucional também tem entendido que o modo de assegurar essa participação do arguido em sede dos processos contra-ordenacionais deve ser uma opção do legislador, que mantém para si um maior grau de liberdade de conformação em face do grau que mantém em sede do ilícito criminal (vide, exemplificativamente, acórdão n.º 537/2011, de 15 de Novembro). O artigo 50.º do RGCO apenas exige que sejam comunicados aos arguidos os factos que lhe são imputados, a respectiva qualificação jurídica e sanções que incorrem. No vertente caso, a Recorrente não foi impedida de aceder ao processo, nos moldes já descritos, consultando-o, tendo exercido o seu direito a ser ouvida e apresentar as provas ou requerer diligências que entendeu por relevantes, defendendo-se, não tendo sido impossibilitada de controlar as questões colocadas ou suscitadas no processo e participando na decisão que lhe dizia respeito, pelo que se conclui que foi respeitado o seu direito de defesa. Nestes termos se conclui que foram salvaguardadas as garantias constitucionalmente impostas para este tipo situações. Quanto à questão do processo equitativo em particular, como assumido pelo TEDH, nos acórdãos Ibrahim e outros v. Reino Unido, de 16.12.2014, §191, Imbrioscia v. Suiça, de 24.11.1993, §38 e Gäfgen v. Alemanha, de 01.06.2010, § 169, as garantias mínimas que devem ser concedidas a qualquer pessoa acusada criminalmente, são aspectos específicos do direito geral ao “fair trial”, que deve ser levado em consideração na avaliação da alegada violação. Tais garantias contribuem para assegurar que os procedimentos criminais sejam justos como um todo, mas que não são um fim em si mesmas, e devendo as exigências do direito ao “fair trial” ser examinadas em cada caso, levando em consideração o procedimento como um todo e não considerando um aspecto particular de forma isolada. Assim, aquele colendo tribunal não examina se existiu uma violação a um direito específico do n.º 3 do artigo 6.º do CEDH, mas antes se o procedimento como um todo atendeu ao “fair trial”, pelo que a análise deve ser feita sob uma perspectiva ampla de um processo equitativo. Analisada a decisão administrativa e o processado, verificamos que a Recorrente pôde participar no processo amplamente, quer mediante a inquirição de um conjunto alargado de testemunhas, quer pela junção de documentos, quer ainda apresentando a sua versão dos factos, isto quer em sede da fase administrativa do processo, quer na fase judicial, pelo que não se mostra beliscado o seu direito a um processo justo e equitativo e conforme ao artigo 6.º do CEDH. Nestes termos, improcede a pretensão da Recorrente nesta sede.» Sufragamos o decidido pela 1ª instância, constatando-se que não foi cometida qualquer nulidade sanável ou insanável ou a preterição do falado princípio do processo equitativo. Com efeito, acolhemos o entendimento de que a falta de acesso integral ao processo na fase administrativa não constitui a invocada nulidade insanável prevista no art.º 119º c) do CPP (ex vi art.º 41º/1 do RGCO e art.º 13º do RJC), desde logo porque este preceito pressupõe um acto processual a que o arguido deva comparecer, o que não está em causa nos autos, na medida em que apenas se trata do direito de audição e do exercício do contraditório (que não exige a presença do arguido), como defendido pela doutrina e jurisprudência indicada na sentença (cf. páginas 9 e 10). Por outra banda, também não ocorre nulidade sanável pelas razões explanadas na decisão recorrida, designadamente porque o direito de defesa da visada Meo foi assegurado pela AdC na acusação, de onde constam os elementos essenciais e relevantes para a decisão, assim como o respectivo enquadramento jurídico e sanções correspondentes, com respaldo no art.º 50º do RGCO e art.º 32º/10 da CRP e de acordo com o AUJ nº 1/2003. Por conseguinte, o direito de defesa da visada não foi postergado em consequência do desentranhamento de alguns elementos de prova obtidos pela AdC, que esta determinou no exercício dos seus poderes de investigação e de acordo com o juízo de oportunidade que lhe cabe efectuar (cf. art.ºs 25º e 33º do RJC), quando é certo que tais elementos não foram considerados relevantes nem foram utilizados como prova no âmbito dos presentes autos, tendo, aliás, a ora recorrente possibilidade de aceder aos mesmos no outro processo contraordenacional (PRC/2019/1, em que também é visada a MEO), instaurado na sequência do desentranhamento dos mencionados elementos dos presentes autos, procedimento que foi criticado na sentença por não terem sido deixados nos autos os originais dos elementos em causa, o que deveria ter ocorrido caso a AdC tivesse optado pela extracção de certidão, circunstância que, apesar de tudo, não constitui irregularidade, que, aliás, não foi arguida. Note-se que, como referiu o tribunal a quo, a recorrente não alegou nem demonstrou em que medida aqueles elementos probatórios desentranhados dos autos eram relevantes para a sua defesa. No mais, tal como sustentado na sentença, é reiteradamente aceite pelo Tribunal Constitucional que o direito de defesa em sede de processos contra-ordenacionais deve ser considerado de forma mais elástica por comparação com o processo penal (v.g. acórdãos nº 158/92 e 469/97). Do exposto decorre que foram assegurados à visada Meo os direitos de defesa e a um processo equitativo (“fair trial”) consagrado quer no art. 20º/4 da CRP, quer no art.º 6º do CEDH. * Em sexto lugar a visada reclama de o TCRS ser complacente e inconsequente com a atuação da AdC, alegando que arguiu a nulidade da nota de ilicitude por violação do direito de defesa por negação de acesso ao processo (§ 210) e por violação do princípio da presunção de inocência, assim como a nulidade da decisão final por não conter factos respeitantes ao elemento subjetivo e justificativos da imputação. Como aduz o Ministério Público na sua resposta, trata-se de uma alegação genérica que acaba por repetir o anteriormente alegado, para além de servir de introdução ao alegado adiante. Nesta linha que se acompanha, dando-se aqui por reproduzidas as considerações tecidas quanto ao ponto anterior, e sem prejuízo da apreciação das questões elencadas adiante em sede de violação do direito de defesa e da análise do elemento subjectivo do tipo, improcede este ponto do recurso. * Em oitavo lugar, a Meo insurge-se contra o facto de o tribunal a quo ter considerado irrelevantes a maior parte dos factos alegados pela visada. Ora, tal consiste em sindicar a matéria de facto, o que não é admissível, porquanto consabidamente este Tribunal ad quem apenas conhece de direito. O mesmo se diga relativamente ao invocado em nono e décimo lugares (cf. pontos 235 e 250), continuando a recorrente a contestar a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo, referindo designadamente que este tribunal selecionou apenas as partes dos depoimentos e dos documentos que iriam ao encontro da tese da condenação. Embora faça menção aos limites da sindicabilidade da matéria de facto pelo Tribunal da Relação (cf. ponto 247), a visada não deixa de tecer considerações acerca da valoração efectuada na sentença sobre os depoimentos das testemunhas e documentos juntos aos autos. Como vimos, está vedado a este Tribunal, por imposição legal, a reapreciação da matéria de facto e a avaliação dos elementos probatórios, sem prejuízo da decisão quanto aos vícios previstos no art. 410º/2 do CPP. * Em conclusão, é totalmente infundada a sustentação da Meo de que lhe foi negado um processo justo e equitativo, carecendo de suporte fáctico a pretensa violação de tal direito com assento constitucional. Consequentemente não ocorre a propalada nulidade do processado e da sentença, improcedendo as conclusões 23 a 27. Improcedem igualmente as conclusões 28 a 38, que mais não são do que repetições ou desenvolvimentos das anteriores (conclusões 23 a 27), na medida em que se reportam à (mesma) questão das restrições do acesso ao processo derivadas do desentranhamento de elementos do processo e da existência de elementos truncados e à invocação de violação do direito de defesa consagrado no art. 25º da LdC e art.º 32º/10 da CRP e art. 6º da CEDH, arguindo a recorrente, nesta sede, a nulidade da decisão final, nos termos do art. 119º/1 c) do CPP ex vi art. 41º/1 do RGCO e art.º 13º da LdC. Argui ainda a “inconstitucionalidade material da norma do art.º 17º da LdC se interpretada no sentido de: - permitir à AdC desentranhar do processo elementos a que teve acesso para produzir a NI sem dar a conhecer à defesa esses elementos e sem esta ter a oportunidade de os analisar e de sobre eles se pronunciar aquando da apresentação da sua PNI, por violação do direito de defesa. - que a AdC pode truncar documentos que constam dos autos, com fundamento em respeitarem a outro processo, sem dar oportunidade à defesa de analisar o conteúdo truncado e de se pronunciar sobre os mesmos aquando da apresentação da sua PNI, por violação do direito de defesa.” Dá-se aqui por reproduzido o que se disse quanto às conclusões anteriores 23 a 27, sendo ainda certo que não tendo os elementos em causa (retirados do processo ou constantes do processo mas de conteúdo truncado) sido considerados relevantes para a decisão final da AdC, não pode a recorrente invocar violação do direito de defesa, não se afigurando relevante saber se tais elementos respeitam ao PCR/2019/1 ou a qualquer outro processo em que a MEO seja também visada. Concluímos que bem andou o tribunal recorrido ao decidir pela improcedência da nulidade do processo e da decisão final da AdC. * 2.2 Nulidades insanáveis da decisão administrativa a) Nulidade insanável da decisão administrativa por ausência de uma lista de factos provados e não provados (conclusões 39 a 43) Sob as conclusões 39 a 43 do recurso é invocada a nulidade insanável da decisão administrativa por a mesma não conter a lista dos factos provados e não provados, concluindo que a sentença, ao invés de ter sanado a forma como a AdC apresentou os factos, deveria ter declarado essa nulidade “e a consequente absolvição da MEO.” Para tanto, alega a recorrente que “A Decisão Final é uma decisão final condenatória proferida num processo de contraordenação, pelo que deve observar o disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do RGCO, donde decorre, nomeadamente, a necessidade de conter a “descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”. Vejamos. Reitere-se que o presente recurso é restrito à matéria de direito (art.º 75º/1 do RGCO), estando vedado a este tribunal ad quem a reapreciação da matéria de facto. Note-se ainda que, não sendo tempestivamente arguidas no recurso (impugnação judicial), as nulidades sanáveis do processo administrativo e da decisão administrativa sanam-se (vide Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 242/243). A questão suscitada pela recorrente prende-se, desde logo, com a consequência jurídica da inobservância dos requisitos previstos no art.º 58º do RGCO (aplicável ex vi art.º 13º da RJC), designadamente quanto à descrição dos factos imputados, indicação das normas punitivas e coima aplicável. Como é referido no acórdão do TRC de 30/3/2022 (P. nº 173/21.9T8TND.C1), acessível em www.dgsi.pt, “o RGCO não contem qualquer disposição que preveja a consequência jurídica para preterição de alguns desses requisitos, pelo que (…) tem a doutrina e a jurisprudência divergido acerca da qualificação do vício decorrente da inobservância dos requisitos formais a que alude o art.º 58º nº 1 do RGCO, para uns nulidade, insanável ou sanável, ou até mesmo mera irregularidade”. Beça Pereira pronuncia-se no sentido da irregularidade (art.º 123º do CPP), considerando incorrecto aplicar subsidiariamente o disposto no art.º 379º do CPP (nulidades da sentença) e remetendo para o disposto no art.º 118º/2 do CPP, concluindo que “a inobservância dos requisitos estabelecidos para a decisão condenatória da autoridade administrativa consiste apenas numa irregularidade e será segundo as regras deste instituto (art.º 123º do CPP) que se apurará da possibilidade de aproveitamento, ou não, do processado desde a decisão administrativa (inclusive)” - cf. Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, António Beça Pereira, Almedina, 12º edição, pág. 162. Contrariamente, Simas Santos e Lopes de Sousa (Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral , 2001, Vislis Editores, pág. 322) consideram que a falta de requisitos constantes do art.º 58º/1 do RGCO constitui uma nulidade da decisão, de harmonia com o preceituado nos artigos 374º/2 e 3 e 379º/1 a) ambos do CPP, aplicável ex vi art.º 41º do RGCO, tese a que adere o referido aresto. No mesmo sentido posicionam-se Oliveira Mendes e Santos Cabral, apelando às razões que levaram a consagração da necessidade de fundamentação da sentença penal, argumentando que a decisão administrativa proferida em processo contra-ordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal (art.º 374ºCPP), embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo. Em sede do recurso de impugnação judicial, a recorrente invocou a nulidade insanável do processo, alegando que a nota de ilicitude estava eivada de conclusões e não de factos. Por outro lado, invocou a nulidade da decisão final por omissão dos factos constitutivos do elemento subjectivo do tipo contra-ordenacional. Como assinalou o tribunal recorrido a propósito da apreciação desta última questão, face à natureza da decisão administrativa proferida no âmbito da fase administrativa, sujeita aos princípios da celeridade e simplicidade e que, com a remessa dos autos após a impugnação judicial, se transmuta em acusação e considerando que o direito das contra-ordenações não partilha dos mesmos valores para a sociedade que o direito penal, tem sido aceite jurisprudencialmente que a fundamentação da decisão administrativa, embora necessária, não necessita de ser feita de modo tão exaustivo como deverá ser a sentença penal, não lhe sendo exigível o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige a uma sentença penal, podendo ser mais concisa, menos exigente, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas. Concluindo aquele tribunal que basta que as indicações feitas em sede de decisão administrativa permitam ao comum cidadão entender os factos imputados e as respectivas razões por que os factos lhe são imputados. (cf. ponto 1.4 da sentença). Partilhando-se este entendimento e analisando a decisão proferida nos autos pela Autoridade da Concorrência, pese embora esta autoridade administrativa não adopte a técnica mais correcta (fazendo alusões constantes a meios de prova e até às teses defendidas pela visada e pela própria autoridade administrativa e nessa medida sendo evidenciada confusão entre factos e prova), não deixa de proceder a uma clara imputação objectiva e subjectiva que permite apreender o acervo factual nela contido e perceber o seu teor. Flui do exposto que se extraem da decisão administrativa os elementos objectivos e subjectivos do ilícito contraordenacional imputado à arguida/ora recorrente, assim como os demais elementos necessários ao exercício do seu direito de defesa, em observância ao disposto no art.º 58º/1 do RGCO, encontrando-se os factos descritos de modo circunstanciado, preciso e concreto relativamente aos quais foi dada à recorrente a oportunidade apresentar a sua defesa. Não ocorrendo a propalada nulidade ou sequer irregularidade, improcede este segmento do recurso. * b) Nulidade insanável da decisão administrativa por ausência de factos respeitantes ao elemento subjectivo e à culpa (conclusões 44 a 55) Sob as conclusões 44 e 45 alega a recorrente que: - “O Tribunal errou ao julgar improcedente a nulidade da Decisão Final por não conter uma alegação suficiente de factos necessários ao preenchimento do elemento subjetivo, nos termos do disposto no artigo 58.º alíneas b) e c) do RGCO e 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC. - Com efeito, tal como a nota de ilicitude, a Decisão Final era omissa quanto aos factos que possam constituir o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, na medida em que dela apenas constam, assumidamente, conclusões e fórmulas tabelares. Como acima referimos, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre esta questão, analisando a decisão administrativa, para o que transcreveu a extensa fundamentação ali constante relativa ao elemento subjectivo e concluiu da seguinte forma, na parte que agora importa considerar: “Ora, da decisão administrativa consta, de forma abundante, factos sobre o elemento subjectivo, estando tais factos adequadamente fundamentados. Flui dos excertos transcritos que, apesar da interpenetração que a decisão administrativa faz entre factos, provas e explicação das posições da Recorrente e sua refutação, existe uma acervo factual facilmente identificável pela Recorrente (como o foi – desde logo, veja-se a proficiência como se defendeu sobre os factos respeitantes ao elemento subjectivo), acervo esse que é completo e se dirige ao elemento subjectivo dolo, ou seja, a intenção e finalidade de praticar os factos, assim como a culpa e consciência da ilicitude. Com efeito, tal como refere Augusto Silva Dias, in Direito das Contra-ordenações, 2020, Almedina, pág. 127, “a culpa na contraordenação consiste num desvio do agente relativamente ao papel social que constitui o padrão do sector de actividade em que aquele opera”, sustentando que “esta característica não só aproxima a culpa da ilicitude, no que tange ao critério de imputação, como torna a culpa contra-ordenacional menos individualizada ou mais objectivada do que a culpa penal”. Na verdade, a narrativa contida na decisão final permite compreender que as infracções imputadas são estruturalmente dolosas, contendo os elementos desse dolo, como sendo o conhecimento da factualidade típica e vontade de realização do tipo contra-ordenacional -, sendo este admitido em qualquer das modalidades que concretamente pode revestir - directo, necessário ou eventual (vide artigo 14.º do Código Penal, ex vi do artigo 32.º do RGCO), não padecendo a decisão da apontada insuficiência factual quanto ao elemento subjectivo. Para além disso, a decisão administrativa identifica a prova em que se estriba, não lhe sendo sequer exigível uma apreciação crítica da mesma, na medida em que, nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do RGCO, uma vez remetida pelo Ministério Público ao juiz, a decisão administrativa passa a valer como acusação. Ora, de acordo com as al.s d) a g) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP, não é exigível a uma acusação penal uma apreciação crítica da prova, apenas uma mera indicação dessa prova. Se assim é em sede de processo penal, mais assim será em sede de direito contra-ordenacional, onde princípios de celeridade e simplificação imperam, devido ao menor impacto que este ramo de direito tem nos direitos dos Arguidos, mormente, por via de ausência de limitação ou restrição da sua liberdade. Tal como já havíamos afirmado anteriormente, a propósito da Nota de Ilicitude, quanto à questão das presunções e o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que a Recorrente parece entender, é legítimo à AdC lançar mão de prova por presunção e isso nada tem que ver com o belisque do direito à presunção de inocência da Recorrente. Coisa diversa é não se estar de acordo com as inferências feitas pela entidade administrativa, mas isso não é uma questão de nulidade da decisão, mas antes uma questão de mérito da decisão, que deverá ser apreciada também em local próprio. Improcede, também, nesta sede, a pretensão da Recorrente.” Tal como fez o tribunal a quo, cabe equacionar a questão da suficiência dos factos, designadamente para preenchimento do elemento subjectivo, tendo presente que não estamos perante uma decisão penal e como tal não se exige a verificação dos requisitos previstos no art.º 374º do CPP, perfilhando-se, neste conspecto, a supra mencionada tese de Beça Pereira, segundo a qual é incorrecto aplicar, quanto à decisão administrativa, subsidiariamente o disposto no art.º 379º do CPP (nulidades da sentença), havendo antes de aplicar o regime das irregularidades (cf. artigos 118º/2 e 123º do CPP), sendo que não se arguindo a pretensa irregularidade (inobservância de regra processual não qualificada pela lei como nulidade) no prazo legal, deve considerar-se sanada. Assim, no que toca aos elementos subjectivos do tipo (volitivo e cognitivo), constatamos que se encontram vertidos de modo claro e suficiente na decisão da autoridade administrativa, ainda que em sede de fundamentação de direito de tal decisão e, sendo esta consumida pela decisão recorrida, encontramos tais factos objectivados sob o nº 144 dos factos provados. Não colhe, assim, o argumento de que faltariam os elementos necessários para a arguida exercer o seu direito de defesa, não se descortinando porque razão alega a mesma que desconhece a imputação subjectiva do ilícito. Improcede, portanto, a invocada falta de fundamentação da decisão administrativa quanto ao elemento subjectivo. Por outra banda, discordando do afirmado na sentença de que “(i) a imputação subjetiva é feita de forma clara para qualquer cidadão que leia na íntegra essa decisão administrativa, não comprometendo a sua inteligibilidade no que respeita ao complexo de factos imputados (ii) a Decisão Final contém um capítulo destinado à matéria da culpa”, a recorrente insere no meio do argumentário em que sustenta a invocada nulidade, o vício previsto no art.º 410º/2 b) do CPP, ao afirmar que “Porque uma realidade não pode ao mesmo tempo ser confusa e clara, a Sentença incorre no vício de contradição insanável para efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea b) do CPP, o que se deixa desde já arguido.” (cf. conclusão 45 do recurso). Não lhe assiste razão, na medida em que não se evidencia no texto da sentença o apontado vício. Da circunstância de, por um lado, o tribunal recorrido encontrar clareza nos factos constantes da decisão da AdC, e por outro, admitir que a técnica utilizada por esta entidade não ser perfeita (porque a decisão contem conclusões e elementos probatórios no meio dos factos), não decorre qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício que sempre teria de resultar do texto da própria decisão (art.º 410º/2 do CPP). Flui do que vimos expondo que não se tem por verificada a propalada nulidade ou sequer qualquer irregularidade susceptível de afectar os direitos de defesa da visada Meo. * c) Nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos que constavam da decisão administrativa (conclusões 56 a 65) Sob a conclusão 56 sustenta a recorrente que “A Sentença Recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO porquanto condena a MEO por factos diversos dos que constavam da decisão administrativa, fora das condições dos artigos 358.º e 359.º do CPP, in casu, do 358.º n.º 1 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO. Concretiza na conclusão 57 que “Compulsada a Sentença Recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo nela procedeu a alterações dos factos descritos na Acusação, na Decisão Final e no Recurso de Impugnação. Na verdade, na Sentença Recorrida nem sequer se menciona a existência de qualquer alteração de factos, seja substancial seja não substancial, mas dela consta um elenco de factos provados e não provados que não constavam, desde logo, da Decisão Final.” Em resposta ao recurso, o Ministério Público pronuncia-se assim sobre este ponto: “62. Se bem se compreende, a visada considera que ao ter indicado os factos provados e não provados, diferentemente da decisão administrativa, tendo colocado nos factos provados o elemento subjetivo que se encontrava na motivação de direito da decisão administrativa, a sentença incorreu em novo vício, desta vez o da nulidade (art.º 379º, 1, b) do CPP). A visada alega novo vício da sentença, mas com base no mesmo ponto de partida. 63. Trata-se de vício inexistente. Uma vez mais a Recorrente aparenta tomar a estrutura dada à sentença, de acordo o processo penal, pela estrutura dadas às decisões administrativas pelo RGCO. Por serem proferidas por um juiz e respeitarem ao exigente exercício da jurisdição penal, as sentenças têm requisitos mais exigentes que não podem ser transpostos, sem mais, para o direito processual das contraordenações. Assim, quando o juiz sindica a decisão administrativa por via de recurso, no contexto do contencioso das contraordenações, fá-lo com uma metodologia própria que não tem de ser coincidente com a da Autoridade Administrativa ou vice-versa. 64. Por consequência, o recurso deverá improceder nesta parte.” Subscrevemos a posição defendida pelo Ministério Público. Vejamos. O conceito de «alteração substancial dos factos» é definido pelo art.º 1º alínea f) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi art. 41º do RGCO) como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”; De acordo com o disposto no art.º 359º do CPP, uma alteração substancial dos factos descritos na acusação não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso. Como se escreve no acórdão do TRP de 26.03.2008, processo n.º 0810356, pesquisado in www.dgsi.pt: «As normas contidas nos art.ºs 358.º e 359.º do C.P.P. contêm as regras a observar quando se verifiquem alterações (de natureza não substancial na primeira, e de natureza substancial na segunda) dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Estas normas decorrem da estrutura acusatória assumida pelo nosso ordenamento processual penal, que também determina o princípio geral de vinculação temática do Tribunal ao objeto da acusação, constituindo este um dos corolários das garantias de defesa do arguido». Não é isenta de controvérsia a questão de saber o regime da alteração substancial e não substancial dos factos e/ou da qualificação jurídica, com assento nos mencionados artigos 358º e 359º do CPP, tem aplicação no direito das contraordenações. A este propósito já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28.05.2003 [proc. n.º 02P2776] numa situação em que estava em causa uma contraordenação estradal discernindo, então: «Estamos, assim, confrontados com uma alteração substancial dos factos imputados (…), a qual não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso – artigo 359º do C.P. Penal, aplicável ex vi do artigo 150º, n.º 1, do C. Estrada, e 41º, nº 1, do citado RGCO». Nas palavras de Paulo Pinto De Albuquerque, o regime da alteração dos factos na audiência de julgamento no processo contraordenacional rege-se por outros critérios, uma vez que o Tribunal procede a uma renovação da instância com base na remessa dos autos e não a uma mera reforma da decisão administrativa recorrida, devendo por isso ter em conta toda a prova já produzida nos autos e a que vier a ser produzida na audiência de julgamento, bem como todos os factos que dela resultem, mesmo que não tenham sido incluídos na decisão administrativa recorrida ou não tenham sido invocados pela defesa diante da autoridade administrativa (unanimemente, acórdão do TRL, de 15.2.1995, in CJ, XX, 2, 134, acórdão do TRP, de 3.4.2002, in CJ, XXVII, 2, 233, acórdão do TRE, de 23.4.2002, in CJ, XXVII, 2, 286, acórdão do TRG, de 18. 12.2002, in CJ, XXVII, 5, 292, e acórdão do TRC de 10.1.2007, in CJ, XXXII, 1, 37) - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2.ª Edição, 2008, página 918. Comentando a posição do citado autor, pode ler-se no acórdão da Relação de Coimbra de 6/5/2015 (P. nº 299/14.5TAFIG.C1) pesquisado em www.dgsi.pt que: “É certo que tal autor vem, ulteriormente, renovar a mesma lição no seu Comentário do Regime Geral das Contraordenações, tendo, no entanto, o cuidado de precisar a falta de consenso jurisprudencial em tal matéria e de ressalvar que a alteração dos factos dificilmente poderá funcionar em sentido desfavorável ao arguido atenta a proibição da reformatio in pejus e a falta de competência contraordenacional primária do Ministério Público para conhecer de novas contraordenações. Mas o que vai dito por Paulo Pinto de Albuquerque significa, paralelamente, que tal autor considera que nada inviabilizará – pois que, como se irá desenvolver, não estão em causa os direitos de defesa do arguido – à concretização de uma alteração factual – mesmo que seja substancial, mesmo que funcionando a desfavor do arguido e mesmo que não exista concordância deste – quando tais razões não operem”. Seja como for, ainda que se entenda que não pode aplicar-se no processo contraordenacional, ao menos com toda a sua extensão, o disposto no art.ºs 379º e 358º do CPP, importa assegurar o cumprimento do princípio constitucional do direito de defesa neste tipo de processo (artigo 32º/10 da Constituição). Tal implica que o art.º 58.º do RGCO deve ser interpretado no sentido de que a aplicação de qualquer sanção a um arguido apenas se pode verificar em relação a factos relativamente aos quais lhe tenha sido concedida a possibilidade de se defender. Voltando ao caso dos autos, importa apurar se a decisão recorrida procedeu à condenação da visada/ora recorrente por factos diversos daqueles pelos quais havia sido acusada, sem que à mesma tenha sido dada a oportunidade de sobre eles se pronunciar. Afigura-se-nos que a resposta não pode deixar de ser negativa. Atentemos na factualidade provada vertida na sentença recorrida sob os factos nºs 96 a 143 (comportamento) e nº 144 (elemento subjectivo). Como se extrai desse elenco factual, é descrito o comportamento da Meo no âmbito da relação contratual que estabeleceu com a Nowo enquanto prestadores de serviços móveis de comunicações electrónicas, na sequência do que foram firmados acordos visando a regulação dos preços e a limitação geográfica de mercados, em violação das regras de funcionamento do mercado concorrencial. Assim, é seguro que a sentença contem os factos constitutivos dos elementos objectivos e subjectivos do tipo contraordenacional imputado à ora recorrente, tal como já os continha a decisão da AdC. Destarte, não podemos considerar que o tribunal a quo condenou a ora recorrente por factos diversos dos descritos na decisão da autoridade administrativa, porquanto do cotejo da matéria de facto constante de ambas as decisões se extrai indubitavelmente o contrário, face à coincidência, no essencial, dos factos descritos pela AdC e pelo tribunal a quo. Contra não se argumente que os factos não constam da acusação nos exactos termos em que são elencados na sentença recorrida. Tal circunstância, que se reconhece e aceita atenta a natureza própria da decisão administrativa (cuja estrutura e requisitos não se confundem com os de uma sentença penal), que se converte em acusação, não conduz à arguida alteração dos factos, seja substancial ou não substancial. Subsidiariamente, a recorrente sustenta, na conclusão 62, que “ao reescrever a DI, o TCRS conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que também constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 c) do CPP, a qual se deixa arguida”. Tal arguição genérica e infundada não merece acolhimento, na medida em que o tribunal não deixou de apreciar as questões suscitadas, sendo certo que neste ponto não se divisam, porque não foram explicitadas, as razões da invocada nulidade por omissão de pronúncia, vício que se analisará adiante aquando da pronúncia sobre as concretas omissões suscitadas pela recorrente noutros pontos do recurso. Do mesmo modo, carece de suporte jurídico a arguida inconstitucionalidade do citado art.