Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RAQUEL LIMA | ||
| Descritores: | ACUSAÇÃO DESCRIÇÃO DO DOLO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I.–No despacho recorrido pode ler-se que para que o dolo do tipo se afirme é necessário que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto, mas que o dolo não se basta com o conhecimento das circunstâncias do facto e da sua configuração jurídica, antes sendo igualmente necessário a “verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização. II.–Dizendo-se que o arguido agiu de forma voluntária (no sentido de ser uma actuação controlada pela vontade, excluindo-se os espasmos, os estados de sonambulismo, os actos reflexos, os eventos naturais) e consciente (porque ciente da punibilidade da conduta) e sabendo da ilicitude da sua conduta, não conseguimos imaginar uma situação em que, consequentemente, o arguido não queira o resultado dessa acção voluntária e consciente. III.–É um silogismo lógico, simples e claro. O arguido foi condenado a entregar a carta de condução. Foi advertido de que, caso não o fizesse no prazo de 10 dias, cometia um crime de desobediência. Sabia da ilicitude do acto, dela tendo consciência e voluntariamente decidiu não entregar a carta. IV.–O arguido representou a realização do facto (sabia que não entregar a carta de condução o fazia incorrer na prática de um crime de desobediência) e tinha intenção de o praticar (que exteriorizou, não a entregando). O agente sabia e queria. Está descrito o dolo na acusação. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1.–RELATÓRIO O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, para julgamento por Tribunal Singular, contra A filho de B e de C, nascido a 30.08.1995, natural de Cabo Verde, solteiro, residente na Rua ...., Imputando-lhe o cometimento dos seguintes factos: Por sentença de 22/11/2017, proferida no Processo Sumaríssimo nº 362/17.0 PGAMD, do Juízo Local Criminal deste Tribunal – Juiz 2, e transitada em julgado em 10.01.2018, o arguido foi condenado, além do mais, na sanção acessória de proibição de conduzir, pelo período de três meses. Dessa condenação consta que o arguido dispunha de 10 dias, após trânsito da mesma, para apresentar e entregar, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, a sua carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência, se o não fizesse. O arguido foi notificado em 13/12/2017 da referida decisão, e não só não a impugnou, como não cumpriu a obrigação, no prazo estipulado, de entregar a sua carta de condução. Agiu o arguido voluntária e conscientemente, sabendo que desobedecia a ordem legal, que lhe fora regularmente comunicada e que provinha de autoridade competente.”. Desse modo, cometeu o arguido, em autoria material e na forma consumada, um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º nº 1, alínea b) do Código Penal. Remetido o processo à distribuição a Sr. Juiz considerou a acusação omissa na descrição de factos essenciais, que não podem ser completados pelo Tribunal considerando a doutrina do AUJ 1/2015 e não recebeu a acusação e ordenou a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. Não se tendo conformado com tal decisão, veio o Digno Magistrado do Ministério Público interpor recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1.–No âmbito dos presentes autos, por despacho a Meritíssima Juiz recusou a recepção da acusação, por manifestamente infundada, por não conter a narração dos factos, mais concretamente no que se refere aos elementos subjectivos do tipo, nos termos do art.º 311.º, n.º 3 al. b) do Código Processo Penal, concretizando que, não obstante que o Ministério Público ter formulado a culpa, ao enunciar que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, no que concerne ao dolo do tipo, apenas enunciou o elemento intelectual, sendo a acusação omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo. 2.–Ao invés do alegado pelo Tribunal a quo, o despacho de acusação proferido cumpre, na integra, o disposto no art.º 283.º n.º 3 do Código Processo Penal, uma vez que narra, ainda que sinteticamente, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. 3.