Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | HÉLDER ROQUE | ||
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA APRECIAÇÃO DA PROVA REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONTRATO DE COMPRA E VENDA CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL BOA FÉ DEVER DE INFORMAÇÃO PRESTAÇÃO OBJECTO INDETERMINAVEL OBJETO INDETERMINÁVEL OBRIGAÇÃO PROPTEM REM CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL CLÁUSULA PENAL ABUSO DO DIREITO NULIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/21/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA DA RÉ. CONCEDIDA, EM PARTE, A REVISTA DOS AA. | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES GENÉRICAS / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA PRESTAÇÃO. | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, reelaborada, Almedina, 2006, 709, 735. - Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2001, 261 e 262. - António Raposo Subtil, O Contrato e a Intervenção do Juiz, Vida Económica, 2012, 57 a 59. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2.ª edição, 1974, 347 e nota (2). - Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito, 526 e nota (46). - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, 344 a 349. - Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, 3.ª edição, Almedina, 100, 281 a 291. - Joaquim de Sousa Ribeiro, “Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais”, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, 184, 208, 259. - Menezes Cordeiro, “Contrato-Promessa – artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil – Abuso de Direito – Inalegabilidade Formal”, R.O.A., Julho de 1998, II, 964; Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, Coimbra, 1984, 650 e 651; Direito das Obrigações, 1.º volume, A.A.F.D.L., 1990, 345; Impugnação Pauliana, Fiança de Conteúdo Indeterminável, CJ, Ano XVII (1992), T3, 61; Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2.ª edição, 2000, 241 a 248, 250 a 252. - Orlando Gomes, Contratos, 19.ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999, 42. - Paulo Mota Pinto, “Sobre a proibição do comportamento contraditório (Venire contra factum proprium) no Direito Civil”, B.F.D.U.C., volume comemorativo (2003), 276. - Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I, Lisboa, 1972, 62. - Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1968, nota (166). - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I, 4.ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 258, 350. - Pires de Lima, na R.L.J., Ano 100.º, 329, em anotação ao Acórdão do S.T.J., de 3-3-1967. - Vaz Serra, “Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil)”, B.M.J., n.º 85, 253; na R.L.J., Ano 111.º, 102 e 296. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 239.º, 280.º, N.º1, 334.º, 400.º, N.ºS 1 E 2, 405.º, N.º1, 424.º, N.º 1, 539.º, 542.º, N.ºS 1 E 2, 810.º, N.º 1, 812.º, Nº 1, 1172.º, 1306.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 5, 1004.º, N.º1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º, N.º1. D.L. N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO [REGIME JURÍDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (RJCCG)]: - ARTIGOS 1.º, 5.º, N.ºS 1 E 3, 6.º, N.º 1, 8.º, ALS. A) E B), 12.º, 15.º, 16.º, 18.º, ALS. J) E L), 19.º, C), 20.º, 21.º, ALS. B), D) E E). | ||
Legislação Comunitária: | DIRETIVA 93/13/CE: - ARTIGO 3.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19-2-1991, NA R.O.A., ANO 51.º, 525 E SS.; -DE 28-6-1994, C.J. (S.T.J.), ANO II, T2, 157; -DE 22-11-1995, B.M.J. N.º 451, 406; -DE 1-10-1996, P.º N.º 96B053, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 14-1-1997, P.º N.º 605/96, 1ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT ; -DE 3-2-1999, B.M.J. N.º 484.º, 333; -DE 9-2-1999, P.º N.º 98A1238, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 30-9-1999, C.J. (S.T.J.), ANO VII (1999), T3, 48; -DE 19-10-1999, B.M.J. N.º 490.º, 262; -DE 24-01-2002, C.J. (S.T.J.), ANO X, T1, 51; DE 17-01-2002, C.J. (S.T.J.), T1, 48; DE 19-10-2000, C.J. (S.T.J.), ANO VIII, T3, 83; DE 05-02-1998, B.M.J. N.º 474, 431; DE 03-05-1990, B.M.J. N.º 397, 454; -DE 25-2-2003, C.J. (S.T.J.), ANO XI (2003), T1, 109; DE 30-1-1997, P.º N.º 96B751/96, 2.ª SECÇÃO. -DE 18-5-2004, P.º N.º 04A1417, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 13-3-2007, Pº Nº 07A402, 1ª SEÇÃO, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 28-4-2009, P.º N.º 09A0457, 6.ª SEÇÃO, WWW.DGSI.PT ; -DE 6-7-2011, P.º N.º 3612/07.OTBLRA.C2.S1, 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Tendo a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova subjacente a aplicação de máximas de experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se exige, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico, a sua avaliação está, porém, fora de qualquer controlo, por parte do STJ, que se encontra impedido de criticar a escolha da valoração da credibilidade de um determinado meio de prova, em detrimento doutro, muito embora a legalidade daquela regra de experiência, como norma geral e abstrata, possa, eventualmente, ser questionada, na hipótese de carecer de razoabilidade, demonstrando-se que um determinado meio de prova prestado, em si mesmo considerado, permite concluir que a versão que apresenta é objetivável, ou seja, é compatível com o sentido comum, o que acontece, desde que qualquer pessoa aceite como bom o raciocínio explanado. II - A definição da hierarquia dos meios de prova de livre apreciação, pelo tribunal, e bem assim como a consideração de certas provas, em detrimento da desconsideração de outras, ou de determinados depoimentos, em primazia de outros, sustenta-se no princípio da convicção racional. III - A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o sujeito «passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõem algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto. IV - Não tendo o predisponente demonstrado, como lhe competia, que as cláusulas controvertidas resultaram de negociação prévia entre as partes, está-se perante cláusulas contratuais gerais, revestindo os contratos de prestação de serviço, coligados aos contratos de compra e venda, a natureza de contratos de adesão, que aquele sujeitou, inelutavelmente, à aceitação dos aderentes. V - A boa fé contratual impõe às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade, de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. VI - Os critérios da boa fé permitem alcançar a indicação dos modos corretos de efetuar a prestação e de exigir o seu cumprimento, demarcando certos limites do exercício legítimo de um poder, formalmente, reconhecido pela ordem jurídica, no quadro da cláusula geral do abuso do direito. VII - A cláusula contratual que contempla uma obrigação do comprador de efetuar uma prestação pecuniária, de conteúdo variável, como contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, sem uma específica discriminação dos seus termos, torna imprecisa, por falta de rigor e transparência, a prestação devida, podendo ocasionar prejuízos relevantes para o adquirente, não justificáveis pelos legítimos interesses do vendedor, ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação, consubstanciando uma cláusula contratual geral contrária à boa fé e, consequentemente, nula. VIII - Não se encontrando a prestação pecuniária, contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, a cargo do comprador, inicialmente, determinada, não é de natureza indeterminável, podendo vir a sê-lo, posteriormente, porquanto, tratando-se embora de uma obrigação pecuniária, é, no fundo, uma obrigação genérica. IX - O critério que deve presidir à individualização da prestação, na ausência de estipulação legal, deve orientar-se por uma escolha honesta, integrando-se a declaração negocial de harmonia com a vontade que as partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, atento o preceituado pelo art. 239.º, do CC. X - Não é válida a obrigação sempre que o objeto da prestação se não encontre, desde o momento da celebração do negócio, completamente, individualizado, e nem possa vir a ser concretizado, em momento posterior, por falta, ou, eventual inoperância, de um critério, para esse efeito, estabelecido pelas partes, no respetivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas, ou com recurso ao critério supletivo dos juízos de equidade. XI - Não pode revestir natureza «propter rem» a obrigação assumida pelos adquirentes de lotes de terreno compreendidos em dado empreendimento urbanístico, de realizarem determinadas obras destinadas a assegurar a harmonia estética do conjunto, ou de contribuírem, segundo certa proporção, para um fundo afetado ao pagamento de serviços (v. g., de vigilância ou de limpeza) de que todos beneficiem, apenas podendo produzir as obrigações desta índole, efeitos «inter partes», não vinculando os sub-adquirentes, nem os adquirentes, a título originário, dos prédios em relação aos quais foram assumidas. XII - Obrigando-se o comprador a aceitar os serviços prestados pelo vendedor, ou por quem este designar, sem possibilidade de recusa ou, por qualquer forma, de oposição, impedimento ou criação de entraves à sua prestação e, caso venha a proceder à transmissão ou arrendamento do bem adquirido, ficando os terceiros adquirentes ou arrendatários obrigados a incluir, como condição escrita dos respetivos contratos, a aceitação e cumprimento das obrigações atrás assumidas, foram criadas obrigações cujo tempo de vigência, apenas, depende da vontade do vendedor-predisponente. XIII - Não podendo ser criadas obrigações que vinculem, também, terceiros, sem o consentimento destes, impondo-se uma obrigação a todo aquele que, no futuro, venha a ser proprietário de uma coisa, semelhante cláusula contratual geral, ao estabelecer uma obrigação cujo tempo de vigência depende, apenas, da vontade do predisponente, é, absolutamente, proibida, e, portanto, nula. XIV - Permitindo uma cláusula contratual ao vendedor ceder a sua posição contratual a terceiro, não, previamente, identificado, ou com ele sub-contratar, sem necessidade de autorização do comprador, constitui uma cláusula contratual geral, absolutamente, proibida, e, portanto, nula. XV - A validade da cessão da posição contratual depende, invariavelmente, do consentimento do cedido, que pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato causal ou instrumental da cessão, sendo certo que se o consentimento for anterior à cessão, esta só produz efeitos, a partir da sua notificação ou reconhecimento, que não é passível de ser prescindida pelas partes, em documento anterior, para mais constante de uma cláusula contratual geral declarada nula. XVI - A cláusula penal que se fixou num montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida, no ano em que tiver ocorrido a violação, traduz-se numa cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, se não mesmo, manifestamente, excessiva, sujeita a redução judicial equitativa e, como tal, enquadrando uma cláusula contratual geral, relativamente, proibida, e, portanto, nula. XVII - A «neutralização do direito», figura próxima do «venire contra factum proprium», impõe a combinação de duas circunstâncias, ou seja, que o titular do direito deixe passar longo tempo sem o exercer, e ainda que, com base nesse decurso de tempo e numa particular conduta do referido titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convicção justificada de que o direito já não será exercido, a qual, movida por essa confiança, adotou programas de ação, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado. XVIII - Os autores, ao arguirem a nulidade das cláusulas do contrato de prestação de serviço, em consequência da alteração do circunstancionalismo ocorrido aquando da celebração dos contratos-promessa e dos subsequentes contratos prometidos, em função da nova realidade urbanística que, afinal, ao arrepio do que, razoavelmente, se afigurava ser uma zona de condomínio fechado, passou a constituir, de facto, uma zona de acesso livre, a todas as pessoas, embora mantendo a obrigação de pagamento à ré, como contrapartida pelos serviços prestados pela mesma com a vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, não assumiram uma conduta contraditória com a sua antecedente posição, de modo a criar na ré a legitima confiança de que não iriam questionar as cláusulas do contrato e a sua validade, não representando a propositura da acção, no contexto fático considerado, um exercício, desequilibradamente, desproporcional, em relação à posição jurídica, precedentemente, assumida, reveladora da figura do abuso do direito. XIX - O problema da eficácia do princípio da igualdade, em relação a particulares, fora do âmbito dos direitos fundamentais de igualdade e análogos, consiste em saber se, enquanto princípio objetivo de ordem constitucional, pode ser transformado em princípio objetivo de ordem jurídica privada, sobretudo, no direito civil. XX - Como expressão da «constitucionalização do direito civil», admite-se ainda, mas em menor escala, a relevância do princípio da igualdade, nas relações privadas, em matéria de atos jurídicos individuais de natureza discriminatória, mas sem que tal implique uma limitação da autonomia privada e da liberdade negocial, pelo que, salvo nas hipóteses em que a aplicação do princípio da igualdade às relações privadas resulta, diretamente, da Constituição, não se impõe, determinativamente, a toda a ordem jurídica. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:
