Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CARLA FRANCISCO | ||
| Descritores: | RECUSA DE JUÍZ | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/11/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | INCIDENTE DE RECUSA DE JUIZ | ||
| Decisão: | MANIFESTAMENTE INFUNDADO | ||
| Sumário: | I–O «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade» previsto no art.º 43º do Cód. Proc. Penal, só tem idoneidade bastante para fundamentar a recusa de juiz se for objectivado em factos concretos, dos quais resulte inequivocamente um estado de forte desconfiança sobre a imparcialidade do julgador. II–O “sentimento de desconfiança” sobre a imparcialidade de um juiz, enquanto fundamento de recusa, não se confunde com os subjetivismos de quem a requeira, devendo a respetiva valoração partir de motivos concretos, sérios e graves, na perspetiva de um juízo formulado por um cidadão de formação média. III–O facto de um juiz ter que julgar o mesmo arguido em mais do que um processo não é, sem mais, motivo suficiente para gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, porquanto a factualidade em discussão não é a mesma, os crimes em causa são diferentes, podendo ser igualmente diferentes as testemunhas a inquirir, assim como os restantes meios de prova a produzir, o que conduzirá, necessariamente, a um novo e diferente julgamento. (Sumariado pela relatora). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.–Relatório No Processo Comum Singular nº 26929/21.4T8LSB-A, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12, em que é arguida MG, veio a mesma suscitar incidente de Recusa do Senhor Juiz AN, titular do processo, ao abrigo do disposto nos arts.º 40º, 41º, 43º, 44º e 450º do Cód. Proc. Penal, 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, por entender que a intervenção daquele Juiz no julgamento do processo, a ocorrer e/ou a manter-se, é susceptível de ser considerada suspeita e criar forte e consistente desconfiança acerca da imparcialidade da sua postura processual e da decisão a proferir. Como fundamento da sua pretensão, alega que o Senhor Juiz no julgamento do processo nº 961/18.3PSLSB, em que também era arguida a requerente, foi “pouco cordato e agressivo“, o que motivou por parte da requerente uma participação para o CSM. Mais alega que no julgamento desse processo o Senhor Juiz, após troca de palavras com a aí ofendida, disse: “vou separar os processos, mas serei eu a julgá-la depois no outro processo”. Entende a requerente que ambos os processos se complementam, por haver coincidência de arguida e juiz e ser em ambos a mesma a natureza da factualidade submetida a julgamento, tendo já havido a condenação da requerente no processo nº 961/18.3PSLSB. Mais alega que: “É manifesto que – para qualquer terceiro colocado numa posição independente e chamado a reflectir – o facto de determinado Juiz de Direito já ter contacto com certo individuo determinada animosidade e que o levou a participação do CSM irá garantidamente aos olhos e sensu do tal terceiro independente e chamado a refletir que o mesmo não pode ser imparcial e mais sabendo da participação existente. Crê-se que, exclusivamente por isso, esta circunstância afecta irremediavelmente a equidistância que deve ser mantida por quem tem a nobre função de julgar (iii casu o Excelentissimo Senhor Juiz AN e portanto, e porque os Juízes (felizmente) também são homens e mulheres, a sua Imparcialidade, no pressuposto natural de que poderá já ter orientado e/ou determinado a sua convicção num concreto sentido, designadamente da Condenação da Arguida e Recorrente.” Conclui, pedindo o deferimento da recusa requerida. * O Juiz visado respondeu ao requerimento de recusa nos seguintes termos: “– É verdade que o juiz visado informou, no âmbito do processo n.º 961/18.3PSLSB, que correu termos no presente Juiz 12, a ora apenas arguida, ali arguida e assistente, que iria separar os processos, o que veio a acontecer, decisão sobre a qual não recaiu qualquer recurso, tendo a mesma tão-somente recorrido da decisão final aí proferida, que lhe foi totalmente desfavorável (cf. acta do dia 11.11.2021, sentença proferida no dia 16.11.2021 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no dia 19.05.2022); – É igualmente verdade que, no âmbito do citado processo n.º 961/18.3PSLSB, que o juiz visado informou a ora arguida que seria o mesmo a fazer o julgamento do processo separado; – O juiz visado ignora, de todo, qualquer participação que a ora arguida tenha formulado de si, junto do Conselho Superior da Magistratura, sendo-lhe completamente irrelevante tal situação, o mesmo é dizer, tal situação, a ter ocorrido, não condiciona, de modo algum, o juiz visado; – O facto de o juiz visado ter presidido à audiência de julgamento do acima mencionado processo n.