–O crime de desobediência consuma-se a título doloso, sendo que, ao invés do defendido pelo Tribunal a quo, analisado o despacho de acusação recusado resulta, de forma clarividente, que se encontram descritas, de forma sistemática, todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo, uma vez que ali é descrito, por um lado, que o arguido após ter sido notificado de todo o teor da sentença proferida no âmbito do proc. 362/17.0PGAMD, ficou, necessariamente, ciente que tinha sido condenado, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses, sendo que, da referida notificação constava, de forma peremptória, que o mesmo “…dispunha de 10 dias, após trânsito da mesma, para apresentar e entregar, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, a sua carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência, se o não fizesse…”, por outro, que aquele, após ter sido notificado de todo o teor da sentença supramencionada, “…não só não a impugnou, como não cumpriu a obrigação, no prazo estipulado, de entregar a sua carta de condução…”, e por fim, que assumiu tal comportamento omissivo de “…forma voluntária e conscientemente, sabendo que desobedecia a ordem legal, que lhe fora regularmente comunicada e que provinha de autoridade competente…”, razão pela qual se conclui, necessariamente, que ao omitir tal acção, fê-lo sabendo que incorreria na prática de um crime de desobediência e optou, de forma voluntária e ou deliberada, por não fazê-lo, isto é, actuo com o propósito concretizado de atingir esse fim. 4.–De salientar que, se do despacho de acusação consta, de forma clarividente, por um lado, que o arguido foi advertido que incorreria na prática de um crime de desobediência caso não entregasse a sua carta de condução no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença que o condenou, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses, e por outro, que optou, de forma voluntária e consciente, por não o fazer, conclui-se, necessariamente, que o Ministério Público pretendeu descrever que o agente ao actuar da forma descrita, ponderou na omissão supra-referida, e desejou atingir tal desiderato, ou seja, actuou com dolo directo na execução do ilícito criminal pelo qual foi acusado, actuando, de acordo com essa pretensão, desejando atingir esse fim, o qual concretizou. 5.–Considerar que o elemento volitivo do dolo não se basta com uma actuação voluntária ou deliberada, extravasa, em nosso entendimento, em larga medida, o disposto e o pretendido no supramencionado acórdão de fixação de jurisprudência, na medida em que é aquele mesmo aresto que defende que “…Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude), vide acórdão de uniformização de jurisprudência 1 /2015, relator Rodrigues da Costa, publicado no Diário da República 18 SÉRIE I de 2015-01-27. 6.–Em nosso entendimento, analisado o teor do despacho de acusação, não se consegue perspectivar ou sequer conjecturar que a actuação do arguido, aquando da prática dos factos, não fosse com a intenção concretizada de praticar o ilícito pelo qual veio acusado, sendo incompreensível e inexplicável entendimento ou interpretação diversa, na medida em que, quando alguém expressa que outrem, sabendo que vai incorrer na prática de um ilícito ao actuar de determinada forma, encontrando-se livre e consciente, assume tais comportamentos de forma voluntária e/ou deliberada, de forma transparente pretende expor ou relatar que esse arguido actuou com dolo directo ao assumir determinado comportamento. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir, ao rejeitar a acusação, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 283.º, n.º 3, al. b) e 311, n.ºs 2, al. a) e 3 al. b), todos do Código de Processo Penal. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogado o despacho proferido em 1.ª instância, ora recorrido, e substituído por outro que proceda a exame preliminar e designe data para realização de audiência de discussão e julgamento, por se encontrarem descritos, no despacho de acusação, todos os elementos, subjectivos e objectivos do tipo imputado ao arguido. * Já nesta Relação, o Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a alegação da efectuada pela Digna magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância. * Cumprido o art. 417º nº 2, do C.P.P. não houve resposta ao Parecer. Colhidos os vistos, o processo foi presente à Conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº3, al. c), do diploma citado. 1.–Fundamentação A)–Delimitação do Objecto do Recurso Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). No caso vertente, em face das conclusões do recurso é a seguinte a questão que cumpre apreciar: - a acusação rejeitada é omissa na descrição de factos essenciais, respeitantes ao dolo, que não podem ser completados pelo Tribunal considerando a doutrina do AUJ 1/2015? B)–Decisão Recorrida Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida. (…) Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º nº 1, alínea b) do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 311.