º 358º/1 do CPP, por violação dos artigos 2.º, 20.º e 32.º n.º 10 da CRP, que se mostra prejudicada porque se concluiu pela não verificação da alteração substancial dos factos e consequentemente pela não violação dos direitos de defesa da visada Meo. Concluímos que não ocorreu in casu qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos, porquanto não foi imputada à visada contraordenação diversa ou a que corresponda moldura agravada. E consequentemente, não se verifica a postergação do seu direito de defesa. Improcede, também, este segmento do recurso. * 2.3 Nulidades da sentença a) Nulidade da sentença - aditamento de factos integradores do tipo subjetivo (conclusões 66 a 73) Sob as conclusões 66 a 68 aduz a visada o seguinte: - “A Sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal a quo apercebendo-se (i) da omissão dos factos do elemento subjetivo, e (ii) da essencialidade dos factos para a imputação dos comportamentos à MEO, tentou corrigir aquele que é um erro de imputação gravíssimo da DI, mas uma tal correção é-lhe vedada. - De facto, compulsados os 683 artigos elencados no capítulo da Decisão Final sob o nome “Factos”, neles não se identifica um singelo “facto” a partir do qual se possa afirmar ou extrair o conhecimento e a vontade da MEO em praticar os pretensos comportamentos ilícitos por que vem condenada – situação que é, de resto, expressamente reconhecida pelo Tribunal a quo (cfr. Linhas 6087-6090 da Sentença Recorrida). - Sucede que o TCRS decidiu suprir a omissão identificada por via do acrescento do facto n.º 144, assim procurando preencher os elementos do tipo subjetivo de ilícito (cfr. Linhas 6086 e ss. da Sentença Recorrida), esclarecendo que a enunciação dos mencionados “factos” que incluiu sob o n.º 144 constaria da motivação de Direito da Decisão Final, argumentando que, por isso, podiam ser transpostos para a factualidade provada, neste momento processual.” Neste ponto a recorrente parte, de novo, do pressuposto de que existe omissão do elemento subjectivo na decisão da AdC/acusação, alegando agora que o tribunal de 1ª instância veio suprir tal omissão na sentença, aditando o facto nº 144. Tal facto, respeitante ao elemento subjectivo, tem o seguinte teor: “Apesar de conhecer as normas legais violadas, a Recorrente MEO agiu de forma livre, voluntária e consciente, não se abstendo de praticar, de forma deliberada, os actos acima descritos, tendo consciência de que o acordo celebrado em 03.01.2018 e a sua implementação violava as regras de funcionamento de um mercado concorrencial, do qual resultaria numa grave restrição da concorrência, ilícita à luz das normas legais em vigor, o que representou e quis.” No ponto 5. da «motivação da decisão de facto» da sentença, o tribunal começou por referir que “os factos subjectivos que se deram como provados (n.º 144), não constavam em sede da decisão administrativa, na parte respeitante à factualidade dada como provada. Estavam, contudo, devidamente alegados em sede da motivação de direito”. Seguidamente, não deixando de criticar a técnica decisória da AdC e considerando que deveria ter consignado os factos em apreço em sede da factualidade provada e não avulsamente em sede de motivação de direito, entende o tribunal que “tal não impede que esses factos não possam ser tidos em consideração, desde que não comprometam a inteligibilidade da decisão no que respeita ao complexo de factos imputados”. Depois de enquadrar o dolo especificamente no ilícito de mera ordenação social e abordar as questões da dimensão empresarial da Meo e do seu especial dever de informação sobre as regras de mercado, mormente ao nível das regras da concorrência e especial dever de probidade relativamente à sua actuação no mesmo mercado, a sentença apresenta a seguinte motivação acerca do facto provado nº 144: “Resultou de forma totalmente clara e cristalina das declarações prestadas pelo legal representante da Recorrente a existência de uma consciência bastante avivada no seio da Recorrente acerca da ilicitude de condutas como as que estão em causa nos autos, existindo um evidente conhecimento acerca da ilicitude de condutas em que dois concorrentes acordam na fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados de actuação. Aliás, bem impressivo dessa consciência é o teor do documento MEO_0378, em que A… (da MEO) respondeu a R… (da Nowo) que: “As you might imagine, these pricing assumptions are an internal affair of NOWO and therefore Altice Portugal has not[h]ing to comment” (tradução nossa livre: “Como pode imaginar, essas premissas de preços são um assunto interno da NOWO e, portanto, a Altice Portugal nada tem a comentar.” Por outro lado, também essa consciência sedimentada no âmbito do mercado onde se move a Recorrente foi bem assente nos depoimentos prestados por todas as testemunhas que, à excepção de H…, trabalham no mercado onde se insere a Recorrente. Todas elas evidenciaram saber que acordos como os que estão em causa nos autos são acordos desprezados pelo direito. Assim, com todo o respeito, a versão da Arguida, no sentido de estar em causa um erro sobre a proibição, rasa o indecoroso, não podendo ter acolhimento por este tribunal, na medida em que contradiz de forma frontal critérios de normalidade, de experiência comum e a própria prova produzida quer na fase administrativa, quer na fase judicial. A tese da Recorrente no sentido de que deverá ser enquadrado o elemento subjectivo à luz das características singulares do contrato MVNO, para se concluir que a Recorrente julgava poder celebrar o contrato que celebrou, também não colhe. Desde logo porque a Recorrente insiste em omitir que a conduta não se centra apenas numa restrição geográfica da actuação da Nowo no mercado. Essa actuação foi acompanhada de uma fixação de preços das ofertas da Nowo no mercado, sendo que, quanto a este segmento a Recorrente nunca sequer contrariou que sabia que tal é uma conduta totalmente vedada pelo direito jus concorrencial, ainda que no âmbito de um contrato MVNO. Aliás, é a própria Recorrente que alega que os contratos MVNO mantêm a autonomia das partes contratantes no mercado. Para além disso, ainda relativamente ao segmento de repartição do mercado, se a consciência da ilicitude dessa conduta inexistisse, certamente que estando em causa duas empresas de dimensão elevada, com uma equipa jurídica que a própria MEO apelida de “especializada e muitíssimo competente” (vide impugnação judicial – ponto 1487), não se limitariam a realizar uma adenda a um contrato escrito de forma meramente oral. Tal não trazia qualquer tipo de certeza vinculativa para as partes, de acordo com o próprio contrato, especialmente se tivermos em conta que se trataria de uma adenda sobre uma matéria bastante sensível, especialmente para a MEO (recordamos os receios da MEO quanto a uma expansão de oferta standalone móvel a nível nacional por parte da Nowo). Com efeito, não se pode deixar de mencionar que é o próprio contrato MVNO celebrado que dispõe nos seguintes moldes: “This agreement shall not be deemed amended unless such amendment is agreed upon in writing by duly authorized representatives of both parties” (cláusula 20) – tradução nossa livre: “Este contrato não será considerado alterado, a menos que tal alteração seja acordada por escrito por representantes devidamente autorizados de ambas as partes.” O facto do acordo ter sido celebrado oralmente bem evidencia a consciência que existia por parte da MEO acerca da sua ilicitude. Aliás, não se coaduna sequer com critérios de normalidade não ter essa consciência, atenta não só a ausência de formalidade da adenda (meramente oralmente), contrariando o disposto no contrato MVNO sobre alterações ao mesmo, mas também o normal suceder na vida empresarial, no que rege a questões de contratos e adendas aos mesmos, especialmente se de cariz relevante para a respectiva actividade, em que é adoptada normalmente uma forma mais solene, como a forma escrita. Adrede, acresce que nos atrevemos a referir que as normas violadas em causa são normas de funcionamento básico de quem opera no mercado, na medida em que estão em causa condutas que se integram no hard-core das infracções ao direito da concorrência. Ora, quem actuou em representação da Recorrente, actuou, em primeiro lugar, de forma livre e conscientemente porque, de acordo com critérios de razoabilidade, estamos perante acções que não são meramente reflexas ou inconscientes do ser humano. Todas as comunicações que já foram analisadas supra demonstram estar em causa condutas totalmente livres e conscientes. Para além disso e em segundo lugar, demonstram ainda ser deliberadas, existindo uma evidente intenção de praticar o ilícito em causa, com conhecimento de que se estava a violar normas da concorrência. Aliás, é também isso que traduzem todos os factos objectivos dados como provados. Quem participa num acordo restritivo da concorrência, estabelecendo um acordo explícito ou implícito entre empresas concorrentes para fixação de preços e divisão de mercados de actuação, de acordo com critérios de normalidade (e na ausência de outros factos que permitam ladear essas regras de normalidade), age porque quer necessariamente agir dessa forma, querendo o que foi realizado, traduzindo-se numa acção humana deliberada e querida pelo agente. Estão em causa acções humanas animadas por vontades deliberadas e queridas pela agente em causa nos autos. Estas regras de experiência comum e de normalidade não foram afastadas pela Recorrente, que não produziu prova do contrário. Quem viola as normas da concorrência, nomeadamente através das acções em causa nos autos, obviamente que pretende criar um entrave à concorrência no mercado, sendo certo que, por tudo o que já vem sendo dito, a Recorrente tinha precisamente esse objectivo. Existe, pois, uma evidente adesão da vontade por parte da Recorrente às condutas objectivas que lhe são imputadas. E adesão da vontade (elemento volitivo) a um resultado querido (elemento cognoscitivo) – a conduta intencional, tal como consideramos provado. Assim sendo, consideramos que as condutas da Recorrente ultrapassam a mera irresponsabilidade ou indiferença perante o resultado das suas acções, mas antes consistem em acções obviamente animadas pela liberdade de escolha da mesma. Perante tudo o que ficou exposto, não podemos aceitar sequer que a MEO tenha confiado poder evitar o resultado típico, como forma de se poder sustentar existir negligência consciente. Estando presente uma representação mental de que a conduta desencadeada é indevida e prosseguindo-se, ainda assim, na sua realização, estamos indubitavelmente perante uma violação consciente e não de uma mera violação das regras de cuidado.” Evidenciam-se, assim, as concretas razões que permitiram ao tribunal a quo dar como assente o dolo e a culpa/consciência da ilicitude da visada, resultando claro que o facto em causa já se retirava da acusação, embora inserta em sede de fundamentação de direito, não podendo esta razão de ordem formal obstar a que se considere o facto material e essencial à imputação subjectiva e que se estriba na prova produzida, valorada na sentença, estando, como é sabido, vedado a este Tribunal de recurso a reapreciação dos factos. Perante tal, é forçoso concluir que o facto provado nº 144 não constitui um aditamento à factualidade vertida na acusação, fracassando, por consequência, a invocada nulidade da sentença. * b) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a factos e quanto à sanção (conclusões 74 a 86) Defende a MEO, nas conclusões 75 e 80, que: “75. Caso assim não se entenda [no sentido da nulidade da sentença], sempre se dirá que a Sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal não deu como provados ou não provados os factos alegados pela MEO no seu recurso, e que constituíam uma versão e explicação alternativa para os factos que lhe são imputados. 80. Adicionalmente, a Sentença é ainda nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, porquanto o Tribunal não se pronunciou quanto à alegação da MEO de que a AdC, aquando da determinação da medida da coima, se afastou das suas LdO, às quais se tinha vinculado, assim violando os princípios da segurança jurídica, da boa fé e da confiança legítima, decorrentes do artigo 266.º n.º 2 da CRP. Vejamos. Sobre a nulidade da sentença rege o art.º 379º do CPP, determinando a alínea c) do nº1 que a sentença é nula «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento». O Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, a este propósito, que não se tem por verificada tal nulidade quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão (vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 9/2/2021, Processo nº 131/11.1YFLSB; 5/12/2015, P. nº 2915/05; 6/9/03, P. nº 461/06; e 7/2/2021, P. nº 3932/06, todos publicados no sítio da internet www.dgsi.pt) Quer dizer que esta nulidade só se verifica quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas – cfr. Acórdão do STJ de 21/12/2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt. A questão a decidir não é, pois, a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da acção – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/04/2015, Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt. No caso dos autos, a decisão recorrida, na parte que agora importa considerar, apresenta a seguinte fundamentação (após o elenco dos factos não provados, linha 2739 e seguintes da sentença): “Consigna-se que a demais matéria quer constante da acusação, quer alegada pela Recorrente que não se compreendeu nem na matéria dada como provada nem na não provada se reporta a matéria considerada pelo tribunal como irrelevante para a boa decisão da causa, (nomeadamente quanto a factos alegados pela Recorrente, os mesmos, na sua esmagadora maioria, são factos que apenas consistem numa tese contrária à constante na decisão administrativa, que não importa ser levada à base factual), matéria de direito, de cariz meramente conclusivo ou meras remissões para meios de prova que não relevam para efeitos de subsunção dos factos ao direito. Importa ainda esclarecer que a maior ou menor sustentabilidade da estratégia comercial da Nowo, invocada nos pontos 699 e ss da impugnação é totalmente irrelevante em termos factuais para a boa decisão da causa, na medida em que ainda que as estratégias comerciais de um qualquer player no mercado sejam consideradas economicamente menos sustentáveis e se depois vêm mesmo a revelar-se com grau de insucesso, tal não valida que esse operador no mercado possa ver constrangida a sua política comercial por outro concorrente. A concorrência pelo mérito assim o impõe. Assim, para a boa decisão da causa são circunstâncias totalmente inócuas. O mesmo se passa com o nível de dívida da Nowo para com a MEO. Trata-se de uma tese contraditória à tese avançada pela AdC, que na perspectiva da MEO justificava algumas conclusões a extrair da prova produzida, mas que, como veremos, não teve esse condão. Assim, o menor ou maior nível de dívida da Nowo para com o MEO, para efeitos da infracção que se comprovou, é irrelevante, se bem que o tribunal tenha alocado aos factos não provados os concretos montantes de dívida que a MEO, em duas circunstâncias, logrou concretizar (normalmente a dívida foi invocada de forma meramente genérica como sendo “constante e elevada” ao longo da impugnação judicial apresentada) e aos factos provados o valor da dívida que resultou da prova produzida, apenas para possível enquadramento circunstancial da infracção.” (realces nossos) Por outro lado, o tribunal deu como não provada a seguinte factualidade, relativamente à questão da «dívida da Nowo para com a MEO»: 15. A Nowo, no dia 03.01.2018, propôs também à MEO um acordo de pagamentos por referência à dívida que tinha para com esta; 4. A MEO anuiu com a Nowo nos termos da reunião de 03.01.2018, tal como provado, porque a MEO temia que os créditos que detinha sobre a Nowo nunca chegassem a ser liquidados, em face da política comercial que estava a ser adoptada pela Nowo, que considerava não ser economicamente racional, podendo levar à insolvência desta empresa, comprometendo o pagamento dos seus créditos; 7. Ao alterar as cláusulas do contrato MVNO, em 06.11.2018, a MEO apenas o fez por força de um acordo de pagamento com a Nowo e porque pretendeu conferir rentabilidade ao negócio da Nowo, possibilitando que essa pudesse, dessa forma, liquidar as dívidas que tinha para consigo; 11. Não fosse o acordo celebrado em 03.01.2018, a MEO faria cessar o contrato MVNO por causa das dívidas acumuladas da Nowo e por causa da baixa rentabilidade das suas ofertas; 13. A Nowo devia cerca de 7 milhões de euros à MEO; Decorre do exposto que o tribunal a quo decidiu sobre a questão da dívida da Nowo e considerou irrelevante tal matéria para a decisão do processo (o que é reforçado na sentença em sede de fundamentação jurídica), justificando-o nos termos supra transcritos. Acresce que se pode ler na motivação da decisão de facto – dos factos não provados (cf. linha 6246 e seguintes da sentença) - sobre esta matéria que: “O tribunal deu como não provado que a Nowo, no dia 03.01.2018, tenha proposto também à MEO um acordo de pagamentos (facto não provado n.º 1), por ausência de prova concreta quanto a tal, já que o que resulta da prova é que no dia 03.01.2018 a Nowo apenas se comprometeu a continuar a pagar – vide documento NOWO_0441. Quanto aos factos não provados 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10 e 12 (…) são factos relativamente aos quais foi produzida prova em sentido inverso ao constante dos mesmos, já tendo sido sobejamente motivado em sede de motivação dos factos provados que aqui se considera integralmente reproduzida nas partes correspondentes, por economia processual, os fundamentos pelos quais o tribunal criou a convicção inversa ao alegado. O mesmo sucedeu com o facto n.º 11 (Não fosse o acordo celebrado em 03.01.2018, a MEO faria cessar o contrato MVNO por causa das dívidas acumuladas da Nowo e por causa da baixa rentabilidade das suas ofertas), podendo até se afirmar que foi produzida prova em contrário, na medida em que, pelos motivos que já dissecámos em sede de motivação dos factos provados, a MEO deixava a dívida “marinar”, como a própria refere em comunicação interna e quando pensou em obter um título executivo em relação a dívidas fê-lo em relação à Oni e não à Nowo. Quanto ao facto não provado n.º 13 (A Nowo devia cerca de 7 milhões de euros à MEO), alegado no ponto 1080 da impugnação judicial, com todo o respeito, nem a prova produzida apontou nesse sentido, como também já explicámos em sede de motivação dos factos provados, nem sequer aquilo que parece ser a alegação de uma conta corrente vertida no ponto 1081 da mesma peça processual (sem valor provatório portanto) expressa a grandeza de valores que a MEO alega. Aliás, frisamos, não existiu um único meio de prova que atestasse que a Nowo devia 7 milhões de euros à MEO.” Flui do dito que o tribunal recorrido não deixou de se pronunciar, dando como não provados os factos mencionados e considerando irrelevantes os demais alegados e apresentou a competente fundamentação para o decidido, procedendo a uma análise crítica da prova produzida, o que conduz necessariamente ao fracasso da invocada omissão de pronúncia, que, como vimos, se refere a questões e não a argumentos ou razões. Cumpre agora apreciar da alegada omissão de pronúncia quanto à alegação da MEO de que “a AdC, aquando da determinação da medida da coima, se afastou das suas LdO”, às quais se tinha vinculado, assim violando os princípios da segurança jurídica, da boa fé e da confiança legítima, decorrentes do artigo 266.º n.º 2 da CRP. Como aduz o Ministério Público na resposta ao recurso, “o texto da sentença infirma esta asserção: «A AdC, seguindo estas linhas, embora não tenha referido o multiplicador associado à pretensa duração do acordo, o certo é que indicou que atentou, para esse efeito, ao período em que durou a infracção, identificando-o e assinalou os critérios normativos a que atentou, justificando-os. Consideramos que para esse efeito não se mostra necessário que indique os concretos cálculos aritméticos que efectuou, com identificação das percentagens concretas que atribuiu ao factor relevante em causa ou a quaisquer outros factores relevantes, quer em termos agravantes, quer em termos atenuantes. O apuramento da medida concreta da coima não é um cálculo aritmético, antes jurídico-normativo, apesar de poder ser auxiliado por critérios daquela natureza».” Nesta linha, tendo-se o tribunal pronunciado concretamente sobre a questão suscitada atinente às linhas de orientação da AdC na determinação da medida da coima, carece de fundamento a invocada omissão de pronúncia. Concluimos sem necessidade de maiores considerações pela improcedência das invocadas nulidades. * c) Nulidade da sentença por falta de fundamentação (conclusões 87 a 111) Pretende a recorrente que seja declarada a nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto aos factos, à prova e quanto à sanção. No que concerne à fundamentação da decisão de facto, alega em síntese que (cf. conclusões do recurso infra indicadas): 91. Quanto à fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo apresentou a sua motivação por grupos agregados de factos, indicando, em conjunto, as “mesmas” razões para dar como provados os factos n.ºs 1 a 95, os factos n.ºs 96 a 104, os factos n.ºs 105 a 143, o facto n.º 144, os factos n.ºs 145 a 152. 92. Note-se que, quanto factos mais relevantes e aqueles em que o Tribunal assenta o cometimento da infração, o Tribunal indica a motivação em conjunto para 40 factos (dos factos n.ºs 105 a 143) em 125 páginas da Sentença (p. 125 a 250). 94. Basta atentar, a título de exemplo nos factos n.ºs 122 a 125, aqueles que, no fim, configuram os termos do suposto acordo. O Tribunal não refere, em concreto, os meios de prova de que se serviu para estes concretos factos. Nem explicita, assumindo que não há (como não podia haver) meios de prova diretos, de que factos provados (com meios de prova diretos) extraiu, por presunção, aqueles factos, e em que medida não existe qualquer outra explicação que não os factos base dados como provados para os factos n.ºs 122 a 125. 96. Tendo o Tribunal a quo omitido uma completa e cabal fundamentação, de forma rigorosa, em termos que impediram a compreensão da motivação da decisão e impedem o exercício cabal do direito ao recurso, terá de considerar-se a Sentença nula, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 e 58.º n.º 1 alíneas b) e c) do RGCO, por remissão do artigo 13.º da LdC, o que se requer que seja declarado. Em causa está o fundamento de nulidade previsto na alínea a) do nº 1 do art.º 379º do CPP, nos termos da qual a sentença é nula quando não contiver as menções referidas no nº 1 da alínea b) do art.º 374º, ou seja, quando é omitida a fundamentação ou a decisão. Assim, a falta de qualquer um dos requisitos integrantes da fundamentação exigidos pelo nº 2 do art.º 374º do CPP, designadamente, a enumeração dos factos provados e não provados, a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam e justificam a decisão e a indicação e exame crítico das provas que serviram para provar a convicção do tribunal, inquina a sentença de nulidade (vide CPP Comentado, Henriques Gaspar e outros, Almedina, 3ª edição revista, pág. 1157). O princípio da fundamentação das decisões judiciais, de matriz constitucional (consagrado no art.º 205º da CRP) e plasmado no art.º 97º/5 do CPP, concorre para a garantia da imparcialidade da decisão e constitui uma exigência de processo equitativo e garantia de defesa do arguido. Adiante-se que não ocorre nulidade por falta de fundamentação no caso dos autos. Com efeito, analisada a sentença posta em crise constata-se que a mesma preenche os apontados requisitos, enunciando o acervo factual provado e não provado, procedendo ao exame crítico dos meios de prova, a que se segue a fundamentação jurídica. No que concerne à motivação da decisão de facto, a lei impõe que o tribunal explicite expressamente o porquê da decisão tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, dando a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou (CPP Comentado ob cit., pág. 1144). Lida a sentença e analisada a extensíssima motivação da decisão de facto, não podemos deixar de considerar que foi efectuada pelo tribunal uma completa e adequada fundamentação dos factos dados como provados e não provados, nada obstando à técnica utilizada de agrupamento de certos factos para facilitar a sua análise, contanto que se possam extrair, como se extraem, as razões que presidiram à formação da convicção do tribunal, permitindo aos destinatários a compreensão do procedimento lógico e racional da apreciação das provas. Nem, como ressalva o Ministério Público na resposta ao recurso, a motivação tem que esgotar todos os meios de prova e transformar-se numa espécie de “assentada”. Não colhe o argumento da visada de que tem dúvidas sobre os concretos meios de prova que suportaram a prova do acordo (conclusão 96), o qual é evidenciado em particular pelos factos provados nºs 122 a 125, objecto de motivação em bloco no conjunto da factualidade assente sob os nºs 105 a 143 (cf. linhas 3015 e seguintes da sentença). A motivação não tem de consistir na análise aprofundada de todas as deduções das partes nem num exame pormenorizado de todos os elementos do processo, não tem de apresentar uma extensão épica, convertendo a motivação num complexo processo escrito e por vezes contraditório, satisfazendo-se com um raciocínio justificativo mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em bases racionais idóneas para a tornarem aceitável credível (v. acórdão do STJ 27/1/2009, proc. nº 3978/08, citado no CPP Comentado ob. cit, pág. 1147). Na sua resposta, o Ministério Público defende que “o TCRS deverá abandonar a metodologia exposta na sentença recorrida, de modo a fazer uma motivação individualizada dos factos, assim como a AdC deverá alterar a estrutura das suas decisões finais (cf. ponto 96 da resposta do Ministério Público). É verdade que a técnica, usada pela AdC, confundindo factos, prova e conclusões, não prima pela correcção e rigor, afigurando-se da maior importância que essa técnica, criticada na sentença recorrida, seja alterada, face às dificuldades que gera no trabalho de apuramento dos factos e sua fundamentação a cargo do TCRS, sobretudo em processos de maior de complexidade. No que à sentença recorrida respeita, não vislumbramos que a circunstância de o tribunal ter agrupado conjuntos de factos para efeitos de motivação da decisão de facto tenha afectado o rigor e a adequação da análise e valoração dos elementos probatórios e/ou que dessa valoração não se alcance de forma clara e objectiva o raciocício que conduziu à formação da convicção do tribunal. Em suma, a lei exige uma fundamentação concisa e completa, mas não impõe um modelo ou técnica para o fazer, não se detectando na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida o vício arguido ao abrigo dos artigos 379º/1 a) e 374º/2 ambos do CPP. No que tange à alegada falta de fundamentação quanto à prova testemunhal e documental, sustenta a recorrente, nas conclusões 99 a 103 que: 99. Muito embora, na motivação da decisão de facto, o TCRS afirme que a formação da sua convicção se baseou na análise ponderada e crítica do conjunto de toda a prova, apreciada e valorada livremente nos termos do artigo 127.º do CPP, e com recurso a presunções judiciais, procurando concretizar os seus critérios de análise nas linhas 2797 a 2786 da Sentença, elencando as provas e meios de prova considerados pelo Tribunal, não densifica, em bom rigor, o que se propõe, incumprindo o dever de fundamentação quanto aos motivos de credibilidade dos elementos de prova obtidos e de indicação dos motivos para afastar provas de sentido contrário, conforme resulta do artigo 374.º, n.º 2 do CPP. 100. O Tribunal Recorrido não analisou criticamente determinados elementos de prova (relevantes), omitindo parcialmente a fundamentação da matéria de facto, em violação do dever de fundamentação contido no artigo 374.º, n.