Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
895/21.4T8FNC-B.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
AVAL
DENÚNCIA
ABUSO DO DIREITO
SUPRESSIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).

II–Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.

III–O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância.

IV–O aval é um acto jurídico cambiário, unilateral e completo, que se comporta como negócio abstracto e mediante o qual se garante objectivamente o pagamento da letra, constituindo para o avalista uma obrigação substancialmente autónoma, mas formalmente acessória da obrigação avalizada, que opera como garantia adicional, fazendo com que o seu dador seja responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

VTendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada (AUJ 4/2013).

VIExiste uma situação de abuso do direito quando se constata que este foi exercido - em termos objectivos - inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante, situação que ocorre, na modalidade de supressio, quando o titular do direito o vem exercer depois de uma prolongada abstenção, depois de suscitar uma expectativa legítima e razoável de que o não irá exercer ou que a ele haja renunciado, ou ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a certo modo do seu exercício, o que é atendível quando a sua criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de confiança que seja justificada e razoável.

VII– Existe uma situação de supressio quando:
i)- uma livrança avalizada foi subscrita e entregue em Março de 2002 (sendo o aval dado enquanto administrador de uma accionista da subscritora) para garantia de um contrato e leasing imobiliário;
ii)- em Dezembro de 2007 a accionista vende as acções da sociedade subscritora da livrança;
iii) a venda é comunicada ao Banco que, para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da sociedade em causa, tendo mostrado disponibilidade para substituir os avais, tendo em seu poder a certificação do contrato de alteração da titularidade das acções, o que foi satisfeito;
iv)- o embargante (que deixou de acompanhar a sociedade cujas acções foram vendidas a partir de Dezembro de 2007) ficou convencido a partir daí teria ficado exonerado da obrigação referente ao aval referido em i)- (até por se tratar de uma responsabilidade não comunicada ao Banco de Portugal);
v)- o Banco e a empresa de Leasing que era beneficiária da livrança (que funcionava aos Balcões do Banco, com os mesmos funcionários) fundiram-se em Dezembro de 2008;
vi)- a subscritora da livrança só entrou em incumprimento em Maio de 2010, sendo declarada insolvente em 2012 (tendo o Banco reclamado os créditos mas nada tendo recebido);
vii)- o Banco Embargado só preencheu a livrança em 2021, sem que ao Embargante tenha sido dado conhecimento da existência da dívida (não tendo outros avais do Banco sido executados), instaurando a execução 13 anos depois de o embargante ter abandonado a sociedade subscritora da livrança.

VIIIA convicção do Embargante no sentido de ter ficado exonerado da obrigação referente ao aval dos autos sempre seria a convicção que qualquer cidadão ou cidadã comum adquiriria e deixaria instalar na sua mente, mais ainda quando não foram executados outros avais prestados directamente ao Banco, não foi executado o ora em análise mesmo depois da insolvência da sociedade avalizada (só o sendo cerca de nove anos depois desta ser declarada), ao que acresce a circunstância de nunca ter sido feita entrar a livrança no circuito cambiário.

IXO direito a executar o aval da livrança de que o Banco é beneficiário, nos termos pretendidos - objectivamente - corresponde a uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça, ou mesmo a uma afronta ao sentimento jurídico dominante: chocaria qualquer um/a, chocaria o/a cidadão/ã comum, chocaria uma “pessoa de bem”.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório


Os presentes embargos de executado foram deduzidos por J… contra a Exequente N…, SA. (agora em substituição do B…, SA., no qual foi incorporado, por fusão, a BX…, SA.), sendo peticionada a extinção da execução, tendo para o efeito sido alegado que:
-o embargante foi administrador da C…, SA., que foi proprietária de 40.000 acções do capital social da sociedade subscritora da livrança (CL…, SA.);
-em 31/12/2007, por escritura pública, a C… vendeu as acções da CL… (sociedade subscritora da livrança exequenda) a G…, o que foi comunicado ao B…, SA., tendo este declarado estar disponível para substituir os avais, desde que estivesse munido de cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções, exigência que foi satisfeita;
-aceitando ter avalizado a livrança exequenda, o embargante sustentou ter sido libertado do aval, ficando seguro da extinção da responsabilidade que sobre si impendia;
-o aval prescreveu nos termos do artigo 70.º da LULL, por a livrança ter sido preenchida 13 anos depois da libertação do aval;
-verifica-se um abuso do direito, na modalidade supressio, nunca tendo recebido recebeu qualquer interpelação;
-em 31/12/2007, a sociedade subscritora da livrança não tinha dívidas que impactassem a sua actividade comercial e que não mais teve conhecimento da vida societária desta;
-o embargado não comunicou ao Banco de Portugal a responsabilidade inerente ao crédito aqui peticionado.

Em sede de Contestação, o embargado veio alegar que:
-a livrança exequenda foi entregue para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato de locação financeira imobiliária celebrado, em 20/03/2002, entre a BX... e a CL..., tendo a fracção autónoma subjacente ao contrato sido afecta à prossecução do objecto social da locatária;
-a CL... se obrigou a pagar à locadora 144 rendas mensais e sucessivas: a primeira de 28.624,58 €, as restantes de 3.330,43 €;
-a BX... foi, até 29/12/2008, entidade distinta do B..., dado que só nesta data ocorreu a fusão de ambas, concluindo que a carta aludida na petição inicial de embargos se refere apenas aos créditos contraídos perante o B..., créditos esses cujos avais não foram executados;
-em relação à operação em causa nos autos, não houve substituição de garantias nem libertação do aval;
-inexiste qualquer prescrição cambiária;
-a sociedade subscritora foi declarada insolvente em 16/01/2012, sendo que o contrato de locação financeira imobiliária subjacente à livrança foi declarado resolvido em 03/05/2012, por acordo entre o B...e a massa insolvente da CL..., tendo sido encerrado o processo de insolvência a 11/10/2017, nada tendo recebido;
-em 05/01/2021, enviou uma carta ao embargante, dando-lhe conhecimento do preenchimento da livrança pelo valor de 152.381,52 €.

A Embargada-Exequente peticiona ainda a condenação do Embargante-Executado como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542.º a), b) e d), do Código de Processo Civil.

O embargante exerceu o contraditório em relação à litigância de má-fé e aos documentos juntos com a contestação.

Realizada Audiência Prévia, nela foi julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição cambiária e foram fixados o objecto de litígio e os temas da prova.

Após realização da Audiência Final foi proferida Sentença, em cujo Dispositivo consta: Pelo exposto, julgo procedentes os embargos de executado e, consequentemente, absolvo o embargante do pedido exequendo”.

