Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1326/19.5T8CSC.L1-5
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INTERPRETAÇÃO
BOA-FÉ
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. Os negócios jurídicos devem ser interpretados na perspetiva do destinatário normal, entendido este como uma pessoa medianamente perspicaz, zelosa e correta, colocada na posição do destinatário real, sem olvidar a intenção do declarante, se conhecida, assim como as circunstâncias envolventes do negócio, segundo padrões de Justiça, sendo que estes padrões devem ser considerados quando ocorram eventuais dúvidas interpretativas nos negócios onerosos, bem como na integração de lacunas constantes do negócio caso normas legais supletivas ou a vontade presumível das partes for insuficiente ou inadequada à Justiça do caso.
III. Sob pena de incorrer em responsabilidade contratual, na execução do contrato, devem as partes proceder com correção, lealdade, honestidade, de forma correta, adequada, na situação jurídica em causa.
IV. A boa fé constitui um padrão de conduta que reclama dos contraentes deveres de cooperação e, em particular, deveres de segurança, informação e lealdade próprios do sistema jurídico.
V. A resolução, enquanto forma de extinção unilateral do contrato, pode decorrer da lei ou do próprio contrato outorgado pelas partes, denominando-se resolução legal e convencional, respetivamente.
VI. Para efeitos do artigo 808.º do CCivil, a perda de interesse do credor, apreciada em termos objetivos, impõe que o interesse daquele seja valorado segundo critérios de razoabilidade no contexto negocial em causa, postergando-se, pois, de todo em todo, o livre arbítrio do credor.
VII. Nos contratos bilaterais, o incumprimento definitivo decorrente de perda de interesse do credor ou de recusa do cumprimento do devedor confere àquele o direito de resolver o contrato, independentemente do direito à indemnização.
VIII. Na situação vertente, considerando a factualidade apurada, uma vez que se mostra fundada a resolução do contrato promessa pelo promitente vendedor, tem este direito a fazer seu o sinal.
IX. Na litigância de má fé está em causa a postura ignóbil, processual ou substancial, ativa ou omissiva, dolosa ou com negligência grave, de quem é parte em processo judicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
O A., AA, intentou processo comum de declaração contra os RR., BB e CC, pedindo que:
a) Seja «proferida sentença que condene o Réu à perda efectiva do sinal;
b) Seja determinada a restituição imediata ao A. do imóvel, livre de pessoas e bens.;
c) Seja o Réu condenado a pagar ao Autor os valores devidos pela contrapartida de utilização da fracção;
d) Seja o Réu condenado a pagar ao Autor os valores devidos pelos encargos com o abastecimento de água e o fornecimento de energia eléctrica;
e) Seja o Réu condenado a pagar ao Autor os juros vencidos pelos montantes devidos pela contrapartida de utilização da fracção, assim como os vincendos até integral cumprimento».
Como fundamento dos seus pedidos, o A. alegou, em suma, que é dono da fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito na Rua 1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ....º.
Referiu também que os RR. são casados no regime da comunhão geral de bens e, na prossecução do interesse e vontade comuns, em 05.03.2018 o A. celebrou com o R. um contrato promessa nos termos do qual prometeu vender ao R. e este prometeu comprar ao A. a referida fração autónoma, pelo preço de €180.000,00, tendo sido então consignado que a título de sinal e princípio de pagamento o R. entregava ao A. a quantia de €5.000,00 e haveria um reforço de sinal no montante de €60.000,00 a entregar em prestações mensais e sucessivas até 05.09.2018.
O A. mencionou igualmente que com o contrato promessa o R. ficou autorizado a habitar o referido imóvel, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira de €366,00 e das despesas com o fornecimento de eletricidade e água.
Referiu ainda que o R. incumpriu o acordado e o A., entretanto, resolveu o contrato promessa após interpelação do R. sem êxito para celebrar o contrato prometido.
A R. arguiu a sua ilegitimidade processual e alegou que não se evidencia qualquer incumprimento definitivo por parte do promitente comprador, termos em que concluiu pela absolvição da R. instância.
Por sua vez, o R. deduziu contestação e reconvenção.
Alegou, em resumo, que nunca recusou celebrar o contrato prometido, que não ocorreu uma situação de incumprimento definitivo, que inexistiu interpelação admonitória e que não ocorreu perda de interesse por parte do A. quanto à celebração do contrato prometido, termos em que considerou como abusiva a resolução contratual do A.
Referiu também que entregou ao A. a quantia de €1.098,00 referente à utilização da referida fração nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2018, assim como pagou os consumos de água e eletricidade da mesma fração quanto àqueles meses.
O R. mencionou igualmente que o contrato promessa em causa foi celebrado no pressuposto de que o negócio prometido seria outorgado após o divórcio dos RR., tendo a situação se arrastado e mantendo o R. interesse na celebração de tal negócio.
Nestes termos, o R. concluiu pedindo que:
a) a ação seja julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, o R. seja absolvido dos pedidos contra si formulados pelo A.;
b) A reconvenção seja julgada procedente por provada e, em consequência, o A./Reconvindo condenado a celebrar a escritura de compra e venda relativamente à fração objeto do contrato promessa, nos termos constantes daquele contrato;
c) Seja declarado que o R. goza de direito de retenção sobre a fração autónoma objeto do contrato promessa, até efetivo e integral pagamento das quantias constantes da alíneas c) e d) do pedido;
d) O A. seja condenado como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização nos termos do disposto pelos arts. 542.º e 543.º, ambos do CPCivil.
O A. apresentou réplica, alegando e concluindo como na petição inicial.
As partes juntaram documentos e arrolaram prova pessoal.
Foi admitida a reconvenção no segmento respeitante à condenação do A. na celebração do contrato prometido, não tendo sido admitida no demais.
Foi proferido saneador, no qual a R. foi julgada parte ilegítima e, por isso, absolvida da instância.
Foi dispensada a audiência prévia, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
A audiência de discussão e julgamento teve sessões de produção da prova em 27.06 e 09.07.2024.
Em 05.01.2025 o Juízo Central Cível de Cascais proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«1. julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) reconheço ao A. o direito a fazer sua a quantia total de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), que lhe foi entregue pelo R., a título de sinal, no âmbito do contrato de promessa de compra e venda de 05/03/2018;
b) condeno o R. a restituir ao A. a fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito em Rua 1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., livre de pessoas e bens;
c) condeno o R. a pagar ao A. a quantia total de €2.562,00 (dois mil, quinhentos e sessenta e dois euros), acrescida de juros de mora contados, à taxa legal supletiva aplicável às obrigações civis, desde a data da citação até integral pagamento.
d) absolvo o R. do demais peticionado.
2. julgo a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo o A./reconvindo do pedido reconvencional.
3. julgo improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pelo R.».
Inconformado com tal decisão, o R. interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, reconheceu o direito do A. a fazer sua a quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) que lhe foi entregue pelo Recorrente a título de sinal, no âmbito do contrato promessa celebrado entre as partes a 05/03/2018;
2. Condenou o Réu, aqui Recorrente, a restituir ao Recorrido a fração autónoma objecto do aludido contrato promessa de compra e venda e no pagamento da quantia de €2.562,00 (dois mil quinhentos e sessenta e dois euros), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento,
3. Julgou a Reconvenção totalmente improcedente e absolveu o Autor do pedido reconvencional e do o incidente de litigância de má fé.
4. O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida, na medida em que, o Tribunal recorrido efetuou uma errada apreciação da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento,
5. Não levando ao acervo da factualidade dada como provada factos que indiscutivelmente resultaram provados e que eram essenciais à apreciação dos pedidos formulados pelo Recorrente,
6. E, por outro lado, violou o disposto nos artigos 334º, 808º, 442º todos do Código Civil.
7. O Recorrido instaurou a presente ação contra o Recorrente alegando, em síntese, que no dia 05 de Março de 2018 foi celebrado entre as partes um contrato promessa de compra e venda, que tinha por objecto a fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito em Rua 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros);
8. O preço acordado foi de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) e a escritura deveria ser realizada no prazo máximo de 180 dias;
9. A título de sinal e princípio de pagamento o Recorrente pagou ao Recorrido a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) na data da assinatura do contrato e, um reforço de sinal, no montante de €60.000,00 (sessenta mil euros), a pagar em prestações mensais e sucessivas até ao fim desse prazo (05/09/2018), tendo ainda ficado estipulado que o não pagamento desse valor e a recusa em celebrar o contrato definitivo de compra e venda, nesse mesmo prazo, implicaria a perda definitiva de interesse na celebração do contrato e consequente resolução do contrato;
10. O Recorrente não efetuou o pagamento do reforço do sinal no prazo acordado, não compareceu na data designada para a realização da escritura de compra e venda, violando, assim, a obrigação de celebrar o contrato prometido
11. Ao agir do modo descrito, o Recorrente incumpriu definitivo do contrato, e, por essa razão, por carta de 01 de Março de 2019, foi-lhe comunicada a resolução do contrato;
12. O Recorrente impugnou a factualidade alegada pelo Recorrido sustentando, em síntese, que à data da celebração do contrato encontrava-se separado de facto, o que era do conhecimento do Recorrente; por razões alheias à sua vontade a dissolução do vínculo conjugal acabou por se prolongar, tendo culminado com a instauração de ação de divórcio sem consentimento, pendente à data da instauração dos presentes autos, facto que deu conhecimento ao Recorrido;
13. Para demonstrar que mantinha interesse em cumprir o contrato promessa de compra e venda, entregou ao Recorrido, que aceitou, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) em Outubro de 2018 e mais €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em Dezembro de 2018;
14. O Recorrido pretendeu alterar unilateralmente as condições do contrato promessa, subindo o preço da venda e o valor da contrapartida financeira acordada pela utilização do imóvel, o que não foi aceite pelo Recorrente;
15. O Recorrido resolveu o contrato, sem antes converter a mora em incumprimento definitivo, como legalmente exigido; A resolução do contrato pelo Recorrido é ilícita devendo o mesmo ser condenado a celebrar o contrato prometido; Que procedeu ao pagamento dos valores acordados pela utilização do imóvel em Dezembro de 2018, bem como, consumos de água e de eletricidade; deduziu incidente de litigância de má fé e abuso de direito.