º 2 do CPP. 102. Com efeito, a propósito da prova testemunhal produzida em audiência, o Tribunal a quo: (v) embora identifique as pessoas que depuseram como testemunhas, através da indicação dos nomes e das funções, não verte no texto da Sentença Recorrida qualquer súmula sobre o que foi dito por cada uma das testemunhas nem quanto ao seu depoimento em geral nem quanto às partes que relevou na Sentença, mormente nas linhas 3056-3058, 3103-3109 e 3404-3407; (vi) não faz qualquer menção ao que as testemunhas afirmaram em concreto sobre a existência de um acordo, sendo que (i) é intuitivo que a experiência comum determina que tenham sido colocadas questões sobre essas matérias e (ii) todas as testemunhas inquiridas sobre a existência de um acordo restritivo, arroladas quer pela AdC quer pela MEO, negaram a sua existência, tendo sido dito por R… que não havia partilha de estratégia comercial da NOWO com a MEO; (vii) “desqualifica” completamente a versão dos factos trazida pela MEO, nomeadamente a questão da dívida da ONI/NOWO mas não descreve o que foi dito pelas testemunhas a esse respeito, não sendo crível que o TRL acredite que não foram colocadas às testemunhas questões sobre a situação económica da NOWO, sobre a dívida que tinha à MEO ou porque é que a dívida da ONI era relevante para a posição da NOWO e sobre a sustentabilidade da NOWO, quando foram arroladas testemunhas pela MEO precisamente com essa razão de ciência; (viii) não explica concretamente porque é que as testemunhas da MEO só são credíveis na parte em que alguma menção no seu depoimento possa ser vista como favorável à tese da acusação e as da NOWO são pouco credíveis quando desfavoráveis à tese da acusação. 103. Assim, ao ter omitido parcialmente a fundamentação da matéria de facto, por não ter analisado criticamente determinados elementos de prova (relevantes), violou o Tribunal Recorrido o disposto no artigo 374.º n.º 2 do CPP, requerendo-se desde já a V. Exas. se dignem declarar a nulidade da Sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, aplicável ex vi dos artigos 41.º n.º 1 do RGCO e 83.º da LdC. 104. No que respeita à prova documental, o TCRS referiu alguns documentos dos quais destacou cláusulas sem mencionar outras que contrariariam a tese da Acusação, em particular: (iii) o Contrato MVNO de 24.01.2016, do qual destacou as cláusulas 3.2., 3.3., 8.3. e 19.5, embora o Contrato tenha 26 páginas e 28 cláusulas, que exigem uma análise na globalidade para retirada de alguma conclusão rigorosa; e (iv) o Settlement Agreement de 06.11.2018, que não reproduziu na Sentença, e cuja reprodução permitiria constatar que nele estão incluídas cláusulas (i) que correspondem às contrapartidas que a MEO obteve com o referido Acordo, e que permitiriam afastar a conclusão do TCRS de que a NOWO é que ganhou com o mesmo e não a MEO e de que a única racionalidade para a celebração do acordo seriam cláusulas ilícitas não escritas e (ii) que demonstram que, ao contrário do que afirma o TCRS, o Settlement Agreement foi acordado na sequência de um pedido de insolvência da Oni intentado pela MEO (primeira cláusula do acordo). 105. Além disso, o TCRS omitiu a referência a um conjunto de e-mails que permitiam confirmar uma leitura e conclusões contrárias às que foram extraídas pelo Tribunal e não reproduziu sequer os emails que invocou na sua totalidade, mas apenas os trechos que permitiam a condenação, tudo sem fundamentar devidamente as razões para desconsiderar as provas existentes no sentido contrário à condenação. 106. Nessa medida, o Tribunal incumpriu o dever de fundamentação contido no artigo 374.º n.º 2 do CPP, sendo a Sentença Recorrida nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, ambos os dispositivos aplicáveis ex vi dos artigos 41.º n.º 1 do RGCO e 83.º da LdC. Não assiste razão à recorrente. A análise crítica da prova não obriga a uma súmula dos depoimentos das testemunhas, importando antes que se perceba de que forma o tribunal valorou esses e os demais meios de prova, enunciando as razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, os motivos da credibilidade dos depoimentos e o valor dos documentos tidos em consideração. Ora, da extensa motivação da decisão de facto decorre, seguramente, que o tribunal recorrido efectuou essa valoração, referindo-se ao relatado pelas testemunhas ouvidas e pelo legal representante da recorrente, explicitando detalhada e adequadamente as razões pelas quais se convenceu dos factos julgados provados, em conjugação com a análise do teor dos documentos valorados. No que respeita à versão dos factos apresentada pela visada MEO, é patente que não foi aceite pelo tribunal, tendo sido julgada não provada, encontrando-se na motivação uma fundamentação lógica e racional que o sustenta, como atesta, a título de exemplo, o explanado nas linhas 6298 a 6304 da sentença relativamente ao facto não provado nº 13 (dívida da Nowo à MEO) e nas linhas 6305 a 6312 quanto ao facto não provado nº 14 (conta corrente da Nowo junto da MEO). O que o recurso denota, mais uma vez nesta parte, é o inconformismo da recorrente face à matéria de facto provada e não provada, o que, repete-se, está cristalizado, estando vedado a este tribunal ad quem a sua reapreciação (art.º 75º/1 do RGCO). No que toca ao “settlement agreement”, a recorrente aduz não ter sido reproduzido o seu teor, o que segundo a mesma, impedirá o Tribunal da Relação de conhecer as respectivas cláusulas. Este, tal como os demais documentos, encontra-se junto aos autos e como tal pode e deve ser analisado independentemente de o tribunal recorrido reproduzir ou não o seu conteúdo na sentença. Mais é invocada a omissão de e-mails que permitiriam contrariar o caminho seguido pelo TCRS. Contudo, verifica-se que da alegação do recurso nesta parte não consta a argumentação de suporte a esta afirmação. Pelos motivos supra expostos, improcedem as conclusões 99 a 106 do recurso. Quanto à falta de fundamentação da sanção (conclusões 107 a 111), esgrime, no essencial, a recorrente que: - “Se é verdade que o Tribunal a quo não estava vinculado ao raciocínio da AdC, nem aos critérios previstos nas LdO nem em seguir os cálculos ariméticos da AdC, é igualmente verdade que, chegando à conclusão – como estava vinculado a chegar – que a AdC se afastou da metodologia das suas LdO e que, consequentemente, a coima aplicada é muito superior à que encontra sustento nessas mesmas diretrizes, para aplicar outro valor, em particular, para aplicar 84.000.000 à MEO, o Tribunal tinha de explicar porquê o valor da coima teria de ser esse valor superior e não o que resulta das LdO. - O Tribunal limitou-se a referir que aquele montante seria adequado, não explicando minimamente a razoabilidade do montante de 84 milhões de euros de coima (e não qualquer outro). - A falta de fundamentação da Sentença, evidenciada no facto de o Tribunal, com o devido respeito, se limitar a enunciar os diversos critérios legais para a aplicação da medida da coima, sem, verdadeiramente, explicar em que medida e de que modo os mesmos contribuíram para a aplicação de uma coima naquele momento, acarreta a nulidade da Sentença, por violação do artigo 374.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO, o que se requer que seja declarado.” Vejamos. O alegado não se integra na previsão do art.º 379º/1 a) do CPP, que remete para o art.º 374º/2, porquanto não constitui causa de nulidade da sentença o eventual erro de direito relativamente à determinação da sanção (critérios que presidiram à dosimetria da coima), sendo certo que o tribunal a quo apresentou as razões que entendeu pertinentes para o efeito, explanadas na alínea F) da fundamentação de Direito da sentença. Assim, inexistindo nulidade da sentença por falta de fundamentação da sanção, relega-se o tratamento da questão para a sede própria, atinente aos erros de direito). Consequentemente, improcede o recurso também nesta parte. * IV.3 ERROS NOTÓRIOS NA APRECIAÇÃO DA PROVA a) Erro notório na apreciação da prova (emails de e para pessoas não ouvidas nos autos) – conclusões 112 a 124 Estribando-se no art.º 426º do CPP ex vi art. 41º/1 do RGCO, requer a recorrente a revogação da sentença com fundamento em erro notório na apreciação da prova (art.º 410º/2 c) do CPP) e a remessa dos autos ao tribunal a quo, sustentando que o tribunal fez uma apreciação incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios da prova, em particular dos emails enviados de e para intervenientes não ouvidos, referindo-se a P… (Director da consultora Mobile Conclusions) e D… (accionista da Nowo à data dos factos). O erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º/2 c) do CPP, consiste num erro evidente, facilmente detectado e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Como escrevem Sima Santos e Leal Henriques (Recursos Penais, 9ª edição, Rei dos Livros, pág 81), é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…) Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis”. (…) Erro notório é, no fundo, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido). Ora, é manifesto que não ocorre tal vício no caso dos autos, porquanto do texto da sentença resulta a forma ponderada, lógica e racional como foram valorados todos os meios de prova de que o tribunal a quo se socorreu para dar como provados os factos postos em crise, não existindo qualquer evidência de que essa valoração esteja desfasada das regras da experiência comum. Mediante a arguição do vício do erro notório na apreciação da prova a recorrente pretende a alteração da matéria de facto, pondo em causa o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 31º/4 da LdC, nos termos do qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da Autoridade da Concorrência”, princípio que é válido no nosso direito processual penal (cf. art.º 127º/1 do CPP). Não cabe a este tribunal de recurso escrutinar essa valoração da prova, quando se não descortina na sentença o apontado erro notório, evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta” (CPP Comentado, ob. cit. pág. 1293), porque não se divisa incompatibilidade evidente e manifesta entre o facto e a realidade capaz de levar a considerar que a prova foi mal apreciada ou está desfasada das regras da experiência comum. O aludido princípio da livre apreciação da prova aplica-se igualmente aos documentos postos em crise, ou seja, às mensagens de correio electrónico (emails) identificados na sentença, que, diversamente do que defende a recorrente, o tribunal é livre de considerar independentemente da confirmação do seu teor mediante prova testemunhal ou outra, devendo os mesmos ser valorados em conjunto com toda a demais prova produzida, conforme foi efectuado e se extrai da motivação da decisão da matéria de facto. No mais, como já se disse e repetiu, este Tribunal ad quem está impedido de reapreciar a matéria de facto, apenas conhecendo da matéria de direito (art.º 75º/1 do RGCO). Improcede, pois, o recurso nesta parte. * b) Erro notório na apreciação da prova (as declarações de clemência) – conclusões 125 a 129 Invocando os citados artigos 410º/2 c) e 426º do CPP ex vi art.º 41º/1 do RGCO, requer a recorrente a revogação da sentença com fundamento em erro notório na apreciação da prova e a remessa dos autos ao tribunal a quo, sustentando agora que “a sentença contem erro notório na apreciação da prova que consiste na valoração e credibilização da prova junta com o requerimento de clemência, que sustentaria uma versão que, segundo o próprio texto da decisão recorrida, não foi corroborada nem dada como provada” (cf. conclusão 128). A visada insurge-se contra a valoração como meio de prova das declarações de clemência prestadas pelos requerentes, mormente da Nowo, que confessaram os factos, acusando o tribunal de não ter ouvido os representantes legais da Nowo no âmbito da clemência e de não ter sido dada como provada a versão da clemência, quer de facto, quer de Direito, considerando que o facto de a versão de Direito não ter sido acolhida pela AdC deve ter como consequência a não prova da consciência da ilicitude da MEO, remetendo para a parte do recurso relativa ao elemento subjectivo. Nenhuma razão lhe assiste. Nem sequer se consegue alcançar em que consiste o erro notório aqui arguido, perpassando mais uma vez a ideia de que o que a recorrente pretende é a alteração da matéria de facto, sobretudo dos factos julgados não provados no que respeita à versão da clemência. Esclareça-se que tendo a Nowo deduzido pedido de clemência e vindo a coima que lhe foi aplicada pela AdC (no valor de €4.600.000) a ser dispensada ao abrigo do regime de clemência previsto no art.º 77º do RJC e não tendo a Nowo recorrido da decisão daquela autoridade administrativa, esta decisão tornou-se definitiva em relação àquela empresa, que assim não manteve a qualidade de co-visada/arguida no recurso de impugnação judicial que foi deduzido (apenas) pela MEO (cf. despacho exarado na acta da sessão de audiência de julgamento de 9/5/2022, constante do citius). A parte da motivação da decisão de facto criticada - linhas 3242 a 3247 – refere-se à credibilidade da informação prestada pela Nowo, assim como à idoneidade e validade das declarações de “co-arguido”, não se divisando ali o vício apontado e previsto no art.º 410º/2 c) do CPP. Neste conspecto aduz o Ministério Público na resposta ao recurso que: “Este exercício e o desenvolvido nos §§ seguintes integram o exercício mais geral de observação da prova na sua globalidade. A esse propósito o tribunal encontrou todo um conjunto de ligações probatórias coerentes entre si, apesar de oriundas de fontes diferentes. O Tribunal ensaiou demonstrar que as informações prestadas pelos requerentes da clemência se ajustam à «abundante prova documental constante dos autos, que se mostra objectiva, pela produção de prova testemunhal e ainda mediante prova por presunção, suportada em critérios de experiência comum e verosimilhança» (linhas 3298 a 3300). Neste sentido e analisando a motivação da sentença quanto a esta matéria, afigura-se que se mostra adequada e profusamente fundamentada, de modo lógico e racional e valorando a prova de modo crítico e na sua globalidade, não se detectando qualquer erro claromoso ou notório. Não obstante a extensão da motivação, veja-se quanto a este ponto o seguinte trecho considerado mais relevante: “(…) Sucede que, em segundo lugar, importa referir que as teses apresentadas pela MEO para justificar quer as declarações da co-arguida, quer o teor da prova documental junta nos autos não foi provada nos autos, não tendo sido produzida prova bastante e consistente que suportasse as suas teses. Por seu turno, com elevado respeito se diz que as versões dos factos apresentadas pela Recorrente contrariam frontalmente prova que o tribunal considera isenta e objectiva e contrariam frontalmente critérios de normalidade e de verosimilhança. Na verdade, apesar da Recorrente ter apresentado várias testemunhas ligadas quer directa quer indirectamente a si, com vista a tentar confirmar as teses que sustentou, o certo é que consideramos que ou essa proximidade com a Recorrente lhes toldou a isenção, pretendendo desresponsabilizar a Recorrente, adoptando teses que são totalmente avessas às palavras que se mostram escritas na panóplia documental vertida nos autos, avançando interpretações pouco consistentes, já que não é expectável que num seio empresarial sofisticado, como o das empresas envolvidas, as comunicações sejam transmitidas sem que as palavras que lá são apostas correspondam ao verdadeiro e normal sentido das palavras; ou então as testemunhas apenas sabiam de parte dos factos em causa, mormente, que existia uma dívida da Nowo para com a MEO e que eram feitas monitorizações à actividade dos concorrentes, nomeadamente à Nowo, o que é uma circunstância absolutamente normal. Contudo, são circunstâncias que, se não se dúvida que as mesmas pudessem existir – na verdade, as testemunhas inquiridas em julgamento, tenderam para asseverar essas circunstâncias –, certo é que não apagam nem invalidam a existência da infracção. Neste conspecto, pelo tribunal foram desconsideradas todas as justificações incoerentes com o sentido normal das palavras que foram dadas pelas testemunhas aos documentos que lhes foram sendo exibidos, bem assim como foram desconsideradas todas as partes de depoimentos que sobre os documentos analisados se limitaram, de forma, arredia, a mencionar desconhecer a situação. Por isso, no caso de, nesta sentença, não se realizar a ligação entre depoimentos de testemunhas e documentos com que as mesmas foram confrontadas em julgamento, tal apenas significa que ou o depoimento da testemunha confirma o teor normal das palavras que constam do documento, nada mais acrescentando à interpretação que o tribunal faz do mesmo documento, ou a testemunha se limitou a referir desconhecer o significado do documento ou a testemunha apresentou explicações inverosímeis do documento, avessas a outros meios de prova considerados isentos pelo tribunal ou avessas ao próprio significante normal das palavras contidas no documento. Isso sem prejuízo de, quando tal se evidenciar pertinente para melhor percepção do decidido, o tribunal poder realizar aquela ligação, ainda que se verifique alguma das três situações descritas. Continuando. Aquela existência da infracção mostra-se não apenas confirmada pelas declarações dos Requerentes do Pedido de Dispensa de Coima, como pela abundante prova documental constante dos autos, que se mostra objectiva, pela produção de prova testemunhal e ainda mediante prova por presunção, suportada em critérios de experiência comum e verosimilhança. Ora, ainda quanto à prova documental, que consiste sobretudo em correio electrónico trocado quer entre representantes / colaboradores da MEO e da Nowo, quer entre representantes / colaboradores dos accionistas destas empresas, importa referir que é de capital importância o facto dessas comunicações serem realizadas obviamente sem que se pense que podem ser levadas ao conhecimento de terceiros estranhos ao assunto. São, por isso, mensagens espontâneas e que devem ser valoradas devidamente. Por seu turno, as palavras que lá estão ditas de forma tendencialmente uniforme e ao longo de vários meses não podem ser pura e simplesmente apagadas por depoimentos que as contrariam e se limitam a fazer interpretações daquelas palavras que não logram sequer ter o mínimo de respaldo coerente com as mesmas, sendo certo que a credibilidade de um depoimento não se mede pelo número de pessoas que repete o seu conteúdo. Com todo o respeito, não se pode fazer como parece fazer a MEO, analisar a prova de forma circunscrita e cirúrgica, analisando, por exemplo, documento por documento como se não existissem os demais. Um acordo do tipo como está em causa nos autos, surge enquadrado num encadeamento de factos que não podem ser ignorados, importando analisar todos os elementos constantes dos autos não isoladamente, mas no seu conjunto, parafraseando o conhecido acórdão Corantes (acórdão do Tribunal de Justiça, de 14 de Julho de 1972, Imperial Chemical Industries Ltd vr Comissão, in www.eur-lex.europa.eu). Certamente que ninguém, por muito pouco atento que seja, estará à espera, nos tempos que correm, em que está devidamente sedimentada a nocividade desse tipo de prática e as musculadas sanções que são aplicadas nessa sede, que os termos de um acordo restritivo entre concorrentes estejam contemplados de forma perfeita num contrato escrito, devidamente assinado e carimbado por todos os intervenientes. Este tipo de acordos é normalmente verbal, mantido dentro de um círculo de pessoas muito restrito, existindo normalmente prova fragmentária da sua existência, que importa ser analisada no seu conjunto. No vertente caso, existem notas sobre reuniões ocorridas entre os participantes de reuniões, existem emails e existem comportamentos dos participantes que se alinham com aquelas notas das reuniões e emails e que fluem para uma única convicção que é precisamente a que está vertida nos factos provados sob a epigrafe de “comportamento”. Para além disso, com todo o respeito, não “basta à MEO criar a mera dúvida que, por força do princípio da presunção de inocência, sempre determinaria a sua absolvição”, como defende.” Mostram-se despiciendas maiores considerações para se concluir que inexiste a apontada nulidade da sentença. * c) Erros notórios na apreciação da prova testemunhal (conclusões 130 a 135) A visada argui ainda erro notório na apreciação da prova testemunhal que consiste na incorrecta valoração pelo tribunal da prova testemunhal apresentada pela defesa (conclusão 134), imputando ao tribunal falta de isenção por aferir a credibilidade das testemunhas unicamente pelo facto de serem “próximas à MEO”, com base em pré-conceitos do tribunal, que, segundo a recorrente “retira conclusões aberrantes do depoimento do legal representante da MEO e da sua conjugação com a restante prova.” O alegado não tem a mínima correspondência com a realidade. Da leitura da motivação de facto constante das linhas 6138 e seguintes da sentença, é patente a valoração conjunta dos diversos meios de prova, como se pode constatar relativamente à questão da consciência da ilicitude a que se reporta a conclusão 133 a propósito das declarações do legal representante da MEO: “Resultou de forma totalmente clara e cristalina das declarações prestadas pelo legal representante da Recorrente a existência de uma consciência bastante avivada no seio da Recorrente acerca da ilicitude de condutas como as que estão em causa nos autos, existindo um evidente conhecimento acerca da ilicitude de condutas em que dois concorrentes acordam na fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados de actuação.Aliás, bem impressivo dessa consciência é o teor do documento MEO_0378, em que A… (da MEO) respondeu a R… (da Nowo) que: “As you might imagine, these pricing assumptions are an internal affair of NOWO and therefore Altice Portugal has not[h]ing to comment” (tradução nossa livre: “Como pode imaginar, essas premissas de preços são um assunto interno da NOWO e, portanto, a Altice Portugal nada tem a comentar.” Por outro lado, também essa consciência sedimentada no âmbito do mercado onde se move a Recorrente foi bem assente nos depoimentos prestados por todas as testemunhas que, à excepção de H…, trabalham no mercado onde se insere a Recorrente. Todas elas evidenciaram saber que acordos como os que estão em causa nos autos são acordos desprezados pelo direito. Assim, com todo o respeito, a versão da Arguida, no sentido de estar em causa um erro sobre a proibição, rasa o indecoroso, não podendo ter acolhimento por este tribunal, na medida em que contradiz de forma frontal critérios de normalidade, de experiência comum e a própria prova produzida quer na fase administrativa, quer na fase judicial.” Quanto à discordância da recorrente em relação à matéria de facto provada, já vimos que lhe está vedada a sua sindicância. Não podem, pois, deixar de improceder as conclusões 130 a 135. * d) Erro notório na apreciação da prova por recurso ilegítimo à experiência comum (conclusões 136 a 143) A recorrente alega novamente o vício do erro notório, agora porque “a sentença fez funcionar presunções judiciais com base em regras de experiência comum, sem que estivessem reunidas as condições legais para o recurso à experiência comum.” (conclusão 136). Concretizando nas conclusões 138 a 140 que: * “O Tribunal (vide, por todos, Linhas 3500-3504 da Sentença) afastou a narrativa da MEO de que os contactos com a NOWO se justificam com a preocupação do credor (a MEO) com uma estratégia seguida pelo seu devedor (a NOWO) que, na perspetiva do credor, não seria sustentável (seria, nesse sentido, “suicida”) e apontava para que o devedor não conseguisse pagar as suas dívidas com fundamento em que tal seria contrário às regras da experiência comum. * Segundo as próprias regras da experiência comum, um credor (em particular um credor de vários milhões de euros) tem todo o incentivo para impor condições para assegurar que o seu crédito é pago. E, nessa medida, a existência da dívida, o seu volume, as ações e preocupações do credor podem justificar (e justificam) os contactos, as interações com o devedor e a celebração de acordos posteriores que versem sobre o pagamento dessa dívida. * Desconsiderar a dívida como motivação da atuação da MEO é, pois, contrário às regras da experiência comum. Ainda mais quando a dívida significa que um outro operador exerce a sua atividade à sua custa.” Não assiste razão à MEO. O Tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art.º 127º do CPP). O princípio da livre apreciação da prova não aponta, de modo algum para uma apreciação imotivável e incontrolável e portanto arbitrária, da prova produzida. Sujeita-se a regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação do conhecimento critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo (ac. STJ de 6/6/2011 citado no CPP Comentado, ob cit. pág. 423). As regras da experiência permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos ou vazios, conduzindo à extracção de um facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil (ac. STJ de 9/2/2005, P. nº 04P4721, www.dgsi.pt). O princípio da livre apreciação da prova aplica-se a todo o domínio da prova produzida, designadamente à prova testemunhal. Volvendo ao caso dos autos, constatamos que o tribunal explicitou devidamente as razões que estiveram na base da formação da sua convicção, valorando a prova documental, testemunhal e demais elementos probatórios de acordo com as regras da experiência comum, dessa forma efectuando raciocínio objectivo e lógico, extraindo presunções de certos factos. A visada insurge-se contra o que consta das linhas 3500-3504 da sentença, pelo facto de ali se ter desconsiderado a dívida da Nowo (sendo a Meo credora) como motivação da actuação da MEO, entendendo a recorrente que tal é contrário às regras da experiência comum. Ao invés do que sustenta a visada, o tribunal a quo não deu como provados factos exclusivamente com base naquelas regras de experiência comum. Aliás, a recorrente cita as mencionadas linhas da sentença, sem cuidar de contextualizar o afirmado na sentença. Aquele tribunal não deixou de dar como provada a tese da Meo sobre a causa dos contactos estabelecidos com a Nowo (devido à dívida de que a Meo é credora) esteando-se apenas nas regras de experiência comum, mas antes no conjunto da prova que avaliou de modo crítico, como se pode constatar no seguinte trecho da extensíssima motivação, alusivo à versão da visada (cf. linhas 3486 a 3520): “Se é certo que a MEO temia uma guerra de preços, o que nos parece legitimo, esse medo da guerra de preços não tinha que ver apenas com o medo da Nowo poder não liquidar a dívida que tinha para com a MEO. Com efeito, na sequência da questão sobre o que afinal preocupava a MEO, se a Cabovisão era um player de pequena dimensão, a instâncias da AdC, a testemunha L… respondeu de forma sincera e convicta que era o facto de ser um player muito agressivo e poder evoluir para ofertas stand alone nacional. Não era a dívida que tanto esgrime a MEO. Ou seja, o que preocupava a MEO, em primeira instância e numa perspectiva de negócio e concorrencial, era que a possível guerra de preços entre os operadores determinasse uma diminuição de preços que todos eles tivessem que acompanhar, com diminuição necessária de lucros. Aliás, das declarações do legal representante da Recorrente, foi bem evidente a configuração da mente que subjaz às opções comerciais da Recorrente, em que a perda de um único cliente representa perda, sendo assumida “uma postura em que €1,00 é €1,00 e por isso qualquer atitude predatória nos preocupa”. Com todo o respeito, defender que o estava em causa era apenas o receio de que a Nowo não conseguisse pagar a dívida por optar por uma estratégia comercial que, na perspectiva da MEO, era suicida, não apresenta respaldo na prova produzida, nem em critérios de experiência comum. Poderia a MEO ter receio de não ser ressarcida da dívida, sim, mas esse não era o único motivo que a movia na preocupação demonstrada acerca dos preços praticados pela Nowo no mercado. Aliás, a própria testemunha da Recorrente, L…, asseverou que na sua estratégia comercial a Nowo estava a ser bem-sucedida. Veja-se que naquela mesma apresentação constante do documento MEO_0730, de 02 de Abril de 2017, é a própria MEO que prevê que a NOWO teria 120 mil subscritores de serviços móveis no final de 2017 se fornecesse serviços móveis (usando a oferta grossista MVNO) aos seus clientes da rede fixa: “If Nowo maintains the status quo of using its MVNO agreement only on convergence, based on 2016 performance, we can foresee 120K mobile customers by the end of 2017” (tradução nossa livre: Se a Nowo mantiver o status quo de usar seu acordo MVNO apenas na convergência, com base no desempenho de 2016, podemos prever 120 mil clientes móveis até o final de 2017). Contudo e na senda das mesmas preocupações concorrenciais (nada que ver com questões de dívidas), a apresentação também alerta para que se a Nowo usasse a oferta grossista MVNO para lançar ofertas móveis standalone ao mesmo preço (i.e., o preço que praticava nos serviços móveis oferecidos aos seus clientes da rede fixa), seria “highly likely to start a price war with unpredictable outcome, nullifying any hypothesis of growth of market value” (tradução nossa livre: altamente provável que começasse uma guerra de preços com resultado imprevisível, anulando qualquer hipótese de crescimento do valor do mercado).” (…) E nas linhas 3533 e seguintes pode ler-se que: “Resulta com clareza que as preocupações que derivam desta apresentação nada têm que ver com a temática da dívida, antes um receio de guerra de preços, com perda de lucros inevitável e efeitos negativos para a Recorrente no âmbito da sua actividade. Veja-se que, mesmo que a tese do legal representante da Recorrente possa ser correcta, no sentido de que no final das contas quem sofre com as guerras de preços são os players mais pequenos, porque são financeiramente mais frágeis, certo é que a prova revela que o principal motivo de preocupação da Recorrente não era a possibilidade da Nowo ficar numa situação financeira complicada. O que movia a Recorrente era que os baixos preços que a Nowo vinha praticando e a possibilidade da sua expansão a nível nacional determinasse a referida guerra de preços, o que tem como premissa a existência de uma empresa, neste caso a Nowo, que, na expectativa de aumentar vendas e conquistar uma fatia maior do mercado, praticava preços mais baixos do que os demais concorrentes, como forma de atrair mais consumidores. Com o aumento de vendas dessa empresa que se estava a verificar e que estava a ser analisado pelas equipas competentes da MEO, como verificámos, o medo da MEO era que as demais concorrentes, aquelas que a Recorrente define como as realmente suas concorrentes, como a Nos e a Vodafone, respondessem de forma similar, baixando também os preços dos produtos, onde a competitividade das empresas passaria a ser pautada unicamente ou primordialmente no valor a ser pago pelo cliente. Nesse caso, alegar, como fez a MEO e o seu legal representante, que o maior receio da MEO era que, perante um cenário desses, a maior prejudicada fosse a Nowo, porque não tinha sustento financeiro que permitisse suportar essa guerra de preços, o que implicava um elevado risco de não lograr obter o pagamento de uma dívida que esta tinha para consigo, acaba por rasar o grotesco, não tendo sustento nem na prova produzida que se considerou isenta, nem em regras de normalidade.” Carece, portanto, de fundamento a argumentação da recorrente no sentido de que a sua tese foi afastada apenas com base nas regras de experiência comum, não se evidenciando o propalado erro notório. Concluímos no sentido da improcedência do recurso também nesta parte. * e) Erros notórios na apreciação da prova – a decisão quanto à prova dos factos 122 a 124 (conclusões 144 a 170) Neste segmento do recurso alega a MEO que a decisão de dar como provados os factos nº 122 a 124 decorre dos erros notórios na apreciação da prova acima assinalados (quanto aos emails cujos intervenientes não foram ouvidos, às declarações de clemência, à apreciação da prova testemunhal e ao recurso ilegítimo às regras da experiência comum). Ora, a improcedência dos erros notórios apontados, supra analisados, conduz necessariamente à improcedência do erro agora invocado com base naqueles outros. Aqui a recorrente insurge-se, uma vez mais, contra a prova por presunção e indirecta, considerando que o tribunal apreciou incorrectamente o teor dos emails (v.g. mencionados nas linhas 4374-4390 e 4559 da sentença) e extraiu conclusões contrárias às regras da experiência comum. Tais conclusões improcedem na medida em que assentam em pressupostos que se não verificam, ou seja, em erros notórios que não se constataram. Por todo o exposto, concluímos pela improcedência de todos os vícios invocados. * IV.4 ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO 4.1 Factos relevantes (conclusões 171 a 193) Sob a conclusão 169 alega a MEO que a sentença revela falta de clareza e ambiguidade terminológica, designadamente no que toca aos conceitos de “oferta convergente” e de “oferta móvel convergente” e “oferta em pacote” e “oferta convergente”. Decorre do enunciado quer da conclusão 169, quer das conclusões 171 e 172 que sob as vestes de “errada fundamentação de direito”, a recorrente volta a insurgir-se contra a factualidade dada como provada na decisão recorrida. Nessa senda, argumentando que a sentença qualifica como factos conclusões de análise de prova e matéria de direito como matéria de facto, a recorrente dá como exemplo os seguintes factos: “os factos provados n.