A Exequente-Embargada veio recorrer da decisão e apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
I–Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. (…) que decidiu julgar “procedentes os embargos de executado e, consequentemente” absolveu “o embargante do pedido exequendo.”
II–Pese embora o tribunal tenha concluído que, “o embargante não foi exonerado da responsabilidade inerente ao aval, assistindo razão ao embargado neste ponto”, termina dizendo que, “o embargado (…) age em abuso do direito, excepção peremptória que se declara e determina a improcedência do pedido exequendo.”
III–O recorrente não se conforma com o desfecho da decisão “a quo”, por entender que, a prova documental produzida nos autos, impunha distinta decisão de facto e, consequentemente, distinta decisão de direito.
IV–Na perspectiva do recorrente, a reapreciação/reponderação da matéria de facto conduzirá a diferente conclusão quanto à procedência da presente acção.
V–Assim, desde logo, para efeitos do disposto no artigo 640º do CPC, o recorrente não se conforma que, não tenha sido dada como provada a seguinte factualidade:
Facto EE
- O embargante, deu o seu aval a operações - originariamente - contratadas pela CL... junto do então B..., tais como as que infra se indicam, cujo aval não foi executado:(sublinhado nosso)
a)-Renovação e alteração da facilidade de crédito em conta corrente 2438 9194 2005, datada de 17/12/2001;
b)-Contrato de constituição de garantia, datado de 28/09/2005, alusivo à garantia bancária n.º 321560;
c)-Contrato de constituição de garantia, datado de 22/02/2006, alusivo à garantia bancária nº 324782;
d)-Contrato de garantia n.º ec011868/07, relativo à garantia bancária n.º 321560, datado de 01/09/2006;
e)-Contrato de garantia n.º ec011862/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274481;
f)-Contrato de garantia n.º ec011864/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274482;
g)-Contrato de garantia n.º ec011865/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274485;
h)-Contrato de garantia n.º ec011868/07, datado de 01/09/2006, alusivo à garantia bancária n.º 321560;
i)-Contrato de garantia n.º ec011873/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 321565;
j)-Contrato de garantia n.º ec011875/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 321566;
k)-Contrato de garantia n.º ec011895/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 324984;
l)-Contrato de garantia n.º ec011894/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 325129.

VIQue, não tenha sido dado como não provado o seguinte facto, tendo, ao invés, sido dado como provado sob a alínea AA:
Facto 2
-O embargante ficou convencido de ter sido exonerada da obrigação respeitante ao aval dado à livrança exequenda.

VIIE, por fim, que na parte final do facto X dos factos provados não conste a seguinte menção “junto do B..., S.A.” – ou seja, que a redacção de tal facto não seja a que ora se indica:
Facto X
-Foi comunicada ao B... a venda das acções, para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL... junto do B…, SA.
VIIIMais não se conformando com a subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice; discordando, por consequência, da decisão de mérito.
IXA reapreciação/reponderação da matéria de facto, documentada e gravada - o que expressamente se requer ao abrigo do disposto no artigo 640º do CPC -, conduzirá a diferente conclusão quanto ao desfecho da presente acção.
X Desde logo, no que concerne ao aditamento do Facto FF, certo é que os docs. 15 a 28 juntos à contestação do embargado, ora recorrente, não foram impugnados e/ou arguida a sua falsidade, sendo que o próprio tribunal “a quo” não declarou (oficiosamente) a sua falsidade, pelo que cumpre dá-los por assentes.

XINo que concerne ao aditamento do facto 2 dos factos não provados, e ao contrário do asseverado pelo tribunal “a quo”, certo é que o embargante, em sede de declarações de parte disse:
i)-entrou na CL... em 2002, aquando da sua fundação, através de um grupo seu, a C..., que detém várias empresas, entre 10 a 12, tendo ficado com 40%;
ii)-logo no início fez um empréstimo, que avalizou;
iii)-que o Banco disse que aceitava a substituição do aval, desde que lhe apresentassem a situação regularizada;
iv)-trabalhava com o Banco;
v)-já deu centenas de avais, de modo consciente;
vi)-não se preocupou com o recebimento de uma carta do Banco a informar que o aval estava liberto;
vii)-e não se recorda de ter recebido uma carta do B... ou da BX... a comunicar a libertação do aval.

Atente-se, então, às suas declarações de parte, prestadas na sessão de julgamento, realizada aos 27/09/2022, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, com início ocorreu pelas 10:26:35 horas e o seu termo pelas 10:56:48 horas.
XIIMais, pese embora o embargante tenha dito que vendeu a sua participação social na C... a terceiro, com a consequente substituição do aval para este, ainda assim, optou, igualmente, por não o arrolar como testemunha.
XIIIDepois, o embargante trata-se de pessoa com literacia financeira, que, a final, e de modo negligente, sequer se preocupou por acautelar a efectiva substituição do aval.
XIVPor seu lado, as responsabilidades que a CL... detinha originariamente no B...– e das quais o embargante foi efectivamente exonerada, facto EE – são deveras diferentes da responsabilidade subjacente à subscrição da livrança exequenda (originariamente BX...).
XVSendo que, a prova da concordância do ora Exequente (então BX...) na substituição de aval competia ao Embargante, dado tratar-se de facto por si alegado, prova que implicaria também a demonstração da substituição do contrato em curso; cfr. interpretativamente o facto Y dos factos provados.
XVIEm face do exposto, máxime no que concerne à vasta experiência de empresário do Embargante e da sua testemunha, a então sócia APN, e à ausência de prova, testemunhal, do adquirente da sua participação social na C..., afigura-se que, a tese do embargante é inverídica, devendo o facto em análise ser, ao invés, dado como não provado.

