Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9874/20.8T8LSB-A.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
EM PODER DE TERCEIROS
REQUISIÇÃO
PRESSUPOSTOS
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Da conjugação dos artigos 7º, nº 4, 432º e 436º do CPC resulta que a requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si.

– O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no artº 6º do CPC - não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


Nos autos de inventário por óbito de JPC, a interessada MC deduziu reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, do seguinte teor (na parte que ora releva):
15– A relação de bens omite, em absoluto, as contas bancarias.
Ainda que o cabeça-de-casal já, de facto, efectuado entregas em dinheiro referindo tratar-se de contas do inventariado, facto é que não se aferiu da totalidade dos valores depositados, da forma como foi a divisão efectuada, sendo relevante que sejam as contas inventariadas (sendo sintomático que algumas delas constavam da relação de bens apresentada junto da Autoridade Tributaria em sede de processo de imposto de selo).
Da mesma forma que é relevante verificar da existência de avultadas entregas de dinheiro efectuadas dessas contas em altura próxima, mas obviamente anterior, á data do óbito do inventariado.
Sendo relevante aferir a existência de contas bancarias do inventariado constante da relação do Banco de Portugal, que se junta como Doc. nº 15, como um elemento pelo menos orientador, ainda que tal listagem não esclareça nem os saldos das contas á data do óbito, nem as transferências efectuadas a outros herdeiros em momento próximo áquele em que ocorreu o óbito do mesmo – reitere-se, aspecto relevante para aferição de eventual ofensa á legitima.
Por forma a poder ser verificada da existência de contas á data do óbito e movimentos realizados antes (e mesmo depois), requer seja oficiados os Bancos a seguir mencionados para informar: (i) quais as contas bancarias que o inventariado era titular á data do óbito do mesmo (28 de Maio de 2019); (ii) qual o saldo da conta á data do óbito; (iii) quais os movimentos realizados em relação ás mesmas contas desde 1 de Janeiro de 2019, mediante fornecimento de extracto bancário.
Sendo os Bancos: (…)
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser a mesma corrigida, aditada e complementada nos moldes supra pugnados.
(…)
Mais requer seja, junto das terceiras entidades abaixo referidas, notificadas para informar: (i) quais as contas bancarias que o inventariado era titular á data do óbito do mesmo (28 de Maio de 2019); (ii) qual o saldo da conta á data do óbito; (iii) quais os movimentos realizados em relação ás mesmas contas desde 1 de Janeiro de 2019, mediante fornecimento de extracto.”

O interessado CP pronunciou-se, pugnando pela improcedência da reclamação apresentada, no que às contas bancárias respeita.

O cabeça de casal, JM, respondeu às reclamações apresentadas à relação de bens, nos seguintes termos (parte relevante):
88º- Conforme o cabeça de casal referiu no requerimento inicial que apresentou, as contas bancárias não foram incluídas na relação de bens pelo que facto de o dinheiro depositado nas mesmas foi já divido entre os herdeiros.
89º- Ora, servindo o processo de inventário para a partilha de bens e já tendo os valores depositados nas contas bancárias sido partilhados não faz qualquer sentido que as mesmas sejam relacionadas.
90º- Só por má-fé vêm as Interessadas afirmar que os valores não foram divididos e que existem valores ocultados.
91º- As Interessadas têm perfeito conhecimento de que tal não aconteceu.
92º-Podendo o tribunal, caso assim o entenda, oficiar as entidades bancárias nos termos requeridos pelas Interessadas.”

Em 06/09/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“(…) Relativamente às contas bancárias:
A fls. 116: “15 - A relação de bens omite, em absoluto, as contas bancarias.
Ainda que o cabeça-de-casal já, de facto, efectuado entregas em dinheiro referindo tratar-se de contas do inventariado, facto é que não se aferiu da totalidade dos valores depositados, da forma como foi a divisão efectuada, sendo relevante que sejam as contas inventariadas (sendo sintomático que algumas delas constavam da relação de bens apresentada junto da Autoridade Tributaria em sede de processo de imposto de selo).
Da mesma forma que é relevante verificar da existência de avultadas entregas de dinheiro efectuadas dessas contas em altura próxima, mas obviamente anterior, á data do óbito do inventariado.”
A interessada requer a notificação de bancos:
“Por forma a poder ser verificada da existência de contas á data do óbito e movimentos realizados antes (e mesmo depois), requer seja oficiados os Bancos a seguir mencionados para informar: (i) quais as contas bancarias que o inventariado era titular á data do óbito do mesmo (28 de Maio de 2019); (ii) qual o saldo da conta á data do óbito; (iii) quais os movimentos realizados em relação ás mesmas contas desde 1 de Janeiro de 2019, mediante fornecimento de extracto bancário.”
Neste aspeto, a interessada MC não alega dificuldade séria ou impossibilidade de obtenção dos documentos.
Aliás, a interessada refere que algumas contas bancárias terão sido identificadas junto da Autoridade Tributária, cf. fls. 116, penúltimo parágrafo.
Pelo exposto, atento o disposto nos citados artigos 7.º, n.º 4, e 429.º do Código do Processo Civil, indefere-se o requerido pela interessada MC, a fls. 116-117, 15.
Indefere-se igualmente o requerido pela interessada RC, no artigo 24 de fls. 138, considerando que nesta parte aderiu aos fundamentos e pedidos de produção de prova formulados pela sua irmã.”

