Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO AUTORIDADE DO CASO JULGADO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESCRIÇÃO PRAZOS RECONVENÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A autoridade do caso julgado produzido por uma decisão proferida em anterior ação, que reconheceu, de forma inequívoca, o direito de propriedade da sociedade C sobre determinado imóvel, estende os seus efeitos à presente ação, instaurada por A, ré naquela ação, contra a referida sociedade e o gerente desta, N, seu ex-marido, na qual pede, além do mais: a) que seja decretada a nulidade do negócio jurídico, a escritura de compra e venda que operou a transferência da propriedade do imóvel para a sociedade C, por ter sido celebrada em fraude à lei e, em consequência, que o imóvel seja registado como propriedade de N, passando a integrar o património comum do ex-casal constituído pelo referido N, e por ela, A; e, subsidiariamente, b) que seja decretada a nulidade do mesmo negócio, desta feita com fundamento no instituto do abuso de direito, «na modalidade de violação da tutela da confiança», com as mesmas consequências. 2. É que, aquilo que interessa quanto ao pedido deduzido numa ação declarativa, não é o efeito jurídico que o autor formula, mas sim o efeito prático que pretende alcançar, devendo, por isso, o objeto mediato do pedido ser entendido como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão. 3. No caso “sub judice”, o efeito prático que a autora, A, pretende alcançar com a presente ação, não é a pura e simples declaração de nulidade da escritura de compra e venda, sendo esta apenas a via por ela utilizada para que, no final do percurso, seja reconhecido que o imóvel foi adquirido pelo aqui réu N, na constância do matrimónio entre ambos e, por conseguinte, que integra o património do ex-casal, já que eram casados no regime da comunhão de adquiridos. 4. O reconhecimento de que o imóvel é propriedade da sociedade C, operado na primeira ação, impõe-se nos presentes autos com efeito impeditivo substantivo de que o imóvel foi adquirido pelo aqui réu N e, por essa via, integra o património do extinto casal formado pelo referido réu e pela aqui autora, inscrevendo-se no plano do mérito dos pedidos, principal e subsidiário referidos em 1., deduzidos nesta ação, determinando a improcedência dos mesmos e, por conseguinte, a absolvição dos réus N e C de tais pedidos. 5. O facto de o aqui réu N, não ter sido parte na primeira ação, sendo, portanto, terceiro relativamente a ela, não impede que o efeito da autoridade do caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da aqui ré sociedade C sobre o imóvel, decorrente da decisão nela proferida, se estenda e aproveite à presente ação. 6. É que tal efeito de autoridade de caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da sociedade C sobre o imóvel, é absolutamente incompatível, excluindo, portanto, o efeito prático pretendido com os pedidos, principal e subsidiário, referidos em 1., e que é o reconhecimento de que o imóvel foi adquirido pelo réu N, e é propriedade do extinto casal constituído por este e pela autora. 7. O ónus de concentração da defesa que sobre si impendia, segundo o qual, em regra, toda a defesa deve ser exaustivamente deduzida na contestação, impunha que a aqui autora invocasse na contestação à primeira ação, a que contra si foi instaurada pela aqui ré sociedade C e onde foi reconhecido o direito de propriedade desta sobre o imóvel, as nulidades referidas em 1.a) e b), matéria de exceção perentória, sob pena de não o poder fazer posteriormente. 8. Com a apresentação da contestação naquela primeira ação, ficaram precludidos todos os meios de defesa que pela ali ré, aqui autora, poderiam ter sido invocados, e não o foram, contra o reconhecimento do direito de propriedade da sociedade C, ali autora e aqui ré, sobre o imóvel, operando tal preclusão os seus efeitos, tanto no próprio processo como fora dele, neste sentido, pelo menos, valendo a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» 9. O facto de, em regra, o réu estar sujeito ao princípio da concentração da defesa, sobre ele impendendo o ónus de dedução de todas as exceções na contestação, sem que sobre o autor recaia igual ónus relativamente à invocação de todas as causas de pedir em que se possa fundar a pretensão, não colide com o principio constitucional da igualdade de armas entre autor e réu. 10. É que, as posições de autor e réu são, neste ponto, distintas e, integrando-se as exceções no objeto do processo definido pelo pedido delimitado pela respetiva causa de pedir, a regra da concentração da defesa é imposta pela segurança do caso julgado, outro tanto não valendo no plano da causa de pedir. 11. O direito à restituição por enriquecimento sem causa está sujeito a dois prazos, bastando que um deles termine para que o direito prescreva: - o prazo ordinário de 20 anos, de acordo com o artigo 309.º, prazo este que começa a correr a partir do facto do enriquecimento; e, - um prazo de três anos que começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável. 12. Esses dois prazos coordenam-se da forma seguinte: - por um lado, a prescrição ordinária só impera quando o direito à restituição não se haja, entretanto extinto pelo decurso do prazo excepcional de prescrição de três anos; mas, - por outro lado, a prescrição ordinária opera sempre, mesmo que o empobrecido não chegue a ter conhecimento do seu direito e da pessoa responsável pela restituição. 13. O conhecimento do direito reporta-se ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito à restituição e não ao conhecimento abstrato, jurídico, desse direito. 14. A prescrição do direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa estabelecida no art. 482º CC só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal, conclusão que é imposta pela circunstância da obrigação fundada naquele instituto ter natureza subsidiária. 15. Para efeitos de admissão da reconvenção a expressão «facto jurídico» que serve de fundamento à ação é o mesmo que causa de pedir, pelo que não basta sequer a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da ação e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa. 16. A admissibilidade da reconvenção, com o fundamento de que «o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa», depende de esse facto, a verificar-se, ter efeito útil defensivo, excetivo, no sentido de ser suscetível de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. 17. Não é admissível a reconvenção para obtenção de compensação no caso de, em sede reconvencional, não ter sido sequer, e desde logo, alegado o pressuposto de reciprocidade de créditos, pois em momento algum a ré/reconvinte assume ou admite ser devedora da autora, seja a que título for, não equacionando sequer a hipótese de ter enriquecido indevidamente à custa desta. 18. É que a reconvenção nem sequer vem formulada a título subsidiário, ou seja, para a hipótese de ficar demonstrada a existência de um direito de crédito da autora sobre a ré/reconvinte. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: Ana intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Nuno[1] e C, Lda.[2], pedindo que: a) a escritura de compra e venda do imóvel X[3], em que a 2.ª ré se assumiu como compradora, seja declarada nula, por fraude à lei e, em consequência, que o imóvel seja registado como propriedade do 1.º réu, integrando o património comum do ex-casal; b) caso assim se não entenda, seja a escritura referida em a) declarada nula, por abuso de direito, na modalidade de violação da tutela da confiança e, em consequência, o imóvel registado como propriedade do 1.º réu, integrando o património comum do ex-casal; c) caso assim igualmente se não entenda, seja a 2.ª ré condenada a pagar à autora a quantia de € 436.448,00, a título de capital, acrescida de juros, até integral e efetivo pagamento, desde a data do registo do imóvel identificado em a) favor da 2.ª ré, os quais liquida, até 15.11.2018, em € 667.016,52. Alega, para tanto, e em síntese, que - a 2.ª ré tem por objeto a consultoria e serviços nas áreas das ciências mentais e produção artística; - o 1.º réu é médico psiquiatra e fotógrafo amador, tendo constituído a 2.ª ré para o desenvolvimento da sua atividade de médico, sendo o único prestador de serviços e gerente da mesma; - o 1.º réu é, desde a constituição da 2.ª ré, titular de uma quota de 90% do seu capital social, tendo os restantes 10% sido sucessivamente cedidos a várias pessoas alheias à atividade da sociedade, mas com ligações familiares àquele; - a autora e o 1.º réu casaram um com o outro no dia 7 de julho de 2000; - após o casamento, o 1.º réu e a autora acordaram na alienação, por esta, do imóvel que identifica e de que era proprietária, tendo sido acordado que o produto da venda seria afeto às despesas emergentes do agregado familiar; - o 1.º réu garantiu que aquela alienação implicaria a subsequente aquisição de um imóvel que constituísse a residência da família, pelo que o produto da venda sempre auxiliaria, direta ou indiretamente, na aquisição da casa de morada de família; - a dita alienação veio a concretizar-se pelo valor de 26.500.00$00, na sequência do que a autora e o 1.º réu decidiram comprar um imóvel onde pudessem fixar a residência da família, sito ____; - o 1.º réu contactou os mediadores imobiliários, desconhecendo a autora as conversas havidas; - o 1.º réu informou a autora que a celebração do contrato-promessa de compra e venda teria lugar no dia 5 de julho de 2002, no __.º Cartório Notarial, sito em ____; - na data indicada, a autora e o 1.º réu compareceram no Cartório Notarial; - devido ao facto de estar grávida, a gravidez ser de risco e ao calor que se fazia sentir, a autora sofreu uma quebra de tensão arterial que a obrigou a retirar-se do Cartório, não tendo sequer entrado na sala destinada à outorga do contrato-promessa; - aguardou, primeiro numa pastelaria próxima do local, e depois na viatura automóvel, pela conclusão da celebração do contrato-promessa de compra e venda; - concluido o negócio, o 1.º réu obrigou-se à celebração do contrato definitivo pelo preço de € 872.896,00, dos quais foram pagos € 38.750,00 a título de sinal; - o 1.º réu informou a autora que a escritura ficava agendada para a primeira semana de Outubro de 2002; - o 1.º réu fez ainda outros pagamentos aos promitentes vendedores (€ 69.831,68 e € 235.681,92); - a autora contribuiu para tais adiantamentos com o valor recebido pela alienação do imóvel que lhe pertencia, no montante de € 150.000,00; - entretanto, o 1.º réu informou a autora, sem qualquer justificação, que a escritura definitiva se realizaria a 16/10/2002, em ____, o que a impedia de estar presente na outorga do negócio, atento o seu estado de saúde e estar para breve o nascimento do filho de ambos; - a autora insistiu para que a escritura não se realizasse em ____, ao que o réu respondeu que não havia notários disponíveis em Lisboa; - a escritura de compra e venda veio a realizar-se naquela data, em ____, ficando a autora ciente que o 1.º réu adquirira a casa; - a família mudou-se para a referida casa, que passou a ser a de morada da família; - em maio de 2003, o filho do 1.º réu cedeu à autora uma quota de 10% do capital social da 2.ª ré, tendo sido afirmado, no ato da cedência, que esta não era detentora de imóveis e que tinha sede em ____; - em setembro de 2003, a autora declarou ao 1.º réu que pretendia o divórcio, na sequência do que este lhe afirmou, além do mais, que caso saísse de casa não teria onde morar, porque a casa era propriedade da 2.ª ré, e esta não a autorizaria a voltar a residir ali; - a autora não considerou como verdadeiro o afirmado pelo 1.º réu, porque nos seguros que refere na petição inicial, se reconhece que o imóvel se destina a habitação própria e permanente, tendo sido celebrados pelo 1.º réu; - em 2004, a autora intentou procedimento cautelar de arrolamento prévio à ação de divórcio, na sequência do qual tomou conhecimento que o direito de propriedade do imóvel em referência estava efetivamente registado a favor da 2.ª ré, e hipotecado ao BES, para garantia de obrigações da sociedade; - (...) e que o imóvel teve a sua aquisição escriturada a favor da 2.ª ré, preço indicado foi de € 350.000,00, e que era ali que esta tinha a sua sede; - em março de 2005, o 1.º réu alterou o seguro, passando o imóvel a ser segurado como destinado a comércio e prestação de serviços. Em sede de direito alega que: - o 1.º réu ludibriou a autora, convencendo-a que o imóvel era bem comum do casal, agindo junto de entidades bancárias como se fosse ele o seu adquirente final, procedendo ao pagamento do preço através de fundos propriedade do próprio, e com o fruto de bens comuns para os quais a autora contribuiu; - conseguindo qua a autora não estivesse presente na escritura, o 1.º réu entregou à C, Lda., a propriedade de um imóvel que era a casa de morada de família; - o comportamento do 1.º réu, em conluio com a 2.ª ré, consubstancia uma fraude à lei, estando verificados os respetivos requisitos; - trata-se de um negócio licito, através do qual os réus contornaram o regime legal imperativo da comunhão de adquiridos, que se aplicava ao 1.º réu e à autora, na constância do casamento de ambos; - a ré C, Lda., agiu na qualidade de compradora, quando o real proprietário é o 1.º réu; - o comportamento do 1.º réu, em conluio com a 2.ª ré, violou as legitimas expectativas da autora, consubstanciando esta violação um abuso de direito, pois confiava que o imóvel em referência nos autos seria propriedade daquele; - a autora agiu em consonância com a realidade que conhecia - o imóvel enquanto bem comum do casal - e foi o 1.º réu que, com os seus comportamentos, criou nela a convicção de que aquele imóvel era bem comum do casal; - caso se conclua que a escritura não está ferida de nulidade, sempre se teria de concluir que a 2.ª ré enriqueceu ilegitimamente à custa do empobrecimento da autora, pois o 1.º réu, com o património comum do casal, ou seja, com montantes pecuniários de ambos, pagou o preço do imóvel, no montante de € 872.896,00 e, apesar disso, o imóvel foi registado a favor da 2.ª ré; - face ao regime da comunhão de bens previsto no art. 1724.º CC, o empobrecimento da aqui autora, com reflexo direto no incremento patrimonial da 2.ª ré correspondeu a metade do preço liquidado para a aquisição do prédio em referência nos autos, ou seja, é de € 436.448,00 o empobrecimento da autora. * Os réus contestaram, alegando, no que para aqui a agora interessa, sob o ponto III da contestação, intitulado «Litispendência e força de caso julgado», em suma, o seguinte: - no Juízo ____de Cascais – J_, corre termos o Proc. n.º 0001/00.0TBCSC, no qual a aqui (e ali) autora formula o seguinte pedido: “a) deve o bem imóvel, ser declarado como propriedade e bem comum do 1.º réu Maria Nuno e da A. tendo sido adquirido pelo 2º R. na constância do matrimónio; b) caso assim se não entenda, o 2º R. deve ser condenado a indemnizar a A. pelos prejuízos causados com a interposição abusiva da 1ª R. como pretensa proprietária do imóvel, reconhecendo-se que essa indemnização deve ser paga em espécie e integralmente; c) caso, ainda, assim se não entender que a reconstituição in natura é possível, devem todos os RR ser condenados a pagar à A. uma indemnização correspondente a metade do valor real do dito imóvel deduzido do preço real da aquisição, cujo montante nunca é inferior a quinhentos e sessenta e três mil quinhentos e cinquenta e dois euros, devidamente detalhado de acordo com os índices anuais de inflação desde a citação até integral pagamento.”; - são réus naquele processo os aqui réus e as pessoas que venderam o imóvel à C, Lda.,; -o pedido aqui deduzido é igual ao pedido formulado no Proc. n.º 0001/00, com alterações de pormenor; - desde 31/10/2011 que se encontra estabelecida a propriedade do imóvel a favor da 2.ª ré [certamente por lapso refere-se a favor da Autora] por sentença proferida no Proc. n.º 0002/00.0TBCSC, que correu termos no Juízo ____de Cascais - J_, e que transitou em julgado a 04/10/2012, a qual não teve como efeito a desocupação do imóvel por se ter entendido que existia um comodato da aqui 2.ª ré a favor do casal constituído pelo 1.º réu e pela autora, e que só terminaria com a dissolução do casamento deles; - dissolvido o casamento por sentença proferida no Proc. n.º 0003/00.0TBSCS, que correu termos no Juízo ____ de Cascais - J_, a qual transitou em julgado a 03/02/2014, foi intentada nova ação de reivindicação, a qual corre termos no Juízo ____de Cascais - J_, sob o n.º 0004/00.0TBCSC, que se encontra suspensa dada a relação de prejudicialidade entre ela e a que corre termos sob o n.º 0001/00.0TBCSC; - se se desse provimento ao efeito jurídico que se visa obter com a presente ação, estar-se-ia a contradizer uma decisão já antes tomada; - o reconhecimento da propriedade do imóvel está declarado e não pode ser alterado; - a presente ação não pode prosseguir na medida em que a pretensão em que consiste é a repetição de pretensões formuladas pela autora, por vida de contestação e, sobretudo, de ação nos aludidos processos 0002/00.0TBCSC, 0001/00.0TBCSC e 0004/00.0TBCSC. No que tange ao enriquecimento sem causa, alegam, igualmente em síntese, que a pretensão da autora está sustentada em factos dela conhecidos há mais de três anos, com referência à data da instauração da ação, encontrando-se, por isso, nesta parte, prescrito o seu alegado direito. No mais, defende-se por impugnação. Além disso, a 2.ª ré deduz reconvenção contra a autora, alegando que esta ocupa ilícita e abusivamente o imóvel desde 4 de fevereiro de 2014. Em consequência dessa ocupação, a 2.ª ré está impedida, desde então, de utilizar ou rentabilizar o imóvel, arrendando-o ou cedendo onerosamente o gozo do mesmo a terceiros, à razão mensal, no mínimo, de € 5.000,00. Afirma a 2.ª ré, que «ocupando abusivamente esse imóvel há sessenta e um meses deve já a Autora à Ré C, Lda., 304.285,71 €, e dever-lhe-á mais um montante de cinco mil euros mensais entre o fim de Março de 2019 inclusive e o dia do mês em que desocupe e deixe livre e devoluta, com excepção dos bens que pertençam à Ré C, Lda., e ao Réu Nuno, o referido prédio urbano, mês esse em que a quantia vincenda será calculada proporcionalmente aos dias de ocupação e os juros sobre ela contados desde o dia seguinte ao da saída.» Os réus concluem assim a contestação-reconvenção: «Nestes termos e nos mais de direito (...), deverá: a) (...); b) Ser julgada procedente a excepção de litispendência e/ou de (força de) caso julgado e as Rés serem absolvidas da instância e/ou do pedido; c) Em qualquer caso, ser julgada procedente a excepção de prescrição e serem as Rés absolvidas do pedido deduzido com fundamento em enriquecimento sem causa; d) Também em qualquer caso, improceder por não provada a acção e proceder integralmente, por provada, a reconvenção, sendo a Autora condenada a pagar à Ré C, Lda., a quantia de 304.285,71 €, acrescida de 5.000,00 € a vencer em cada final de mês desde Março de 2019 inclusive até ao dia em que a Autora deixe livre e devoluto o imóvelia, com excepção dos bens que pertençam à Ré C, Lda., e ao Réu Nuno, mês esse em que a quantia vincenda será calculada proporcionalmente aos dias de ocupação e os juros sobre ela contados desde o dia seguinte ao da saída, bem assim, ser condenada a pagar juros à taxa legal sobre as quantias já vencidas, desde a notificação para o pedido reconvencional até integral pagamento, e sobre as quantias vincendas desde as respectivas datas de vencimento também até integral pagamento, tudo acrescido de custas e legais acréscimos, que deverão ser suportados na íntegra pela Autora.» * A autora apresentou articulado de réplica, que conclui assim: «a) (...); b) Deverá ser julgada improcedente a exceção dilatória de litispendência e caso julgado, nos termos dos artigos 580.º, 581.º e 577.º, alínea i) do CPC; c) Deverá ser julgada improcedente a exceção perentória de prescrição da ação de enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473.º do CC, 482.º do CC e 576.º, n.º 1 e 3 do CPC; d) Deverá ser julgado integralmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré C, Lda., por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil nos termos do artigo 483.º do C.C e artigo 576.º, n.º 1 e 3 do CPC; e) Subsidiariamente à alínea d) supra, deverá ser julgado integralmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré C, Lda., por abuso de direito na modalidade de supressio nos termos dos artigos 334.º do C.C e artigo 576.º, n.º 1 e 3 do CPC.» * Na subsequente tramitação dos autos, no dia 14 de junho de 2021 foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte teor: «Da admissibilidade do pedido reconvencional Como referido o tribunal ouviu as partes quanto à eventual inadmissibilidade do pedido reconvencional. * A A., com base nos elementos adiantados no despacho proferido, veio pronunciar-se pela não admissibilidade da reconvenção. * Os RR. vieram dizer, em síntese, que o objecto da acção é discutir a propriedade do imóvel, a pretensão reconvencional não foi deduzida em nenhuma acção, tal pretensão cabe neste processo uma vez que se alguém deduz um pedido dirigido á propriedade do imóvel e um pedido de pagamento, é licito reconvir com outro pedido de pagamento, oriundo da ocupação abusiva desse imóvel, que já está demonstrada por diversas decisões judiciais com trânsito em julgado, a propriedade do imóvel e a ocupação abusiva do mesmo estão invocadas, o pedido reconvencional emerge do pseudo-facto jurídico que serve de fundamento á acção, que é a suposta propriedade do imóvel e da facto jurídico verdadeiro que serve de fundamento á defesa, que é a propriedade do imóvel, a escritura de aquisição do imóvel é constitutiva do direito de propriedade da Ré C, Lda., as decisões sucessivas por parte dos tribunais que antecederam este no julgamento desta questão são importantes para demonstrar que o percurso desse reconhecimento já foi percorrido, e, como tal, se pode partir do ponto de chegada desse reconhecimento e da determinação da data em que a ocupação desse imóvel passou a ser abusiva, para estabelecer a indemnização devida pela ocupação. * Vejamos O art.º 266º n.º 1 do CPC dispõe que o réu pode em reconvenção deduzir pedidos contra o A.. E o n.