XVIIE, por fim, o facto X dos factos provados deverá passar ter a seguinte completa redacção:
- Foi comunicada ao B... a venda das acções, para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL... junto do B..., SA.
XVIIICom efeito, a carta do então B... datada de 30/10/2007, recebida pelo Embargante, tem o seguinte teor: “o B..., SA está disponível para substituir os avales pessoais da Sra. PNe do Sr. J..., de todos os créditos titulados pela CL... SA, desde que esteja em nosso poder uma cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções, de modo a actualizar a ficha de caracterização da CL... SA e consequentemente substituir os contratos actualmente em curso”; cfr. o facto Y dos factos provados.
XIXSendo que, a fusão da BX... no B...ocorreu posteriormente, aos 29/12/2008; cfr. facto T dos factos provados.
XXAliás, o próprio tribunal a quo concluiu que, à luz da factualidade provada, é mister considerar que o embargante não foi exonerada da responsabilidade inerente ao aval; cfr. pág. 14 da douta sentença.
XXIDonde que, conjugando-se o ora aduzido com o arrazoado a propósito do facto antecedente, dever-se-á, pois, aditar ao facto X a menção “junto do B...”.
XXIIEm síntese, entende o recorrente que, atendendo à prova produzida nos autos, estavam reunidos fundamentos bastantes para o tribunal “a quo” concluir
- pela resposta positiva (provado) ao facto EE supra enunciado, o qual deve ser aditado à decisão da matéria de facto,
- pela resposta negativa (não provado) ao facto 2 supra elencado o qual deve ser aditado à decisão da matéria de facto, como não provado,
- eliminando-se dos factos provados (facto AA),
- e pela modificação da redacção do facto X dos factos provados nos termos antes descritos.
XXIIIA douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 342º do CC.
XXIVAinda a intento da decisão da matéria de facto, particularmente quanto ao facto 1 dos factos não provados, evidencia-se, ainda, que a ausência de prova do envio da carta a que tal facto alude tem como consequência única a circunstância de os juros moratórios passarem a ser contados a partir da citação da Embargante para os presentes autos.
XXVCom efeito, o artigo 805.º do Código Civil estabelece o princípio de que a constituição em mora depende de interpelação, a ser operada por via judicial ou extrajudicial.
XXVISendo que, a interpelação judicial pode ser concretizada através da citação, tal como decorre da determinação contida no artigo 219.º do CPC.
XXVIILogo, a omissão de interpelação foi sanada com a citação para os presentes autos.
XXVIIIAqui chegados, e no que concerne ao conhecido abuso de direito, olhando para a situação dos autos, partindo do crivo dos factos impugnados, temos de concluir que não está presente na factualidade provada qualquer apoio à tese do embargante.
XXIXComo se verifica pela factualidade assente e não assente, e respectiva ordem cronológica resulta manifesto que o embargado não actuou em má-fé.
XXXAliás, o próprio Embargante confessou ter dado “o seu aval pessoal à livrança a preencher pelo montante em dívida em caso de incumprimento da subscritora CL... – estudos, projetos, instalações de climatização e ar condicionados, s.a.”; cfr. art.º 7º dos doutos embargos e os factos B e dos factos provados.
XXXIMais sabendo que, a livrança em causa foi entregue à então BX... imobiliária, “para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do contrato de locação financeira imobiliária (processo no 804678) referente a bem(ns) imóvel(eis) à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que a BX... imobiliária tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos livrança subscrita por CL..., sa e avalizada por J…(…), FM(…), PN (…) com o montante e data de vencimento em branco, para que a BX... imobiliária os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno proceder ao seu desconto o que, desde já, e por esta, se autoriza.” (sublinhado nosso); cfr. os factos D e dos factos provados.
XXXIINão respeitando assim a uma - qualquer - responsabilidade originariamente do então B..., tanto mais que, a BX... apenas foi integrada no então B..., aos 29/12/2008, sendo, até então, entidades juridicamente distintas; cfr. facto T dos factos provados.
XXXIIIOra, por um lado, datando a carta do então B... de 30/10/2007 e, por outro, reportando-se a fusão da BX... no então B...a 29/12/2008, a responsabilidade adveniente do contrato de locação financeira celebrada entre a então BX... e a CL... aos 20/03/2002, não foi alvo de uma qualquer substituição de garantias - e consequente extinção - do aval do embargante.
XXXIVInexistindo uma qualquer libertação do aval pessoal do embargante (como, de resto, concluiu o tribunal “a quo”) quanto ao contrato objecto dos presentes autos, como, aliás, esta, no fundo, bem sabe, ao contrário do que, todavia, referiu nos autos.
XXXVCom efeito, a própria carta do então B... datada de 30/10/2007, recebida pelo Embargante, tem inclusivamente o seguinte teor: “o B..., SA está disponível para substituir os avales pessoais da Sra. PNe do Sr. J..., de todos os créditos titulados pela CL... SA, desde que esteja em nosso poder uma cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções, de modo a actualizar a ficha de caracterização da CL... SA e consequentemente substituir os contratos actualmente em curso”; cfr. o facto Y dos factos provados.
XXXVINoutra perspectiva ainda: a lei não estabelece um prazo-limite para a data a inscrever na livrança em branco como data de vencimento da obrigação cartular.
XXXVIIOra, a autorização de preenchimento da livrança, assinada pelo embargante, ostenta o seguinte teor: «para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do contrato de locação financeira imobiliária […], compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, dos juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que a BX... imobiliária tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos livrança […]. livrança esta […] com montante e data de vencimento em branco, para que a BX... imobiliária os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno proceder ao se desconto[,] o que, desde já, e por esta, se autoriza.»; cfr. e facto dos factos provados.
XXXVIIIA jurisprudência consolidada do supremo tribunal de justiça milita no sentido de que, não se apurando que a vontade dos intervenientes tenha ou tivesse sido a de estabelecer condicionamentos à data de vencimento e, não sendo estes impostos pela boa-fé, o portador da livrança em branco é livre de a preencher com a data que considerar conveniente.
XXIXNo que toca à boa fé, adquire particular interesse para o caso vertente o que se decidiu no acórdão do STJ de 19/10/2017 (proc. 1468/11.5tbalq-b.l1.s1): “IV. O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em que se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
V.o simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.
VI.o preenchimento de uma livrança, entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de doze anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de sete anos sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da acção executiva contra a avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no artigo 334.º do código civil, na modalidade de “venire contra factum proprium”.” (sublinhado nosso)
XL-Concluindo, mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2022 (Proc. 227/21.1T8OVR-A.P1): “I. O mero decurso de cerca de 15 anos sobre o facto que autoriza o preenchimento de uma livrança subscrita em branco não permite considerar abusivo o preenchimento da livrança com uma data de vencimento contemporânea do preenchimento, quando não se alega qualquer desconformidade entre o preenchimento e o pacto de preenchimento e a livrança não entrou em circulação, mantendo-se em poder do portador inicial e parte na relação fundamental que pode opor ao direito cartular as excepções relativas a essa relação.(…).” (sublinhado nosso)
XLIA verdade é que não se vislumbram razões para pôr em causa a tese já consolidada na jurisprudência do STJ.
XLIIPonderadas todas as circunstâncias relevantes, podia o exequente, portador da livrança, preenchê-la quando veio a preenchê-la, ou seja, quase 11 anos após o incumprimento.
XLIIIAinda assim, tece-se uma derradeira nota: o recorrente tem a noção de que impressiona o facto de terem decorrido quase 11 anos entre o momento em que a livrança podia ter sido preenchida e o momento em que o foi. esta dimensão temporal tem um enorme impacto psicológico e tem de ser justificada como o seguinte argumento.
XLIVA livrança foi tão-só preenchida em 2021, porquanto, por um lado, aguardou-se o desfecho do processo de insolvência da CL..., o que ocorreu aos 11/10/2017 (cfr. o facto R dos factos provados), e por outro lado, procurou-se averiguar da viabilidade do pagamento, pela via extrajudicial – eventos que, o tribunal “a quo” desconsiderou.
XLVPosto isto, não se pode considerar que a cobrança da dívida excede manifestamente os limites da boa-fé.
XLVIOutro entendimento que não este, fará o embargante incorrer em enriquecimento sem causa.
XLVIIPelo exposto, deve proceder o presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos ante expostos e conclua pela improcedência dos embargos.

Por seu turno, o Embargante-Executado apresentou Contra-Alegações, as quais termina com as seguintes Conclusões:
a)-A douta sentença a quo não merece qualquer reparo, nem devem ser alterados quaisquer factos provados ou não provados que da mesma constam;
b)-O Recorrido ficou convencido e demonstrou tal em tribunal, quer por declarações de parte, quer por depoimento das testemunhas arroladas que, com a cedência das ações da sociedade CL... ficaria desonerado de todos os avais;
c)-Para o Recorrido não havia verdadeira separação entre as entidades do B... e da B... Leasing, porquanto os assuntos eram tratados no mesmo balcão, com as mesmas pessoas de sempre e com as quais o Recorrido tratava, mesmo que por interposta pessoa (vejam-se as declarações da testemunha AN);

d)- Veja-se, a este propósito, o que refere a sentença respaldada no depoimento da testemunha arrolada pelo Recorrente:
“Além de plausível, desde logo porque a BX... não tinha balcão próprio, esta afirmação encontra respaldo no testemunho de PD, funcionário do embargado desde 1995, e Director do Centro de Empresas da Madeira no período de 2006 a 2008. Esta testemunha admitiu, com credibilidade e conhecimento directo desta realidade, decorrente das suas funções, que os membros da estrutura comercial do B... eram os «originadores do negócio» e «interlocutores» da BX... e do cliente, daí resultando que podiam ser portadores de pedidos atinentes a contratos celebrados unicamente com a BX....”