16. A douta sentença recorrida considerou que o prazo estipulado pelas partes para a celebração do contrato definitivo era um prazo fixo (180 dias a contar da data da assinatura do contrato) e que o seu não cumprimento, implicaria, por si só, a perda de interesse pelo promitente vendedor e a consequente resolução do contrato;
17. Mais entendeu a douta sentença que nada impedia o A. de exigir o cumprimento da promessa após esse prazo, como fez, valendo esse gesto, na dinâmica da execução do contrato, como uma manifestação de interesse na celebração do contrato definitivo, apesar do comportamento inadimplente do R., no que respeita ao cumprimento do prazo de pagamento do reforço do sinal.”.
18. O Recorrente não se conforma com a douta sentença, por considerar que da prova documental junto aos autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, as declarações de parte do Recorrido, conjugada com as regras da ciência, da lógica e da experiência comum, resultaram provados factos que não foram levados ao acervo da factualidade dada como provada e que eram essenciais para apreciar a sua pretensão.
19. A prova documental junta aos autos e a prova produzida em audiência de julgamento impõe o aditamento de factos aos factos provados.
20. O Recorrente indicará de seguida os factos cujo aditamento aos factos dados como provados requer, bem como os meios probatórios constantes do processo e da gravação nele realizada, em cumprimento do disposto no artigo 640º do Cód. Proc. Civil
21. Factos a aditar:
1º facto a aditar
- O A. mandou elaborar o certificado energético necessário à celebração da escritura pública do imóvel objecto do contrato promessa no final de Novembro de 2018, principio do mês de Dezembro de 2018.
Fundamento: Facto a aditar resulta confissão do Autor que declarou que apenas em finais de Novembro, princípios de Dezembro de 2018 mandou elaborar o certificado energético do imóvel objecto do contrato promessa
Declarações de parte do Autor prestadas na sessão de julgamento realizada no dia 09 de Julho de 2024, entre 00.34.08 a 00.37.26;
2º Facto a aditar
- Posteriormente à celebração do contrato acima referido, o R. informou o A. das dificuldades que estava a enfrentar e para demonstrar a manutenção do interesse em adquirir o imóvel que o R. efetuou em 11/10/2018, o pagamento referido em 7 dos factos provados
Fundamento: o facto a aditar resulta das declarações de parte do Autor e da prova documental junto aos autos que o informou que em Setembro que
Declarações de parte do Autor prestadas na sessão de julgamento realizada no dia 09 de Julho de 2024, entre 00.00.27.36 a 00.28.48.
3º facto a aditar
- Após a receção da carta referida em 6. dos factos provados, o R. pagou ao A., para além da quantia referida em 7, a quantia de € 1.098,00, correspondente ao valor mensal da utilização da fração autónoma do objecto do contrato referido em 2, dos factos dos factos provados referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018
Fundamento: Declarações de parte do Autor, das quais resulta que, no dia 26 de Dezembro de 2018, data da reunião, o Réu pagou os valores em dívida e que os factos constantes da petição inicial correspondem a um lapso do mandatário subscritor daquela peça processual.
Declarações de parte do Recorrido prestadas na sessão de julgamento realizada no dia 09 de Julho de 2024, entre 00.51.47 a 00.52.36 e 01.05.20 a 01.06.52 22.
A douta sentença recorrida relativamente ao contrato celebrado entre as partes, entendeu que o prazo convencionado para a celebração da escritura que titularia o contrato definitivo é um prazo absoluto ou perentório e, como, tal, a não celebração do contrato de compra e venda no prazo máximo de 180 dias contados da data da assinatura do contrato promessa implica, por si só, a perda definitiva de interesse pelo promitente vendedor na celebração do contrato definitivo e a consequente resolução do contrato, legitimando, assim, o exercício de fazer cessar unilateralmente o contrato, sem necessidade de fixação prévia de um prazo admonitório, reconhecendo, assim, o direito do Recorrido a fazer sua a quantia total de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) entregue pelo Recorrente a título de sinal.
23. O contrato-promessa é, assim, a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar um contrato
24. O Recorrente e o Recorrido convencionaram que “O não cumprimento do estipulado na alínea anterior pelo promitente comprador e a recusa pelo mesmo em celebrar o contrato definitivo de compra e venda no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato, com o pagamento do saldo em dívida, implica a perda definitiva de interesse pelo promitente vendedor na celebração do contrato definitivo e a consequente resolução do contrato definitivo e a consequente resolução do presente contrato.” - Cláusula Terceira alínea c) do aludido contrato.
25. E na aliena d) daquela mesma cláusula estipularam que O saldo em dívida, será liquidado no acto da escritura definitiva de compra e venda, que se realizará no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias) a contar da data da assinatura do presente contrato, podendo este prazo, caso o promitente comprador tenha cumprido o estipulado na alínea b), ser prorrogado por mais dias, por acordo de ambas as partes, sendo neste caso feita uma adenda, por escrito, ao presente contrato.”
26. A tarefa de aferir a essencialidade do estabelecimento do prazo de cumprimento de uma obrigação e da consequência resultante do seu não cumprimento definitivo deve resultar não só da interpretação das cláusulas contratuais, como do comportamento anterior e posterior dos contraentes.
27. Nesse sentido vide o que se deixou plasmado do douto Ac. Rel de Évora de 16/04/2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt : “Saber se o estabelecimento do prazo de cumprimento duma obrigação é ou não essencial e se o seu decurso se traduz num incumprimento definitivo é tarefa que deve resultar não só da interpretação das cláusulas do contrato, como do comportamento anterior e posterior do contraentes [6]. BRANDÃO PROENÇA[7] preconiza que «o significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade (…) terá que ser “deduzido” do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes». Ainda assim - segundo este Autor[8] -, «parece poder ser transposto para esta sede, e por maioria de razão, o princípio de que, em regra, o prazo essencial não é “absolutamente fixo” (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas “relativamente fixo”….
28. Quer o clausulado do contrato, quer o comportamento adoptado pelos Recorrente e pelo Recorrido, antes e após o decurso do prazo de 180 dias, não permite, salvo o devido respeito, concluir que tal prazo é absoluto ou perentório
29. De acordo com o clausulado do contrato, as partes, por um lado, parecem querer atribuir natureza absoluta ao prazo, ao determinar que o não pagamento do reforço de sinal no montante de €60.000,00 (sessenta mil euros) no prazo de 180 dias e a recusa da celebração da escritura naquele mesmo prazo, implica a perda definitiva de interesse pelo promitente vendedor e a consequente resolução do contrato, mas, por outro lado, admitem a possibilidade da escritura poder ser celebrada para além da data acordada, desde que se verifiquem determinadas condições.
30. Do teor das cláusulas do contrato parece resultar que a essencialidade para o promitente vendedor era a realização do pagamento do reforço de sinal no montante de €60.000,00 (sessenta mil euros) e não a celebração da escritura no prazo de 180 dias a contar da data da celebração do contrato promessa de compra e venda,
31. Ao preverem a possibilidade do prazo ser prorrogados as partes pretenderam afastar a estipulação de um prazo certo ou absoluto.
32. Por outro lado, após o decurso do prazo de 180 dias a contar da data da escritura o Recorrente pagou ao Recorrido, que aceitou, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) no dia 11 de Outubro de 2018 e a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) no dia 26 de Dezembro de 2019, fazendo constar no próprio contrato promessa celebrado entre as partes;
33. Mais, em finais de Novembro, princípios de Dezembro de 2018 o Recorrido ainda não tinha o certificado energético do imóvel objecto do contrato, não obstante, saber que era um documento necessário à celebração da escritura
34. O comportamento adoptado pelo Recorrido é demonstrativo que o prazo convencionado não era um prazo fixo, quer para pagamento do reforço de sinal, quer para celebração da escritura.