º 2 dispõe que a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento á acção ou á defesa. * A Ré C, Lda., vem pedir que a A. seja condenada a pagar-lhe uma quantia por cada mês de ocupação do imóvel dos autos desde 04/02/2014. O facto jurídico, complexo, em que necessariamente se tem de alicerçar o pedido reconvencional é, por um lado, o direito de propriedade da Ré C, Lda., e, por outro, a alegada violação ilícita desse direito, na vertente do direito de usar ou fruir a coisa, violação essa praticada pela A., já que se alega que a mesma ocupa o imóvel sem título, tendo cessado o comodato com a dissolução do casamento por divórcio. * O pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento á acção? O pedido principal e o primeiro pedido subsidiário têm em vista a declaração de nulidade da escritura pela qual a aqui R. C, Lda., adquiriu o imóvel dos autos, fundados, respectivamente, em fraude à lei e abuso de direito e o segundo pedido subsidiário têm em vista a restituição de metade do preço do imóvel a título de enriquecimento sem causa. Sendo aqueles os factos jurídicos, é manifesto que o pedido reconvencional não emerge nem pode emergir dos mesmos. É irrelevante, neste conspecto, que o fim último dos pedidos seja discutir a propriedade do imóvel pois o que releva para apreciar da admissibilidade do pedido reconvencional é o facto jurídico em que se funda a acção. Como é irrelevante que venha invocada a escritura de aquisição do imóvel, já que não é ela o facto jurídico em que se funda a acção, mas sim a nulidade da mesma, pelos fundamentos já referidos, estes, sim, os factos jurídicos fundantes do pedido principal e do primeiro pedido subsidiário. Em face do exposto, impõe-se concluir que o pedido da Ré não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção. * E emergirá de facto que serve de fundamento à defesa? A Ré alicerça a sua defesa e, assim, o pedido reconvencional em três elementos: - na excepção de autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo 0002/00.0TBCSC e, concretamente, o facto de ali ter sido reconhecido o direito de propriedade da Ré C, Lda., e que a aqui A. podia usar o imóvel até á dissolução do casamento; - a dissolução do casamento por divórcio decretado por sentença transitada em julgado a 03/02/2014; - na instauração da acção 0004/00.0TBCSC em que reivindica o imóvel dos autos. A autoridade de caso julgado tem virtualidade defensiva. Mas impõe-se perguntar qual o efeito jurídico-prático de tal excepção. Como se refere no Ac. do STJ proferido no processo 0001/00.0TBCSC e constitui uma referência jurisprudencial nesta matéria, “a autoridade do caso julgado material implica o acatamento de uma decisão de mérito transitada cujo objecto de inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de outra acção a julgar posteriormente, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa”. O efeito jurídico-prático da autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo 0002/00.0TBCSC é, apenas, a impossibilidade de voltar a discutir a questão da propriedade do imóvel em acções subsequentes. E quando se utiliza a locução “apenas“ quer com isso dizer-se que a referida decisão não é, em si mesma, constitutiva do direito de propriedade. Destarte o facto jurídico em que se deve alicerçar o pedido de indemnização – o direito de propriedade - não emerge da defesa apresentada. É irrelevante que a propriedade esteja invocada. O que releva é verificar se esse direito de propriedade emerge do facto jurídico que serve de fundamento á defesa. E é manifesto que não emerge. Em outra perspectiva, a ocupação ilícita em que também se funda o pedido reconvencional, em virtude da dissolução do casamento por divórcio decretado por sentença transitada em julgado a 03/02/2014, não tem virtualidade defensiva nos autos. Finalmente, a instauração da acção 0004/00.0TBCSC, em que a aqui Ré C, Lda., reivindica o imóvel dos autos, também não tem qualquer virtualidade defensiva nos autos (sendo aliás certo que o pedido de indemnização agora deduzido tinha todo o cabimento na referida acção). * O art.º 266º n.º 2 prevê que a reconvenção é admissível ainda nas seguintes situações: b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. O pedido reconvencional não quadra a nenhuma das referidas situações. * Em face de tudo o exposto, não se admite o pedido reconvencional. * Custas pelos RR. * «Da excepção de litispendência Como decorre do disposto no art.º 580º n.º 1 do CPC, esta excepção pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso. Perante o trânsito em julgado do Acórdão do STJ proferido no processo 0001/00.0TBCSC, esta excepção perdeu a sua razão de ser, pelo que se julga a mesma improcedente. * Da excepção de autoridade de caso julgado Fundamentação de facto 1. A 12 de Maio de 2009, C, Ldª intentou no então Tribunal Judicial da Comarca de Cascais acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Ana pedindo fosse a Ré condenada a entregar à A., livre e devoluto, o imóvel, nos ternos e com os fundamentos constantes da petição inicial certificada a fls. 380v-384 do processo físico (PF) e certidão junta com o requerimento que no Processo electrónico (PE) tem a refª 23494639 de 16/07/2019. 2. A referida petição inicial foi distribuída o _º Juízo Cível sob o n.º 0002/00.0TBCSC. 3. A Ré contestou, nos termos e com os fundamentos constantes da contestação junta a fls. 352-374 do PF e certidão junta com o requerimento do PE com a refª 23494493 de 16/07/2019. 4. Houve réplica, certificada a fls. 1047v.–1055 do PF e certidão junta com o requerimento do PE com a refª 23580217 de 25/07/2019. 5. Foi proferido despacho saneador, certificado a fls. 1034v-1040 do PF e certidão junta com o requerimento do PE com ao PE com a refª 23580217 de 25/07/2019. 6. Nos referidos autos a 31/10/2011 foi proferida a Sentença certificada a fls. 952v-960 do PF e certidão junta com o requerimento do PE com a refª 23580217 de 25/07/2019, com o seguinte teor, no que ora releva: “[AA.] Invocou, para tanto e em síntese, que adquiriu por escritura pública de compra e venda um prédio urbano sito ____, área desta comarca, tendo permitido, por mera tolerância, aos seus sócios, casados entre si – a ora ré e Nuno – que aí residissem. Mais aduziu que a ré e o referido indivíduo deixaram de viver em comunhão conjugal em Junho de 2004, tendo aquele último deixado de habitar o imóvel, pelo que, em assembleia geral de sócios, deliberou pôr termo à permissão de utilização do prédio por parte dos sócios. Invocou, ainda, que a ré, notificada para entregar o imóvel, se recusa a fazê-lo, escudando-se no facto de lhe ter sido atribuída a utilização provisória da casa no âmbito do processo judicial de divórcio e no facto de ser depositária da mesma na providência cautelar de arrolamento apensa a esse outro processo, defesa que não pode proceder, uma vez que, ela autora, é terceira relativamente a essas acções. * Contestou a ré (…) sustentando, em primeira linha, as seguintes excepções: - litispendência entre a presente demanda e aquela que a mesma intentou contra a autora e terceiros e que visa o reconhecimento de que o imóvel em causa nestes autos é bem comum do casal formado por ela e por Nuno; - excepção dilatória inominada, fundada no disposto no artº 481º, alínea c), do Código de Processo Civil, norma segundo a qual, a autora, uma vez citada para aquela outra acção, estava inibida de propor esta demanda; - desconsideração da personalidade colectiva da autora, por forma a entender-se que a mesma não é a proprietária do imóvel reivindicado na acção, sendo o mesmo bem, antes, parte do património conjugal; - existência de título para o uso do mesmo imóvel por parte da ré, sendo esse título o formado pela circunstância de o imóvel ser a casa de morada de família do casal constituído pela demandada e Nuno e do uso dessa casa ter sido atribuído à demandada, durante a pendência do processo de divórcio, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 25 de Outubro de 2007. Requereu, para a hipótese das duas primeiras excepções não procederem, a suspensão da instância por causa prejudicial e, no mais, impugnou a factualidade articulada pela autora. Concluiu pela procedência das excepções e pela improcedência da acção. * (…) I. A acção intentada pela autora é a típica acção de reivindicação. O artº 1311º do Código Civil define esse tipo de demanda, prevendo, no respectivo nº 1, que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Segundo o nº 2 da mesma norma “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”. (…) No mesmo tipo de acção, é ónus do demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa, sendo que a mera aquisição derivada não basta para esse propósito, uma vez que, como ensina o autor acima citado, “a aquisição derivada é dominada pelo princípio: «nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipse habet» e dele resulta que o título de aquisição não basta para provar que ao adquirente pertence um direito real que possa fazer valer contra qualquer possuidor ou detentor; apenas prova que para o adquirente passaram os direitos que pertenciam ao alienante, se acaso algum lhe pertencia” [Ob. Cit, idem]. Já não assim, quando, como é o caso, à referida aquisição derivada (dada pela compra e venda) vem juntar-se o registo da propriedade a favor do demandante, pois que então este passa a beneficiar do disposto no artº 7º do Código do Registo Predial, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. No caso, a autora beneficia da presunção dada pela inscrição da aquisição no registo predial. Contra a força jurídica do negócio translativo da propriedade e do registo desta a favor da autora, a ré vem esgrimir a desconsideração da personalidade colectiva da demandante, invocando, em síntese, que a aquisição do imóvel em nome daquela constitui uma mera aparência, sendo a materialidade subjacente a aquisição do imóvel por banda do seu sócio maioritário – o cônjuge da ré Nuno – e logo, a favor do casal, atento o regime de bens do casamento (comunhão de adquiridos nos termos do artº 1717º do Código Civil, cfr. nº 8 da fundamentação de facto). (…) Na situação dos autos, a tese da ré é que a autora/pessoa colectiva é uma mera aparência, um invólucro formal vazio de actividade comercial ou industrial, destinado apenas a servir de “testa de ferro” dos interesses patrimoniais do seu sócio maioritário, que a utiliza para obter vantagens fiscais e que é o verdadeiro titular dos direitos que aquela adquire, entre eles, o direito de propriedade sobre o imóvel em causa na acção. (…) Conclui-se, pois, neste trecho que não existe na matéria provada factualidade que permita a pretendida desconsideração da personalidade colectiva da autora e, por via dela, a conclusão que a demandada mediatamente visa e que é a inexistência do direito de propriedade daquela sobre o imóvel. II. Estabelecida que se encontra, de forma inelutável, a propriedade da coisa a favor da autora, importa então saber, para os efeitos do nº 2 do citado artº 1311º, do Código Civil, se há fundamento legal para a recusa da sua restituição. Neste trecho assume importância fulcral saber qual o título jurídico que levou à ocupação do imóvel pelo casal formado pela ré e pelo sócio maioritário da empresa. (…) Dúvidas não há, pois, que o uso do imóvel foi cedido pela autora ao casal, por acordo de vontades e de forma gratuita, para que a ré e o seu marido – os sócios da demandante – nele instalassem a casa de morada da família [quanto ao conceito de casa de morada de família ou residência da família (…) O negócio assim configurado é um comodato (…). (…) O uso a que a coisa foi destinada já foi atrás estabelecido e ele é o de servir como a casa de morada da família da ré e do seu marido. Essa finalidade inculca a convicção de que estamos perante um comodato com um fim determinado, o que, acto contínuo, leva a concluir que a autora apenas pode obter a restituição do imóvel aquando da extinção da casa de morada de família, a ocorrer com a dissolução do casamento entre os seus sócios, facto que, tanto quanto resulta da matéria provada, ainda não ocorreu. Assim sendo, o comodato a que se subsumiu a ocupação da casa é um comodato sem prazo, mas com um fim determinado, pelo que, nos termos do nº 1, do artº 1137º do Código Civil, a entrega do imóvel apenas é exigível quando finde o uso a que a coisa foi destinada, ou seja, com a dissolução do casamento entre os sócios da autora e a consequente extinção da casa de morada de família. (…) Conclui-se, assim, que a acção deve ser julgada improcedente, sem embargo de essa improcedência ser ditada por não estarem ainda verificadas as condições materiais para o exercício do direito da demandante, pelo que não deixará de se aplicar in casu o disposto na 2ª parte do artº 673º, do Código de Processo Civil. * DECISÃO Em face do exposto, julgo improcedente o pedido formulado pela autora e do mesmo absolvo a ré.” 7. Da referida sentença a A. interpôs recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, que pelo Acórdão de 18/09/2012, certificado a fls. 1076-1087 do PF, transitado em julgado a 24/10/2012, conforme nota do trânsito em julgado a fls. 1060 e certidão junta com o requerimento do PE com a refª 23628967 de 31/07/2019, julgou o recurso improcedente. 8. A aqui A. intentou acção declarativa contra C, Ldª, Nuno, Isabel, Rui, Manuel e Maria, nos termos e com os fundamentos constantes da petição inicial certificada a fls. 1620-1659 do processo físico (PF), certidão junta com o requerimento que no Processo electrónico (PE) tem a refª 24017248 de 19/09/2019. 9. Na referida petição inicial pede: a) seja o bem imóvel (…) sito na Avenida ____, concelho e freguesia de Cascais (…) declarado como propriedade e bem comum do R. Nuno e da A. tendo sido adquirido pelo 2º R. na constância do matrimónio; b) caso assim não se entenda, seja o 2º R. condenado a indemnizar a A. pelos prejuízos causados com a interposição abusiva da 1ª R. como pretensa proprietária do imóvel sito na Avenida ____, reconhecendo-se que essa indemnização deve ser paga em espécie e integralmente; c) caso se entenda que a reconstituição in natura não é possível, devem todos os RR. ser condenados a pagar á A. uma indemnização correspondente a metade do valor real do dito imóvel deduzido do preço real de aquisição, cujo montante nunca é inferior a € 565.552,00 devidamente actualizado de acordo com os índices anuais de inflação desde a citação até integral pagamento. 10. A referida acção foi distribuída ao extinto _º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais sob o n.º 0001/00.0TBCSC, tendo, entretanto, sido atribuída ao J_ do Juízo ____de Cascais. 11. Nos referidos autos, a 31/08/2017 foi proferida a sentença certificada a fls. 4863-4910 do PF, certidão junta com o requerimento do PE com ao PE com a refª 25015662 de 20/12/2019, com o seguinte teor no que ora releva: “Alega [a A.] para tanto e em síntese: Os Réus foram casados no regime da comunhão de adquiridos, por casamento celebrado em 7 de julho de 2000 e na pendência do matrimónio o 2º Réu, com dinheiro proveniente de uma sua conta, pessoal, comprou e em nome da 1ª Ré, sociedade da qual tinha o domínio e que utilizava como mero veículo fiscal, o imóvel que veio a ser a casa de morada da família. Fê-lo, apesar de ter celebrado em seu nome o contrato-promessa e sem o conhecimento da Autora, enganando-a quanto à necessidade de efetuar a escritura em ____, local onde a mesma se não podia deslocar por se encontrar com uma gravidez de risco. Defende a aplicação do instituto da utilização abusiva da personalidade coletiva e, sem prejuízo, que o 2º Réu agiu ilicitamente, devendo em consequência indemnizar os danos que provocou, escolhendo-se a reconstituição natural. Subsidiariamente, deve a Autora ser indemnizada pelos danos prejuízos que sofreu com ao comportamento ilícito do Réu consistente na utilização abusiva da 1ª Ré pelo 2º Réu como veículo para esconder os bens comuns do casal, indemnização em dinheiro não poderá ser inferior a metade do valor do imóvel (872.896,00 €). Invoca ainda que os demais Réus sempre souberam desta situação e nela participaram. (…) Os 1º e 2º Réus apresentaram contestação Impugnam o essencial do alegado na petição inicial, afirmando, em síntese, que a 1ª Ré tem proventos nos serviços de saúde que presta, através do 2º Réu, não se confundindo com este, e aquela exerce ainda atividade no âmbito artístico e imobiliário, o que justificou a aquisição do imóvel. A Autora em nada participou na aquisição do imóvel, visto que não tinha meios económicos para tanto; este foi pago com bens e proventos obtidos com participações sociais que o Réu havia obtido por herança, montante que, por meio de suprimentos, veio a adiantar á sociedade adquirente. Os proventos do Réu que seriam bem comum - provenientes da sua atividade universitária, visto que o lucro adveniente da atividade de medico eram percebidos pela 1ª Ré, não tinham valor que permitisse, mesmo que somado com os da 1º Ré, a aquisição do imóvel. A Autora sabia desde data anterior á aquisição do imóvel que este seria comprado pela 1ª Ré e foi-lhe transmitida a quota nessa sociedade de que era titular o filho do 2º Réu. A pretensão da Autora é injusta e sem fundamento tendo em vista angariar património à custa do 2º Réu. O 2º Réu não visou prejudicar a Autora ao permitir que a aquisição do imóvel fosse efetuada pela 1ª Ré. Os 3ª, 5º, 6º 7º e 8º Réus apresentaram contestação - invocam a ilegitimidade passiva dos 4º e 7º Réus, porquanto apenas deram o seu consentimento à venda, mais nada os ligando aos factos aqui em questão; - invocam a prescrição, porquanto o pedido se funda na responsabilidade aquiliana, operando o prazo previsto no artigo 498º do Código Civil e o facto ilícito, consistente na compra e venda pela 1ª Ré, ocorreu em 16 de outubro de 2002, data em que a Autora soube do negócio. - a inadmissibilidade de pedidos subsidiários, porquanto o segundo pedido subsidiário se funda não numa relação conjugal, como os demais, mas num conluio entre os Réus, com factos e fundamentos de direito distintos dos demais factos distintos daquele. - impugnando a sua intervenção na trama aludida na petição inicial: A escritura de Partilhas foi outorgada imediatamente antes da compra e venda e no mesmo Cartório Notarial, para evitar demoras com a necessidade de mais um registo, foi efetivada mediante o recurso a mediadores imobiliários e com a intervenção de advogado, apenas tendo conhecido a Autora e o 2º Réu no dia da celebração do contrato-promessa. Pedem a condenação da Autora como litigante de má-fé. O 4º Réu contestou, impugnando, entre o mais o ter recebido qualquer valor referente ao preço do imóvel vendido pelo seu cônjuge: da partilha dos bens desde essa altura, e tendo em vista a sua formalização desde o início de 2002. O prédio a que se referem os autos era e é prédio exclusivamente da 3ª Ré, bem proveniente de herança da respetiva família e bem próprio da 3ª Ré. Tal prédio foi adquirido pela 3ª R. em partilha efetuada no próprio dia da escritura e imediatamente vendido, tendo os respetivos familiares recebido o respetivo o preço, não tendo o ora R. recebido nada desse negócio, a que foi sempre alheio. Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé, por ter que ser conhecedora da sua falta de razão. A Autora replicou, impugnando a matéria das exceções. Sanearam-se os autos, fixando-se o valor da causa, julgando-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e selecionando-se a matéria de facto provada e a base instrutória. Exceção da autoridade do caso julgado Vieram os 1º e 2º Réus apresentar requerimento, invocando a exceção dilatória de autoridade do caso julgado, porquanto no processo nº 0002/00.0TBCSC, em que figura como Autora a ora 1º Ré e Ré a ora Autora, foi proferida sentença, confirmada no Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente, o pedido formulado pela ali Autora, de condenação na entrega pela ali Ré à aqui Autora o prédio urbano objeto dos presentes, por ser sua proprietária e a ali Ré não ter título para o ocupar. Nesse processo a ali Ré invocou, além do mais, a desconsideração da personalidade jurídica da Autora, que veio a ser apreciada e declarada improcedente, que é a questão que é posta em causa nos presentes autos. A Autora pronunciou-se no sentido de não proceder esta questão, porquanto a ação deduzida pela ora Ré foi declarada improcedente; nestes peticiona-se que se declare que o bem em questão é comum, com pedidos indemnizatórios, sendo diferentes a causa de pedir e as partes. Conhecer-se-á esta questão já na apreciação de direito, por exigir a apreciação de novos factos e de forma a aproveitar-se todo o já processado. (…) IV. Fundamentação de Direito 1- Da exceção da autoridade de caso julgado Resulta da matéria de facto assente que correu termos ação na qual a 1º Ré (processo nº 0002/00.0TBCSC), arrogando-se a propriedade do imóvel em causa nestes autos, pediu a condenação da ora Autora a entregá-lo. (…) No nosso processo, a Autora, com fundamento também na desconsideração da personalidade da ora 1ª Ré (ali Autora) peticiona, no pedido principal, que se declare que o imóvel é bem comum do 2º Réu e da Autora, porque adquirido no âmbito do casamento. Pode aqui ser novamente discutida esta questão, entre a Autora e a 1ª Ré? (…) Assim, e da mesma forma, não obstante a improcedência do pedido formulado pela ora 1º Ré no que toca à entrega do imóvel, certo é que ali foi decidida, como exceção perentória invocada pela ora Autora, que não deve ser levantada a personalidade da ora 1ª Ré, ali Autora e considerar-se que o imóvel é bem comum do casal que foi formado pela aqui Autor (ali Ré) e pelo aqui 2º Réu. É certo, repete-se que a ação foi ali julgada improcedente. Mas por motivos diferentes que se fundaram na existência de um comodato e que determinaram que se admitisse expressamente a aplicação ao caso do disposto no então vigente do artigo 673º nº 3 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos “Conclui-se, assim, que a acção deve ser julgada improcedente, sem embargo de essa improcedência ser ditada por não estarem ainda verificadas as condições materiais para o exercício do direito da demandante, pelo que não deixará de se aplicar in casu o disposto na 2ª parte do artº 673º, do Código de Processo Civil”. Ora, estando ali decidida a questão da propriedade do imóvel, atribuída á aqui 1ª Ré e não ao casal formado pela aqui primeira Autora e pelo aqui 2º Réu, não pode nestes autos, fazendo-se tabua rasa do expressamente apreciado e julgado naquela ação, decidir-se o contrário, entre estas mesmas partes (a aqui Autora e a 1º Ré, ali com posições invertidas). Diretamente, de forma chocante, pôr-se-ia em causa a segurança jurídica, perdendo a 2ª Ré a possibilidade de fazer valer um direito a entrega de um imóvel por via da sua propriedade, que lhe fora expressamente admitido, assim que deixasse de vigorar a exceção perentória material, mas com meros efeitos dilatórios (retardando a entrega inerente ao direito de propriedade que lhe foi implicitamente reconhecido). E possibilitando-se à Autora que fizesse valer um direito que lhe foi também negado na sentença proferida nos autos com decisão já transitada: a de ver o imóvel considerado como atribuído ao património comum do casal de que fez parte. Entende-se que se está, no que toca ao primeiro pedido, perante um caso manifesto em que opera a autoridade de caso julgado. E a mesma decisão, no âmbito das questões em apreço nestes autos, abrange também o 2º Réu, que nega tal aquisição e atos que fundamentam a desconsideração. * b) Quanto aos demais pedidos: (…) Entende-se que também a estes se estende a autoridade de caso julgado, por via do supra já explanado: também estes pedidos se fundam todos na desconsideração da personalidade judiciária. Mas mesmo que assim se não entendesse, considerando que o instituto em causa é o da responsabilidade aquiliana, não se verificam os seus pressupostos (…) (…) V. Decisão Por todo exposto, julgando-se verificada a exceção de autoridade e caso julgado, absolvem-se os Réus da instância. 12. Da referida sentença a A. interpôs recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, que por Acórdão de 13/032018, certificado a fls. 5316-5365 do PF e cuja certidão foi junta com o requerimento do PE com a refª 25038607 de 26/12/2019, julgou o recurso improcedente. 13. Ainda inconformada a A. interpôs recurso de revista normal para o STJ, o qual veio a ser admitido como revista excepcional. 14. A 28 de Março de 2019 o STJ proferiu o Acórdão certificado a fls. 1178-1192 do PF, certidão junta com o requerimento do PE refª 25074972 de 02/01/2020 e que decidiu “em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação reforçada, e com o alcance de julgar a ação improcedente, absolvendo-se os R.R. dos pedidos contra eles formulados.” 15. O referido Acórdão foi objecto de reclamação, tendo transitado em julgado a 21/06/2019, conforme certificado a fls. 5649 (24º Volume) do PF, estando a certidão junta com o requerimento do PE com a refª 25074972 de 02/01/2020. * Direito Dispõe o artigo 580º do CPC: 1. As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. 3. (...) E dispõe o art.º 581º do CPC: 1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (...) O art.º 628º dispõe: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível d e recurso ordinário ou de reclamação” O artigo 619.º n.º 1 do CPC estabelece: “Transitada em julgado a sentença (…), a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º (…)”. O art.