º 35 a 81, quanto à definição dos mercados, em concreto à existência de “substituibilidade do lado da oferta”; o facto provado n.º 23 no qual se dá por assente que os MVNOs definem a sua própria estratégia comercial de forma “autónoma”; e os factos provados n.º 122, 123, 134, 138 e 139, quanto à existência de “acordo” (cf. conclusão 172). E continua a visada contestando a factualidade vertida nos factos provados nºs 24, 68 a 79, 8, 82/83, 84 a 95, 94 a 98, 99, 113 a 117, 120/121, respectivamente nas conclusões 178 a 190. Termina este segmento do recurso concluindo, sob a conclusão 189, que “a sentença incorre em erro notório de apreciação da prova quando dá como provado (n.º 122 a 126) que a proposta feita pela NOWO à MEO na reunião de 03.01.2018 foi nessa altura aceite por esta”, afirmando ainda que “Não resulta claramente dos factos provados, em especial dos factos n.º 130, 131 e 141, que a MEO tenha “aderido” à proposta da NOWO ou a ela “anuido” após 03.01.2018. Evidencia-se em todo este arrazoado (e no corpo das alegações) o inconformismo da recorrente relativamente ao acordo firmado entre a MEO e a Nowo dado como assente nos factos provados 122 a 126. Não colhe, desde logo, a objecção acerca da questão de direito traduzida no «acordo jus-concorrencial» referenciada na última parte da conclusão 174, já que o tribunal a quo procedeu perfeitamente à distinção entre o facto «acordo» e a sua qualificação e análise jurídicas. Como é sabido, o acervo factual está cristalizado e não admite reapreciação no presente recurso, sendo de rejeitar a ambiguidade/falta de clareza e o «erro notório» que a recorrente invoca nesta sede. Conforme bem sintetizou a AdC nas suas contra-alegações (ponto 275), “Pacotes convergentes são definidos como aqueles que incluem serviços de comunicações móveis e fixos (factos provados n.º 9 e 16); a expressão oferta convergente surge, pela primeira vez no facto 122, transcrita de uma mensagem de correio eletrónico, e não é contraditória face aos pacotes convergentes, referindo-se ambas à mesma realidade, embora a expressão oferta convergente coloque a tónica na perspetiva da oferta do serviço. Também poder-se-ia falar em oferta de pacotes convergentes. A expressão ofertas móveis convergentes surgem no contexto de a NOWO ter começado a oferecer pacotes convergentes aos seus clientes fixos (Linhas 5194). No que concerne à pretensa confusão entre matéria de facto e de direito, também não colhe o alegado. O cariz marcadamente técnico e/ou económico dos factos provados nºs 35 a 81 não lhe retira a sua qualidade de “factos”, nem os transforma em matéria de direito, tendo os mesmos sido objecto do competente enquadramento jurídico em sede própria, na parte da sentença que procedeu à análise dos pressupostos do art.º 9º do RJC e identificação dos mercados relevantes. Igualmente não procede a alegação de que os factos 122 e 123, 134, 138 e 139 são meras conclusões de direito, pois uma coisa é o facto “acordo” e outra, distinta, é o «acordo jusconcorrencial». O mesmo se diga relativamente aos demais factos indicados respeitantes ao cumprimento e monitorização do acordo. Flui do exposto que não ocorre erro de direito, nem erro notório na apreciação da prova, como já foi analisado em sede dos «erros notórios» invocados nas conclusões 112 a 170. Não se descortina, pois, qualquer dos vícios apontados aos factos provados contestados e/ou à respectiva motivação da decisão de facto, improcedendo a pretensão da recorrente neste ponto do recurso. * 4.2 Pressupostos de aplicação do artigo 9º da Ldc e do artigo 101º do TFUE e identificação dos mercados relevantes (conclusões 194 a 212) Neste ponto do recurso a recorrente traz à colacção o primado do Direito da União e a necessidade de o direito nacional da concorrência se conformar com aquele direito e garantir a sua aplicação uniforme, de acordo com os princípios da equivalência e da efectividade, assegurando um processo equitativo e o cumprimento dos direitos e garantias de defesa. A este propósito, aduz a recorrente, no essencial, que: «201. A Sentença Recorrida não realiza um exercício suficiente e preciso de delimitação e caracterização dos mercados em causa para que pudesse concluir pela existência (ou não) de uma restrição por objeto. 202. Os tribunais da União Europeia têm entendido que, para estabelecer que um acordo tem um objeto anti concorrencial, é necessário analisar um conjunto de pressupostos, entre os quais a natureza do acordo, os objetivos que o acordo visa atingir e o contexto económico e jurídico em que o acordo se insere, no âmbito do qual há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa. 203. A correta, ainda que simplificada, análise dos mercados, em particular os que constam dos n.ºs 21 a 95 do elenco de factos provados, caso tivesse sido ponderada, representaria um elemento prévio essencial no contexto da aferição da existência de uma infração por violação do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º n.º 1 do TFUE. 204. Na ausência de análise da substituibilidade do lado da procura, de acordo com os argumentos invocados pela Sentença Recorrida, não é possível alcançar a conclusão de que são distintos, em termos de produtos e preços, os mercados de serviços retalhistas de comunicações residencial e não residencial, devendo, pois, excluir-se o segmento não residencial dos mercados em causa. 205. Deveriam ter sido ainda adequadamente caracterizadas e consideradas outras segmentações, nomeadamente: (i) uma exclusão dos serviços OTT do mercado em causa, uma vez que estes dependem de serviços de dados e voz para serem utilizados pelo consumidor; e (ii) uma segmentação entre serviços standalone e convergentes, não tendo a Sentença Recorrida indicado factos que permitam aferir – ainda que superficialmente mas de acordo com uma metodologia conhecida e robusta (como é o caso da descrita na Comunicação da Comissão Europeia – a existência de substituibilidade em termos de características e preço de cada tipo de oferta standalone, em pacote, convergente ou não convergente.» Entende a Meo que “o erro de Direito do tribunal a quo, um exercício insuficiente de delimitação e caracterização dos mercados em causa, designadamente no que toca ao tipo de cliente (residencial ou empresarial) e às ofertas convergentes e standalone para efeitos de aplicação do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, impediu que o Tribunal procedesse à análise correta do contexto jurídico e económico, essencial para a qualificação do comportamento como uma restrição por objeto”, requerendo que tal seja corrigido por este Tribunal ad quem e sejam retiradas as devidas consequências para efeitos de interpretação e aplicação dos artigos 9º da LdC e 101º do TJUE. Como a recorrente alega e se extrai claramente da sentença, o tribunal a quo convocou a aplicação simultânea do direito da concorrência nacional e da União Europeia ao enquadrar o comportamento descrito no acervo factual provado, não só no artigo 9º n.º 1 da LdC, mas também no artigo 101º n.º 1 do TFUE, afirmando a suscetibilidade de afetação do comércio entre os Estados-Membros da União. O que não se divisa, é em que medida é que aquele enquadramento jurídico pôs em causa os princípios do primado e aplicação uniforme do Direito da União. Da análise da sentença extraem-se as concretas razões que, de acordo com os critérios orientadores emanados da jurisprudência do TJUE, levaram o tribunal recorrido a considerar verificados todos os elementos objectivos do tipo de ilícito previsto no art. 9º do RJC e no art.101º/1 do TFUE. É a seguinte a fundamentação da sentença sobre esta questão (cf. linhas 7800 a 8091): “- Da afectação do comércio entre Estados Membros da União Europeia: No que se relaciona com o preceito vertido no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE a restrição da concorrência avalia-se “no mercado interno”. De acordo com as “Orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados-Membros”, da Comissão Europeia, o critério de afectação do comércio constitui um critério autónomo de direito comunitário, que deve ser apreciado numa base casuística. Trata-se de um critério jurisdicional, que define o âmbito de aplicação do direito comunitário da concorrência (vide processos apensos 56/64 e 58/64, Consten e Grundig, Col. 1966, p. 429, e processos apensos 6/73 e 7/73, Commercial Solvents, Col. 1974, p. 223). O direito comunitário da concorrência não é aplicável a acordos e práticas que não sejam susceptíveis de afectar sensivelmente o comércio entre Estados-Membros. A afectação do comércio entre Estados Membros implica que se verifiquem três requisitos cumulativos: a. Tem de estar em causa uma actividade económica; b. A prática deverá ser susceptível de afectar o comércio entre estados membros. Com efeito, “deve ser possível determinar com um grau suficiente de probabilidade, baseando-se num conjunto de elementos de direito e de facto, se [a prática em questão] pode vir a exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, nas correntes de trocas entre os Estados Membros, de uma forma susceptível de prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados Membros” (vide acórdão do TJUE de 30 de Junho de 1966, LTM (56/65)). O raciocínio a efectuar é neutro, na medida em que poderá ser de efeito benéfico ou de efeito desvantajoso (acórdão do TJUE de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig (56/64)) e poder-se-á reportar tanto à oferta como à procura (acórdão do TJUE de 23 de Abril de 1991, Höfner & Elser (C-41/90). Conforme decorre do acórdão do TJUE de 17 de Outubro de 1972, Cementhandelaren (8/72), presume-se que há afectação do comércio entre Estados Membros sempre que esteja em causa um mercado que cubra a totalidade do território dum Estado Membro, ou seja, um mercado nacional. Não obstante, mesmo mercados inferiores a um mercado integralmente nacional podem preencher este requisito (vide acórdão do TJUE de 3 de Dezembro de 1987, BNIC (136/86). Também em sede do acórdão do TJ de 24.09. 2009, Club Lombard - Erste Group Bank AG, Raiffeisen Zentralbank Österreich AG, Bank Austria Creditanstalt AG e Österreichische Volksbanken AG c. Comissão, processos apensos n.ºs C-125/07 P, C-133/07 P, C-135/07 P e C-137/07 P, foi defendido o seguinte: "(…) o facto de um acordo ter apenas por objeto a comercialização de produtos num único Estado‑Membro não basta para excluir a possibilidade de afetar o comércio entre Estados‑Membros. “Com efeito, um acordo que abranja todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado CE (…)”. Tal como decorre das Orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados-Membros, da Comissão Europeia, “o requisito de afectação do comércio "entre os Estados-Membros" implica que deve haver um impacto nas actividades económicas transfronteiriças que envolva, no mínimo, dois Estados-Membros. Não é necessário que o acordo ou prática afecte o comércio entre um Estado-Membro e a totalidade de outro Estado-Membro. Os artigos 81.º e 82.º [101.º e 102.º] podem igualmente ser aplicáveis em casos que envolvam apenas parte de um Estado-Membro, desde que o efeito no comércio seja sensível. “A aplicação do critério de afectação do comércio é independente da definição dos mercados geográficos relevantes. O comércio entre os Estados-Membros pode ser igualmente afectado em casos em que o mercado relevante é nacional ou subnacional.” (pontos 21 e 22). “A função da noção de "susceptível de afectar" consiste em definir a natureza do impacto necessário no comércio entre os Estados-Membros. De acordo com o critério de base desenvolvido pelo Tribunal de Justiça, a noção de "susceptível de afectar" implica que deve ser possível prever, com um grau de probabilidade suficiente com base num conjunto de factores objectivos de direito ou de facto, que o acordo ou a prática pode ter uma influência, directa ou indirecta, efectiva ou potencial, na estrutura do comércio entre os Estados-Membros(…). [O] Tribunal de Justiça desenvolveu além disso um critério baseado no facto de o acordo ou a prática afectar ou não a estrutura concorrencial. Nos casos em que o acordo ou a prática é susceptível de afectar a estrutura concorrencial no interior da Comunidade, a aplicabilidade do direito comunitário fica estabelecida. (ponto 23) “Este critério da "estrutura do comércio" desenvolvido pelo Tribunal de Justiça inclui os seguintes elementos principais (…): “a) "Um grau de probabilidade suficiente, com base num conjunto de factores objectivos de direito ou de facto"; “b) Uma influência na "estrutura do comércio entre os Estados-Membros"; “c) "Uma influência, directa ou indirecta, efectiva ou potencial," na estrutura do comércio.” c. Por fim, a afectação deverá ser sensível, seguindo-se a lógica do princípio minimis (vide acórdão do TJUE de 25 de Novembro de 1971, Béguelin Import (22/71)). Não se inscrevem, pois, no âmbito de aplicação do artigo 101.º do TFUE os acordos que, devido à fraca posição das empresas envolvidas no mercado dos produtos em causa, afectam o mercado de forma não significativa. Esta avaliação é, por regra, antecedida de uma delimitação do mercado relevante, salvo se o efeito sensível for evidente. A partir de 5% de quota de mercado, já pode haver uma afectação sensível. No acórdão do TJUE de 12 de Dezembro de 1967, Brasserie de Haecht (23/67), no acórdão Béguelin Import, (22/71) e no acórdão do TJUE de 22 de Outubro de 1986, Metro SB (75/84), atentou-se para a possibilidade de pequenos acordos de distribuição locais poderem preencher este requisito, como por exemplo nos casos de feixes de acordos, como sucede no caso de acordos idênticos entre produtores e seus distribuidores, ainda que nem todos esses produtores sejam visados no processo. O critério acaba por ser casuístico, devendo relevar-se não apenas o efeito isolado, mas o seu efeito cumulativo na concorrência (vide acórdão do TJUE de 22 de Outubro de 1986, Metro SB (75/84)). Novamente de acordo com as Orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados-Membros, da Comissão Europeia, “a avaliação do carácter sensível é função das circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente da natureza do acordo ou prática, da natureza dos produtos abrangidos e da posição de mercado das empresas em causa. No caso de, pela sua própria natureza, o acordo ou prática ser susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o limiar em termos de "carácter sensível" é mais baixo do que no caso de acordos e práticas que não são, pela sua própria natureza, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros. Quanto mais forte for a posição de mercado das empresas em causa, maior é a probabilidade de um acordo ou prática susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros o vir a afectar de forma sensível (ponto 45). “Numa série de processos relativos a importações e exportações, o Tribunal de Justiça considerou que o requisito de "carácter sensível" estava satisfeito quando as vendas das empresas em causa representavam cerca de 5 % do mercado (…). Contudo, a quota de mercado nem sempre foi considerada, por si só, o factor decisivo. É necessário ter igualmente em conta o volume de negócios das empresas relativo aos produtos em causa (…). (ponto 46) “Deste modo, o carácter sensível pode ser avaliado em termos absolutos (volume de negócios) e em termos relativos, através da comparação da posição da ou das empresas em causa com a dos demais operadores no mercado (quota de mercado). A atenção prestada à posição e à importância das empresas em causa é coerente com o conceito de "susceptível de afectar", que implica que a avaliação se baseie na possibilidade de o acordo ou prática afectar o comércio entre os Estados-Membros e não no impacto nos fluxos transfronteiriços efectivos de bens e serviços. A posição de mercado das empresas envolvidas e os respectivos volumes de negócios relativos aos produtos em causa fornecem indicações acerca da possibilidade de um acordo ou prática afectar o comércio entre os Estados-Membros. (…)” (ponto 47). Ora, tendo em conta o exposto e sabendo-se como se sabe que: - a aplicação do critério da susceptibilidade de afectação do comércio entre Estados-Membros é independente da definição dos mercados geográficos relevantes, -a susceptibilidade de afectar implica inevitavelmente a desnecessidade do acordo ou a prática terem tido, efectivamente, um efeito no comércio entre os Estados-Membros, não existindo por isso obrigação ou necessidade de calcular o volume efectivo de comércio entre os Estados-Membros afectado pelo acordo ou prática, - que basta, para que se considere que um acordo restritivo entre empresas é susceptível de afectar o comércio entre Estados Membros, que seja possível prever, com um grau suficiente de probabilidade, assente num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, que tem influência directa ou indirecta, efectiva ou potencial, nos fluxos comerciais entre Estados-Membros de modo a poder prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre Estados-Membros: Em termos fáctico-jurídicos, consideramos que importa trazer à colação, desde logo, o facto de estar em causa um acordo entre empresas que se estende a todo o território nacional, o que implica, pela sua natureza, de acordo com a jurisprudência comunitária e as orientações da Comissão, a ponderação, ab initio, no sentido do entendimento consolidado, com base em regras empirico-normativas, de que o acordo tem por efeito solidificar barreiras nacionais, com o inerente entrave à interpenetração económica pretendida pelo Tratado. Estão em causa condutas consideradas como violações hard core ao direito jus concorrencial, que são, pela sua própria natureza, restritivas por objecto. De acordo com as já aludidas Orientações da Comissão, por respeito a acordos horizontais que são restritivos da concorrência por objecto e que abrangem o território de um Estado-Membro, como o que está em causa nos vertentes autos, os mesmos “são, em princípio, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros. Os tribunais comunitários sustentaram numa série de processos que os acordos que cobrem a totalidade do território de um Estado-Membro têm, pela sua própria natureza, o efeito de reforçar a segmentação dos mercados numa base nacional, na medida em que dificultam a penetração económica pretendida pelo Tratado (...).” Por tudo o que já vem sendo dissecado ao longo desta decisão, o acordo entre a MEO e a NOWO, afectou a estrutura concorrencial do mercado nacional de serviços de comunicações móveis, em que a NOWO se vinculou a não expandir a sua oferta móvel em modo standalone a nível nacional e a reduzir os preços praticados, refreando os receios da MEO no sentido de ser despoletada uma guerra de preços num mercado oligopolista, mediante ofertas disruptivas no mercado, aptas a determinar respostas dos demais operadores de mercado. As estimativas das empresas que participaram no acordo no que tange ao potencial de crescimento da quota de mercado da NOWO caso a oferta standalone da NOWO tivesse sido lançada em 2017 a nível nacional (o que não seria certamente diferente de 2018 – data em que a infracção começa), e lançada no footprint da NOWO aos preços inicialmente planeados, nos moldes também já analisados, permitem concluir por um previsível impacto da mesma na estrutura concorrencial do mercado nacional. A susceptibilidade de afectar o comércio entre Estados Membros não implica que as partes que participam no acordo entre empresas tenham a intenção subjectiva de o afectar. Por sua vez, não menos despiciendo se torna enfatizar que o mercado de telecomunicações em Portugal é um mercado liberalizado, pelo que se rege pelas regras da concorrência, tendo os operadores autonomia para definirem os preços e as condições comerciais, sendo a oferta comercial e os preços estabelecidos por cada empresa e não por um regulador. Um mercado liberalizado tem como objectivo permitir que o número de opções para o consumidor seja superior e logo mais competitivo comparativamente ao mercado regulado. Esta competitividade reflecte-se, por exemplo, em preços mais atractivos, melhores condições ou até num maior cuidado na qualidade de serviço. Sendo um mercado liberalizado, está, por conseguinte, aberto a novos operadores, incluindo estrangeiros, que queiram exercer actividade em Portugal. Porém, tal como se mostra provado, apenas três empresas em Portugal – MEO, NOS e Vodafone – operam no mercado de serviços de comunicações móveis com recurso à sua própria rede, por força de limitações de espectro. Assim sendo, caso outros operadores, designadamente estrangeiros, queiram operar em Portugal no âmbito do mercado em questão, terão de celebrar um contrato MVNO com um destes três operadores para prestar este tipo de serviços. Importa referir que, nesta sede, refere a Comissão nas mesmas Orientações que “no caso de as barreiras, não sendo intransponíveis, apenas dificultarem as atividades transfronteiriças, é absolutamente fundamental garantir que os acordos e as práticas não dificultam ainda mais essas atividades”. Ora, como bem salienta a AdC, o acordo MVNO foi celebrado em 20.01.2016, na sequência das negociações entre a Altice e a APAX para a venda da ONI e da Cabovisão, desenvolvidas em resultado dos compromissos assumidos pela Altice no âmbito da aquisição da PT Portugal. A celebração do acordo MVNO não resultou directamente dos compromissos assumidos pela Altice perante a Comissão Europeia, tendo sido antes o resultado das negociações da APAX com a Altice para efeitos da aquisição da NOWO (na altura Cabovisão), o que evidencia que a celebração do acordo MVNO (e a consequente possibilidade de a NOWO prestar serviços móveis em Portugal) foi um elemento considerado de extrema relevância pela APAX para efeitos da aquisição da NOWO, como aliás resulta do manancial fáctico provado. Sucede, porém, que a celebração do acordo de empresa em apreço, implicou que a Nowo não pudesse concorrer pelo preço e fornecer serviços de comunicações móveis em determinadas áreas geográficas, abdicando de concorrer pelo mérito. Importa também referir que, à data da celebração do acordo restritivo, eram accionistas da Nowo a APAX e a Fortino, empresas operadoras em outros Estados-membros, que, directa ou indirectamente, por força do acordo ilícito, limitaram a penetração e o crescimento da NOWO enquanto prestador de serviços de comunicações móveis em Portugal. Também se mostra provado que, durante o período de referência, não foram celebrados outros acordos MVNO nem entraram novos prestadores de serviços de comunicações móveis no mercado nacional. A dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado nacional, num mercado importante como o das telecomunicações, são certamente factores considerados pelos investidores internacionais, na sua decisão de investir em Portugal, concluindo-se que o acordo em si era suscetível de afectar a penetração de operadores de outros Estados-membros no mercado nacional. Também não pode ser ignorado que a MEO faz parte do Grupo Altice. Na União Europeia, para além de Portugal, o Grupo Altice detém também uma importante operadora de telecomunicações em França, a SFR (Société Française du Radiotéléphone), com 22 milhões de clientes. Por outro lado, importa salientar que o mercado de comunicações electrónicas nacional se caracteriza pela presença de grupos multinacionais, mormente o Grupo Altice ou o Grupo Vodafone (presente em múltiplos Estados-Membros da União Europeia), como é facto público e notório. Neste contexto, constituindo a dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado nacional de telecomunicações factores obviamente tidos em consideração por investidores internacionais, afigura-se evidente que o acordo restritivo da concorrência implementado pela MEO e a NOWO era susceptível de afectar a penetração de operadores de outros Estados-membros no mercado nacional. Não ignoramos que tendencialmente os serviços de comunicações electrónicas não serão facilmente transaccionáveis, pelo menos em grande escala ou em escala significativa, entre Estados-Membros. Contudo, consideramos que não importa apenas cingirmo-nos ao próprio mercado de telecomunicações na sua perspectiva para o consumidor, mas também na perspectiva de investimento de capital estrangeiro em empresas portuguesas. Certamente que a existência de um acordo como o que estava em causa nos autos é susceptível de comprometer esse investimento, já que tem inerente um elevado risco da empresa que participa no cartel poder ser condenada com elevadas coimas, como salienta a AdC em sede de resposta ao recurso, sendo susceptível de interferir na própria liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais. Com efeito, não é demais recordar que, em sede das Orientações da Comissão que temos vindo a referir, sobre a afectação do comércio entre Estados-Membros, é afirmado o seguinte: “O conceito de «comércio» não se limita às tradicionais trocas transfronteiriças de bens e serviços. Trata-se de um conceito mais amplo, que cobre toda a atividade económica transfronteiriça. Esta interpretação é coerente com o objetivo fundamental do Tratado de promover a livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais”. Facilmente se conclui que, o conceito de “comércio” abrange todas as actividades económicas transfronteiriças e que esse comércio é afectado sempre que um acordo entre empresas obstaculize ou interfira, ainda que de forma meramente potencial, na realização do mercado único, que acaba por ser uma finalidade intrínseca dos conceitos e normas em questão. Acresce que a Recorrente também não avançou quaisquer argumentos plausíveis e atendíveis no sentido de poder ser afastada a probabilidade / susceptibilidade que se analisa. Nestes termos, consideramos que existe uma probabilidade suficiente de afectação do comércio entre Estados-Membros, face à inexistência de elementos susceptíveis de afastar essa probabilidade. Quanto ao critério da sensibilidade. De acordo com as orientações que se mencionaram, “quanto mais forte for a posição de mercado das empresas em causa, maior é a probabilidade de um acordo ou prática suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros o vir a afetar de forma sensível” Ora, a quota de mercado agregada das intervenientes no acordo restritivo ultrapassa os 40% no mercado nacional de prestação de serviços móveis, isoladamente e em pacote, conforme resulta dos factos provados. Também como decorre do mesmo manancial fáctico, os volumes de negócios das empresas em causa relevantes para estes efeitos são os seguintes, por referência a 2019: - MEO: €1.983.395.454; - NOWO: €62.455.719. Assim, o volume de negócios anual agregado também de ambas é superior a 40 milhões de euros em Portugal. Por seu turno, no que toca aos volumes de negócios dos mercados afectados, foram, em 2018, os seguintes: - MEO: €568.667.423; - NOWO €28.562.063. Decorre do exposto que o volume de negócios agregado das empresas, em relação aos serviços objecto do acordo, foi de €597.229.486, o que implica que tenha sido mais de 14 vezes superior aos 40 milhões a que aludem as Orientações da Comissão, nos termos das quais constitui uma cifra abaixo da qual se presume inexistir afectação sensível do comércio entre Estados-Membros. Se for retirado o Mercado não residencial, como pretendia a MEO, ainda assim aquele volume corresponde a €427.204.829,00 do lado da MEO. Acresce que em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de cmunicações fixas, rondou os €229.986.710,00. Em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, a clientes residenciais, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de comunicações fixas, rondou €164.614.537,00. Adrede, apesar da “avaliação do carácter sensível não requer[er], necessariamente, a definição dos mercados relevantes e o cálculo das quotas de mercado” (vide Orientações citadas), a MEO, no final do primeiro semestre de 2019, era o principal prestador de serviços móveis em Portugal, com uma quota de 42,1% (em volume). Por outro lado, relativamente às ofertas em pacote, no final do primeiro semestre de 2019, a MEO era o prestador com maior quota de subscritores (45% do total) em termos de número de subscritores de pacotes 4P/5P. Se tivermos apenas em consideração a quota da MEO no mercado dos serviços de comunicações móveis em Portugal, no final do primeiro semestre de 2019, a mesma era cerca de oito vezes superior (41,2 %), ao limiar dos 5% estabelecido pela Comissão, abaixo do qual existe uma presunção ilidível que inexiste afectação do comércio entre Estados-Membros. Decorre destes dados, tal como também concluiu a decisão administrativa, que a MEO e a NOWO dispõem de um poder económico suficientemente significativo para que as suas práticas sejam susceptíveis de afectar de uma maneira sensível o comércio entre Estados-membros. A MEO, contudo, alega que, para se concluir que o acordo era susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, na acepção do artigo 101.