Com o requerimento inicial de inventário as interessadas MC e RC juntaram escritura de habilitação de herdeiros, comprovativa da sua qualidade de herdeiras do inventariado.

A interessada MC interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A)-Tratando-se de elementos bancários relativos a conta de terceiros, é publico que os Bancos não facultam tal informação directamente ao interessado, facto esse que, como tal, esta intrínseco ao pedido de prestação de informação concreta e especifica;
B)-Informação essa que, para mais, é absolutamente essencial a que o processo preencha o seu efectivo fim útil, próprio de qualquer inventario, e que consiste na partilha da integralidade dos bens do “de cujus”;
C)-Sendo, para mais, certo que da conjugação dos artigos 432º, 429º e 436º do Cod. Proc. Civil, interpretados, como devem sê-lo, à luz do disposto nos artigos 6º, 411º e 7º, n.º 4, do CPC, resulta que em matéria de prova documental em poder de terceiro se mostra consagrado um verdadeiro poder-dever do juiz, uma incumbência do tribunal;
D)-Normativos esses que, salvo melhor opinião, se mostram violados pela decisão sob recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.”

O cabeça de casal JM apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1–O presente recurso tem como objeto o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que indeferiu o pedido da Recorrente de ofício às entidades bancárias para que venham aos presentes autos informar (i) quais as contas bancárias que o inventariado era titular à data do óbito; (ii) qual o saldo da conta à data do óbito e (iii) quais os movimentos realizados em relação às mesmas contas desde 1 de Janeiro de 2019, mediante fornecimento de extrato bancário.
2–O Tribunal “a quo” indeferiu o pedido da Recorrente com fundamento no facto de esta não ter alegado, nem justificado qualquer dificuldade ou impossibilidade de obtenção da informação diretamente através das entidades bancárias.
3–O primeiro fundamento utilizado pela Recorrente é a da alegada impossibilidade de obtenção de informações bancárias pelo facto de as entidades bancárias não disponibilizarem a informação a terceiros.
4–O argumento da Recorrente carece totalmente de fundamento uma vez que hoje é pacifico que qualquer herdeiro não é havido como terceiro para efeitos de aceder à informação bancária referente a contas de que o falecido era titular ou mesmo co-titular, não negando as entidades bancárias tal informação a quem demonstre ter a qualidade de herdeiro, o que facilmente a Recorrente conseguira fazer com a apresentação da escritura de habilitação de herdeiros que a própria juntou ao seu requerimento inicial de inventário (cfr. doc. 5 junto pela Recorrente ao requerimento de inventário).
5–O que a Recorrente não quis fazer foi dar-se ao trabalho de solicitar, por si própria as informações bancárias, quer porque daria trabalho contactar as vinte e sete entidades bancárias referidas na reclamação que apresentou à relação de bens, quer porque a obtenção dos elementos acarretaria custos que a Recorrente não está na disposição de suportar.
6–O segundo argumento utilizado pela Recorrente vai no sentido de que a informação bancária solicitada é essencial para que o processo de inventário cumpra o seu fim útil (a partilha da integralidade dos bens do falecido), mas mais uma vez não lhe assiste razão.
7–Apesar de o processo de inventário ser um processo especial, com uma finalidade própria, em matéria de alegação de factos e produção de prova aplicam-se os princípios gerais. Ou seja, considerando a Recorrente que da relação de bens deveriam constam bens que não constam, na sua reclamação à relação de bens, além de acusar a falta dos mesmos, deveria juntar prova de que tais bens existem e eram da propriedade do falecido.
8– No caso das contas bancárias, considerando a Recorrente que da relação de bens deveriam constar as contas bancárias de que o falecido era titular (não obstante as mesmas já terem sido partilhadas) deveria ter solicitado junto das entidades bancárias a informação para depois a juntar aos presentes autos ou, não tendo conseguido diretamente essa informação requerer ao tribunal a obtenção da mesma, mas justificando a impossibilidade de obtenção direta da informação, o que a Recorrente não fez.
9–No âmbito da prova, apesar de vigorar no sistema jurídico português o princípio do inquisitório (artigo 411.º do CPC), este principio tem de ser interpretado conjuntamente com o princípio do dispositivo e do princípio da autorresponsabilização das partes, não podendo o juiz, pura e simplesmente substituir-se às partes em matéria de produção de prova, cabendo antes auxilia-las caso aleguem e demonstrem dificuldades sérias na obtenção de determinado elemento de prova.
10–Pelo que, ao contrário do entendimento da Recorrente, para que o tribunal “a quo” determinasse a notificação às diversas entidades bancárias seria necessário que a Recorrente alegasse, no que requerimento que apresentou, a dificuldade séria na obtenção dos documentos, considerando a conjugação do disposto nos artigos 7.º, n.º 4, 411.º e 432.º, todos os CPC, o que a Recorrente não fez, limitando-se a requerer ao tribunal “a quo” que determine o ofício às várias entidades bancárias aí identificadas.
11–Pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, deve ser mantida a douta decisão recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.”