º, do CPP, considerando a remissão do art.º 386.º do CPP, recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. Acrescenta o n.º2 do citado normativo que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente rejeita a acusação se a considerar manifestamente infundada (al. a)), considerando-se como tal aquela que, além do mais, não contenha a narração dos factos (artigo 311.º, n.º3, al. b), do CPP). Relativamente ao estatuído na última alínea do nº3 do preceito acabado de citar, tem entendido a doutrina e a jurisprudência actuais que a rejeição da acusação somente pode ocorrer quando manifestamente inexistam factos que correspondam à prática de um ilícito criminal, i. e., quando diante do texto da acusação faltem elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante (neste sentido vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2008, p. 791, n. 8, sublinhado nosso). Do ponto de vista subjectivo, o crime de desobediência é um crime doloso. Para que o dolo do tipo se afirme é necessário que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto. Ou seja, para que se possa afirmar a actuação dolosa necessário se monstra que o “agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito”- Figueiredo Dias, Doutrina Geral do Crime, Lições do 3.º ano da Faculdade de Direito, Coimbra, 2001, pág. 90.- Elemento intelectual do dolo. Mas o dolo não se basta com o conhecimento das circunstâncias do facto e da sua configuração jurídica, antes sendo igualmente necessário a “verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização” (idem) - o elemento volitivo do dolo do tipo, o qual pode assumir a forma de dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual- artigo 14.º do CP. O dolo directo “consiste na vontade intencional dirigida à realização do facto”, o dolo necessário consiste “na vontade dirigida à prática do facto, com todas as consequências necessárias” e o dolo eventual consiste “na conformação do agente com a prática do facto, com as suas consequências possíveis”- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica, em anotação ao artigo 14.º Temos assim que embora o dolo exprima uma vontade, não se basta com esta. A conduta dolosa não dispensa a consideração da intensidade da relação dessa vontade com o resultado típico, no sentido da intenção correspondente (a qual, todavia, não se confunde com a motivação do agente). Dito de outro modo, o dolo afirma-se com a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor. Por outro lado, um facto ilícito só é punível se culposo, ou seja, se for reprovável porque o agente não “motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando poderia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao direito (…) A culpabilidade representa, pois, um juízo de censura do agente por não ter agido em conformidade com o dever ser jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo, mas significa também o conjunto de pressupostos desse juízo de reprovação jurídica. (…)- Germano Marques da Silva, Direito Penal Português Parte Geral, III, Verbo, páginas 149 a 150. São os seguintes os factos da acusação: “Por sentença de 22/11/2017, proferida no Processo Sumaríssimo nº 362/17.0 PGAMD, do Juízo Local Criminal deste Tribunal – Juiz 2, e transitada em julgado em 10.01.2018, o arguido foi condenado, além do mais, na sanção acessória de proibição de conduzir, pelo período de três meses. Dessa condenação consta que o arguido dispunha de 10 dias, após trânsito da mesma, para apresentar e entregar, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, a sua carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência, se o não fizesse. O arguido foi notificado em 13/12/2017 da referida decisão, e não só não a impugnou, como não cumpriu a obrigação, no prazo estipulado, de entregar a sua carta de condução. Agiu o arguido voluntária e conscientemente, sabendo que desobedecia a ordem legal, que lhe fora regularmente comunicada e que provinha de autoridade competente.”