e)-Ora, para o homem médio, mesmo que com conhecimentos financeiros (e no caso do Recorrido o que temos é um homem de negócios, de acção, mais do que entendido em papéis – é o mesmo que afirma, secundado pela testemunha AN, que era esta quem se deslocava aos bancos e tratava dos papéis, cabendo aquele o papel de comercial e angariação de negócios com potenciais clientes), a confusão entre B... e B... Leasing era de tal monta que regra geral, mesmo antes da fusão, as pessoas médias entendiam que se tratava de uma só pessoa colectiva;
f)-Não precisamos de relembrar a confusão que se originou com a queda do grupo B...;
g)-O Recorrido, além de genuinamente convicto de que com a recepção da carta de 30-11-2007 e a cedência das acões ficaria exonerado de todos os avais, mais foi cimentando tal convicção com o decorrer do tempo, sem que tenha sido por alguma forma interpelado;
h)-O Recorrente diz que enviou uma carta de interpelação, mas nem sequer conseguiu fazer prova de que tal carta saiu das suas instalações, foi dobrada e colocada num envelope, e muito menos que a mesma foi entregue numa estação de correios, registada com aviso de recepção e recebida pelo destinatário;
i)-Ao Recorrente não basta dizer que enviou uma carta, tem de provar que a enviou;
j)-Mesmo que se aceite que a carta de 30-11-2007 apenas vinculava o B... e não a BX.., a verdade é que existe em sociedade dois princípios que podemos considerar basilares: o princípio da confiança e o princípio da boa-fé;
k)-O comportamento do Recorrente enquadra-se no âmbito do abuso do direito por violação daqueles dois princípios basilares;

l)-Tal como já tínhamos referido na petição dos embargos e que citamos:
Ora vejamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2009, Processo n.º 08B2688, disponível em www.dgsi.pt: “Uma modalidade especial da proibição do venire – se não mesmo uma figura autónoma na fisionomia polimórfica do abuso do direito – é a chamada «verwirkung», que se caracteriza da seguinte forma: o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; com base neste decurso de tempo e numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado”.
m)-A figura da verwirkung, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido, expectativa esta que foi efectiva e legitimamente criada no Executado.
n)-Para o efeito, veja-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2018, Processo n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio” (sublinhados nossos).”

o)-Além do que citamos, que já tínhamos referido na petição de embargos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2020, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b33f3
a2119d18e218025862b003652bd?OpenDocument: “I- O termo suppressio é a tradução latina proposta por Menezes Cordeiro, na sua tese de doutoramento “Da boa fé no direito civil”, da figura da Verwirkung do direito alemão, a qual conheceu as suas primeiras manifestações no último quartel do século XIX, ainda em tempos anteriores à entrada em vigor do B.G.B.
II- Com essa designação pretende-se abarcar as hipóteses em que, devido ao titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inação criaram na contraparte a confiança que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a proteção da ordem jurídica através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador (a surrectio, como tradução latina da Erwirkung alemã, e que constitui com a suppressio as duas faces da mesma moeda).
III- Fruto da teorização desta figura no direito português, introduzida por Menezes Cordeiro, a mesma tem vindo a ser objeto de profusa equação nos tribunais desde os últimos anos do século XX, invocando as mais diversas decisões que ponderaram a sua aplicação, em diferentes situações, o instituto do abuso de direito, consagrado no art.º 334º do C.Civil.
IV- É opinião corrente entre nós que a suppressio abrange situações próximas ou que constituem uma modalidade da figura do venire contra factum proprio, em que o exercício de um direito se revela contraditório com um anterior comportamento de inação prolongada, que, atentas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, induzem o sujeito obrigado por esse direito a, legitimamente, confiar que o mesmo já não será exercido, pelo que a sua ativação ofende os ditames da boa fé.

V- Costumam ser enunciados como requisitos de aplicação desta figura:
- um não exercício prolongado do direito;
- uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação ao não exercente da confiança criada.
VI- Note-se que estes pressupostos não são necessariamente cumulativos, processando-se a sua articulação dentro dos mecanismos de uma sistemática móvel, ou seja, a falta de algum ou alguns deles pode ser suprida pela especial intensidade que assumam os restantes.
VII- Relativamente à prescrição dos direitos, a suppressio, tendo em comum o pressuposto da inércia do titular do direito durante um significativo período de tempo, afasta-se destas figuras ao depender da existência de um concreto investimento de confiança por parte do devedor para operar.

p)-Neste acórdão importa fazer referência também às seguintes passagens que são relevantes e que têm perfeita aplicação no caso dos autos:
“Esse não exercício prolongado deste direito de crédito, atendendo à sua extensa duração, é susceptível de causar na contraparte, tendo em consideração as expetativas de um contraente comum (o bonnus pater familiae), um sentimento de confiança justificada de que o crédito já não lhe seria cobrado. (…) Note-se, em primeiro lugar, que estamos perante uma inação do credor durante um período que excede largamente o prazo máximo que o legislador entendeu ser o adequado para o exercício do direito em causa, tendo em conta os valores da segurança jurídica e da certeza do direito, o que é suficiente para a constituição de uma situação objetiva de confiança no não exercício do direito, sendo dispensável a verificação de outras circunstâncias circundantes que confirmem essa situação.”

q)-Veja-se, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-02-2020, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/2c95cab01173825d80258522004fe1c3?OpenDocument: “(…) 2- O instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre o titular do direito, que assume comportamentos contraditórios relativos ao exercício desse direito, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio comportamento, assentando o abuso numa estrutura que pressupõe duas condutas da parte do titular do direito, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos temporais deferidos, em que a primeira conduta (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra).
3- O abuso de direito, na modalidade de supressio assenta no decurso de um período de tempo suficientemente amplo, sem que o direito seja exercido, e que perante as circunstâncias específicas e concretas em que ocorre esse não exercício, seja suscetível de criar àquele em relação ao qual o direito é exercido, a legitima e fundada expectativa de que esse direito não mais seria exercido.
4- O que distingue a supressio da modalidade venire contra factum proprium é a ausência, na primeira, do comportamento anterior do titular do direito (a ausência do factum), bastando o decurso do tempo significativo sem que o direito seja exercido para, face às específicas e concretas circunstâncias do caso, ser criada à contraparte contra quem o direito é exercido a fundada e legítima expectativa de que o mesmo não seria mais exercido.
5- Para haver abuso de direito na modalidade de supressio, não basta o mero decurso do tempo sem que o direito seja exercido, mas é necessário que para além do não exercício do direito durante um período longo de tempo (variável, de acordo com as circunstâncias do caso concreto), sejam apuradas circunstâncias objetivas e concretos que justifiquem a expectativa, legítima e fundada, daquele em relação ao qual o direito é exercido de que o respetivo titular não mais o exerceria, ou seja, é necessário que do conjunto das circunstâncias do caso concreto, se conclua que o titular do direito deu àquele em relação ao qual o exercita a impressão de que não mais faria valer o direito em causa. (…)”