AA e BB, como 1.ºs autores, e CC e DD, como 2.ºs autores, propuseram a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra “EE, S.A.” e “FF, Lda”, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, sejam declaradas nulas as cláusulas que compõem o contrato (documento complementar) em questão, por violação dos dispositivos legais infra-referidos, e bem assim como do preceituado no artigo 8º, alínea b), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), e ainda que todas as prestações cujo pagamento tenha sido exigido aos 1ºs e 2ºs autores, no âmbito dos serviços que as rés alegam ter-lhes prestado, sejam consideradas ilegais e abusivas, assim se desonerando os 1.ºs e 2.ºs autores de tal pagamento. Os autores alegam, em síntese, como fundamento do pedido, que a ré “EE, S.A.” é uma sociedade que se dedica à compra e venda de bens imobiliários e a ré “FF, Lda” uma sociedade que se dedica à gestão e exploração de equipamentos desportivos. Em 2 de março de 1998, os autores AA e BB compraram à ré “EE” um lote de terreno para construção, sito na Herdade da …, concelho de …, e, em 7 de novembro de 2000, os autores CC e DD compraram à aludida ré um outro lote de terreno para construção, também, sito na Herdade da …, sendo certo, porém, que, sem advertência ou explicação prévia, aquando da celebração da escritura, os autores foram confrontados com uma condição da compra e venda, traduzida na obrigatoriedade da subscrição de um documento complementar que consubstanciava um contrato de prestação de serviços, que é um contrato de adesão, cujas cláusulas não foram negociadas, nem explicadas aos autores, e que violam o disposto nos artigos 5.º, 21.º, b), 15.º, 18.º, j) e l) e 13.º, do RJCCG, e 13.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), muito embora, por ocasião da contratação, os autores estivessem convencidos de que os imóveis que haviam adquirido se integrariam num condomínio privado, vedado ao público, quando, afinal, tal não era verdade, tendo o Município de … ordenado, administrativamente, que as portarias com cancela existentes na Herdade fossem retiradas. Alegam ainda os autores que as rés não estavam a prestar os serviços anunciados, os quais, de todo o modo, fazem parte das atribuições e obrigações do Município e, por conseguinte, não devem ser cobrados aos proprietários, além de que nem todos os proprietários tiveram de assinar o referido documento complementar. Na contestação, as rés defendem-se, por exceção, arguindo a ré “EE” a sua ilegitimidade, na medida em que os contratos de compra e venda haviam sido celebrados entre os autores e a sociedade “GG, S.A.”, após o que esta sociedade se fundiu, por incorporação, com a ré “EE”, e, em 31 de julho de 2007, esta foi objeto de cisão, com destaque de parte do seu património, que foi incorporado na ré “FF”, que assumiu todos os direitos e obrigações inerentes aos contratos de prestação de serviço objeto destes autos. As rés invocam ainda a existência de caso julgado, quanto aos autores AA e BB, na medida em que, em ação instaurada pela ré “FF” contra aqueles autores, estes foram condenados no pagamento de prestações em atraso, referentes ao contrato de prestação de serviço a que estes autos respeitam, sendo certo, por outro lado, que está em discussão, nos tribunais administrativos, a questão da legalidade das referidas portarias com cancela, o que constitui questão prejudicial que deveria impor a suspensão da presente instância. Mais afirmam as rés que a “GG” esclareceu, devidamente, os autores quanto ao sentido das cláusulas ora controvertidas, que com elas concordaram, expressamente, sendo certo que já figuravam nos respetivos contratos-promessa, e que os imóveis dos autores estão integrados num empreendimento turístico, sujeitos ao regime jurídico, fixado pelo DL n.º 228/2009, de 14 de setembro, que impõe aos proprietários a obrigação de contribuírem para as despesas comuns. As rés concluem a contestação com o pedido da procedência das exceções arguidas, com a consequente absolvição da instância “e” do pedido, “devendo por isso a presente acção ser julgada improcedente”. Na réplica, os autores sustentam a improcedência das exceções deduzidas, requerendo a ampliação da causa de pedir, consubstanciada na alegação de que o “documento suplementar” não satisfazia as exigências do regime jurídico dos empreendimentos turísticos, devendo as respetivas cláusulas serem julgadas nulas, também, com esse fundamento. No despacho saneador, a ré “EE” foi absolvida da instância, por ilegitimidade processual, julgando-se improcedente a exceção do caso julgado, e indeferiu-se a requerida suspensão da instância, admitindo-se a ampliação do pedido e da causa de pedir. A sentença julgou a ação não provada e improcedente e, consequentemente, absolveu a ré “FF” do pedido. Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado “a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição julga-se a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência: a) Declara-se a nulidade da cláusula consubstanciada no segmento “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, contida na “cláusula primeira” dos contratos de prestação de serviços supra referidos nos números 6 e 8 da matéria de facto; b) Declara-se a nulidade das cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 6 da matéria de facto; c) Declara-se a nulidade das cláusulas quarta e sétima do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto; d) Absolve-se a 2.ª R. do demais peticionado”. Do acórdão da Relação de Lisboa, a ré “FF” interpôs agora recurso de revista independente, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, na parte em que foi vencida, julgando-se a acção, inteiramente, improcedente por não provada, tal como o havia sido considerado pela sentença de 1ª instância, absolvendo-se a ré da totalidade do pedido, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª - O objeto do presente recurso reside apenas na parte em que a recorrente ficou vencida, ou seja, na parte em que o douto Acórdão recorrido, declarou: a) a nulidade do segmento "nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuado", contida na "cláusula primeira" dos contratos de prestação de serviços referidos nos números 6 e 8 da matéria de facto; b) a nulidade das cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 6 da matéria de facto e Nulidade da cláusula quarta e sétima do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto; c) Não existir abuso de direito com que concerne à arguição da nulidade das cláusulas atinentes à perpetuação da vinculação dos aderentes e à indefinição unilateral das prestações devidas. 2ª - O segmento da Cláusula 1ª que foi declarado nulo não o deveria ser, pois não viola o artigo 15º, 12º, nem o art. 21º alínea b), d) e e) do RJCCJ, antes está de acordo com as características e tipo do contrato em causa - contrato de prestação de serviços geneticamente coligado com o contrato de compra e venda - prevista no artigo 1154º e seguintes do Código Civil. 3ª - Analisada a matéria de facto provada e constante dos números 6 e 8, verifica-se que e ao contrário do entendimento sufragado no Acórdão recorrido, não existe omissão de qualquer aspeto jurídico, nem de qualquer questão material do contrato que possa consubstanciar uma nulidade. 4ª - Nos termos da cláusula primeira dos contratos, para além de estarem concretamente identificados os serviços a prestar, e que consistem na manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixo doméstico, encontra-se expressamente identificado que tais serviços são prestados a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos", pelo que não existe qualquer indefinição do padrão do serviço a relevar. 5ª - No caso em apreço há que atender à diferença do conteúdo contratual do contrato em apreciação, prestação de serviços coligado como documento complementar na escritura de compra e venda de imóveis, de um vulgar contrato de adesão em que o conteúdo contratual é impossível de verificar antes da adesão. 6ª - No caso em apreço os autores conseguiram indagar antes da compra do imóvel e da celebração do contrato de prestação de serviços, geneticamente coligado, o grau de qualidade dos serviços a contratar e os moldes em que eram prestados, pelo que não se pode aceitar o entendimento de que há omissão de conhecimento por parte dos autores. 7ª - Pela natureza e objeto do contrato é notório que os autores tiveram, previamente à contratação dos serviços, perfeito conhecimento dos serviços contratados, seus termos e qualidade. 8ª - Não existindo qualquer omissão de requisito legal ou elemento material do contrato. 9ª - A expressão nos mesmos moldes não afeta qualquer elemento essencial do contrato, nem diminuiu qualquer garantia, faculdade ou direito dos autores. 10ª - A faculdade de verificar ou estabelecer a qualidade dos serviços prestados, não se faz, nem sequer de forma indireta, pelo segmento identificado. 11ª - O segmento "nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada", não passa de uma identificação do tipo e qualidade de serviços que as partes têm conhecimento no momento da sua celebração e que é objeto de advertência pelo notário. 12ª - O teor integral da cláusula primeira confere aos beneficiários dos serviços a possibilidade de tudo exigirem e controlarem, inclusive, absterem-se de pagar as prestações devidas, pelo que não existe qualquer obscuridade, nem qualquer posição de vantagem na definição dos padrões de serviço, 13ª - Os Autores assinaram de forma consciente e com conhecimento o documento complementar, percebendo-se da asserção "nos moldes em que tem vindo a ser efetuada", ou no mínimo era-lhes exigido que tivessem, tal como atestado pelo notário, que por esse motivo referiu ter dispensado a leitura do documento. 14ª - Resulta ainda dos autos, que não ficou provado que "As rés nunca explicitaram a forma de prestar os serviços (..) relativas à execução dos contratos complementares", conforme se verifica pela matéria de facto não provada - 9. 15ª - Não sendo aceitável declarar a nulidade do segmento da cláusula referida, apenas com base em meros juízos não fundamentados e totalmente hipotéticos que desconhecem a realidade dos contratos. 16ª - Além do mais, aos contratos celebrados entre as partes, tal como entendeu a Sentença de 1ª instância e o Acórdão recorrido, aplica-se o regime jurídico do contrato de prestação de serviços, pelo que 17ª - Não é de exigir mais do que foi enunciado no contrato, pois conforme dispõe o art. 1154º do C.C. o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra parte certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual. 18ª - As cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 6 da matéria de facto e as cláusulas quarta e sétima, do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto, não são, também, nulas, pois em nada violam os art. 15º, 12º, 18º al. j) e I) do RJCCG. 19ª - O Acórdão recorrido refere que "A cessação do contrato, uma vez extirpado este das cláusulas nulas, far-se-ia nos termos gerais, avultando, nos termos do disposto no art. 1156º do Código Civil ("as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente"), a previsão do nº 1 do art. 1170º do Código Civil ("o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renuncia ao direito de revogação"), sem prejuízo das particularidades de cada caso concreto. 20ª - Logo, é de aplicar aos contratos em apreço o regime jurídico do contrato de prestação de serviços, tal como foi qualificado pelas duas instâncias cíveis, 21ª - Assim, e atento o disposto no art. 1156º e seguintes do Código Civil, verifica-se que o mandatário pode, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer, ao abrigo do art. 1165º do CC, pelo que o teor das cláusulas terceira e quarta dos respetivos contratos não padece de qualquer nulidade, atento, também, o disposto no art. 1163º CC. 22ª - Sendo que relativamente à possibilidade ou não de revogação do mandato, dos contratos em apreço, como tal qualificados pelo Acórdão da Relação, dispõe o nº 2 do art. 1170º do CC, que "se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa". 23ª - Conforme entendeu o Acórdão recorrido, na página 29, estamos perante um contrato de prestação de serviços, geneticamente coligado com o contrato de compra e venda dos aludidos lotes. 24ª - Considerando o Tribunal da Relação de Lisboa que "A situação descrito serviria, aparentemente, três espécies de interesses: os do Município de … (...); os do promotor do empreendimento (...); os dos compradores." 25ª - Assim, o mandato (os contratos celebrados entre as partes) não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa. 26ª - Não existe assim qualquer situação que determine a nulidade das identificadas cláusulas. 27ª - Nem mesmo a nulidade da cláusula sexta, atento o disposto no art. 1172º do C.C. 28ª - Existe uma situação de pluralidade de mandantes, nos termos do disposto no art. 1169º do C.C., em que para além dos 1ºs AA. e 2ºs AA. são vários os proprietários da Herdade da ... que conferiram o mesmo mandato à recorrente, para prestar os serviços enunciados no número 14, que são do interesse comum e de que todos beneficiam, conforme provado no número 16 da matéria de facto provada, pelo que não pode ser declarada a nulidade de qualquer uma daquelas cláusulas. 29ª - Não existe qualquer cláusula que fixe o prazo e termo efetivo do contrato - tal como acontece nos vulgares contratos de mandato. 