. Assim, na acusação enuncia-se a culpa: o arguido agiu de forma voluntária (no sentido de ser uma actuação controlada pela vontade, excluindo-se os espasmos, os estados de sonambulismo, os actos reflexos, os eventos naturais) e consciente (porque ciente da punibilidade da conduta). A acusação enuncia igualmente o elemento intelectual do dolo (o conhecimento da ilicitude.). Mas, no que ao concerne ao dolo do tipo, a acusação é completamente omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo. Ou seja, nada se diz se a realização do tipo é o fim último ou uma consequência necessária ou meramente eventual da conduta do arguido. Em nosso entendimento não basta afirmar que a actuação foi voluntária, porque esta não esgota o sentido da ilicitude nem o sentido de desvalor, nos termos supra expostos. Com efeito, como refere Germano Marques da Silva “o acto involuntário não é facto constitutivo de qualquer crime, mas a voluntariedade não se confunde com a projecção da vontade sobre o resultado”- ob. cit. Pág. 45, sublinhado nosso. E não se diga que a formulação escolhida na acusação se refere ao dolo directo. Com efeito, neste, “o agente prevê a realização do facto criminoso e tem como fim essa realização: a realização do tipo objectivo de ilícito surge como verdadeiro fim da conduta”- Miguês Garcia, em anotação ao artigo 14.º, n.º1, citando Figueiredo Dias (Código Penal Parte Geral e Especial com notas, Almedina, pág137). “Intenção significa que o elemento dominante, a vontade do agente, está conotado com a acção típica ou com o resultado previsto no tipo ou com ambos: o resultado é o fim, a meta que o agente se propunha” - idem. Nada disso é referido na acusação. Por outro lado, uma actuação dolosa, em qualquer uma das suas modalidades, seja por dolo directo, eventual ou necessário, pode não ser uma actuação culposa, por não ser possível afirmar que tenha havido um “uso indevido de uma vontade livre” pelo agente (artigo 20.º do CP)- cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, Verbo, pág. 160. Dito de outro modo, a alegação de que a conduta é culposa, por, porque censurável, já que o agente não se motivou na norma, podendo e devendo fazê-lo (porque tinha a liberdade e a capacidade para o fazer), não equivale a afirmar o dolo. O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão recente de 22.09.21, entendeu igualmente, numa acusação deduzida aliás pelo Ministério Público desta instância local da Amadora (que, tal como aqui, quanto ao elemento subjectivo apenas escreveu “O arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta), que “impunha-se ter alegado e imputado ao arguido que o mesmo quis, que agiu com intenção” (negrito nosso, acórdão disponível em www.dgsi.pt). 1 Que teve como relator o Exma. Sr. Desembargador Rui Teixeira, no processo n.º3325/18.5T9AMD.L1-3, disponível em http://www.dgsi.pt. 2 Que teve como relatora a Exma. Sr.ª Desembargadora Filipa Costa Lourenço. Do mesmo modo, e confirmando uma decisão idêntica por nós proferida, no âmbito do processo n.º 226/20.0PBMDL.L12, decidiu a Relação de Lisboa que “Embora, a nível probatório, o dolo, enquanto facto interno, se possa deduzir os factos externos, objectivos, tal não dispensa que tenha de constar da acusação, sob pena de nunca estar preenchido o tipo de crime pelo qual se pretende levar o arguido a julgamento”. Neste acórdão, citando-se o acórdão do TRC de 25.02.2015, escreveu-se “não é admissível a presunção do dolo com recurso à factualidade objectiva descrita na acusação; a lei não exige a narração, ainda que sintética, dos factos -de todos os factos- que fundamentam a aplicação ao arguido com uma pena, não se contentando, pois, com “subentendidos” ou “factos implícitos”. Em sentido idêntico, afirmando a necessidade de na acusação constar que o arguido quis adoptar a conduta descrita, o acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo 19/19.8GCBRG.G1, do Exmo. Desembargador Paulo Serafim “Não se mostra adequada e suficientemente preenchido o dolo deste tipo de crime (nos seus elementos cognitivo e volitivo) se apenas se alegou na acusação e se deu por provado na sentença que «o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser proibida a sua conduta». Para a verificação do dolo, que o tribunal recorrido entendeu ser directo ou de 1º grau, imperioso era que estivesse invocado e provado que o arguido sabia que não podia aceder ao correio electrónico da então sua esposa e ler emails que a esta eram dirigidos, sem que por ela fosse autorizado, e que, ainda assim, quis proceder do modo descrito.” (disponível em www.dgsi.pt, sublinhados nossos)3. 3 Ali, tal como aqui, entendeu-se que “dar como provado que a actuação do arguido foi «voluntária» não satisfaz essa exigência, porque essa fórmula genérica, tabelar reporta-se a uma realidade distinta, mais concretamente ao tipo de comportamento humano necessário para a sua relevância jurídico-penal, exigindo-se que seja voluntário, isto é, «presidido por uma vontade, o que exclui os puros actos reflexos (v.g., o caso de alguém que perde o controlo do seu carro e colide com outro veículo em virtude de uma reacção instintiva de defesa contra um insecto que lhe entrou num olho), os cometidos em estado de inconsciência (v.g., em situações de sonambulismo, de hipnose, de delírio profundo ou durante um ataque epiléptico) ou sob o impulso de forças irresistíveis.» [Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 305]”. O STJ no acórdão de fixação de jurisprudência 1/2015, publicado no DR, série I, de 27/01/2015, refere, exactamente a este propósito, que “A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual).”