º do TFUE, a AdC teria ficado muito aquém do exigível, conforme resulta da sua impugnação judicial que na parte atinente se considera reproduzida. Tendo em consideração as asserções acima expendidas, consideramos que não assiste razão à Recorrente data vénia, estando quer a decisão administrativa, quer a presente sentença, salvo melhor opinião, em total alinhamento com aquela que tem sido a prática comunitária. Para além disso, importa reforçar que o critério em causa é puramente normativo e neutro, o que quer dizer que apenas se afere para que possam ser arredadas aquelas condutas em que não deverá ser aplicado apenas o direito nacional (sem prejuízo de normas e princípios de aplicação directa). Os potenciais efeitos da conduta podem ser não apenas negativos, como positivos para a concorrência entre Estados. Acresce que não é exigível sequer, conforme já tínhamos evidenciado, que a AdC ou o tribunal empreendam uma análise sobre a efectiva afectação dos Estados Membros, bastando apenas que a mera susceptibilidade de isso ocorrer. Perante tudo o que ficou exposto, em face de todas as circunstâncias concretamente analisadas e globalmente ponderadas, em conjugação com os critérios orientadores citados que são suficientemente justificados e concretizados, fruto do labor jus concorrencial europeu, concluímos pela verificação do critério de jurisdição do TFUE e pela aplicação ao caso concreto do respectivo artigo 101.º do TFUE. - Da execução temporal da alegada infracção: Resulta do manancial fáctico dado como provado que a infracção decorreu entre o período de 03.01.2018 e 28.11.2018. Assim sendo e em face do exposto, consideramos que se mostram verificados todos os elementos objectivos do tipo de ilícito em causa pela Recorrente MEO (n.º 1 do artigo 9.º do RJC e do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE). Sufragamos o entendimento do tribunal de 1ª instância, aderindo-se à sólida e aprofundada fundamentação que não pode senão conduzir à conclusão de que o comportamento da visada MEO, dado como provado, se subsume quer no art.º 9º do RJC, quer no art.º 101º do TFUE. Ao contrário do que defende a recorrente, a sentença procede a adequada delimitação e caracterização do mercado relevante. A visada defende que o segmento não residencial do serviço retalhista de comunicações móveis deverá ser excluído do mercado relevante (conclusão 204). Como aduz o Ministério Público na sua resposta ao recurso, relevam para os efeitos em apreciação apenas os factos de enquadramento descritos sob os pontos 68 a 70 da sentença e não, como referido na conclusão 203, os factos provados 21 a 95. A questão foi tratada na sentença tendo em conta a jurisprudência do TJUE, segundo a qual no caso das práticas colusórias a delimitação do mercado relevante não é necessária sempre que o acordo tenha um objecto anti concorrencial (cf. linhas 6366 a 6378 da sentença). De acordo com as Orientações da Comissão Europeia, a aplicação do critério de afectação do comércio é independente da definição dos mercados geográficos relevantes; o comércio entre os Estados-Membros pode ser igualmente afectado em casos em que o mercado relevante é nacional ou subnacional. A sentença baseou-se no critério da «estrutura do comércio» desenvolvido pelo TJUE para aferir da «afectação do comécio entre os Estados Membros da União Europeia», analisando os respectivos elementos, a saber: o grau de probabilidade suficiente, a influência na estrutura do comércio entre os Estados-Membros, a influência directa ou indirecta, efectiva ou potencial e a sensibilidade da afectação (de acordo com o princípio minimis). A decisão recorrida procedeu a uma análise exaustiva do mercado relevante no caso dos autos, partindo do conceito de mercado relevante na dupla dimensão, do produto/serviço e geográfico. Constatou o tribunal recorrido não se justificar a segmentação dos serviços a retalho de comunicações móveis por tipo de serviço, tipo de tecnologia, tipo de tarifário e tipo de cliente (residência/não residencial), porquanto existe substituibilidade na oferta entre estes serviços, dadas as condições de homogeneidade concorrencial no mercado (v. linhas 6431 a 6439). Tais razões são bastantes para afastar a pretensão da recorrente, permitindo concluir pela inexistência do alegado erro de direito por exercício insuficiente de delimitação e caracterização dos mercados. Improcede, assim, este segmento do recurso. * 4.3 Existência de acordo (conclusões 213 a 219) A recorrente vem arguir erro notório da sentença na valoração e descrição da prova ao dar como provada a existência de um acordo entre MEO e NOWO, concretizado no dia 3/1/2018 (cf. factos provados nº 122 e 123), alegando que o tribunal recorrido recorreu a prova indiciária ou circunstancial, mas sem atentar nos limites impostos pela jurisprudência do TJUE. Conclui que a factualidade dada como provada (nomeadamente factos provados nº 122 a 125) encerra incongruências e não revela uma convergência de vontades, razão pela qual entende que se verifica um erro de direito na aplicação do art.º 9º/1 do RJC e art.º 101º do TJUE, pugnando pela absolvição da MEO por não estar preenchido o tipo contraordenacional. Adiante-se que nenhuma razão assiste à recorrente. Desde logo, parece confundir vícios de facto com erros de direito. Não obstante ter invocado anteriormente diversos vícios previstos no art. 410º/2 do CPP (cf. conclusões 44 e seguintes e 112 a 170), já apreciados por este Tribunal ad quem, volta agora a socorrer-se do erro notório ou evidente/clamoroso para atacar os factos apurados quanto ao acordo firmado entre a MEO e a NOWO. Contudo, do texto da decisão, quer dos factos referidos quer da respectiva motivação, não resulta qualquer erro notório na valoração da prova que esteve na base do vertido nos factos provados 122 a 125, conforme já decidimos supra quanto aos erros notórios na apreciação da prova invocados sob as conclusões 144 a 170, dando-se aqui como reproduzidas as considerações ali tecidas. Por outra banda, não se detecta a existência do pretenso erro de direito, afigurando-se correcta e adequada a análise jurídica dos mencionados factos, consubstanciadores de um acordo entre empresas jusconcorrencial (cf. ponto B) da fundamentação de direito da sentença (título «responsabilidade da MEO», pág. 287 e seguintes da sentença, linhas 6893 a 7171) e da consequente verificação dos elementos objectivos do tipo contraordenacional previsto no art. 9º do RJC, como se concluiu na sentença (cf. pág. 315, linha 7686). * 4.4 Contrato MVNO e a concorrência entre a MEO e a NOWO (conclusões 220 a 230) Esgrime a MEO que a NOWO não tem capacidade de exercer pressão concorrencial efectiva sobre qualquer dos MNOs, incluindo a MEO, não dispondo a Nowo de elementos de infraestrutura de rede de comunicações, tendo um grau de dependência técnica e operacional em relação à MEO, considerando a recorrente que o contrato que ligou a MEO à NOWO e o acordo celebrado em 3/1/2018 eram pró-concorrenciais, promovendo mais a concorrência do que a restringindo, o que impede a sua qualificação nos termos e para os efeitos do art.º 9º/1 do RJC e 101º/1 do TFUE. Ora, dos factos provados, designadamente os factos 99 a 103 extrai-se claramente a caracterização da relação NOWO/MEO no mercado grossista/vertical de comunicações móveis, por via do contrato MVNO (contrato de prestação de serviços móveis grossistas). Por outro lado, a factualidade provada (nomeadamente os factos 86, 94 e 95) evidencia que ambas as empresas são fornecedoras de serviços de comunicações aos consumidores, pelo que ambas são concorrentes entre si no mercado (cf. v.g. linhas 8786, 7080, 7073, 7194, 7244 e 8786 da sentença). Donde, carece de sentido o pressuposto de que parte a recorrente (inexistência de relação de concorrência entre as empresas) visando descaracterizar o acordo para efeitos jusconcorrenciais, não se tendo provado factos que autorizassem concluir pelos efeitos pró-concorrenciais dos acordos. * 4.5 Natureza horizontal ou vertical do acordo (conclusões 231 a 239) Advoga a recorrente que entre a NOWO e a MEO não existia uma relação tipicamente horizontal de concorrência, apresentando afinidades com o relacionamento vertical. Segundo a visada, não tendo um MVNO (contrato de prestação de serviços móveis grossistas) capacidade de exercer pressão competitiva significativa no mercado, está em causa uma relação substancialmente vertical, o que pode ter repercussões ao nível dos preços, dado que a celebração de um contrato MVNO pode implicar, direta ou indiretamente, a existência de constrangimentos para o MVNO na livre definição de preços a praticar no mercado retalhista (v. conclusão 234). Esta conclusão não tem suporte nos factos, não se compaginando com o funcionamento do mercado. Como se pode ler na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público (cf. pontos 189 e seguintes), “A NOWO celebrou o contrato MVNO com a MEO, tendo-se tornado um MVNO (mobile virtual network operator), i é, um operador de prestação de serviços de comunicações móveis com marca própria suportado na infraestrutura de comunicações da MEO. A NOWO adquiriu a participação detida pela Altice Portugal na Cabovisão. A Nowo só tinha interesse neste negócio se pudesse «operar no serviço móvel para aumentar a sua capacidade concorrencial» (facto 99). Para facilitar esta venda à Cabovisão (NOWO) a MEO, detida pela Altice Portugal, celebrou com a Cabovisão o contrato de MVNO (Agreement on the Provision of Mobile Wholesale Services) no dia 20/01/2016 – v. facto 99. A celebração do contrato e as suas condições de acesso a esta infraestrutura respeitam à relação vertical entre a MEO e a NOWO. Respeitam às condições operacionais que permitiram a NOWO prestar serviços de comunicações aos consumidores e respetivas contrapartidas financeiras (é um contrato sinalagmático de natureza civil). Porém, uma vez celebrado, e garantido o acesso à infraestrutura e correspondentes direitos de frequência, a NOWO é livre de estabelecer a política comercial que entender a fim de competir e sobreviver no mercado. Assim, não é verdadeira a conclusão 234 quando a visada afirma que a celebração de um contrato MVNO pode implicar, direta ou indiretamente, a existência de constrangimentos para o MVNO na livre definição de preços a praticar no mercado retalhista (v. conclusão 234). (…) A alegação é a negação in totum do direito da concorrência. Já que não posso impor barreiras à entrada no mercado de uma futura concorrente direta, então vou-me socorrer da minha dimensão, do meu poder económico e da minha infraestrutura, sem a qual a mesma não entra no mercado, para controlar e condicionar a futura liberdade de acção empresarial da entrante e coartar a rivalidade económica que ela representa. A pretensão da visada é totalmente desmentida pelo teor do próprio contrato MVNO – v. factos 100 a 102 (…)» Na senda do Ministério Público, entendemos que a tese da recorrente ignora os princípios basilares do direito da concorrência, que impõem que cada operador económico deve determinar de forma independente a política que pretende adoptar no mercado, ainda que a/s empresas possa/m depender do fornecimento de produtos/serviços de outra/s empresa/s. Foi este também o entendimento do tribunal de 1ª instância ao concluir no sentido de que a MEO e a NOWO são concorrentes efectivos no mercado retalhista de comunicações em Portugal, assumindo como tal a prática ilícita objecto do presente processo um cariz horizontal, sustentando, para tanto designadamente, que (pág. 295 da sentença, linhas 7179 a 7189): «Contudo, não é totalmente correcto afirmar que, ainda assim, estão em causa empresas que operam a níveis diferentes da produção ou da cadeia de distribuição, na medida em que importa colocar o acento tónico na questão da marca, como bem salienta a AdC. A MEO não é por definição um fornecedor de rede, ou MVO. O seu negócio principal é a de prestação de serviços de telecomunicações a nível retalhista, que oferece com uma marca precisa, a marca MEO, como é facto público e notório. Por sua vez, também é facto público e notório que a Nowo também fornece serviços móveis, mas não através da utilização perante o mercado da marca MEO. A Nowo apresenta-se no mercado como marca NOWO, não sendo percepcionada pelos clientes como distribuidora (ainda que autónoma) de um qualquer produto ou serviço da marca MEO. Apresenta-se, assim, no mercado, ao lado da MEO, como uma verdadeira concorrente desta”. Como é referido no Relatório “Enquadramento regulatório da actividade dos MVNO”, disponível na página electrónica da ANACOM, parágrafo 8 al. a), “os MVNOs concebem e colocam no mercado uma oferta retalhista própria, tendo a liberdade de a diferenciar da do operador em que se suportam (…)”. Neste conspecto, não se verifica qualquer tipo de restrição intramarca, mas antes uma restrição intermarca, pelo que dever-se-á dar relevo a esta circunstância, em detrimento da relação grossista estabelecida entre as partes, porque, numa perspectiva de mercado, é a relação entre concorrentes no mesmo nível de distribuição que sobressai. Por sua vez, o acordo sub judice não afecta o mercado a montante onde a MEO opera como MVO, antes o mercado retalhista a jusante onde as duas empresas operam, aí tendo repercussões. Com efeito, a MEO, enquanto operador no nível grossista, protege-se a si mesmo no nível retalhista, não protegendo a sua marca (através da protecção concedida ao distribuidor da concorrência dos de mais), mas a sua posição concorrencial ao nível do retalho.» Não se detectando o invocado vício, improcede o recurso também nesta parte. * 4.6 Restrição por objecto ou por efeito (conclusões 240 a 257) Sustenta a recorrente que a sentença incorre em erro de direito ao qualificar o alegado acordo colusório como restrição por objecto. Alega, no essencial, que ali se parte do pressuposto errado que a NOWO não tinha a sua liberdade constrangida (não se atentando, v.g., na dívida que o grupo NOWI acumulou e ia gerindo para com a MEO) e que a repartição de mercados e/ou a fixação são condutas proibidas, independentemente do contexto jurídico-económico em que se inscrevem. Concluindo que a sentença não equacionou devidamente o contexto jurídico e económico da relação de um MNO com um MVNO, em abstrato, nem, em concreto, as especificidades e vicissitudes da relação da MEO com a NOWO. Neste conspecto, argui ainda erro notório da decisão recorrida ao não dar como provado que na motivação da conduta da MEO pesava a questão da dívida da NOWO para com a MEO (cf. factos não provados nºs 4 e 5 da sentença). Vejamos. No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, carece a alegação de fundamento, pelas razões já expostas supra quanto aos erros notórios invocados nas conclusões 112 e seguintes. Por conseguinte, do texto da decisão, quer dos factos julgados não provados, quer da respectiva motivação, não resulta qualquer erro notório na valoração da prova que esteve na base do vertido nos factos não provados 4 e 5 agora postos em crise (cf. linhas 6255 a 6261). Por outra banda, não se detecta a existência do pretenso erro de direito, afigurando-se, como já referimos, correcta e adequada a análise jurídica dos factos (designadamente dos factos 122 a 126), consubstanciadores de um acordo entre empresas jusconcorrencial (cf. ponto B) da fundamentação de direito da sentença, título «responsabilidade da MEO», pág. 287 e seguintes da sentença, linhas 6893 a 7171), e sua qualificação jurídica. O tribunal de 1ª instância aduziu extensa e sólida argumentação (cf. linhas 7246 e seguintes da sentença) para concluir estarmos perante um acordo restritivo por objecto, transcrevendo-se os seguintes excertos que consideramos mais relevantes a este propósito: «- Da infracção por objecto ou por efeito e da relação da infracção com a celebração do contrato MVNO: Outra das questões suscitadas pela MEO é saber se se está perante uma efectiva infracção por objecto. Nesta sede voltamos a frisar que o n.º 1 do artigo 9.º do RJC se basta com a mera conclusão de que o objectivo da decisão é o de restringir a concorrência, tendo em conta o seu contexto económico – infracção por objecto. O acordo entre empresas sob análise integra, por si, uma restrição sensível da concorrência, independentemente dos seus efeitos, os quais são à partida presumidos pelo legislador. Mostra-se totalmente despiciendo apurar, nesta sede, para efeitos de subsunção da conduta aos elementos do tipo objectivo de ilícito, se foram ou não sequer produzidos efeitos, não integrando o elemento do tipo a existência de efeitos. (…) O contrato MVNO não foi um contrato celebrado pela MEO porque a MEO decidiu unilateralmente constitui-se como MNO (prestador de serviço no âmbito do contrato MVNO). Na verdade, dos factos provados resulta que na génese do contrato MVNO não esteve qualquer tipo de decisão gizada em termos de estratégia económica, financeira e comercial da MEO, com vista apenas ou primordialmente à maximização do seu lucro ou obtenção de outras vantagens comerciais. O que se mostra provado é que no âmbito de uma operação de concentração respeitante à aquisição da PT Portugal pela Altice, a Comissão Europeia manifestou preocupações com o efeito desta aquisição em alguns mercados grossistas e retalhistas de telecomunicações em Portugal; que nessa sequência, a Altice apresentou um conjunto de compromissos à Comissão Europeia, incluindo o desinvestimento das suas subsidiárias ONI e Cabovisão, tendo a Comissão Europeia aceite estes compromissos e emitido uma decisão de não oposição à operação de concentração; que em consequência desses compromissos assumidos pela Altice no âmbito da aquisição da PT Portugal, a Altice e a APAX negociaram a venda da ONI e da então Cabovisão (agora Nowo) e que apenas e tão somente para facilitar essa venda da ONI e da então Cabovisão, na medida em que os interessados pretendiam que as empresas pudessem operar no serviço móvel, foram celebrados, em 20.01.2016, contratos de prestação de serviços móveis grossistas (contratos MVNO) entre a Cabovisão e a MEO (e entre a ONI e a MEO). Assim sendo, qualquer tipo de fundamentação que se baseie no que é normal e habitual em contratos MNVO baqueia no seu alicerce porque o contrato MVNO que está em causa nos autos não foi uma decisão amplamente “voluntária” da MEO, antes se sujeitando aos interesses do seu accionista. É a própria MEO que refere no seu recurso que “a celebração dos contratos MVNO entre a MEO e a Cabovisão e entre a MEO e a ONI foi determinada, exclusivamente, pela necessidade de a Altice desinvestir na Cabovisão e na ONI para poder adquirir a PT / MEO e satisfazer as condições desejadas pelos potenciais interessados na aquisição da Cabovisão e da ONI para concretizarem a referida transação” (ponto 690.º da impugnação). E acrescenta: “no caso concreto a conclusão do contrato não foi tipicamente voluntária. Foi uma condição da alienação à APAX e à Fortino da participação da Altice na ONI e na NOWO” (parágrafo 1352 da impugnação). (…) Saber se a mesma é uma restrição ilícita por objecto ou por efeito, leva-nos a recordar que, para ser abrangida pela proibição a que alude o n.º 1 do artigo 9.º do RJC, uma prática colusória deve ter “por objetivo ou efeito” impedir, restringir ou falsear de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional. Assim sendo, existe uma distinção clara no direito da concorrência, entre uma “restrição por objecto ou objectivo” e uma “restrição por efeito”, o que tem várias implicações, mormente ao nível da prova. Apelando novamente ao acórdão que é identificado pela Recorrente (acórdão do TJ - Quarta Secção, de 30 de Janeiro de 2020, processo C‑307/18, processo Paroxetina, ECLI:EU:C:2020:52), assim, no que se refere às práticas qualificadas de «restrições por objetivo», não é necessário investigar, nem a fortiori demonstrar, os seus efeitos sobre a concorrência para as qualificar como «restrições da concorrência», na acepção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a experiência revela que esses comportamentos envolvem reduções de produção e subidas de preços, levando a uma má repartição dos recursos, particularmente em detrimento dos consumidores (Acórdão de 19 de Março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 115, e jurisprudência referida).(ponto 64) No que diz respeito a essas práticas, apenas é necessário demonstrar que estas são efectivamente abrangidas pela qualificação de «restrição por objectivo», não sendo, contudo, suficientes para o efeito meras alegações não fundamentadas. (ponto 65) Em contrapartida, quando o objectivo anticoncorrencial de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada não esteja demonstrado, há que analisar os seus efeitos para provar que a concorrência foi, de facto, impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v., nesse sentido, Acórdão de 26 de Novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 17). (ponto 66) Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «restrição por objectivo» deve ser interpretado de forma restritiva e só pode ser aplicado a determinadas práticas colusórias entre empresas que revelem, por si só e atendendo ao teor das suas disposições, aos objectivos por elas visados, bem como ao contexto económico e jurídico em que se inserem, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos, uma vez que determinadas formas de prática concertada podem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (Acórdãos de 26 de Novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 20, e de 23 de Janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.ºs 78 e 79). (ponto 67). No âmbito da apreciação do referido contexto, há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afectados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdão de 11 de Setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53 e jurisprudência referida). (ponto 68). (…) Não se discute que a jurisprudência comunitária mais recente, como é o caso do citado acórdão, tem vindo a adoptar uma abordagem mais económica no que toca à aplicação das normas da concorrência, em detrimento de uma apreciação mais formal perante situações de colusão empresarial, com identificação dos danos e assim justificando a sua proibição. Porém, esta ponderação tem sido entendida como mais adequada àquelas práticas cuja nocividade para a concorrência não surge de forma tão evidente e por isso o acórdão refere que para abranger determinada prática na qualificação de «restrição por objetivo», não são suficientes meras alegações não fundamentadas. Ao passo que relativamente às práticas mais graves manifestadas no n.º 1 do artigo 9.º do RJC e no artigo 101.º do TFUE, embora assente nos danos para o mercado, esses danos são presumidos, com base naquelas regras, dispensando-se e sua prova. Embora não exista um catálogo sistematizado deste tipo de infracções mais grave, a análise quer das Comunicações da Comissão, quer dos Regulamentos de isenção aplicáveis, possibilita a extracção de um “núcleo duro” de acordos restritivos, nas palavras de João Alexandre Pateira Ferreira ([63]). Na verdade, das Orientações relativas à aplicação do artigo 101.º, n.º 3, n.º 23 e dos regulamentos de isenção por categoria fornecem orientações sobre as restrições por objectivo. Assim, quanto aos acordos horizontais, as restrições da concorrência por objectivo integram a fixação dos preços, a limitação da produção e a partilha de mercados e clientes. No que toca aos acordos verticais, a categoria de restrições por objectivo inclui, nomeadamente, as que provêm da imposição de preços fixos e mínimos de revenda e as restrições que conferem protecção territorial absoluta, incluindo restrições em matéria de vendas passivas. Ora, este tipo de condutas em causa nestes autos (fixação de preços e a repartição de mercado, apesar de estarmos a abordar apenas esta última, nesta análise, na medida em que é a que se mostra questionada pela Recorrente), surge associada a acordos cartelizados, que por sua vez são considerados acordos restritivos hard core do direito jus concorrencial, remetendo-os à restrição por objecto. Ainda assim, ainda que se procedesse a uma análise perfunctória do contexto jurídico e económico em que o acordo em causa nestes autos se insere, a conclusão não poderia variar, como a Recorrente pretende. (…) Quanto ao contexto económico, o facto de ter sido celebrado entre a Nowo e a MEO um contrato MVNO não afasta o objectivo evidente do acordo que é restringir a concorrência. Na verdade, como já analisámos acima, todas as hipóteses avançadas contrafactualmente pela Recorrente não são normativamente atendíveis. O acordo MVNO não retira a autonomia de cada concorrente no mercado, devendo cada concorrente adoptar, de forma livre e unilateral, a sua estratégia comercial, que passa não apenas por poder fixar preços de venda como também decidir sobre a sua área de actuação. No vertente caso, conforme também já avançamos anteriormente, não se está perante um normal contrato de MVNO, em que possa ser considerado que existe qualquer tipo de complementaridade de negócio entre o MVO e o MVNO. O contrato não foi celebrado pela MEO tendo por critério uma estratégia comercial, numa lógica de rentabilização do seu negócio, conforme já analisámos e nos dispensamos de repetir. Por sua vez, qualquer tipo de consideração assente nos pressupostos normais de um contrato MVNO não se pode considerar correcta, na medida em que é evidente que, quando foi celebrado o contrato MVNO, os interesses da MEO e da NOWO não estavam absolutamente “alinhados”, a oferta M4A da NOWO não era “complementar” à da MEO e não era um contrato com uma lógica subjacente “win-win”. Tanto assim não era que se mostra provado que a MEO evidenciava receio relativamente ao impacto no mercado das ofertas de serviços móveis da NOWO, em especial caso esta empresa viesse a disponibilizar serviços móveis a consumidores residentes fora do seu footprint, receios esses relacionados com (i) os efeitos directos que essa oferta poderia gerar na MEO, e (ii) as implicações indirectas decorrentes dessa oferta, nomeadamente na interacção concorrencial com os restantes operadores, dado o seu elevado risco de criar uma guerra de preços. Se existia esse receio quanto a uma guerra de preços, por força da expansão a nível nacional das ofertas da Nowo, significa que a MEO percepcionava aquelas ofertas como baixas, em relação às ofertas praticadas no mercado. Assim sendo, o negócio sob análise apenas foi realizado com o objectivo de regular preços e partilhar mercados e esferas de influência das empresas. (…) Se analisarmos, numa perspectiva de nocividade para a concorrência, consideramos que o acordo apresenta em si mesmo um elevado grau de nocividade, que torna desnecessária a análise dos efeitos da infracção, danos esses que para além de serem presumidos atentas as regras de experiência e de observação empírica que vêm sendo estudadas no âmbito do direito da concorrência, resultam dos próprios factos provados. Na verdade, para além dos preços da Nowo terem subido em Março de 2018 (situação que não pode ser desagregada, nesta análise, da situação da repartição de mercado), verifica-se que a Nowo deixou de lançar ofertas standalone no mercado nacional, apenas se limitando a lança-las também em Março de 2018 no seu footprint, o que implica uma “repartição ou de exclusão do mercado, pelo que contêm a nocividade comprovada dos acordos de repartição ou de exclusão do mercado para a concorrência e devem ser qualificados como «restrição por objetivo»” – vide o próprio acórdão citado pela Recorrente acima identificado. Voltamos a frisar que, no caso concreto e pelos motivos já elencados, a existência de um contrato MVNO entre as partes não implica que o acordo restritivo deixe de ser considerado um acordo de repartição ou de exclusão do mercado para a concorrência, já que obviamente o mesmo foi celebrado com o fito de que as partes deixassem de concorrer com base no mérito, sendo uma evidente restrição cujo objecto reveste um carácter anticoncorrencial. O acordo de 03.01.2018, merece, desta forma, a qualificação de “restrição por objectivo” já que, independentemente do compromisso da MEO em vir alterar as cláusulas do contrato MVNO, a MEO (e também a Nowo) apenas celebrou aquele acordo por força do seu interesse comercial em não concorrer com base no mérito.» É, para nós, lapidar e cristalina a fundamentação da sentença relativamente à natureza do acordo colusório em causa nos autos como sendo restritivo por objecto, sufragando-se o entendimento adoptado pelo tribunal a quo. Importa, para o efeito, analisar o ilícito contraordenacional em causa. Dispõe o corpo do art. 9º/1 do RJC que: "São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional (...)". Tal preceito converge substancialmente com o teor do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, que estabelece: "São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (...)". O bem jurídico protegido por estas disposições é a concorrência. O princípio da concorrência constitui um dos objectivos prosseguidos pela União Económica e Monetária, incluindo a construção do mercado interno. No âmbito do direito nacional, a defesa da concorrência é uma incumbência constitucional do Estado Português, enquanto corolário da iniciativa económica privada e liberdade de empresa (art.