º 621º também do CPC dispõe: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”. O efeito mais importante a que a sentença pode conduzir, é o caso julgado. Diz-se que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável. O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada - Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de processo Civil, pág. 703. A garantia da imodificabilidade da decisão transitada em julgado é dada através da excepção de caso julgado: não se permite a proposição de nova acção destinada a apreciar a questão solucionada por essa decisão - ob. cit., pág. 704. O caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exactamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação. * Importa, no entanto, distinguir, no que á força obrigatória diz respeito, entre o efeito negativo do caso julgado – e que se traduz na proibição de repetição de uma nova decisão sobre a mesma questão ou pretensão e que actua através da “excepção dilatória do caso julgado” – e o efeito positivo do caso julgado – e que consiste na vinculatividade da decisão, relativamente a um objecto posterior e que actua através da “força e autoridade do caso julgado”. Relativamente à primeira “constitui um meio de defesa do réu, baseado na força e autoridade do caso julgado (material) que compete a uma precedente decisão judicial” e, relativamente à segunda, “refere-se à qualidade ou valor jurídico especial que compete às decisões judiciais a que diz respeito. “Enquanto que a autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual.” – in Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, 3ª ed., pág. 45) Por seu turno, Miguel Teixeira de Sousa (in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material” - BMJ nº 325, pág. 49 e segs.) distingue esses mesmos conceitos da seguinte forma: “Esta repartição nas formas de consumpção objectiva, acrescida de identidade de partes adjectivas, é determinante para a qualidade da relevância em processo subsequente da autoridade de caso julgado material ou da excepção de caso julgado: quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção do caso julgado. Ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção de caso julgado.” (cfr. pág. 171) [sublinhado nosso]. E mais adiante ( ob. cit. pág. 172) escreve: “Dada a mútua determinação da autoridade de caso julgado e da excepção de caso julgado, o caso julgado material só se torna autoridade de caso julgado na eventualidade de consumpção prejudicial entre objectos processuais. A consumpção prejudicial exige a pressuposição da decisão do objecto posterior pela decisão do objecto anterior, o que torna a decisão sobre o objecto antecedente uma premissa da decisão do objecto subsequente (…)”. E quanto à excepção de caso julgado refere (pág. 175): “Dada a recíproca delimitação entre a autoridade de caso julgado e a excepção de caso julgado, o caso julgado material só se torna excepção de caso julgado na eventualidade de consumpção recíproca entre objectos processuais. Como identidade de objectos processuais pressupõe igualdade nos seus aspectos de individualização, referidos à causa de pedir e à pretensão processual individualizada, e nos seus aspectos de função, relativos á forma de tutela judiciária requerida, a excepção de caso julgado apenas surge nas situações de reprodução de objectos processuais. A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo duas vezes de maneira idêntica.” E concluindo refere (pág. 178-179): “(…) o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente. Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente – a normatividade da autoridade de caso julgado provém directamente do efeito positivo do caso julgado material;(…)”. Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 749 aludem á distinção, no âmbito do caso julgado material, entre o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado), ou seja, o efeito preclusivo do caso julgado, traduzido na inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida, dizendo: “Com o caso julgado condenatório precludem definitivamente todos os meios de defesa invocáveis contra a pretensão deduzida, absorvendo-se neste efeito preclusivo extraprocessual a preclusão intra-processual produzida quando na contestação não são invocadas excepções que não sejam de conhecimento oficioso (…). Com o caso julgado absolutório precludem todas as razões de sustentação da pretensão deduzida, que não encontraram acolhimento na decisão proferida (…). Fala-se de efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida.” Do exposto, pode extrair-se que a autoridade de caso julgado funciona independentemente da verificação da tríplice identidade prevista nos artigos 580º e 581º do CPC e pressupõe a decisão de determinada questão, a qual é condição para a apreciação do objecto processual posterior, dada a existência duma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois objectos. Neste âmbito, a verificação da autoridade de caso julgado conduz á exclusão de toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada em julgado. Evidente se torna, ainda, nesta perspectiva, que a autoridade do caso julgado não abrange apenas a parte decisória da sentença ou despacho, mas também os fundamentos (de facto e de direito) pressupostos da parte dispositiva. Como escreve Teixeira de Sousa, em Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 578 “não é a decisão, enquanto silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo no seu todo.” Vem isto a significar que há que proceder à interpretação do conteúdo da sentença ou do despacho, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado ( neste sentido, ainda que sem referência expressa à distinção entre excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado, o já vetusto mas actual Ac. do STJ de 09.06.89., BMJ, 388, 377 - as razões essenciais da decisão tornam-se indissociáveis da sua parte dispositiva, nela se consubstanciando. Constitui grave incongruência de julgados dar à questão fundamental e necessariamente comum para a definição dos pedidos que representam o objectivo de diversas acções entre os mesmos sujeitos processuais, solução divergente da que foi estabelecida em decisão anterior transitada em julgado – e o Ac. STJ, 24.09.92, in BMJ, 419, 648 - a solução mais conforme à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias e às estabilidade e certeza das relações jurídicas é a de adoptar um critério moderado que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconheça, todavia, essa autoridade à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado material. * A A. pede que a escritura de Compra e Venda do Imóvel, seja declarada nula por fraude à lei ou se assim não se entender, por abuso de direito e, em consequência, que o imóvel ser registado como propriedade do Réu Nuno, integrando o património comum do ex casal. Neste ponto importa ter em consideração que na definição do alcance do pedido, deve ter-se essencialmente em consideração o efeito prático que se pretende alcançar – Anselmo de Castro, in Processo Civil (Declaratório), pág. 160. E o efeito prático que A. pretende alcançar não é a pura e simples declaração de nulidade de compra e venda, esta é apenas a via utilizada para que, no final do percurso, seja reconhecido que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno na constância do casamento e, assim, e integra o património do ex-casal, já que eram casados no regime da comunhão de adquiridos. * Ainda que com referência a outro pedido, mas cujo efeito prático é idêntico ao destes autos, a questão da autoridade do caso julgado no processo 0002/00.0TBCSC foi colocada no âmbito do processo n.º 0001/00.0TBCSC e ali objecto de análise extensa e decisão em última instância pelo Acórdão do STJ de 28/03/2019, que aqui constitui como referência fundamental. Como afirma o STJ no Acórdão citado, “Do quadro acima traçado extrai-se que o silogismo judiciário em que se estriba o juízo de improcedência da pretensão restituitória deduzida pela C, Lda., no referido processo n.º 0002/00.0TBCSC encerra, nas suas premissas, o reconhecimento do direito de propriedade dessa autora sobre o imóvel ora em causa, perante a ali ré e aqui A. Ana, derivado da presunção legal do registo a seu favor, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial.”. Afirma ainda o STJ que “o reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre aquele imóvel ínsito no veredito do processo n.º 0002/00.0TBCSC consubstancia decisão de questão fundamental com autoridade de caso julgado, nos termos do art. 621.º do CPC.” E finalmente e no que ora releva, “Assim, o reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa, coberto como está pelo efeito da autoridade do caso julgado material do caso julgado material decorrente da decisão proferida no processo n.º 0002/00.0TBCSC, mostra-se incompatível com ulterior reconhecimento de que o mesmo imóvel tem a natureza de bem comum do casal formado pela ali ré e aqui A. Ana e pelo ora R. Nuno, tal como se pretende na presente ação.“ O reconhecimento do direito de propriedade da aqui Ré C, Lda., sobre o imóvel dos autos, na acção que correu termos sob o n.º 0002/00.0TBCSC, é incompatível com o reconhecimento de que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno e é propriedade do extinto casal. Aquele reconhecimento impõe-se na presente acção, com efeito impeditivo substantivo de que o mesmo imóvel foi adquirido pelo aqui R. Nuno e, por essa via, integra o património do extinto casal formado pelo referido R. e pela aqui A. Ana, inscrevendo-se no plano do mérito do pedido principal e do primeiro pedido subsidiário deduzidos na presente acção, determinando a improcedência dos mesmos e, assim, a absolvição dos RR. de tais pedidos. * O facto de o R. Nuno não ter sido parte no processo n.º 0002/00.0TBCSC, sendo portanto terceiro relativamente ao mesmo, não impede que o efeito da autoridade do caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa nos autos, decorrente da decisão proferida no referido processo, se lhe estenda e aproveite. E isto porque tal efeito de autoridade de caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa nos autos é absolutamente incompatível e, portanto, exclui, o efeito prático pretendido com o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário e que é o reconhecimento de que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno e é propriedade do extinto casal. * Além disso, o STJ vai mais longe e afirma que: “Veio ainda a A. suscitar, na presente ação, a questão da fraude à lei, por parte da atuação concertada da 1.ª R. e do 2.º R., sustentando que estes se conluiaram para subtrair, ilicitamente, o imóvel em causa ao património do casal, violando o disposto nos artigos 564.º e 580.º do CPC e os artigos 483.º e 1724.º do CC. As instâncias consideraram tal questão prejudicada pela solução dada à questão pertinente à autoridade do caso julgado. Ora, na linha do já acima exposto, o caso julgado alcança também a preclusão de todas as questões em relação aos quais impenda sobre o réu o ónus de concentrar toda a defesa conforme o estabelecido no artigo 573,º do CPC. Assim, não tendo a ora A. suscitado a referida questão aquando da sua defesa deduzida no processo n.º 0002/00.0TBCSC perante a ali A. C, Lda., tal questão encontra-se irremediavelmente precludida, pelo menos no âmbito das pretensões deduzidas na presente ação. Essa preclusão não só vincula a A. perante a 1.ª R. como também aproveita ao 2.º R. a quem tal ilicitude vem imputada a título de co-autoria, nos termos e para os efeitos dos já indicados artigos 490.º, 497.º e 522.º, 2.ª parte, do CC. Termos em que tal questão se encontra coberta pela autoridade do caso julgado acima considerada.” Esta doutrina tem plena aplicação nos autos, dela se extraindo que a fraude á lei - causa de pedir do pedido principal deduzido nestes autos – e o abuso de direito - causa de pedir do primeiro pedido subsidiário – enquanto excepções deviam ter sido invocadas no processo n.º 0002/00.0TBCSC; não tendo sido ali invocadas, precludiu a sua invocação á luz do disposto no art.º 573º do CPC; se precludiu a sua invocação por via de excepção – o menos – precludiu a sua invocação por via de acção – o mais – de acordo com a regra de quem não pode o menos, também não pode o mais. * Finalmente, tal autoridade de caso julgado não afecta, ao contrário do pretendido pelos RR., o segundo pedido subsidiário – pagamento de metade do preço a titulo de enriquecimento sem causa (o que não significa que não tenha relevância, a qual veremos adiante, aquando da apreciação da questão da prescrição). É um facto que, como já referido, o STJ ponderou que “o caso julgado alcança também a preclusão de todas as questões em relação aos quais impenda sobre o réu o ónus de concentrar toda a defesa conforme o estabelecido no artigo 573º do CPC”. Em primeiro o STJ em parte alguma ou em momento algum se refere ao enriquecimento sem causa. Por outro lado, como decorre da simples leitura do art.º 573º do CPC, este apenas se tem em vista a defesa, seja ela por impugnação ou por excepção. O enriquecimento sem causa não opera por via de excepção, antes tendo de ser objecto de pretensão, seja ela por via de acção ou de reconvenção. E da mesma forma que o direito de crédito emergente de enriquecimento sem causa é um direito disponível, também o direito de reclamar judicialmente tal direito o está na disponibilidade do respectivo titular. De referir que a alegação de que o preço do imóvel terá sido pago com bens comuns do casal que foi constituído pela A. e pelo R. Nuno não equivale a colocar em causa a propriedade de tal imóvel, já que se trata de realidades diferentes e que não se excluem. O facto de o STJ ter afastado a questão ali suscitada da fraude à lei, ao abrigo do disposto no art.º 573º do CPC e de acima se ter considerado que se não foi invocada por via de excepção, também não pode ser invocada por via de acção, nada tem a ver com o enriquecimento sem causa, já que se trata de realidades diferentes e que não se excluem. Destarte e quanto ao segundo pedido subsidiário, improcede a invocada excepção de autoridade de caso julgado. * Termos em que se julga parcialmente procedente a excepção de autoridade de caso julgado relativamente ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário e em consequência absolve-se os RR. de tais pedidos. * Custas nesta parte pela A. – 527º n.º 2 do CPC * Da excepção de prescrição do segundo pedido subsidiário. * Fundamentação de facto Dá-se aqui por reproduzida a factualidade provada aquando da apreciação da excepção de autoridade de caso julgado. * Direito Dispõe o art.º 482º do CC que o direito à restituição prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento. Informa a doutrina – Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, anotação ao art.º 482º e Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 10ª edição, pág. 436-437 – que se estabelecem dois prazos de prescrição: um de 3 anos a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável; outro de 20 anos, a contar, segundo as regras gerais, do momento em que se verificou o enriquecimento. Este último releva se o empobrecido apenas teve conhecimento do empobrecimento e da pessoa do responsável decorridos mais de três anos após o momento em que se verificou o enriquecimento e antes de decorridos 20 anos a contar deste último momento. Para efeitos do disposto no art.º 482º do CC mostra-se essencial o momento do conhecimento do direito á restituição por enriquecimento sem causa. O STJ entendeu que o referido normativo só se aplica a partir do momento em que o direito puder ser exercido, aplicando o disposto no art.º 306º n.º 1 do CC, ou seja, havendo controvérsia quanto á fonte do enriquecimento, só definida, com trânsito em julgado, essa controvérsia, é que se pode considerar constituído o direito de restituição (Ac. do STJ de 24/02/1999, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 98B1201) e de forma mais ampla, no Ac. de 26/02/2004, consultável no sitio já referido pelo processo 03B3798, entendeu-se que tendo o enriquecimento sem causa natureza subsidiária, (art.º 474º do CC), logicamente o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. No Ac. da RL de 12/04/2011 consultável in www.dgsi.pt/jstj ponderou-se a possibilidade de a doutrina definida pelo Ac. do STJ referido por último conduzir a uma sucessão de acções e só depois de terem claudicado todas as acções, ser instaurada a acção de enriquecimento sem causa. Referindo tratar-se de uma hipótese quase académica, consigna que mesmo nesse caso o prazo prescricional do art.º 482º do CC só se inicia com o trânsito em julgado da última das decisões proferidas, a menos que haja repetição de causa, como se refere no Ac. do STJ de 24/10/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 02B2831e onde se escreveu: “É certo que, sendo a acção de enriquecimento subsidiária, o prazo para a sua propositura só se deveria iniciar após transito em julgado da decisão absolutória proferida na segunda acção.(…). Mas não no caso, em que a segunda acção é uma repetição da primeira, segundo as definições dos artigos 497 n. 1 e 2, e 498, ambos do Código de Processo Civil. E daí que, não possam as sucedâneas acções em que se reconhece haver repetição da causa - da mesma causa - servir para interromper sucessivamente o prazo de prescrição, previsto pelo artigo 482 do Código Civil. A subsidiariedade não pode ir tão longe que permita experimentar a sucessão de fundamentos juridicamente coincidentes, destinados ao mesmo efeito jurídico -no caso, a pretendida a anulação do negócio jurídico social. Fracassado um, seguir-se outro... sendo que, todos eles, avaliados na perspectiva referencial das duas normas processuais indicadas, não passavam da mesma causa jurídica, activada entre os mesmos sujeitos, visando idêntico efeito jurídico; e, que, por isso, conduziram à declaração judicial tornada caso julgado material, verificado na segunda acção. Afinal o que sucedeu foi uma repetição de causas, de objecto igual entre os mesmos sujeitos. E o prazo de contagem para a propositura da acção subsidiária de enriquecimento, só poderia legalmente iniciar-se a partir da data de definitividade da primeira, por via da repetição. A tese dos recorrentes (no contexto das duas acções que se substituem no tempo, sobre o mesmo objecto) propondo que o prazo se conte da data de trânsito em julgada da última das acções (…), seria um caminho que perpetuaria o prazo daquela acção subsidiária de enriquecimento, até ao limite da prescrição ordinária -e mesmo assim poderia prolongar este, quase ad eternum..., se se considerasse também a sua própria interrupção, segundo o n. 1, do artigo 323, do Código Civil. * O enriquecimento sem causa invocado nos autos funda-se no facto de o direito de propriedade sobre o imóvel referido nos autos, ter sido adquirido pela Ré C, Lda., alegadamente, com meios financeiros próprios da aqui A. Ana e com bens comuns extinto casal constituído pela mesma e pelo aqui R. Nuno. Alega a A. que teve conhecimento que o imóvel estava inscrito no registo predial a favor da Ré aquando da realização do procedimento cautelar e arrolamento. Dos autos apenas se extrai que a aqui A. intentou procedimento cautelar a 15/06/2004 (fls. 126v) e o tribunal proferiu decisão a 16.06/2004 (fls. 138v.), desconhecendo-se em que data precisa tal ocorreu. Mas se há dúvidas quanto a esse primeiro momento, há um segundo momento a considerar. Resulta da factualidade provada que a 12 de Maio de 2009, C, Ldª intentou no então Tribunal Judicial da Comarca de Cascais acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Ana pedindo fosse a Ré condenada a entregar à A., livre e devoluto, o imóvel, acção essa distribuída ao _º Juízo Cível sob o n.º 0002/00.0TBCSC (pontos 1 e 2 da factualidade provada). Nos referidos autos foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, mas em cujos fundamentos se reconhece o direito de propriedade da aqui Ré C, Lda., sobre o referido imóvel, perante a ali Ré e aqui A. Ana, derivado da presunção legal do registo a seu favor, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial (ponto 6 da fundamentação de facto). Da referida sentença a ali A., aqui Ré C, Lda., interpôs recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, que pelo Acórdão de 18/09/2012, transitado em julgado a 24/10/2012, julgou o recurso improcedente (ponto 7 da fundamentação de facto). Sendo assim e tendo em consideração a jurisprudência supra referida, há que considerar que a data a partir do qual a aqui A. Ana teve conhecimento do direito à restituição e da pessoa do responsável e passou a poder exercer o seu direito de restituição fundado em enriquecimento sem causa, é a do trânsito em julgado do Ac. da RL proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC, pois é nesse momento que fica resolvida definitivamente e se consolida na ordem jurídica a questão da propriedade da Ré C, Lda., sobre o imóvel em referência nos autos. Não invoque a A. propositura da acção distribuída ao extinto _º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais sob o n.º 0001/00.0TBCSC, porquanto com o trânsito em julgado do Ac. da RL proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC a A. já não podia invocar outra causa concreta para o respectivo empobrecimento, como, aliás, resulta do facto de tal acção ter sido julgada improcedente com fundamento, apenas e tão só, na autoridade do caso julgado do processo n.º 0002/00.0TBCSC, tendo aqui aplicação, mutatis mutandis a doutrina do Ac. do STJ de 24/10/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 02B2831, quando se refere ao caso julgado, ou seja, se o fundamento do enriquecimento ficou resolvido com a decisão da TRL, então é a partir do trânsito em julgado do mesmo que se conta o prazo prescricional. E não se diga também que na data em que foi proferido o Ac. da RL no processo n.º 0002/00.0TBCSC ainda se encontrava pendente a acção n.º 0001/00.0TBCSC, já que tal facto em nada impedia a aqui A. de intentar uma nova acção com fundamento em enriquecimento sem causa. E não se diga também que a autoridade de caso julgado só se verifica com o trânsito em julgado do Ac. do STJ de 28/03/2019 proferido n.º 0001/00.0TBCSC, porquanto a verificação de tal excepção reporta-se sempre e tem como referência os fundamentos e o trânsito em julgado da decisão invocada, no caso do Ac. do TRL de 24/10/2012, ou seja, a vinculatividade da decisão proferida n.º 0002/00.0TBCSC nasce com o trânsito em julgado do Ac. da TRL proferido a 24/10/2012 e não com qualquer decisão posterior. Em síntese: fundando-se o enriquecimento sem causa no facto de o direito de propriedade sobre o imóvel referido nos autos, ter sido adquirido pela Ré C, Lda., alegadamente com meios financeiros próprios da aqui A. Ana e com bens comuns extinto casal constituído pela mesma e pelo aqui R. Nuno e tendo a questão da propriedade da Ré C, Lda., sobre o imóvel em referência nos autos, ficado resolvida definitivamente na ordem jurídica com o trânsito em julgado do Ac. da RL de 24/10/2012, proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC, então é nesse momento que se impõe considerar que a A. teve conhecimento do direito á restituição e da pessoa do responsável e passou a poder exercer tal direito, não tendo aqui qualquer influência a pendência da acção 0001/00.0TBCSC, já que a vinculatividade da decisão proferida naquele processo nasce com o trânsito em julgado do Ac. da TRL e reporta-se sempre a esta data e não com ou a qualquer decisão posterior. * Tendo a presente acção sido proposta a 16/11/2018, nessa data há muito tinham decorrido mais de 3 anos a contar de 24/10/2012, mais concretamente tinham decorrido 6 anos e 22 dias, pelo que se impõe concluir que á data o direito de pedir a restituição fundada em enriquecimento sem causa se encontrava prescrito. * Uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, o que, processualmente constitui a alegação de um facto impeditivo do direito do A. e, nessa medida, de uma excepção perenptória, cuja verificação determina absolvição do pedido (art.