- negrito nosso. Ora, conforme entendeu o STJ a “falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”. (negrito nosso) Pelo exposto, por ser omissa na descrição de factos essenciais, que não podem ser completados pelo Tribunal considerando a doutrina do AUJ 1/2015 atrás citado, não se recebe a acusação e ordena-se a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. C)–Apreciação da questão em recurso. Em 2015 (Ac 1/2015, publicado no DR, série I, de 27/01/2015,) o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que “A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual).”- negrito nosso. É que o dolo é um conceito jurídico que tem de ser preenchido por factos. Embora, a nível probatório, o dolo, enquanto facto interno, se possa deduzir dos factos externos, objectivos, tal não dispensa que tenha de constar da acusação.”- cfr. ac. da RC de 13.09.17, disponível em www.dgsi.pt. Ora, conforme entendeu o o STJ a “falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”. Este Acórdão de fixação de Jurisprudência diz ( e perdoem a repetição) exactamente o que está lá escrito , ou seja, se o “dolo” não constar da acusação, a sua falta não pode ser colmatada com uma comunicação de alteração não substancial ao abrigo do disposto no art. 358º CPP. Ver acórdão da RE de 19/12/2019, relatado por Renato Barroso, no proc. 219/18.8GCSLV.E1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “.Ora, para tais situações, a doutrina assumida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº1/2015 é, inaproveitável, já que o mesmo não se reporta, em regra, a situações em que falta a consciência da ilicitude, mas antes, a casos em que na acusação não foram descritos os elementos subjectivos do tipo.” Plasmou-se em tal aresto, que "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do CPP », No despacho ora em crise, bem como em alguns do mesmo teor que, recentemente têm sido proferidos em alguns tribunais, tem sido utilizado o AUJ para, “jogando” apenas com semântica, afirmar que os elementos do dolo não constam da acusação e, por esse motivo, não a admitirem. Como escreve o Ex. Sr. Desembargador deste Relação e Secção, Dr. João Abrunhosa Processo n.º 435/21.5PHAMD.L1 “- Ora agir deliberadamente, é agir de propósito, que é o contrário de agir sem querer, involuntariamente ou acidentalmente (ver “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa), com o que se encontra descrito o elemento volitivo, que, neste, caso ainda é reforçado porque consta que agiu de modo sério e convincente, isto é, de forma eficaz. Por outro, da acusação consta que o Arg. agiu conhecendo o carácter proibido e punido das suas condutas, o que integra a consciência da ilicitude[1] (e, consequentemente, do desvalor da acção) mas ainda que assim não fosse, esta não é um dos elementos subjectivos do tipo (artº 14º do CP), relevando apenas em termos de culpa, artº 17º do CP)(. Neste sentido, cf., por todos, acórdão da RE de 19/12/2019, relatado por Renato Barroso, no proc. 219/18.8GCSLV.E1, in www.dgsi.pt). Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).” O que vem escrito na acusação destes autos e que levou ao despacho ora em crise é o seguinte: Por sentença de 22/11/2017, proferida no Processo Sumaríssimo nº 362/17.0 PGAMD, do Juízo Local Criminal deste Tribunal – Juiz 2, e transitada em julgado em 10.01.2018, o arguido foi condenado, além do mais, na sanção acessória de proibição de conduzir, pelo período de três meses. Dessa condenação consta que o arguido dispunha de 10 dias, após trânsito da mesma, para apresentar e entregar, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, a sua carta de condução, sob pena de cometer um crime de desobediência, se o não fizesse. O arguido foi notificado em 13/12/2017 da referida decisão, e não só não a impugnou, como não cumpriu a obrigação, no prazo estipulado, de entregar a sua carta de condução. Agiu o arguido voluntária e conscientemente, sabendo que desobedecia a ordem legal, que lhe fora regularmente comunicada e que provinha de autoridade competente.”