º 961/18.3PSLSB não conduz, necessariamente, à formulação do juízo de que a sua intervenção no processo possa suscitar o risco de ser considerada suspeita, uma vez que inexiste qualquer motivo, sério e grave, que seja adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, tanto mais que, os crimes pelos os quais o ali arguido, ora assistente nos presentes autos, foi condenado (ofensa à integridade física), não se encontram intimamente relacionados com o crime pelo o qual a ora arguida se encontra acusada (subtracção de menor). Deste modo, com o devido respeito por opinião contrária, não vislumbra o juiz visado qualquer situação factual que determine a procedência do presente incidente.” * 2.–Os presentes autos de recurso mostram-se instruídos com certidão da acta de audiência de discussão e julgamento do dia 08-11-2021, da sentença proferida a 16-11-2021 e do acórdão proferido a 19-05-2022 no processo com o nº 961/18.3PSLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12. * Não há outra prova a produzir e foram colhidos os vistos. * 3.–O objeto do presente incidente é a determinação da existência ou não de fundamentos que justifiquem a recusa do Juiz AN para a tramitação e decisão do processo nº 26929/21.4T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12. * 4.–Fundamentação: Consagra-se no art.º 203º da Constituição da República Portuguesa o princípio fundamental da independência dos tribunais, estabelecendo-se aí que: “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei“. Este princípio exige a independência e a imparcialidade dos juízes. Com vista à preservação da garantia constitucional de imparcialidade do juiz penal e da confiança dos sujeitos processuais e do público em geral nessa imparcialidade, o legislador estabeleceu diversos mecanismos, como sejam a estatuição de impedimentos do juiz, a determinação da competência para a intervenção em processo reenviado para novo julgamento, a recusa de juiz e a possibilidade de pedido de escusa, todos eles previstos, respectivamente, nos arts.º 39º e 40º, 426º-A e 43º a 45º do Cód. Proc. Penal. Quanto ao incidente de recusa de juiz, dispõe o art.º 43º do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1–A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2–Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º (…) “ Assim, para sustentar a recusa do juiz é necessário apurar se: - a intervenção do juiz no processo em causa corre “o risco de ser considerada suspeita”; e - essa suspeita ocorre “por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Só que a lei não define o que se deve entender por «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade» do juiz cuja recusa é requerida. Para tanto, deverão ser alegados pelo requerente factos objetivos suscetíveis de preencher tais conceitos jurídicos. Importa, desde logo, ter em atenção que no incidente processual de recusa de juiz não cabem as discordâncias jurídicas quanto ao mérito das decisões judiciais, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios previstos na lei processual. Este incidente visa antes assegurar as regras da independência e da imparcialidade do julgador, que são inerentes ao direito de acesso aos tribunais, constituindo ainda, no processo penal português, atenta a sua estrutura acusatória, uma dimensão importante dos princípios das garantias de defesa e do juiz natural, previstos nos arts.º 20º, nº 1 e 32º, nºs 1, 5 e 9 da Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, pode ler-se no Ac. do Tribunal Constitucional nº 935/96, in www.tribunalconstitucional.pt que: “(…) Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de "administrar justiça". Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis. Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao "administrar a justiça", actuem, de facto, "em nome do povo" (cfr. artigo 205º, nº 1, da Constituição)". (…) salienta Ireneu Barreto (cfr. Notas para um Processo Equitativo, Análise do Artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, à Luz da Jurisprudência da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, in Documentação e Direito Comparado nºs. 49/50, p. 114,115): "A imparcialidade do juiz pode ser vista de dois modos, numa aproximação subjectiva ou objectiva. Na perspectiva subjectiva, importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário. Mas esta garantia é insuficiente; necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must also be seen to be done. Deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos". No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 22/01/13, proferido no processo nº 673/02.OTAVIS.C1-A.S1, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: “ O TC pronunciou-se pela primeira vez sobre a independência e imparcialidade dos juízes no seu Ac n.º 114/95, in DR, II Série, de 22.4.95, convocando a jurisprudência à luz do art.º 6.º n.