º 576º n.º 3 do CPC). * Decisão Termos em que se julga verificada a excepção peremptória de prescrição oposta ao segundo pedido subsidiário e em consequência absolve-se os RR. de tal pedido. * Custas nesta parte também pela A. – art.º 527º n.º 1 do CPC.» * Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, concluindo assim, de forma desnecessariamente extensa e, por vezes, prolixa, as respetivas alegações: «I - O presente recurso tem por objecto, antes de mais, as nulidades de contradição entre a fundamentação e a decisão prevista no art. 615º Nº1 c) do CPC, e de não pronúncia, por parte do Tribunal recorrido sobre questões sobre as quais se deveria ter pronunciado, prevista no art. 615º Nº1 d) primeira parte do mesmo diploma legal. II - No que concerne à primeira nulidade, a mesma respeita ao segundo pedido subsidiário relativo à indemnização fundada em enriquecimento sem causa e que por isso se deixou a sua abordagem para segundo lugar, atenta a sequência lógica da exposição, face à própria decisão recorrida. III - No que respeita à segunda nulidade, melhor desenvolvida em primeiro lugar em sede de alegações, por razões de clareza de exposição, a mesma resulta, no entender da Recorrente, mais concretamente, de o Tribunal recorrido não ter feito qualquer menção sobre a matéria de facto alegada nos presentes autos, limitando-se a indicar como fundamentação de facto a matéria que resulta do desenvolvimento destes autos e dos processos Nºs 0001/00 e 0002/00 e também do facto de o Tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre questões de Direito nunca antes suscitadas, como foi o caso da nulidade da escritura ou do contrato de compra e venda do imóvel dos autos, em virtude de fraude à Lei, ou, subsidiariamente, de abuso do direito, bem como de não se ter pronunciado sobre a natureza ilidível da presunção fundada no registo predial – art. 7.º do Código do Registo Predial. IV – Em segundo lugar constitui objeto do presente recurso a desconsideração da excepção de autoridade de caso julgado sustentada pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, bem como a discordância da Recorrente quanto à verificação da excepção de prescrição que, em seu entender, não deve ser julgada procedente. V - Além disso, mesmo que não se considerem verificadas as nulidades apontadas pela Recorrente e, considerando a mesma que não se verificam as excepções peremptórias de autoridade de caso julgado em relação ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário e de prescrição, relativamente ao segundo pedido subsidiário, constitui igualmente objecto do presente recurso o pedido de apreciação da matéria de facto alegada nos presentes autos e não julgada pela primeira instância, ainda que para tanto os autos tenham de baixar para julgamento e o pedido de apreciação pelo douto Tribunal de recurso da matéria de Direito também não julgada na primeira instância, relativa à nulidade da escritura do imóvel em causa nos presentes autos, com base na fraude à Lei ou, se assim não se entender, com base no abuso do direito e a matéria relativa à natureza ilidível da presunção registal da propriedade do imóvel, além da matéria relacionada com o enriquecimento sem causa. VI - Finalmente, é suscitada no presente recurso a questão da inconstitucionalidade do art. 621º do CPC, por violação do art. 20º da CRP, na interpretação segundo a qual a autoridade do caso julgado se estende ao chamado “caso julgado implícito”, no sentido de que, uma pretensão deduzida numa acção posterior, ainda que não seja a mesma da acção anterior, desde que com a mesma implicada, já não pode ser conhecida nesta última acção. VII - No que concerne à missão de pronúncia sobre questões que o Tribunal Recorrido deveria ter conhecido, cominada com a nulidade prevista no art. 615º Nº1 d) CPC, é de salientar, antes de mais que, na fundamentação de facto da douta sentença, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre qualquer factualidade alegada na presente acção, limitando-se a elencar como matéria de facto provada a marcha do presente processo, bem como a das acções Nºs 0002/00 e 0001/00. VIII - O que significa que, independentemente de ter julgado verificadas as excepções peremptórias de autoridade de caso julgado e de prescrição do direito da recorrente relativamente ao pedido indemnizatório fundado em enriquecimento sem causa, o douto Tribunal recorrido, nem sequer por remissão ou, alegando a eventual prejudicialidade das excepções em causa em relação à matéria de facto objecto da presente acção se pronunciou sobre a mesma. IX - Por outro lado, a douta sentença recorrida também não se pronuncia sobre a questão da nulidade da escritura ou do contrato de compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos e melhor identificado no introito do presente recurso, questão essa que foi pela primeira vez suscitada nos presentes autos e, sendo, no entender da Recorrente, uma questão sobre a qual o Tribunal recorrido se devia ter pronunciado, não foi apreciada. X – De igual modo, não se pronunciou a douta sentença recorrida sobre a natureza ilidível da presunção da propriedade do imóvel a favor da Recorrida C, Lda., que assenta apenas no registo predial a seu favor, nos termos do art. 7º do C. Reg. Pred., sendo esta também, no entender da Recorrente, uma questão essencial sobre a qual o douto Tribunal Recorrido se deveria ter pronunciado. XI - Já no que se refere à contradição entre a fundamentação e a decisão, a mesma resulta do facto de, no que concerne ao pedido indemnizatório fundado em enriquecimento sem causa, a douta sentença recorrida fazer referência ao Ac. TRL de 12/04/2011 que, por seu turno remete para outro Acórdão STJ de 24/10/2002, segundo o qual a acção de enriquecimento sem causa só pode ser instaurada depois do decaimento no último pedido indemnizatório, a menos que este seja uma repetição do anterior e depois conclui que, no caso vertente, o prazo de prescrição da mesma acção afinal começa a contar do momento em que foi decidida a acção que é uma repetição da primeira. XII - Na verdade, coloca-se a questão de saber, no presente caso, qual é a segunda acção e, por consequência, qual é a causa que o Tribunal Recorrido considera repetida, porque, a decisão que tomou quanto ao pedido indemnizatório baseado em enriquecimento sem causa, ao considerar como primeira acção a acção Nº 0002/00 que, na realidade é a segunda acção e não a primeira, acaba por contrariar a fundamentação da sua própria decisão, assente na Jurisprudência citada em XI das presentes conclusões. XIII - O facto é que, resultou provado nos pontos 1 e 2 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, que a acção Nº 0002/00.0TBCSC foi instaurada em 12 de Maio de 2009 - cfr. certidão de fls. 380v-384 do processo físico (PF) e certidão junta com o requerimento que no Processo electrónico (PE) tem a refª 23494639 de 16/07/2019 -, altura em que se encontrava já pendente a acção Nº 0001/00.0TBCSC, conforme terá de resultar provado pela certidão referida no ponto 8 da fundamentação de facto da douta sentença, junta pelos Recorridos a fls. 1620- 1659 do processo físico (PF), certidão junta com o requerimento que no Processo electrónico (PE) tem a refª 24017248 de 19/09/2019. XIV - Não podendo ignorar-se que, da referida certidão resulta que a acção Nº0001/00 já tinha sido instaurada em 17/09/2008. XV - O que sucedeu foi que, a referida acção Nº0001/00, instaurada em primeiro lugar foi decidida posteriormente – 31/08/2017 em primeira instância (ponto 10 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida) - à acção Nº0002/00 - decidida com trânsito em julgado em 24/10/2012 (ponto 7 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida), apesar desta última ter sido a segunda acção a ser instaurada e, por consequência, a haver alguma acção repetida, seria a acção Nº0002/00 e não a acção Nº0001/00, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo. XVI – Ou seja, se o douto Tribunal recorrido considerou na fundamentação da sua decisão que, o prazo de propositura da acção de condenação por enriquecimento sem causa só começa a contar após o trânsito em julgado da sentença absolutória proferida na segunda acção (0002/00), a menos que esta seja uma repetição da primeira (0001/00) como foi, o prazo de prescrição deveria ter começado a contar-se da data do trânsito em julgado da primeira acção (0001/00), sob pena de contrariar na decisão a sua própria fundamentação como fez e de incorrer assim na nulidade prevista no art. 615º Nº1 c), primeira parte do CPC. XVII - Razão pela qual as nulidades em causa deverão ser sanadas. XVIII - Em matéria de excepções invocadas pelos Recorridos decidiu o Tribunal recorrido considerar verificada a excepção de autoridade de caso julgado no que respeita ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário, decisão com a qual a Recorrente não se pode conformar. XIX - A decisão sobre a verificação do caso julgado assenta na doutrina e na jurisprudência segundo as quais, independentemente de os pedidos formulados em várias acções serem diferentes, se a questão fundamental a decidir é a mesma, a decisão posterior não pode dar a essa questão fundamental decisão diversa da que foi definida pela decisão anterior, sendo, no entender do Tribunal, a questão fundamental a decidir a questão da propriedade do imóvel em causa nos presentes autos, já anteriormente definida, ainda de acordo com o mesmo entendimento do Tribunal a quo com trânsito em julgado no processo nº0002/00 e confirmado no processo nº6659/09. XX - Sendo certo que, a aludida questão fundamental da propriedade do imóvel foi decidida na acção Nº0002/00 e, por remissão, na acção Nº0001/00 com base em duas premissas: - Ada presunção fundada no registo e - A validade do contrato de compra e venda. XXI - O que equivale a dizer que, nas mesmas acções nunca foi colocada a questão (e essa questão muito menos foi decidida) da nulidade do contrato ou da escritura, de modo a afastar a presunção ilidível da propriedade fundada no registo predial. XXII -Tendo as decisões da acção Nº0002/00 e da acção Nº 0001/00 por remissão partido sempre do pressuposto ainda que erróneo de que o contrato de compra e venda do imóvel era válido e, como tal, a simples presunção de propriedade fundada no registo posterior à compra era suficiente, sem que estas questões nunca tenham sido suscitadas nem apreciadas. XXIII - Nessa medida, as questões da nulidade do contrato de compra e venda do imóvel e do afastamento da presunção ilidível do registo predial devem ser conhecidas nos presentes autos, por não estarem, no entender da Recorrente, abrangidas pela autoridade do caso julgado. XXIV - Sendo que, para tanto, deverá ser julgada a matéria de facto alegada para sustentar a fraude à lei ou, se assim não se entender, a matéria de facto alegada para sustentar o abuso do direito, o que não aconteceu em primeira instância e, mesmo sem prejuízo dos poderes de cognição do Venerando Tribunal da Relação em matéria de Direito. XXV - Acrescendo que, no entender da Recorrente se verifica, por parte da douta sentença recorrida, uma violação do caso julgado da decisão final do processo Nº 0002/00.0TBCSC, relativamente à independência das acções e respectivos pedidos, por analogia com a acção Nº0001/00,3TBCSC. XXVI - Efectivamente, a decisão final daquele Proc. Nº 0002/00 determinou, com trânsito em julgado em 18/09/2012 que a mesma acção e a acção Nº 0001/00 eram acções independentes, podendo ser julgadas separadamente e, como não poderia deixar de ser, o mesmo deveria ter sucedido na presente acção, em vez de não se conhecer do mérito da questão, como foi decidido em primeira instância. XXVII - Ou seja, a douta sentença recorrida, proferida nos presentes autos deveria ter-se pronunciado sobre os pedidos formulados na presente acção, por analogia com a situação dos pedidos formulados na acção Nº 0001/00, onde não foi conhecido o mérito da acção, por se ter considerado verificada - no entender da Recorrente, incorrectamente -, a excepção da autoridade de caso julgado, relativamente à questão do direito de propriedade do imóvel. Porém, XXVIII - O douto Tribunal a quo nos presentes autos incorreu, salvo o devido respeito, no mesmo erro que o Tribunal da Relação na decisão final da acção Nº 0001/00, violando o caso julgado da decisão final do processo nº 0002/00, relativamente à questão da independência das acções em causa, o que conduziu a uma situação de denegação de Justiça, numa clara violação do art.20ºda CRP, ao admitir a figura do chamado caso julgado implícito, contrariamente ao que tem sido sustentado pela doutrina, mais concretamente, pelo Prof. Remédio Marques. XXIX - Nesta medida e, face ao exposto nas conclusões anteriores do presente recurso, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que aprecie as questões de mérito suscitadas na presente acção, concluindo-se pela inexistência de caso julgado (seja a excepção ou a autoridade de caso julgado), em conformidade com o acórdão transitado em julgado e proferido na ação n.º 0002/00.0TBCSC. XXX -A Recorrente não se conforma igualmente com a decisão de considerar verificada a excepção de prescrição do direito de indemnização com base no enriquecimento sem causa ou do respectivo direito de acção, porquanto, considera que tal prescrição não se verifica. XXXI - Na realidade, se a sentença considera que é a partir do Acórdão da Relação proferido no proc. Nº 0002/00 que deve começar a contar o prazo de prescrição do direito de indemnização, por ter sido a partir dessa data que a Recorrente teve conhecimento do direito em causa, por ter sido então que se consolidou na ordem jurídica portuguesa a questão da propriedade do imóvel a favor da Recorrida C, Lda., a mesma contraria a Jurisprudência por si invocada, como fundamentação da decisão, mais concretamente, Ac. da RL de 12/04/2011 que, por sua vez remete para o Ac. do STJ de 24/10/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 02B2831. XXXII - Considerando que, foi a referida acção Nº0002/00,2TBCSC que foi instaurada posteriormente à acção Nº0001/00,3TBCSC, embora esta última, instaurada primeiro, tenha tido decisão posterior. XXXIII - E, assim sendo, a haver alguma repetição de causas, seria a da acção Nº0002/00 em relação à acção Nº0001/00 e não o contrário, sendo que só nesta acção Nº0001/00 é que a ora Recorrente formulou pela primeira vez uma pretensão indemnizatória, não tendo de o fazer na acção Nº0002/00, nem numa acção nova, na pendência da acção Nº0001/00, cujo desfecho era ainda desconhecido, na altura em que a Recorrida C, Lda., instaurou a acção Nº0002/00 e que a mesma foi decidida, sob pena de, decidindo de outra forma, como fez, a sentença recorrida contradizer a doutrina e jurisprudência invocada na mesma decisão recorrida. XXXIV – Termos em que, deveria ser a partir do trânsito em julgado da acção Nº 0001/00 em 18/03/2019 e não da acção Nº0002/00 que se deveria contar o prazo ordinário de prescrição do direito de indemnização fundado em enriquecimento sem causa ou da respectiva acção, em conformidade com o Ac. STJ de 10/12/2019, Revista Nº1448/15,1T8STB,EI,SI in www.dgsi.pt e o Ac. STJ de 07/11/2019, Proc. Nº354/14,1T8ALM.L.S2, publicado na mesma fonte supra. XXXV - Negados os pedidos indemnizatórios formulados pela ora Recorrente na acção Nº0001/00, a primeira a ser instaurada (embora decidida em último lugar), com trânsito em julgado em 18/03/2019, é a partir dessa data (e não de qualquer outra) que começa a contar o prazo de prescrição do direito a restituição por enriquecimento sem causa, terminando o prazo de prescrição apenas em 18/03/2022, sem prejuízo da suspensão dos prazos processuais determinada ao abrigo das leis temporárias entretanto publicadas em sede de estado de emergência. XXXVI - Se assim não se entender, deve sustentar-se, em conformidade com a posição que a própria sentença recorrida definiu em relação ao momento relevante para o conhecimento pela Recorrente do seu direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa – 24/10/2012 - e da pessoa do responsável que, o prazo prescricional a aplicar é o prazo ordinário de vinte anos e não de três anos. XXXVII - Isto porque, em 24/10/2012, data do trânsito em julgado do Acórdão final do proc. Nº 0002/00,2TBCSC, tinham passado cerca de dez anos sobre a data da escritura de compra e venda do imóvel da Av. do Faial em causa nos presentes autos (16/10/2002) e logo, encontrava-se já, manifestamente excedido o prazo ordinário de três anos previsto no art. 482º CC. XXXVIII - Nessa medida, no caso concreto, tal como resulta da própria douta sentença, deveria ser o prazo ordinário de vinte anos que deveria relevar, estando ultrapassado, à data em que a Recorrente teve conhecimento do seu direito à restituição, o prazo mais curto de prescrição de três anos, em conformidade com a doutrina sufragada por Pires de Lima eAntunes Varela, em anotação ao art. 482º CC. XXXIX - O que significa que, se a data do conhecimento por parte da Recorrente do seu direito a ser indemnizada com fundamento em enriquecimento sem causa ocorreu em 24/10/2012, o respectivo prazo de prescrição só terminaria em 24/10/2032, data muito posterior à da instauração da presente acção em 16/11/2018, não se verificando ainda pois, qualquer prescrição. XL - Nesta conformidade, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere improcedente a excepção de prescrição do direito a indemnização fundada em enriquecimento sem causa ou do direito de acção destinada a fazer valer esse direito. XLI – Se o Tribunal de recurso não julgar verificada a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do Nº1 do art. 615º do CPC - o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede -, no que respeita à matéria de facto alegada pelas partes nos presentes autos, entende a Recorrente que a matéria em causa deve ser conhecida, com a necessária produção de prova, designadamente, determinando-se a produção daquela que foi pedida no requerimento de aperfeiçoamento da p.i. da Autora, ora Recorrente de 18/01/2021 – referência Nº37751988. XLII - Não se podendo ignorar que a única factualidade constante da fundamentação da decisão recorrida é a que respeita ao desenvolvimento dos presentes autos e das acções Nº0002/00 e 0001/00, não referindo, ainda que indirectamente, qualquer outro facto alegado pelas partes e, sendo certo que, por todo o já exposto no presente recurso, a Recorrente entende não dever considerar-se verificada a excepção de autoridade de caso julgado, nem a excepção de prescrição. XLIII - Finalmente, no que respeita à matéria de Direito, a Recorrente reitera a posição sufragada no presente recurso segundo a qual, a pretensão de declaração de nulidade da escritura ou do contrato de compra e venda deduzida nestes autos deve ser conhecida de mérito, por não o ter sido ainda nas anteriores acções. XLIV - A verdade é que os Recorridos, a coberto de uma escritura pública e de um registo predial, pelo menos, aparentemente lícitos e válidos, pretenderam defraudar a Lei, mais concretamente, o regime de comunhão de adquiridos que, neste caso se impunha à Recorrente e ao Recorrido Nuno, por não ter sido convencionado nenhum outro e, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Inclusivamente, XLV - A sua intenção de defraudar a lei – mais concretamente, o art. 1724º b) CC -, e, consequentemente, de prejudicar a Recorrente foi ao ponto de, o contrato promessa de compra e venda que precedeu a escritura ter sido outorgado pelo Recorrido Nuno, na altura, casado com a Recorrente e que, nessa qualidade deveria ter intervindo no contrato em causa e vai também ao ponto de terem sido usados bens comuns do casal e bens próprios da Recorrente. XLVI- Toda esta conduta, sempre ocultando à Recorrente que o imóvel ia ser adquirido pela Recorrida C, Lda., o que não faria qualquer sentido, uma vez sendo o mesmo usado como casa de morada de família do então casal e sendo usadas para a sua compra verbas que eram próprias dos membros do então casal e não da sociedade Recorrida que, mesmo depois da aquisição do imóvel continuou a declarar que não era proprietária de imóveis. XLVII - Devendo, assim, em face do comportamento dos Recorridos ser declarada nula a escritura de compra e venda ou o contrato de compra e venda do imóvel dos autos, com fundamento em fraude à lei. XLVIII - Se assim não se entender, a nulidade em causa deverá ser declarada com base no abuso do direito, por violação da tutela da confiança da Recorrente, associada aos ditames da boa-fé impostos pelo art. 334º CC. XLIX -A Recorrente casou com o Recorrido Nuno. no regime de comunhão de adquiridos, tendo escolhido o imóvel dos autos como casa de morada de família e tendo-se desfeito de um imóvel de sua propriedade para, de alguma forma, contribuir para a sua aquisição, além de ser co-titular de contas com o Recorrido Nuno. L - A Recorrente tinha, pois, plena confiança de que o Imóvel da Avenida ___ seria propriedade do Recorrido Nuno e, por conseguinte, património do casal, pois que: (i) sendo casada com o mesmo, afirmava querer construir uma vida em comum; (ii) contribuiu com o património comum para aquisição daquele bem predial; (iii) escolheu o prédio juntamente com o Recorrido Nuno; (iv) decorou o imóvel em causa; (v) foi parte num Contrato de Cessão de Quotas do qual constava que a Recorrida C, Lda., não era proprietária de qualquer bem imóvel e (vi) sempre se comportou como sendo a real proprietária do Imóvel da Avenida ____ (enquanto bem comum do casal que a Recorrente julgava ser propriedade do Recorrido Nuno). LI - Por outro lado, a Recorrente investiu na confiança legitimamente criada e alimentada pelo Recorrido Nuno, agindo sempre em consonância com a realidade que conhecia: o Imóvel da Avenida ____, enquanto bem comum do casal. LII – Foi por esse motivo aliás, que a Recorrente escolheu aquele imóvel, que a Recorrente se dedicou a decorá-lo e que a Recorrente, acreditando nas palavras do Recorrido Nuno, que a Recorrente abdicou da sua vida profissional em prol da família, com a finalidade de cuidar da família na casa que desde sempre foi assumida (e confirmada pelo Recorrente Nuno) como sendo um bem comum do casal. LIII – Por último, em sede de pressupostos da tutela da confiança, cumpre acrescentar que, é ao Recorrido Nuno que se imputa a situação de confiança criada na Recorrente, pois foi aquele quem, com os seus comportamentos, criou na Recorrente a convicção de que o imóvel em discussão nestes autos seria um bem comum do casal, agindo sempre, no intuito de ocultar da Recorrente que o imóvel iria ser adquirido pela sociedade e, sem ter qualquer necessidade de o fazer, a não ser, fazê-la investir o seu tempo, dedicação, sacrifício pessoal e patrimonial, na convicção erroneamente incutida pelo referido Recorrente de que o imóvel era do então casal. LIV -Pelo exposto, o Recorrido Nuno agiu em evidente abuso de direito, violando o princípio da confiança que a Recorrente legitimamente tinha, ao acreditar que o Imóvel da Avenida ____ era propriedade comum do casal. LV – Razão pela qual, deve a Escritura de Compra e Venda do Imóvel da Avenida ____, junta como Documento n.º 25, ser declarada nula por violação do princípio da confiança, ao abrigo do artigo334.