. Como bem escreve a Ex. Desembargadora deste Secção 652/21.8PEAMD.L1-Renata Whytton da Terra “Não existe um modo semântico único para a descrição dos factos que integram o tipo de dolo, sendo, naturalmente, livre a redacção e a utilização dos termos que servirão para o descrever, para integrar o dolo, não havendo uma fórmula que, não sendo utilizada ipsis verbis, conduza fatalmente à queda da acusação por manifestamente infundada, por não conter a suficiente narração dos factos; II-No que ao dolo diz respeito, este, desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo. O elemento intelectual do dolo implica, desde logo, o conhecimento, previsão ou representação por parte do agente, dos elementos materiais constitutivos do tipo objectivo do ilícito. O outro elemento do dolo, o elemento volitivo, consiste na vontade, por parte do agente, de realizar o facto típico, depois de ter representado, ou previsto as circunstâncias ou elementos do tipo objectivo do ilícito;” Assim também já decidimos nos processos 263/21.8PHAMD, 264/21.7T9AMD.L e 1272/21.7PFAMD.L1 Etimologicamente o conceito de dolo (nascido no Direito Romano Justinianeu), era configurado nas seguintes expressões: dolus, dolus malus, propositum. É pertinente recordar a célebre frase do imperador Adriano (séc. II) “In maleficiis voluntas spectatur, non exitus". "Nos Malefícios se observa a intenção e não o resultado"No direito canónico, semelhante conotação foi-lhe atribuída, sendo referido como: dolus, voluntas, sciens, malitia, palavras correspondentes à malícia, astúcia e fraude. Relativamente à delimitação do conceito de dolo, Mezger já dizia que este“es uno de los más difíciles y a la vez de los práticamente más importantes de todo el Derecho de castigar”. Embora exista algum conflito doutrinal neste ponto, configuramos o dolo como um elemento pertencente à tipicidade e não à culpa. "Crime, ou delicto, é o facto voluntário declarado punível pela lei penal", não fazendo qualquer referência ao conceito de dolo. A nossa lei penal actual, ao invés do código anterior, refere o conceito de dolo no artigo 14º número 1 que dispõe: "age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar". Pela análise deste preceito, podemos afirmar que só existe dolo quando se encontrem dois elementos presentes. Em primeiro lugar, terá de existir uma representação, ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual ou cognoscitivo). Trata-se de indagar se o agente ao praticar o facto, o representou com todos os seus elementos integrantes, tais como: as circunstâncias do tipo legal do crime, o seu sentido e alcance, os elementos produzidos por essa conduta e o processo causal da infracção bem como as circunstâncias modificativas agravantes. Vale a pena relembrar as palavras de Cavaleiro de Ferreira, "nada pode querer-se que não tenha sido primeiramente previsto ou conhecido". Em segundo, terá de haver uma resolução, seguida de um esforço do querer, dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo). Trata-se do desejo e vontade de querer um certo resultado - a especial direcção de vontade do agente. Não defendemos a posição de EDUARDO CORREIA que considera fazer parte do dolo um elemento emocional, traduzido pela "indiferença, contrariedade dos valores protegidos por parte do agente". - Direito Criminal, I, 1963, Coimbra, Livraria Almedina, 1996 pág. 375 e ss. Afastamo-nos, também da posição de MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA que considera fazer parte do dolo a consciência da ilicitude (Lições de Direito Penal, Parte I, A lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982, Verbo 1982, p. 292 e ss. 12) Em função do grau de direcção de vontade na realização do facto, o legislador elencou no artigo 14º do Código Penal o dolo em três formas consoante um diverso grau de prognose da vontade em: dolo directo, necessário e eventual. que fazemos algo sem querer, nos queremos eximir de responsabilidade. Assim quem não «conhece algo, não responde por esse algo». Como vimos, para existir dolo não basta que o agente preveja mentalmente a realização do facto, terá de haver igualmente uma intenção de praticar o acto que se representa. No entanto para querer, é necessário que essa representação se converta numa actuação por parte agente. O direito só intervém quando esses pensamentos sejam exteriorizados em actos. Em suma, o dolo traduz-se num saber e num querer. Ver “A Alegação e Prova do Dolo no Direito Processual Penal: - Em especial: As consequências da falta da sua Alegação na Acusação 6 Dissertação elaborada por Nicole da Costa Pacheco. Dissertação de Mestrado Orientada pelo: Professor Doutor Germano Marques da Silva” Dissecando o despacho recorrido. Ali se escreve: “Para que o dolo do tipo se afirme é necessário que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto. Mas o dolo não se basta com o conhecimento das circunstâncias do facto e da sua configuração jurídica, antes sendo igualmente necessário a “verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização” (idem) - o elemento volitivo do dolo do tipo, o qual pode assumir a forma de dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual- artigo 14.