º 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, segundo o qual qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, em prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, com o alcance de que, num estado de direito, o juiz que preside ao julgamento o faça com independência, ou seja à margem de quaisquer pressões, e imparcialidade, numa posição distanciada, acima dos interesses das partes, sendo desejável também que o povo, em nome de quem exerce a justiça, nele tenha confiança, surgindo aos olhos daquele o julgamento como objectivamente justo e imparcial, impondo-se a predefinição de um quadro legal orientado para tal finalidade, O cargo de juiz deve, pois, ser rodeado de cautelas para assegurar aqueles objectivos, para que a comunidade confie nele, pois que a confiança da comunidade nas suas decisões é essencial ao “ administrar a justiça em nome do povo “, nos termos do art.º 205.º, da CRP, como se anota no AC. do TC n.º 124/90, in DR, II Série, de 8.2.91, além de que só assim se materializa o direito constitucionalmente previsto dos cidadãos a um processo justo –art.º 32.º n.º 1, da CRP. A imparcialidade e objectividade do juiz assumem a natureza de um dever ético-social; estando ausentes o juiz pode –deve mesmo –ser declarado “ judex inhabilis (Ac. do TC n.º 135/88, do TC, in DR II Série, de 8.9.88. A imparcialidade e objectividade exigidas para se dizer o direito é tanto a subjectiva como a objectiva. À luz de um critério subjectivo, de um “teste subjectivo “, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 232, o que importa é indagar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal na causa; o que o juiz pensa no seu foro íntimo em determinada circunstância é uma vertente da imparcialidade que se presume até prova em contrário, mas a aferição daquele dever comporta, ainda numa óptica objectiva, a que o comportamento do juiz deve ser submetido do ponto de vista daquilo que o cidadão comum pensa da latitude e conformação de tal dever, devendo ser recusado todo o juíz de que se possa temer uma falta de imparcialidade para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, escreveu-se naquele Ac. n.º 114/95 .” (cf. ainda, entre outros, Ac. TC nº 135/88, DR II Série de 08.09.1988 e Ac. TRL de 17/05/2011, proc.95/09.1PCLRS-A-L1-5, in www.dgsi.pt). Quanto ao que se deve entender por motivo suficiente para o afastamento de um juiz, decidiu-se no Ac. do STJ de 12.11.2020 (inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:9560.14.8TDPRT.C.G1.A..9F) que: “ Para afastar o juiz natural não basta um qualquer motivo que alguém possa ter como susceptível de afectar a sua imparcialidade, antes importa que o mesmo seja sério e grave no contexto de uma determinada situação concreta. Conforme assinalado no cit. Ac. do STJ de 09.11.2011 “os motivos sérios e graves adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador hão-se, pois, resultar de objectiva justificação, avaliando-se as circunstâncias invocadas pelo requerente, não pelo convencimento subjectivo deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador”. O fundamento da recusa deve, pois, ser objectivado numa razão séria e grave da qual resulte inequivocamente um estado de forte desconfiança sobre a imparcialidade do julgador. A este propósito refere Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, 1974, p. 320: “ (…)pertence pois a cada juiz evitar, a todo o preço, quaisquer circunstâncias que possam perturbar aquela atmosfera [de pura objectividade e de incondicional juridicidade] não (…) enquanto tais circunstâncias possam fazê-lo perder a imparcialidade, mas logo enquanto possam criar nos outros a convicção de que ele a perdeu”. A imparcialidade deve, assim, ser apreciada de acordo com um teste subjetivo e um teste objetivo. O primeiro visa apurar se o juiz revelou ter um interesse pessoal no destino da causa ou algum preconceito sobre o mérito da mesma. Analisados os elementos constantes do incidente em apreço, verifica-se que dos mesmos não resulta que o Senhor Juiz AN, no âmbito do processo nº 26929/21.4T8LSB, tenha emitido qualquer juízo ou valoração, nos atos em que teve intervenção, adequados a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade ou que revelem algum interesse pessoal do mesmo na causa a julgar. Cumpre recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção. Por sua vez, o teste objetivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do Juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade. Sob a perspetiva objetiva também se nos afigura não haver, no caso, contrariamente ao sustentado pela arguida/requerente, qualquer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz de Direito AN . Com efeito, a requerente limita-se a referir uma circunstância concreta em que entendeu ter sido objeto de tratamento deselegante por parte deste Juiz, quando o mesmo disse: “vou separar os processos, mas serei eu a julgá-la depois no outro processo”, alegando que o mesmo foi também “pouco cordato e agressivo”, mas sem que esclarecesse em que factos objectivos é que esse comportamento se concretizou. A eventual falta de urbanidade por parte do Senhor Juiz AN, que não damos por adquirida, poderá, eventualmente, constituir infração disciplinar, mas não tem idoneidade bastante para configurar um motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a seriedade do julgador na condução do processo – designadamente, quando desacompanhada da invocação, e necessária demonstração, da ocorrência de circunstâncias concretas que indiciem a existência de um qualquer préjuízo quanto à questão submetida a julgamento. Nos termos previstos no art.