º do Código Civil, caso não se entenda que deve ser declarada nula com base em fraude à Lei. LVI -Devendo, também neste caso, o Imóvel dos autos ser registado como propriedade do Recorrido Nuno, integrando, como tal, o património comum do ex casal. LVII - Considerou o Tribunal a quo na douta sentença recorrida que o reconhecimento da propriedade do imóvel dos autos a favor da Recorrida C, Lda., no Proc. Nº 0002/00.0TBCSC é incompatível com o reconhecimento de que o mesmo imóvel foi adquirido pelo Recorrido Nuno e que tal reconhecimento se deve impor nos presentes autos. LVIII - Contudo, a posição do Tribunal recorrido assenta, como da própria douta sentença resulta, na presunção registal do art. 7º do C. Reg. Pred. que, é uma presunção ilidível, nos termos gerais do art. 350º Nº2 CC, dos arts. 3º al. b), 13º e 16º al. a) do C. Reg. Pred. e como sustenta a doutrina, mais concretamente, o Prof. Carvalho Fernandes e o Prof. Oliveira Ascensão. LIX - Quer isto dizer que a presunção de que a Recorrida C, Lda., é a proprietária do imóvel só funciona se não se demonstrar o contrário e, designadamente, se não se demonstrar que o negócio que esteve na base do registo da propriedade a favor daquela Recorrida é um negócio nulo, o que, de resto só não sucedeu porque, o Tribunal Recorrido não o permitiu, negando conhecer do mérito de uma questão nunca antes suscitada e que pode ser suscitada a todo o tempo, nos termos do art. 286º do CC. LX - Decisão essa que, como tal, deve ser revogada e substituída por outra que permita conhecer do mérito da questão em causa. LXI - Considera a Recorrente que, não se verificando a prescrição do seu direito a ser indemnizada com base no enriquecimento sem causa, ou, a prescrição do seu direito de acção com esse fundamento, o tribunal Recorrido se deveria ter pronunciado sobre a existênciadesse enriquecimento sem causa, que não fez. LXII - Isto porque, no entender da Recorrente se verificam os requisitos de que depende a procedência do enriquecimento sem causa, previstono art.473ºCC: a) Um enriquecimento de alguém; b) Enriquecimento esse feito à custa de outrem; c) Nexo causal entre os dois requisitos anteriores; d) E, a ausência de causa justificativa para esse enriquecimento– Em conformidade com a Jurisprudência de que é exemplo o Acórdão TRL de 15.12.2005, proferido no processo n.º 11693/2005-6 e disponível em www.dgsi.pt.e o Acórdão do STJ de 14.05.2009, proferido no processo n.º 08P4096 e disponível na mesma fonte e alguma doutrina, como é o caso do Prof. Rodrigues Bastos. LXIII - Nos termos da factualidade alegada nos autos, o Recorrido Nuno, com o património comum do casal – ou seja, com montantes pecuniários seus e também da Recorrente –, pagou o preço do Imóvel da Avenida ____ aos Vendedores e anteriores proprietários, no montante de EUR.872.896,00 (oitocentos e setenta e dois mil, oitocentos e noventa e seis euros). LXIV – Apesar disso, a propriedade daquele bem foi registada a favor da Recorrida C, Lda.,. LXV - Ora, a Recorrente não recebeu da Recorrida C, Lda., qualquer contrapartida financeira pela “aquisição” daquele imóvel no ativo da mesma Recorrida–sendo que tal aquisição se consubstanciou no mero registo do prédio enquanto propriedade da mesma Recorrida, conforme supra melhor se desenvolveu a propósito da nulidade da compra e venda e da natureza ilidível da presunção registal. LXVI – Como tal, foi à custa do empobrecimento da Recorrente – que contribuiu, com quantias monetárias, para o pagamento do preço do imóvel que a Recorrida C, Lda., (e também o Recorrido Nuno, enquanto gerente e sócio maioritário) se tornou proprietária do mesmo. LXVII - Quanto à ausência de causa justificativa para o enriquecimento da Recorrida C, Lda., não existem quaisquer dúvidas:(i) o prédioque nos presentes autos se discute foi adquirido com bens comuns do casal,(ii) a Recorrida C, Lda., não se dedicava à compra e venda de bens imóveis e (iii) a própria Recorrida em causaassumia,em2003,nãosertitular de qualquer bem imobiliário (cfr. Contrato de Cessão de Quota junto como Documento n.º 26 da p.i.). LXIX - Sem esquecer que, o próprio Recorrido Nuno também beneficiou de uma vantagem patrimonial destinada à Recorrente por via do regime da comunhão de adquiridos previsto no artigo 1724.º do Código Civil; LXX – O que foi conseguido através da ingressão, no activo da sociedade controlada pelo Recorrente Nuno – a Recorrida C, Lda., –, de um bem imóvel que não foi adquirido com bens da mesma, mas com bens propriedade comum do ex-casal. LXXI - Encontrando-se, ainda, demonstrado o nexo causal entre aquele enriquecimento e o pagamento do preço do Imóvel pelo casal, de EUR. 872.896,00 (oitocentos e setenta e dois mil, oitocentos e noventa e seis euros), e a falta de causas justificativas da deslocação patrimonial do Imóvel para a esfera jurídica da Recorrida C, Lda.,. LXXII - Considerando que o regime bens aplicável ao ex-casal é o regime da comunhão de bens previsto no artigo 1724.º do Código Civil, o empobrecimento da aqui Recorrente, com reflexo directo no incremento patrimonial da Recorrida C, Lda., correspondeu a metade do preço liquidado para a aquisição do imóvel em causa nestes autos, ou seja, ao montante de EUR. 436.448,00 (quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) LXXIII - Face ao exposto, subsidiariamente e, caso não se entenda revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma decisão que declare a nulidade da escritura de compra e venda do imóvel com base em fraude à lei ou abuso do direito, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que condene a Recorrida C, Lda., a pagar à Recorrente o montante de EUR. 436.448,00(quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) de capital, acrescido de juros, à taxa de juro aplicável às empresas comerciais, até integral e efectivo pagamento,desde a data do registo do Imóvel como sendo propriedade da mesma Recorrida, os quais, na presente data (06.09..20121), ascendem a EUR 696 929,37 € (seiscentos e noventa e seis mil novecentos e vinte e nove Euros e trinta e sete cêntimos). LXXIV – A Recorrente entende que o art. 621º do CPC, na interpretação segundo a qual a autoridade do caso julgado se estende ao chamado “caso julgado implícito”, no sentido de que, uma pretensão deduzida numa acção posterior, ainda que não seja a mesma da acção anterior, desde que com a mesma implicada, já não pode ser conhecida nesta última acção, é inconstitucional, por violação do art. 20º da CRP, o que não pode ser admitido pelo Tribunal de recurso. LXXV - Porque na realidade, o que aconteceu foi que o Tribunal recorrido não julgou a questão da nulidade da compra e venda do imóvel a favor da Recorrida C, Lda., como questão abrangida pelo caso julgado produzido pela decisão final do Proc. Nº0002/00 e 0001/00, por remissão, por, uma vez pretendendo a Recorrente que o imóvel fosse registado a favor do recorrente Nuno, a questão da nulidade estar implicada na pretensão deduzida na acção anterior. LXXVI - O que a Recorrente considera, como melhor se desenvolveu ao longo das presentes alegações e conclusões de recurso que o Tribunal a quo não devia ter feito, considerando que, o reconhecimento da propriedade do imóvel assenta na presunção do registo predial que devia ter sido ilidida com base na nulidade em causa, o que aquele Tribunal não permitiu, negando levar o presente processo a julgamento. LXXVII - Nesta conformidade, sustenta a Recorrente que, a aplicação do art. 621º CPC no sentido descrito supra deve ser afastada por inconstitucionalidade material, por violação do art. 20º da CRP. Deste modo fazendo V. Exas., aliás, como é apanágio desse Venerando Tribunal a costumada JUSTIÇA! * Notificados do recurso interposto pela autora, vieram os réus apresentar contra-alegações. Afirmam que se abstêm «de formular conclusões, por a isso não estarem obrigados, pedindo que essa abstenção os não penalize, até porque as suas alegações são muito sucintas e pouco trabalho dará ao Venerando Tribunal da Relação a sua leitura. Contudo, os aqui réus e recorridos decaíram na sua tese de que a vertente “enriquecimento sem causa” da acção devia ter sido englobada no tratamento dado às restantes vertentes e incluída no caso julgado, e isto sucintamente porque, embora de maneira incipiente, o caso julgado já tinha sido abordado nos três processos (0002/00.0TBCSC, 0004/00.0TBCSC e 0001/00.0TBCSC) que se haviam debruçado sobre o tema desta acção e, mais que isso, porque a vertente “enriquecimento sem causa” assenta numa causa de pedir que se limita a repetir, v. g., a argumentação e a exposição fáctica da aqui recorrente nesses três processos e, pior ainda, essa argumentação e essa exposição fáctica não são reconduzíveis a qualquer fatti specie que pudesse desencadear a aplicação desse instituto. Basicamente é o mesmo que, por absurdo, delinear os pressupostos de uma parceria pecuária e, depois, dizer que aquilo tudo é enriquecimento sem causa. Como o Tribunal não está adstrito aos nomina juris dados pelas partes, se estas indevidamente baptizarem de “enriquecimento sem causa” aquilo que manifestamente o não é, o Tribunal só tem de olhar para a verdadeira pretensão da parte. E se, ao lançar esse olhar, verificar que tal pretensão, tal como lhe é apresentada, já foi objecto de julgamento definitivo por outro Tribunal, limitar-se a declará-lo. Outrossim, os recorridos entendem que o prazo prescricional de qualquer inexistente enriquecimento sem causa relacionado com a aquisição da casa dos autos teria de ser contado logo da data da sua aquisição e não de outro marco temporal qualquer. Nesta parte em que decaíram e que pedem ao Tribunal de Segunda Instância que reanalise ao abrigo do nº 1 do artigo 636º do Código de Processo Civil, os recorridos formularão as seguintes Conclusões I – A pretensão da recorrente que agora abrigou debaixo do nomen juris “enriquecimento sem causa” já tinha sido deduzida nos três processos 0002/00.0TBCSC, 0004/00.0TBCSC (nestes por via de contestação) e 0001/00.0TBCSC (por via de acção) com exactamente o mesmo recorte fáctico que utilizou na petição inicial com que deu o pontapé de saída neste processo e até, no decurso delas, com alusões declaradas (embora não elaboradas) ao próprio instituto, o que tudo se pode extrair das certidões integrais desses processos que os recorridos juntaram a estes autos. II – Assim sendo, e atendendo ao teor dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no processo 0001/00.0TBCSC, deve entender-se que também a matéria aqui arrumada pela recorrente sob a etiqueta “enriquecimento sem causa” está abrangida pelo caso julgado, ou autoridade de caso julgado, que desse processo (e dos 0002/00.0TBCSC e 0004/00.0TBCSC) ressuma. III – Toda essa matéria, tal como é alegada, nem sequer preenche os pressupostos da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, percebendo-se que lhe foi atribuído esse nome por o instituto em causa ter sido considerado pela recorrente ainda pouco desgastado nas suas anteriores incursões judiciais pela casa da Avenida ____, de maneira a poder atirá-lo para esta acção como abordagem nova, que na verdade não é. IV – Ainda assim, e por acreditar pouco nessa abordagem, a recorrente – na petição inicial – pôs a tónica numa abordagem em tudo semelhante à da acção 0001/00.0TBCSC, trocando a “desconsideração da personalidade colectiva” que ali lhe serviu de estandarte pela “fraude à lei” e “abuso de direito”, a que só ali dera ênfase em sede de recurso de revista, e deixando o “enriquecimento sem causa” para pedido subsidiário. V – Ora, se houvesse mesmo enriquecimento sem causa, existiria desde 2002 e esse pedido subsidiário poderia ter logo sido deduzido, até como tal, na acção 0001/00.0TBCSC, embora mesmo então já prescrito. VI – Ou seja, muito embora o resultado prático da prescrição seja o mesmo seguindo o trilho traçado pela sentença recorrida, o prazo prescricional de qualquer alegação de enriquecimento sem causa relativa à aquisição da casa objecto destes autos, enriquecimento que – reitera-se – jamais ocorreu, contar-se-ia a partir da aquisição dessa casa em 2002. Negando provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida na parte em que absolveu os recorridos dos pedidos da autora, se assim for entendido com as correcções propugnadas nas conclusões I a VI que antecedem, farão V. Exas. a habitual Justiça.» * A autora respondeu, dando por reproduzido o que já havia defendido nas alagações e nas conclusões do recurso principal. * Além disso, os réus interpuseram recurso subordinado relativo à parte da decisão recorrida que não admitiu a reconvenção, concluindo assim as respetivas alegações: I - O pedido reconvencional encaixa em três das alíneas do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, respectivamente a), c) e d). II – Alínea a): O cerne da presente acção é discutir a propriedade do imóvel dos autos e como tal propriedade já está decidida noutros processos (0002/00.0TBCSC, 0004/00.0TBCSC e 0001/00.0TBCSC), para além de alegada em 24º, 26º, 27º, 29º, 60º, 78º, 84º, 148º, 157º, 170º, 173º, 189º, 198º, 204º, 239º, 253º, 254º, 261º da contestação, o facto jurídico do qual emerge a acção é o mesmo do qual emerge a reconvenção. III – Com susceptibilidade defensiva, pois quando se coloca em causa a propriedade, reafirmá-la tem essa susceptibilidade e... IV – O estar vedado à aqui autora discutir essa propriedade só pode ter uma consequência, a absolvição dos réus do pedido, sem contudo inquinar a reconvenção, que pode continuar depois de a acção improceder. V – Alínea c): A autora pede subsidiariamente um valor a título de “enriquecimento sem causa”, sendo lícito à ré C, Lda., invocar em reconvenção um contra-crédito consistente na indemnização pela ocupação abusiva do imóvel dos autos. VI – Alínea d): A autora pretende obter dinheiro dos réus, maxime da ré C, Lda.,; esta última pretende obter dinheiro da autora. VII – Com a única diferença de a pretensão da ré C, Lda., ser a justa, o fundamento de ambas as pretensões é a propriedade do imóvel dos autos, que a autora pretende pôr em causa e que a ré C, Lda., pretende que se mantenha como está, pelo que o efeito jurídico é, consequentemente e mutatis mutandis, o mesmo, pois as pretensões aparecerão como simétricas uma da outra desde que o Tribunal ad quem não se deixe iludir pelos nomina juris desadequados que a autora emprestou às suas pretensões para tentar contornar o caso julgado e a autoridade da caso julgado. VII – A não admissão do pedido reconvencional pela Primeira Instância violou as alíneas a), c) e d) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil. Dando provimento ao recurso subordinado e, com ele, admitindo a reconvenção da ré C, Lda., farão V. Exas. a habitual Justiça.» A autora contra-alegou, abstendo-se, no entanto, de formular conclusões. * II – ÂMBITO DO RECURSO: A apelante desenvolve as conclusões da alegação do recurso ao longo de extensos e prolixos 77 (setenta e sete) pontos. Desde logo, como é sabido, enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º). Ora, as conclusões da alegação recursória da autora, são, em grande parte constituídas por pontos respeitantes a questões novas, a matérias não submetidas à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, tal como refere Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso. Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2. Apesar de a lei adjetiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas. Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adotada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3 do art. 639.º e da al. a) do n.º 3 do art. 652.º. O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite. A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tornar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras. (…) Sem embargo do que se referiu, a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal.»[4]. É exatamente por esta razão que não se determina o aperfeiçoamento das conclusões, deixando-se, no entanto, claro, que constituem um texto prolixo, repetitivo, em grande parte inócuo, cuja extensão de forma alguma se justifica e que desvirtua o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. * Reiterando que: - sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso; - enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º), e considerando que: - o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2), no caso concreto são as seguintes as questões a decidir: a) quanto ao recurso principal: - da nulidade do saneador-sentença recorrido; - da exceção perentória consistente na extensão da autoridade do caso julgado; - da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa. b) quanto ao recurso subordinado: - da admissibilidade da reconvenção. * III – FUNDAMENTOS: 3.1 – Fundamentação de facto: A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que decorre extenso do relatório que antecede. * 3.2 – Fundamentação de direito: 3.2.1 – A questão da nulidade do saneador-sentença recorrido: 3.2.1.1 – Com fundamento na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º, ou seja, por oposição entre os fundamentos e a decisão relativamente à questão da prescrição da restituição por enriquecimento sem causa: Afirma a apelante que se o tribunal recorrido «(...) considera na fundamentação da sua decisão que, o prazo de propositura da acção de condenação por enriquecimento sem causa só começa a contar após o trânsito em julgado da sentença absolutória proferida na segunda acção (0002/00), amenos que esta seja uma repetição da primeira(0001/00) e depois considera na decisão que é a primeira acção (0001/00) que é uma repetição da segunda (0002/00) e, uma vez decidida esta segunda acção primeiro, é a partir desta decisão (da segunda acção) que começa a contar o prazo de prescrição que considera decorrido, o Tribunal a quo contraria com a sua decisão nesta matéria, a respectiva motivação. Enfermando, assim, a douta sentença da nulidade prevista no art. 615º Nº1 c), primeira parte do CPC.» Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, que «é nula a sentença quando (...) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...).» Para que a decisão proferida se encontre em contradição com a fundamentação acolhida, necessário se torna que os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada[5]. Tal consubstancia um vício formal, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, e uma vez mais, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente. Ou seja, a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente; de outra forma dizendo, esta nulidade radica numa desarmonia lógica entre a motivação fático-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso. A oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da ação. É evidente, sem necessidade de mais considerandos, que o saneador-sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º. Improcede, por isso, a arguição de nulidade do saneador-sentença com fundamento no citado normativo, ou seja, por oposição entre os fundamentos e a decisão. 3.2.1.2 – Com fundamento, à luz das conclusões formuladas pela apelante, na 1.ª parte da d) do n.º 1 do art. 615.º, ou seja, omissão de pronúncia: Nesta ação a autora formula os seguintes pedidos: a) «Deverá a Escritura de Compra e Venda do Imóvel, X em que a Ré C, Lda., se assumiu compradora, ser declarada nula, por fraude à lei, com a inerente consequência de o Imóvel ser registado como propriedade do Réu Nuno, integrando o património comum do ex casal»; b) «Se assim não se entender, deverá a Escritura de Compra e Venda do Imóvel, X em que a Ré C, Lda., se assumiu compradora, ser declarada nula, por abuso de direito, na modalidade de violação da tutela da confiança, com a inerente consequência de o Imóvel ser registado como propriedade do Réu Nuno, integrando o património comum do ex casal»; c) «Caso assim igualmente se não entenda, deverá a Ré C, Lda., ser condenada a pagar à Autora o montante de EUR. 436.448,00 (quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) de capital, acrescido de juros até integral e efetivo pagamento desde a data do registo do Imóvel (...) como sendo propriedade da Ré C, Lda., os quais na presente data (15.11.2018) ascendem ao montante de EUR 667.016,52 (seiscentos e sessenta e sete mil e dezasseis euros e cinquenta e dois cêntimos).» Na contestação que apresentaram os réus defendem-se, invocando, além do mais: - a exceção perentória de autoridade do caso julgado relativamente aos pedidos descritos em a) e b); - a exceção perentória de prescrição relativamente ao pedido descrito em c). No despacho saneador, o tribunal a quo, por entender que o estado do processo, à luz da vasta prova documental para ele carreada, permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação das referidas exceções, decidiu: - julgar parcialmente procedente a exceção de autoridade de caso julgado relativamente aos pedidos referidos em a) e b), absolvendo, em consequência, os réus de tais pedidos; - julgar procedente a exceção perentória de prescrição oposta ao pedido referido em c), absolvendo, em consequência, os réus de tal pedido. Parece evidente que o saneador-sentença também não padece do apontado vício. O princípio dispositivo, na sua vertente “dispositionsmaxime”, segundo o qual as partes são absolutamente livres de disporem dos seus interesses privados e de os reclamarem ou não, juridicamente, na medida em que o considerem oportuno, reflete-se, naturalmente, no âmbito da sentença, que assim comporta dois limites: 1) um limite mínimo segundo o qual ao juiz compete resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – arts. 608.º, n.º 2, 1ª parte, e 615.º, n.º 1, al. d), 1ª parte; 2) um limite máximo ao conhecimento do juiz, decorrente: a) da proibição de apreciação de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que sejam de conhecimento oficioso – arts. 608.º, n.º 2, parte, e 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte; b) da impossibilidade do juiz condenar: - em quantidade superior (arts. 609.º, n.º 1, 1ª parte, e 615.º, n.º 1, al. e), 1ª parte); ou, - em objeto diverso do pedido (ne eat iudex ultra petita partium) – arts. 609.º, n.º 1, 2ª parte, e 615, n.º 1, al. e), 2ª parte. Por «questão» entende-se o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções, sejam dilatórias ou perentórias, e suas razões, invocadas pelas partes ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente[6], não se confundindo com argumentos, razões ou motivações invocadas pelas partes para fazer valer as suas pretensões; ou seja, questões, nos termos e para os efeitos dos arts. 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), são apenas as questões de fundo, respeitantes ao mérito da ação, que integram matéria decisória atinente a pontos de facto ou de direito relevantes para a decisão da causa, à luz do objeto do litígio configurado pelas partes, compreendendo o pedido e a causa de pedir da ação e da reconvenção, no caso de ter sido deduzida, assim como a matéria de exceção perentória, no caso de ter sido arguida. Parece por demais evidente, conforme já afirmado, que o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não fez incorrer o saneador-sentença em qualquer um dos indicados vícios, mormente, o de omissão de pronúncia. Se as questões, o mesmo é dizer, as exceções, foram bem ou mal decididas pelo tribunal a quo do ponto de vista factual ou jurídico, isso é outra questão! Em conclusão: a sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a al. d) do n.º 1 do art. 615.º. Termos em que improcede a arguição de nulidade do saneador-sentença recorrido com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do art. 615.º. * 3.2.2 – A questão da exceção perentória de autoridade do julgado: O tribunal a quo foi exaustivo na apreciação desta questão. E decidiu-a bem! Dispõe o art. 202.º da CRP que na administração da justiça «incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», impondo o n.º 2 do artigo 205.º a obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades públicas e privadas e a sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades. Como principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, surge o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado. Esse imperativo constitucional concretiza-se no «caso julgado material», que o art. 671.º, n.