O interessado CP apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1.–É falso que os bancos não facultem aos herdeiros dos respectivos titulares informação sobre as respectivas contas bancárias.
2.–Tendo a Recorrente a qualidade de herdeira do de cujus reconhecida na escritura de habilitação e nos presentes autos, só por manifesta falta de iniciativa própria não obteve a informação que pretende que o Tribunal obtenha.
3.–Sendo que, a Recorrente nem sequer alega ter empreendido qualquer diligência para obter a informação pretendida.
4.–Com esta sua omissão desconsidera completamente a Recorrente os princípios dispositivo, da autoresponsabilidade e da igualdade das partes, princípios estes estruturantes do nosso direito processual civil.
5.–A interpretação do disposto nos art.º 432.º e 436.º deve ser feita conjuntamente com o disposto no n.º 4 do art.º 7.º todos do Código de Processo Civil.
6.–Daí que para que o Tribunal se substitua à parte para obter documentos ou informações em poder de terceiros é necessário que a parte alegue justificadamente dificuldade séria em obter esses documentos e/ou informações.
7.–Não tendo a Recorrente diligenciado pela obtenção dos documentos e informações pretendidas, não se confrontou com qualquer dificuldade que justificasse que o Tribunal a ela se substituísse na obtenção de tais documentos e/ou informações.
8.–Carecem pois de fundamento, quer de facto quer de Direito, as conclusões que a Recorrente retira nas suas doutas alegações.
9.–De facto o douto despacho recorrido fez uma correcta interpretação das normas in casu aplicáveis, maxime do n.º 4 do art.º 7.º do Código de Processo Civil, e uma justa aplicação do Direito, pelo que não merece qualquer censura.
Termos em que e nos mais que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a constante do relatório que antecede.
*

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em determinar se deve o tribunal deferir o requerimento da apelante, formulado na reclamação à relação de bens, consistente no pedido de informações e documentos a diversas entidades bancárias relativamente à existência de contas da titularidade do inventariado, respetivos saldos e movimentos, ao abrigo do princípio do inquisitório e do poder-dever decorrente do disposto nos artºs 6º, 7º, nº 4 e 411º do CPC.
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Entende a apelante que o despacho recorrido violou o disposto nos artºs 432°, 429° e 436° do CPC, interpretados à luz do disposto nos artigos 6°, 411° e 7°, n.° 4, do mesmo diploma, dos quais resulta que em matéria de prova documental em poder de terceiro se mostra consagrado um verdadeiro poder-dever do juiz, uma incumbência do tribunal.

Sustenta a sua posição por constituir facto publico e notório que as entidades bancarias não disponibilizam a terceiros (e a requerente, para todos os efeitos, é uma terceira se não tiver ocorrido habilitação em relação a determinada conta, situação que se mostra absolutamente natural quer quando as contas têm mais do que um titular, quer quando as mesmas são movimentadas ou mesmo antes do óbito ou imediatamente apos o óbito do titular) elementos informativos sobre existência de contas, saldo das mesmas ou identificação dos seus titulares.