r)-Como se pode verificar pelo ponto 5 do sumário do acórdão citado na anterior alinea q) nos presentes autos também se verificaram circunstâncias que levaram o Recorrido a acreditar que o direito que o Recorrente quis fazer valer com a execução dos autos principais, não mais seria exercido;
s)-Desde logo a não interpelação ao pagamento, o decurso do tempo e a convicção criada no Recorrido que estava desonerado de todos os avais;
t)-Essa expectativa criada no Recorrido decorre também do facto de o contrato de locação financeira imobiliário ter sido incumprido 20/05/2010 e só em 2021 o Recorrente preencheu a livrança, nunca tendo dado conhecimento ao Recorrido da existência da dívida, não exercendo o direito por mais de 10 anos;
u)-Acresce que não se pode aceitar que sirva a citação para a execução de simples interpelação ao pagamento, porquanto a citação serve para dar conhecimento de que corre contra uma pessoa determinada acção e é chamado para se defender, não sendo necessariamente interpelação ao pagamento;
v)-A citação no âmbito da execução ocorre depois da penhora, não tem os mesmos objectivos da interpelação ao pagamento extrajudicial.
w)-Alegar que não se preencheu e executou em período anterior a livrança dada à execução nos presentes autos, porque se aguardava o desfecho do processo de insolvência da CL..., o que ocorreu aos 11/10/2017, não pode colher, porquanto:
i)-mesmo que assim fosse passaram cerca de quatro anos após o encerramento desse processo;
ii)-a interpelação ao pagamento sempre poderia ter ocorrido, o que como sabemos não sucedeu;
iii)-o tempo decorrido desde o desfecho do processo da CL..., onde o Recorrido não foi parte, manteve e cimentou a confiança no Recorrido de que não seria executado;
x)-Ao contrário do que refere o Recorrente os documentos juntos com a contestação aos embargos sob os n.ºs 15 a 28 foram impugnados, mas tal alegação não corresponde minimamente à verdade.

y)-O Recorrido exerceu o seu direito ao contraditório quanto à contestação apresentada pelo Recorrente e no artigo 4.º desse articulado referiu, expressamente:
a)-Impugna ainda o Embargante, nos termos do disposto no artigo 444.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, os documentos n.os1, 2,4 a 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 juntos pela Exequente, por desconhecer se as reproduções mecânicas ora juntas são exactas e reprodução fiel do seu original.
b)- Impugna também nos termos do artigo n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, os documentos n.os 3, 15 e16 juntos pela Exequente, porquanto, não sabe se a assinatura constantes desses documentos e se as reproduções mecânicas ora juntas são exactas e a reprodução fiel do seu original.

z)-Se é verdade que a resposta à contestação não foi totalmente aceite (veja-se o douto despacho de 19-10-2021 com a referência citius 50680209), também é verdade que quanto aos artigos 4.º e 5.º da resposta à contestação o referido despacho manteve os mesmos.
Leia-se:
aa)-Assim, ficando de fora da matéria dada como não escrita no articulado de resposta, o que se refere no artigo 4.º desse articulado e já citado, os documentos 14 e 17 a 28 juntos pelo Recorrente com a sua contestação foram impugnados expressamente pelo Recorrente.
bb)-E no artigo 5.º ficaram impugnados os documentos 3, 15 e 16 juntos pelo Recorrente com a contestação.
cc)-Falta assim à verdade o Recorrente quando refere que os documentos não foram impugnados.
dd)-Da mesma forma não se percebe a alegação sobre quem o Recorrido deveria ter ou não arrolado como testemunha, que o Recorrente faz nas suas alegações;
ee)-Além do Recorrente não ter nada a ver com isso, sempre poderia o mesmo ter arrolado quem bem quisesse, dentro das limitações legais, não tem é de opinar, em sede de alegações de recurso sobre a prova indicada ou arrolada pelo Recorrido, muito menos nesta fase processual;
ff)-A matéria de facto dada como provada e não provada não precisa de ser alterada, tendo sido feita a devida ponderação e adequação entre a prova produzida – documental e testemunhal, com os factos dados como provados e não provados;
gg)-A douta sentença recorrida não padece de qualquer vicio ou erro de interpretação, aplicação da lei ou interpretação e subsunção da prova produzida aos factos, pelo que a mesma deve ser mantida.

QUESTÕES A DECIDIR

São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
A-verificar a necessidade de dar como provado um novo Facto (EE), com a redacção abaixo descrita;
B-verificar a necessidade de ser considerado não provado o Facto  provado AA (“O embargante ficou convencido de ter sido exonerada da obrigação respeitante ao aval dado à livrança exequenda”);
C-verificar a necessidade de acrescentar, na parte final do Facto X, a menção “junto do B..., S.A.”;
D-apreciar se, em face da factualidade apurada se mostram adequadamente decididos os embargos, nomeadamente no que concerne à existência de uma situação de abuso de direito na apresentação como título executivo da livrança em causa nos autos.