º do CP. )Dito de outro modo, o dolo afirma-se com a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor. Assim, na acusação enuncia-se a culpa: o arguido agiu de forma voluntária (no sentido de ser uma actuação controlada pela vontade, excluindo-se os espasmos, os estados de sonambulismo, os actos reflexos, os eventos naturais) e consciente (porque ciente da punibilidade da conduta). A acusação enuncia igualmente o elemento intelectual do dolo (o conhecimento da ilicitude.). Mas, no que ao concerne ao dolo do tipo, a acusação é completamente omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo. Ou seja, nada se diz se a realização do tipo é o fim último ou uma consequência necessária ou meramente eventual da conduta do arguido“ Não conseguimos descortinar uma situação em que o arguido aja de forma voluntária (no sentido de ser uma actuação controlada pela vontade, excluindo-se os espasmos, os estados de sonambulismo, os actos reflexos, os eventos naturais) e consciente (porque ciente da punibilidade da conduta) e que depois não queira o resultado dessa acção voluntária e consciente. O exemplo percebe-se bem nos crimes de condução sem habilitação legal. Assim: O arguido não dispõe de título que o habilite a conduzir e sabe disso. Conduz a viatura, sabendo que não o pode fazer e que comete um crime. Não há dúvidas que o arguido age voluntariamente – ninguém o obrigou, nem foi um acto em que não controlasse a vontade. O arguido sabia que não tinha título válido para conduzir, sabia que não podia conduzir, (consciência da ilicitude) e conduziu voluntariamente . Na óptica do despacho recorrido o que falta para afirmar que o arguido tinha a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.? Não conseguimos imaginar como podia o arguido não querer praticar o acto, que sabe que é ilícito, se não tem título para conduzir, sabe que não pode conduzir sem estar habilitado e mesmo assim conduz, de forma voluntária. Mas o mesmo acontece estando em causa um crime de desobediência. O arguido foi condenado a entregar a carta de condução. Foi advertido de que se não o fizesse cometia um crime de desobediência. O arguido voluntariamente não entrega a carta, sabendo que está a praticar um ilícito. Mais uma vez não conseguimos descortinar a falta da vontade relativamente ao desvalor do comportamento. É um silogismo lógico, simples e claro. O arguido foi condenado a entregar a carta de condução. O arguido foi advertido de que caso não o fizesse no prazo de 10 dias, cometia um crime de desobediência. O arguido sabia da ilicitude do acto, dela tendo consciência e voluntariamente decidiu não entregar a carta. Como pode afirmar-se que nesta expressão não está dito que o arguido quis não entregar a carta (agiu voluntariamente), sabendo da ilicitude da sua conduta??? No caso, o arguido representou a realização do facto (sabia que não entregar a carta de condução o fazia incorrer na prática de um crime de desobediência) e tinha intenção de o praticar (que exteriorizou, não a entregando).O agente sabia e queria. Está descrito o dolo na acusação. Assim sendo, procede, integralmente, o recurso. 3.–DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público revogando o despacho recorrido e determinando que seja substituído por outro que receba a acusação do MP. Sem custas. * Notifique. D.N. Lisboa, 02 de Fevereiro de 2023 (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatárias e com assinatura digital de todas) Raquel Correia Lima - (Relatora) Micaela Pires Rodrigues - (1º Adjunto) Madalena Caldeira - (2º Adjunto) [1]Como afirma Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português II”, Verbo, 2005, “... A ilicitude é um conceito de relação e designa simplesmente a contrariedade do facto à ordem jurídica: facto ilícito é o facto contrário à lei e se contrário à lei penal será um facto ilícito penal. ...” (pág. 81), distinguindo-se “... entre a ilicitude objectiva e a ilicitude subjectiva: naquela comtempla-se o comportamento na sua manifestação exterior, enquanto lesivo de bens jurídicos; nesta, na relação desse comportamento exterior com o agente, enquanto o facto lhe é imputado como seu, como fruto da sua vontade. ...” (pág. 47). |