30ª - Conforme resulta da cláusula sexta dos contratos celebrados pelos 1º AA e 2º AA, verifica-se que os AA. podem desvincular-se das obrigações que assumiram com o pagamento de uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação. 31ª - Indemnização que resulta do impacto que os serviços prestados pela recorrente têm na valorização dos imóveis adquiridos pelos AA., aquando da venda e do arrendamento, por deles beneficiarem. 32ª - Mais se diga, no caso em apreço, que o consentimento para a cessão da posição contratual foi dado quer no contrato, na cláusula 3 e 4 dos contrato outorgados pelos 1ºs AA e 2º AA., respetivamente, quer posteriormente quando tiveram conhecimento cessão da posição contratual para a ora recorrente., 33ª - Os contratos em apreço foram celebrados entre os Autores e a sociedade GG, conforme matéria de facto dada como provada nos números 6 e 8, 34ª - Tendo ficado provado no número 21 da matéria de facto provada que a ora recorrente "A 2ª ré sucedeu na posição jurídica da 1ª ré e da GG", 35ª - Não existe, assim, qualquer fundamento para declarar a nulidade das referidas cláusulas, uma vez que tal cessão já ocorreu e não mereceu a oposição dos autores. 36ª - Inexistindo qualquer violação do princípio da boa-fé ou do princípio da igualdade. 37ª - Não existe qualquer cláusula atinente à perpetuação da vinculação dos aderentes e à definição unilateral das prestações devidas e os autores excederam manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito a arguir a nulidade das referidas cláusulas, que não existe. 38ª - O direito não pode ser exercido arbitraria e exacerbada ou desmesuradamente, mas antes exercido de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional. 39ª - Esta moderação e respeito pela proteção do equilíbrio das posições e direitos das partes saem suficientemente afetada para o efeito do preenchimento do preceito referente ao abuso de direito, pelo menos nas vertentes da boa-fé e do fim social e económico dos direitos em presença, 40ª - Só depois de decorridos mais de 12 e 14 anos da celebração e execução do contrato é que os autores vieram invocar nulidade do clausulado, sendo que nunca tivessem alegado a razão dessa alegação tão tardia. 41ª - Não se pode, assim, aceitar o entendimento do Acórdão recorrido quando, por um lado, confirma a decisão da 1ª instância que diz haver abuso de direito quanto à arguição de nulidade total do contrato, mas considera que não existe abuso de direito na arguição de nulidade de determinadas cláusulas. 42ª - Decisão que não faz qualquer sentido, sendo é contraditório com a dupla conforme, referente ao abuso de direito quanto à arguição de nulidade e invalidade da totalidade do contrato, que improcedeu. 43ª - Não está em causa a interpretação de cláusulas, nem a determinação das prestações devidas, no âmbito de uma execução normal e corrente de um contrato. 44ª - Foi criado na prestadora de serviços a legitima confiança de que estes não iriam questionar as cláusulas do contrato e sua validade, pelo que 45ª - Não pode deixar de constituir um abuso de direito a arguição de nulidade de qualquer cláusula do contrato, quer no todo, quer em parte. 46ª - Aceitar-se a nulidade de qualquer cláusula dos contratos redundará num manifesto abuso de direito, porquanto os autores sempre tiveram perfeito conhecimento de todo o clausulado, fixado e outorgado pelas partes no ano civil de 1998 e 2000, respetivamente. 47ª - Os autores sempre exigiram da ré e reclamaram da mesma o integral cumprimento do contrato, a prestação de todos os serviços, que acusavam não estar a ser integralmente cumpridos. 48ª - A recorrente agindo de boa-fé, sempre pugnou por cumprir as obrigações que para si decorrem do contrato celebrado, mantendo e melhorando os serviços prestados, contando receber a contrapartida acordada. 49ª - Pelo que ora, os autores ao virem peticionar, nos presentes autos, a invalidade de qualquer cláusula, alegando vícios na vontade negocial e outros, assumem uma posição não só diversa, como conscientemente contraditória com a posição anteriormente assumida, inclusive em ação judicial anterior. 50ª - Facto que e como bem referiu Tribunal de 1ª instância consubstancia uma situação de abuso de direito, nos termos do art. 334º do Código Civil, sendo por isso ilegítima toda e qualquer pretensão dos autores, referente à arguição de nulidade de cláusulas contratuais. Nas suas contra-alegações, os autores defendem que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela ré. Por seu turno, os autores interpuseram recurso de revista subordinado do acórdão da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões, em que, promiscuamente, abarcam a matéria referente às contra-alegações com aquela que pretendem reportar-se às alegações do recurso subordinado, mas que se transcrevem, integralmente: I - Acerca da cláusula primeira, afirma o douto acórdão que a recorrente ultrapassaria em qualidade os serviços que deveriam ser garantidos no âmbito do protocolo, aqueles que o município proporcionaria, a saber, a vedação e a vigilância, a verdade é que as cancelas e a vedação não se encontravam licenciadas, e por isso seriam serviços ilegais; e os demais não poderiam ser cobrados aos proprietários e moradores, quer por se tratar de serviços públicos, quer porque os da recolha do lixo são prestados directamente pela própria CM…. II - Se a recorrente sabia que tinha como condição da aprovação do loteamento urbano o assumir a obrigação de assegurar a conservação e manutenção no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza, através do protocolo celebrado com a Câmara Municipal de ... (Doc. n° 15) - o que consta com clareza dos factos provados n°s 11 a 13, - fez por esquecer que o deveria fazer como contrapartida e sem quaisquer custos para os compradores e residentes da Herdade da ... (HA). III - O contrato complementar tinha como pressuposto essencial para os recorridos que a Herdade da ... era um condomínio fechado, tal como todas as suas testemunhas, o que quanto estes foi dado por assente através de um aditamento aos factos provados, o n° 21-A (fls.22) ou alterada a resposta dada sob o n° 25 (fls. 19)[?] IV - Fazendo jus a um raciocínio lógico dedutivo, parece-nos que o tribunal perante os documentos juntos, factos invocados e pelos depoimentos, designadamente do próprio advogado da recorrente (vide transcrição supra), deveria ter presumido, fazendo uso das regras de experiência, que igualmente os recorridos estavam convencidos que se tratava de um condomínio fechado por ter sido essa a publicidade da venda, bem como por toda a mise en scéne preparada pelos vendedores. V - O alegado serviço de vigilância/segurança activa não se enquadrava legalmente por ser prestado em espaço público, porque na verdade nem a vedação nem as portarias se encontravam licenciadas, o que impedia o uso de segurança privada sob pena de ilegalidade (à data vigorando o Decreto-Lei n.° 35/2004 de 21 de Fevereiro revogado pela Lei n.° 34/2013, de 16 de maio), VI - Em consequência direta do acima dito, pugna-se pela alteração da decisão devendo darem-se por provados os factos n°s 24 e 25 da sentença do Tribunal a quo. VII - Os recorridos compradores dos lotes de terreno a construir, não poderiam saber quais os moldes em que eram prestados os serviços consignados na cláusula primeira do contrato, antes de assinarem o contrato e de viverem na Herdade da ..., na realidade, o desconhecimento era absoluto sobre os padrões de qualidade e dos moldes de prestação de serviços. VIII - Deve manter-se a douta decisão do Tribunal da Relação neste aspecto (proibição absoluta, prevista na al. e) do art.° 21o do LCCG), mas deve ser alterada a mesma, alargando-se à consideração de dar por assente o facto n° 29 do Tribunal a quo, pois não foi efetivamente explicitada a forma de prestar os serviços, o que ressurte da própria expressão "nos moldes em que tem vindo a ser efetuada". IX - A declaração de nulidade do aludido segmento da cláusula primeira não assegura a sua clara e efectiva compreensão, sendo manifesta a redacção vaga e imprecisa, utilizando um conceito indeterminado, o que implica irremediavelmente toda a extensão da cláusula, que por isso deve ser declarada nula, pois a obscuridade do segmento a contamina na totalidade. X - A decisão em análise é peremptória ao afirmar que um dos elementos, - que poderia legitimar a recorrente a exigir dos recorridos a vinculação sem prazo e sem possibilidade de recusar a prestação dos serviços [consignadas nas cláusulas terceira (quarta), quinta (sétima) e sexta respetivamente dos contratos dos recorridos), - o direito de o promotor poder (unilateralmente) cobrar a referida contrapartida pela conservação das infraestruturas urbanísticas, falta no caso dos autos, pois tal direito não se mostra reconhecido pelo supra referido protocolo de acordo (vide pg. 43. do Acórdão penúltimo §). XI - O que interessa sobretudo aos Autores desta ação, é provar a falácia de um contrato que efetivamente coarta direitos e interesses legalmente protegidos por total desrespeito da recorrente, impedindo efetivamente que os contraentes possam desvincular-se do contrato, que possam por em causa a qualidade da prestação dos serviços, ou mesmo o mero incumprimento do contrato, e que ainda se vejam obrigados a transmitir aquele contrato caso alienem a propriedade. XII - É absurda a alegação da recorrente clamando pela possibilidade de qualquer contraente se poder desvincular, pois ninguém no seu perfeito juízo rescindiria um contrato que implicasse pagar o correspondente a 20 anos de prestação de serviços e ainda por cima vendo-se obrigado a vender a propriedade, mas é bem reveladora da sua prepotência contratual. XIII - Na verdade a estratégia que a R. pratica fazendo operações comerciais de fusão e outras sempre dentro de um pretenso Grupo SIL, faz como bem dizia a sentença que haja sucessão na posição contratual sem que os AA. e os outros outorgantes do contrato complementar a isso possam opor-se. XIV - O que interessa é que de facto houve cessão de posição contratual não valendo o instituto do consentimento tácito por omissão de pronúncia, quando refere o preceito legal que não pode operar a transmissão contratual sem o consentimento da contraparte. Esse consentimento tem de ser expresso e claro, o que nunca aconteceu. XV - Concorda-se com o entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa quanto à declaração de nulidade das cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato complementar, clamando pela decisão de rectificação do douto acórdão, quando este olvida a declaração de nulidade no tocante à cláusula sexta do contrato dos 2°s AA. XVI - Com efeito, da leitura do aludido acórdão decorre na al. c) da Decisão que por mero lapso não terá sido referida a cláusula sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto. XVII - Se a cláusula sexta do contrato de prestação de serviços referido no n° 6 da matéria de facto deve ser declarada nula, tratando-se de igual redação a sexta cláusula do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto, decorre com evidência a existência do supra aludido lapso. XVIII - Assim, a cláusula sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 8 da matéria de facto deve ser declarada nula, corrigindo-se o erro manifesto, o que se requer ao abrigo art.° 614.° do Código de Processo Civil. XIX - No que respeita à violação do princípio de igualdade de tratamento, os recorridos têm motivos decorrentes da prova para crer que houve realmente discriminação, pois exatamente no seu loteamento 346 há compradores contemporâneos destes que adquiriram a propriedade sem esse ónus do contrato complementar e usufruem do mesmo tratamento por parte da recorrente. XX - E os factos n°s 16 e 17 da sentença, aliás, vêm nesse sentido, pois se todos beneficiam dos mesmos serviços e nem todos se encontram obrigados, tratando-se os serviços na sua maior parte de serviços públicos, há manifesta desigualdade de tratamento, ainda que tal prova, a nosso ver erradamente, se fundamente apenas no facto de não terem celebrado contrato ou porque a cláusula da obrigação de transmissão da cessão de posição contratual não foi (e bem, tratando-se de cláusula nula) respeitada no caso das revendas. XXI - A análise jurídica no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a inexistência de qualquer abuso de direito é quase perfeita pois como lapidarmente decide, a estratégia adotada pelos 1°s AA não fundamentou um investimento de confiança por parte da aqui recorrente, não criaram objectivamente na credora base para crer que a situação jurídica emergente do contrato não seria de nenhuma forma, ou por qualquer outra forma, por eles questionada. XXII - Mas, não estamos de acordo com o douto Tribunal da Relação quanto à hipótese que coloca, a de que haveria abuso de direito se os recorridos arguissem a invalidação total do contrato, e isto tendo em conta todos os argumentos alegados, e que não é demais de repetir: A base de confiança e boa-fé dos recorridos assentava na crença que a Herdade da ... era um condomínio fechado, em que faria sentido que fossem prestados e cobrados serviços relativos a tal condição, e que, por outro lado, os serviços seriam prestados com qualidade (como afirmavam) para além do facto de ignorarem que os serviços assentariam numa ilegalidade (as cancelas, portaria e vedação da propriedade), e muito menos sabiam que se tratariam de serviços públicos, transferidos por Protocolo pela CM… para uma entidade privada como condição do loteamento, sem custos para os proprietários e moradores. Nas suas contra-alegações, relativamente ao recurso subordinado dos autores, a ré alega que aqueles não juntaram ao processo o comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de contra-alegações e do recurso subordinado, devendo ser julgado, totalmente, improcedente o recurso subordinado. * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes: I – A questão da admissibilidade do recurso subordinado dos autores e da resposta às alegações da revista independente da ré “FF” (ré “FF”). II – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto (autores). III - A questão da nulidade do segmento da «cláusula primeira», “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada” (ré “FF”). IV – A questão da extensão da nulidade parcial do segmento da «cláusula primeira», “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada”, à nulidade integral da mesma (autores). V – A questão da nulidade das cláusulas terceira, quarta, quinta, sexta e sétima (ré “FF”). VI – A questão do abuso de direito (ré “FF”). VII - A questão da nulidade da cláusula sexta do contrato celebrado com os autores CC e esposa (autores). VIII – A questão da violação do princípio da igualdade (autores). I. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO SUBORDINADO DOS AUTORES E DA SUA RESPOSTA ÀS ALEGAÇÕES DA REVISTA DA RÉ Sustenta a ré que os autores não juntaram ao processo o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do recurso subordinado e da resposta às alegações da revista independente da ré, os quais, portanto, não devem ser admitidos. Porém, como decorre dos documentos de folhas 1391, 1421 e 1422, mostra-se efetuado o pagamento do montante alusivo às taxas de justiça respeitantes à apresentação do recurso subordinado e da resposta às alegações da revista independente da ré, razão pela qual inexiste fundamento legal bastante para a sua rejeição. Indefere-se, assim, o pedido da ré quanto à sua não admissão. II. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO II.1. Alegam os autores que devem considerar-se como provados os factos n°s 24 e 25, perante os documentos juntos, factos invocados e depoimentos prestados, designadamente, do próprio advogado da recorrente, presumindo-se a sua existência, fazendo-se uso das regras de experiência, e o facto nº 29. Tem-se afirmado, de forma sistemática e unívoca, que o Supremo Tribunal de Justiça aplica, em definitivo, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objeto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nºs 1, 2 e 3 e 674º, nº 3, do CPC. Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respetiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º, do CPC. 1. Os 1.ºs autores são proprietários do imóvel, sito na Rua das …, n.º 00, Herdade da ..., 0000-000 …, concelho de ... - A). 2. Os 2.ºs autores são proprietários do imóvel, sito na Rua das …, n.º 00, Herdade da ..., 0000-000 …, concelho de ... - B). 3. A 1.ª ré é uma sociedade que se dedica à compra e venda de bens imobiliários - C). 4. A 2.ª ré é uma sociedade que se dedica à gestão e exploração de equipamentos desportivos - D). 5. A 1.ª autora prometeu comprar o lote de terreno para construção n.º 77, com a área de 1.494,94 m2 (onde, actualmente, se inscreve a sua casa), a “GG, S.A.”. Ficou clausulado, na cláusula quinta do contrato-promessa, que: “A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos vários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à PRIMEIRA OUTORGANTE como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação mensal que, em 1997, se cifrará em Esc.: 6.130$00 (…)” - E), I, documento de fls. 54 e ss. 6. Pela escritura pública de fls. 62-64, o notário atestou que o legal representante de “GG, S.A.” e os 1.ºs autores declararam vender e comprar, respectivamente, o lote de construção, acima identificado, mais declarando “Que como condição da compra e venda, os segundos outorgantes aceitam submeter-se ao cumprimento das obrigações constantes das cláusulas que compõe o documento complementar a esta escritura, nos termos do número 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, cujo conteúdo declaram ter lido, e perfeitamente conhecer, pelo que é dispensada a leitura.”, que se encontra a fls. 65-66, com o seguinte teor: “Cláusula Primeira - A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à GG, S.A. como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação mensal que, em 1998, se cifrará em seis mil duzentos e setenta e um escudos (Esc.: 6.271$00), incluindo IVA à taxa legal em vigor. Cláusula Segunda - Esta prestação mensal será atualizada a um de Janeiro de cada ano pela GG, S.A. com base no valor da inflação verificada no ano antecedente. Cláusula Terceira - Os segundos outorgantes obriga-se a aceitar os serviços assim prestados pela GG, S.A. ou por quem esta designar, os quais não poderá recusar ou por qualquer forma opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação. Cláusula Quarta – O pagamento da importância atrás referida deverá ser efetuada no prazo de 15 dias após a emissão da fatura e, no caso de mora, serão devidos juros à taxa legal aplicável para as dívidas comerciais, acrescidas de quatro pontos percentuais. Cláusula Quinta – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas; Cláusula Sexta – No caso de violação da obrigação constante da Cláusula Quinta, a pagar à sociedade GG, S.A. uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação.” - F) e documentos. 7. O 2.º autor prometeu comprar o lote de terreno para construção n.º 72, com a área de 1.840,00 m2 (onde, actualmente, se inscreve a sua casa), à “GG, S.A.” Ficou clausulado, na cláusula sexta do contrato-promessa, que: “A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos vários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à PRIMEIRA OUTORGANTE como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação anual que, em 2000, se cifrará em Esc.: 78.948$00 (…).G), I) e documento de fls. 67 e ss. 8. Pela escritura pública de fls. 73 e ss., o legal representante de “GG, S.A.” e os 2.ºs autores declararam vender e comprar, respectivamente, o lote para construção, acima identificado, mais declarando “Que como condição da compra e venda, os segundos outorgantes aceitam submeter-se ao cumprimento das obrigações constantes das cláusulas que compõe o documento complementar a esta escritura, nos termos do número 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, cujo conteúdo declaram ter lido, e perfeitamente conhecer, pelo que é dispensada a leitura”, que se encontra a fls. 77-78, com o seguinte teor: “Cláusula Primeira - A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à GG, S.A. como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação anual e antecipada que, em 2000, se cifra em setenta e oito mil e novecentos e quarenta e oito escudos (Esc.: 78.948$00), (…). Cláusula Segunda - Esta prestação mensal será atualizada a um de Março de cada ano pela GG, S.A. com base no valor da inflação verificada no ano antecedente. (…) Cláusula Quarta - Os segundos outorgantes obriga-se a aceitar os serviços assim prestados pela GG, S.A. ou por quem esta designar, os quais não poderá recusar ou por qualquer forma opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação. (…) Cláusula Quinta – O pagamento da importância atrás referida deverá ser efetuada até um de Abril de cada ano por transferência bancária para a conta NIB (…) e, no caso de mora, serão devidos juros à taxa legal aplicável para as dívidas comerciais, acrescidas de quatro pontos percentuais. Cláusula Sexta – No caso de violação de quaisquer obrigações constantes deste documento, obrigam-se a pagar à sociedade GG, S.A. uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação. Cláusula Sétima – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas.” - H) e documento de fls. 77-78. 9. À data dos contratos, a Herdade da ... encontrava-se vedada e possuía duas portarias com cancela - J). 10. Na decorrência da colocação de duas portarias com cancela, o Município de ... ordenou, administrativamente, que as mesmas fossem retiradas e, nessa sequência, as rés interpuseram ação judicial para declarar a nulidade de tal ato, tendo, em primeira instância, sido declarada improcedente, encontrando-se sob recurso - L). 11. A Herdade da ... é composta por 350 ha, sendo constituída por quatro processos de urbanização, tramitados na Câmara Municipal de ... - M). 12. A Câmara Municipal de ... celebrou um protocolo, visando o desenvolvimento urbanístico e turístico da zona, nos idos anos de 1993/1994 - N). 13. No âmbito desse protocolo, a Câmara Municipal de ... transferiu as suas responsabilidades de conservação e manutenção, no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza, para a “GG” - O). 14. A ré procede à manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria, bem como à limpeza das bermas, passeios e estradas. (Provado, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 10.º da base instrutória). 15. A recolha de lixos domésticos, no interior da Herdade da ..., é realizada pela edilidade da Câmara Municipal de .... (Provado, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 10.º da base instrutória). 16. Todos os proprietários e residentes da Herdade da ... beneficiam dos mesmos serviços. (Provado, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 6.º da base instrutória). 17. Nem todos os proprietários da Herdade da ... se encontram obrigados pelo aludido complementar. (Provado, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 7.º da base instrutória). 18. A Herdade da ... não tem estatuto de domínio privado, pelo que qualquer pessoa pode, livremente, aceder à mesma, sendo proibida a sua identificação. (Provado, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 8.º da base instrutória). 19. Aquando da celebração dos respetivos contratos de compra e venda, os autores encontravam-se perfeitamente, conscientes de que seria outorgado o contrato de prestação de serviços, constante do documento complementar. (Provado, apenas, no que se refere ao tema de prova correspondente ao artigo 11.º da base instrutória). 20. A ora ré propôs contra os ora 1.ºs autores a ação declarativa de condenação, sob o n.º 132116/09.6YIPRT, do 1.º Juízo Cível de Almada, para pagamento da retribuição pela prestação de serviços, constante do documento complementar. Na contestação, os réus, ora 1.ºs autores, excecionaram a ilegitimidade, a ineptidão da petição inicial, a prescrição e a exceção de não cumprimento do contrato. Na douta sentença, os 1.ºs autores foram condenados a pagar à ora ré a quantia correspondente a 75% do preço, relativa aos serviços prestados, conforme decorre de fls. 124 e ss.. 21. A 2.ª ré sucedeu na posição jurídica da 1.ª ré e da “GG”, conforme decorre da certidão de fls. 174. 21-A. Alguns compradores adquiriram lotes idênticos aos dos autores, convencidos, por tal lhes ter sido garantido pelas pessoas encarregadas de promover as vendas, de que a Herdade da ... era um condomínio fechado ao público (Aditado pela Relação). O Tribunal a quo declarou ainda que não se provou que: 22. As cláusulas que constam dos documentos complementares foram, previamente, negociadas entre as partes - 11.º 23. Cerca de 80% dos proprietários da Herdade da ... pagam pela prestação de serviços. 24. A 1.ª ré vendeu os supra-identificados lotes aos 1.ºs e 2.ºs autores, alegando tratar-se de terrenos insertos em condomínio privado - 1.º 25. Tal publicidade foi adotada, em múltiplas vendas de lotes idênticas às dos 1.ºs e 2.ºs autores, criando a convicção de se tratar de condomínio fechado ao público - 2.º 26. Os 1.ºs autores, no próprio dia da escritura, foram confrontados com uma condição de compra e venda, consubstanciada na aceitação de se submeterem ao cumprimento das obrigações constantes das cláusulas que compõem o documento complementar, à semelhança de outros compradores em semelhantes circunstâncias - 3.º 27. Tal exigência de aceitar submeter-se à outorga de um documento complementar, no âmbito da celebração do contrato de compra e venda, não foi comunicada aos compradores dos lotes - 4.º 28. Só os compradores que foram sujeitos à outorga do contrato complementar suportam as despesas referentes à prestação desses serviços, respeitantes a atribuições públicas transferidas para uma entidade privada - 5.º 29. As rés nunca explicitaram a forma de prestar os serviços, nem prestaram contas sobre as receitas e despesas relativas à execução dos contratos complementares - 9.