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[2]:
A.Foi dada como título executivo uma livrança com os seguintes dizeres: «Lisboa», «152.381,58 €», «2002.03.13», «2021.01.29», nos campos destinados ao local, valor, data de emissão e data de vencimento, respectivamente.
B.O embargante apôs a sua assinatura no verso da livrança sob a frase: «Dou o meu aval à firma subscritora».
C.No local destinado aos subscritores consta uma assinatura por cima de um carimbo com os dizeres «CL..., SA».
D.Esta livrança foi entregue, em branco, pela CL..., SA. à BX..., SA., pessoa colectiva com o n.º 5.......7, para garantia do cumprimento das obrigações referentes ao escrito particular denominado «CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA», correspondente à proposta n.º 804678, celebrado por estas entidades em 20/03/2002, e que aqui se dá por reproduzido.
E.A «AUTORIZAÇÃO» de preenchimento da livrança, assinada pelo embargante, ostenta o seguinte teor: «Para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do Contrato de Locação Financeira Imobiliária […], compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, dos juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que a BX... IMOBILIÁRIA tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos Livrança […]. Livrança esta […] com montante e data de vencimento em branco, para que a BX... IMOBILIÁRIA os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno proceder ao seu desconto [,] o que, desde já, e por esta, se autoriza.»
F.Este contrato teve por objecto a fracção autónoma «BA» do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, situado na freguesia de São Pedro, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º --- (da respectiva freguesia).
G.As outorgantes declararam fixar em 380.510,84 € o valor total da aquisição do imóvel.
H.Mais declararam fixar em 12 anos a duração do contrato, com 144 rendas mensais e sucessivas a cargo da CL...: a primeira de 28.624,58 €, as restantes de 3.330,43 € cada.
I.As outorgantes declararam acordar, quanto ao pagamento das rendas, que seriam debitados na conta da CL... com o n.º 00070..............42 e creditados na conta da BX... com o n.º 00070...............67.
J.Da cláusula quinta das condições particulares consta que o acima referido imóvel se destinava à «Prossecução do objecto social do Locatário».
K.A cláusula décima terceira das condições gerais, com a epígrafe «RESOLUÇÃO DO CONTRATO» apresenta a seguinte redacção: «[…] TRÊS – Em caso de resolução do contrato, a LOCADORA tem direito à restituição imediata do imóvel por parte da LOCADORA, livre de ónus ou encargos [,] e a conservar as rendas vencidas e pagas e, ainda: a) A receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora devidos, bem como de todos os encargos suportados pela locadora, por força da resolução do contrato; b) A receber uma indemnização a título de perdas e danos, de montante igual a trinta por cento das rendas vincendas e do valor residual, sem prejuízo da integral reparação de todos os prejuízos causados. […] CINCO – Em alternativa aos direitos consignados no número três desta cláusula, a LOCADORA poderá exercer os seus direitos de crédito sobre a LOCATÁRIA, que se considerarão todos vencidos, a partir do momento do incumprimento, passando, a partir de então, a vencer juros.»
L.A CL... foi declarada insolvente em 16/01/2012, no processo n.º 4235/11.2TBFUN, que correu termos no (extinto) 1.º Juízo Cível do Funchal.
M.Em 14/04/2012, o Sr. Administrador de Insolvência declarou optar pelo «não cumprimento dos contratos de locação financeira», incluindo o acima referido.
N.O B..., SA (doravante, B...), alegando ter sucedido nos créditos da BX..., decorrente de fusão de ambas as sociedades, reclamou créditos no processo de insolvência.
O.No que tange ao contrato de locação financeira acima referido, o B..., alegando não ter sido paga a renda vencida em 20/05/2010 nem as subsequentes, reclamou a quantia global de 177.222,99 €: rendas vencidas e não pagas (76.015,95 €); rendas vincendas acrescidas de IVA (91.868,02 €); valor residual (9.339,02 €).
P.Por escrito particular denominado «ACORDO DE RESOLUÇÃO», outorgado em 03/05/2012, o B...e a CL... (esta representada pelo Sr. Administrador de Insolvência) declararam que, em relação ao contrato de locação financeira imobiliária acima referido, o montante das rendas vencidas e não pagas, acrescido de encargos, era de 83.712,03 € e que a tal montante acresciam juros de mora e uma indemnização de montante igual a 30 % da soma das rendas vincendas e do valor residual.
Q.Mais declararam resolver o contrato de locação financeira imobiliária, com a menção de que, em 03/05/2012, o imóvel acima referido foi restituído ao B....
R.O processo de insolvência foi declarado encerrado, após rateio final, em 11/10/2017.
S.O embargado não recebeu nenhuma quantia no processo de insolvência por conta do contrato de locação financeira acima referido.
T.Por escritura pública de «FUSÃO», outorgada em 29/12/2008, foi transferido para o B... o património (elementos do activo e do passivo) da BX....
U.O aval correspondente à livrança exequenda foi prestado pelo embargante na qualidade de administradora da C..., SA (doravante, C...), que, por sua vez, era accionista da CL....
V.Por escrito particular intitulado «COMPRA E VENDA DE ACÇÕES», de 31/12/2007, outorgado pela C..., SA (doravante, C...) e G..., aquela declarou ser «legítima possuidora e proprietária de 40.000 ações do tipo A no capital da sociedade CL...».
W.A C... declarou ainda vender a G..., que declarou adquirir, as «40.000 acções nominativas do valor nominal de cinco euros que det[é]m no capital social da CL... », pelo preço de 200.000 €.
X.Foi comunicada ao B... a venda das acções, para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL....
Y.Em 30/10/2007, o B... remeteu aos avalistas uma missiva, por estes recebida, com o seguinte teor: «Vimos pela presente informar que o B..., SA está disponível para substituir os avales pessoais da Sra. PN e do Sr. J..., de todos os créditos titulados pela CL... SA, desde que esteja em nosso poder uma cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções, de modo a actualizar a ficha de caracterização da CL... SA e consequentemente substituir os contratos actualmente em curso.»
Z.O escrito particular intitulado «COMPRA E VENDA DE ACÇÕES» foi entregue ao B....
AA.O embargante ficou convencido de ter sido exonerado da obrigação respeitante ao aval dado à livrança exequenda.
BB.O embargante não acompanha a vida societária da CL... desde 31/12/2007.
CC.A operação subjacente à livrança exequenda não consta da lista de responsabilidades comunicadas ao Banco de Portugal referente a 30/04/2021.
DD.A presente execução foi intentada em 15/02/2021 e o embargante foi citado em 11/05/2021.
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O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
1.- Em 05/01/2021, o embargado enviou ao embargado uma missiva com o seguinte teor: «Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido [contrato de locação financeira imobiliária referido nos factos provados], do qual V. Exa. é Avalista, encontra-se já em fase de Contencioso.
Deste modo foi o mesmo resolvido pelo que, e de acordo com o disposto na Cláusula 13ª. Das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira em epigrafe, consideramos definitivamente incumprido o mesmo contrato com as consequências indicadas no nº 3 daquela Cláusula [.] Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o Preenchimento da Livrança de Caução, entregue para o efeito por V.Exa., com o montante de 152.381,58 EUROS. Este valor encontra-se a pagamento nos nossos serviços, Rua Castilho, 26, 5º, em Lisboa, até 29/01/2021 (data de vencimento da livrança). O valor em divida refere-se às seguintes parcelas vencidas: RENDAS VENCIDAS E NÃO PAGAS 83.031,97 EUR / JUROS DE MORA SOBRE RENDAS 32.453,83 EUR / INDEMNIZAÇÃO COM JUROS DE MORA 36.133,87 EUR / SELAGEM DA LIVRANÇA 761,91 EUR / TOTAL DA LIVRANÇA A PAGAR 152.381,58 EUR».
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APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[3].

Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.

Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[4], nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1)-indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2)-especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a)e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[5],sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[6], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)[7].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)(Relação de Guimarães 15/12/2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[8] e Relação de Lisboa 26/09/2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).

Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”[9].

Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[10].

Verificadas as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente esta diverge:
i)-quanto ao acrescentar aos factos provados do Facto EE (““O embargante, deu o seu aval a operações - originariamente - contratadas pela CL... junto do então B..., tais como as que infra se indicam, cujo aval não foi executado:(sublinhado nosso)
a)-Renovação e alteração da facilidade de crédito em conta corrente 2438 9194 2005, datada de 17/12/2001;
b)-Contrato de constituição de garantia, datado de 28/09/2005, alusivo à garantia bancária n.º 321560;
c)-Contrato de constituição de garantia, datado de 22/02/2006, alusivo à garantia bancária nº 324782;
d)-Contrato de garantia n.º ec011868/07, relativo à garantia bancária n.º 321560, datado de 01/09/2006;
e)-Contrato de garantia n.º ec011862/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274481;
f)-Contrato de garantia n.º ec011864/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274482;
g)-Contrato de garantia n.º ec011865/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 274485;
h)-Contrato de garantia n.º ec011868/07, datado de 01/09/2006, alusivo à garantia bancária n.º 321560;
i)-Contrato de garantia n.º ec011873/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 321565;
j)-Contrato de garantia n.º ec011875/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 321566;
k)-Contrato de garantia n.º ec011895/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 324984;
l)-Contrato de garantia n.º ec011894/07, datado de 01/09/2006, relativo à garantia bancária n.º 325129”;
ii)-quanto à prova do Facto AA (“O embargante ficou convencido de ter sido exonerada da obrigação respeitante ao aval dado à livrança exequenda”);
iii)-quanto ao acrescentar na parte final do Facto X, da menção “junto do B..., S.A.”.

No que à primeira situação concerne (i)-), entende a Recorrente que o referido facto haveria de ser dado como provado, “em função dos Docs. 15 a 28 juntos à contestação do Embargado, ora Recorrente, os quais sequer foram impugnados e/ou arguida a sua falsidade, sendo que o próprio tribunal “a quo” não declarou (oficiosamente) a sua falsidade”.
Sobre a matéria, vem o Recorrido referir que os documentos em causa foram por si expressamente impugnados, nos termos do artigo 444.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, por desconhecer se as reproduções mecânicas ora juntas são exactas e reprodução fiel do seu original.
Neste ponto, o Embargado-Recorrente lavra – efectivamente – num equívoco, uma vez que os referidos documentos foram impugnados, ao contrário do que afirma, no articulado de resposta à Contestação que, quanto a tal impugnação, foi relevado pelo Tribunal a quo (no despacho de 19/10/2021 – Referência Citius n.º 50680209).
Assim sendo e para além de se tratar de um facto que não alteraria a decisão final dos autos, indefere-se a pretensão deduzida, nada se acrescentando.
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Quanto ao Facto AA (ii)-), entende a Recorrente que deveria ser considerado não provado em face das declarações de parte produzidas pelo Embargante, das declarações produzidas pelas testemunhas APN (Embargante no apenso A) e PD (funcionário do Embargado), tudo conjugado com a vasta experiência como empresários dos dois primeiros e a ausência de prova, testemunhal, do adquirente da sua participação social na C..., que tornam a tese defendida nos Embargos “parca e inverosímil”.