º 83º-H, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/07, na redação dada pela Lei nº 67/19, de 27/08), constituem infrações graves os atos dos juízes, praticados com dolo ou negligência grosseira, que revelem grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais, nomeadamente: “(…) b) O excesso ou abuso de autoridade, ou grave falta de consideração e respeito devidos aos cidadãos e a todos aqueles com quem se relacione no exercício das suas funções; (…).” Ou seja, em abstrato, no caso dos autos poderia haver motivo para valoração disciplinar do comportamento do magistrado, mas não para se afirmar, como faz a requerente, que estamos perante uma intervenção demonstradamente suspeita, da qual se possa pressupor a existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador. A requerente limita-se a dar nota de um mero convencimento subjetivo, que não se mostra alicerçado em factos objetivos. Como vimos, o “sentimento de desconfiança” da imparcialidade de um juiz, enquanto fundamento de recusa, não se confunde com os subjetivismos de quem a requeira, devendo a respetiva valoração partir de motivos concretos, sérios e graves, na perspetiva de um juízo formulado por um cidadão de formação média. Alega ainda a requerente que a imparcialidade do Senhor Juiz AN também está posta em causa nos autos nº 26929/21.4T8LSB, porquanto estes autos emergem da separação de processos determinada nos autos nº 961/18.3PSLSB, sendo que, no entender da requerente, ambos os processos se complementam, por haver coincidência de arguida e juiz e ser em ambos a mesma a natureza da factualidade submetida a julgamento, tendo já havido a condenação da requerente naquele outro processo e tendo a requerente efectuado aí uma participação do Juiz para o CSM. Dos presentes autos de incidente não consta ter havido qualquer provimento por parte do CSM relativamente a uma participação efectuada pela requerente. Mais consta da certidão que instrói o presente incidente que, no âmbito do processo comum singular nº 961/18.3PSLSB, os arguidos JB e MG foram submetidos a julgamento pela prática: a)-o arguido JB, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, ilícito previsto e punido nos termos dos artigos 143º, n.º 1, e 145º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea b) e c), todos do Código Penal; b)-a arguida MG, em autoria material e na forma consumada, um crime de subtracção de menor, previsto e punido nos termos do artigo 249º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, sendo que, na primeira sessão da audiência de julgamento, ocorrida a 8 de Novembro de 2021, foi determinada a separação de processos, passando os autos a correr para apreciação da responsabilidade criminal apenas do arguido JB, decisão de que não foi interposto recurso. Ora, da invocação desta factualidade não decorre que a imparcialidade do Juiz esteja em causa no segundo julgamento a efectuar. Se, por um lado, é verdade que o Juiz e a arguida são os mesmos em ambos os processos, a factualidade em apreço poderá não ser a mesma em ambos os casos, sendo certo que os crimes em causa são diferentes, podendo ser igualmente diferentes as testemunhas indicadas, assim como os restantes meios de prova a produzir, o que necessariamente conduzirá a um novo julgamento, cujo desfecho é, neste momento, imprevisível. Ao juiz exige-se imparcialidade e independência em cada um dos casos que é submetido à sua apreciação, ainda que estejam em causa os mesmos sujeitos processuais e independentemente do juízo alcançado em cada um deles. Qualquer cidadão sabe que no mesmo tribunal um juiz pode ser confrontado com o facto de ter de julgar várias vezes o mesmo arguido e que não é por o considerar culpado uma vez, que o considerará culpado em todas. A imparcialidade tem, pois, que ser testada no plano rigoroso do caso concreto, em função de uma situação concreta e da actuação processual do juiz nessa situação. Estes elementos concretos não constam do incidente em apreço. Assim sendo, impõe-se considerar que os motivos apontados no requerimento do pedido de recusa em apreciação não revestem a seriedade e a gravidade exigidas pelo art.º 43º do Cód. Proc. Penal para fundamentar uma decisão de recusa de juiz, devendo tal pedido ser indeferido. * 5.–Decisão: Por tudo o exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em indeferir, por manifestamente infundado, o pedido de recusa do Juiz de Direito AN no âmbito do processo nº 26929/21.4T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12. Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça devida em 8 (oito) UC, nos termos do art.º 45º, nº 7 do Cód. Proc. Penal. * Lisboa,11 de Outubro de 2022 (texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora) Carla Francisco (Relatora) Isilda Pinho José Simões de Carvalho (Adjuntos) |