35. O que é reiterado pelo teor da missiva dirigida pela então mandatária do Recorrido, Dra DD, ao Recorrente, em Dezembro de 2018, da qual resulta a proposta de celebração de um novo contrato pelo preço de €200.000,00 (duzentos mil euros) mas sem concretização de qualquer data para a celebração do contrato definitivo.
36. Não sendo o prazo para a celebração da escritura um prazo certo ou fixo o Recorrido para resolver o contrato celebrado entre as partes, teria, que interpelar o Recorrente dentro de um prazo razoável e com a cominação de que não o fazendo o contrato se considerava definitivamente incumprido, convertendo, deste modo, a mora do Recorrente em incumprimento definitivo e culposo, nos termos do artigo 808º, n.º 1 do Cód. Civil,
37. O que não foi realizado.
38. O Recorrido, através da sua Ilustre Mandatária, Dra DD, limitou-se a informar o Recorrente que a escritura de compra e venda se encontrava marcada para o dia 18 de Janeiro de 2019, pelas 11horas, no Cartório Notarial do Dr. EE, no Cartaxo e solicitou o envio dos seus elementos de identificação, bem como, a sua comparência no dia, hora e local indicados
39. A comunicação supra dirigida ao Recorrente, no dia 3 de Janeiro de 2019, não reveste a natureza de interpelação admonitória, não tendo, a faculdade de converter a mora em incumprimento definitivo;
40. É entendimento pacifico na doutrina e na jurisprudência que a interpelação admonitória deve conter três elementos: a intimação para o cumprimento; a fixação de um prazo perentório e a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo, nesse sentido vide Ac. da Rel. de Coimbra de 27/02/2018, Ac. da Rel. Guimarães de 26/01/2017 e Ac. do STJ de 11/02/2015 disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
41. A não outorga da escritura no dia 18 de Janeiro de 2019 no Cartório Notarial do Cartaxo, não fez o Recorrente incorrer em incumprimento definitivo do contrato,
42. Deste modo, não poderia o Recorrido ter resolvido o contrato nos termos em que o fez, sendo, a resolução ilícita.
43. Sendo a resolução ilícita e mantendo o Recorrente interesse na celebração do negócio, nada obsta a que a escritura seja celebrada entre as partes nos termos acordado no contrato-promessa, o que se reitera através do presente recurso
44. Entendimento contrário seria permitir e premiar a violação da confiança e da boa fé que deve pautar o comportamento dos contraentes tanto nos preliminares como na execução dos contratos, criando situações de instabilidade e de incerteza.
45. O Recorrido ao aceitar dos pagamentos de €10.000,00 (dez mil euros) no dia 11 de Outubro de 2018 e da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) depois de ultrapassado o prazo de 180 dias para a celebração da escritura que deveria ter sido realizada no dia 5 de Setembro de 2018, criou no Recorrente a expetativa, digna de tutela do direito, que o contrato promessa de compra e venda se matinha válido e nova data seria acordada para a celebração da escritura de compra e venda;
46. Ao resolver o contrato nos termos e fundamento que o faz, o Recorrido viola o dever que recaí sobre si de agir de acordo com as regras da boa-fé.
47. O tribunal recorrido deveria ter conhecido oficiosamente da exceção do abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum próprio“, atenta a conduta do Recorrido.
48. A conduta do Recorrido gera um desequilíbrio do exercício do direito, gerando uma obrigação desproporcional na prestação do Recorrente;
49. A boa fé pressupõe a atuação com diligência, zelo e lealdade, face aos interesses da contraparte, adotando uma conduta honesta e conscienciosa, de correção e integridade, visando não prejudicar os interesses da contraparte
50. A exceção do abuso de direito é do conhecimento oficioso e deveria ter sido apreciada pelo tribunal recorrido.
51. Não obstante a referida excepção não ter sido invocada ou conhecida ex officio, pode ainda a Relação dela conhecer oficiosamente, conforme Ac. do Trib. Rel. Lisboa, de 22/02/2022 com o seguinte Sumário: “1- Por força dos princípios da concentração da defesa e da preclusão, não podem as partes invocar em sede de recurso meios de defesa que não tenham oportunamente suscitado nos articulados, excepto se se tratar de questões de conhecimento oficioso. 2- A excepção de enriquecimento sem causa (arts. 473º ss. do Código Civil) e a redução do preço (arts. 911º e 913º, nº 1 do CC) não constituem questões de conhecimento oficioso, razão pela qual, sendo invocadas apenas em alegações de recurso de apelação, deve o Tribunal da Relação abster-se de as apreciar. 3 - Diversamente, a questão de abuso do direito (art. 334º do CC) configura uma questão de conhecimento oficioso, razão pela qual podem as partes invoca-la, ex novo apenas em sede de alegações de recurso de apelação, devendo o Tribunal da Relação apreciá-la considerando os factos alegados nos articulados que devam considerar-se provados. 4- A excepção de não cumprimento (art. 428º ss. do CC) tem como fundamento o incumprimento ou o cumprimento defeituoso imputável a um dos contraentes em contrato que envolva prestações recíprocas, pelo que apenas pode assentar no incumprimento das prestações ajustadas no mesmo contrato, e não em eventual incumprimento de prestações acessórias não previstas no mesmo.”
52. No mesmo sentido vide o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal Rel. Évora de 11/05/2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que: “A excepção de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium (cfr. artigo 334º do Código Civil) é do conhecimento oficioso e, por via disso, pode ser suscitada ex novo perante a Relação, em sede de recurso de apelação.”).;
53. Resultando da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que o Recorrido tinha conhecimento do estado civil do Recorrente e o aceitou, recebeu as quantias de €10.000,00 (dez mil euros) e de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), após o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias,
54. Ter-se-á que concluir pela verificação da exceção de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, de conhecimento oficioso, em sede de recurso.
55. A resolução contratual realizada pelo Recorrido é ilícita
56. O Recorrente mantém interesse na celebração do negócio,
57. Encontram-se reunidos os pressupostos para que o pedido reconvencional formulado pelo Recorrente ser julgado procedente e o Recorrido condenado a celebrar a escritura de compra e venda nos termos contratualmente acordados.
58. A sentença recorrida, violou o disposto no artigo 334º e 808º ambos do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que condene o Recorrido a celebrar a escritura de compra venda, e o condene como litigante de má fé.
59. Mas ainda que assim se não entenda, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, também se dirá que,
60. Caso se entenda que o prazo convencionado pelas partes era um prazo perentório, findo o qual, o promitente vendedor, sem mais, perderia definitivamente o interesse no negócio e resolveria o negócio, ter-se-á que concluir que, as quantias as entregues pelo Recorrente após o decurso daquele prazo não poderão revestir a natureza de sinal.
61. Cessado o contrato promessa de compra e venda, inexiste, qualquer relação contratual entre as partes e não se verifica a presunção de que os valores entregues revestem a natureza de sinal;
62. Assim as quantias entregues no dia 11 de Outubro de 2018 (€10.000,00) e no dia 26 de Dezembro de 2018 (€25.000,00), terão que ser devolvidas ao Recorrente.
63. Ao não determinar a restituição da quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) ao Recorrente a douta sentença violou o disposto no artigo 442º do Código Civil.
64. Termos em que deverá ser revogada e substituída por outra que determine a restituição da quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) ao Recorrente,
65. E o absolva do pagamento da quantia de €1.098,00 (mil e noventa e oito euros) correspondente à utilização do imóvel nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a douta sentença, e substituída por outra que:
a) Julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolva o Recorrente dos pedidos contra si formulados;
b) Julgue o pedido reconvencional, totalmente procedente, por provado e, em consequência, condene o Recorrido a celebrar a escritura de compra e venda relativamente à fração objecto do contrato promessa, nos termos constantes daquele contrato;
c) Condene o Recorrido como litigante de má-fé, nos termos deduzidos, e, em consequência, ser condenado no pagamento de uma indemnização nos termos do disposto pelos art.ºs 542º e 543º, ambos do Cód. Proc. Civil.
Termos em que e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente os pedidos formulados pelo Recorrente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».
O A. contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida e pedindo a condenação do R./Recorrente e da respetiva mandatária como litigantes de má fé, «em justa indemnização ao A. e multa de valor exemplar, sem prejuízo da comunicação disciplinar para os fins tidos por convenientes».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
• Da impugnação da decisão de facto,
• Do (in)cumprimento do contrato promessa e seus efeitos e
• Da arguida litigância de má fé.
III.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
Na matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2024, processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, refere que «a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações».
2. Na situação vertente.
O R., aqui Recorrente, impugna os «factos 3 e 4 dados como não provados», refere que «[a] prova documental junta aos autos e a prova produzida em audiência impõem o aditamento de factos aos factos provados» e requer o aditamento de três novos factos ao elenco dos considerados como provados, explicitando os meios de prova que tem por pertinentes quanto a cada um daqueles três factos e que justificam no seu entendimento tal aditamento.
Nestes termos e considerando o apontado regime legal de impugnação da decisão de facto, nesta sede, quanto ao recurso da decisão de facto do R., releva tão só saber se devem ao não ser aditados como provados os três factos cujo aditamento o mesmo requer, alterando-se os indicados factos dados como não provados com os n.ºs 3 e 4 na medida do aditamento feito, como decorrência lógica daquele aditamento.
Com efeito, no mais referido em sede de impugnação da decisão de facto, não cumpriu o Recorrente os apontados ónus de impugnação, termos em que a mesma é inoperante, não sendo mais que uma «manifestação de inconsequente inconformismo».
Assim.
2.1. Do 1.º facto cujo aditamento é requerido.
O Recorrente pretende que seja aditado como provado que:
«O A. mandou elaborar o certificado energético necessário à celebração da escritura pública do imóvel objecto do contrato promessa no final de Novembro de 2018, princípio do mês de Dezembro de 2018».
Fundamenta tal num excerto das declarações de parte do A. que transcreve.
Por sua vez, o A., aqui Recorrido, entende tal facto como «totalmente inócuo à decisão da acção», sendo que a entender-se de modo diverso, «atento o princípio da indivisibilidade da confissão», entende que o facto aditado deve ter a seguinte redação:
O «certificado energético necessário à celebração da escritura pública do imóvel objecto do contrato promessa só foi elaborado no princípio do final do mês de Novembro/início do mês de Dezembro de 2018, porque o R. obstaculizou o acesso à fracção, alegando ora ausência, ora outros compromissos pessoais».
Vejamos.
Na presente ação discute-se se ocorreu ou não incumprimento definitivo de um contrato promessa, o qual em novembro ou dezembro de 2018 as partes consideravam ainda válido e eficaz: não se olvide que a escritura do contrato prometido foi agendada pelo A., promitente vendedor, para 18.01.2019 e que o R., promitente comprador, reforçou o sinal dado após 13.12.2018, bem como conclui o seu recurso pedindo que se «condene o Recorrido a celebrar» o contrato prometido.
Neste contexto, é absolutamente irrelevante à decisão do mérito da causa dar como provado que o certificado energético foi elaborado em novembro ou dezembro de 2018, pois tal nada adianta relativamente ao incumprimento contratual em causa, termos em que, em observância do princípio da limitação dos atos, conforme artigo 131.º do CPCivil, não há que aditar à decisão de facto a indicada matéria quanto ao certificado energético, a qual, aliás, não foi sequer alegada pelas partes nos seus articulados e não constitui nos termos expostos facto essencial, instrumental, complementar, concretizador ou notório que deva ser considerado pelo Tribunal, conforme artigo 5.º do CPCivil.
Improcede, pois, nesta sede o recurso.
2.2. Do 2.º facto cujo aditamento é requerido.
O R. requerer também que seja aditada à factualidade provada que:
«Posteriormente à celebração do contrato acima referido, o R. informou o A. das dificuldades que estava a enfrentar e para demonstrar a manutenção do interesse em adquirir o imóvel que o R. efetuou em 11/10/2018, o pagamento referido em 7 dos factos provados».
A referência «ao pagamento referido em 7 dos factos provados» constitui um manifesto lapso de escrita, pois, o «pagamento» de 11.10.2018 consta do facto provado 4 e o «pagamento referido em 7 dos factos provados» ocorreu depois de 13.12.2018.
Como fundamento do pretendido aditamento, o R. invoca a «prova documental junta aos autos» e indica um excerto das declarações de parte do A. que transcreve:
«Mª Senhora Juíza: Alguma vez depois de celebrar o contrato foi-lhe pedido, olhe eu estou aqui com problemas por causa do meu, meu divórcio podemos acertar aqui um prazo mais longo para eu conseguir negociar?
Autor: Quando foi ultrapassado o prazo, 5 ou 6 de setembro que eram os 180 dias que estavam estipulados.
Mª Senhora Juíza: Quando, quando, pode repetir?
Autor: Ou a 5 ou a 7 de setembro de 2018, quando foi ultrapassado o prazo dos 180 dias do contrato, ainda faltava dar-me dinheiro, tive que ter uma conversa com ele. Pá, isto surgiu-me
Mª Senhora Juíza: Faltava quanto?
Autor: Senhora Dra. Ele tinha-me dado cinco mais vinte e cinco. Faltava 40 mil, se não me falha a memória ou 35 mil (impercetível) A 6 de setembro faltavam 35 mil.
Mª Senhora Juíza: Mas despois ele pagou isso não foi?»
Por sua vez, o A./Recorrido entende ser de indeferir o aditamento requerido.
Analisemos.
A referência à «prova documental junta aos autos» é irrelevante, pois a impugnação da decisão de facto deve fazer com indicação dos «concretos meios probatórios», conforme referido artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil.
Importava, pois, indicar os concretos documentos que impunham a decisão de facto sufragada, não bastando a genérica referência à «prova documental junta aos autos».
Por outro lado, aludir a «dificuldades que estava a enfrentar» é ainda referir generalidades, sendo que de todo o modo tal matéria por si só é irrelevante para a decisão do mérito da causa: a informação de tais dificuldades, mesmo que relacionadas com o divórcio, surgidas mais de 180 dias depois do contrato promessa, na data já prometida para a celebração do contrato prometido, não é suscetível em si mesma de justificar o incumprimento lato sensu do contrato promessa.
Finalmente, do excerto transcrito das declarações de parte do A. não é possível concluir que o «pagamento» feito em 11.10.2018 teve o declarado propósito de «demonstrar a manutenção do interesse em adquirir o imóvel» por parte do R., embora seja certo que seguramente tenha tido o propósito de cumprir o contrato promessa, mas tal já decorre dos factos provados n.ºs 4 e 7, não se mostrando necessário qualquer aditamento na matéria.
Improcede também nesta sede o recurso da decisão de facto.
2.3. Do 3.º facto cujo aditamento é requerido.
O R. requer ainda que seja aditado à factualidade provada o seguinte:
«Após a receção da carta referida em 6. dos factos provados, o R. pagou ao A., para além da quantia referida em 7, a quantia de €1.098,00, correspondente ao valor mensal da utilização da fração autónoma do objecto do contrato referido em 2, dos factos dos factos provados referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018».
Fundamenta tal nas seguintes declarações de parte do A.:
«Mandatário do Autor: Depois referiu que a advogada do senhor BB lhe entregou um envelope com dinheiro. Só não nos disse para quê?
Autor: Esse dinheiro era o valor era para valores que estavam atrasados de água, luz e gás. Porque os contadores, ele quis mudar os contadores para nome dele, eu não deixei, não permiti. Os contadores ficam em meu nome, eu pago todos os meses e depois a gente vai-se (impercetível) ….
Mª Senhora Juíza: Não tenho registado que tenha dito isso. Mas foi entregue um envelope com valores, é isso?
Autor: Sim. Pela Dra FF
Mª Senhora Juíza: E era a título de pagamento de consumos;
Autor: Eram uns pagamentos quaisquer que estavam atrasados na altura, não posso precisar valores.
(…)
Mandatária do Réu: Se à data do agendamento da escritura para além dos acertos dos contratos de fornecimento existia mais algum valor em dívida.
Mª Senhora Juíza: No dia previsto para a escritura estava alguma coisa em dívida, nessa altura?
Autor: As dívidas surgem, eu quero ressalvar isto, porque foi dito muita coisa no processo, em que eu sou chamado de autor. Paguei a um advogado para fazer um processo que não foi bem feito. E eu queria deixar isto bem esclarecido, como também me sinto ofendido, por aquilo que foi escrito no processo.
Mª Senhora Juíza: O senhor tenha paciência, não vale a pena, o que lhe foi perguntado e o senhor confirma, os valores que estavam em dívida, não, não, não, não lhe vou permitir que agora teça comentários relativamente a isso. Foi-lhe perguntado e o senhor confirma que não havia valores em dívida.
Autor: Ao contrário do que está escrito na petição inicial, onde dizem que eu sou autor, em que há dívidas por parte do senhor BB, é falso. Foi engano do advogado. É isso que eu quero dizer, quero explicar. No dia 26 de dezembro eu recebi esse dinheiro».
Por sua vez, o A./Recorrido entende que o aditamento requerido não deve ser acolhido, quer por os excetos transcritos não o suportarem, quer em razão do consignado na ata da sessão de audiência final de 09.07.2025:
«À pergunta que lhe foi feita sobre se havia montantes em dívida, ou se ficaram montantes em dívida, depois da data prevista para a realização da escritura pública, foi declarado pelo A. que, com o pagamento feito nesse dia, a título de liquidação dos valores devidos por consumos com água, eletricidade e gás respeitantes à fração autónoma em causa, ficou tudo pago. Mais esclareceu que a alegação contrária constante da petição inicial decorreu de um lapso do Advogado que a subscreveu».