Mais defende que, sendo o inventário um processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária, o mesmo tem uma abrangência de todos os bens que pertenciam ao “de cujus”, pelo que existe uma efetiva utilidade concreta em serem reunidos os elementos identificativos de todos os bens de que era titular, quer á data do óbito, quer em momento anterior para aferição de eventuais liberalidades. Acrescentou que os elementos cuja informação pretende junto das entidades bancarias são a única forma de suprir a existência de contas que notoriamente foram ocultadas, e de conhecer, ao que se suspeita, avultadas movimentações de valores fora do âmbito da partilha, a título de liberalidade.

O tribunal a quo indeferiu a pretensão da apelante, nomeadamente ao abrigo do disposto no artº 7º, n.º 4 do CPC, por não ter alegado dificuldade séria ou impossibilidade de obtenção dos documentos e ter, aliás, referido que algumas contas bancárias terão sido identificadas junto da Autoridade Tributária.

Este foi o único fundamento do indeferimento do requerimento.

Dispõe o artº 7º, nº 4 do CPC que “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”

“Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429º” (artº 432º do CPC).

Nos termos do disposto no artº 436º, nº 1 do CPC “incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.”

Em anotação a este preceito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, Almedina, 2ª edição, vol. I, pág. 528, referem “apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável (cf. art. 7º, nº 4; STJ 1-6-04, 04A993). 

Da conjugação dos preceitos citados resulta inequivocamente que a “requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si” (Ac.RG de 20/04/2010, processo n.º 3316/08.4TBBRG-B.G1, www.dgsi.pt).

O princípio do inquisitório não dispensa as partes da observância dos princípios do dispositivo, da autorresponsabilização, nomeadamente do acatamento de ónus de alegação e prova e consequentes preclusões.

O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no artº 6º do CPC - não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais. Visando com os elementos bancários pretendidos demonstrar que a relação de bens omitiu a existência de saldos de contas bancárias de que era titular o de cujus, alegada na reclamação apresentada pela apelante, incumbia-lhe o ónus de prova. E apenas na impossibilidade ou dificuldade séria na sua obtenção cabia ao tribunal o poder-dever de os solicitar, desde que relevantes, pertinentes.

No requerimento de prova que foi objeto do despacho recorrido – deduzido na reclamação à relação de bens apresentada no inventário pelo cabeça de casal – a interessada alegou que foram omitidas as contas bancárias de que o de cujus era titular. Não apresentou qualquer justificação para o requerimento que formulou, nomeadamente dificuldade séria na obtenção das informações e documentos pretendidos, nem alegou e demonstrou ter efetuado qualquer diligência nesse sentido.

Em sede do presente recurso, no intuito de colmatar a falta de justificação, alegou constituir facto público e notório que as entidades bancárias não disponibilizam a terceiros elementos informativos sobre existência de contas, saldo das mesmas ou identificação dos seus titulares, qualificando-se como terceira.

A apelante é herdeira do de cujus, qualidade que se mostra já reconhecida por escritura notarial de habilitação. E sendo herdeira do titular das contas bancárias o direito à informação e obtenção de documentos, designadamente saldos e movimentos bancários que ao inventariado assistia, transmitiu-se-lhe, em conjunto com os demais herdeiros, na medida em que os depósitos bancários integram o acervo hereditário, pelo que na relação com as entidades bancárias depositárias a apelante não é terceira.

Neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 07.10.2010, processo n.º 26/08.6TBVCD.P1.S1, www.dgsi.pt, que conclui: “não sofre dúvida que os herdeiros de um depositante não podem ser tidos como terceiros, relativamente às contas do mesmo, razão porque não lhe pode ser oposto o segredo bancário, como é firme entendimento da jurisprudência (Ac. STJ de 28/06/94, Col. Ac. S.T.J. 1994, 2º, 163; demais jurisprudência citada pela Relação).

Não assiste razão à apelante na invocação de facto público e notório.

Soçobra a pretensão de incumbir ao tribunal a requisição de informações e documentos junto das entidades bancárias, nos moldes em que foi formulada.
O fundamento de que a informação bancária solicitada é essencial para que o processo de inventário cumpra o seu fim útil (a partilha da integralidade dos bens do falecido) não foi objeto do despacho recorrido.

A sua apreciação fica prejudicada pela falta de alegação e prova de séria dificuldade na obtenção dos elementos pretendidos. Com efeito, para que seja deferida a requisição de informações ou documentos em poder de outrem, deve a parte requerente alegar a sua relevância para a decisão, a par da dificuldade séria na sua obtenção, como decorre do disposto no artº 7º, nº 4 do CPC.

Não tendo sido alegado, nem demonstrado, um dos requisitos do meio de prova requerido, impunha-se o seu indeferimento.

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.


Lisboa, 9 de fevereiro de 2023


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço