Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | FÁTIMA VIEGAS | ||
| Descritores: |  ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO CAUSA DE PEDIR AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA PRESUNÇÃO REGISTAL PRECLUSÃO CASO JULGADO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: |  I- O autor na ação de reivindicação pode estruturar a demanda sem a invocação da aquisição originária, sendo o facto jurídico de que deriva o direito real (cfr.2.ª parte do n.º4 do art.581.º do CPC), ou seja, a causa de pedir, compatível com a invocação dos factos em que assenta a presunção do direito conferida pelo art.7.º do CRP, sem que, nesse caso, falte a causa de pedir. II- Impondo-se ao autor a invocação do facto jurídico de que deriva o direito real, (decorrente do acolhimento da chamada teoria da substanciação) é em face do mesmo que se delimita e identifica a causa de pedir da ação o que tem a seguinte consequência: se o autor reivindica a coisa sustentado o seu direito de propriedade na presunção que lhe confere o registo (com a alegação correspondente), a ação não tem como causa de pedir a aquisição originária do direito com base na usucapião. III- A questão da preclusão de alegação pelo autor de novos factos/fundamentos só se coloca no âmbito da mesma causa de pedir, inexistindo qualquer ónus legal imposto ao autor de invocar todas as causas de pedir em que eventualmente possa suportar o pedido sob pena de não o poder fazer em nova ação por a tal obstar o caso julgado. IV- Não se verifica a exceção de caso julgado, por falhar a identidade de causa de pedir e de pedido, se a primeira ação, instaurada entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, considerando-se no acórdão nela proferido que o autor estruturou a ação com base na presunção constante do art.7.º do CRP, não tendo invocado ter adquirido as parcelas por usucapião e entendeu que o autor não formulou pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade com base na aquisição originária fundada na posse – usucapião – nem sequer de forma implícita e que a dedução de tal pedido era necessária à apreciação de pretensão com tal natureza – e, na segunda ação, o autor invoca como causa de pedir a aquisição do direito de propriedade por usucapião.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório 1- A…, instaurou ação, a que chamou de reivindicação, contra Tangentes e Coordenadas, Unipessoal Lda., formulando os seguintes pedidos: 1.Deve ser reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o imóvel sito na Rua…, n.ºs…., S…, , com fundamento na usucapião, nomeadamente, sobre as áreas ocupadas: i) parte do terraço, com cerca de dezassete metros e trinta e três centímetros quadrados (17,33 m²), ii) parte do corredor, com cerca de quinze metros quadrados (15 m²), e iii) uma divisão com cerca de vinte e cinco metros quadrados (25 m²); 2.Deve a Ré ser condenada a restituir à Autora a parte do imóvel sito na Rua…, n.ºs…, S…, que se encontra ocupada, nomeadamente: i) parte do terraço, com cerca de dezassete metros e trinta e três centímetros quadrados (17,33 m²), ii) parte do corredor, com cerca de quinze metros quadrados (15 m²), e iii) uma divisão com cerca de vinte e cinco metros quadrados (25 m²), livre e desocupado de pessoas e bens, nos termos do disposto no artigo 1311.º, do Código Civil. Alegou que desde 1982 tem utilizado o referido prédio, pública e pacificamente, em toda a sua extensão, e praticado todo um conjunto de atos tendentes ao exercício do direito de propriedade; durante o período da Páscoa de 2015, B… e C… (à data, proprietários do prédio atualmente pertencente à Ré), derrubaram uma parede divisória entre os dois prédios, e ocuparam um corredor do 1.º piso, uma divisão na qual a autora guardava os seus pertences e parte do terraço do prédio da Autora; tendo a Ré adquirido o imóvel aos B… e C…, nunca restituiu à Autora a parte do seu imóvel que havia sido ocupada; à data em que se verificou a ocupação do seu prédio já teria decorrido o prazo de que depende a aplicação do instituto da usucapião, e, em consequência, já a Autora havia adquirido a propriedade do mesmo; invoca que a causa de pedir da presente ação de reivindicação é constituída pelo conjunto de factos alegados demonstrativos da aquisição (originária), pela Autora, do imóvel objeto dos presentes autos, por usucapião. 2- A ré contestou excecionando o caso julgado, com base na instauração pela autora de anterior ação judicial, que diz ter incidido sobre o mesmo e exato assunto – isto é, a propriedade sobre uma divisão, respetivo corredor e parte de logradouro a tardoz – julgada improcedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 13 de julho de 2021, já transitado em julgado. 3- A autora respondeu à exceção invocando, no essencial, que a ação anterior identificada pela ré não teve como causa de pedir a aquisição das parcelas do prédio objeto desses e destes autos, com fundamento na usucapião. 4- Após foi proferido despacho saneador onde se decidiu: Nestes termos, julga-se procedente a invocada exceção de caso julgado decidindo-se absolver, da instância, a ora Ré - cfr. arts. 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2, 577º, al. i), 580º e 581º, todos, do Código de Processo Civil. * 5- É deste despacho saneador que vem interposto o presente recurso, pela autora, que termina com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de apelação tem por objeto a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por via do Despacho Saneador prolatado a 15 de abril de 2025, referência n.º 155733132, mediante a qual se julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado e se decidiu, em consequência, absolver a ré da instância. 2. Com efeito, em primeiro lugar, o Tribunal recorrido, ao proferir a mencionada decisão, violou o disposto no artigo 621.º do Código de Processo Civil, 3. Na verdade, por a autora ter, supostamente, invocado a usucapião em sede de aperfeiçoamento da Petição Inicial apresentada no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz …, com o n.º8…/18…, o Tribunal a quo entendeu que se verificava uma repetição entre a causa de pedir que suporta a pretensão deduzida nestes autos e aquela que fundamentava os pedidos da primeira ação, 4. Repetição essa na qual se funda o mencionado Tribunal, ao julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado e ao absolver a ré da instância. 5. Acontece que, ao contrário daquilo que parece entender o Tribunal a quo, o caso julgado não se forma sobre o alegado pelas partes nos seus articulados, mas sim nos precisos limites e termos em que se julga, na sentença (artigo 621.º do Código de Processo Civil). 6. Ora, a realidade é que, analisando-se a Sentença proferida no âmbito da primeira ação, facilmente se constata que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz …, excluiu do julgamento dessa causa a apreciação da aquisição das parcelas reivindicadas do prédio aqui em causa, por via da usucapião, 7. E se este assim o fez, jamais se poderia ter considerado que, entre essa ação judicial anterior e a presente, se verifica uma repetição da causa de pedir. 8. Mas, indo ainda mais longe, o Tribunal a quo argumentou que, em todo o caso, atendendo a que a pretensão da autora em ambas as ações é idêntica – a reivindicação das parcelas do prédio, que entende serem da sua propriedade – esta encontrava-se obrigada a alegar, na primeira causa, todos os factos constitutivos das normas jurídicas que possuíssem a virtualidade fundamentar tal pretensão, sob pena, de não o fazendo, se precludir, por aplicação do instituto do caso julgado, a possibilidade de se deduzir, numa segunda ação, a mesma pretensão, ainda que suportada numa norma jurídica distinta. 9. Pois bem, a verdade é que esta tese adotada pelo Tribunal recorrido, ao proferir a decisão aqui colocada em crise, evidencia um patente erro na interpretação do disposto no n.º4, do artigo 581.º do Código de Processo Civil, 10. É que, em sentido oposto ao pugnado por aquele Tribunal, no que respeita a casos de concurso aparente de normas (e de causas de pedir), e sendo a primeira decisão de improcedência, somente se poderá interpretar o referido preceito no sentido de que, nas aludidas situações, a parte apenas se encontrará impedida de deduzir a mesma pretensão, fundada numa norma em concurso aparente com aquela que constituiu a causa de pedir da primeira ação, que não tenha sido invocada nesta ação, se todos os factos constitutivos da norma aparente tiverem sido reconhecidos como provados, na sentença transitada em julgado. 11. Ora, essa não é a situação dos autos, desde logo porque na Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz …, no âmbito do processo n.º 8…/18…, este Tribunal não apreciou factos que, em abstrato, integrassem todos os elementos constitutivos da usucapião, que a autora aqui invoca como causa aquisitiva do direito de propriedade que titula a presente ação de reivindicação, 12. Designadamente, na primeira ação, o Tribunal não julgou quer de facto, quer de Direito, a existência de um animus possessório, por parte da autora, nem a invocação da usucapião. 13. Concomitantemente, impõe-se uma conclusão: entre a primeira ação e a dos autos não se verifica uma identidade de causas de pedir, nos termos em que o conceito é utilizado para se fazer operar a exceção dilatória de caso julgado, 14. Pelo que, como consequência das vicissitudes atrás elencadas, o Tribunal recorrido errou ao aplicar ao caso sub judice o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i), 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, ao invés do artigo 596.º, n.º 1, do mencionado diploma legal. 15. De facto, não se verificando uma repetição da causa entre esta ação e a anterior que opôs a autora à ré (bem como a outras pessoas), jamais poderia o Tribunal a quo ter julgado procedente a exceção dilatória de caso julgado e, em consequência da procedência dessa exceção, ter absolvido a ré da instância. 16. Efetivamente, tendo em conta que, in casu, não existia (nem existe) qualquer motivo que obste ao prosseguimento dos autos, é do entender da aqui recorrente que se impunha ao Tribunal recorrido proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, em conformidade com o preceituado no artigo 591.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. 17. Como tal, afigura-se à recorrente que deverá este Douto Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos, designadamente para a prolação do despacho acima mencionado. * 6- A ré/recorrida não apresentou contra alegações. *** Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir * Objeto do recurso/questões a decidir: Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso a seguinte questão a decidir: - saber se se verifica a exceção de caso julgado. ** II- Fundamentação 2.1- Fundamentação de facto: Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório supra e, ainda, os seguintes, que resultam da tramitação da ação e se colhem dos autos, tendo em conta os documentos neles juntos: 1- Na ação nº8…/18….que correu termos no Juízo Central Cível de Sintra, proposta pela Autora, A…, contra: B…, C… e Tangentes e Coordenadas – Unipessoal Lda., formulou a mesma autora os seguintes pedidos: a) Ser reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre a totalidade do imóvel que lhe pertence; b) Ser a 3ª Ré condenada a entregar à Autora a parte do imóvel que lhe foi usurpada; c) Ser a 3ª Ré condenada a desencravar o acesso ao imóvel da Autora; d) Serem os 2º e 3º Réus condenados a repararem os danos patrimoniais sofridos pela Autora. 2- Na ação referida no ponto anterior a autora alegou que: - é dona, única e legítima proprietária do prédio urbano destinado à habitação, situado em A…, na Rua …, números…, S… -este prédio foi adquirido por escritura pública de compra e venda celebrada em … de março de 1982; -o referido prédio tem a área total de 758 m2, sendo a área coberta de 337,6 m2 e a descoberta de 420,4 m2, sendo composto por 3 pisos, num total de 18 divisões. -em abril de 2015, o 1º Réu (tal como o 2º Réu, anterior proprietário do imóvel contíguo ao seu) derrubou uma parede divisória do prédio da Autora, invadiu o prédio da Autora, apropriando-se de uma divisão do prédio da Autora e de uma parte de um corredor, que impede a Autora de aceder à sua divisão e a parte do corredor; -partes, essas, que, desde o ano de 1982, ano em que a Autora adquiriu o imóvel, ininterruptamente lhe pertencem e usou como seus; de modo que, -aqueles, então, 1º e 2º Réus violaram o direito de propriedade exclusivo da Autora; -a 3ª Ré é a atual ocupante das partes do imóvel da Autora, que foram usurpadas pelos anteriores proprietários, 1º e 2º Réus; termos em que a Autora continua privada, por ação dos 1º e 2º Réus, de parte do seu imóvel; e portanto pretende que a, à data, atual, proprietária (3ª Ré) do prédio contíguo com o da Autora lhe reconheça o seu direito de propriedade e lhe entregue a parte do imóvel usurpada. -In casu a autora de uma presunção de registo do prédio reivindicado não subsistindo duvidas em reconhecê-la como proprietária do mesmo. 3- Na mencionada ação foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da p.i. nos seguintes termos: “Na p.i. a Autora pede se declare o direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel que lhe pertence , sendo a 3ª Ré condenada a entregar à Autora a parte do imóvel que lhe foi usurpada, e a desencravar o acesso ao imóvel da Autora. Ora, verifica-se que, não discutindo as RR que a Autora seja proprietária do prédio que se mostra inscrito em seu nome, estando sim em causa os limites e localização das respectivas confinâncias ou confrontações, deve a Autora descrever e precisar com rigor, tanto na alegação como no petitório, qual é exactamente a parte do (seu) prédio que entende que lhe foi indevidamente retirada, por referência à sua exacta localização (incluindo o respectivo piso), área, etc., esclarecendo como se efectua a confrontação com o prédio da 3ª Ré, porquê desse modo. Mais deve esclarecer em que é que materialmente se traduz o pretendido desencravamento do acesso ao seu imóvel (está em causa algum derrube? De quê e onde exactamente?), e qual o concreto acesso ao seu imóvel (feito por onde? Situado onde?) que pretende ver liberto. A Autora reclama ainda uma indemnização por danos patrimoniais que não quantifica minimamente, sendo que na respectiva alegação também não o faz. Ora, face aos danos que alega na sua propriedade, já verificados, não estamos perante um pedido ilíquido, nada impedindo a Autora de quantificar tais danos (até pelos reflexos no valor da causa), justificando a quantificação e o valor em que pretende ser ressarcida, designadamente, quanto à invocada privação de uso de divisão, esclarecendo se relativamente às alterações que diz terem sido operadas no seu prédio, o que pretende é apenas a sua reposição no estado anterior ou o valor de reparação, concluindo no petitório de forma clara e em conformidade. Deve também esclarecer se reclama igual indemnização de todos os RR solidariamente, e neste caso, a que título imputa o ressarcimento de danos materiais pelo derrube de uma parede e abertura de um buraco no tecto, já que, conforme alega, tais actos foram levados a cabo (apenas) pelo 1º e 2º RR (arts. 9º a 18º e 87º a 90º da p.i), ou, não sendo igual a amplitude da respectiva responsabilização, deverá destrinçar o(s) pedido(s) indemnizatório(s) que dirige contra os 1º e 2ºs RR, por um lado, e contra a 3ª Ré, por outro, concluindo e corrigindo o petitório em conformidade. Assim, ao abrigo do disposto no art. 590º nº4 do N.C.P.C., convido a Autora a apresentar p.i. aperfeiçoada (com os limites estabelecidos no art. 265º do N.C.P.C.) na qual preste os esclarecimentos e correcções solicitados.” 4- A Autora, apresentou petição inicial aperfeiçoada, concluindo com os seguintes pedidos: “a) Serem condenados os Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a totalidade do imóvel identificado no artigo 1º, nomeadamente, sobre as áreas ocupadas: i) parte do terraço, ii) parte do corredor e iii) de uma divisão, melhor identificadas no Doc. 5º; b) Ser a 3.ª Ré condenada a restituir à Autora a parte do imóvel identificado no artigo 1º que se encontra ocupada, nomeadamente: i) parte do terraço, ii) parte do corredor e iii) de uma divisão, melhor identificadas no Doc. 5º, livre e desocupada de pessoas e bens; c) Ser a 3ª Ré condenada a desencravar o acesso ao imóvel propriedade da Autora, identificado no artigo 1º, através da Rua …em S…; d) Serem os 1.º e 2 Réus condenados a pagar uma indemnização à Autora, pela privação do uso, desde abril de 2015 a maio de 2018, de parte do imóvel de que aquela é proprietária, identificado no artigo 1º, nomeadamente das áreas ocupadas: i) parte do terraço, ii) parte do corredor e iii) de uma divisão, melhor identificadas no Doc.º 5, no valor total de 23.028,00€ (vinte e três mil e vinte e oito euros). e) Ser a 3.ª Ré condenada a pagar uma indemnização à Autora, pela privação do uso, durante o período compreendido entre maio de 2018 até à data de entrada em juízo da presente ação, de parte do imóvel de que aquela é proprietária, identificado no artigo 1º, nomeadamente, das áreas ocupadas: i) parte do terraço, ii) parte do corredor e iii) de uma divisão, no valor total de 3.030,00€ (três mil e trinta euros) acrescido do valor mensal de 6,06€ por m² ocupado até à data da efetiva entrega livre de pessoas e bens da área reivindicada nos presentes autos;” 5- Nessa ação foi proferida sentença que absolveu os Réus de todos os pedidos formulados pela Autora com exceção da condenação da 3ª Ré a “desencravar o acesso ao imóvel propriedade da Autora, através da Rua…, em S…”, sentença junta a estes autos cujo teor se dá por reproduzido. 6- Foi interposto recurso dessa sentença e por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, em 13.7.2021, junto aos autos e cujo teor se dá por reproduzido, foi o mesmo julgado improcedente e confirmada a sentença. 2.2-Fundamentação de direito: Tal como já ficou equacionada, impõe-se decidir no recurso a questão de saber se estão reunidos os pressupostos que determinam a procedência da exceção de caso julgado, invocada pela ré e julgada procedente na decisão recorrida. O art.580.º do Código de Processo Civil dispõe: “1- As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. 2-Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.” Dispõe, por seu turno, o artigo 581.º do CPC: “1- Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 -Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.” O caso julgado e a litispendência são exceções dilatórias - de conhecimento oficioso como resulta expresso do art.578.º do CPC - que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (art.576.º e 577.º i) do CPC). Quer o caso julgado quer a litispendência pretendem evitar a repetição da causa, assim obviando a que as mesmas questões tenham que ser duplamente conhecidas por dois diferentes tribunais com o risco inerente de haver decisões contraditórias. Por isso, verificado que esteja o caso julgado, o tribunal está impedido de reapreciar a causa, funcionando por isso como pressupostos processuais de índole negativa (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC anotado, 2.ª edição, pag.684). A lei exige, como resulta apodítico do art.581.º, uma tripla identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Mas como se escreve na sentença recorrida “Tenhamos, ainda, presente que (conforme Acórdão da Relação de Coimbra, de 6-9-2011, disponível no sítio acima enunciado): “Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas acções.” No caso dos autos, em face das conclusões de recurso, a autora insurge-se essencialmente contra a decisão recorrida por entender que não existe identidade da causa de pedir, não discutindo que se verifique uma correspondência nas duas ações entre os sujeitos (a tal não obsta o facto de na presente ação se demandar apenas a ré sociedade enquanto na primeira ação serem demandos também os anteriores proprietários), e invoca de forma relevante na conclusão 6.ª do recurso que “analisando-se a Sentença proferida no âmbito da primeira ação, facilmente se constata que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz…, excluiu do julgamento dessa causa a apreciação da aquisição das parcelas reivindicadas do prédio aqui em causa, por via da usucapião”, e, ainda, que “o caso julgado não se forma sobre o alegado pelas partes nos seus articulados, mas sim nos precisos limites e termos em que se julga, na sentença (artigo 621.º do Código de Processo Civil)”. Não vindo posta em causa a existência de identidade de sujeitos, nem se nos afigurando que sobre tal identidade se levante qualquer questão com pertinência para a solução, não se mostra necessário desenvolver e discorrer sobre a mesma, concluindo-se que as ações em confronto são idênticas quanto aos sujeitos tendo em conta a sua qualidade jurídica. Mas a verificação da exceção exige igual identidade quanto ao pedido e à causa de pedir. E embora a decisão recorrida tenha colocado a análise na identidade da causa de pedir, assumindo como sendo idênticos os pedidos, identidade aquela que a autora rebate no recurso, cremos que se impõe centrar a atenção ao nível quer da identidade de causa de pedir quer de pedido, em face das concretas circunstâncias que se nos apresentam e das decisões proferidas na ação precedente. A autora/recorrente, invoca que falece a dita identidade de causa de pedir desde logo porque, nos termos do art.621.º do CPC a sentença só constitui caso julgado nos limites e termos em julga e a sentença proferida no âmbito da primeira ação, excluiu do julgamento dessa ação a apreciação da aquisição das parcelas reivindicadas do prédio aqui em causa, por via da usucapião, apelando assim, também, aos fundamentos constantes das decisões proferidas, por forma a enquadrar os limites e termos desse prévio julgamento. Cremos que, no caso concreto, não se pode desprezar esta linha de raciocínio, pelo que, não cumpre apenas analisar a questão do ponto de vista da invocação ou não pela autora – nos articulados - da usucapião como causa de pedir. Ademais, afigura-se-nos que não é despiciendo ter que verificar se a eventual causa de pedir integrada pelos factos suscetíveis de demonstrar a aquisição da propriedade por usucapião tinha correspondente pedido de reconhecimento do direito de propriedade da autora com tal fundamento, como melhor se compreenderá aquando da análise do decidido na sentença e acórdão proferidos na primeira ação. Mas, uma coisa nos parece, desde já, poder adiantar-se, não basta para aferir no caso concreto sobre a existência de caso julgado, atentar tão só na decisão final de improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado pela autora. Vejamos: Na decisão recorrida, estribando-se em abundante jurisprudência que cita em apoio, discorreu-se da seguinte forma: “(…) Assim, em conformidade com o decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 07-05-2013, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc “(…) a consequência prática do caso julgado traduz-se em dar por esgotado um «thema decidendum». No plano dos fundamentos de facto, preclude-se ao autor a possibilidade de, em nova acção, e dentro da mesma causa de pedir, vir carrear outros fundamentos, de facto ou de direito, não produzidos no processo anterior. Por insuficiência de matéria de facto, não pode vir a discutir-se na nova acção a factualidade que deveria ter sido alegada naquela primeira acção e que na realidade o não foi. A preclusão opera, portanto, relativamente a todos os factos que a parte podia ter deduzido na acção anterior. A ser de outra forma a mesma pretensão poderia ser reapreciada várias vezes perante os mesmos sujeitos, ainda que mediante elementos de facto diversos, de que, segundo a sua conveniência, o autor se iria socorrendo sucessivamente até obter ganho de causa. Se isso fosse consentido, não ficaria salvaguardado o prestígio do órgão-tribunal, pois a todas luzes ficaria aberta a porta a julgados efectivamente contraditórios, ou, no mínimo, incongruentes. O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na acção anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e por qualquer motivo o não foi.”. (…) De referir ainda que a extensão objetiva do caso julgado afere-se face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ela define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na ação. Daí que, a determinação dos limites e a eficácia do caso julgado passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos, que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado (cfr. Ac. do STJ, de 12-7-2011, igualmente, disponível em www.dgsi.pt). Tidas todas estas considerações que se nos afiguram de efetivo relevo para a solução da situação em apreço, regressemos ao caso dos nossos autos. (..) Nestes termos, verificamos que a aqui e ali Autora, A… propôs aquela outra ação (nº8…/18…) contra a aqui e ali Ré, “TANGENTES E COORDENADAS - UNIPESSOAL LDA.” (já, então, proprietária do imóvel objeto dos autos) formulando, no que ora releva, o mesmo pedido (de reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo prédio e de restituição da mesma parte do prédio - com a composição pretendida pela Autora - a esta demandante) em ambos, os casos, alegando (na primeira ação, de modo que se revelou insuficiente e improcedente) como fundamento da aquisição da respetiva propriedade, a usucapião. Ademais, aquilo que a Autora alegou, de modo insuficiente, a si mesma, o deve imputar; sendo certo que, com a interposição dessa ação (mormente, com a petição inicial aperfeiçoada que apresentou e que foi admitida e considerada nesses outros autos) lhe competia alegar toda a factualidade (a existir, indubitavelmente, já ocorrida) e que consubstanciaria a verificação do instituto da usucapião, na aquisição da propriedade que pretendia (e volta, aqui, a pretender) ver declarada. É que, conforme acima se expôs sobejamente, porque a Autora alegou aquilo que alegou, mormente, quanto à aquisição da propriedade por usucapião, verificou-se a preclusão do seu direito, de voltar a alegar que adquiriu o prédio em apreço, com a composição que pretende, por usucapião, alegando agora porventura outros factos que julga que, desta feita, conduzirão à procedência dessa pretensão. Aliás, quase nos encontramos perante má fé da aqui Autora (na modalidade de venire contra factum próprium), quando, no seu articulado de resposta à exceção em apreço nestes autos, alega que, naquela outra ação, não alegou a aquisição da propriedade por usucapião; quando é certo que o fez, pelo menos, de modo mais expresso, na sua petição inicial aperfeiçoada; e quando, no recurso que interpôs da sentença proferida nessa ação, reitera que “a decisão recorrida deveria ter apreciado a questão da aquisição da divisão em causa nos autos por usucapião, porquanto basta que a mesma “alegasse, ainda que implicitamente, os factos referentes aos requisitos da mesma”, o que sucedeu no caso concreto, sendo que os factos correspectivos se mostram provados.”. Nestes termos, constatamos que nos encontramos justamente perante situação que o legislador pretendeu evitar com este instituto do caso julgado/autoridade do caso julgado; qual seja a de voltar a julgar o que já foi julgado, desta feita, com a alegação de mais factos integrantes de fundamento (causa de pedir) já aduzido na anterior ação; factos, que, nessa ocasião, não foram invocados, ou seja, com a invocação de fundamentos omitidos pela Autora naquele outro processo onde foi proferida a decisão transitada que a passou a vincular. A Autora interpôs ação em que não alegou factos suficientes para que pudesse declarar-se a pretendida aquisição da propriedade por usucapião; e pretende, agora, em nova ação, ter outra oportunidade de ver apreciada a mesma pretensão, desta feita alegando mais alguns factos que, julga, poderão, agora, levar a que se declare a aquisição da propriedade por usucapião; pretensão, essa, que já foi apresentada pela mesma Autora, contra a mesma Ré em ação antecedente e que, por sentença transitada em julgado, foi declarada improcedente.” O tribunal recorrido entendeu, assim, que a autora tinha também invocado na primeira ação como causa de pedir a usucapião e que, embora o tenha feito de forma deficiente, está agora precludida a possibilidade de invocar novamente a usucapião ainda que com acrescento de nova factualidade por forma a suprir as insuficiências da ação anterior. Embora na mesma decisão recorrida se tenham transcrito excertos do acórdão do Tribunal da Relação e da sentença de 1.ª instância que, segundo a mesma decisão, seriam indicativos de que em ambas as ações invocou a autora como causa de pedir a usucapião, cremos, salvo o devido respeito, que a leitura que se fez dessas decisões não se apresenta a mais correta, nem a nosso ver, impõe a conclusão a que o tribunal recorrido chegou. Concorda-se, à partida, até na senda da jurisprudência citada na decisão recorrida, que tendo sido invocada em primitiva ação a mesma causa de pedir e vindo a ser julgada improcedente essa ação não poderá o autor intentar com êxito nova ação com base na mesma causa de pedir que naufragou por insuficiências da matéria de facto. Mas parece-nos que para tanto é mister que seja indubitável que foi essa a causa de pedir que o tribunal considerou na decisão que proferiu e da qual resultaria o caso julgado. Ou seja, a questão da preclusão, em que também se estriba a decisão sob recurso, terá que ser analisada no âmbito da mesma causa de pedir que suporta ambas as ações, não se verificando essa preclusão do ponto de vista do autor se as ações tiverem causa de pedir distintas. Além, naturalmente, de ter que se verificar a já falada identidade de pedidos. Ora a ação de reivindicação é terreno fértil para diversas questões, que ao longo do tempo têm sido debatidas na doutrina e jurisprudência quer ao nível da causa de pedir, quer ao nível do pedido, tendo em conta a sua feição específica de se destinar à tutela do direito de propriedade, mas cujo objetivo final é a restituição da coisa ao proprietário (cfr.art.1311.º do C.C.). Ainda assim discutia-se se o fim principal da ação é ou não o reconhecimento da propriedade sendo a entrega a sua consequência ou se compreende dois pedidos, 1.º o reconhecimento da propriedade; 2.º condenação na entrega, o que parecendo inócuo não era do ponto de vista da natureza da ação, que, por isso, se não trataria de “simples” ação de condenação, impondo a apreciação e reconhecimento pelo tribunal da existência do direito de propriedade na esfera do autor. Por outro lado, decorrendo da necessidade daquele reconhecimento, colocava-se a questão de saber em que termos aquele que se arroga proprietário tinha que fazer a prova do seu direito, ou seja, se se exigia uma prova exaustiva, a probatio diabólica (assim chamada dada a dificuldade da sua concretização), o que passaria, então, por recuar aos confins do direito invocado, demonstrando a aquisição originária, esta as mais das vezes a ter que ser suportada na usucapião. E com isto vislumbramos uma aproximação à questão que nos ocupa. Não se exige agora, inexoravelmente, contudo, – o que se repercute como se verá na causa de pedir – aquela demonstração exaustiva o que, a montante, tem correspondência na igual não exigência da alegação exaustiva dos factos integradores do direito “até à sua origem” ou aquisição, cujo reconhecimento se impõe para procedência do pedido. Não queremos com isto dizer que o autor, como é evidente, não possa e até não deva fazer a prova mais exaustiva que logre do seu direito e com isso garantir o sucesso da demanda e prevenir a extensão da defesa do réu, queremos evidenciar que a ação de reivindicação não cairá à partida, in limine, se tal alegação exaustiva não ocorrer, por falta de causa de pedir. Donde, passando, aqui com ligeireza, por cima do tempo de larga e aturada discussão doutrinária à volta da ação de reivindicação (de que dava boa conta o Prof. Oliveira Ascensão, “Acção de Reivindicação”, revista da O.A. acessível em portal.oa.pt/upl/%7Bf917929f-5543-4f68-844b-10ff93823a62%7D.pdf), podemos considerar, com Rita Maria Cruz Gama -“Ação de Reivindicação e Ação de Demarcação: Um confronto entre as duas”, que “Analisando o artigo 1311.º do CC entendemos que o pedido de restituição da coisa se baseia na declaração da propriedade, sendo esta essencial – demonstrando que a ação de reivindicação é uma ação de condenação, mas baseada em razões absolutas, sendo, a ação de reivindicação, uma figura híbrida de uma ação de simples apreciação e de uma ação declarativa de condenação.” (acessível em https://eg-fr.uc.pt/). Na jurisprudência também vem sendo admitido sem prevalente discordância que a ação de reivindicação comporta o pedido de reconhecimento do direito e o pedido de entrega da coisa (nesse sentido Ac. TRL de 8.2.2022 (rela. Carlos Oliveira) com o seguinte sumário. “1–A ação de reivindicação pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro. A procedência da ação de reivindicação está sempre dependente da procedência dessas duas pretensões em simultâneo, que não gozam de autonomia efetiva no contexto do Art.1311.º do C.C..”). A entrega da coisa é consequência do prévio reconhecimento do direito, como decorre do art.1311.º do C.C., o que permite distinguir a ação de reivindicação de outras ações em que tais pedidos não se cumulam; sendo certo que, como a lei também prevê, a entrega da coisa pode não operar apesar da existência do direito de propriedade, no caso do réu demonstrar que apesar do direito do autor detém a coisa por título legitimo. Configurado, assim, o pedido da ação de reivindicação, cabe atentar na respetiva causa de pedir. E a este respeito diz-nos o art.581.º n.º4 do CPC que “Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”, donde estando em causa o direito de propriedade a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade. Em termos simples, o facto jurídico é o evento, o acontecimento a que a lei atribui efeitos jurídicos. A causa de pedir que ora nos interessa corresponderá ao evento, acontecimento da vida real, a que a lei atribui o efeito jurídico de dele resultar ou nele assentar o direito de propriedade. Como elucidativamente se escreve no Ac. TRG de 9.3.2017 (rel. João Diogo Rodrigues) “E esclarece o artigo 581.º, n.º 4, do mesmo Código que “[n]as ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”. Com base neste último normativo, poderia ser-se tentado a concluir que, nas ações de reivindicação, que são ações reais, a causa de pedir corresponderia ao facto constitutivo do direito de propriedade; ou seja, ao facto originador desse direito. Mas, não é assim tão simples. Efetivamente, se atentarmos no disposto no artigo 1311.º, n.º 1, do Código Civil, verificamos que nele se confere ao proprietário o direito de “exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Ora, sabendo nós que a condenação do réu no reconhecimento do direito de propriedade não é passível de ser executada por prestação de facto ou mesmo por declaração daquele nesse sentido, fica reduzido o fim principal da ação de reivindicação à obrigação de entrega da coisa indevidamente detida por terceiro. E a tutela desse fim justifica-se porque a ordem jurídica não tolera que o legitimo proprietário da coisa reivindicada fique dela privado, contra a sua vontade, por um ato abusivo de terceiro. A causa de pedir, assim, na ação de reivindicação “não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, a que a entrega deve pôr termo”(1). Por isso se diz que se trata de uma causa de pedir complexa(2). Neste enquadramento, se o reivindicante se limitar a invocar, por exemplo, a detenção contrária à sua propriedade, não se pode concluir, liminarmente, que haja falta de causa de pedir. Até porque o detentor pode aceitar aquele direito e só contraditar a ilegitimidade da sua detenção. Já se assim não acontecer, o que pode vir a revelar-se é a insuficiência da causa de pedir e não a sua falta. Por outro lado, sendo embora certo que a nossa lei acolheu a teoria da substanciação, nos termos da qual a causa de pedir se reconduz aos factos de onde emerge o direito do autor(3), nem sempre a alegação desses factos é feita de modo expresso, mas implícito. É o que sucede, por exemplo, quando o reivindicante, à afirmação do seu direito de propriedade, junta, para o comprovar, certidão do registo predial no qual está inscrito esse direito(4). Em todos estes casos, cremos que não se pode falar, definitivamente, em falta de causa de pedir. Isto, repetimos, sem prejuízo de se reconhecer que o referido tipo de alegação pode vir a revelar-se insuficiente. Na verdade, como é sabido, existem diferentes modos através dos quais pode ser adquirido o direito de propriedade: “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei” – artigo 1316.º do Código Civil. Mas nem todos eles representam uma forma de aquisição originária da propriedade. Se alguns são constitutivos desse direito, como por exemplo, a ocupação, a usucapião ou a acessão, outros apenas o transmitem, se o mesmo já existir na esfera jurídica do transmitente. É o caso, por exemplo, da compra e venda, da doação e da sucessão por morte, que têm um efeito meramente translativo; isto é, operam uma simples modificação subjetiva na titularidade daquele direito(5). O que obriga o seu titular a comprovar o modo como o mesmo se constituiu na cadeia de transmissões que o antecederam. E isso nem sempre é tarefa fácil. Por isso mesmo, é usual recorrer-se às presunções legais resultantes da posse ou do registo (artigo 1268.º do Código Civil e artigo 7.º do Código de Registo Predial), prevalecendo, no final, em caso de conflito, aquele que tiver melhor título. Mas, no plano do direito adjetivo, que é aquele que nos importa para o caso presente, o que deve reter-se é que, sendo, na ação de reivindicação, a causa de pedir complexa nos termos já apontados, só a ausência de alegação dos factos constitutivos do direito de propriedade ou daqueles que fazem presumir esse direito na titularidade do reivindicante, acompanhado da omissão da alegação da situação de desconformidade na relação com a coisa a que a entrega deve pôr termo, é que pode conduzir à ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir.” (acessível em www.dgsi.pt). E, se assim é, o facto jurídico/causa de pedir é compatível com a invocação da presunção do direito conferida pelo art.7.º do CRP, a partir do contrato de compra e venda que suporta o registo. A causa de pedir na ação de reivindicação não tem, necessariamente, que se reconduzir à aquisição originária, o que pode ocorrer é que a causa de pedir invocada se revele insuficiente para o efeito pretendido, para a procedência, o que, como já se aflorou, virá a depender do posicionamento do réu. Contudo, impõe-se que se distinga a “insuficiência da causa de pedir” para a procedência do pedido e que, em bom rigor, só se avaliará em face do posicionamento do réu e da sua defesa (pense-se por exemplo no caso do réu não rebater o direito de propriedade do autor, pelo que, acaba por ser algo irrelevante o autor não ter invocado a aquisição originária, bastando-se com a invocação da presunção do direito a seu favor derivada do registo), da insuficiência da matéria alegada em suporte da concreta causa de pedir invocada, ou seja, do concreto facto jurídico de que deriva o direito real, como pode suceder por exemplo se o autor suportando a ação na presunção registral ainda assim omite factos necessários à apreciação da pretensão assim deduzida. Neste seguimento podemos então concluir que o autor na ação de reivindicação pode estruturar a demanda sem a invocação da aquisição originária. Na medida em que o nosso sistema, desde logo, por via do n.º4 do art.581.º optou pela chamada teoria da substanciação, cabe ao autor alegar os factos em que alicerça o pedido, o mesmo é dizer, parece-nos, haverá de eleger a causa de pedir em que suporta a ação. Assim, não lhe basta a mera invocação da propriedade, englobando-se nesta invocação os diversos títulos possíveis de aquisição do direito sem necessidade de concretização (como seria, salvo particularidades, admissível, por contraposição, se se tivesse seguido o trilho da chamada teoria da individualização). Por conseguinte, podemos reter então, que, impondo-se a invocação do facto jurídico de que deriva o direito, é em face do mesmo que se delimita e identifica a causa de pedir da ação o que tem a seguinte consequência: se o autor reivindica a coisa sustentado o seu direito de propriedade na presunção que lhe confere o registo (com a alegação correspondente), a ação não tem como causa de pedir a aquisição originária do direito com base na usucapião. E isto nada tem a ver com questões de qualificação jurídica, alheias por regra à causa de pedir; a causa de pedir extrai-se não da qualificação jurídica adotada pelo autor, mas do conjunto dos factos em que é suportada a ação e o pedido nela formulado. Por isso, admite-se que, por não importar diferente causa de pedir o autor não possa repetir em nova ação a mesma factualidade ainda que lhe confira nova roupagem jurídica, por a tal obstar o caso julgado; nem à verificação da exceção obsta também o aditamento de factos que, porém, se não configuram em factos essenciais suscetíveis de integrar um diferente evento, logo um diferente facto jurídico. Mas, naturalmente, na prática e nas circunstâncias concretas pode não ser a tarefa mais fácil operar a distinção. Na ação de reivindicação o direito de propriedade, ou talvez, melhor dito, o facto de onde deriva o direito está na causa de pedir, mas, a nosso ver, se podermos conferir ao autor uma opção (e não já uma imposição) quanto à causa de pedir em que sustenta a ação, então, não se pode afirmar, concomitantemente, que lhe fique arredada a possibilidade de invocar noutra ação outra causa de pedir, sem com isso ocorrer o caso julgado, não valendo aqui nenhuma preclusão. A respeito escreve o Prof. Teixeira de Sousa “Como já houve oportunidade de afirmar, o autor não tem, no processo civil português, o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do pedido que formula. Quer isto dizer que o ónus de concentração que vale para o réu quanto à matéria de defesa (cf. art. 573.o, n.o 1) não vale para o autor quanto às várias causas de pedir. É isso que justifica que, não tendo obtido a procedência da acção com base numa causa de pedir, o autor possa propor uma nova acção na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir. Deste regime não se pode retirar, contudo, que sobre o autor não recai nenhum ónus de concentração. É verdade que esse ónus não se verifica quanto às várias possíveis causas de pedir que podem fundamentar o pedido, mas também não deixa de ser verdade que o autor tem um ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na acção. Assim, por exemplo, o autor de uma acção de indemnização tem o ónus de indicar todos os danos sofridos, não podendo vir a intentar uma nova acção destinada a obter a reparação dor danos não invocados (mas invocáveis) na acção anterior. Se esta preclusão não for respeitada, a excepção de caso julgado obsta à admissibilidade da segunda acção.”. (Preclusão e Caso Julgado, acessível em https://blogippc.blogspot.pt/). É tempo de atentar no caso concreto, levando em conta tais considerações. Como se viu o tribunal recorrido entendeu que ambas as ações tem a mesma causa de pedir, por ter concluído que a autora em ambas as ações invocou a usucapião. E é nesta matéria que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a decisão recorrida quando afirma que há identidade de pedido e de causa de pedir. É certo que a autora em ambas as ações pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre as partes do prédio que identifica, mas esse pedido de reconhecimento não pode, no caso, ser dissociado da causa de pedir invocada. É que não logramos ultrapassar neste concreto aspeto o afirmado no acórdão do Tribunal da Relação que recaiu sobre o recurso da sentença proferida nessa ação. A questão foi nesse acórdão apreciada nos seguintes termos: “Nos presentes autos, pretendia a A. a condenação dos RR. a reconhecer o seu direito de propriedade da Autora sobre a totalidade do imóvel identificado nos autos, nomeadamente, sobre as áreas ocupadas que identifica, mais requerendo a sua restituição e desencravamento e condenação em indemnização. Por esse motivo, foi fixado como objecto do litígio determinar “se o prédio da Autora inclui as parcelas reivindicadas e se a Autora deve ser indemnizada pela respectiva privação de uso, bem como se a 3ª Ré é responsável pelo encravamento do seu prédio”. Verifica-se, pois, e tal como a apelante refere na sua petição inicial, que a presente acção se assume como uma acção de reivindicação, a qual encontra enquadramento jurídico-legal no art.1311º do CC. (…) Nessa medida, este tipo de acção caracteriza-se por integrar dois pedidos distintos: um, destinado ao reconhecimento do direito de propriedade; outro, visando a restituição da coisa. Donde, a correspectiva causa de pedir assume natureza complexa, estruturando-se a partir da causa geradora do direito de propriedade e também do acto ofensivo da propriedade, devendo o autor, em consequência, provar os factos constitutivos do direito alegado, nos termos do art. 342º do CC. Nos presentes autos, da análise das petições iniciais apresentadas constata- se que a A., ora apelante, configura o seu direito de propriedade sobre as parcelas em causa com base na presunção constante do art. 7º do Cód. do Registo Predial, não referindo, em parte alguma, ter adquirido essas parcelas por usucapião. A sentença recorrida entendeu que “a Autora não beneficia de qualquer presunção do registo face à área do seu imóvel nem, correspondentemente às divisões que alegadamente o constituem, razão essa a qual esteve na base da prova dos factos que demonstraram a coincidência das áreas das parcelas aqui reivindicadas com a área registada no registo predial e na matriz predial a favor da 3.ª Ré demonstrando assim a propriedade desta sobre as mesmas” e ainda que a A. não havia peticionado o reconhecimento da aquisição de tais parcelas por usucapião, pelo que não poderia ser determinada essa aquisição. (…) No que se refere à necessidade de pedido para ser reconhecida a aquisição do direito de propriedade por usucapião, não se pode concordar com a apelante. Com efeito, importa não olvidar que a usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos reais cuja apreciação está dependente da iniciativa da parte interessada em decorrência do princípio do dispositivo. E é precisamente por depender desta iniciativa que não se pode entender que a apreciação dos factos tendentes a essa aquisição possa ser analisada pelo tribunal como corolário do princípio da oficiosidade na identificação do regime jurídico aplicável aos factos provados. (…) Compreende-se bem a razão deste preceito, já que não seria de modo algum ajustado que, através de uma putativa integração oficiosa de factos apurados, porventura num contexto processual diverso, pudesse ser declarada pelo Tribunal ex officio a aquisição de um direito real a favor de uma das partes ou servir-se da mesma figura à revelia das partes. Certamente que o ónus de alegação (invocação) não tem que seguir um padrão único e rígido, não sendo de afastar a admissibilidade da alegação ou invocação implícita, como se decidiu nos Acs. do STJ, de 3-2-99, BMJ 484º/384, e de 27-4-06 (www.dgsi.pt, este relatado pelo Cons. Pereira da Silva, que também subscreve o presente acórdão). Entendimento que igualmente professa Antunes Varela na anot. ao art. 1292º. No entanto, embora se admita uma forma de alegação da usucapião que não se exteriorize necessariamente através da referência sacralizada à qualificação jurídica correspondente à prescrição aquisitiva, é imprescindível que, por referência aos preceitos legais substantivos ou por via de uma outra forma alternativa, se possa asseverar que, com a alegação, o réu pretendeu invocar a seu favor o efeito aquisitivo que a lei substantiva lhes atribui, confrontando a contraparte com essa pretensão, a fim de poder deduzir a oposição que se revelar ajustada ao caso. Para tal é pressuposto que nos confrontemos com a alegação de factos atinentes à posse, suas características e duração, em termos tais que permitam inferir que, com a mesma, a parte pretendeu inequivocamente invocar a figura da usucapião”. Revertendo estas considerações ao caso dos autos, há que salientar que a apelante estruturou toda a sua pretensão com base na presunção do registo predial, invocando factos relativos à utilização dada às parcelas, sem que daí se pudesse retirar a invocação da sua aquisição por usucapião ou que, de forma inequívoca, fosse sua intenção fazer funcionar esse instituto. Na verdade, a apelante não apresenta esses factos por forma a que os mesmos possam corporizar um segundo fundamento do seu pedido, mas sim por forma a que os mesmos sirvam para contextualizar a utilização por si dada às parcelas e subsequente privação das mesmas. Como se diz no aresto citado “Assim como deveria considerar-se insuficiente para o preenchimento do ónus de alegação a invocação pura e simples do nomen juris, desacompanhada da alegação dos factos que a integrassem, também é de considerar insuficiente a alegação de factos num contexto em que nem expressa nem implicitamente se configura uma tal forma de defesa cruzada assente no instituto jurídico da usucapião”. Do que se vem de expor resulta que não assiste razão à apelante quando refere que o tribunal recorrido poderia ter apreciado a questão da usucapião sem pedido expresso nesse sentido, o qual, reitera-se, é inexistente.” Assim, há que concluir que no acórdão proferido na ação que correu antes entre as partes o tribunal de recurso entendeu que a autora não formulou pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade com base na aquisição originária fundada na posse – usucapião – nem sequer de forma implícita e que a dedução de tal pedido era necessária à apreciação de pretensão com tal natureza; ademais, entendeu-se que a autora estruturou a sua ação com base na presunção constante do art.7.º do CRP, não tendo invocado ter adquirido as parcelas por usucapião. E assim circunscrita a questão que era suscitada em recurso, o tribunal de primeira instancia não tinha que apreciar a aquisição do direito de propriedade da autora com base na usucapião. Ora é por causa disto, cremos, que se percebe que a autora venha invocar agora neste recurso que o tribunal que julgou a primeira ação excluiu do julgamento dessa causa a apreciação da aquisição das parcelas reivindicadas do prédio aqui em causa, por via da usucapião. É evidente que se não tratará exatamente de uma exclusão do julgamento. Do que se trata é que na ação que anteriormente correu entre as partes foi decidido que a causa de pedir da mesma não era integrada pela aquisição da propriedade por usucapião. Apelando às considerações que supra enunciamos, o facto jurídico de onde deriva o direito de propriedade da autora que foi substanciado pela mesma nessa ação, de acordo com o decidido pelo tribunal – independentemente daquilo que era o posicionamento da autora ou que esta entendia ter feito -, não foi a aquisição originária do direito com base na usucapião, mas sim a titularidade do direito ao abrigo da presunção de registo. E já se viu que a autora podia sustentar nesta presunção a reivindicação da coisa. E já se viu, também, que não lhe era imposto que invocasse outro título de aquisição, ou que invocasse a aquisição originária, não havendo preclusão se o não fizesse, pois estamos em presença de títulos de aquisição distintos, logo de diferentes causas de pedir. Não vemos como afirmar a identidade de causas de pedir nas duas ações em face das passagens que se transcreveram do acórdão que em definitivo julgou a ação e para tal julgamento fixou o respetivo objeto, aliás, apelando até ao objeto que vinha da 1.ª instância e do qual não fazia parte a aquisição do direito de propriedade pela autora por usucapião. Diz-se ainda a respeito nesse acórdão o seguinte: “Por outro lado, importa também salientar que o despacho saneador, apreciando a inexistência de excepção dilatória, e procedendo à fixação do objecto do litígio e temas de prova, não se refere à aquisição por usucapião ou à existência de factos para ser apreciada tal questão, na medida em que a A. não delineou a presente acção com base em tal instituto. Sintomática desta conclusão é a forma como foram definidos os temas de prova e dos quais nada se refere quanto à aquisição por usucapião, a qual não foi suscitada pela apelante em qualquer uma das petições apresentadas.”. Acrescente-se aqui que, embora tenha havido despacho de aperfeiçoamento, o mesmo não visava provocar qualquer aperfeiçoamento que incidisse sobre quaisquer factos relacionados com a aquisição por usucapião, não se podendo ver nele nenhuma consequência sobre a modelagem da causa de pedir. E, note-se, que o tribunal que julgou a primeira ação não diz que a autora tinha que ter invocado a usucapião, nem daqui extrai qualquer “falta de causa de pedir”, o que é dito é que a ação em presença se estrutura em face da invocação da presunção de registo e é com tal medida que o tribunal a havia de julgar. E se o tribunal entendeu que o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre as partes do prédio com base na usucapião não foi deduzido e mais, entendeu que a autora nem sequer invocou com fundamento da ação a usucapião, podemos ainda assim dizer que há identidade de pedidos em ambas as ações? É certo que se encararmos apenas esses pedidos do ponto de vista do reconhecimento do direito de propriedade, que assim se apresentaria num sentido amplo e algo indistinto, poder-se-ia dizer que em ambas as ações se pede o reconhecimento e os pedidos são idênticos, mas ignorar-se-ia aquilo que já acima se aflorou que é a relação entre o pedido assim abertamente formulado e a causa de pedir que o sustenta e que no acórdão do tribunal da relação ficou estabelecida. Ora como se extrai claramente desse acórdão, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade com o assento que a autora lhe conferiu, ou seja, por via da presunção registral não abarca (nem podia abarcar porque se trata de caso em que o tribunal não pode ex oficio agir) o pedido de reconhecimento de que a autora adquiriu tais parcelas por usucapião, pedido que o tribunal entendeu não ter sido formulado, dizendo expressivamente “é inexistente”. Em decorrência parece-nos não se poder concluir, então, de forma indubitável face a tal julgamento prévio na ação anterior pela identidade de pedidos quando nesta ação o pedido é feito de forma expressa e na ação prévia foi entendido que o mesmo não havia sido formulado pela autora, nem de forma implícita e que tal pedido expresso era necessário. E, por isso, só na aparência se poderia dizer que o pedido é idêntico. É que, neste enfoque, assiste razão à autora quando diz que o caso julgado opera nos limites e termos em que a sentença julgou, nos termos do art.621.º do CPC. Disse-se logo inicialmente que a exceção de caso julgado visa evitar que o tribunal se coloque em situação de contradizer sentença anterior ou de a repetir, não podendo por isso apreciar a mesma questão. Servirá como elucidação saber se no caso concreto, então, uma futura decisão que venha a ser proferida nesta ação contraria a sentença previamente proferida na outra ação já julgada e que julgou improcedente o pedido e absolveu os réus do mesmo. E para isso não basta, como também já antes demos nota, atentar somente na parte dispositiva da decisão porque daí não decorre elucidativamente os limites e termos do julgamento anterior. Esses limites e termos colhem-se da configuração concreta que o tribunal entendeu que resultava da ação, em termos de pedido e causa de pedir (e que pode não corresponder aquela que a parte defendia resultar dos termos em que demandou ou se defendeu) e do resultado final em termos de procedência ou improcedência. Ainda que a parte defenda, (aliás, como sucedeu in casu no recurso que a autora interpôs da sentença proferida em 1.ª instancia na ação anterior), que formulou certo pedido ou que invocou certa factualidade com determinado invólucro jurídico, se o decidido – o julgado – é que esse pedido não foi formulado e por isso o tribunal não o aprecia ou não pode apreciar, parece-nos indefensável que se venha subsequentemente a concluir que o pedido (em falta) é afinal o mesmo, idêntico aquele que se vem formular em nova ação ou que estamos em presença da mesma causa de pedir. E assim sendo não nos parece que haja o perigo de se contradizer a sentença anterior, porque nem o pedido que tem que se apreciar fazia parte do objeto da outra ação nem esta se sustentava no mesmo facto jurídico de onde deriva o direito real. O caso julgado só se verifica, como se viu, da presença indubitável da tripla identidade. E também não cremos, neste circunstancialismo, que se possa afirmar que se a autora não fez tal pedido, não pode voltar a fazê-lo noutra ação posterior porque teria que invocar na ação precedente as diversas causas de pedir (e correspondente pedido) que lhe permitissem o reconhecimento do seu direito de propriedade, em face de quanto já se deixou acima explicado. O tribunal recorrido parece ir nesse sentido, embora seja evidente que analisou a questão apenas do ponto de vista da identidade da causa de pedir. Mas cremos que o fez ao arrepio do que resulta de uma leitura contextualizada das decisões proferidas na ação anterior, sobretudo do acórdão proferido em recurso, não tendo relevado o que aí se afirmou quanto à inexistência de pedido de reconhecimento do direito com fundamento na usucapião e quanto à não invocação dessa usucapião, abordando a questão da identidade de causa de pedir do ponto de vista do que entendia ter sido alegado pela autora (e por isso chegando a conclusão contrária aquela que se impôs nessa ação por via do acórdão nela proferido). Sucede que, a nosso ver, a verificação da existência da identidade de pedidos e causa de pedir não pode ser feita abdicando do que foi decidido mas justamente em função do julgado. Note-se que se assim não fosse dar-se-ia a situação algo paradoxal, que nos parece ocorrer de facto, da autora ter obtido uma decisão que julga improcedente o seu pedido porque nos termos da presunção que invocou não logrou provar a propriedade e o tribunal apenas tinha que apreciar a pretensão nos termos assim estruturados, e, paralelamente, negava-se-lhe a possibilidade de pedir a apreciação daquilo que o tribunal disse que não foi apreciado. É certo que o tribunal da relação, após dizer que não há pedido nem a ação tem como causa de pedir a usucapião, acaba por verificar a presença, em face dos factos, dos pressupostos dessa forma de aquisição, dizendo “Mesmo que assim não se entendesse, aderindo à tese da apelante e apreciando essa vertente da pretensão da A., constata-se não ser possível concluir pela existência de aquisição do direito de propriedade por usucapião.”, mas daqui não decorre a anulação do antes ajuizado, tratando-se da enfatização da falta de razão da autora, ou seja, tal como o tribunal afirmara, tanto que não estruturou a ação em termos de aquisição originária, que não é possível concluir por tal forma de aquisição. De todo o modo, ainda que aí se visse – que se enjeita - uma espécie de apreciação dessa causa de pedir, esta sempre esbarraria com a circunstância do tribunal ter concluído que a autora não formulou o corresponde pedindo e este era necessário, soçobrando mesmo assim a tripla identidade indispensável à procedência da exceção de caso julgado. Nos termos do artigo 621.º CPC o caso julgado ocorre dentro dos limites das questões apreciadas pelo tribunal. “O preceito está ligado aos pressupostos do caso julgado previstos no art.581.º, o caso julgado apenas se verifica entre os mesmos sujeitos (sob uma perspetiva qualitativa),relativamente à mesma pretensão material, e a partir do mesmo fundamento substancial.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit. pag.772). Já se viu que não se verifica identidade de fundamento substancial. Por outro lado, será ainda útil ter em conta que, como se escreve no sumário do Ac. STJ de 12.7.2011 (rel. Moreira Camilo), embora sobre a correspondente norma da versão anterior do CPC, ao atual art.621.º, “III - A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção. IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado. V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.” (acessível em www.dgsi.pt). Assim, para cabal compreensão da decisão de improcedência da anterior ação, e com isso, ajuizar da procedência ou improcedência da exceção, como já anteriormente se mencionou, não basta dizer que a autora pediu o reconhecimento do seu direito de propriedade e que tal pedido improcedeu, porque daí não resulta densificada nem a causa de pedir que sustentou a anterior ação nem o correlativo pedido de reconhecimento, que não deve ser encarado em termos “abstratos” mas na relação com o facto jurídico em que se suporta. Concluímos, assim, pela improcedência da exceção, devendo ser revogada a decisão recorrida. III- Decisão: Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a exceção de caso julgado, determinando o prosseguimento dos autos. Custas pela recorrida. Lisboa, 23.10.2025 Fátima Viegas Maria Teresa Lopes Catrola Carla Matos  |