º 61º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), a que acresce uma dimensão associada à tutela do direito de propriedade privada (art.º 62º) e aos direitos económicos dos consumidores (art.º 60º). Compete, pois, ao Estado “assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral” (art.º 81º alínea e) da CRP). O nº 1 do citado art.º 9º do RJC descreve um conjunto de comportamentos, traduzidos em acordos e práticas concertadas de empresas e decisões de associações de empresas, que têm por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do território nacional, procedendo o nº 2 do mesmo preceito a uma enumeração meramente exemplificativa de condutas típicas. Extrai-se do uso da conjunção «ou» constante do texto da norma o carácter alternativo da condição aí prevista, ou seja, um acordo deve ter por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. Por outra banda, tem sido entendido que a referida disposição normativa delimita tipos de mera actividade e de perigo e tipos de resultado e de dano, consoante as acções típicas tiverem por objecto a restrição da concorrência ou provocarem esse mesmo efeito sobre a concorrência (cf. Lei da Concorrência Anotada, Coord. Carlos Botelho Moniz, Almedina, 2016, pág. 85). A norma em análise encerra, pois, dois conceitos distintos de infracção ou restrição da concorrência: por objecto e por efeito. Atenta a motivação recursória, importa dilucidar tais conceitos. A diferença entre infracção/restrição por objecto ou por efeito reside, no essencial, na própria natureza e objectivo da conduta; provando-se o objectivo anticoncorrencial, não há que verificar os seus efeitos na concorrência. No fundo, está presente a ideia de que certas infracções da concorrência são evidentes a «olho nu». Quer dizer, há certo tipo de práticas restritivas concorrenciais que a experiência demonstra terem uma elevada probabilidade de prejudicarem a eficiência económica e os consumidores, tornando desnecessária a prova dos efeitos concorrenciais, bastando para o efeito a possibilidade de terem algum impacto no mercado. Consequentemente, é diverso o grau de prova exigido, sendo mais elevado no caso das restrições por efeito. Como ensina a Profª Sofia Oliveira Pais (cf. parecer junto ao P. nº 322/17.8YUSTR.L1 desta Secção PICRS), a dicotomia entre restrição por objecto e restrição por efeito prende-se com as diferentes funções que cada uma desempenha. “A restrição por objecto procura indagar se o objectivo do acordo, a sua razão de ser, a sua intenção objectivamente determinada é restringir a concorrência. Ao passo que a restrição por efeito procura averiguar se o acordo de facto restringe a concorrência de forma actual ou potencial. No primeiro caso, as autoridades da concorrência não precisam de demonstrar os efeitos anticoncorrenciais prováveis no mercado, pois presume-se que cláusulas restritivas que possuem um grau de nocividade suficiente em relação à concorrência produzem efeitos anticoncorrenciais. Já no segundo caso, não é necessário provar o objectivo anticoncorrencial. Não há uma categoria fechada de restrições por objecto, cuja aplicação pressuponha uma investigação meramente formal do acordo. As autoridades concorrenciais terão sempre que proceder a uma análise do acordo no seu contexto económico-jurídico”. Destarte, essencial é que dessa análise se possa concluir que as cláusulas revelam «um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência», presumindo-se, então, a ocorrência de efeitos anticoncorrenciais no mercado. Por outras palavras, importa provar-se que o acordo é susceptível de produzir efeitos negativos sobre a concorrência, isto é, que o mesmo é em concreto apto, tendo em conta o contexto jurídico e económico em que se insere, para restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. No mesmo sentido, pronuncia-se José Luís da Cruz Vilaça (em parecer junto ao P. 71/18.3YUSTR-M.L1 desta secção, cujo acórdão foi relatado pela ora relatora) ao afirmar que “Em suma, o artigo 101.º n.º 1 TFUE pode ser interpretado como contendo uma presunção legal implícita nos termos da qual determinadas categorias de acordos, tendo em conta os objetivos que prosseguem, comportam, em geral, um efeito restritivo da concorrência. Essa presunção não dispensa, pois, a adequada análise do objetivo concreto do acordo, que é indispensável à operabilidade de tal presunção. Nestas condições, a noção de restrição por objeto não implica qualquer tipo de presunção de ilegalidade.” O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem identificado como casos de acordos anticoncorrenciais pelo objecto, entre muitos outros, a fixação horizontal dos preços por cartéis, como sucedeu no acórdão proferido no caso Cartes Bancaires, de 2014, em que o TJUE veio enfatizar que a qualificação de uma prática como restritiva por objectivo por apresentar um grau suficiente de nocividade reflecte o grau de gravidade da restrição e as regras de experiência relevantes (vide Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência, AAFDL Editora, 2020 reimpressão, pág. 528). Transpondo tais considerações para o caso vertente, é incontornável que, como se entendeu na sentença, o acordo firmado entre a MEO e a NOWO (cf. v.g. factos 122 a 126) constitui um acordo horizontal de fixação de preços e repartição de mercado, tipicamente restritivo da concorrência por objecto. Diversamente do que esgrime a MEO e tal como defende a AdC, a decisão da visada de celebrar o contrato MVNO não foi “voluntária”, no sentido em que não foi adoptada com finalidades puramente comerciais, tendentes ao lucro, fora de constrangimentos externos, depois de ponderadas as vantagens e desvantagens. Em resultado do contexto específico do caso concreto, a MEO acabou por celebrar um contrato MVNO com um operador de mercado que não se assumia como um MVNO que, pelo menos em alguns aspetos da sua estratégia comercial, tivesse as características descritas pela MEO: os interesses da MEO e da NOWO não estavam absolutamente “alinhados”, a oferta M4A da NOWO não era “complementar” à da MEO, e existiam zonas de sobreposição entre as ofertas dos dois operadores. O que resulta dos factos é que, antes da celebração do acordo restritivo com a MEO, a NOWO não queria limitar a sua oferta móvel ao seu footprint, mas sim abranger todo o território nacional, sendo certo que a oferta M4A não era uma oferta “complementar” à da MEO, existindo zonas de sobreposição entre as ofertas dos dois operadores. Por outra banda, como também foi afirmado pelo tribunal a quo, tal acordo terá produzido efeitos, na medida em que se mostra provado que a Nowo alterou as suas condições comerciais em conformidade com o que havia sido acordado com a MEO, aumentando os preços em Março de 2018 e restringindo a oferta móvel standalone ao seu footprint. Contudo, diversamente do que sustenta a recorrente, tal não autoriza que seja adoptada uma interpretação restritiva do conceito de infracção por objecto, por via do contexto jurídico e económico que circunstanciou o acordo. Importa sublinhar que o tribunal de 1ª instância não deixou de se pronunciar sobre esse contexto económico, considerando que o facto de ter sido celebrado entre a Nowo e a MEO um contrato MVNO (contrato de prestação de serviços móveis grossistas) não afasta o objectivo evidente do acordo (colusório) que é restringir a concorrência, afirmando que «O acordo MVNO não retira a autonomia de cada concorrente no mercado, devendo cada concorrente adoptar, de forma livre e unilateral, a sua estratégia comercial, que passa não apenas por poder fixar preços de venda como também decidir sobre a sua área de actuação (…). Não se está perante um normal contrato de MVNO, em que possa ser considerado que existe qualquer tipo de complementaridade de negócio entre o MVO e o MVNO. O contrato não foi celebrado pela MEO tendo por critério uma estratégia comercial, numa lógica de rentabilização do seu negócio (…). Quando foi celebrado o contrato MVNO, os interesses da MEO e da NOWO não estavam absolutamente “alinhados”, a oferta M4A da NOWO não era “complementar” à da MEO e não era um contrato com uma lógica subjacente “win-win”. Assim sendo, o negócio sob análise apenas foi realizado com o objectivo de regular preços e partilhar mercados e esferas de influência das empresas.» Concluindo aquele tribunal que o acordo sob análise apenas foi realizado com o objectivo de regular preços e partilhar mercados e esferas de influência das empresas. Quer dizer, pese embora tenha qualificado o acordo como uma restrição da concorrência por objecto, que dispensaria considerar os respectivos efeitos, ainda assim o tribunal atentou no contexto económico-jurídico em que o mesmo se inseriu. Acresce que o acordo foi analisado numa perspectiva de nocividade para a concorrência, como apresentando um elevado grau de nocividade, que torna desnecessária a análise dos efeitos da infracção, como reiteradamente tem decidido o TJUE (vide, por todos, o acórdão proferido em 2/4/2020 no caso Budapest Bank, Processo C-228/18). Por outro lado, a sentença considerou, e bem, que o acordo não teve efeitos pró-concorrenciais, referindo que “não é certo que, perante um contrato MVNO sem qualquer tipo de restrição geográfica associada, limitar a actuação geográfica do MVNO (a Nowo, neste caso), possa trazer efeitos pro-concorrenciais, quando esse MVNO pretendia precisamente lançar-se a nível nacional e operar com preços mais agressivos nesse mercado nacional.” Neste conspecto, salienta ainda o tribunal a quo que “Esses efeitos pró concorrenciais, admitindo que são comprovados, relevantes e específicos do acordo em causa, devem ser suficientemente significativos, de modo a suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo de resolução amigável em causa e, por conseguinte, do seu objetivo anticoncorrencial.” – vide acórdão do TJ - Quarta Secção, de 30 de Janeiro de 2020, processo C‑307/18, processo Paroxetina, ECLI:EU:C:2020:52” Flui de todo o exposto que bem andou o tribunal a quo ao qualificar como anticoncorrencial por objecto o referido acordo de fixação de preços e repartição de mercados, não se verificando os propalados erro notório e erro de direito. Improcedem, pois, as conclusões 240 a 253. * 4.7 Sensibilidade da restrição e regra de minimis (conclusões 254 a 257) Argumenta a Meo que mesmo admitindo que está em causa uma restrição por objecto, sempre teria de se verificar se a mesma consubstancia uma restrição sensível da concorrência, o que, segundo a visada, não pode ser determinado de forma automática e abstracta, sem a ponderação dos elementos concretos do contexto económico em que o alegado acordo foi celebrado. Acrescenta que deveria ter sido ponderado: a pressão concorrencial exercida por um MVNO, como a NOWO; a dimensão de mercado da NOWO; que a efetiva concorrência no mercado dá-se entre a MEO, NOS e Vodafone. Neste segmento do recurso, a recorrente convoca a regra de minimis. Como é explanado na resposta do Ministério Público, “por via da Comunicação de minimis, a Comissão pretende quantificar, recorrendo a limiares de quotas de mercado, o que não constitui uma restrição sensível da concorrência, no sentido do artigo 101.º TFUE. De acordo com o ponto 7, a Comissão considera que «os acordos entre empresas que afectam o comércio entre os Estados-Membros não restringem sensivelmente a concorrência na acepção do n.º 1 do artigo 81.º [101º TFUE] quando: a) A quota de mercado agregada das partes no acordo não ultrapassar 10 % em qualquer dos mercados relevantes afectados pelo acordo, quando este for concluído entre empresas que sejam concorrentes efectivos ou potenciais em qualquer desses mercados (acordos entre concorrentes)». Como resulta do acórdão Expedia proferido pelo TJUE em 13/12/2012 (Processo C‑226/11), esta Comunicação apenas produz efeitos de auto-vinculação da Comissão e de sujeição da mesma aos princípios da igualdade de tratamento e da confiança legítima, podendo as autoridades e tribunais nacionais utilizar os limiares de quota de mercado constantes da Comunicação como um indício, entre outros, para aferir da sensibilidade de uma restrição no respectivo contexto (Miguel Moura e Silva, ob. cit. pág. 539). Ao abrigo da regra de minimis, mesmo acordos entre empresas de pequena importância podem ser considerados sujeitos à proibição do art.º 101º do TFUE devido à natureza grave das restrições da concorrência em causa (aferida em função do seu objecto e não do seu efeito). No caso dos autos, pode ler-se na sentença (linhas 7688 a 7757), a este respeito, que: “O facto de estarmos perante uma infracção por objecto tem consequência também no que tange ao apuramento do mercado relevante e na aplicação da regra de minimis. Ora, conforme já acima explanámos, nem todos os acordos de empresas distorcem a concorrência a ponto de a restringir sensivelmente, ou seja, a ponto de causar um impacto significativo na economia nacional (ou comunitária) que justifique uma intervenção das autoridades competentes. Normalmente esse impacto é aferido através da determinação do mercado relevante, bem como da quota de mercado de cada um dos intervenientes stand-alone e da quota conjunta de mercado de todos os intervenientes, a qual poderá nem sequer corresponder à soma das quotas de mercado stand-alone, já que os intervenientes stand-alone podem ganhar quota de mercado através da prática restritiva. O conceito de mercado relevante tem, no âmbito jus concorrencial, uma dupla dimensão: a dimensão material (ou o mercado relevante do produto ou serviço) e a dimensão geográfica (ou o mercado geográfico relevante), como já explicámos. Porém, pelo facto de estarmos perante uma restrição da concorrência através da fixação de preços e da partilha dos mercados ou dos clientes, consubstanciando uma infracção por objecto, considerada como um dos exemplos de restrição grave da concorrência, por objecto directo, apontados pela Comissão Europeia nas Orientações sobre a aplicação do artigo 81.º do Tratado CE [artigo 101.º do TFUE] aos acordos de cooperação horizontal (ponto 18), tal implica, por si só, que estejamos perante uma prática restritiva que apresenta um carácter sensível na afectação da concorrência no mercado em causa. (…) Neste conspecto, para além da gravidade das restrições em causa, qualificadas pela jurisprudência como restrições com um objecto anticoncorrencial, em virtude das mesmas deturparem de forma artificial duas das variantes que estão no cerne do processo concorrencial (preços e cobertura geográfica da oferta), o carácter sensível da restrição em causa, resulta também evidente da dimensão geográfica dos mercados relevantes, da posição no mercado das empresas, da estrutura concorrencial do mercado, e da avaliação das restrições tendo em conta todos estes factores. Tal como provado, o mercado retalhista de serviços de comunicações móveis standalone é bastante concentrado, tendo os três principais operadores uma quota de mercado agregada de 97,4% (a MEO tem uma quota de mercado de 42,1%, a Vodafone tem 30,3% e a NOS tem 25%). Assim, a introdução de um novo concorrente no mercado, através da celebração de um contrato MVNO, permitindo-o oferecer serviços de comunicações móveis no território nacional, implicaria um maior grau de concorrência no mercado. (…) Assim, dos factos provados decorre o carácter sensível da restrição concorrencial que resultou do acordo em análise, nos termos do qual a NOWO ficou impedida de lançar uma oferta standalone nacional e, mesmo nas zonas do seu footprint, comprometeu-se a lançar essa oferta em condições menos competitivas. Alegações genéricas feitas pela Recorrente no sentido de que um MVNO tem vocação de nicho e pouca capacidade para concorrer pelo preço, são considerações que não têm em conta os factos provados, não se coadunando com a realidade extraída dos mesmos. Para além disso, a fraca capacidade para concorrer pelo preço e a vocação de nicho não impede ainda assim que o MVNO possa pretender, de acordo com uma estratégia concorrencial baseada no mérito (seja ele muito ou pouco), concorrer precisamente pelo preço e/ou fora do seu nicho. São decisões estratégicas que cabem a cada empresa decidir de forma autónoma, sendo certo que as regras da concorrência visam que, ao concorrerem entre si, com base do mérito, as empresas se tornem mais competitivas, inovadoras e eficientes, o que faz crescer a economia e o bem-estar da sociedade. Por tudo o que vem exposto, não subsistem quaisquer dúvidas acerca da sensibilidade da restrição da concorrência verificada.» Mostra-se, assim, devidamente fundamentado pelo tribunal recorrido o carácter sensível da restrição concorrencial, não colhendo o argumentário da recorrente visando pôr em crise o afirmado na sentença. Acompanhamos o Ministério Público ao afirmar, na sua resposta a este ponto do recurso, que, “mesmo seguindo esta Comunicação [Comunicação de minimis], a mesma não seria de aplicar ao caso por duas razões: Em primeiro lugar, os factos provados revelam que no ano considerado para aferir a quota de mercado – 2019 -, a quota de mercado agregada da MEO e da NOWO excedia largamente 10% (v. facto provado 86). Em segundo lugar, porque o acordo colusório provado nos autos é expressamente excluído pelo ponto 11. da Comunicação «Os pontos 7, 8 e 9 não são aplicáveis aos acordos que contenham quaisquer das seguintes restrições graves: Relativamente a acordos entre empresas concorrentes, tais como definidos no ponto 7, restrições que, directa ou indirectamente, isoladamente ou em combinação com outros factores que sejam controlados pelas partes, tenham por objecto: a) A fixação de preços de venda de produtos a terceiros; b) A limitação da produção ou das vendas; c) A repartição de mercados ou de clientes”. Carece, pois, de fundamento a pretensão da visada neste ponto do recurso, improcedendo as conclusões 254 a 257. * 4.8 Duração da infracção (conclusão 258) Defende a MEO que a sentença recorrida estabelece o período da infracção entre 03.01.2018 e a data da realização das diligências de busca e apreensão, inexistindo prova de que a infracção teve início naquela data. Mais uma vez, se pretende atacar o acervo factual fixado pelo tribunal recorrido (nesta parte estão em causa os factos 122, 123 e 142), quando este tribunal ad quem apenas conhece da matéria de direito (art.º 75º/1 do RGCO), sem prejuízo do conhecimento dos vícios a que alude o art. 410º/2 do CPP, vícios que neste segmento do recurso não foram invocados. De todo o modo, refira-se que a sentença justificou cabalmente os motivos pelos quais fixou o início da infracção naquela data (3/1/2018), como resulta do motivação da decisão de facto (cf. v.g. linhas 4535 a 4538; 4554 a 4557; 4610; 4626; 4836 a 4840). Mostram-se despiciendas outras considerações para se concluir pela improcedência do recurso nesta parte. * 4.9 Ausência de justificação do acordo (conclusões 259 a 266) Entende a Meo que uma vez que a decisão não fizera uma análise de efeitos que a recorrente pudesse refutar, não tinha qualquer referência para justificar uma isenção por eventuais eficiências, proporcionalidade das restrições e não eliminação da concorrência, acrescentando que a refutação da existência de efeitos restritivos ou a arguição de efeitos pró-competitivos apenas seria exigível caso a Autoridade tivesse alegado que a conduta afecta de forma sensível os parâmetros da concorrência. Argui, a este propósito, a «eventual omissão de pronúncia», alegando que a sentença se limitou a uma breve análise à luz dos artigos 10º do RJC e 101º/3 do TFUE, quando se impunha uma análise desta ambivalência a nível dos preceitos mencionados. Tal como a própria visada reconhece, o tribunal a quo tratou a questão, conforme resulta do afirmado nas linhas 8094 a 8239 da sentença (cujo título é justamente «Da (in)justificação da decisão», o que só por si afasta o «eventual vício de omissão de pronúncia». Acresce que o alegado pela visada relativamente à justificação da conduta por ser ambivalente e não suficientemente nociva, mais não é do que um argumento, que não se confunde com a questão em apreço, que foi suficiente e adequadamente tratada na sentença. Por conseguinte, carece de fundamento a alegada “eventual omissão de pronúncia, que nesta sede, a recorrente invocou. No mais, relativamente à alegada (pelo MEO) natureza pró-concorrencial do acordo em causa, refutada na sentença, importa sublinhar, como fez o tribunal a quo (cf. linhas 8177/8178 e 8233 a 8239), que é sobre a empresa que pretende beneficiar da isenção que incumbe o ónus da prova quanto ao preenchimento cumulativo dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 10.º do RJC e n.º 3 do artigo 101.º do TFUE, requisitos estes indicados nas linhas 8157 a 8161 da sentença: “a) O acordo deve contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico; b) Deve ser reservada aos consumidores uma parte equitativa do lucro resultante; c) As restrições devem ser indispensáveis à consecução desses objectivos e, por último; d) O acordo não deve dar às partes a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.”. Acompanhamos a conclusão do tribunal a quo (cf. linhas 8233 a 8239 da sentença): “Neste conspecto, a Recorrente não cumpriu com o ónus que lhe competia, não estando demonstrado qualquer tipo de geração de benefício económico com a conduta, qualquer tipo de benefício para os consumidores, nem sequer estando satisfeita a condição relativa à indispensabilidade da mesma conduta, pelo que temos de concluir que não se mostram reunidas as cumulativas condições a que alude o artigo 10.º, n.º 1 e 2 do RJC e do n.º 3 do artigo 101.º do TJUE, não podendo ser considerado justificado o acordo entre empresas, tendo de ser desatendida a pretensão da Recorrente nesse sentido. Não existe, pois, fundamento para atender à pretensão da visada neste ponto do recurso, que improcede. * 4.10 Tipo subjectivo (conclusões 267 a 275) Insurgindo-se contra o facto provado nº 144 e partindo do pressuposto de que houve erro notório na apreciação da prova e ainda ponderação incorrecta das regras de experiência comum, a MEO defende que o elemento subjetivo não se encontra preenchido, afastando, por um lado, o dolo e, por outro, a consciência da ilicitude. É patente, de novo, o inconformismo da visada quanto à matéria de facto, concretamente em relação ao facto provado nº 144, referindo que “Não poderá considerar-se demonstrada qualquer atuação dolosa da MEO na prática do ilícito pela qual foi condenada. A decisão de dar como provado o facto provado n.º 144 não pode manter-se, devendo ser revogada, assim se afastando a imputação à MEO, a título doloso, do ilícito contraordenacional (cf. conclusões 266 e 267). O erro notório na apreciação da prova (testemunhal) foi invocado pela recorrente nas conclusões 130 a 135, reportando-se a conclusão 133 especificamente à alegada falta de consciência da ilicitude. Tal erro não foi constatado por este tribunal, o que determinou a improcedência daquele segmento do recurso. O dolo e consciência da ilicitude do comportamento da visada que resulta do mencionado facto provado nº 144 assentou em prova documental, corroborada pelos depoimentos indicados na motivação de facto, e designadamente as declarações do legal representante da MEO em audiência de julgamento. Nesta sede, a recorrente invoca a «errada fundamentação de direito», mas continua, erradamente, a trazer à colacção vícios de apreciação da matéria de facto, que não ocorrem. Em face ao exposto, não sendo a matéria de facto sindicável pela 2ª instância e não podendo ser assacado à sentença qualquer erro de direito, improcede necessariamente o recurso nesta parte. * 4.11 Escolha e determinação das sanções (conclusões 276 a 329) Por fim, pretende a recorrente a revogação da decisão recorrida e a remessa do processo à AdC a fim de ser proferida nova decisão, invocando a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º/1 a) do CPP, ou, pelo menos, a sua invalidade, de acordo com o artigo 123º/1 do CPP, ambos por remissão do artigo 41º/1 do RGCO, alegando que ali não foi censurada a decisão da AdC, que, violando o dever de fundamentação, padece de insuficiente fundamentação quanto aos factores determinantes da medida da coima, afastando-se das Linhas de orientação (LdO) definidas pela própria AdC sem explicitar as razões para tal (cf. conclusão 281). Defende, em síntese, que à luz das LdO e dado que a NOWO não estava nem está ativa no segmento não residencial, deveria esse segmento de volume de negócios ser excluído do volume de negócios relacionado com a infração, pelo que deveria ter sido considerado o volume de negócios relacionado com a infração de €427.204.829,00 (conclusão 287). Mais alega que sobre o volume de negócios efectivamente relacionado com a infração deveria a AdC ter aplicado uma percentagem em função da gravidade atribuída à conduta entre 0 e 30%. Apesar de a decisão final não referir o peso concreto atribuído à gravidade, segundo a recorrente a AdC terá considerado uma percentagem de gravidade entre 16% e 17%, tendo em conta o volume de negócios relacionado com a infração que terá servido de base (€568.667.423). Mais alega que ainda que se entenda que está em causa uma restrição da concorrência por objeto, estava vedado à AdC aplicar uma percentagem de gravidade superior a 7%, porquanto esta é que está em linha com a prática decisória da AdC anterior à decisão final. Assumindo o factor de multiplicação de 0,92, a coima a aplicar pela AdC, seguindo as suas LdO, passaria a €27.511.990,90 (conclusões 289 a 293). Sustenta ainda que a AdC violou o princípio da boa fé por se afastar das suas LdO, para além do princípio da dupla valoração, por utilizar a mesma circunstância para qualificar a conduta em causa enquanto restrição por objecto e para fundar a gravidade desta (conclusão 295). A recorrente contesta, por outro lado, a ponderação que o tribunal recorrido fez dos vários factores de determinação da coima previstos no art.º 69º do RJC, tais como a duração da infracção, o grau de participação da MEO, a situação económica da visada, a sua ausência de antecedentes contraordenacionais, a colaboração prestada à AdC até ao termo do procedimento e as exigências de prevenção (conclusão 297 a 326). Conclui que a coima aplicada é exorbitante e manifestamente injustificada, devendo ser significativamente reduzida, por ultrapassar a culpa da MEO, defendendo ainda que o tribunal recorrido incorreu em erro quanto à aplicação do art.º 69º/1 do RJC à luz do princípio da igualdade (art.º 13º e 266º/2 da CRP), por não ter censurado a decisão da AdC que não considerou os casos anteriores análogos a este, ultrapassando a prática anterior de aplicação de colimas na ordem de 4% a 7% do volume de negócios relacionado com a infracção. Finalmente, pugna a recorrente pela revogação da sanção acessória, considerando que não é fundamentada, referindo que parece resultar de um exercício automático. A AdC pugna pela improcedência deste segmento do recurso, enquanto que o Ministério Público oferece o merecimento dos autos, sustentando que a coima aplicada pelo TCRS, confirmando o decidido pela AdC, se pecou foi por defeito e não por excesso. Vejamos. Mais uma vez, a coberto de um erro de julgamento de direito a recorrente acaba por invocar a nulidade da decisão recorrida. Não lhe assiste razão, desde logo, porque da enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença (art.º 379º/1 do CPP), resulta que não se inclui entre essas nulidades o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (acórdão do STJ de 10/03/10 proferido no P. nº 1353/07.5PTLSB.S1, mencionado no CPP Comentado, ob. cit., pág. 1161). Pese embora impute à sentença recorrida (e à decisão da AdC) insuficiente fundamentação, a recorrente reconhece que ali foram elencados os factores de determinação da coima, criticando a respectiva valoração. Sublinhe-se que a decisão recorrida é a sentença proferida pelo TCRS e não a decisão administrativa da AdC. Como flui do texto da sentença, no doseamento da coima foram percorridas as diferentes etapas necessárias para se alcançar a medida da coima concreta, como a seguir veremos. Começa a recorrente por se insurgir contra a parca fundamentação constante da decisão da AdC ao não ter seguido a metodologia precisa definida nas suas LdO, não se referindo à percentagem da gravidade aplicada, ao factor de multiplicação em função da duração e omitindo se foi aplicada alguma percentagem de redução em função de factores atenuantes (cf. conclusão 280). É certo que a AdC não indicou o impacto na ponderação da coima de cada um dos factores que considerou para a determinação da sua medida e que aquela autoridade tem o dever de adoptar linhas de orientação, contendo a metodologia a utilizar para aplicação da coima, de acordo com os critérios definidos no RJC (art.º 69º/1 e 8). E é sabido que essas linhas de orientação já foram determinadas pela AdC. Porém, entendemos, na esteira do defendido pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso e como afirmado na sentença, que tais linhas de orientação não vinculam o tribunal recorrido, tal como, aliás, sucede com as linhas de orientação da Comissão Europeia, que sendo um critério atendível, não vinculam as instâncias judiciais da União Europeia. A este propósito pode ler-se na sentença que: «Assim e à semelhança das Orientações sobre a mesma matéria emitidas pela Comissão Europeia, em 20 de Dezembro de 2012, a AdC emitiu as Linhas de Orientação sobre a Metodologia a utilizar na aplicação de coimas no âmbito do artigo 69.