º III. DA NULIDADE DA CLÁUSULA “NOS MESMOS MOLDES EM QUE TEM VINDO A SER EFETUADA” III. 1. Defende a ré que o segmento da «cláusula primeira» que foi declarado nulo, ou seja, "nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada", não viola os artigos 15º, 12º, ou 21º, b), d) e e), do RJCCJ, antes está de acordo com as características e tipo do contrato de prestação de serviço, geneticamente, coligado, como documento complementar, com o contrato de compra e venda, e que é diferente de um vulgar contrato de adesão, em que o conteúdo contratual é impossível de verificar antes da adesão, sendo certo que os autores tiveram, previamente, à contratação dos serviços, perfeito conhecimento dos serviços contratados, seus termos e qualidade, ou, no mínimo, era-lhes exigido que o tivessem, tal como foi atestado pelo notário, que, por esse motivo, referiu ter dispensado a leitura do documento, inexistindo omissão de qualquer aspeto jurídico, ou de qualquer questão material do contrato que possa consubstanciar uma nulidade. III. 2. O DL nº 446/85, de 25 de Outubro [Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG)][6], consagrou o regime das «cláusulas contratuais gerais», sujeitando-as a uma disciplina tendente à defesa dos aderentes a contratos onde figurassem cláusulas desse tipo, como uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais orientados para uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes[7]. Com efeito, quando as pessoas se acham dotadas de capacidade negocial, de modo a poderem participar no tráfico jurídico, devem respeitar, não obstante, na conformação das suas relações jurídicas privadas, os limites legais impostos quanto aos respetivos negócios jurídicos em que intervenham, porquanto a autonomia privada, a que se reporta o artigo 405º, nº 1, do Código Civil (CC), apenas pode ser exercida, «dentro dos limites da lei». Dispõe, neste particular, o artigo 1º, do RJCCG, no seu nº 1, que “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”, que se aplica, igualmente, de acordo com o correspondente nº 2, “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, sendo certo que, continua o respetivo nº 3, “o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”. Por outro lado, estipula o artigo 5º, nº 1, do mesmo diploma legal, que “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, devendo a comunicação “…ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, de acordo com o seu n.º 2, sendo sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais que cabe o “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva”, como estatui o correspondente n.º 3. Para além do dever de comunicação integral aos aderentes que se limitem a subscrever ou a aceitar as cláusulas contratuais gerais, existe ainda um específico dever de informação, por parte do predisponente, ao aderente, “…de acordo com as circunstâncias….dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, consoante decorre do preceituado pelo artigo 6º, nº 1, do diploma legal considerado. Efetivamente, a violação dos sobreditos deveres de comunicação e informação importa a exclusão da cláusula afetada do respetivo contrato singular, segundo o disposto pelo artigo 8º, a) e b), do RJCCG. A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o sujeito «passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõem algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto. Por seu turno, prescreve o artigo 15º que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé”, sendo que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”, atento o disposto pelo artigo 12º, ambos do RJCCG. Constitui princípio geral, em matéria de cláusulas contratuais gerais proibidas, consagrado pelo artigo 15º, do RJCCG, que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”, princípio esse que se concretiza, nos termos do respetivo artigo 16º, em ordem a que “na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”, com a sanção imposta pelo artigo 12º, do mesmo diploma, de que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”. No âmbito das relações com os consumidores finais, destacam-se como cláusulas, absolutamente, proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que “confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos”, aquelas que “excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação…” e, finalmente, as cláusulas contratuais gerais que “atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais”, atento o preceituado pelo artigo 21.º, b), d) e e), do RJCCG, respetivamente. III.3. Com efeito, ficou demonstrado que a autora AA e o autor CC, em contratos distintos, prometeram, cada qual, comprar a “GG” um lote de terreno para construção, onde, atualmente, se inscreve a casa de habitação de cada um, constando da cláusula quinta [autora AA], cláusula sexta [autor CC] do contrato-promessa, que “a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos vários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à PRIMEIRA OUTORGANTE como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação mensal que, em 1997, se cifrará em Esc.: 6.130$00 (…)” [autora AA] e “uma prestação anual que, em 2000, se cifrará em Esc.: 78948$00, [autor CC], correspondentemente. Por escritura pública, o notário atestou que o legal representante de “GG” e os autores declararam vender e comprar, respetivamente, os lotes de construção, acima identificados, mais declarando “Que como condição da compra e venda, os segundos outorgantes aceitam submeter-se ao cumprimento das obrigações constantes das cláusulas que compõe o documento complementar a esta escritura, nos termos do número 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, cujo conteúdo declaram ter lido, e perfeitamente conhecer, pelo que é dispensada a leitura.”, com o seguinte teor: “Cláusula Primeira - A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à GG, S.A. como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação mensal que, em 1998, se cifrará em seis mil duzentos e setenta e um escudos (Esc.: 6.271$00), incluindo IVA à taxa legal em vigor [autora AA], e “uma prestação anual e antecipada que, em 2000, se cifrará em Esc.: 78948$00, [autor CC], respectivamente. Cláusula Segunda - Esta prestação mensal será atualizada a um de Janeiro de cada ano [autora AA] a um de Março de cada ano [autor CC] pela GG, S.A. com base no valor da inflação verificada no ano antecedente. Cláusula Terceira [autora AA] Cláusula Quarta [autor CC] - Os segundos outorgantes obrigam-se a aceitar os serviços assim prestados pela GG, S.A. ou por quem esta designar, os quais não poderá recusar ou por qualquer forma opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação. Cláusula Quarta [autora AA] Cláusula Quinta [autor CC] – O pagamento da importância atrás referida deverá ser efetuada no prazo de 15 dias após a emissão da fatura [autora AA] e até um de Abril de cada ano por transferência bancária para a conta NIB (…) [autor CC] e, no caso de mora, serão devidos juros à taxa legal aplicável para as dívidas comerciais, acrescidas de quatro pontos percentuais. Cláusula Quinta [autora AA] Cláusula Sétima [autor CC] – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas; Cláusula Sexta – No caso de violação da obrigação constante da Cláusula Quinta [autora AA], ou, no caso de violação de quaisquer obrigações constantes deste documento [autor CC] obrigam-se a pagar à sociedade GG, S.A. uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação.”. Na data da celebração dos contratos de compra e venda, a Herdade da ... encontrava-se vedada e possuía duas portarias com cancela, tendo alguns compradores adquirido lotes idênticos aos dos autores, convencidos, por tal lhes ter sido garantido pelas pessoas encarregadas de promover as vendas, de que a Herdade da ... era um condomínio fechado ao público, sendo certo, outrossim, que a Herdade da ... não tem estatuto de domínio privado, pelo que qualquer pessoa pode, livremente, aceder à mesma, sendo proibida a sua identificação. Aliás, na decorrência da colocação das duas supra-mencionadas portarias com cancela, o Município de ... ordenou, administrativamente, que as mesmas fossem retiradas. No âmbito do protocolo visando o desenvolvimento urbanístico e turístico da zona onde se situa a Herdade da ..., celebrado com a Câmara Municipal de ..., em 1993/1994, esta transferiu as suas responsabilidades de conservação e manutenção, no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza, para a “GG”, sendo a ré “FF”, que sucedeu na posição jurídica da ré “EE” e da GG, quem procede agora à manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, vigilância das portarias, bem como à limpeza das bermas, passeios e estradas, enquanto que a recolha de lixos domésticos, no interior da Herdade da ..., de que são beneficiários todos os proprietários e residentes na mesma, ainda que nem todos os seus proprietários se encontrem obrigados pelo aludido documento complementar, é realizada pela Câmara Municipal de .... Aquando da celebração dos respetivos contratos de compra e venda, os autores encontravam-se, perfeitamente, conscientes de que seria outorgado o contrato de prestação de serviço, constante do documento complementar. Tendo os autores celebrado com a “GG” dois contratos-promessa de compra e venda de outros dois lotes de terreno para construção, na Herdade da ..., onde se encontram implantadas as suas casas de residência, ficou a constar dos mesmos um cláusula em que se obrigaram a, após a data da outorga das escrituras de compra e venda, pagar aquela, como contrapartida pelos serviços prestados pela mesma com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, vigilância da portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação pecuniária de um determinado montante, variável, anualmente, obrigação esta que, nas respetivas escrituras públicas relativas aos contratos prometidos, os autores reiteraram, perante aquela sociedade, nos precisos termos que ficaram redigidos nos contratos-promessa, aceitando submeter-se ao cumprimento das obrigações constantes das cláusulas que compõem o documento complementar às referenciadas escrituras, cujo conteúdo declaram ter lido, e, perfeitamente, conhecer. III.4. Aos contratos de compra e venda celebrados pelas partes, no que respeita à ré “FF”, enquanto sucessora na posição jurídica da ré “EE” e da sociedade “GG”, encontravam-se coligados contratos de prestação de serviço, cujo texto ficou a constar do documento complementar anexo às respetivas escrituras públicas, relativamente aos quais se coloca a questão da nulidade de algumas das cláusulas que os integram. Por outro lado, não ficou provado que as cláusulas que constam dos referidos documentos complementares tenham sido, previamente, negociadas entre as partes, face à resposta negativa que conheceu o ponto nº 11 da base instrutória, sendo, para tanto, despiciendo, ao contrário do que sustenta a ré, a resposta negativa ao ponto nº 9, segundo o qual “as rés nunca explicitaram a forma de prestar os serviços, nem prestaram contas sobre as receitas e despesas relativas à execução dos contratos complementares?”, porquanto a resposta negativa a um quesito, para mais formulado pela negativa, não permite concluir que esteja provado o facto contrário. Ora, não tendo a ré demonstrado, como lhe competia, que as cláusulas controvertidas resultaram de negociação prévia entre as partes, está-se perante cláusulas contratuais gerais, revestindo os contratos de prestação de serviço coligados aos contrato de compra e venda a natureza de contratos de adesão. Trata-se, assim, de dois contratos de adesão-modelo que a ré pré-dispôs, potestativamente, e sujeitou, inelutavelmente, à aceitação dos autores-aderentes, eventuais interessados, a quem colocou, como única alternativa, a da sua rejeição, integral e em bloco, mas já não a discussão dos vários segmentos do seu conteúdo, que se encontra disciplinado pelo aludido regime das cláusulas contratuais gerais. A isto acresce que a Relação entendeu que “no caso destes autos, está provado que as cláusulas constantes do aludido documento complementar já figuravam no contrato-promessa anteriormente subscrito pelos AA.. Assim, só por censurável negligência dos AA. é que estes poderiam não ter tomado conhecimento das mesmas, desconhecimento esse que, aliás, não se provou (factos não provados n.ºs 26 e 27), tendo-se até demonstrado o contrário (facto provado n.º 19)”. Ora, esta extrapolação dos factos conhecidos para afirmar outros factos desconhecidos, no âmbito da prova por presunções, é inatacável, por este Supremo Tribunal de Justiça, por se encontrar no domínio da prova de livre apreciação pelo tribunal, em conformidade com o disposto pelo artigo 607º, nº 5, do CPC. III.5. Tendo-se os autores obrigado a pagar ao vendedor dos lotes, a sociedade “GG”, como contrapartida pelos serviços prestados pela mesma com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, vigilância da portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, uma prestação pecuniária de um determinado montante, variável, anualmente, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, quando a Herdade da ..., onde se localizavam, se encontrava vedada e possuía duas portarias com cancela, constituindo um aparente condomínio fechado ao público, sendo certo, porém, que a Herdade da ... não tem estatuto de domínio privado, podendo à mesma aceder qualquer pessoa, livremente, a aludida prestação pecuniária, de montante variável, anualmente, reportada “a(n)os mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, convoca a problemática do abuso de direito. A imposição do princípio da boa-fé como regra de conduta, abarca um conjunto de deveres que incluem, entre vários outros, os de informação, de proteção e de lealdade, que visam, no essencial, proteger a confiança[8]. Trata-se da boa-fé, em sentido objectivo, que se traduz num princípio normativo transpositivo e extra-legal que, aplicado aos contratos, constitui uma regra de conduta, segundo a qual os contraentes devem agir de modo honesto, correto e leal, “vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato”[9]. Para assegurar a função social do contrato, tem-se acentuado a intervenção exógena na regulação contratual, assumindo este «dirigismo contratual» a veste legislativa e a veste judicial[10]. A intervenção judicial na regulação contratual provoca a abertura do contrato a finalidades não consideradas pelas partes aquando da sua formação, dispensando o seu acordo, o que representa uma limitação corretiva da autonomia privada, na vertente da liberdade de estipulação ou fixação do conteúdo do contrato. A boa-fé contratual impõe uma conduta conscienciosa e honesta, uma linha de correcção e probidade, um comportamento de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade, que gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade[11], de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. O reconhecimento de que as partes contratantes estão vinculadas a agir de boa-fé, importa que, ocorrendo, na fase de negociações, uma conduta, eticamente, censurável, de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito, o juiz possa ser chamado a intervir no sentido de responsabilizar a parte contratual faltosa[12], por tal representar uma conduta ilícita, ao conduzir-se fora da ordem normativa do direito[13]. Os critérios da boa-fé permitem alcançar a indicação dos modos corretos de efectuar a prestação e de exigir o seu cumprimento, demarcando certos limites do exercício legítimo de um poder formalmente reconhecido pela ordem jurídica, no quadro da cláusula geral do abuso de direito[14]. O artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 93/13/CE dispõe que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.”