Assim, entende o Embargado que:
- o Embargante sabia-se avalista da CL..., por via do contrato de locação financeira imobiliária referido no Facto D;
- e sabia que, para garantia e segurança do bom e pontual pagamento das obrigações decorrentes do referido contrato, a CL... entregou à então BX... Imobiliária uma livrança, por si subscrita e avalizada pelo Embargante J…e pelos Executados APN e FM;
- o próprio Embargante confessou ter dado “o seu aval pessoal à livrança a preencher pelo montante em dívida em caso de incumprimento da subscritora CL... S.A.” (Factos B e E) e que tal livrança foi entregue à então BX..., “para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do Contrato de Locação Financeira Imobiliária (Processo n.º 804678) referente a bem(ns) imóvel(eis) à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que a BX... tenha sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos Livrança subscrita por CL... SA e avalizada por J…(…), FM(…), PN (…) com o montante e data de vencimento em branco, para que a BX... os fixe completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno proceder ao seu desconto o que, desde já, e por esta, se autoriza (Factos D e E);
- tal não respeitava a uma qualquer responsabilidade originária do então B..., tanto mais que a BX... apenas nele foi integrada a 29/12/2008 (Facto T);
- datando a carta do então B...de 30/10/2007 a responsabilidade adveniente do contrato de locação financeira celebrada entre a então BX... e a CL... aos 20/03/2002, não foi alvo de uma qualquer substituição de garantias - e consequente extinção - do aval do Embargante, inexistindo uma qualquer libertação do aval pessoal do Embargante;
- o Embargante é pessoa com literacia financeira que, a final, e de modo negligente, sequer se preocupou por acautelar a efectiva substituição do aval.

Das declarações de parte, o Embargado retira que:
- este assume ter entrado na CL... em 2002, através da C..., tendo ficado com 40% e que, logo no início a CL... fez um empréstimo, que avalizou;
- o Banco disse que aceitava a substituição do aval, desde que lhe apresentassem a situação regularizada;
- trabalhava com o Banco e já deu centenas de avais, de modo consciente;
- não se preocupou com o recebimento de uma carta do Banco a informar que o aval estava liberto, não se recordando de ter recebido uma carta do B...ou da BX... a comunicar a libertação do aval;
- vendeu a sua participação social na C... a terceiro, com a consequente substituição do aval para este, não o tendo arrolado como testemunha.

Por outro lado, da testemunha APN, o Embargado retira que junto com o Embargante eram ambos accionistas da C..., que trabalhavam com vários bancos, que tinha o pelouro financeiro a seu cargo, que não sabe se receberam a comunicação do Banco a informar da libertação deste aval, que quando o Banco referiu que estava disponível para substituir o aval não significa que está substituído; que não sabe por quem foi substituído, remetendo o tema para o seu departamento jurídico, que trabalha com bancos há muitos anos e quando era libertada de um aval, recebia uma carta do Banco nesse sentido, que tem 30 anos de experiência com grupos que facturam milhões, que não lhe diz respeito quem ia substituir o aval da CL... e que distingue completamente o B...da BX....

No que respeita à testemunha PD, o Embargado retém que foi ele a assinou a carta de 30/10/2007 (referida no Facto Y), na sequência de uma proposta de crédito elaborada pelo banco e aprovada pela direcção de crédito que contemplava um conjunto de créditos que a empresa tinha no B..., que eram exclusivamente garantias bancárias, e uma conta corrente caucionada; que foram estas as responsabilidades que figuravam no B...e para as quais foi proposto a substituição de avalistas, que viu o despacho de autorização, assinado pela comissão de crédito do B..., não havendo qualquer referência à operação da BX... (sendo que, à data – 2007 - as operações de Leasing do B...eram feitas pela BX... que era uma entidade jurídica autónoma), que a substituição da livrança implicava a assinatura de um aditamento ao contrato, que a desoneração à B... implicava um pedido formal a tal entidade, enviado directamente, ou dado ao centro de empresas para o fazer chegar à BX... e não tem esse pedido, nem o mesmo consta dos registos, não sendo os gestores do centro de empresas que elaboram propostas ou despachos alusivos à BX..., nem o próprio B....
O embargante manifestou-se contrário à alteração do Facto, de provado para não provado.
Importa aqui sublinhar que o Tribunal a quo, no que a este Facto respeita, deixou escrito que “se valoraram os esclarecimentos prestados pelo embargante, para prova dos factos U, X, Z, AA e BB.
As declarações de parte (artigo 466.º do CPC) assumem valor autónomo e podem ser suficientes para nelas o julgador estribar a sua decisão. Como se aduz no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2017 (Luís Filipe Sousa), acessível em www.dgsi.pt: «Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade».
À luz destas premissas, impunha-se firmar a decisão (também) nas declarações do embargante, desde logo porque foram autênticas, espontâneas e consentâneas com a globalidade dos elementos probatórios coligidos, sem olvidar, claro está, as regras da experiência comum.
O embargante aludiu à sua condição de accionista da C... (que, por sua vez, era accionista da CL..., como decorre do contrato de compra e venda de acções acima mencionado), esclarecendo ter sido nessa qualidade que avalizou a livrança exequenda (facto U).
Também confirmou que, na sequência da venda das acções, foi pedida ao B...a exoneração das garantias (facto X), realidade que também se extrai da missiva do B... plasmada no facto Y.
Embora não tenha intervindo nas negociações, o embargante confirmou ter sido entregue ao B...o contrato de compra e venda de acções, para efeitos de libertação do aval (facto Z), referindo que daí em diante não mais acompanhou a vida societária da CL... (facto BB). Neste particular, refira-se que o embargado admitiu, na contestação (artigo 38.º), que não foram executados os avais prestados em operações celebradas entre a CL... e o B..., circunstância que confirma a entrega do contrato de compra e venda de acções, que era a condição exigida para a libertação das garantias prestadas a favor da CL... (facto Z).
Das declarações de parte, extrai-se que, desde a carta do B...e da consequente entrega do contrato de compra e venda das acções, o embargante ficou totalmente convencido de que lhe não seria imputada a responsabilidade decorrente do aval. Mais relatou que só voltou a ouvir falar desta operação com a citação para a execução (facto AA).
As declarações, além de nos terem parecido genuínas, são compatíveis com as regras da experiência comum, sendo várias as razões que fundamentam o convencimento.

Vejamos.