º, n.º 8 da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio. É pacifico em sede da jurisprudência que as orientações da Comissão Europeia são um critério atendível na determinação das coimas, na medida em que, sendo objectivas e transparentes, permitem ao tribunal exercer controlo sobre a proporcionalidade ínsita na coima concreta definida. A AdC, seguindo estas linhas, embora não tenha referido o multiplicador associado à pretensa duração do acordo, o certo é que indicou que atentou, para esse efeito, ao período em que durou a infracção, identificando-o e assinalou os critérios normativos a que atentou, justificando-os. Consideramos que para esse efeito não se mostra necessário que indique os concretos cálculos aritméticos que efectuou, com identificação das percentagens concretas que atribuiu ao factor relevante em causa ou a quaisquer outros factores relevantes, quer em termos agravantes, quer em termos atenuantes. O apuramento da medida concreta da coima não é um cálculo aritmético, antes juridico-normativo, apesar de poder ser auxiliado por critérios daquela natureza.» (cf. linhas 8599 a 8612 da sentença). Como também declarou o tribunal de 1ª instância, o que lhe compete é verificar se, perante os factos julgados provados, a coima foi calibrada de acordo com os critérios legais a que alude o art. 69º do RJC. Neste conspecto, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte: «Apesar da lei não estabelecer um limite mínimo para a coima, começando logo por determinar a fixação de um valor concreto, para alcançar esse valor concreto, as Linhas de Orientação da AdC começam por estabelecer que esta determine um montante base [ponto 16, al. i)]. Seguidamente, esse montante de base pode ser aumentado ou reduzido por efeito da verificação, no caso concreto, de circunstâncias agravantes ou atenuantes (ajustamento do montante de base). [ponto 16, al. ii)] Finalmente, o montante que resulte (ii) pode ser aumentado ou reduzido em função dos factos no seu conjunto, designadamente das vantagens de que o visado pelo processo haja beneficiado em consequência da infracção, quando as mesmas sejam identificadas, bem como de objectivos de prevenção geral e especial que se imponham em cada caso (determinação concreta da coima). [ponto 16, al. ii)] O montante de base da coima corresponde a uma percentagem do volume de negócios relacionado com a infracção, determinada em função da gravidade da mesma, multiplicada pelo número de anos da respectiva duração. (ponto 17) Para efeitos de determinação do montante de base, considera-se o volume de negócios realizado pelo visado pelo processo quanto aos bens ou serviços directa ou indirectamente relacionados com a infracção (ponto 19). Determinado o volume de negócios relacionado com a infracção, ou o volume de negócios total, nos termos dos antecedentes números 19 a 22 das presentes Linhas de Orientação, é calculada a percentagem do mesmo que corresponde ao montante de base. (ponto 23) Quando a metodologia tem por base o volume de negócios relacionado com a infracção, a Autoridade da Concorrência, seguindo as práticas da Comissão Europeia e de outras autoridades europeias, considera que a percentagem a ter em conta para este efeito é fixada entre 0% e 30%, em função da gravidade da infracção. (ponto 24).» (linhas 8619 a 8647 da sentença) Partindo de tais considerações, o tribunal a quo analisou as circunstâncias do caso do seguinte modo (transcrevendo-se os excertos mais relevantes da sentença quanto a este ponto): «Quanto à gravidade da infracção, consideramos que a contra-ordenação em causa é muito grave, até porque ela consubstancia uma daquelas infracções que são pelo legislador presumidas como produtoras de efeitos restritivos da concorrência, nem sequer sendo por isso necessário provar quaisquer efeitos, porque se entende que eles existem sempre neste tipo de práticas, englobando-se na alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012 e na alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. Na verdade, e como já várias vezes mencionámos, um acordo horizontal entre empresas, de fixação de preços e repartição de mercado é um dos exemplos de restrição muito grave da concorrência, por objecto directo, apontados pela Comissão Europeia nas várias Orientações que tem emanado, designadamente, nas Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia aos acordos de cooperação horizontal, entre outras que já foram identificadas nesta decisão. Ora, a infracção objecto do presente processo de contra-ordenação traduz-se num acordo entre empresas de fixação de preços e de delimitação de mercados, com o objecto de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência. A fixação dos preços no vertente caso implicou (pelo menos esse era o objectivo) a coarctação da liberdade da Nowo em determinar efectivamente os preços a praticar, diminuindo-os, se assim entendesse, eliminando a concorrência pelo preço dos produtos, em prejuízo dos consumidores finais que deixam de poder beneficiar de produtos a preços mais reduzidos. No mesmo sentido, a delimitação de mercados no vertente caso, implicou a ausência de ofertas de um concorrente nos mercados restringidos. A restrição daquela liberdade determina, necessariamente, uma distorção no mercado, já que influencia a lei da oferta e da procura (porque é o factor preço que se apresenta como decisivo), eliminando (ou pretendendo eliminar) a incerteza do comportamento das empresas concorrentes. Com efeito, a fixação dos preços deve resultar apenas do livre jogo do mercado, muito embora o mesmo deva respeitar as normas que a esse respeito sejam aplicáveis, as quais se propõem a regular o funcionamento do mercado e não a introduzir-lhe distorções. (…) Acresce que, no presente caso, tal como provado, o volume de negócios relacionado com a infracção, no ano de 2018, cifra-se em €568.667.423,00. Mesmo que se atente aos volumes de negócios pretendidos pela Recorrente, conclui-se dos factos provados que, se for retirado o Mercado não residencial, ainda assim aquele volume corresponde a €427.204.829,00. Em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de comunicações fixas, rondou os €229.986.710,00. Em 2019, o volume de negócios da MEO no Mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada no território nacional, a clientes residenciais, com excepção das áreas geográficas em que a Nowo dispõe de uma rede de comunicações fixas, rondou €164.614.537,00. No que se reporta à natureza e a dimensão do mercado afectado pela infracção, importa atentar que a situação é mais gravosa tendo ainda em consideração a actividade económica em causa, de serviços de comunicações móveis. Na verdade, está em causa um mercado com um relevo inestimável para o consumidor, atenta a sua abrangência numérica. (…) Acresce ainda que não poderá ser ignorado o impacto na infracção no mercado, em termos geográficos, na medida em que aquela abrangeu o território nacional de serviços de comunicações móveis, o que aumenta a seriedade concreta da infracção em apreço. Concretamente, como bem salienta a AdC, os mercados afectados pelo acordo foram o mercado retalhista de serviços de comunicações móveis standalone no território nacional, no qual o acordo privou a NOWO de expandir a sua oferta do ponto de vista geográfico (e limitou a competitividade da sua oferta comercial) e o mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes no footprint da NOWO, no qual a NOWO também limitou a competitividade da sua oferta comercial. Nestes dois mercados, a MEO e a NOWO são empresas concorrentes. Não menos despiciendo o facto das empresas conluiadas prestarem, em 2018, de modo agregado, cerca de 44% dos serviços de comunicações móveis vendidos isoladamente no território nacional e cerca de 48% dos serviços de comunicações móveis vendidos em pacote (4P/5P) no território nacional, o que evidencia o seu peso agregado no mercado nacional de comunicações móveis, o que aumenta a gravidade concreta da infracção. (…) No que tange à duração da infracção, consideramos que se trata um critério que terá de beneficiar a Recorrente, na medida em que a infracção não chegou sequer a ter a duração de um ano, cingindo-se ao período compreendido entre 03.01.2018 e 28.11.2018, ou seja, cerca de onze meses. Contudo, não menos despiciendo referir que esse terminus, em 28.11.2018, apenas ocorreu não por qualquer atitude proactiva da MEO nesse sentido, mas apenas porque a AdC iniciou as diligências de busca e apreensão. No que toca ao grau de participação da MEO na infracção, importa referir que estamos perante um acordo entre empresas, que foi, por um lado, sugerido pela Nowo e aceite pela MEO. (…) Concretizemos, então sumariamente, os termos da participação da MEO, que revelam que a mesma não se limitou a uma posição meramente passiva, perante as propostas que lhe foram apresentadas pela Nowo. Primeiro, a MEO não se recusou ou sequer repudiou as propostas que foram apresentadas pela Nowo em sede da reunião de 03.01.2018, sendo certo que nessa data já tinha aderido ao entendimento da sua accionista no sentido de que a Nowo não deveria realizar ofertas standalone móveis a nível nacional e, em troca, a MEO comprometia-se a renegociar as cláusulas do contrato MVNO. Tal conduta alinha-se com os receios que já vinha demonstrado anteriormente acerca das ofertas da Nowo, a sua possível expansão a nível nacional e as implicações que tal poderiam determinar em termos de uma possível guerra de preços no mercado em que actua. (…) Quanto a vantagens de que hajam beneficiado a MEO em consequência da infracção, consideramos que as mesmas não são numericamente contabilizáveis, o que beneficia a Recorrente. Contudo e ainda assim, não podemos deixar de acompanhar a AdC, quando afirma que, com a infracção, a MEO logrou reduzir a incerteza e riscos resultantes da política de preços da NOWO – um concorrente directo – imprimindo um nivelamento do mercado e uma transparência artificial contrárias ao bom funcionamento do mercado, que deve primar por oscilações não antecipáveis e pela indeterminação. Logrou também controlar e suprimir o lançamento de ofertas disruptivas e que poderiam ter um efeito desestabilizador na dinâmica concorrencial, com possíveis efeitos nos preços oferecidos aos consumidores – que seria o caso de uma oferta móvel standalone nacional e que, por força do acordo restritivo entre a MEO e a NOWO, não sucedeu. Logrou igualmente evitar a concorrência da NOWO, com a tipologia de oferta comercial descrita anteriormente, nas zonas fora do footprint da NOWO, onde esta última se absteve de actuar com preços que, no entender da MEO, resultaria numa guerra de preços com resultados inesperados. Logrou ainda distorcer o processo/dinâmica concorrencial, através de contactos com a NOWO e da monitorização da sua acção comercial, antecipando-a / prevendo-a e retorquindo caso não prosseguisse os termos do acordo, exigindo uma prestação de contas àquela empresa, em como estaria a circunscrever a oferta móvel standalone ao seu footprint e aos preços acordados. No que respeita ao comportamento da MEO na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência, não resulta dos factos provados que a Recorrente tenha adoptado qualquer comportamento tendente à eliminação das práticas proibidas ou à reparação dos prejuízos causados à concorrência, não merecendo qualquer reparo as asserções expendidas pela AdC a esse propósito também. Em termos de situação económica da MEO, mostra-se provado que, o EBIDTA da Recorrente, em 2019, correspondente a 821 milhões de euros ou 41% das receitas operacionais. Apesar do contexto económico e social adverso, em 2020, fruto da situação pandémica que atingiu Portugal no final do primeiro trimestre, as receitas operacionais da MEO registaram um crescimento de 3,1% face ao ano anterior, atingindo os 2.075 milhões de euros em 2020, face a 2.012 milhões de euros em 2019. No mesmo ano de 2020, o EBITDA reduziu-se 21,8% face ao ano anterior, para 642 milhões de euros e a margem EBITDA situou-se em 31,0%, menos 9,9 pontos percentuais do que a margem registada em 2019, resultado essencialmente dos impactos relacionados com um aumento dos gastos directos e outros gastos operacionais, reflexo essencialmente dos efeitos da cisão do negócio da rede de fibra óptica e da externalização dos serviços de operação e manutenção de infra-estruturas de redes de comunicações, que vieram alterar a estrutura de custos da empresa, cujos efeitos foram parcialmente compensados pelos efeitos positivos decorrentes do aumento das receitas operacionais e por uma redução dos gastos com o pessoal, beneficiando da externalização de serviços de operação e manutenção de rede e do programa voluntário de redução de pessoal concretizado em 2019. Finalmente, no ano de 2021 a Recorrente obteve receitas de cerca de 2.230 mil milhões de euros. Está em causa assim uma empresa com receitas muitíssimo acima da média, o que deverá ser considerado para efeitos de calibração da coima. (…) Não são conhecidos quaisquer antecedentes contra-ordenacionais à MEO no que toca às normas da concorrência, facto que releva a seu favor. Quanto à colaboração prestada à Autoridade da Concorrência até ao termo do procedimento, a mesma entidade administrativa esclareceu que “para efeitos da determinação da medida concreta da coima, a Autoridade considera que as visadas destinatárias da presente decisão atuaram, ao longo do inquérito e da instrução do processo, em conformidade com as normas aplicáveis, cumprindo com o dever legal de colaboração com a Autoridade que sobre elas incide”. Estando em causa o cumprimento de deveres legais de cooperação, este tipo de colaboração não constitui uma colaboração relevante para efeito de determinação da coima, considerando-se o mesmo inócuo, à míngua de outros factos atinentes ao mesmo. Quanto às exigências de prevenção, - apesar de, in casu, se ter frisado a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da Recorrente, bem assim como se tendo frisado a duração da infracção, que não foi superior a 11 meses e o facto de apenas se ter apurado como efeitos a subida de preços da Nowo em 2018 e a restrição geográfica das ofertas da Nowo como já deveras dissecado (não tendo sido apurados outros efeitos, nem o tendo de ser, como já explicámos); - o certo é que importa ter conta a gravidade da infracção que está em causa nos autos, que consiste numa infracção considerada “hard core” relativamente às regras jus concorrenciais (restrição horizontal por objecto), gravidade essa abstracta que se liga igualmente a uma gravidade concreta pelos motivos acima dissecados, não devendo ser descuradas as diligências empreendidas pela Recorrente no sentido de que o acordo se mantivesse e as necessidades de prevenção em causa; - e importa também considerar o poder económico da MEO vertido nos factos provados, mormente o facto de no ano de 2021 ter apresentado receitas no valor de cerca de 2.230 mil milhões de euros, aliada ainda a uma total ausência de sentido crítico da Recorrente em face da infracção em causa nos autos; - para além disso, é de relevo voltar a recordar o valor travão da coima aplicável que se situa em € 198.339.545,40. consideramos assim que o montante da coima fixada pela AdC não merece qualquer censura, considerando-se que o doseamento da coima não afronta os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das sanções – vide artigo 18.º, n.º 2 da CRP –, não se lhe reconhecendo a inconstitucionalidade suscitada pela Recorrente, antes se mostra adequado e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, não ultrapassando a medida da culpa da Recorrente, pelo que se considera ser de manter a coima cominada à Recorrente MEO no valor de €84.000.000,00.» - linhas 8656 a 8950 (realces e sublinhados nossos) Analisando a fundamentação da sentença quanto à dosimetria da coima, constatamos que o tribunal de 1ª instância procedeu a uma detalhada apreciação dos diversos critérios que o art.º 69º/1 do RJC elenca (a título exemplificativo) a ter em conta na determinação da medida da coima, designadamente a gravidade da conduta, a dimensão do mercado afectado (relevando para este factor o que o tribunal afirmou em sede de enquadramento jurídico quanto aos mercados relevantes), a duração da infracção, o grau de participação da visada, a sua situação económica e a ausência de antecedentes contraordenacionais por infracção às regras da concorrência. Tais critérios foram ponderados sem deixar de atender às LdO da AdC e ao limite máximo imposto pela norma travão que constitui o nº 2 do citado art.º 69º do RJC, nos termos do qual “ (…) a coima determinada nos termos do nº 1 não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência (…)”. Por consequência, entendemos que se não podem assacar à sentença os vícios apontados pela recorrente, porquanto se mostra suficiente e devidamente fundamentada a questão que nos ocupa (dosimetria da coima), independentemente de ali – como na decisão administrativa - não se fazerem constar os concretos cálculos aritméticos que permitiram encontrar o montante da coima concreta, como, aliás, não têm de constar da sentença penal as operações matemáticas efectuadas para se obter a medida concreta da pena e muito menos no caso das decisões administrativas (cujo dever de fundamentação, reconhecidamente, assume uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal). Nesta linha, decidiu o TJUE no acórdão proferido 2/10/2003 no processo C-194/99 (pesquisado em https://curia.europa.eu), declarou que “quanto à indicação de dados quantitativos relativos ao método de cálculo das coimas, importa recordar que esses dados, por úteis e desejáveis que sejam, não são indispensáveis para se cumprir a obrigação de fundamentação de uma decisão de aplicação de coimas, sublinhando-se que, em qualquer dos casos, a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar-se do seu poder de apreciação (…)” No mesmo sentido, de que não é obrigatório fornecer todos os valores relativos ao cálculo da coima, pronuncia-se Paulo de Sousa Mendes in “Sancionamento das práticas restritivas da concorrência”, Almedina, 2022, pág. 98). Igualmente não pode ser acolhida a argumentação da recorrente de que estava vedado à AdC aplicar uma percentagem de gravidade superior a 7% em linha com a prática decisória da AdC anterior a esta decisão. Como refere o Ministério Público a este propósito (pág. 41 da resposta ao recurso), “De acordo com a gravidade da infração, aferida de acordo com a respetiva natureza - art. 69º, 1, a) da LC e 26. das LO/AdC -, este valor é calculado entre 0% e 30% (17, 24. e 26. das LO). A infração cometida pela visada conta-se como a mais grave do direito da concorrência - acordo horizontal de restrição por objeto de fixação de preços e repartição de mercados (hard core cartel), sendo por isso de classificar como muito grave.” Mais adiantando que a AdC aplicou um coeficiente de 15% (cf. segunda nota de rodapé da pág. 42 da resposta ao recurso), valor esse criticado pelo Ministério Público, segundo o qual deveria ter sido fixada a percentagem de 25%. Posto isto, é incontornável, atendendo à factualidade apurada, a gravidade da infracção cometida (acordo entre empresas de fixação de preços e repartição de mercado, com o objectivo de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência) qualificada como restrição horizontal por objecto, pelas razões sobeja e adequadamente explanadas na sentença. Os factos patenteiam igualmente o peso económico da visada MEO e o volume de negócios relacionado com a infracção, designadamente os factos 15, 16, 17, 82, 83, 86, 122 a 124, 147, 150 a 152 (sendo o volume de negócios total da MEO em 2019 de € 1 983 395 454,00; o volume de negócios relacionado com a infracção no ano de 2018 cifra-se em €568.667.423,00 e em 2019 em €558.508.677, incluindo clientes residenciais e não residenciais, sendo €427.204.829,00 se for retirado o mercado residencial; em 2021 a Meo obteve receitas de cerca de €2.230 mil milhões), sendo a gravidade do ilícito reforçada pelo peso agregado da MEO e da NOWO, que em 2018 representavam 44% dos serviços de comunicações electrónicas standalone e 48% dos serviços vendidos em pacote no território nacional, o que revela o impacto da infracção no mercado em termos geográficos, sendo notória a importância crescente dos serviços em causa na vida dos consumidores em geral. A situação económica da MEO, que se extrai dos factos, demonstra as receitas crescentes da visada, mesmo no contexto económico e social vivenciado com a situação pandémica que em 2020 assolou o mundo. Por outro lado, como salientou o tribunal a quo no que respeita à duração da infracção (período de 3/1/2018 a 28/11/2018), pese embora não seja superior a onze meses, o seu terminus não resultou do comportamento da Meo, mas antes da actuação da AdC ao levar a cabo as diligências de busca e apreensão. No que concerne às necessidades de prevenção, não pode olvidar-se que a escolha do montante da coima pela AdC constitui um instrumento de política da concorrência, no âmbito das atribuições legais desta autoridade, cuja actividade deve ser orientada pelo critério do interesse público de promoção e defesa da concorrência (art.º 7º do RJC), o que impõe a aplicação de coimas dissuasivas de práticas restritivas da concorrência, que, além do mais, contrariam objectivos fundamentais da União Europeia (vide acórdão do TJUE de 6/7/2000 – processo T-62/98, pesquisado em https://curia.europa.eu). Apesar da ausência de antecedentes contraordenacionais da recorrente nesta matéria, a motivação recursória apresentada nos autos evidencia a desvalorização da conduta infractora e a auto-desresponsabilização da visada, importando que a sanção a aplicar seja susceptível de promover a consciencialização, não só social e comunitária, como da própria infractora, demovendo-a da prática de novos ilícitos, assim como retraindo o surgimento de cartéis ou práticas semelhantes restritivas da concorrência por parte dos demais operadores no mercado das comunicações electrónicas, tão lesivas dos direitos dos consumidores. Não obstante as considerações antecedentes, não podemos deixar de atender aos factores que beneficiam a MEO e foram assinalados pelo tribunal a quo, designadamente a duração da infracção inferior um ano; a ausência de antecedentes contraordenacionais da MEO; a não quantificação das vantagens de que beneficiou a MEO em consequência da infracção; o limitado impacto do acordo colusório no mercado relevante atenta a dimensão geográfica do território abrangido; e a circunstância de não se terem apurado outros efeitos do ilícito para além da subida de preços da Nowo em 2018 e a restrição geográfica das ofertas da Nowo. Acresce que, como consta do facto provado 86, em termos de quotas de mercado, no final do 1ª semestre de 2019, a empresa Nowo detinha uma quota de mercado de 1,3%, ou seja, estamos perante uma empresa com muito reduzida expressão no contexto dos prestadores de serviços móveis no território nacional, dominado pelas empresas MEO, Vodafone e NOS. Sopesando todas as circunstâncias relevantes do caso, afigura-se-nos que a coima concreta adequada à culpa da visada e às necessidades de prevenção deverá situar-se abaixo daquela em que foi condenada (no montante de 84.000.000 - oitenta e quatro milhões de euros), em linha, aliás, com a dosimetria praticada sobretudo ao nível das instâncias judiciárias da União Europeia (vide, a este propósito, o seguinte artigo sobre sanções por práticas anticoncorrenciais no direito comparado: https://www.garrigues.com/en_GB/new/sanctions-anti-competitive-practices-comparative-law-experience-latin-america-european-union), julgando-se proporcional e adequada ao caso a redução do valor da coima para o montante de €70.000.000 (setenta milhões de euros). Flui do supra mencionado que os critérios de determinação da coima concreta aplicada à MEO no caso vertente respeitam as normas e princípios do Tratado de Funcionamento da União Europeia, assim como da Constituição da República Portuguesa, não resultando, pois, afrontado qualquer princípio constitucional, nomeadamente os princípios da igualdade, proporcionalidade e da boa fé. Em face do exposto, procederá o recurso nesta parte, alterando-se a sentença recorrida quanto ao montante da coima, que se fixa em €70.000.000 (setenta milhões de euros). No que concerne à sanção acessória, também não merece provimento o alegado pela recorrente quanto à falta de fundamentação com base em argumentos de gravidade e culpa específicos. Tais critérios estipulados no art.º 71º/1 do RJC encontram-se, como vimos, devida e profusamente explanados na sentença, dispensando-nos de os repetir nesta sede. Aderimos ao afirmado sobre esta questão pelo tribunal recorrido: «Assim, perante a própria natureza da infracção em causa, a sanção acessória de publicação aparece como verdadeiramente adequada e necessária. Por seu turno, importa considerar o que a Recorrente parece não considerar, com todo o respeito, que consiste no facto da decisão administrativa não se limitar a aplicar uma sanção acessória de forma automática. Com efeito, a aplicação da sanção acessória de publicidade está intrinsecamente ancorada à fundamentação prévia realizada quanto à prova do ilícito em que se sustenta a sanção principal (leia-se, coima) e prova da respectiva culpa, pelo que se considera dispensável, até, salvo melhor opinião, a realização de uma fundamentação autónoma para a aplicação da sanção acessória. “Existe, por isso, uma conexão bastante entre o ilícito praticado e a necessidade de conhecimento da prática da infracção e dos seus agentes na área em que ocorreu, para protecção dos interesses colectivos e sociais afectados pela violação, conexão essa que justifica a aplicação acrescida da pena acessória da publicitação da decisão.” – vide acórdão do TC n.º 520/2000, processo n.º 160/2000, 1ª Secção, in www.tribunalconstitucional.pt. Tendo em conta a gravidade da infracção que acima se explicitou, bem assim como o grau de culpa da Recorrente, que cometeu a infracção a título doloso, consideramos que a sanção acessória determinada pela AdC à Recorrente MEO, não merece qualquer censura, considerando-se que tal aplicação não afronta os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das sanções – vide artigo 18º, n.º 2 da CRP. Nestes termos, tendo em atenção tudo o que já se explicitou, mostra-se totalmente adequado e proporcional a sanção acessória aplicada pela AdC, como sendo a publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, de um extracto da mesma, a delimitar pela AdC, nos termos e conforme cópia que lhes será comunicada, na II Série do Diário da República e em jornal nacional de expansão nacional, a qual se mantém.» Por todo o exposto, concluímos pela procedência parcial do recurso quanto ao valor da coima e pela improcedência do recurso quanto a todas as demais questões referidas sob o título «errada fundamentação de direito pelo TCRS» (conclusões 171 e seguintes), improcedendo todos os outros erros de direito, vícios e inconstitucionalidades arguidas. * IV.5 PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL No final da motivação recursória, a recorrente requer que, ao abrigo do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no art.º 267º do TFUE, se coloquem ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões: a. Saber se num contrato light MVNO nos termos do qual um operador de rede móvel (MNO) autoriza um operador virtual (MVNO) a utilizar a sua rede para oferecer serviços móveis aos seus clientes, MNO e MVNO podem ser considerados concorrentes efetivos tendo em conta um quadro contratual em que o MVNO necessita do apoio do MNO para operacionalizar os serviços e para ativar clientes e tem a margem de autonomia na definição dos preços retalhistas condicionada pelos preços grossistas aplicados pelo MNO. b. Saber se um contrato MVNO com as características acima referidas, com efeitos ambivalentes – que permite ao MVNO, com menos de 2% de quota de mercado, prestar serviços a novos clientes e lançar ofertas convergentes fixo/móvel destinadas a preservar os clientes da sua rede fixa, limitando em contrapartida a atividade móvel do MVNO condicionando-a em termos de utilização nas regiões em que dispõe de rede fixa e em termos de preços – pode ser considerado restritivo da concorrência por objetivo ou por objeto. c. Saber se a sensibilidade da restrição da concorrência resultante de um acordo com as características acima referidas deve ser aferida em função de todas as circunstâncias relevantes, designadamente relativas às partes, ao contrato e ao mercado, mesmo na hipótese de tal acordo ou contrato ser qualificado como restrição por objeto. d. Saber se uma autoridade nacional que publica orientações relativas ao cálculo das coimas, semelhantes às publicadas pela Comissão Europeia, tem a obrigação de as seguir em benefício da transparência e da não discriminação entre visados por procedimentos de infração às regras de concorrência, e se a plena jurisdição do Tribunal de recurso na fixação das coimas está pela mesma razão limitada. Invocou, para tanto e em síntese, que: «Como referido no presente recurso, está em causa a aplicação simultânea do artigo 9º da LdC e do artigo 101º do TFUE. Este último deve ser objeto de uma interpretação uniforme na União Europeia de acordo com um procedimento que, embora definido pelo legislador nacional, observe o quadro regulamentar da União – vide o Regulamento (CE) 1/2003 – e garanta o efeito útil da referida disposição e dos procedimentos relativos à sua aplicação. A Recorrente considerou nas presentes alegações que a Sentença Recorrida se desviou do quadro de uniformidade e de conformidade exigido pelo direito da União Europeia. Os órgãos jurisdicionais nacionais são juízes de direito comum do direito da União e que o princípio do primado do direito da União Europeia e o princípio da interpretação uniforme exigem que os tribunais nacionais interpretem o direito da União sem divergências. Para o efeito, nos termos do artigo 267º do TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e do direito deles derivado. Caso dúvidas de interpretação se coloquem a um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como é o caso, esse Tribunal é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.» O Ministério Público e a AdC pugnaram pelo indeferimento do pedido de reenvio. Cumpre apreciar. Dispõe o artigo 267.º do TFUE que: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Quando uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. O Tratado consagra, assim, um instrumento de cooperação judiciária pelo qual o juiz nacional e o juiz da União Europeia são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a interpretação e aplicação uniformes do Direito da União Europeia no conjunto dos Estados Membros, em consonância com o princípio do primado do Direito da União sobre o Direito Nacional. O reenvio prejudicial é um mecanismo do Direito da União Europeia que visa garantir a interpretação e a aplicação uniformes deste direito na União, oferecendo aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros um instrumento que lhes permite submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título prejudicial, questões relativas à interpretação do direito da União ou à validade dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (cfr. Ponto 1 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais relativas à apresentação de processos prejudiciais- 2019/C 380/01).[64] Constitui pressuposto de intervenção desse instrumento que se imponha no processo a interpretação e aplicação de normas da UE e que estas sejam relevantes para o julgamento da causa. Só se justifica que o tribunal nacional submeta uma questão prejudicial ao TJUE com recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial se o direito da União for aplicável ao processo, não quando a decisão passa apenas pela interpretação das regras de direito nacional. Neste sentido, conforme entendimento perfilhado por Luísa Lourenço, “(…) ao Tribunal de Justiça compete a interpretação das normas ou, se for o caso, a apreciação da validade, não devendo estender a sua decisão à aplicação do direito ao caso concreto, função esta que está reservada ao juiz nacional; em contrapartida, a decisão do TJ é vinculativa para os tribunais nacionais, que a devem respeitar na sua posição doutrinária ou interpretativa. (…) no que toca à possibilidade de recorrer ao TJUE, o pedido de decisão prejudicial não pode, em caso algum, incidir sobre questões de direito interno, sobre as quais os órgãos nacionais detêm jurisdição exclusiva (ainda que se ponha a questão de uma norma de direito português que resulta da implementação de uma Diretiva, será sempre quanto à interpretação desta última que irá pronunciar-se o TJUE); o mesmo se aplica à validade de direito primário, uma vez que este sai da esfera de competência do TJUE”, entendimento este que se secunda. Cumulativamente só será de submeter uma questão prejudicial ao TJUE, se essa questão for necessária ao julgamento da causa. No ponto 5 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais esclarece-se que: “(…) 5. Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.º, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito.” No caso vertente, está em causa a aplicação do art.º 101º/1 a) e c) do TFUE, a par do art.º 9º do RJC (que reproduz a norma do Tratado), suscitando-se um conjunto de questões respeitantes ao preenchimento dos elementos do tipo contra-ordenacional ali previsto e imputado à visada, assim como a questão da natureza da restrição à concorrência por objecto/por efeito e demonstração ou não do grau suficiente de nocividade do acordo colusório em apreço (fixação horizontal de preços e delimitação geográfica de mercados), questões amplamente tratadas pela jurisprudência emanada do TJUE. Acresce que, as questões colocadas pela recorrente se prendem directamente com as questões que foram objecto de análise no presente acórdão e estão estreitamente relacionadas com a interpretação do art.º 101º/1 do TFUE, não se suscitando a este Tribunal dúvidas na interpretação deste ou de outros preceitos do TFUE, afigurando-se ser desnecessário para a decisão da causa colocar ao TJUE as questões prejudiciais indicadas pela Recorrente, que, aliás, acabam por ser as concretas questões que compete a este tribunal ad quem resolver e não ao TJUE. Neste sentido, vide acórdão do STJ de 19/10/2021, P. nº 4193/19.5T8LSB.S1, www.dgsi.pt: “Não se colocando nenhuma questão de interpretação de normas de direito europeu, cujo esclarecimento prévio, pelo TJUE, fosse determinante para o sentido da decisão a dar ao caso concreto, o reenvio prejudicial é desnecessário e impertinente”. Importa sublinhar que desde o Acórdão Cilfit (proferido em 6/10/1982, no processo nº 283/81) que o TJUE veio definir que a obrigação de suscitar, nos casos de reenvio obrigatório, a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada nas seguintes situações: a) quando a questão não for necessária nem pertinente para a resolução do litígio concreto; b) quando o TJ já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando existir sobre a mesma jurisprudência consolidada do TJ; c) quando o juiz nacional não tiver dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de direito europeu, por o sentido da norma em questão ser claro e evidente, ou seja, quando o tribunal nacional considere que as normas da União Europeia aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas ou são suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adoptadas (“doutrina do acto claro”, reafirmada em sucessivos acórdãos do TJ, nomeadamente no acórdão de 1/1/2015 no processo nº C-452/14). À luz desta doutrina e como resulta de tudo o que foi apreciado e decidido no presente acórdão, não se suscitam dúvidas razoáveis quanto à solução das questões nele tratadas, atinentes à interpretação e aplicação do direito da União (art.º 101º/1 do TFUE), questões relativas às praticas restritivas da concorrência (horizontais, por objecto) proibidas pelo TFUE (e pelo RJC) que têm sido reiterada e uniformemente decididas pelo TJUE (conforme jurisprudência indicada quer na sentença recorrida, quer neste acórdão). Impõe-se, por conseguinte, concluir que não se mostram verificados in casu os pressupostos previstos no art.º 267º do TFUE, carecendo de fundamento legal o pedido de reenvio prejudicial deduzido pela recorrente. Improcede, pois, este segmento do recurso. * V. DECISÃO Em face do exposto, deliberam julgar o recurso parcialmente procedente, e consequentemente, alterar a sentença recorrida quanto ao valor da coima aplicada à recorrente MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., condenando-a pela prática de uma contra-ordenação prevista nos artigos 9º/1 a) e c) do RJC e 101.º/1 a) e c) do TFUE e punida pelo art.º 69º do RJC, na coima de €70.000.000 (setenta milhões de euros), confirmando no mais a decisão recorrida. Sem custas (art.º 513º/1 do CPP). Notifique. Lisboa, 20 de Fevereiro de 2023 Ana Mónica Mendonça Pavão Luís Ferrão Carlos M. G. de Melo Marinho – vencido nos termos da declaração de voto que se segue * DECLARAÇÃO DE VOTO – VOTO DE VENCIDO No projecto que ora faz vencimento, foram analisadas as questões da eventual inadmissibilidade da apreensão, no âmbito de processos contra-ordenacionais, de mensagens de correio electrónico, independentemente de terem sido abertas ou lidas, e da dependência do acto de apreensão de despacho do juiz de instrução. Não suscitando a primeira questão particulares dificuldades e estando a decisão agora aprovada em sintonia com a abordagem técnica que se sustenta – designadamente atendendo ao que emerge dos considerandos 4, 30, 32, 34, 35 e 73 e dos art.ºs 6.º e 32.º, todos da Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.12.2018 – já quanto à segunda entende-se que a mesma deveria assumir distinta avaliação e resposta. A solução que se reputa adequada à luz do Direito constituído é a que expressámos no Recurso Penal n.º 10626/18.0T9LSB-B.L1, nos seguintes termos: Porque nos encontramos perante impugnação que tem incidência sobre matéria situada bem acima da mera manifestação de descontentamento perante intervenção do Ministério Público – já que se pede a avaliação do regime de apreensão de correspondência electrónica e a definição do seu eventual quadro específico de tutela garantística – não nos confrontamos com temática a avaliar ao nível da hierarquia daquela magistratura mas perante vero tema de aferição jurisdicional, o que convoca, também, a ponderação, em sede de recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, da problemática descrita. Efectivamente, estamos situados no âmbito do chamado «núcleo da garantia constitucional» (na feliz terminologia do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 22 de Setembro) que clama por intervenção dos Tribunais e ora justifica a ponderação que se enceta. Está em causa nos autos a apreensão, pela Autoridade da Concorrência, na sequência da prolação de despacho do Ministério Público nesse sentido, de «mensagens lidas e arquivadas em suporte digital». Tal apreensão foi alegadamente feita nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 20.º da Lei n.º 19/2012, de 08.05 (Novo Regime Jurídico da Concorrência – NRJC). Este preceito refere, genericamente, a apreensão de documentos pelo que há que averiguar se existe norma que, com maior precisão e nível de especialidade, abranja as ditas mensagens electrónicas. Essa norma consta, efectivamente, da «Lei do Cibercrime» – Lei n.º 109/2009, de 15.09 – correspondendo ao art.º 17.º desse encadeado normativo. Esse preceito, sob a epígrafe «Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante», estatui: Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal. A propósito desta problemática, vem questionado se existe distinção juridicamente relevante entre correspondência digital aberta e fechada e se apenas esta será merecedora de particular tutela legal e constitucional, cabendo aquela na mole genérica de «documentos», assim gerando a aplicação do regime abrangente da al. c) do n.º 1 do art.º 18.º e no n.º 1 do art.º 20.º do NRJC. A este respeito, importa começar por referir que a questão não tem o menor suporte na letra do mencionado artigo 17.º da Lei do Cibercrime (doravante também LC) o que logo convoca o brocardo latino «ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus». Com efeito, o legislador não fez tal distinção entre correspondência lida ou por ler. Do texto do referido artigo antes se extrai que o criador da norma quis proteger a correspondência digital em qualquer estado do processo comunicacional e até após o termo deste, fazendo englobante menção a «mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante». À luz desse diploma legal, não tem suporte qualquer tentativa de separação conceptual e classificativa. A jurisprudência posterior à aprovação desse texto normativo não podia, pois, deixar de espelhar a opção do legislador. Neste sentido, encontramos no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2012 (processo n.º 787/11.5PWPRT.P1, in http://www.dgsi.pt) ajustada referência ao câmbio de paradigma ao convocar «um olhar diferente sobre a temática» que fizesse um corte com a comum restrição da tutela da correspondência imposta pelo art.º 34.º da Constituição da República Portuguesa e pela lei, às comunicações não abertas. Aceita-se a afirmação de que, na área do correio electrónico, não se pode verdadeiramente falar em abertura de correspondência, embora se possa também tomar em consideração que os diversos programas de correio electrónico contêm mecanismos de marcação das mensagens como lidas o que corresponde à menção a um acto digital de abertura de correspondência e poderia, pois, ter influência na análise que se empreende. Esta referência não assume, porém, relevo no caso que nos ocupa já que, na verdade, o legislador nada segregou. Não podia, neste contexto, a doutrina deixar de espelhar o que, de forma clara e, logo, insofismável, emerge da lei – vd., neste sentido e por todos, o afirmado por ALBUQUERQUE, Paulo Pinto no excerto do seu Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 4.ª ed., 2011, pág. 510, invocado pela Recorrente nas suas alegações e recurso, com o seguinte teor: O artigo 17.º da Lei n.º 109/ 2009, de 15.9, não revogou o disposto no artigo 189.º sobre a intercepção de correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática. Portanto, a apreensão de correio electrónico "armazenado" ou "guardado" e de outros "registos" de comunicações e transmissão por via telemática rege-se, sem quaisquer restrições, pelo disposto no artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, conjugado com o disposto nos artigos 179.º e 252.º do CPP (acórdão do TRL, de 11.1.2011, 5412/08.9TDLSB-A.L1-5). Não se divisam, efectivamente, como bem referiu este autor, quaisquer restrições de regime. Resulta directamente daquele art.º 17.º que é do juiz o poder de autorizar ou ordenar a apreensão de correspondência electrónica. Este monopólio de intervenção legitimadora emerge devidamente esclarecido do referido aresto jurisprudencial do Tribunal Constitucional, que patenteou, com relevo para o que aqui se aprecia (ainda que em sede de fiscalização preventiva da alteração proposta para o referido art.º 17.º pelo Decreto n.º 167/XIV da Assembleia da República): Nestes termos, considerando todos os argumentos até agora aduzidos, não se duvida de que os interesses prosseguidos pela investigação criminal constituem razões legítimas para uma afetação restritiva dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e sigilo das comunicações (artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais, no domínio da utilização da informática (artigo 35.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Fundamental), enquanto manifestações particular e intensamente tuteladas da reserva de intimidade da vida privada (n.º 1 do artigo 26.º da CRP). Contudo, a restrição de tais direitos especiais, que correspondem a refrações particularmente intensas e valiosas de um direito, mais geral, à privacidade, não pode deixar de respeitar não apenas as condições genericamente impostas pelo texto constitucional para qualquer lei restritiva de direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, como a exigência específica, em sede de processo criminal, de intervenção de um juiz, consagrada no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. No contexto normativo que se aprecia não é importável a tese de Rui Cardoso, lançada em A apreensão de correio electrónico após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021: do juiz das liberdades ao juiz purificador investigador?», em https://rpdc.pt/wp-content/uploads/2021/12/rpdc-rui-cardosoonline.pdf, (...), enunciada noutro contexto, com incidência na possibilidade de reforma do art.º 17.º da LC, nos seguintes termos: Contrariamente ao que parece resultar do Acórdão, afigura-se-me que mesmo o sistema em que a intervenção do JIC só ocorre para, analisando a selecção de mensagens já feita pelo MP, determinar quais poderão ser utilizadas como prova (2.) é não só conforme à Constituição como é aquele previsto na lei vigente.47 Como supra assumido, é inquestionável que deve haver intervenção do JIC. Porém, esta não necessita de ser prévia, sendo a posterior ainda adequada à sua função garantística. As concretas especificidades da apreensão de dados informáticos em geral e de correio electrónico em especial, supra expostas – v. g., a dificuldade em determinar previamente onde irão ser encontrados dados de correio electrónico ou até dados sensíveis ou íntimos, a dificuldade em separar a pesquisa que vise obter dados de correio electrónico das pesquisas que tenham outra finalidade –, justificam que neste caso a intervenção seja apenas posterior. Retém-se, do transcrito, de qualquer forma, a importante menção à necessidade de intervenção do juiz de instrução criminal. E, acrescenta-se, intervenção sem restrições em função do estado da mensagem. A intervenção do juiz visada pelo legislador na redação vigente do art.º 17.º é inicial e não meramente posterior e confirmativa, face à ausência de verbalização normativa conducente a essa conclusão. De qualquer forma, também os factos analisados neste processo não têm conexão com distinta hipótese, tudo se reconduzindo a uma intervenção investigatória meramente sustentada em despacho do Ministério Público e destituída de acto confirmativo posterior. A consequência do incumprimento do regime legal avaliado é a nulidade dos actos praticados – cf. o disposto no n.º 1 do art.º 179 do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do RGCO e da parte final do art.º 17.º sob ponderação, bem como o n.º 3 do art.º 126.º do mesmo Código. Não há, no entanto, lugar ao pretendido decretamento de anulação do despacho do Ministério Público, por não se estar perante decisão judicial. Face ao exposto, por se afigurar ser o enunciado o correspondente à mais acertada ponderação do Direito constituído, não se sufraga solução contrária à assumida naquele aresto jurisprudencial que declarou, a final, «a nulidade dos actos de apreensão de correspondência digital referenciados nos autos». Seria, pois, em sentido coincidente com o daí constante que apreciaria esta vertente do presente recurso. * No caso em apreço: 1. Há total ausência de antecedentes da Visada (o que é muito relevante na situação apreciada por se atingir uma sanção de montante muito elevado, de 70 milhões de Euros, sem qualquer percurso intermédio num «versari in re ilicita»), não se reconhecendo a necessidade de reforço de um qualquer meio dissuasor ao nível das finalidades da sanção, sendo as necessidades de prevenção especial negativa de baixo grau e incompatíveis com a fixação, à primeira violação, de um valor sancionatório altamente penalizador e incomum, impondo-se, neste âmbito, atribuir sólido relevo ao disposto na al. h) do n.º 1 do art.º 69.º da Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio (Novo Regime Jurídico da Concorrência – «RJC») 2. Deve ser concedida escassa importância a elementos quantitativos de alcance automático e fórmulas – designadamente proscrevendo a concessão de influência particular à ponderação de uma percentagem sobre proventos como critério informador do percurso de definição da sanção de mera ordenação social – sobretudo se o seu uso levar à não consideração do elemento central clamado pela análise em curso que é o impacto possível no mercado sendo o bom funcionamento deste, como é consabido, o elemento axilar protegido pelas normas de punição das violações do Direito da Concorrência; a este propósito deve ter-se presente a afirmação feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido de que «a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar-se do seu poder de apreciação» – acórdãos Thyssen Stahl AG, de 23.10.2003 C-194/99, Sarrió/Comissão, C-291/98, de 16.11.2000, e Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C-238/99, de 15.10.2002; 3. Na situação reapreciada em recurso revela-se, nos factos provados, escassa a capacidade de «afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional», para os efeitos do primordial critério enunciado no RJC sobre determinação da medida da coima [o vertido no art.º 69.º, n.º 1, al. a)]; 4. É muito reduzido, in casu, o potencial de impacto económico do ilícito ponderado (apesar do optimismo da previsão de obtenção da quota de mercado de 3,6% no final de 2017 – serviços convergentes incluído – que se encontra no facto n.º 108), sendo muito débil a presença da NOWO no mercado específico da prestação de serviços móveis de comunicações eletrónicas (nele se apresentando como verdadeiro recém-chegado – em 21.04.2016 – cf. ponto 103 da fundamentação de facto), assinalado pela presença de grandes operadores, após uma mera e modesta experiência local em comunicações de rede fixa – nos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Évora, Leiria e Setúbal (facto provado n.º 104); 5. Não há demonstração de qualquer quadro de valores correspondentes à percepção de vantagens para os efeitos do disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 69.º do RJC; 6. É curta a dimensão temporal do ilícito, para os efeitos da al. c) dos apontados número e artigo – cf. factos 128 a 143; 7. O montante da sanção ora definido mostra-se substancialmente dilatado não só face ao que impunham as circunstâncias indicadas mas também perante as práticas sancionatórias nacionais e da União Europeia em situações da dimensão apreciada, sobretudo em quadros marginais (em termos objectivos e subjectivos) como o presente (não devendo associar-se a extensão dos autos, prolixidade dos argumentos e encarniçamento do debate a profundidade e gravidade do ilícito apreciado e necessidade de punição exemplar e dissuasora – tudo sem prejuízo da gravidade intrínseca dos factos analisados e do relevo da ausência de sentido de responsabilidade e assunção do desvalor do ilícito notados na conduta e afirmações da Visada ora Recorrente). Em virtude das circunstâncias ora enunciadas nos termos e para os efeitos previstos no disposto no n.º 2 do art.º 372.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, consigno não acompanhar a fixação do valor sancionatório realizada na decisão por referência à qual foi elaborada a presente declaração. * Lisboa, 20.02.2022 Carlos M. G. de Melo Marinho _______________________________________________________ [1] Volume 9, fls. 3583 corresponde a cópia de um CD “com um conjunto de documentos citados na Nota de Ilicitude”. [2] Acórdão do TJUE de 15.03.2017, C-3/16 – Aquino, §42. [3] Acórdão do TJUE de 09.09.2015, C-160/14 – Ferreira da Silva e Brito e o., §38. [4] Vide documento de fls. 67. [5] Vide documento de fls. 2773, junto com a resposta de 11/04/2019, com a referência E-AdC/2019/2602, a pedido de elementos remetido pela AdC, com referência S-AdC/2019/772; [6] APAX Partners SAS (APAX ou APAX France). [7] Fortino Capital (Fortino). [8] Vide documento de fls. fls. 2775, junto com a resposta de 11/04/2019, com a referência E-AdC/2019/2602, a pedido de elementos remetido pela AdC, com referência S-AdC/2019/772; [9] Vide documento de fls. 2777. [10] Vide documento de fls. 2776. [11] vide Decisão de 15/10/2019 da AdC de não oposição na operação de concentração 41/2019 - MásMóvil*GAEA / Cabonitel, disponível na página eletrónica da AdC: www.concorrencia.pt/, devidamente identificada na decisão administrativa, como elemento probatório. [12] Vide documentos de fls. 4920 a 4950 e documentos de fls. 2779, por respeito respectivamente ao ano de 2019 e 2018. [13] Vide documento de fls. 76. [14] Oferta standalone: oferta que disponibiliza apenas um serviço de comunicações eletrónicas. [15] Vide documento de fls. 2214, junto com a resposta de 25/03/2019, com a referência E-AdC/2019/1940, a pedido de elementos remetido pela AdC, com referência S-AdC/2019/770. [16] Salienta-se que a acção que não pertence à Altice Europe pertenceu a empresas do grupo, sendo por isso detida, de forma indirecta, por essa empresa. Em particular, entre 24.12.2015 e 24.01.2018, a acção foi detida pela Altice France bis, S.à.r.l. (subsidiária a 100% da Altice Europe) e, após 24.01.2018, pela Altice Group Lux S.à.r.l. (subsidiária a 100% da Altice Europe) – vide documento de fls. 2229, junto com as respostas da MEO de 25/03/2019 com a ref.ª E-AdC/2019/1940 e de 06/06/2019 com a ref.ª E-AdC/2019/2200. [17] Tendo com consideração a resposta da MEO de 14/10/2019, com referência E-AdC/2019/6405, e de 12/08/2019, com referência E-AdC/2019/5207, às questões 2 do Ofício S-AdC/2019/2200 e 6 do Ofício S- AdC/2019/770, assim como a resposta da NOWO de 28/06/19, com referência E-AdC/2019/4118 a pedido de elementos da AdC (S-AdC/2019/2246), mormente o teor dos documentos de fls. 4876 a 4848. [18] Facto invocado pela AdC em sede de fundamentação de direito, na parte respeitante à determinação da sanção. [19] Cartões que são inseridos no telemóvel, permitindo a ligação a uma rede móvel de comunicações e a identificação do utilizador (SIM é acrónimo de “Subscriber Identity Module”). [20] Vide Relatório “Enquadramento regulatório da atividade dos MVNO”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483), devidamente identificado na decisão administrativa. [21] Vide documento de fls. 2163. [22] Vide documento de fls. 2164. [23] Vide documento de fls. 3483 – ANACOM: Relatório “Avaliação dos mercados das comunicações eletrónicas móveis ao abrigo do artigo 39.º do regulamento do leilão – Sentido Provável de Decisão” – e fls. 2770 a 2794 – Resposta da NOWO a pedido de elementos da AdC (E-AdC/2019/2602). [24] Englobando a terminação com recurso a qualquer tecnologia utilizada na rede de acesso (e de todas as chamadas de voz), independentemente do tipo de rede, da entidade que origina e da origem geográfica dessas chamadas, incluindo a terminação de chamadas para números portados e a terminação na caixa de mensagens dos respetivos clientes (“voice mail”). [25] Vide Relatório “Mercados grossistas de terminação de chamados de voz em redes móveis individuais – definição dos mercados do produto e mercados geográficos, avaliação de PMS e imposição, manutenção, alteração ou supressão de obrigações regulamentares”, de junho de 2018, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [26] As chamadas originadas fora do espaço económico europeu devem cumprir as obrigações de dar resposta a pedidos razoáveis de acesso e disposições da obrigação de transparência, mas não se encontram sujeitas às obrigações de controlo de preços e não-discriminação, assim como à publicação prévia dos preços dos serviços de terminação. [27] Vide “Decisão final relativa aos mercados grossistas de terminação de chamadas vocais em redes móveis individuais – especificação da obrigação de controlo”, de junho de 2018, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [28] Vide Relatório “Serviços Móveis - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [29] Idem. [30] Idem. [31] Idem. [32] Idem. [33] Vide Informação disponibilizada na página eletrónica da Marktest: http://marketeer.pt/7-milhoes-de-portugueses-tem-smartphone/ (fls. 3483). [34] Vide documento de fls. 5653. [35] Esse estudo foi efectuado no âmbito da Decisão da Comissão Europeia relativa ao processo COMP/M.7612 – Hutchison 3G UK / Telefonica UK, disponível na página eletrónica da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/competition/, devidamente identificada na decisão administrativa. [36] Vide “Avaliação do mercado das comunicações eletrónicas móveis ao abrigo do artigo 39.º do Regulamento do leilão – Sentido Provável de Decisão”, de maio de 2014, e “Consulta Pública sobre a disponibilização de espectro na faixa de frequências dos 3,4-3,8 GHz”, disponíveis na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [37] Excluindo tráfego de equipamentos máquina a máquina (M2M). O M2M consiste na interação, sem intervenção humana, entre os sistemas de informação que suportam os processos de negócio. Com a entrada em vigor do Regulamento n.º 255/2017, de 16 de maio de 2017, o número de acessos móveis efetivamente utilizados passou a excluir os acessos afetos a M2M. [38] Cf. Relatório “Serviços Móveis - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [39] Idem. [40] Idem. [41] A análise é abordada em sede da Decisão da Comissão Europeia relativa ao processo COMP/M.5650 – T-Mobile / Orange UK, disponível na página eletrónica da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/competition. [42] Esta análise foi realizada em sede da Decisão da Comissão Europeia relativa aos processos COMP/M.5650 – T-Mobile / Orange UK, COMP/M.6497 – Hutchison 3G Austria / Orange Austria, COMP/M.6992 – Hutchison 3G UK / Telefonica Ireland, COMP/M.7018 – Telefonica Deutschland / E-Plus, COMP/M.7612 – Hutchison 3G UK / Telefonica UK, disponíveis na página eletrónica da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/competition. [43] Idem. [44] Idem. [45] De acordo com a definição estatística constante no Regulamento n.º 255/2017, de 16 de maio de 2017, uma oferta em pacote deverá incluir pelo menos um serviço de comunicações fixas (voz, Internet, televisão por subscrição). [46] Vide estudo realizado pela AdC, intitulado de “Delineating Markets for Bundles with Consumer Level Data: The Case of Triple-Play” (P. Pereira, T. Ribeiro e J. Vareda), de março de 2013, disponível na página eletrónica da AdC: www.concorrencia.pt/. [47] As ofertas em pacote quintuple play integram os serviços de comunicações fixas (voz, Internet, televisão por subscrição) e os serviços de comunicações móveis (voz/mensagens, Internet). [48] Vide Relatório “Pacotes de Serviços de Comunicações Eletrónicas - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [49] Idem. [50] Vide “Decisão final sobre a análise dos mercados 3a e 3b”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [51] Vide Relatório “Serviços Móveis - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [52] Ou seja, excluindo tráfego de equipamentos máquina a máquina (M2M) que consiste na interação, sem intervenção humana, entre os sistemas de informação que suportam os processos de negócio. [53] Vide Relatório “Serviços Móveis - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [54] Idem. [55] Idem. [56] Vide Relatório “Pacotes de Serviços de Comunicações Eletrónicas - 1.º semestre de 2019”, disponível na página eletrónica da ANACOM: www.anacom.pt/ (fls. 3483). [57] Idem. [58] Idem. [59] Vide documento de fls. 5654. [60] Idem. [61] PT Portugal SGPS, S.A. (PT Portugal). Cf. Processo n.º COMP/M.7499 - Altice / PT Portugal, disponível na página eletrónica da Comissão Europeia: http://ec.europa.eu/competition/. [62] O lançamento da oferta de 3GB+ 3000 minutos não estava previsto em novembro de 2017. [63] In A “ABORDAGEM MAIS ECONÓMICA” AO DIREITO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA. ACORDOS ENTRE EMPRESAS, RESTRIÇÕES CONCORRENCIAIS POR OBJETO E A ANÁLISE DOS EFEITO NA APLICAÇÃO DO ARTIGO 101.º, N.º 1 DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Direito, especialidade de Ciências Jurídico-Económicas, 2018), in www.repositorio.ul.pt). [64] Jornal Oficial da União Europeia, https//eur-lex.europa.eu |