. O que está em causa na boa-fé, enquanto índice qualificador do desequilíbrio relevante, é a salvaguarda de uma composição de interesses que não seja, excessivamente, desequilibrada, avaliando se o grau de vantagens que o predisponente se auto-atribui encontra razão atendível do ponto de vista dos seus interesses, e se isso acarreta ou não prejuízos relevantes para a contraparte, não justificáveis por aqueles interesses ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação[15]. Deste modo, a «cláusula primeira», ao contemplar a obrigação dos autores efetuarem uma prestação pecuniária, de conteúdo variável, como contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, sem uma específica discriminação dos seus termos, torna imprecisa, por falta de rigor e transparência, a prestação devida, podendo ocasionar prejuízos relevantes para os autores, não justificáveis pelos legítimos interesses do vendedor, ou sem, no mínimo, lhes facultar uma adequada compensação, consubstanciando uma cláusula contratual geral contrária à boa fé e, consequentemente, nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 15º e 12º, do RJCCG. Não se encontrando a prestação pecuniária, a cargo dos autores, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, inicialmente, determinada, uma vez que, no momento da constituição da obrigação, o seu teor não é, ainda, conhecido[16], não é, contudo, de natureza indeterminável, podendo vir a sê-lo, posteriormente, atento o preceituado pelos artigos 280º, nº 1, 400º, nºs 1 e 2 e 539º e seguintes, do CC, porquanto, tratando-se embora de uma obrigação pecuniária, é, no fundo, uma obrigação genérica[17]. Porém, importa que, no momento do cumprimento, a prestação esteja já determinada, sendo que a forma da determinação variará de acordo com a natureza da prestação, e a regra geral da determinação do seu objeto pertence, supletivamente, ao devedor, na falta de estipulação em contrário, atento o disposto pelo artigo 539º, do CC. Contudo, estipulando-se que a individualização ou concentração competem ao credor ou a terceiro, a escolha só se torna eficaz quando for declarada ao devedor ou a ambas as partes, respetivamente, sendo irrevogável, enquanto que se pertencer ao credor e este a não realizar, no prazo estabelecido ou naquele que, para o efeito, lhe for fixado pelo devedor, passa a escolha, de novo, a competir a este último, nos termos do preceituado pelo artigo 542º, nºs 1 e 2, do CC. Por outro lado, se a faculdade de determinação da prestação couber a terceiro, e este a não efectuar, haverá que recorrer à respetiva determinação judicial, em conformidade com o disposto pelo artigo 1004º, nº 1, do CPC. Finalmente, o critério que deve presidir à individualização da prestação, na ausência de estipulação legal, deve orientar-se por uma escolha honesta, integrando-se a declaração negocial de harmonia com a vontade que as partes teriam se tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, em conformidade com o disposto pelo artigo 239º, do CC[18]. Ora, não tendo as partes confiado a determinação da prestação a qualquer delas, a terceiro ou ao tribunal, inexistindo critérios objetivos para a determinação da prestação, que são omissos no negócio, restaria o recurso à equidade[19]. IV. DA EXTENSÃO DA NULIDADE PARCIAL DO SEGMENTO DA CLÁUSULA PRIMEIRA À NULIDADE INTEGRAL DA MESMA IV.1. Alegam os autores, a este propósito, que “a declaração de nulidade do aludido segmento da cláusula primeira não assegura a sua clara e efectiva compreensão, sendo manifesta a redacção vaga e imprecisa, utilizando um conceito indeterminado, o que implica irremediavelmente toda a extensão da cláusula, que por isso deve ser declarada nula, pois a obscuridade do segmento a contamina na totalidade”. No articulado inicial, os autores pedem que sejam declaradas nulas as cláusulas que compõem o contrato (documento complementar) em questão, tendo o acórdão recorrido declarado a nulidade de algumas delas, nomeadamente, da primeira, que, formulada, em termos de “Cláusula Primeira - A fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos seus utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização coletiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, factos que ambos os outorgantes reconhecem ser de interesse recíproco e da generalidade dos proprietários de lotes da Herdade da ..., o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a, após a data da outorga da escritura de compra e venda, pagar à GG, S.A. como contrapartida pelos serviços prestados por aquela com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efetuada, uma prestação mensal que, em 1998, se cifrará em seis mil duzentos e setenta e um escudos (Esc.: 6.271$00), incluindo IVA à taxa legal em vigor”, manteve a sua validade, com exceção do segmento “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, que foi declarado nulo. Com efeito, o conceito indeterminado, ou seja, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, enquanto segmento utilizado na aludida cláusula, foi declarado nulo, como já se demonstrou, com a sua consequente eliminação da mesma, o que retira acutilância e oportunidade à alegação dos autores. IV.2. Os negócios jurídicos de objeto indeterminável são nulos, mas não aqueles que sejam de objeto indeterminado, sendo de objeto indeterminado, por exemplo, as obrigações genéricas ou alternativas[20]. V. DA NULIDADE DAS CLÁUSULAS TERCEIRA, QUARTA, QUINTA, SEXTA E SÉTIMA V.1. Sustenta, igualmente, a ré que as cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de prestação de serviço, referido no número 6 da matéria de facto, e as cláusulas quarta e sétima do contrato de prestação de serviço, referido no número 8 da matéria de facto, não são, também, nulas, pois que, em nada violam os artigos 15º, 12º, 18º, j) e I), do RJCCG. Estipula-se na “Cláusula Terceira [autora AA] Cláusula Quarta [autor CC] - Os segundos outorgantes obrigam-se a aceitar os serviços assim prestados pela GG, S.A. ou por quem esta designar, os quais não poderá recusar ou por qualquer forma opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação”. Por sua vez, estipula-se na “Cláusula Quinta [autora AA] Cláusula Sétima [autor CC] – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas”. V.2. As obrigações reais, «ob rem» ou «propter rem», são vínculos jurídicos decorrentes de deveres de conteúdo positivo, estabelecidos e regidos por nomas de direito público ou de direito privado, por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra, titular ou não, por sua vez, de um «ius in re», à realização de uma prestação de dare, designadamente, o pagamento de prestações pecuniárias, periódicas, ou de facere[25]. As obrigações «propter rem», apesar de não fazerem parte do conteúdo dos direito reais, porquanto, no plano dogmático, assumem a natureza de verdadeiras obrigações, encontram-se subordinadas, tal como os direitos reais, ao princípio da taxatividade ou do «numerus clausus», por força do preceituado pelo artigo 1306º, nº 1, do CC, e, consequentemente, não podem ser criadas obrigações que vinculem, também, terceiros, sem o consentimento destes, impondo-se uma obrigação a todo aquele que, no futuro, venha a ser proprietário de uma coisa, designadamente, para com os sub-adquirentes do «ius in re», em função de cuja titularidade se determina o devedor[26]. Deste modo, não pode revestir natureza «propter rem», nomeadamente, a obrigação assumida pelos adquirentes dos lotes de terreno, compreendidos em dado empreendimento urbanístico, de realizarem determinadas obras destinadas a assegurar a harmonia estética do conjunto, ou de contribuírem, segundo certa proporção, para um fundo afetado ao pagamento de serviços (v. g., de vigilância ou de limpeza) de que todos beneficiem. Assim sendo, obrigações desta índole só poderão produzir efeitos «inter partes», não vinculando, portanto, os sub-adquirentes, nem os adquirentes, a título originário, dos prédios em relação aos quais foram assumidas[27]. Como assim, obrigando-se os autores a aceitar os serviços prestados pela “GG”, ou por quem esta designar, que não poderão recusar ou, por qualquer forma, opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação e, caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento dos lotes de terreno adquiridos, ficando os terceiros adquirentes ou arrendatários obrigados a incluir, como condição escrita dos respetivos contratos, a aceitação e cumprimento das obrigações assumidas e acabadas de referir, foram criadas obrigações, cujo tempo de vigência, apenas, depende da vontade do predisponente. Ora, não podendo ser criadas obrigações que vinculem, também, terceiros, sem o consentimento destes, impondo-se uma obrigação a todo aquele que, no futuro, venha a ser proprietário de uma coisa, semelhante cláusula contratual geral, ao estabelecer uma obrigação, cujo tempo de vigência depende, apenas, da vontade do predisponente, é, absolutamente, proibida, e, portanto, nula, nos termos das disposições combinadas dos artigos 18º, j), 20º e 12º, todos do RJCCG, irrelevando os normativos legais invocados pela ré, a propósito do mandato e do contrato de prestação de serviço que se lhe submetem, porquanto se destinam a reger situações que se colocam fora do âmbito de aplicação do RJCCG. A isto acresce que a estipulação, na “Cláusula Terceira [autora AA] Cláusula Quarta [autor CC], segundo a qual os autores se obrigam a aceitar os serviços assim prestados pela “GG” ou por quem esta designar, os quais não poderá recusar ou por qualquer forma opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação”, permite à ré ceder a sua posição contratual a terceiro, não, previamente, identificado, ou com ele sub-contratar, sem necessidade de autorização dos autores. V.3. Dispõe o artigo 424º, n.º 1 do CC, que, “no contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”, especificando o respetivo nº2 que “se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento”. Este instituto implica, sempre, a existência de dois contratos distintos, ou seja, o contrato inicial ou básico, celebrado, originariamente, entre o cedente e o cedido, de que resulta o conjunto de direitos e obrigações que constitui o objeto da cessão, e o contrato-instrumento da cessão, que é realizado, posteriormente, entre o cessionário e o cedente, para a transmissão da posição que este último tinha no contrato-base[28]. Porém, a validade da cessão depende, invariavelmente, do consentimento do cedido, que pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato causal ou instrumental da cessão, sendo certo que se o consentimento for anterior à cessão, esta só produz efeitos, a partir da sua notificação ou reconhecimento. Ora, tendo as aludidas cláusulas contratuais, ou seja, a “Cláusula Terceira [autora AA] e a Cláusula Quarta [autor CC]”, consagrado que os autores se obrigam a aceitar os serviços prestados pela “GG” ou, por quem esta designar, os quais não poderão recusar ou, por qualquer forma, opor-se, impedir ou criar entraves à sua prestação, permitindo à ré ceder a sua posição contratual a terceiro, não, previamente, identificado, ou, com ele sub-contratar, sem necessidade de autorização dos autores, constituem cláusulas contratuais gerais, absolutamente, proibidas, e, portanto, nulas, nos termos das disposições combinadas dos artigos 18º, l), 20º e 12º, todos do RJCCG. Aliás, não ficou demonstrado o consentimento dos autores quanto à cessão da posição contratual, sendo inócua a declaração constante da cláusula “sem necessidade de autorização dos autores”, cuja nulidade foi declarada. V.4. Estipula-se na “Cláusula Sexta que, no caso de violação da obrigação constante da Cláusula Quinta [autora AA], ou, no caso de violação de quaisquer obrigações constantes deste documento [autor CC], (os autores) obrigam-se a pagar à sociedade “GG” uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação”. Esta cláusula contempla a situação em que, na hipótese de violação, pela autora AA, da obrigação de, “em caso de transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, o terceiro adquirente ou arrendatário se obrigarem a incluir como condição escrita dos respetivos contratos, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas, ou, quanto ao autor CC, de todas as obrigações constantes do contrato que subscreveu”, os autores se obrigariam a pagar à sociedade “GG” uma indemnização, em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação”. Face ao teor desta cláusula sexta, comum a ambos os autores, a ré sustenta a inexistência da