Apreciemos.
Os excertos transcritos são perentórios quanto ao pagamento pelo R. de consumos de «água, luz e gás», mas já não quanto à contrapartida relativa à utilização da fração, fazendo, assim, pressupor que quanto a estas havia dívidas por saldar.
O constante da referida ata de 09.07.2025 vai indubitavelmente no mesmo sentido: apenas se refere como liquidados os «consumos de água, eletricidade e gás», não se referindo o mesmo quanto à contrapartida pela utilização da fração, do que depreende que estas estariam em dívida.
Aliás, é ao R. que incumbe provar o pagamento daquelas contrapartidas e, na verdade, nenhum elemento probatório juntou aos autos na matéria, nem invocou dificuldades atendíveis nessa sede.
Como se refere na decisão recorrida, «não foi feita qualquer prova documental do alegado pagamento, o que, a ter ocorrido, seria facilmente demonstrável por esse meio».
Improcede, pois, também aqui o recurso da decisão de facto.
3. Nas suas contra-alegações o A./Recorrido refere-se igualmente ao aditamento de factualidade: «se necessário for aditar algum facto», conforme respetiva conclusão f).
Fá-lo, contudo, sem deduzir recurso subordinado, sem ampliar o recurso da decisão de facto e em todo o caso em termos manifestamente subsidiários, razão pela qual não cumpre aqui apreciar e decidir tal matéria, conforme artigos 633.º, n.º 1, e 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
De todo o modo, diga-se ainda, mesmo que assim não fosse ou se entenda, também os excertos transcritos pelo A. são insuscetíveis de fundamentar a alteração da decisão facto indicada pelo A., a factualidade invocada não decorre do articulado pelas partes e mostra-se irrelevante à decisão do mérito da causa.
Em suma, improcede a pretensão do A./Recorrida nesta sede.
*
* *
Em função do exposto, importa manter a decisão de facto recorrida nos seus precisos termos, pelo que este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. Está registada a favor do A., pela Ap. 1331 de 2010/12/16, convertida em definitiva pela Ap. 3013 de 2011/02/04, a aquisição, por compra, da fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao Rés-do-Chão esquerdo do prédio urbano sito em Rua 1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...;
2. Em 05/03/2018, A. e R. celebraram, por documento particular, com reconhecimento presencial, por notário, das respetivas assinaturas, um acordo que designaram de «contrato de promessa de compra e venda e recibo de sinal», no âmbito do qual estipularam, nas qualidades de «promitente vendedor» e «promitente comprador», respetivamente, entre outras, as seguintes cláusulas:
«PRIMEIRA: O promitente vendedor declara ser dono e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Rua 1, união das Freguesias de Carnaxide e Queijas, Concelho de Oeiras, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., com Licença de Utilização nº 103/90, emitida pela Câmara Municipal de Oeiras.
SEGUNDA: Pelo presente contrato de promessa de compra e venda, o promitente vendedor promete vender ao promitente comprador, e este comprar àquele, a fracção acima indicada pelo preço de Euros: 180.000,00 (Cento e oitenta mil euros).
TERCEIRA: O pagamento é feito do modo seguinte:
a) O promitente comprador entrega nesta data ao promitente vendedor, a título e sinal e princípio de pagamento, a quantia de Euros: 5.000,00 (Cinco mil Euros).
b) Será feito um reforço de sinal Euros: 60.000 (Sessenta mil Euros), a entregar em prestações mensais, sucessivas, até ao prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da assinatura do presente contrato.
c) O não cumprimento do estipulado na alínea anterior pelo promitente comprador e a recusa pelo mesmo em celebrar o contrato definitivo de compra e venda no prazo 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato, com o pagamento do saldo em dívida, implica a perda definitiva de interesse pelo promitente vendedor na celebração do contrato definitivo e a consequente resolução do presente contrato.
d) O saldo em dívida, será liquidado no acto da escritura definitiva de compra e venda, que se realizará no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato, podendo este prazo, caso o promitente comprador tenha cumprido o estipulado na alínea b), ser prorrogado por mais dias, por acordo de ambas as partes, sendo neste caso feita uma adenda, por escrito, ao presente contrato.
QUARTA: No caso de recusa à outorga da assinatura da escritura de compra e venda, ou à falta de qualquer cláusula marcada neste contrato, a perda do sinal ou a restituição em dobro, representa a compensação por danos e perdas, respectivamente, no caso de recusa por parte do promitente comprador ou promitente vendedor.
(…)
SEXTO:
a) A entrega das chaves será feita na data da assinatura do presente contrato, ficando o promitente comprador, desde já autorizado pelo promitente vendedor a habitar a fracção objecto deste contrato.
b) A entrega das chaves prevista na alínea anterior não faz operar a tradição da posse do imóvel, situação que apenas ocorrerá com outorga do contrato definitivo de compra e venda do imóvel e o pagamento integral do preço.
c) Como compensação pelo disposto na alínea a), o promitente comprador pagará ao promitente vendedor a quantia mensal de Euros 366,00 (Trezentos e sessenta e seis) até à data da escritura de compra e venda ou, caso a mesma não venha a realizar-se, até à data em que se venha a verificar o incumprimento definitivo do presente contrato.
d) O pagamento da quantia referida na alínea anterior visa compensar o promitente vendedor pela entrega antecipada das chaves, não tendo, por isso, o carácter de sinal nem pode ser exigida a sua devolução em qualquer circunstância.
e) Caso se venha a verificar o incumprimento definitivo, o promitente comprar deverá, no prazo máximo de 48 horas, entregar ao promitente vendedor a fracção, livre de pessoas e vens e no mesmo estado de conservação.
SÉTIMO: O promitente vendedor e o promitente comprador, convencionam que as notificações e outras comunicações que devam ser efectuadas nos termos do presente contrato, serão feitas por escrito e realizadas por correio registado com aviso de recepção [para] os seguintes domicílios:
Para o promitente vendedor:
(…)
Para o promitente comprador:
Morada: Av. GG nº 18ª ... Carnaxide»;
3. A. e R. acordaram também, verbalmente, que este suportaria as despesas com o fornecimento de energia elétrica e abastecimento de água, durante a utilização da fracção;
4. O R. entregou ao A., a título de reforço de sinal, a quantia de €25.000,00, em 13/04/2018, e a quantia de €10.000,00, em 11/10/2018;
5. O R. só pagou até ao mês de Setembro de 2018, inclusive, a contrapartida mensal pela utilização imediata da fracção prevista na cláusula sexta, alínea b), do contrato referido em 2. Supra;
6. Em face do referido em 4. e 5. supra, DD, advogada, mandatada pelo A. para o efeito, comunicou ao R., por carta registada com aviso de recepção remetida em 13/12/2018, o seguinte:
«(…)
M/ Constituinte: AA
Assunto: Contrato de Promessa de Compra e Venda
Exmo. Senhor,
Na qualidade de mandatária do Sr. AA e na sequência do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o mesmo e V. Exa. venho transmitir o seguinte:
1. No dia 5 de março de 2018, foi celebrado contrato promessa de compra e venda cujo objecto foi a fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao R/C esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito em Rua 1 (…).
2. Aquando da celebração do contrato foi acordado entre as partes que o preço prometido era de €180.000,00 (…), sendo entregue, na data da assinatura do contrato, a quantia de €5.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
3. Mais convencionaram que seria efectuado um reforço do sinal no valor de €60.000,00 em prestações mensais e sucessivas, até ao prazo máximo de 180 dias a contar da data da assinatura do contrato, isto é, até ao dia 1 de Setembro de 2018 e que a quantia restante seria paga no ato da escritura definitiva de compra e venda, que se realizaria até ao dia 1 de setembro de 2018.
4. Convencionaram ainda que o não cumprimento do descrito nos pontos anteriores, implicava a perda definitiva de interesse pelo promitente vendedor na celebração do contrato definitivo e a consequente resolução do contrato.
5. Por fim, foi convencionado que como contrapartida da utilização imediata da fração, V. Exa. pagaria a quantia mensal de €366,00.
6. Sucede que na presente data V. Exa. se encontra em incumprimento do contrato promessa, uma vez que, ultrapassado o prazo de celebração da escritura definitiva, V. Exa. além de apenas ter entregue a quantia de €40.000,00 a título de sinal, encontra-se em dívida com a prestações mensais de €366,00 de outubro, novembro e dezembro de 2018.
7. Destarte, neste momento o M/Constituinte está em condições de considerar resolvido o contrato e perdido o sinal entregue.
8. Porém, para que V. Exa não perca o valor do sinal entregue e como derradeira oportunidade, propõe o M/Constituinte o seguinte:
- Seja celebrado novo contrato promessa de compra e venda, com o preço de €200.000,00;
- Que sejam pagas as prestações em dívida de €1.098,00 (€366,00 x 3) de imediato;
- A partir de janeiro de 2019, inclusive e até à celebração da escritura definitiva, o valor da prestação mensal pela ocupação da fração passe a ser de €725,00.
Estas são as condições do M/Constituinte para que a venda da fração se concretize, pelo que aguardamos o prazo de 8 dias pela v/ resposta, findo o qual avançaremos com a desocupação da fração.
(…)»;
7. Só após a receção da carta acima referida, o R. entregou ao A. a quantia de €25.000,00 em dívida, a título de reforço de sinal;
8. Por carta registada com aviso de receção, datada de 03/01/2018 e recebida em 04/01/2018, a Sra. Advogada DD comunicou ao R. o seguinte:
«(…)
M/ Constituinte: AA
Assunto: Contrato de Promessa de Compra e Venda
Exmo. Senhor,
Na qualidade de mandatária do Sr. AA e na sequência do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o mesmo e V. Exa. (…), venho expor o seguinte:
Tendo sido acordado entre as partes que a escritura definitiva de compra e venda, se realizaria no prazo máximo de 180 dias após a assinatura do contrato promessa, ou seja, até ao dia 1 de setembro de 2018, venho por este meio interpelar V. Exa. para o cumprimento do contrato promessa, informando que a escritura definitiva se encontra marcada para o próximo dia 18 de janeiro de 2019, pelas 11H, no Cartório Notarial Dr. EE, sito na Avenida 2.
Assim, solicitamos o envio dos seus elementos de identificação bem como a v/ comparência, na data, hora e local indicados.
(…)»;
9. Porém, no dia e hora marcados, o R. não compareceu no referido cartório notarial, para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, sem apresentar qualquer justificação para o efeito;
10. Assim, o A. enviou ao R., para a morada por este indicada na cláusula sétima do contrato referido em 2. supra, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 01/03/2019, comunicando-lhe o seguinte:
«(…)
Exmo. Senhor,
AA, na qualidade de promitente vendedor e na sequência do incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado com V. Exa. no dia 5 de março de 2018, cujo objecto foi a fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao R/C esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito em Rua 1 (…), nomeadamente por recusa de celebração da escritura definitiva, que teve lugar no dia 18 de janeiro de 2018, pelas 11H, no Cartório Notarial Dr. EE, sito na Avenida 2 e ao aumento do valor do imóvel no mercado imobiliário, perdi definitivamente o interesse na concretização do negócio e a consequente resolução do contrato.
Destarte, neste momento considero estar resolvido o contrato promessa e perdido o sinal entregue, devendo V. Exa. proceder à entrega do imóvel livre de pessoas e bens até ao próximo dia 15 de março de 2019, sob pena de ser instaurada a acção judicial com esse propósito.
(…)»;
11. No entanto, a carta acima referida foi devolvida ao remetente, por não reclamada.
12. À data da celebração do contrato referido em 2. supra, o R. era casado, mas encontrava-se separado de facto;
13. Em 26/03/2019, corria termos no Juízo de Família e Menores de Cascais (Juiz 2), sob o n.º 655/19.2T8CSC, uma ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge instaurada pelo R. contra a sua mulher, CC;
14. Em 12/04/2019, o R. pagou às respetivas entidades credoras as faturas respeitantes aos consumos de água e eletricidade no imóvel referido em 1 dos factos provados que estavam, à data, por regularizar.
*
Com relevo para o desfecho da causa, este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
1. Antes de formalizar o contrato referido em 2. dos factos provados, o R. informou o A. que apenas poderia celebrar o negócio definitivo após o seu divórcio;
2. E foi com base nesse pressuposto que as partes firmaram o referido contrato;
3. Posteriormente à celebração do contrato acima referido, o R. informou o A. da dificuldade que estava a enfrentar para alcançar o almejado divórcio, tendo sido neste contexto e para demonstrar a manutenção do interesse em adquirir o imóvel que o R. efetuou, em 11/10/2018, o pagamento referido em 7. dos factos provados;
4. Após a receção da carta referida em 6. dos factos provados, o R. pagou ao A., para além da quantia referida em 7., a quantia de €1.098,00, correspondente ao valor mensal da utilização da fração autónoma do objeto do contrato referido em 2. dos factos provados referente aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2018.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nesta sede, são duas as questões a apreciar e decidir: por um lado, a do (in)cumprimento do contrato promessa em causa e respetivos efeitos e, por outro lado, a da arguida litigância de má fé.
Vejamos.
DO (IN)CUMPRIMENTO DO CONTRATO PROMESSA E SEUS EFEITOS.
Os presentes autos referem-se a um contrato promessa bilateral de compra e venda de um imóvel: A./Recorrido e R./Recorrente obrigaram-se a celebrar um contrato de compra e venda relativamente a uma determinada fração autónoma de um edifício, assumindo aí as posições de promitente vendedor e promitente comprador, respetivamente.
Tal não merece discordância entre as partes.
O seu diferendo refere-se à ocorrência ou não de incumprimento definitivo do contrato promessa e aos efeitos daí decorrentes.
Basicamente,
- O Recorrente, promitente comprador, entende que inexiste termo final para a celebração do contrato prometido e não foi interpelado admonitoriamente, pelo que a resolução contratual do Recorrido é ilícita e o A. deve ser condenado a celebrar o contrato prometido,
- Por sua vez, o Recorrido, promitente vendedor, apelando ao clausulado entre as partes, alega que a mora do Recorrente e a não celebração por este do contrato prometido no dia e hora agendados justifica a consequente resolução do contrato promessa, com os efeitos indicados na decisão recorrida.
Apreciemos.
1. Em causa está um contrato promessa celebrado pelas partes na sua liberdade contratual, conforme disposto no artigo 405.º do CCivil, devendo, assim, antes de mais, proceder-se à interpretação de tal contrato e, na medida do necessário, à sua integração nos termos legalmente prescritos.
Ora, na interpretação e integração do negócio jurídico importa considerar o disposto nos artigos 236.º a 239.º do CCivil.
Nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do CCivil, «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».
Conforme artigo 237.º do CCivil, «[e]m caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios (…) onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações».
Segundo o disposto no artigo 238.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, «[n]os negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», sendo que «[e]sse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
Por sua vez, o artigo 239.º do CCivil preceitua que «[n]a falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta».
No que aqui releva, os negócios jurídicos devem ser interpretados na perspetiva do destinatário normal, entendido este como uma pessoa medianamente perspicaz, zelosa e correta, colocada na posição do destinatário real, sem olvidar a intenção do declarante, se conhecida, assim como as circunstâncias envolventes do negócio, segundo padrões de Justiça, sendo que estes padrões devem ser considerados quando ocorram eventuais dúvidas interpretativas nos negócios onerosos, bem como na integração de lacunas constantes do negócio caso normas legais supletivas ou a vontade presumível das partes for insuficiente ou inadequada à Justiça do caso.
Como refere Manuel Pita, Código Civil Anotado, volume I, com coordenação de Ana Prata, Almedina, edição de 2024, páginas 323 a 326, em anotação aos referidos artigos 236.º a 238.º do CCivil, «a declaração vale com um sentido que lhe possa ser atribuído por um declaratário, não com o sentido que lhe tenha sido atribuído pelo declarante. Mas este declaratário não é o declaratário real, é um declaratário normal, um cidadão honesto e diligente, colocado na posição do declaratário real, nas circunstâncias do declaratário real. Contudo, é o comportamento do declarante que deverá ser tido em conta pelo intérprete, e o sentido a deduzir pelo intérprete terá de ser imputável ao declarante: no dizer da lei, a declaração não pode ter um sentido com que o declarante não podia razoavelmente contar. Com este texto, o legislador pretendeu receber a teoria da impressão do destinatário».
Quando «a solução» interpretativa «é equivoca ou ambígua (…) prevalece nos negócios (…) onerosos (…) o» sentido «mais equitativo, o que conduzir a um maior equilíbrio das prestações».
O referido artigo 239.º do CCivil «enumera as fontes de integração. São elas as normas supletivas, a vontade conjetural das partes e a boa fé».
«As normas supletivas, que são utilizáveis apenas nos contratos típicos, podem ser insuficientes, caso em que a lacuna deverá preencher-se com a regra que as partes teriam estabelecido se tivessem previsto o ponto omisso, a chamada vontade conjetural ou hipotética. Mas a regulação de interesses alcançada com recurso à vontade das partes poderá ser contrária à boa fé, prevalecendo então a solução que seja imposta por esta».
Em matéria de interpretação do negócio jurídico, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.06.2022, processo n.º 1517/20.6T8FAR.E1.S1, refere que «[a] interpretação dos negócios jurídicos rege-se pelas disposições dos arts. 236 a 238 do CC, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário. Por conseguinte, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as respectivas negociações, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes».
«Interpretar uma declaração negocial é actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. E, como se viu, esta vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante».