º 1, define desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.». A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes: a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado); b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado). Na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis[7], Manuel de Andrade traça a fronteira entre as figuras da exceção e da autoridade do caso julgado, nestes termos: «Força e autoridade de caso julgado e exceção de caso julgado: a 1ª é uma qualidade ou valor jurídico especial que que compete às decisões judiciais a que diz respeito; a 2ª constitui um meio de defesa do Réu, baseado na força e autoridade do caso jugado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da ação, etc.).»[8]. Mais adiante, afirma o mesmo Autor: «O que a lei quer significar [nos arts. 580º e 581º do CPC/2013, correspondentes aos arts. 497º e 498º do CPC/61] é que uma sentença pode servir como fundamento de exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a exceção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498º.»[9]. Posteriormente, a distinção entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Teixeira de Sousa[10], cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho: «(…) A exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). (…) Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. (…)». A distinção doutrinária entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a merecer amplo acolhimento jurisprudencial, desde logo pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em suma, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores: a) com a «excepção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida; b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada[11]. Como consta da citação transcrita supra de Manuel de Andrade, a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «(...) dispensáveis, quanto a esta segunda figura, as três identidades do artigo 498º[12] (...)». A este propósito afirma Francisco Ferreira de Almeida que «(…) a invocação da autoridade de caso julgado destina-se precisamente a cobrir situações relativamente às quais a exceção (dilatória) não opera. (…). A exceção de caso julgado encerra a sua vertente negativa, em ordem a evitar-se a repetição de ações. A autoridade de caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada. A exceção de caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado dispensa-os»[13]. Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o Ac. do S.T.J. de 13.12.2007, Proc. n.º 07A3739 (Nuno Cameira), in www.dgsi.pt, onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a exceção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a exceção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.» No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009[14], onde se decidiu: «São realidades jurídicas distintas a exceção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498º do CPC) e a chamada exceção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade.»[15]. No Ac. do S.T.J. de 07.03.2017, Proc. n.º 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Pinto de Almeida), decidiu-se o seguinte: «A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva"[16]. (...) Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente. Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição / permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")[17]. Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda. Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a. Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível. Todavia, a autoridade de caso julgado, prescindindo embora da referida identidade objectiva, exige, como parece evidente, a identidade das partes adjectivas; nem poderia ser de outro modo, em atenção ao princípio do contraditório (art. 3º do CPC), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afectada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida. Na vertente da autoridade de caso julgado, como refere Mariana França Gouveia, "a decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos"[18]. (...) A verificação da excepção de caso julgado é mais exigente em termos de pressupostos, dependendo da tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC. A autoridade do caso julgado apenas pressupõe a identidade subjectiva nas duas acções; os pedidos e as causas de pedir podem ser diferentes. Como se prevê no art. 5º, nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo proceder a diferente subsunção ou qualificação jurídica de determinada questão. É certo que deve observar o contraditório, nos termos previstos no art. 3º, nº 3, do CPC, ouvindo (sendo caso disso) complementarmente as partes para o efeito. Porém, nem sempre será necessária e exigível essa audição complementar: esta apenas se impõe quando aquele diferente tratamento jurídico seja efectuado em termos inesperados e inovatórios e quando "não fosse exigível que a parte interessada o houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ele"[19]. (...) a autoridade do caso julgado é, como se disse, menos exigente em termos de pressupostos. Nesta medida, representa como que um menos em relação à excepção, podendo verificar-se quando falhe a identidade objectiva de que esta depende. Por outro lado, está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade).» Para Manuel de Andrade «o caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática de decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica. Pouco lhe interessa que possam ser resolvidos diversamente pelos tribunais questões cujos elementos de direito, ou mesmo de facto, sejam idênticos. São outros os institutos processuais (...) que, até certo ponto, curam de prevenir ou remediar esse inconveniente. O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas; a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos ou tutelados.»[20]. E acrescentava logo a seguir, reportando-se à decisão e à motivação da sentença: «Consoante o exposto, o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença. O que adquire a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direito. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais»[21]. No entanto, Castro Mendes opinava no sentido de que «os fundamentos são elemento válido na interpretação e integração da parte decisória da sentença, disso não cabem dúvidas (aliás, a decisão igualmente se pode apontar como elemento de interpretação dos fundamentos e o próprio relatório como elemento de interpretação de uma e outros). (...). Que a fundamentação é elemento de interpretação da parte decisória, isso é reconhecido mesmo por todos os autores que negam rigidamente qualquer extensão do caso julgado aos motivos»[22]. Ainda segundo Castro Mendes, «desligando-a por completo dos seus fundamentos, a sentença de absolvição aparece-nos apenas com o seguinte conteúdo: “o réu é absolvido do pedido formulado contra ele”. E logo questiona: «Como pode pretender atribuir-se força de caso julgado a esta frase vazia de conteúdo?». Para em seguida responder: «Para integrar portanto a decisão, para saber em que consiste aquilo que o juiz concede ou recusa, temos de recorrer aos motivos - aí é que encontramos a identificação dos elementos da situação de direito tornada (...) ficto veritatis, rectius, indiscutível. Por outras palavras, prossegue o Autor, citando Savigny, a autoridade do caso julgado que cabe à sentença é inseparável das relações jurídicas afirmadas ou negadas pelo juiz; porque a parte puramente prática do julgamento, o acto imposto ao réu, ou a rejeição do pedido, não é senão a consequência dessas relações jurídicas. Eis, portanto, o sentido em que atribuo aos motivos a autoridade do caso julgado.»[23]. Ou seja, para Castro Mendes, «os pressupostos da decisão transitada em julgado são indiscutíveis como pressupostos da decisão, e só nessa medida», o mesmo é dizer, «os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que o que esteja contido na sentença e que não seja essencial ao iter judicandi.»[24]. Teixeira de Sousa, por sua vez, afirma que «o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos, que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada»[25]. No que tange à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, salienta o mesmo Autor que «em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art. 91.º, n.º 2, do C.P.C./13], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…). Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta. (…) A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, analisam-se em seguida as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações (…). Importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos. (…) A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior.»[26]. Em suma, e tal como se afirma no Ac. do S.T.J. de 08.11.2018, Proc. n.º 478/08.4TBASL.E.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.» Retornando ao caso concreto, no dia 12 de maio de 2009, a aqui 2.ª ré instaurou contra a aqui autora, uma ação declarativa que, sob o n.º 0002/00.0TBCSC, correu termos no então _.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais. Nessa ação, a aqui 2.ª ré pediu a condenação da aqui autora, a entregar-lhe o imóvel objeto desta ação. Nesse Proc. n.º 0002/00.0TBCSC, foi proferida da qual consta, além do mais, que a autora, a aqui 2.ª ré «(...) invocou, para tanto e em síntese, que adquiriu por escritura pública de compra e venda um prédio urbano sito ____, área desta comarca, tendo permitido, por mera tolerância, aos seus sócios, casados entre si – a ora ré e Nuno – que aí residissem. Mais aduziu que a ré e o referido indivíduo deixaram de viver em comunhão conjugal em Junho de 2004, tendo aquele último deixado de habitar o imóvel, pelo que, em assembleia geral de sócios, deliberou pôr termo à permissão de utilização do prédio por parte dos sócios. Invocou, ainda, que a ré, notificada para entregar o imóvel, se recusa a fazê-lo, escudando-se no facto de lhe ter sido atribuída a utilização provisória da casa no âmbito do processo judicial de divórcio e no facto de ser depositária da mesma na providência cautelar de arrolamento apensa a esse outro processo, defesa que não pode proceder, uma vez que, ela autora, é terceira relativamente a essas acções. Contestou a ré (…) sustentando , em primeira linha, as seguintes excepções: (...) - desconsideração da personalidade colectiva da autora, por forma a entender-se que a mesma não é a proprietária do imóvel reivindicado na acção, sendo o mesmo bem, antes, parte do património conjugal[27]; - existência de título para o uso do mesmo imóvel por parte da ré, sendo esse título o formado pela circunstância de o imóvel ser a casa de morada de família do casal constituído pela demandada e Nuno e do uso dessa casa ter sido atribuído à demandada, durante a pendência do processo de divórcio, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 25 de Outubro de 2007. (...) I. A acção intentada pela autora é a típica acção de reivindicação. O artº 1311º do Código Civil define esse tipo de demanda, prevendo, no respectivo nº 1, que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Segundo o nº 2 da mesma norma “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”. (…) No mesmo tipo de acção, é ónus do demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa, sendo que a mera aquisição derivada não basta para esse propósito, uma vez que, como ensina o autor acima citado, “a aquisição derivada é dominada pelo princípio: «nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipse habet» e dele resulta que o título de aquisição não basta para provar que ao adquirente pertence um direito real que possa fazer valer contra qualquer possuidor ou detentor; apenas prova que para o adquirente passaram os direitos que pertenciam ao alienante, se acaso algum lhe pertencia” (...). Já não assim, quando, como é o caso, à referida aquisição derivada (dada pela compra e venda) vem juntar-se o registo da propriedade a favor do demandante, pois que então este passa a beneficiar do disposto no artº 7º do Código do Registo Predial, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. No caso, a autora beneficia da presunção dada pela inscrição da aquisição no registo predial. Contra a força jurídica do negócio translativo da propriedade e do registo desta a favor da autora, a ré vem esgrimir a desconsideração da personalidade colectiva da demandante, invocando, em síntese, que a aquisição do imóvel em nome daquela constitui uma mera aparência, sendo a materialidade subjacente a aquisição do imóvel por banda do seu sócio maioritário – o cônjuge da ré Nuno – e logo, a favor do casal, atento o regime de bens do casamento (comunhão de adquiridos nos termos do artº 1717º do Código Civil, cfr. nº 8 da fundamentação de facto). (…) Na situação dos autos, a tese da ré é que a autora/pessoa colectiva é uma mera aparência, um invólucro formal vazio de actividade comercial ou industrial, destinado apenas a servir de “testa de ferro” dos interesses patrimoniais do seu sócio maioritário, que a utiliza para obter vantagens fiscais e que é o verdadeiro titular dos direitos que aquela adquire, entre eles, o direito de propriedade sobre o imóvel em causa na acção. (…) Conclui-se, pois, neste trecho que não existe na matéria provada factualidade que permita a pretendida desconsideração da personalidade colectiva da autora e, por via dela, a conclusão que a demandada mediatamente visa e que é a inexistência do direito de propriedade daquela sobre o imóvel. II. Estabelecida que se encontra, de forma inelutável, a propriedade da coisa a favor da autora[28], importa então saber, para os efeitos do nº 2 do citado artº 1311º, do Código Civil, se há fundamento legal para a recusa da sua restituição. Neste trecho assume importância fulcral saber qual o título jurídico que levou à ocupação do imóvel pelo casal formado pela ré e pelo sócio maioritário da empresa. (…) Dúvidas não há, pois, que o uso do imóvel foi cedido pela autora ao casal, por acordo de vontades e de forma gratuita, para que a ré e o seu marido – os sócios da demandante – nele instalassem a casa de morada da família [quanto ao conceito de casa de morada de família ou residência da família (…) O negócio assim configurado é um comodato (…). (…) O uso a que a coisa foi destinada já foi atrás estabelecido e ele é o de servir como a casa de morada da família da ré e do seu marido. Essa finalidade inculca a convicção de que estamos perante um comodato com um fim determinado, o que, acto contínuo, leva a concluir que a autora apenas pode obter a restituição do imóvel aquando da extinção da casa de morada de família, a ocorrer com a dissolução do casamento entre os seus sócios, facto que, tanto quanto resulta da matéria provada, ainda não ocorreu. Assim sendo, o comodato a que se subsumiu a ocupação da casa é um comodato sem prazo, mas com um fim determinado, pelo que, nos termos do nº 1, do artº 1137º do Código Civil, a entrega do imóvel apenas é exigível quando finde o uso a que a coisa foi destinada, ou seja, com a dissolução do casamento entre os sócios da autora e a consequente extinção da casa de morada de família. (…) Conclui-se, assim, que a acção deve ser julgada improcedente, sem embargo de essa improcedência ser ditada por não estarem ainda verificadas as condições materiais para o exercício do direito da demandante, pelo que não deixará de se aplicar in casu o disposto na 2ª parte do artº 673º, do Código de Processo Civil. * DECISÃO Em face do exposto, julgo improcedente o pedido formulado pela autora e do mesmo absolvo a ré.» A sentença proferida no referido Proc. n.º 0002/00.0TBCSC, reconheceu, assim, inequivocamente, que o imóvel é propriedade da aqui 2.ª ré, só não tendo condenando a aqui autora a restituir-lho, por considerar que esta dispunha de fundamento válido para recusar a restituição. A aqui autora interpôs recurso de apelação dessa sentença, o qual, por acórdão desta Relação datado de 18 de setembro de 2012, foi julgado improcedente, assim se confirmando aquela sentença, que transitou em julgado no dia 24 de outubro de 2012. Por sua vez, a aqui autora intentou contra os aqui réus e outros, uma ação declarativa que, sob o n.º 0001/00.0TBCSC, correu igualmente termos no então _.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, tendo, entretanto, sido atribuída ao Juiz _ do Juízo ____de Cascais. No Proc. n.º 0001/00.0TBCSC, a aqui autora pediu, além do mais, que o imóvel[29] seja declarado como propriedade e bem comum do aqui 1.º réu, e dela, autora, tendo por aquele sido adquirido na constância do matrimónio com esta. Nesse Proc. n.º 0001/00.0TBCSC, no dia 31 de agosto de 2017 foi proferida sentença da qual consta, além do mais, o seguinte: «(...) Exceção da autoridade do caso julgado Vieram os 1º e 2º Réus apresentar requerimento, invocando a exceção dilatória de autoridade do caso julgado, porquanto no processo nº 0002/00.0TBCSC, em que figura como Autora a ora 1º Ré e Ré a ora Autora, foi proferida sentença, confirmada no Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente, o pedido formulado pela ali Autora, de condenação na entrega pela ali Ré à aqui Autora o prédio urbano objeto dos presentes, por ser sua proprietária e a ali Ré não ter título para o ocupar. Nesse processo a ali Ré invocou, além do mais, a desconsideração da personalidade jurídica da Autora, que veio a ser apreciada e declarada improcedente, que é a questão que é posta em causa nos presentes autos. A Autora pronunciou-se no sentido de não proceder esta questão, porquanto a ação deduzida pela ora Ré foi declarada improcedente; nestes peticiona-se que se declare que o bem em questão é comum, com pedidos indemnizatórios, sendo diferentes a causa de pedir e as partes. Conhecer-se-á esta questão já na apreciação de direito, por exigir a apreciação de novos factos e de forma a aproveitar-se todo o já processado. (…) IV. Fundamentação de Direito 1- Da exceção da autoridade de caso julgado Resulta da matéria de facto assente que correu termos ação na qual a 1º Ré (processo nº 0002/00.0TBCSC), arrogando-se a propriedade do imóvel em causa nestes autos, pediu a condenação da ora Autora a entregá-lo. (…) No nosso processo, a Autora, com fundamento também na desconsideração da personalidade da ora 1ª Ré (ali Autora) peticiona, no pedido principal, que se declare que o imóvel é bem comum do 2º Réu e da Autora, porque adquirido no âmbito do casamento. Pode aqui ser novamente discutida esta questão, entre a Autora e a 1ª Ré? (…) Assim, e da mesma forma, não obstante a improcedência do pedido formulado pela ora 1º Ré no que toca à entrega do imóvel, certo é que ali foi decidida, como exceção perentória invocada pela ora Autora, que não deve ser levantada a personalidade da ora 1ª Ré, ali Autora e considerar-se que o imóvel é bem comum do casal que foi formado pela aqui Autor (ali Ré) e pelo aqui 2º Réu. É certo, repete-se que a ação foi ali julgada improcedente. Mas por motivos diferentes que se fundaram na existência de um comodato e que determinaram que se admitisse expressamente a aplicação ao caso do disposto no então vigente do artigo 673º nº 3 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos “Conclui-se, assim, que a acção deve ser julgada improcedente, sem embargo de essa improcedência ser ditada por não estarem ainda verificadas as condições materiais para o exercício do direito da demandante, pelo que não deixará de se aplicar in casu o disposto na 2ª parte do artº 673º, do Código de Processo Civil”. Ora, estando ali decidida a questão da propriedade do imóvel, atribuída á aqui 1ª Ré e não ao casal formado pela aqui primeira Autora e pelo aqui 2º Réu, não pode nestes autos, fazendo-se tabua rasa do expressamente apreciado e julgado naquela ação, decidir-se o contrário, entre estas mesmas partes (a aqui Autora e a 1º Ré, ali com posições invertidas). Diretamente, de forma chocante, pôr-se-ia em causa a segurança jurídica, perdendo a 2ª Ré a possibilidade de fazer valer um direito a entrega de um imóvel por via da sua propriedade, que lhe fora expressamente admitido, assim que deixasse de vigorar a exceção perentória material, mas com meros efeitos dilatórios (retardando a entrega inerente ao direito de propriedade que lhe foi implicitamente reconhecido). E possibilitando-se à Autora que fizesse valer um direito que lhe foi também negado na sentença proferida nos autos com decisão já transitada: a de ver o imóvel considerado como atribuído ao património comum do casal de que fez parte. Entende-se que se está, no que toca ao primeiro pedido, perante um caso manifesto em que opera a autoridade de caso julgado. E a mesma decisão, no âmbito das questões em apreço nestes autos, abrange também o 2º Réu, que nega tal aquisição e atos que fundamentam a desconsideração.» * (...) V. Decisão Por todo exposto, julgando-se verificada a exceção de autoridade e caso julgado, absolvem-se os Réus da instância.» A autora interpôs recurso de apelação daquela sentença, o qual julgado improcedente por acórdão desta Relação, datado de 13 de março de 2018. Ainda inconformada, a autora recorreu de revista normal para o S.T.J., recurso esse que veio a ser admitido como de revista excecional. No dia 28 de março de 2019 o S.T.J. proferiu acórdão no qual decidiu negar a revista «confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação reforçada, e com o alcance de julgar a ação improcedente, absolvendo-se os R.R. dos pedidos contra eles formulados.» A autora reclamou desse acórdão, reclamação essa que foi julgada improcedente, tendo o aresto transitado em julgado no dia 21 de junho de 2019. Conforme referido no saneador-sentença recorrido, nesta ação «a A. pede que a escritura de Compra e Venda do Imóvel, seja declarada nula por fraude à lei ou se assim não se entender, por abuso de direito e, em consequência, que o imóvel seja registado como propriedade do Réu Nuno, integrando o património comum do ex casal.» Conforme esclarece Artur Anselmo de Castro, na definição e alcance do pedido, «o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objecto mediato [do pedido] deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão.»[30]. No caso destes autos, tal como se afirma no saneador-sentença recorrido, e bem, «o efeito prático que A. pretende alcançar não é a pura e simples declaração de nulidade de compra e venda, esta é apenas a via utilizada para que, no final do percurso, seja reconhecido que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno na constância do casamento e, assim, e integra o património do ex-casal, já que eram casados no regime da comunhão de adquiridos.» Ou seja: o efeito prático que a autora visa efetivamente alcançar com a pretendida declaração de nulidade da escritura que operou a transferência da propriedade do imóvel para a aqui 2.ª ré: - em fraude à lei; ou, - em abuso de direito, à luz até do disposto no art. 289.º, n.º 1 CC, é a retirada da propriedade do imóvel da esfera jurídica da 2.ª ré e o seu ingresso na esfera jurídica do 1.º réu, de modo a ser considerado parte integrante do património comum do casal. Conforme decidido no Ac. do S.T.J. de 28.03.2019, proferido no Proc. n.º 0001/00.0TBCSC, do então _.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – posteriormente Juiz _ do Juízo ____de Cascais –, na parte transcrita no saneador-sentença recorrido, «do quadro acima traçado extrai-se que o silogismo judiciário em que se estriba o juízo de improcedência da pretensão restituitória deduzida pela C, Lda., no referido processo n.º 0002/00.0TBCSC encerra, nas suas premissas, o reconhecimento do direito de propriedade dessa autora sobre o imóvel ora em causa, perante a ali ré e aqui A. Ana, derivado da presunção legal do registo a seu favor, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial. (...) «o reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre aquele imóvel ínsito no veredito do processo n.º 0002/00.0TBCSC consubstancia decisão de questão fundamental com autoridade de caso julgado, nos termos do 621.º do CPC. (...) Assim, o reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa, coberto como está pelo efeito da autoridade do caso julgado material decorrente da decisão proferida no processo n.