sua nulidade, em virtude de aqueles poderem revogar o contrato, atento o disposto pelo artigo 1172º, do CC, desvinculando-se das obrigações que assumiram, com o pagamento de uma indemnização, em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida, no ano em que tiver ocorrido a violação. Quer isto dizer que esta cláusula consagra uma «cláusula penal», pois que as partes fixaram, por acordo, o montante da indemnização exigível, nos termos do disposto pelo artigo 810º, nº 1, do CC. Trata-se, porém, de uma cláusula penal que se fixou num montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida, no ano em que tiver ocorrido a violação, traduzindo-se numa cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, com base no estipulado pelo artigo 19º, c), do RJCCG, se não mesmo, manifestamente, excessiva, sujeita a redução judicial equitativa, de acordo com o disposto pelo artigo 812º, nº 1, do CC. Deste modo, consiste numa cláusula contratual geral, relativamente, proibida, face ao quadro negocial padronizado, e, portanto, nula, nos termos das disposições combinadas dos A isto acresce que o cumprimento da cláusula penal estabelecida como sanção para a violação pelos autores das sobreditas obrigações constantes da «cláusula sexta» não desvincularia a autora AA, sem mais, do cumprimento das restantes obrigações clausuladas, porquanto a aludida cláusula penal, apenas, abrangia a obrigação respeitante à «cláusula sexta», nem desobrigaria ambos os autores de continuarem vinculados ao cumprimento do contrato de prestação de serviço, que se manteria, entretanto, a menos que o revogassem, mas com a obrigação de indemnizar a ré pelo prejuízo sofrido, em conformidade com o preceituado pelo artigo 1172º, corpo, e c), do CC, vendo-se ainda obrigados a vender a propriedade dos respetivos bens. VII. DO ABUSO DE DIREITO VII.1.Entende ainda a ré que os autores excederam, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, ao arguirem a nulidade das referidas cláusulas, que não existe, assumindo uma posição não só diversa, como, conscientemente, contraditória com a sua antecedente posição, inclusive, em ação judicial anterior, e isto, decorridos mais de 12 e 14 anos sobre a data da celebração e execução do contrato, criando-se na prestadora de serviços a legitima confiança de que não iriam questionar as cláusulas do contrato e a sua validade, sendo ainda inaceitável confirmar-se a decisão da 1ª instância que diz haver abuso de direito, quanto à arguição da nulidade total do contrato, mas considera que já não existe abuso de direito na arguição de nulidade de determinadas cláusulas. Nos termos do preceituado pelo artigo 334º, do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa-fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, ou seja, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar[29]. Pretende-se impedir com o abuso de direito que a norma seja desvirtuada do seu real sentido e alcance, aplicando-a, mas com autêntica fidelidade ao seu espírito[30]. Impõe-se, por isso, para que haja abuso de direito, que o excesso do titular ultrapasse esses limites, de forma manifesta, com o fim de prejudicar outrem[31], uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico, socialmente, dominante[32], sendo certo que o abuso de direito é um limite normativo, interno ou imanente, dos direitos subjetivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados[33]. É que, na base da tutela conferida pelo instituto do abuso de direito, encontra-se a reação contra o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, quer pela sua intensidade, quer pela sua extensão, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de outrem, através do funcionamento da lei, criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar, através do mesmo. Uma das categorias doutrinárias preferenciais dos comportamentos viciados pelo abuso de direito que, quando ultrapassados certos limites, desencadeia resultados, totalmente, alheios aqueles que o ordenamento jurídico poderia tolerar, em que se conceptualiza a proibição do «venire contra factum proprium», também, denominado conduta contraditória, radicada na boa-fé, modalidade ou aplicação clássica do instituto do abuso de direito, consiste na aparência que suscita a confiança das pessoas[34], isto é, na conduta contraditória combinada com o princípio da tutela da confiança[35]. Próximo da figura do «venire contra factum proprium» situam-se a «renúncia» e a «neutralização do direito», sendo necessário, para que esta última se verifique, a combinação de duas circunstâncias, ou seja, que o titular do direito deixe passar longo tempo sem o exercer, e ainda que, com base nesse decurso de tempo e numa particular conduta do referido titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convição justificada de que o direito já não será exercido, a qual, movida por essa confiança, adotou programas de acção, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado[36]. Ora, esta categoria da proibição do «venire contra factum proprium» exige a verificação de vários pressupostos fundamentais, quais sejam, a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) susceptível de fundar uma situação objetiva de confiança [1], que a conduta anterior (factum proprium), bem assim como a actual, em contradição com aquela, sejam imputáveis ao agente [2], que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, ou seja, que tenha confiado na situação criada pelo ato anterior, ignorando, sem culpa, a eventual intenção contrária do agente [3], que haja um «investimento de confiança», traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade, com base no «factum proprium», de modo tal que a destruição dessa atividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) consubstanciem uma injustiça clara, evidente [4][37] e, finalmente, que o referido «investimento de confiança» seja causado por uma confiança subjetiva, objetivamente, fundada, isto é, uma relação de causalidade entre, por um lado, a situação objetiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a «disposição» ou «investimento» levado a cabo e que deu origem ao dano [5][38]. VII.2. Recuperando, agora em síntese mais apertada, a matéria de facto que ficou demonstrada, importa reter que, em 1993/1994, a Câmara Municipal de ... celebrou com a “GG” um protocolo, visando o desenvolvimento urbanístico e turístico da Herdade da ..., no âmbito do qual transferiu as suas responsabilidades de conservação e manutenção, no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza, para a mesma, vindo a ré a proceder à manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria, bem como à limpeza das bermas, passeios e estradas, enquanto que a recolha de lixos domésticos, no interior da Herdade da ..., era realizada pelo Município de .... Tendo os autores celebrado com a “GG”, em 1997, dois contratos de compra e venda de outros dois lotes de terreno para construção, situados na Herdade da ..., ficou a constar do documento complementar de cada uma das escrituras um cláusula, em que aqueles se obrigaram a pagar à referida sociedade, como contrapartida pelos serviços prestados pela mesma com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, uma prestação pecuniária de um determinado montante, variável, anualmente. A esse tempo, em 1997, a Herdade da ... encontrava-se vedada e possuía duas portarias com cancela, que o Município de ... retirou, administrativamente, em virtude do que foi proposta ação de declaração de nulidade desse ato de remoção. A Herdade da ... não tem estatuto de domínio privado, podendo qualquer pessoa, livremente, aceder à mesma, sendo proibida a sua identificação, beneficiando todos os proprietários e nela residentes dos mesmos serviços, muito embora nem todos os proprietários se encontrem obrigados pelo aludido documento complementar. Em 2009, a ré propôs contra os aqui autores, AA e marido, uma ação declarativa de condenação, para pagamento da retribuição pela prestação de serviços constantes do documento complementar, tendo aqueles, na contestação, excecionado a ilegitimidade, a ineptidão da petição inicial, a prescrição e o não cumprimento do contrato, mas vindo a ser condenados a pagar à ora ré a quantia correspondente a 75% do preço, relativo aos serviços prestados. Assim sendo, a base da confiança dos autores assentava na convição de que a Herdade da ... era, efetivamente, um condomínio fechado, que incluía, como se evidenciava, cancelas, portaria e vedação da propriedade, em que a cobrança dos serviços prestados era a contraprestação, desconhecendo, porém, os mesmos, tratar-se de uma situação de assunção de serviços públicos, por parte da “GG”, por “delegação” da Câmara Municipal de ..., como contrapartida e condição do loteamento não oneroso. Deste modo, os autores, ao arguirem a nulidade das cláusulas dos contratos de prestação de serviços, já analisadas e demonstradas, em consequência da alteração do circunstancionalismo ocorrido aquando da celebração dos contratos-promessa e dos subsequentes contratos prometidos, em função da nova realidade urbanística da Herdade da ... que, afinal, ao arrepio do que, razoavelmente, se lhes afigurava ser uma zona de condomínio fechado, passando a constituir, de facto, uma zona de acesso livre, a todas as pessoas, embora mantendo a obrigação de pagamento à ré, como contrapartida dos serviços prestados pela mesma com a manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, não agiram com abuso de direito. Com efeito, em 1993/1994, a “GG”, antecessora jurídica da ré, celebrara com a Câmara Municipal de ... um protocolo, visando o desenvolvimento urbanístico e turístico da Herdade da ..., no âmbito do qual o Município transferiu para aquela as suas responsabilidades de conservação e manutenção, no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza, vindo a ré a proceder à manutenção da vedação da propriedade, segurança ativa, portaria, bem como à limpeza das bermas, passeios e estradas, conservando-se a Herdade da ..., em 1997, aquando da celebração dos contratos de compra e venda com os autores, ainda vedada, possuindo duas portarias com cancela, que o Município de ..., logo após, retirou, administrativamente, deixando de ter estatuto de domínio privado, a ponto de os autores AA e marido terem deixado de cumprir a obrigação de pagamento da prestação a que se haviam vinculado, o que originou a demanda movida pela ré, cuja sentença os condenou no pagamento da quantia correspondente a 75% do preço, relativo aos serviços prestados. E, em 2012, os autores propuseram a presente acção, em que invocam a nulidade das aludidas cláusulas contratuais. A interpretação crítica da cronologia dos acontecimentos relatados não consente a imputação aos autores de uma conduta contraditória com a sua antecedente posição, de modo a criar na ré a legitima confiança de que não iriam questionar as cláusulas do contrato e a sua validade. A sentença proferida na acção instaurada pela ré contra os autores AA e marido não formou caso julgado, relativamente à presente causa, pelo que o aí decidido, onde aqueles contestaram a dívida, não afeta a pronúncia que tenha lugar nesta última, para mais que, na presente ação, já foi decidido, com trânsito em julgado formal, que “inexistia a exceção do caso julgado, por serem diversos os pedidos e a causa de pedir”. Relativamente à construção do abuso de direiro, na perspetiva da “invalidação total do contrato”, ensaiada pelo acórdão recorrido, mas não decidida em concreto, trata-se de uma formulação argumentativa e retórica, razão pela qual se não pode daí concluir, em termos de contradição de posições entre o que se defendeu, em sede de invalidade parcial das cláusulas contratuais, ou, antes, da invalidade total do contrato, nem a função dos tribunais consiste em pronunciar-se sobre questões académicas e especulativas. Deste modo, a propositura da ação pelos autores não representa, no contexto fático considerado, um exercício, desequilibradamente, desproporcional, em relação à posição jurídica, anteriormente, assumida. Assim sendo, não se verificam os pressupostos da figura do abuso de direito, susceptível de ter feito inquinar a conduta dos autores, com a propositura da presente ação. VIII. DA NULIDADE DA CLÁUSULA SEXTA DO CONTRATO CELEBRADO PELOS AUTORES CC E ESPOSA Defendem ainda os autores que deve ser retificado o acórdão recorrido, quando este olvida a declaração de nulidade, no tocante à «cláusula sexta» do contrato dos autores CC e esposa, pois que, por mero lapso, na alínea c) da decisão, não terá sido referida a cláusula sexta do contrato de prestação de serviço, aludido no número 8 da matéria de facto, sendo certo que, se a cláusula sexta do contrato de prestação de serviço, referido no n° 6 da matéria de facto, deve ser declarada nula, tratando-se, de igual redacção, a cláusula sexta do contrato de prestação de serviço, referido no número 8 da matéria de facto, deverá conhecer idêntica solução. Consta da alínea b) do dispositivo do acórdão impugnado que “b) Declara-se a nulidade das cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de prestação de serviços referido no número 6 da matéria de facto;”. Da «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviço, referido no número 6 da matéria de facto, consta que “Cláusula Sexta – No caso de violação da obrigação constante da Cláusula Quinta, obrigam-se a pagar à sociedade GG, S.A. uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação.”