Por sua vez, a propósito da integração do negócio jurídico, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.11.2021, processo n.º 8902/18.1T8LSB.L1.S1, refere que na falta de norma supletiva o artigo 239.º do CCivil remete «em primeira linha, para a chamada vontade hipotética ou conjectural das partes: o sentido do ponto omisso deve ser encontrado de acordo com “o modo como elas o teriam regulado se o ponto não tivesse ficado estranho às suas previsões”, seguindo o juiz “as indicações concretas de que disponha acerca do que provavelmente as partes teriam querido” ou, “quando por aí seja conduzido a um resultado pouco equitativo (…), decidir antes pelo que as partes deveriam ter querido”(…), considerando “as circunstâncias que dão ao contrato concretamente celebrado a sua individualidade”(…).
«O que mais importa é delimitar a integração no círculo da regulamentação concretamente estipulada, em função do que “um contraente honesto e razoável há-de admitir como exigido pelo contrato”(…)».
2. A boa fé constitui um princípio geral em matéria contratual.
O artigo 762.º, n.º 2, do CCivil dispõe que «[n]o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé».
Sob pena de incorrer em responsabilidade contratual, na execução do contrato, devem as partes proceder com correção, lealdade, honestidade, de forma correta, adequada, na situação jurídica em causa.
A boa fé constitui, assim, um padrão de conduta que reclama dos contraentes deveres de cooperação e, em particular, deveres de segurança, informação e lealdade próprios do sistema jurídico.
Como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, edição de 2017, página 269, a referência à boa-fé «equivale a uma remissão para os valores fundamentais do sistema, presentes nas situações consideradas. Os valores em causa são mediados, como é sabido, pelos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente (…). O seu alcance é inesgotável. Analiticamente, ela origina deveres de segurança, de informação e de lealdade, como referido e em termos hoje pacíficos na jurisprudência. (…)
No mesmo sentido refere Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da Universidade Católica Editora, 2018, páginas 1030 e 1031, em anotação ao referido artigo 762.º do CCivil, «[r]eleva-se a aceção objetiva da boa-fé, enquanto norma de conduta ou critério do agir humano. (…) A diretriz proclamada titula um limite à liberdade negocial (cfr. artigo 405.º), determinando os sujeitos a atuar, na realização do direito e no cumprimento das obrigações correspondentes, de forma reta, leal e honesta, observando elevados padrões de lisura e de probidade, e em termos que contemplem o interesse da contraparte. A boa-fé conforma, nesta medida, os termos da execução da prestação debitória, impondo um cumprimento, não meramente formal, mas também material, isto é, em termos adequados à realização do interesse do credor».
«O princípio da boa-fé tem uma importância genética, na medida em que fundamenta a constituição de deveres acessórios ou laterais de conduta, não diretamente explicitados num preceito da lei nem no conteúdo contratual. Neste sentido, o cumprimento (…) da prestação tem de ser acompanhado, sempre que as circunstâncias do caso o reclamem (…) pela observância de deveres de cuidado (…), de proteção, de informação e de lealdade. A boa-fé reclama dos contraentes, pois, estritos deveres de cooperação (…)».
Também no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2016, processo n.º 2683/12.0TJLSB.L1.S14654D, «[a] imposição do princípio da boa-fé como regra de conduta, abarca um conjunto de deveres que incluem, entre vários outros, os de informação, de proteção e de lealdade, que visam, no essencial, proteger a confiança (…)».
«Trata-se da boa-fé, em sentido objectivo, que se traduz num princípio normativo transpositivo e extra-legal que, aplicado aos contratos, constitui uma regra de conduta, segundo a qual os contraentes devem agir de modo honesto, correto e leal, “vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato” (…)».
«(…) A boa-fé contratual impõe uma conduta conscienciosa e honesta, uma linha de correcção e probidade, um comportamento de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade, que gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade (…), de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar».
3. Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, do CCivil, «[é] admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção».
Ou seja, a resolução, enquanto forma de extinção unilateral do contrato, pode decorrer da lei ou do próprio contrato outorgado pelas partes, denominando-se resolução legal e convencional, respetivamente.
Como refere Daniela Farto Baptista, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição UCE, de 2018, página 140, em anotação ao referido artigo 432.º, «[e]m qualquer dos casos, estamos perante um verdadeiro direito potestativo extintivo que só é reconhecido quando, depois da celebração do contrato, se verifica algum dos factos legal ou convencionalmente consagrados como fundamento de resolução».
Quanto à resolução legal, o artigo 410.º, n.º 1, do CCivil dispõe que ao contrato promessa «são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido».
A aplicação do princípio da equiparação consagrado naquela norma justifica que em matéria de incumprimento definitivo do contrato promessa seja considerado o disposto nos artigos 790.º, impossibilidade objetiva, 801.º, impossibilidade culposa, e 808.º, perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento.
In casu, não estando em causa uma situação de impossibilidade, objetiva ou culposa, releva aquele último preceito legal: perda de interesse do credor ou recusa de cumprimento do devedor.
4. Nos termos do artigo 808.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, «[s]e o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação», sendo que, no que respeita àquele primeiro segmento, «[a] perda de interesse na prestação é apreciada objetivamente».
Conforme decorre do referido normativo, para os respetivos efeitos, a perda de interesse do credor ou a recusa de cumprimento do devedor só revelam se este estiver em mora, o que apenas sucede quando, «por causa (…) imputável» ao devedor, «a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido», conforme artigo 804.º, n.º 2, do CCivil.
A perda de interesse do credor, apreciada em termos objetivos, impõe que o interesse daquele seja valorado segundo critérios de razoabilidade no contexto negocial em causa, postergando-se, pois, de todo em todo, o livre arbítrio do credor.
Como referem Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da UCE, de 2018, página 1142, em anotação ao referido artigo 808.º do CCivil, “embora a importância” do “interesse deva ser «aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor» (Almeida Costa, [Direito das Obrigações] 2009: 1054)”, exige-se “que esse juízo surja alicerçado em elementos suscetíveis de serem valorados segundo um critério de razoável normalidade negocial, própria do comum das pessoas (Acs. STJ 12.01.2020 e 28.06.2011), no quadro específico do complexo contratual em causa, que permitam concluir pela afetação objetiva da economia da relação. Importa, contudo, precisar que a rejeição de um juízo puramente subjetivo não determina o abandono da consideração do interesse subjetivo do credor, exigindo-se apenas que à perda subjetiva do interesse corresponda a suscetibilidade de justificação objetiva (…)”.
Por sua vez, a recusa de cumprimento do credor enquanto causa de incumprimento definitivo da obrigação pressupõe que a prestação não seja cumprida em prazo considerado adequado para tal, indicado para o efeito pelo respetivo credor, na denominada interpelação admonitória.
Como refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume II, edição de 2018, página 242, em tal situação, «o credor mantém o interesse na prestação, não obstante a mora, mas apesar disso não se considera justificado admitir a possibilidade de eternização da situação. O credor tem, por isso, a faculdade de determinar a transformação da mora em incumprimento definitivo, através da fixação, em termos razoáveis, de um prazo suplementar de cumprimento, com a advertência de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida após o decurso deste (intimação admonitória). Caso este aviso não seja respeitado pelo devedor, importará o incumprimento definitivo da Obrigação (…)».
5. Nos contratos bilaterais, o incumprimento definitivo decorrente de perda de interesse do credor ou de recusa do cumprimento do devedor confere àquele o direito de resolver o contrato, independentemente do direito à indemnização, conforme disposto nos artigos 808.º, n.º 1, e 801.º, n.º 2, do CCivil.
No que aqui releva, quanto ao contrato promessa de compra e venda com sinal, o incumprimento definitivo do promitente comprador implica a perda do sinal conferido por este, ao passo que o incumprimento definitivo do promitente vendedor implica a entrega por este ao promitente comprador do valor correspondente ao dobro do sinal, conforme disposto no artigo 442.º, n.º 2, 1.ª parte.
6. No caso em apreço.
Quanto ao contrato promessa em causa em si mesmo, apurou-se que as partes acordaram que:
(i) O reforço do sinal de €60.000,00 seria feito em prestações mensais sucessivas no prazo máximo de 180 dias, contados da assinatura do contrato, isto é, contados do dia 05.03.2018 e, pois, acordaram que o reforço do sinal seria feito até ao dia 01.09.2018, conforme respetiva cláusula 3.ª, alínea b), indicada no facto provado 2.;
(ii) A falta de reforço do sinal naquele prazo e a recusa do promitente comprador em celebrar o contrato prometido no mesmo prazo, com pagamento integral do preço da compra e venda, implicaria a perda definitiva de interesse do promitente vendedora na celebração do contrato prometido e a consequente resolução contratual, conforme respetiva cláusula 3.ª, alínea c), referida no facto provado 2.;
(iii) O indicado prazo de 180 dias para celebração do contrato prometido poderia ser prorrogado, por acordo das partes, sendo neste caso feita uma adenda por escrito ao contrato promessa, conforme respetiva cláusula 3.ª, alínea d), referida no facto provado 2.;
(iv) Em caso de recusa de celebração do contrato prometido, a perda do sinal ou a sua restituição em dobro constituiriam a compensação por danos e perdas, respetivamente, no caso de recusa do promitente comprador e promitente vendedor, conforme respetiva cláusula 4.ª, indicada no facto provado 2.