º 0002/00.0TBCSC, mostra-se incompatível com ulterior reconhecimento de que o mesmo imóvel tem a natureza de bem comum do casal formado pela ali ré e aqui A. Ana e pelo ora R. Nuno, tal como se pretende na presente ação.» Por isso, tal como afirmado no saneador-sentença em crise, «o reconhecimento do direito de propriedade da aqui Ré C, Lda., sobre o imóvel dos autos, na acção que correu termos sob o n.º 0002/00.0TBCSC, é incompatível com o reconhecimento de que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno e é propriedade do extinto casal. Aquele reconhecimento impõe-se na presente acção, com efeito impeditivo substantivo de que o mesmo imóvel foi adquirido pelo aqui R. Nuno e, por essa via, integra o património do extinto casal formado pelo referido R. e pela aqui A. Ana, inscrevendo-se no plano do mérito do pedido principal e do primeiro pedido subsidiário deduzidos na presente acção, determinando a improcedência dos mesmos e, assim, a absolvição dos RR. de tais pedidos. O facto de o R. Nuno não ter sido parte no processo n.º 0002/00.0TBCSC, sendo portanto terceiro relativamente ao mesmo, não impede que o efeito da autoridade do caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa nos autos, decorrente da decisão proferida no referido processo, se lhe estenda e aproveite. E isto porque tal efeito de autoridade de caso julgado material do reconhecimento do direito de propriedade da C, Lda., sobre o imóvel em causa nos autos é absolutamente incompatível e, portanto, exclui, o efeito prático pretendido com o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário e que é o reconhecimento de que o imóvel foi adquirido pelo R. Nuno e é propriedade do extinto casal.» Acresce que, tal como decidido no mesmo aresto do S.T.J., na parte igualmente transcrita no saneador-sentença recorrido, «veio ainda a A. suscitar, na presente ação, a questão da fraude à lei, por parte da atuação concertada da 1.ª R. e do 2.º R., sustentando que estes se conluiaram para subtrair, ilicitamente, o imóvel em causa ao património do casal, violando o disposto nos artigos 564.º e 580.º do CPC e os artigos 483.º e 1724.º do CC. As instâncias consideraram tal questão prejudicada pela solução dada à questão pertinente à autoridade do caso julgado. Ora, na linha do já acima exposto, o caso julgado alcança também a preclusão de todas as questões em relação aos quais impenda sobre o réu o ónus de concentrar toda a defesa conforme o estabelecido no artigo 573.º do CPC. Assim, não tendo a ora A. suscitado a referida questão aquando da sua defesa deduzida no processo n.º 0002/00.0TBCSC perante a ali A. C, Lda., tal questão encontra-se irremediavelmente precludida, pelo menos no âmbito das pretensões deduzidas na presente ação. Essa preclusão não só vincula a A. perante a 1.ª R. como também aproveita ao 2.º R. a quem tal ilicitude vem imputada a título de co-autoria, nos termos e para os efeitos dos já indicados artigos 490.º, 497.º e 522.º, 2.ª parte, do CC. Termos em que tal questão se encontra coberta pela autoridade do caso julgado acima considerada.» Conforme igualmente referido no saneador-sentença recorrido, a doutrina consagrada no Ac. do S.T.J. de 28.03.2019, proferido no Proc. n.º 0001/00.0TBCSC, do então _.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – posteriormente Juiz _ do Juízo ____de Cascais –, «tem plena aplicação nos autos, dela se extraindo que a fraude à lei - causa de pedir do pedido principal deduzido nestes autos – e o abuso de direito - causa de pedir do primeiro pedido subsidiário – enquanto excepções deviam ter sido invocadas no processo n.º 0002/00.0TBCSC; não tendo sido ali invocadas, precludiu a sua invocação á luz do disposto no art.º 573º do CPC; se precludiu a sua invocação por via de excepção – o menos – precludiu a sua invocação por via de acção – o mais – de acordo com a regra de quem não pode o menos, também não pode o mais.» A propósito da questão em ora debate, afirma Miguel Teixeira de Sousa: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem) impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…). Quando a decisão define um efeito jurídico, este efeito fica coberto pelo caso julgado, mas há que entender que o "contrário contraditório" (kontradiktorisches Gegenteil) desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado. É a solução que decorre do disposto no art. 481.º, alínea c), do CPC [564.º, alínea c) CPC/13] (que, ao determinar que a citação inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica, significa que o réu fica impedido de discutir, fora da acção proposta, algo contraditório com o que o autor pretende nela obter), e no art. 497.º, n.º 2, do CPC [580.º, n.º 2, CPC/13] que atribui ao caso julgado o efeito de proibir qualquer contradição com a decisão transitada.» Mais adiante acrescenta: «(...) basta a condenação do demandado na primeira acção para bloquear qualquer decisão posterior incompatível, mesmo que esta pudesse ter por fundamento um facto sobre o qual não se formou caso julgado material. Não deixa também de ser curioso verificar que a solução é a mesma quer o demandado tenha alegado a excepção e perdido, quer nem sequer a tenha invocado: em ambas as situações esgotaram-se, em relação ao objecto apreciado na acção, os efeitos que poderiam decorrer da excepção.»[31]. Embora reportado ao CPC/95-96, este comentário mantém plena atualidade. O artigo 573.º, n.º 1 consagrou o ónus de concentração da defesa ao determinar que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, salvo os incidentes que a lei mande deduzir em separado. Daqui resulta que ficam precludidos todos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados na contestação e não o foram, preclusão que opera tanto no próprio processo como fora dele. No dizer de Castro Mendes, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa.»[32]. Era, pois, na contestação à ação que lhe foi movida pela aqui 2.ª ré, e que deu origem ao Proc. n.º 0002/00.0TBCSC, que a aqui autora, ali ré, deveria ter invocado a questão da nulidade, fosse qual fosse o respetivo fundamento, da escritura que operou a transferência da propriedade do imóvel para a aqui 2.ª ré. Nas palavras de Manuel de Andrade, «se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir (…). Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat.»[33]. Como sublinha Miguel Teixeira de Sousa, «este ónus de concentração vale, indiscutivelmente, para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para todas as excepções peremptórias que o demandado queira opor à pretensão do demandante. O artigo 489.º, n.º 1, do CPC [art. 573.º, n.º 1 CPC/13], impõe a concentração da defesa na contestação, pelo que qualquer excepção não invocada - como, por exemplo, a invalidade do negócio ou o pagamento da dívida - se considera definitivamente precludida.»[34]. No mesmo sentido alinha Rui Pinto, ao afirmar que «(...) simetricamente e em plena e justa igualdade com o que sucede com o autor vencedor, em caso de caso julgado positivo, para o réu vencido a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido. E, também quanto ao réu, essa “preclusão” resulta de dois mecanismos processuais distintos. Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729.º, al. g), a contrario, e 860.º, n.º 3.º) invocar as exceções que não usara, como, por ex., a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento. Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade.»[35]. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, também salientam que «corolário do princípio da concentração é a preclusão. O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (com a única exceção das que forem supervenientes) e deduzir as exceções não previstas no n.º 2. Se não o fizer, preclude a possibilidade de o fazer.»[36]. Trata-se, afirmam estes Autores um pouco mais adiante, como melhor se verá, de uma regra, a da concentração da defesa, que é imposta pela segurança do caso julgado. É verdade que Remédio Marques, depois de referir que «por vezes o objecto processual apreciado definitivamente na acção anterior prejudica a apreciação de um outro objecto numa acção posterior, visto que o primeiro é pressuposto ou condição de julgamento do objecto processual posterior», afirma que «há que ser extremamente cauteloso com a concreta admissão do caso julgado (material) implícito, ou seja, com aquelas situações em que sobre uma pretensão material pode formar-se caso julgado relativamente aos pedidos que estejam necessariamente implicados, aí onde a apreciação de uma das pretensões em ação anterior determina inelutavelmente um certo juízo quanto a outra pretensão. A razão é simples: essa livre admissibilidade do caso julgado(material) implícito é materialmente inconstitucional, por força da garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º/1 da Constituição) e do direito de defesa, que postula o conhecimento efectivo do processo, a concessão de um prazo para a oposição e a atenuação das preclusões e cominação emergentes da falta de contestação ou da não invocação de certos factos na contestação (que, eventualmente, poderiam tê-lo sido).»[37]. No entanto, isto não permite a abusiva conclusão da apelante no sentido que Remédio Marques sustenta que o art. 673.º CPC/95-96, correspondente ao art. 621.º CPC/13, «na interpretação segundo a qual a autoridade do caso julgado se estende ao chamado “caso julgado implícito”, no sentido de que, uma pretensão deduzida numa acção posterior, ainda que não seja a mesma da acção anterior, desde que com a mesma implicada, já não pode ser conhecida nesta última acção, é inconstitucional.» O Autor limita-se, legitimamente, a chamar a atenção para as cautelas que é necessário ter na admissão do caso julgado material implícito. É por demais evidente, face a todo o antecedente excurso, que no caso concreto, a decisão do tribunal a quo ora em apreciação, que estendeu a autoridade do caso julgado da decisão proferida no Proc. n.º 0002/00.0TBCSC, não viola qualquer preceito constitucional, mormente o disposto no art. 20.º da CRP. Não respeitar, in casu, uma tal extensão da autoridade do caso julgado, seria, isso sim, violador de preceitos constitucionais, como os arts. 2.º, 205.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3, da Lei Fundamental. A questão da constitucionalidade, no âmbito da extensão da autoridade do caso julgado, tem sido ponderada a propósito do princípio da igualdade (de armas), nos seguintes termos: em regra, o réu está sujeito ao princípio da concentração da defesa, sobre ele impendendo o ónus de dedução de todas as exceções na contestação, sem que sobre o autor recaia igual ónus relativamente à invocação de todas as causas de pedir em que se possa fundar a pretensão. Foi defendida por Castro Mendes a tese de que isso é violador do princípio da igualdade, atualmente consagrado no art. 13.º da CRP[38]. No entanto, conforme exarado no Ac. do S.T.J. de 29.05.2014, Proc. n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1 (João Bernardo), in www.dgsi.pt, «a figura do caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição, conforme reiterado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17.6, com texto disponível no sítio do próprio Tribunal. Não poderiam, pois, a lei ordinária e, consequentemente, os tribunais afastar esta figura de modo absoluto. Mas, é patente na própria vacuidade com que o texto constitucional a encara que deixa às normas ordinárias um enorme campo de liberdade. Por outro lado, no presente caso, não traçamos um caminho de afastamento, mas antes da sua consagração, pelo que não tem lugar, por aqui, inconstitucionalidade. A questão a esta relativa pode-se colocar, com mais acuidade, quanto ao princípio da igualdade - artigo 13.º - e, bem assim, quanto ao acesso do direito e ao direito a um processo equitativo, estes previstos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, ainda da CRP. Relativamente ao princípio da igualdade o Tribunal Constitucional tem entendido que: “No domínio da legislação processual, o princípio da igualdade afirma-se através do princípio da igualdade de armas e do princípio do contraditório, sendo consubstanciados na faculdade de qualquer das partes, em condições de rigorosa igualdade, poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras (Ac. n.º 676/2005, de 6.12.2005, com texto disponível no mesmo sítio). Só que, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, 442, com citação abundante de jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional), “…o princípio da igualdade das armas exige que o autor e o réu tenham direitos processuais idênticos e estejam sujeitos também a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição no processo for equiparável… A igualdade de armas não é absolutamente incompatível com a atribuição ao Estado ou aos poderes públicos de um tratamento processual diferenciado relativamente às partes processuais em geral…” referindo, agora a folhas 446, sempre com apoio de decisões do mesmo Tribunal, que, “desde que, obviamente, as respectivas sanções não se revelem em concreto arbitrárias e desproporcionadas” os efeitos cominatórios e preclusivos, ali precisados, não são inconstitucionais. Como refere Teixeira de Sousa, a propósito do princípio da igualdade de armas, “a posição processual das partes é, em muitos dos seus aspectos, substancialmente distinta. Por exemplo: o autor escolhe, normalmente segundo o seu arbítrio, o momento da propositura da acção e o réu tem sempre um prazo limitado para a apresentação da sua defesa… o que origina uma desigualdade substancial entre as partes” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 42). No caso da extensão da fundamentação, a diferença tem de ter lugar: enquanto a posição do autor define o objeto da ação, determinando o campo onde se situa o conflito, o réu já encontra esse campo, em grande parte, definido e é, por isso que nele deve jogar todos os argumentos. Basta pensar-se o que seria, se, em cada ação de reivindicação em que o autor se funda na usucapião, os intervenientes processuais encarassem a causa como integrando todos os meios possíveis de aquisição da propriedade. A defesa teria de se reportar a todos eles, o que guindaria os processos a complicações sem limite. Em contrário, o réu já está perante um quadro processual, no qual pode carrear para o processo todas as vertentes que contrariem a versão apresentada pela contraparte. E o autor só necessita de exercer o contraditório relativamente ao que foi carreado a título de exceção ou de reconvenção. Esta diferença, necessariamente existente, atenta a posição de autor e de réu, determina que a diferença de tratamento que referimos no início deste número, não viole o princípio da igualdade ou, corolariamente, o direito a um processo equitativo. Não se vendo também onde possa estar a violação do princípio do acesso ao direito, que não se prende com o conteúdo da decisão, antes se quedando pela garantia da tutela jurisdicional. Em abono desta tomada de posição quanto à não inconstitucionalidade, podemos ainda citar o Ac. deste Tribunal de 13.5.2014, processo n.º 16842/04.5TJPRT.P1.S1, com texto disponível em www.dgsi.pt.» Lebre de Freitas / Isabel Alexandre entendem que «as posições das partes são, neste ponto, distintas e, integrando-se as exceções no objeto do processo definido pelo pedido delimitado pela respetiva causa de pedir (...), a regra da concentração da defesa é imposta pela segurança do caso julgado, outro tanto não valendo no plano da causa de pedir.»[39]. Não merece, por isso, qualquer censura o saneador-sentença recorrido no segmento em que julgou «parcialmente procedente a excepção de autoridade de caso julgado relativamente ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário» e, em consequência, absolveu os réus de tais pedidos, improcedendo, por isso, nesta parte, a apelação. * 3.2.2 – A questão da prescrição da restituição por enriquecimento sem causa: Dispõe o art. 482.º CC que «o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.» À luz deste preceito, «o direito à restituição por enriquecimento sem causa está sujeito a dois prazos, bastando que um deles termine para que o direito prescreva – o prazo ordinário de 20 anos, de acordo com o artigo 309.º, prazo este que começa a correr a partir do facto do enriquecimento e um prazo de três anos que começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável.»[40]. Almeida Costa refere que «logo que o credor (o empobrecido) tenha conhecimento do direito que lhe compete, quer dizer, da ocorrência dos seus factos constitutivos e da pessoa do responsável (o enriquecido), começa a contar-se o prazo de três anos. Trata-se de dois requisitos exigidos cumulativamente e cujo conhecimento, via da regra se apresenta em simultâneo. Contudo, desde o momento em que a restituição pode ser exigida, inicia-se também a contagem, segundo as normas gerais, do prazo ordinário de prescrição. Este é de vinte anos (art. 309.º). Os dois prazos coordenam-se da forma seguinte: por um lado, a prescrição ordinária só impera quando o direito à restituição não se haja, entretanto extinto pelo decurso do prazo excepcional de prescrição de três anos; mas, por outro lado, a prescrição ordinária opera sempre, mesmo que o empobrecido não chegue a ter conhecimento do seu direito e da pessoa responsável pela restituição.»[41]. Ou seja, a prescrição ordinária só é relevante quando o direito à restituição não houver prescrito antes pela prescrição de três anos. Quando, no citado art. 482.º CC, o legislado se refere ao «conhecimento do direito», reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja, ao conhecimento fáctico e não conhecimento jurídico[42]. No Ac. do S.T.J. de 15.12.2020, Proc. n.º 3627/17.T8STR.E1.S1 (Henrique Araújo), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «o conhecimento do direito reporta-se ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito à restituição e não ao conhecimento abstracto, jurídico, desse direito. O prazo de prescrição de três anos começa, pois, a contar a partir do momento em que a pessoa que reclama a restituição conhece os pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar por enriquecimento sem causa, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles faça.» Júlio Gomes salienta ainda que o art. 482.º CC constitui um claro indício «de que a lei portuguesa não acolheu a conceção mais estrita e radical da subsidiariedade, tendo procurado um compromisso entre a solução das legislações italiana e francesa, que consagram a subsidiariedade e a lei alemã que a desconhece», acrescentando que a ligação entre o prazo de prescrição consagrado naquele preceito e subsidiariedade do enriquecimento sem causa não escapou à jurisprudência portuguesa[43]. Assim, decidiu-se: - no Ac. da R.G. de 22.05.2014, Proc. n.º 169/13.4TCGMR-A.G1 (Manso Rainho), in www.dgsi.pt: «A prescrição estabelecida no art. 482º do CC (prescrição do direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa) só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal. Tal conclusão é imposta pela circunstância da obrigação fundada no enriquecimento sem causa ter natureza subsidiária.»; - no Ac. da R.G. de 10.09.2013, Proc. n.º 533/11.3TBAVV-A.G1 (Maria da Purificação Carvalho), in www.dgsi.pt: «Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 474º do CC), o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.»[44]; - no Ac. da R.P. de 29.04.2013, Proc. n.º 826/11.0TBGDM.P1 (Ana Paula Amorim), in www.dgsi.pt: «Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 474° do CC), o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 482° CC, não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.» Consta da sentença recorrida, nesta parte, o seguinte: «Informa a doutrina – Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, anotação ao art.º 482º e Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 10ª edição, pág. 436-437 – que se estabelecem dois prazos de prescrição: um de 3 anos a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável; outro de 20 anos, a contar, segundo as regras gerais, do momento em que se verificou o enriquecimento. Este último releva se o empobrecido apenas teve conhecimento do empobrecimento e da pessoa do responsável decorridos mais de três anos após o momento em que se verificou o enriquecimento e antes de decorridos 20 anos a contar deste último momento. Para efeitos do disposto no art.º 482º do CC mostra-se essencial o momento do conhecimento do direito á restituição por enriquecimento sem causa. O STJ entendeu que o referido normativo só se aplica a partir do momento em que o direito puder ser exercido, aplicando o disposto no art.º 306º n.º 1 do CC, ou seja, havendo controvérsia quanto á fonte do enriquecimento, só definida, com trânsito em julgado, essa controvérsia, é que se pode considerar constituído o direito de restituição (Ac. do STJ de 24/02/1999, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 98B1201) e de forma mais ampla, no Ac. de 26/02/2004, consultável no sitio já referido pelo processo 03B3798, entendeu-se que tendo o enriquecimento sem causa natureza subsidiária, (art.º 474º do CC), logicamente o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. No Ac. da RL de 12/04/2011 consultável in www.dgsi.pt/jstj ponderou-se a possibilidade de a doutrina definida pelo Ac. do STJ referido por último conduzir a uma sucessão de acções e só depois de terem claudicado todas as acções, ser instaurada a acção de enriquecimento sem causa. Referindo tratar-se de uma hipótese quase académica, consigna que mesmo nesse caso o prazo prescricional do art.º 482º do CC só se inicia com o trânsito em julgado da última das decisões proferidas, a menos haja repetição de causa, como se refere no Ac. do STJ de 24/10/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 02B2831e onde se escreveu: “É certo que, sendo a acção de enriquecimento subsidiária, o prazo para a sua propositura só se deveria iniciar após transito em julgado da decisão absolutória proferida na segunda acção.(…). Mas não no caso, em que a segunda acção é uma repetição da primeira, segundo as definições dos artigos 497 n. 1 e 2, e 498, ambos do Código de Processo Civil. E daí que, não possam as sucedâneas acções em que se reconhece haver repetição da causa - da mesma causa - servir para interromper sucessivamente o prazo de prescrição, previsto pelo artigo 482 do Código Civil. A subsidiariedade não pode ir tão longe que permita experimentar a sucessão de fundamentos juridicamente coincidentes, destinados ao mesmo efeito jurídico -no caso, a pretendida a anulação do negócio jurídico social. Fracassado um, seguir-se outro... sendo que, todos eles, avaliados na perspectiva referencial das duas normas processuais indicadas, não passavam da mesma causa jurídica, activada entre os mesmos sujeitos, visando idêntico efeito jurídico; e, que, por isso, conduziram à declaração judicial tornada caso julgado material, verificado na segunda acção. Afinal o que sucedeu foi uma repetição de causas, de objecto igual entre os mesmos sujeitos. E o prazo de contagem para a propositura da acção subsidiária de enriquecimento, só poderia legalmente iniciar-se a partir da data de definitividade da primeira, por via da repetição. A tese dos recorrentes (no contexto das duas acções que se substituem no tempo, sobre o mesmo objecto) propondo que o prazo se conte da data de trânsito em julgada da última das acções (…), seria um caminho que perpetuaria o prazo daquela acção subsidiária de enriquecimento, até ao limite da prescrição ordinária -e mesmo assim poderia prolongar este, quase ad eternum..., se se considerasse também a sua própria interrupção, segundo o n. 1, do artigo 323, do Código Civil. * O enriquecimento sem causa invocado nos autos funda-se no facto de o direito de propriedade sobre o imóvel referido nos autos, ter sido adquirido pela Ré C, Lda., alegadamente, com meios financeiros próprios da aqui A. Ana e com bens comuns extinto casal constituído pela mesma e pelo aqui R. Nuno. Alega a A. que teve conhecimento que o imóvel estava inscrito no registo predial a favor da Ré aquando da realização do procedimento cautelar e arrolamento. Dos autos apenas se extrai que a aqui A. intentou procedimento cautelar a 15/06/2004 (fls. 126v) e o tribunal proferiu decisão a 16.06/2004 (fls. 138v.), desconhecendo-se em que data precisa tal ocorreu Mas se há dúvidas quanto a esse primeiro momento, há um segundo momento a considerar. Resulta da factualidade provada que a 12 de Maio de 2009, C, Ldª intentou no então Tribunal Judicial da Comarca de Cascais acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Ana pedindo fosse a Ré condenada a entregar à A., livre e devoluto, o imóvel, acção essa distribuída ao _º Juízo Cível sob o n.