. E, da «cláusula quinta», para onde a pretérita «cláusula sexta» remete, consta que “Cláusula Quinta – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas;”. Por seu turno, da «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviço, referido no número 8 da matéria de facto, consta que “Cláusula Sexta – No caso de violação de quaisquer obrigações constantes deste documento, obrigam-se a pagar à sociedade GG, S.A. uma indemnização em montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida no ano em que tiver ocorrido a violação”. E, da «cláusula sétima», para onde a pretérita «cláusula sexta» remete, globalmente, bem como às demais, consta que “Cláusula Sétima – Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas”. Quer isto dizer que a única diferença existente entre a «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviço, referido no número 6 da matéria de facto, e a «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviços, referido no número 8 da matéria de facto, consiste em que a remissão para uma cláusula de conteúdo, precisamente, idêntico, ou seja, “Caso venham a proceder à transmissão ou arrendamento do lote de terreno ora adquirido, obriga-se o comprador a incluir como condição escrita do respetivo contrato, a aceitação e cumprimento pelo terceiro adquirente ou arrendatário, das obrigações atrás assumidas”, tem o número de «cláusula quinta», no contrato alusivo aos autores AA e marido, e refere-se “à violação de quaisquer obrigações constantes deste documento”, incluindo a que consta da «cláusula sétima», no contrato respeitante aos autores CC e esposa, que apresenta o mesmo conteúdo. Deste modo, na procedência deste segmento da revista subordinada dos autores, declara-se, igualmente, a nulidade da «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviço, referido no número 8 da matéria de facto, respeitante aos autores CC e DD. Refira-se ainda que, ao contrário do que sustenta a ré, nas suas contra-alegações do recurso de revista subordinado das autoras, na conclusão V, não se verifica a situação da «dupla conformidade», neste segmento do acórdão, como tal impeditiva do conhecimento dessa questão, em sede de revista-regra, porquanto a sentença de 1ª instância é de sinal contrário à do acórdão, já que absolveu a ré do pedido. IX. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Sustentam, também, os autores que o acórdão impugnado violou o princípio de igualdade, pois que se todos os compradores beneficiam dos mesmos serviços, nem todos se encontram obrigados ao pagamento resultante do contrato complementar. A propósito do princípio da igualdade, dispõe o artigo 13º, da Constituição da República, no seu nº 1, que “todos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, acrescentando o respetivo nº 2, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. O princípio constitucional da igualdade, respeitando, em primeira linha, à matéria de direitos, liberdades e garantias, é, diretamente, aplicável e vincula as entidades públicas e privadas, como decorre do preceituado pelo artigo 18º, nº 1, da Constituição da República. A eficácia horizontal do princípio da igualdade significa que o mesmo tem como destinatários os próprios particulares nas relações entre si, podendo ser imediata, no âmbito das relações intersubjetivas, ou mediata, se vier a ser concretizado pelo legislador, na ordem jurídica infraconstitucional. O problema da eficácia do princípio da igualdade, em relação a particulares, fora dos casos dos direitos fundamentais de igualdade, expressamente, previstos na Constituição, em sede de direitos, liberdades e garantias, ou dotados de natureza análoga, e dos direitos fundamentais que gozam de eficácia imediata nas relações entre particulares, por força de expressas normas constitucionais, consiste em saber se, enquanto princípio objetivo de ordem constitucional, pode ser transformado em princípio objetivo de ordem jurídica privada, sobretudo, no direito civil. Embora a relevância do princípio da igualdade nas relações privadas seja maior nas normas jurídico-privadas, também se pode verificar, no caso de atos jurídicos individuais de natureza discriminatória, como expressão da «constitucionalização do direito civil», e, embora implique uma limitação da autonomia privada e da liberdade negocial, não pode restringir estes princípios do direito civil e da liberdade individual, sendo, por isso, que, salvo nas hipóteses em que a aplicação do princípio da igualdade às relações privadas resulta, diretamente, da Constituição, essa aplicação configura-se como aplicação de um princípio constitucional que informa toda a ordem jurídica e não como aplicação de uma regra constitucional que se imponha, determinativamente, a toda a ordem jurídica[39]. Assim sendo, não se mostra violado, «in casu», o princípio constitucional da igualdade, relativamente às cláusulas do contrato de prestação de serviço que subsistem como válidas. CONCLUSÕES: III - A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o sujeito «passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõem algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto. IV - Não tendo o predisponente demonstrado, como lhe competia, que as cláusulas controvertidas resultaram de negociação prévia entre as partes, está-se perante cláusulas contratuais gerais, revestindo os contratos de prestação de serviço, coligados aos contratos de compra e venda, a natureza de contratos de adesão, que aquele sujeitou, inelutavelmente, à aceitação dos aderentes. V - A boa-fé contratual impõe às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade, de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. VI - Os critérios da boa-fé permitem alcançar a indicação dos modos corretos de efectuar a prestação e de exigir o seu cumprimento, demarcando certos limites do exercício legítimo de um poder, formalmente, reconhecido pela ordem jurídica, no quadro da cláusula geral do abuso de direito. VII – A cláusula contratual que contempla uma obrigação do comprador de efetuar uma prestação pecuniária, de conteúdo variável, como contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, sem uma específica discriminação dos seus termos, torna imprecisa, por falta de rigor e transparência, a prestação devida, podendo ocasionar prejuízos relevantes para o adquirente, não justificáveis pelos legítimos interesses do vendedor, ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação, consubstanciando uma cláusula contratual geral contrária à boa-fé e, consequentemente, nula. VIII - Não se encontrando a prestação pecuniária, contrapartida pelos serviços prestados pelo vendedor, “nos mesmos moldes em que tem vindo a ser efectuada”, a cargo do comprador, inicialmente, determinada, não é de natureza indeterminável, podendo vir a sê-lo, posteriormente, porquanto, tratando-se embora de uma obrigação pecuniária, é, no fundo, uma obrigação genérica. IX - O critério que deve presidir à individualização da prestação, na ausência de estipulação legal, deve orientar-se por uma escolha honesta, integrando-se a declaração negocial de harmonia com a vontade que as partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta, atento o preceituado pelo artigo 239º, do CC. X - Não é válida a obrigação sempre que o objeto da prestação se não encontre, desde o momento da celebração do negócio, completamente, individualizado, e nem possa vir a ser concretizado, em momento posterior, por falta, ou, eventual inoperância, de um critério, para esse efeito, estabelecido pelas partes, no respetivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas, ou com recurso ao critério supletivo dos juízos de equidade. XI - Não pode revestir natureza «propter rem» a obrigação assumida pelos adquirentes de lotes de terreno compreendidos em dado empreendimento urbanístico, de realizarem determinadas obras destinadas a assegurar a harmonia estética do conjunto, ou de contribuírem, segundo certa proporção, para um fundo afetado ao pagamento de serviços (v. g., de vigilância ou de limpeza) de que todos beneficiem, apenas podendo produzir as obrigações desta índole, efeitos «inter partes», não vinculando os sub-adquirentes, nem os adquirentes, a título originário, dos prédios em relação aos quais foram assumidas. XII - Obrigando-se o comprador a aceitar os serviços prestados pelo vendedor, ou por quem este designar, sem possibilidade de recusa ou, por qualquer forma, de oposição, impedimento ou criação de entraves à sua prestação e, caso venha a proceder à transmissão ou arrendamento do bem adquirido, ficando os terceiros adquirentes ou arrendatários obrigados a incluir, como condição escrita dos respetivos contratos, a aceitação e cumprimento das obrigações atrás assumidas, foram criadas obrigações cujo tempo de vigência, apenas, depende da vontade do vendedor-predisponente. XIII - Não podendo ser criadas obrigações que vinculem, também, terceiros, sem o consentimento destes, impondo-se uma obrigação a todo aquele que, no futuro, venha a ser proprietário de uma coisa, semelhante cláusula contratual geral, ao estabelecer uma obrigação cujo tempo de vigência depende, apenas, da vontade do predisponente, é, absolutamente, proibida, e, portanto, nula. XIV – Permitindo uma cláusula contratual ao vendedor ceder a sua posição contratual a terceiro, não, previamente, identificado, ou com ele sub-contratar, sem necessidade de autorização do comprador, constitui uma cláusula contratual geral, absolutamente, proibida, e, portanto, nula. XV – A validade da cessão da posição contratual depende, invariavelmente, do consentimento do cedido, que pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato causal ou instrumental da cessão, sendo certo que se o consentimento for anterior à cessão, esta só produz efeitos, a partir da sua notificação ou reconhecimento, que não é passível de ser prescindida pelas partes, em documento anterior, para mais constante de uma cláusula contratual geral declarada nula. XVI – A cláusula penal que se fixou num montante correspondente a vinte vezes a prestação anual devida, no ano em que tiver ocorrido a violação, traduz-se numa cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, se não mesmo, manifestamente, excessiva, sujeita a redução judicial equitativa e, como tal, enquadrando uma cláusula contratual geral, relativamente, proibida, e, portanto, nula. XVII - A «neutralização do direito», figura próxima do «venire contra factum proprium», impõe a combinação de duas circunstâncias, ou seja, que o titular do direito deixe passar longo tempo sem o exercer, e ainda que, com base nesse decurso de tempo e numa particular conduta do referido titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convição justificada de que o direito já não será exercido, a qual, movida por essa confiança, adotou programas de acção, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado. XVIII - Os autores, ao arguirem a nulidade das cláusulas do contrato de prestação de serviço, em consequência da alteração do circunstancionalismo ocorrido aquando da celebração dos contratos-promessa e dos subsequentes contratos prometidos, em função da nova realidade urbanística que, afinal, ao arrepio do que, razoavelmente, se afigurava ser uma zona de condomínio fechado, passou a constituir, de facto, uma zona de acesso livre, a todas as pessoas, embora mantendo a obrigação de pagamento à ré, como contrapartida pelos serviços prestados pela mesma com a vedação da propriedade, segurança ativa, portaria e sistema de recolha de lixos domésticos, não assumiram uma conduta contraditória com a sua antecedente posição, de modo a criar na ré a legitima confiança de que não iriam questionar as cláusulas do contrato e a sua validade, não representando a propositura da acção, no contexto fático considerado, um exercício, desequilibradamente, desproporcional, em relação à posição jurídica, precedentemente, assumida, reveladora da figura do abuso de direito. XIX - O problema da eficácia do princípio da igualdade, em relação a particulares, fora do âmbito dos direitos fundamentais de igualdade e análogos, consiste em saber se, enquanto princípio objetivo de ordem constitucional, pode ser transformado em princípio objetivo de ordem jurídica privada, sobretudo, no direito civil. XX - Como expressão da «constitucionalização do direito civil», admite-se ainda, mas em menor escala, a relevância do princípio da igualdade, nas relações privadas, em matéria de atos jurídicos individuais de natureza discriminatória, mas sem que tal implique uma limitação da autonomia privada e da liberdade negocial, pelo que, salvo nas hipóteses em que a aplicação do princípio da igualdade às relações privadas resulta, directamente, da Constituição, não se impõe, determinativamente, a toda a ordem jurídica. DECISÃO[40]: Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista da ré, mas em conceder, tão-só, parcial procedência à revista subordinada dos autores, pelo que, em consequência, revogam o douto acórdão impugnado, apenas, no segmento em que restringiu a nulidade à «cláusula sexta» do contrato de prestação de serviço, referido no número 6 da matéria de facto, declarando-se a mesma, também, extensiva “à nulidade da cláusula sexta do contrato de prestação de serviço, referido no número 8 da matéria de facto”, que confirmam, em tudo o mais. * Custas da revista independente, a cargo da ré, e da revista subordinada, a cargo da ré e dos autores, na proporção de ¾ e de ¼, respetivamente. * Notifique.
Lisboa, 21 de junho de 2016
Hélder Roque (Relator)
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
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