No que respeita ao sucedido após a celebração do contrato, ficou provado que:
(v) Em 13.04.2018 o promitente comprador entregou ao promitente vendedor a quantia de €25.000,00 como reforço de sinal, conforme facto provado 4;
(vi) Em 11.10.2018 o promitente comprador entregou ao promitente vendedor a quantia de €10.000,00 como reforço de sinal, conforme facto provado 4;
(vii) Em 13.12.2018 o A., promitente vendedor, através da sua Ilustre Advogada, remeteu uma carta ao R., na qualidade de promitente comprador, na qual acusava a falta de pagamento da quantia de €25.000,00 a título de reforço de sinal e lhe dava conta de que estava em condições de considerar resolvido o contrato promessa, com perda de sinal por parte do promitente comprador, propondo então a este a celebração de um novo de um novo contrato promessa, conforme facto provado 6.;
(viii) Após a receção daquela carta, o promitente comprador entregou ao promitente vendedor a quantia de €25.000,00 como reforço de sinal, conforme facto provado 7.;
(ix) Por carta de 03.01.2019, recebida do dia seguinte, o promitente vendedor interpelou o promitente comprador para o cumprimento do contrato promessa e informou-o que a escritura definitiva estava marcada para o dia 18.01 seguinte, pelas 11 horas, no Cartório Notarial Dr. EE, sito na Avenida 2, no Cartaxo, conforme facto provado 8.;
(x) O promitente comprador não compareceu naquela data e local indicados e nada mais disse quanto a tal, conforme facto provado 9.;
(xi) Em carta datada de 01.03.2019, o promitente vendedor comunicou ao promitente comprador que havia perdido definitivamente o interesse na celebração do contrato prometido, por recusa do promitente comprador em celebrar o mesmo, termos em considerava resolvido o contrato promessa, com perda do sinal entregue, conforme facto provado 10.
Atenta a factualidade apurada, consideramos que a cláusula 3.ª, alínea c), do contrato promessa em apreço constitui uma cláusula resolutiva convencional, conforme referido artigo 432.º, n.º 1, do CCivil.
Nos termos daquela cláusula o promitente vendedor, aqui Recorrido, adquiriu o direito de resolver o contrato na falta de reforço de sinal no valor de €60.000,00 no prazo de 180 dias da celebração do contrato promessa ou em caso de recusa do promitente comprador em outorgar o contrato prometido.
Diversamente do alegado pelo Recorrente, o emprego naquela cláusula da conjugação coordenativa aditiva «e» não significa que a resolução convencional pressuponha a ocorrência simultânea de falta de reforço de sinal e recusa de outorga do contrato prometido por parte do promitente comprador, pois de contrário bastaria haver reforço de sinal para nunca o promitente vendedor lograr a resolução convencional estipulada na referida cláusula, o que seguramente esvaziaria em muito o pretendido sentido desta no contexto contratual em causa e não foi pretendido pelas partes, designadamente pelo promitente vendedor, desequilibrando a relação contratual em causa em prejuízo do mesmo.
É certo que o contrato promessa em causa não estipulava um termo final perentório para outorga do contrato prometido, um prazo fixo absoluto, para o efeito, pois conforme respetiva cláusula 3.ª, alínea d), as partes poderiam prorrogar a sua celebração para data posterior a 01.09.2018.
No contexto negocial em causa exigia-se, contudo, para tal «uma adenda por escrito ao contrato promessa», o que não aconteceu, não tendo o promitente comprador manifestado vontade em alterar o contrato promessa perante proposta do promitente vendedor nesse sentido, conforme facto provado 6, pelo que o prazo estipulado de 180 dias para a celebração do contrato prometido manteve-se inalterado.
A falta de comparência do promitente comprador à outorga do contrato prometido e o seu absoluto silêncio quanto a tal durante mais de um mês, consubstanciando, no fundo, numa negação em celebrar o contrato prometido, confere ao promitente vendedor o direito de «resolução do (…) contrato promessa», conforme cláusula 3.ª, alínea c), deste, resolução essa inequivocamente expressa na referida carta do R. de 01.03.2019, conforme facto provado n.º 10.
Dito de outro modo, a comparência na escritura pública era a derradeira oportunidade para o R./Recorrente cumprir o contrato promessa.
Não o fazendo, como sucedeu, o A./Recorrido, promitente comprador, poderia resolver o contrato promessa, como fez, sem necessidade de interpelação admonitória ou se verificar a perda de interesse, conforme artigo 808.º do CCivil.
Como já se referiu, «no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé» e, pois, com correção e de modo adequado à situação jurídica em causa, sendo que na situação vertente impunha-se que o R./Recorrente, enquanto promitente comprador, procedesse de modo a outorgar-se o contrato prometido, o que não sucedeu, de todo em todo, pois remeteu-se ao silêncio, aparentemente até 03.09.2019, data em que apresentou a sua contestação nos presentes autos, embora em 04.01.2019 tenha recebido carta do R. a agendar a celebração do contrato prometido para 18.01 seguinte e o R. lhe tenha remetido nova carta datada de 01.03.2019.
No contexto apurado, as entregas monetárias do promitente comprador feitas após 01.09.2018, no valor total de €35.000,00, (€10.000,00 + €25.000,00), devem ser consideradas como reforço do sinal e, pois, revestem a natureza deste.
O recebimento daquelas após 01.09.2018 não conferem ao promitente comprador o direito de protelar ad aeternum a celebração do negócio prometido, como sugere o Recorrente, antes exigindo deste uma atitude proativo quanto a tal celebração segundo os ditames da boa fé.
Em razão da resolução convencional, carece de qualquer sentido a exigência de uma interpelação admonitória como condição de resolução do contrato promessa, tal como o é a invocação do abuso de direito na matéria.
Procede, pois, a resolução contratual, conforme designadamente cláusula 3.ª, alínea c), do contrato promessa e artigos 432.º, n.º 1, e 442.º, n.º 2, 1.ª parte, do CCivil, termos em que o A./Recorrido tem direito a fazer sua a quantia de €65.000,00 entregue pelo R./Recorrente a título de sinal, bem como tem igualmente direito à restituição da referida fração autónoma, improcedendo, pois, a requerida condenação do A./Recorrido a celebrar o contrato prometido.
Em suma, no que respeita ao contrato promessa em causa, (in)cumprimento e efeitos daí decorrentes, considera-se infundada a pretensão do Recorrente.
*
DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
As partes requereram a condenação da contraparte como litigante de má fé, tendo o A. igualmente suscitado a responsabilidade da Ilustre Advogada do R. na matéria.
Consideremos.
Segundo o disposto no artigo 542.º, n.º 2, do CPCivil,
«Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Está em causa a postura ignóbil, processual ou substancial, ativa ou omissiva, dolosa ou com negligência grave, de quem é parte em processo judicial.
Como referem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume I, edição de 2022, página 104, «[a] litigância de má fé pressupõe que a parte actua com dolo ou negligência grave, de forma diferente daquela que é devida e esperada, violando, nomeadamente, os deveres de lealdade e de probidade».
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Lima, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, páginas 615 a 617, em anotação ao referido artigo 542.º, «(…) o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência, a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual (…).»
«Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer como um meio de impedir a descoberta da verdade, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios. Abarca ainda os casos em que se pretende impedir o trânsito em julgado da decisão e, deste modo, prejudicar a contraparte na tutela ou na realização do direito substantivo que através da decisão lhe seja reconhecido».
No que respeita ao juízo de censurabilidade, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2023, processo n.º 4349/20.8T8LRS-C.L1.S1, «a lei não exige o dolo, bastando-se com a negligência grosseira. Não se torna, pois, necessário a prova da consciência da ilicitude do comportamento do litigante e da intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, bastando tão só que, à luz dos concretos factos apurados, seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação».
«O Código de Processo Civil, no artigo 542.º, passou a adotar o aforismo tradicional que equipara a culpa lata ao dolo com o intuito de atingir uma maior responsabilização das partes».
Na situação vertente.
Considerando os articulados das partes e o processado, não se vislumbra que as mesmas tenham litigado de má fé, quer do ponto vista substancial, quer em termos processuais, nos termos indicados.
As partes foram veementes na assunção dos seus pontos de vista, enaltecendo aspetos que lhes eram favoráveis ou tendencialmente mais favoráveis, e desvalorizando ou descorando outros menos favoráveis às suas pretensões, sem, contudo, ultrapassarem limites que se têm ainda por aceitáveis.
Improcede, pois, a condenação das partes como litigantes de má fé, assim como o peticionado nessa sede quanto à Ilustre Advogada do R.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão do R./Recorrente, pelo que este deve suportar as custas do recurso.

V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo R./Recorrente.

Lisboa, 11 de setembro de 2025
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira
Laurinda Gemas