º 0002/00.0TBCSC (pontos 1 e 2 da factualidade provada). Nos referidos autos foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, mas em cujos fundamentos se reconhece o direito de propriedade da aqui Ré C, Lda., sobre o referido imóvel, perante a ali Ré e aqui A. Ana, derivado da presunção legal do registo a seu favor, nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial ( ponto 6 da fundamentação de facto). Da referida sentença a ali A., aqui Ré C, Lda., interpôs recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, que pelo Acórdão de 18/09/2012, transitado em julgado a 24/10/2012, julgou o recurso improcedente (ponto 7 da fundamentação de facto). Sendo assim e tendo em consideração a jurisprudência supra referida, há que considerar que a data a partir do qual a aqui A. Ana teve conhecimento do direito á restituição e da pessoa do responsável e passou a poder exercer o seu direito de restituição fundado em enriquecimento sem causa, é a do trânsito em julgado do Ac. da RL proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC, pois é nesse momento que fica resolvida definitivamente e se consolida na ordem jurídica a questão da propriedade da Ré C, Lda., sobre o imóvel em referência nos autos. Não invoque a A. propositura da acção distribuída ao extinto _º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais sob o n.º 0001/00.0TBCSC, porquanto com o trânsito em julgado do Ac. da RL proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC a A. já não podia invocar outra causa concreta para o respectivo empobrecimento, como, aliás, resulta do facto de tal acção ter sido julgada improcedente com fundamento, apenas e tão só, na autoridade do caso julgado do processo n.º 0002/00.0TBCSC, tendo aqui aplicação, mutatis mutandis a doutrina do Ac. do STJ de 24/10/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 02B2831, quando se refere ao caso julgado, ou seja, se o fundamento do enriquecimento ficou resolvido com a decisão da TRL, então é a partir do trânsito em julgado do mesmo que se conta o prazo prescricional. E não se diga também que na data em que foi proferido o Ac. da RL no processo n.º 0002/00.0TBCSC ainda se encontrava pendente a acção n.º 0001/00.0TBCSC, já que tal facto em nada impedia a aqui A. de intentar uma nova acção com fundamento em enriquecimento sem causa. E não se diga também que a autoridade de caso julgado só se verifica com o trânsito em julgado do Ac. do STJ de 28/03/2019 proferido n.º 0001/00.0TBCSC, porquanto a verificação de tal excepção reporta-se sempre e tem como referência os fundamentos e o trânsito em julgado da decisão invocada, no caso do Ac. do TRL de 24/10/2012, ou seja, a vinculatividade da decisão proferida n.º 0002/00.0TBCSC nasce com o trânsito em julgado do Ac. da TRL proferido a 24/10/2012 e não com qualquer decisão posterior. Em síntese: fundando-se o enriquecimento sem causa no facto de o direito de propriedade sobre o imóvel referido nos autos, ter sido adquirido pela Ré C, Lda., alegadamente com meios financeiros próprios da aqui A. Ana e com bens comuns extinto casal constituído pela mesma e pelo aqui R. Nuno e tendo a questão da propriedade da Ré C, Lda., sobre o imóvel em referência nos autos, ficado resolvida definitivamente na ordem jurídica com o trânsito em julgado do Ac. da RL de 24/10/2012, proferido no processo n.º 0002/00.0TBCSC, então é nesse momento que se impõe considerar que a A. teve conhecimento do direito á restituição e da pessoa do responsável e passou a poder exercer tal direito, não tendo aqui qualquer influência a pendência da acção 0001/00.0TBCSC, já que a vinculatividade da decisão proferida naquele processo nasce com o trânsito em julgado do Ac. da TRL e reporta-se sempre a esta data e não com ou a qualquer decisão posterior. * Tendo a presente acção sido proposta a 16/11/2018, nessa data há muito tinham decorrido mais de 3 anos a contar de 24/10/2012, mais concretamente tinham decorrido 6 anos e 22 dias, pelo que se impõe concluir que á data o direito de pedir a restituição fundada em enriquecimento sem causa se encontrava prescrito. * Uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, o que, processualmente constitui a alegação de um facto impeditivo do direito do A. e, nessa medida, de uma excepção perenptória, cuja verificação determina absolvição do pedido (art.º 576º n.º 3 do CPC).» À luz de todos os considerandos, quer dos anteriormente tecidos, quer dos vertidos no trecho do saneador-sentença acabado de transcrever, não merece, também nesta parte, qualquer censura, a decisão recorrida. Na verdade, pelas exatas razões expendidas no transcrito segmento do saneador-sentença recorrido, com as quais se concorda inteiramente, à data da instauração da presente ação, há muito se encontrava prescrito o alegado direito da autora a ser restituída a título de eventual enriquecimento sem causa, pelo que, também nesta parte, terá a apelação de ser julgada improcedente. * 3.2.3 – O recurso subordinado: Da admissibilidade da reconvenção: Como se viu, a 2.ª ré deduziu reconvenção contra a autora, alegando que esta ocupa ilícita e abusivamente o imóvel desde 4 de fevereiro de 2014. Em consequência da ocupação, a 2.ª ré está impedida, desde essa data, de utilizar ou rentabilizar o imóvel, arrendando-o, ou cedendo onerosamente o gozo do mesmo a terceiros, à razão mensal, no mínimo, de € 5.000,00. «Ocupando abusivamente esse imóvel há sessenta e um meses deve já a Autora à Ré C, Lda., 304.285,71 €, e dever-lhe-á mais um montante de cinco mil euros mensais entre o fim de Março de 2019 inclusive e o dia do mês em que desocupe e deixe livre e devoluta, com excepção dos bens que pertençam à Ré C, Lda., e ao Réu Nuno, o referido prédio urbano, mês esse em que a quantia vincenda será calculada proporcionalmente aos dias de ocupação e os juros sobre ela contados desde o dia seguinte ao da saída.» Pugna para que a reconvenção seja julgada procedente, por provada, «(...) sendo a Autora condenada a pagar à Ré C, Lda., a quantia de 304.285,71 €, acrescida de 5.000,00 € a vencer em cada final de mês desde Março de 2019 inclusive até ao dia em que a Autora deixe livre e devoluto o [imóvel], com excepção dos bens que pertençam à Ré C, Lda., e ao Réu Nuno, mês esse em que a quantia vincenda será calculada proporcionalmente aos dias de ocupação e os juros sobre ela contados desde o dia seguinte ao da saída, bem assim, ser condenada a pagar juros à taxa legal sobre as quantias já vencidas, desde a notificação para o pedido reconvencional até integral pagamento, e sobre as quantias vincendas desde as respectivas datas de vencimento também até integral pagamento, tudo acrescido de custas e legais acréscimos, que deverão ser suportados na íntegra pela Autora.» No saneador-sentença recorrido o tribunal a quo proferiu decisão de não admissão da reconvenção, por não a considerar enquadrável na previsão de nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 266.º; destacou o tribunal a quo, sobretudo, a circunstância de o pedido reconvencional não emergir do facto jurídico que serve de fundamento, quer à ação, quer à defesa. Na contestação/reconvenção, a 2.ª ré não subsume o pedido reconvencional a qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 266.º. Só no recurso subordinado que interpôs vem afirmar que «o pedido reconvencional encaixa em três das alíneas do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, respectivamente a), c) e d):…» Mas não encaixa!! Na verdade, não encaixa em qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 266.º! Não se enquadra, desde logo, na al. a), pois não emerge, do facto jurídico que serve de fundamento, quer à ação, quer à defesa. Conforme refere Mariana França Gouveia, «é posição assente na doutrina e na jurisprudência portuguesas que a expressão facto jurídico que serve de fundamento à acção é o mesmo que causa de pedir.»[45]. Assim sendo, não basta sequer a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da ação e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa[46]. A doutrina portuguesa, e continuamos a acompanhar Mariana França Gouveia, «ao entender em unanimidade que o art. 274º[47] se refere à causa de pedir da acção, entende também, em coerência, que esta tem de ser a mesma que fundamenta a reconvenção. Para ilustrar os casos que entendem inserir nesta previsão normativa, são muito comuns os exemplos de contratos bilaterais – o autor pede o pagamento do preço, o réu exige a entrega da coisa. A causa de pedir identifica-se, em ambos os objectos processuais, com o contrato. Sendo a causa de pedir das duas acções a mesma, a reconvenção é admissível. Em coerência com esta posição, a doutrina defende que naqueles casos em que não há identidade de factos, mas apenas comunhão de alguns factos que fundamentam ambas as pretensões, não há identidade de causa de pedir. Alberto dos Reis entende que há duas formas possíveis de interpretar o conceito de causa de pedir: uma forma restrita, de que o exemplo referido é típico, e uma forma ampla. Será exemplo de admissibilidade de reconvenção em virtude de uma interpretação ampla de causa de pedir, aquele caso em que o autor pede a condenação no pagamento de parte do preço de um contrato e o réu defende-se com base na anulabilidade desse contrato e reconvenciona a restituição da parte do preço já pago[48]. Alberto dos Reis, acompanhado por toda a doutrina, adopta como correcto o entendimento estrito, enquadrando esta última hipótese nos casos em que a causa de pedir da reconvenção é o fundamento da defesa excepção de nulidade do contrato)[49]. Repare-se que, se se entendesse que a causa de pedir era o contrato (válido ou inválido), esta situação seria enquadrável na primeira hipótese da alínea a). A doutrina não preenche esta regra porque identifica a causa de pedir do pedido do autor com a norma relativa ao cumprimento contratual e a do pedido do réu com a norma relativa à formação do contrato. Sendo as normas distintas, não pode deixar de ser o mesmo o caso histórico, o evento natural. Pelo que é clara a opção pela identificação da causa de pedir com as previsões normativas correspondentes. Esta é a posição unânime da doutrina, não havendo sequer um autor que questione a sua validade. Qual a sua razão de ser? Que entendimento sobre a reconvenção está subjacente a esta tomada de posição? A interpretação doutrinária do artigo 274° n° 2 a) é restritiva, na medida em que limita os casos de admissibilidade de reconvir. Esta intenção restritiva é naturalmente propositada, relacionando-se com a concepção que envolve o instituto da reconvenção no nosso Código de Processo Civil. Há dois sistemas de admissibilidade de reconvenção: a acção cruzada e a defesa-ataque. A diferença consiste apenas no facto de na primeira modalidade se permitir ao réu a dedução de qualquer pedido contra o autor, ao passo que na segunda se exige um nexo entre o objecto das duas acções a contra-cumular. O sistema da acção cruzada foi consagrado no Código de Processo Civil de 1876, onde se afirmava, apesar de depois se lhe abrirem inúmeras excepções, que a reconvenção era sempre admissível. A razão de ser deste sistema relacionava-se com a dificuldade e raridade do acesso aos tribunais. Nas palavras de Luso Soares, “Se o réu tinha de vir ao tribunal por causa de uma acção contra si proposta pelo autor, seria crueldade não lhe permitir que nela se apreciasse quaisquer pedidos que ele porventura tivesse afazer contra o autor[50].” Estas razões foram entretanto suplantadas, privilegiando-se hoje a economia processual, nomeadamente no que diz respeito ao melhor aproveitamento da prova. Economia judicial que aqui está dirigida para dentro do processo - quer-se um processo célere ou vários processos céleres em detrimento de um único processo moroso. Assim a nossa ordem jurídica adoptou, desde 1939, o modelo da reconvenção defesa-ataque, exigindo uma conexão entre as duas acções. Nesta linha de economia processual, a conexão exigida tem de ser forte, não se bastando, no entendimento da doutrina, com uma ténue ligação entre os dois objectos processuais. Assim se explicam as opções restritivas vigentes no nosso ordenamento jurídico quanto à reconvenção. Opções que influem, logicamente, no conceito de causa de pedir que se entende ser aplicável. 8.4. Ponto da Situação Ficou claro, com o que se disse, que há um relativo consenso na doutrina e jurisprudência portuguesas quanto à forma de definir causa de pedir para efeitos de admissibilidade de dedução de pedido reconvencional. Esse consenso centra-se na definição de causa de pedir através dos factos que compõem a previsão da norma. Factos constitutivos que, tendo de ser exactamente os mesmos para a causa de pedir da acção e para a causa de pedir da reconvenção e dado o facto de o tribunal aceitar as qualificações feitas pelas partes, implicam a identificação das causas de pedir com uma única norma jurídica. Acaba, pois, por identificar-se causa de pedir com a previsão dessa norma jurídica. Esta definição tem como fundamento a restrição dos casos de admissibilidade de reconvenção, opção que se considera ser a do actual código». Assim, pois, a doutrina é no sentido de que essa conexão deve consistir em o pedido do réu ter por fundamento o ato ou facto, base da ação ou da defesa, não bastando que o pedido do réu seja apenas atinente ao ato ou facto - fundamento da ação ou da defesa[51]. No Ac. do S.T.J. de 26.02.1992, Proc. n.º 082021 (Roger Lopes), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. Tem-se em vista, com a reconvenção, razões de economia processual e de segurança, na medida em que, num mesmo processo, são decididas questões de facto relacionadas umas com as outras com base numa só produção de prova.» É, assim, evidente que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação. E também não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, estando, evidentemente, muito para além desta. Conforme se decidiu no Ac. do S.T.J. de 23.09.1992, Proc. n.º 08400 (Figueiredo de Sousa), «não é admissível a reconvenção quando os seus fundamentos nada têm que ver com a causa de pedir da acção principal ou com a defesa produzida. Assim, pois, a admissibilidade da reconvenção, com o fundamento de que "o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento... à defesa", depende de esse facto, a verificar-se, ter efeito útil defensivo, no sentido de ser susceptível de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.». É, assim, também por demais evidente que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, pois, o facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção[52]. A factualidade alegada pela 2.ª ré em sede de reconvenção assenta das exceções perentórias por si invocadas: e nem sequer assenta em factos integradores de impugnação especificada dos fundamentos da autora. Em suma, a reconvenção não cabe na previsão da al. a) do n.º 2 do art. 266.º. E também não se enquadra na al. c)! Nos termos dessa alínea, a reconvenção é admissível «quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.» Dispõe o art. 847.º do Código Civil: «1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.» Nos termos do n.º 1 do art. 848.º, «a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.» A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta[53]. Para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao notificado, torna-se necessária a verificação de uma série de requisitos, figurando à cabeça a reciprocidade dos créditos, conforme resulta do citado n.º 1 do art. 847.º. Sucede que, lida a contestação-reconvenção, verifica-se que em momento algum a ré assume ou admite, ser devedora da autora, seja a que título for. Repare-se que nem sequer a reconvenção não vem formulada a título subsidiário, para a hipótese de ficar demonstrada a existência de um direito de crédito da autora sobre a 2.ª ré. Tal formulação não resulta expressa do pedido reconvencional, nem se retira tacitamente da alegação dos fundamentos da reconvenção. O que resulta da contestação-reconvenção é que a 2.ª ré nem sequer equaciona a hipótese de ter enriquecido indevidamente à custa da autora. E mesmo assim pretende ver compensado o direito de crédito de que se arroga titular sobre a autora com o direito de crédito desta sobre si, cuja existência nem sequer equaciona. Assim sendo, a declaração de compensação, nestes termos efetuados pela 2.ª ré, não observa os requisitos legais de admissibilidade da compensação previstos no artigo 847.º do Código Civil, desde logo no que tange à reciprocidade dos créditos, repete-se, por aquela não se assumir reciprocamente devedora da autora, hipótese que, insiste-se, nem sequer equaciona. Em suma, a reconvenção também não cabe na previsão da al. a) do n.º 2 do art. 266.º. E parece evidente, finalmente, que o pedido reconvencional também não cabe na previsão da al. d), pois é manifesto que o pedido da 2.ª ré não tende a conseguir o mesmo efeito jurídico que a autora propõe obter através da ação. Como referem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, «a al. d) não suscita dificuldades, ficando acauteladas as situações em que o réu aproveita a ação para conseguir o mesmo efeito jurídico que o autor pretende, como ocorre em ações de divórcio, em que o réu formula igualmente tal pretensão, ou em ações de reivindicação, em que o réu, além de impugnar o direito de propriedade invocado pelo autor, pede que esse direito seja reconhecido a si próprio.»[54]. Lebre de Freitas / Isabel Alexandre esclarecem que «a identidade do efeito pode ser parcial: o réu pede a declaração de propriedade sobre uma parte do bem reivindicado ou o reconhecimento dum usufruto sobre ele, a anulação parcial do contrato ou a separação de pessoas e bens.»[55]. Nada disso ocorre no caso concreto, pois a 2.ª ré não há qualquer identidade, mesmo parcial, entre o efeito jurídico que a autora se propõe obter através da ação e aquele que a 2.ª ré se propõe obter através da reconvenção. Em suma, a reconvenção também não cabe na previsão da al. d) do n.º 2 do art. 266.º. Improcede, por isso, o recurso subordinado. * IV – DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedentes, tanto o recurso principal interposto pela autora, como o recurso subordinado interposto pela 2.ª ré, mantendo, em consequência, e na íntegra, o saneador-sentença recorrido. Custas: - do recurso principal, a cargo da autora; - do recurso subordinado, a cargo da 2.ª ré. Lisboa, 24 de maio de 2022 José Capacete Carlos Oliveira Diogo Ravara _______________________________________________________ [1] Doravante referido apenas como “1.º réu”. [2] Doravante referida apenas como “2.ª ré”. [3] Doravante referido apenas por “imóvel”. [4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 147-149 [5] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 3ª Ed., 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141. [6] Sobre a noção de «questões», nomeadamente para os efeitos dos arts. 608º e 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013, vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, 1981, pp. 51-58. [7] Cfr. Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, p. 393. [8] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 138. [9] Idem, pp. 320-321. O Autor reporta-se ao art. 498.º do C.P.C./61, correspondente ao art. 581.º do C.P.C./13. [10] O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325.º, pp. 49 e ss. [11] Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 599-600, e Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss.. [12] Art. 581.º do C.P.C./13. [13] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 628, citando, em parte, o Ac. do STJ de 29.05.2004, Proc. nº 1722/12.9TBBCL.G1.S1 (João Bernardo), in www.dgsi.pt. [14] Proferido no Proc. nº 8870/03.4TVLSB.L1.S1 (Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt. [15] Vejam-se ainda, além do referido Ac. de 29.05.2014, os Acs. do S.T.J. de 06.03.2008, Proc. n.º 08B402 (Oliveira Rocha) e da R.G. de 12.07.2011, Proc. n.º 4959/10.1TBBRG.G1, todos in www.dgsi.pt.. [16] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, p. 415. Cfr. ainda a jurisprudência do S.T.J. citada na nota do acórdão que vimos acompanhando. [17] B.M.J. 325.º, pp. 178-179. [18] Ob. cit., p. 499. Cfr. ainda Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 171. Cfr. também os Acórdãos do S.T.J. de 12.07.2011, de 12.09.2013, de 18.06.2014 e de 24.03.2015, citados no acórdão que vimos acompanhando. [19] Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 33. Deve tratar-se, como refere este Autor, de "uma aplicação ou interpretação normativa insólita e inesperada, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão". [20] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pp. 317-318. [21] Noções cit., p. 318. [22] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, 1968, p. 76. [23] Limites cit., p. 101. [24] Limites cit., pp. 152-159. [25] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579. [26] Estudos cit., pp. 579-581. [27] O destacado a negrito é da nossa autoria. [28] O destacado a negrito é da nossa autoria. [29] Referimo-nos, obviamente, sempre ao mesmo imóvel, o identificado na petição inicial com que foi introduzido em juízo a presente ação. [30] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, 1981, p. 203. [31] Preclusão e "contrario contraditório", in Cadernos de Direito Privado, n.º 41, pp. 24-25. [32] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 177. [33] Noções cit., p. 324. [34] Preclusão cit., p. 26. [35] Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, in Revista Julgar Online, novembro de 2018, p. 42, acessível na internet em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf. [36] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 566, e Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss.. [37] Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2009, pp. 647-648. [38] Anotação ao Ac. do STA de 05.12.1967, in O Direito, 102.º, III, p. 225. [39] Código cit., p. 567. [40] Júlio Gomes, Comentário do Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 271. [41] Direito das Obrigações, 8.ª Edição, Almedina, 2000, p. 464. [42] Cfr., Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º Vol., AAFDL, 1981, p. 65. [43] Ob. e loc. cit. [44] Veja-se, a este propósito, a abundante jurisprudência citada neste acórdão. [45] A Causa de Pedir cit., p. 245. Cfr. ainda Autores e Obras citadas, assim como os arestos referidos na nota 777. [46] Cfr. Ac. do S.T.J. de 05.05.2004, Proc. nº 075413 (César Marques), in www.dgsi.pt. [47] Art. 266.º do CPC/13. [48] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, 1946, p. 99. [49] Comentário cit., p. 100. [50] Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, 1985, p. 675. [51] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário cit., p. 98, e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 324. [52] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302. [53] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4ª Ed., pág. 130. [54] Código cit., p. 305. [55] Código cit., pp. 519-520. |