O embargante sustentou que as questões relativas às operações – do B... ou da BX... – eram tratadas com o gestor de conta do B…. Além de plausível, desde logo porque a BX não tinha balcão próprio, esta afirmação encontra respaldo no testemunho de PD, funcionário do embargado desde 1995, e Director do Centro de Empresas da Madeira no período de 2006 a 2008. Esta testemunha admitiu, com credibilidade e conhecimento directo desta realidade, decorrente das suas funções, que os membros da estrutura comercial do B... eram os «originadores do negócio» e «interlocutores» da BX... e do cliente, daí resultando que podiam ser portadores de pedidos atinentes a contratos celebrados unicamente com a BX....
Na verdade, parece-nos totalmente inverosímil que o embargante quisesse somente ser exonerado das responsabilidades assumidas, enquanto avalista, perante o B…, mantendo as assumidas perante a BX.... Que sentido faria esta distinção?
Conjugados, estes elementos demonstram que as questões do B... e da BX... eram tratadas com as mesmas pessoas e que, na sequência da carta do B... (interpretada como sendo extensível às operações da BX...) e da subsequente entrega do contrato de compra e venda de acções, o embargante ficou efectivamente convencido da exoneração do aval.
O lapso de tempo volvido desde a venda das acções e a execução, somado aos restantes elementos, sempre seria suficiente para idêntica conclusão.
Note-se que a co-executada APN, inquirida como testemunha por não ser parte nestes embargos de executado, depôs em sentido idêntico, confirmando que, depois da recepção da carta do B…, o contrato de compra e venda de acções foi entregue, razão pela qual ficaram convencidos de que não seriam executados os avais.
A testemunha APN confirmou, com credibilidade, coerência e isenção, que todas as questões eram tratadas com o gestor de conta do B…, até porque não havia balcão da BX.... Mais afiançou que, até à execução, nunca foi contactada para pagamento da dívida, tendo referido inclusive que teve negócios com o B... até 2013/2014.
Em relação ao facto não provado, impõe-se referir que a decisão do tribunal radica na falta de junção aos autos do comprovativo de envio da carta. O embargado limitou-se a juntar uma «folha de rosto» (documento n.º 13 da contestação), da qual não se extrai o envio. A testemunha JH, funcionário do embargado, afirmou que houve interpelação e que a carta foi enviada com AR. Todavia, o AR nunca foi junto. Perguntar-se-á: se existe AR, onde está? Os embargos de executado deram entrada em juízo em 04/06/2021, pelo que o embargado teve tempo suficiente para juntar tal documento provar o envio da missiva.
Por este acervo de motivos, outra não poderia ser a decisão do tribunal”
Uma fundamentação clara, coerente, bem explicada e perfeitamente compreensível, conjugando todo o material probatório carreado para o processo.
Fundamentação esta à qual não pode deixar de se aderir.
A pretensão reclamatória apresentada pelo Embargante soçobra, desde logo porque a argumentação que aduz não permite a conclusão que pretende.
Efectivamente, o Embargado não pode pretender beneficiar daquilo a que o aforismo popular chama de “sol na eira e chuva no nabal”: a circunstância de o antecessor do Embargado (B…) enquanto Grupo, tratar no mesmo Balcão, com o mesmo gestor e funcionários, as negociações e toda a negociação de contratos de várias entidades (como o B...e a BX...) leva inevitavelmente a situações como a ocorrida nos autos (nomeadamente se, em caso de incumprimento, não houver novas comunicações). As entidades seriam distintas (e eram), mas para o cliente, tudo era B... (basta ouvir as declarações de parte do Embargante, concatenadas com os depoimentos das testemunhas APN e PD, para tirar essa linear conclusão) e o B...não pode prevalecer-se e beneficiar dessa situação (mais ainda quando efectivamente a fusão entre B...e BX... veio a ocorrer pouco depois e solidificou ao longo dos anos[11] a imagem inicialmente criada).
Assim, perante a venda das acções da C... na CL... (Factos V e W), perante a comunicação dessa venda ao B...(a seu pedido), para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL... (Facto X) e que teve como resposta uma carta a dizer que “o B..., SA está disponível para substituir os avales pessoais da Sra. PN e do Sr. J..., de todos os créditos titulados pela CL... SA, desde que esteja em nosso poder uma cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções, de modo a actualizar a ficha de caracterização da CL... SA e consequentemente substituir os contratos actualmente em curso” (Facto Y), ao ser-lhe entregue o escrito referido no Facto Z, é totalmente natural, normal e compreensível a conclusão factual a que o Tribunal a quo chegou no Facto AA (e que resulta consolidada pela forma como foi descrito o relacionamento entre as partes e pelo posteriormente sucedido em termos de “universo B…”).
Nada há, portanto, a alterar ao decidido na 1.ª Instância, pois, escutada a prova gravada (concatenada com a prova documental disponível), nada aponta - bem pelo contrário – para que as conclusões a que se chegou possam ser distintas.
O Facto AA mostra-se bem decidido e melhor fundamentado.
*

Por fim e quanto à pretensão de acrescentar ao Facto X (Foi comunicada ao B...a venda das acções, para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL...) a menção “junto do B..., S.A.”, trata-se - no contexto em que nos encontramos - de uma questão, mais do que irrelevante, desnecessária, uma vez - desde logo - que vem na sequência da missiva transcrita no Facto Y (tal como peticionado vem, o que se pretende é apenas e só dizer o que o Embargado quer que se diga, quando o que consta do Facto é, rigorosamente o que resulta da conjugação com o Facto Y e com o conjunto da prova produzida): o Facto X diz o que diz, como tem que dizer, não tendo que dizer o que o Embargado pretende forçar que diga.
Nada a alterar, portanto.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Letra e Livrança são dois títulos de crédito com "grandes semelhanças quer do ponto de vista económico, quer sob o ponto de vista jurídico. A diferença consiste apenas em que, enquanto a letra é como sabemos uma ordem de pagamento, que o sacador dá ao sacado para que pague ao tomador ou à sua ordem determinada quantia, na livrança não há propriamente esta ordem dada a outra pessoa para pagar.
O emitente subscritor do título, declara-se ele próprio obrigado a pagar ao tomador ou à sua ordem a quantia mencionada no título.(...) Tudo se passa como se o sacador sacasse sobre si próprio.(...) Enquanto a letra é uma obrigação de fazer pagar, a livrança é uma obrigação de pagar"[12].
A livrança ("nota promissória", no direito brasileiro, "pagaré", no direito espanhol, ou "billet a ordre", no direito francês), é o "título pelo qual uma pessoa se obriga a pagar uma determinada soma, numa determinada data, a um beneficiário ou à ordem dele"[13] ou - de forma mais expressiva - "o título de crédito à ordem, abstracto, formal e completo, que contém uma promessa incondicionada de pagar uma determinada quantia em dinheiro, ao seu portador legitimado, vinculando solidariamente todos os firmantes"[14]. Se se preferir, pode ainda dizer-se que se trata do "documento pelo qual uma pessoa denominada emitente promete pagar a outra, denominada favorecido, ou à sua ordem, um certo valor em dinheiro, num determinado dia e num determinado lugar, mediante a apresentação do documento"[15] ou, ainda, "o título pelo qual uma pessoa, denominada firmante, se obriga a pagar a outra, ou à sua ordem, uma determinada quantia, numa data e lugar determinados"[16].
Daqui resulta que na livrança está ausente a relação extracambiária de provisão, própria da letra, uma vez que o subscritor se compromete a si próprio e ao seu património, exclusiva e pessoalmente, como obrigado principal, a efectuar o pagamento[17].
De facto (ao contrário da Letra), a Livrança não se constitui como uma ordem de pagamento, mas sim como uma promessa de pagamento ("promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada" - artigo 75.º, §2.º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças-LULL).
No caso dos autos é este o título executivo apresentado (Facto A), na qual o embargante assumiu a posição de avalista (artigo 31.º, §3.º, ex vi do artigo 77.º, §3.º[18], da referida Lei Uniforme), como decorre do Facto B).
Ora, o "aval é um acto jurídico cambiário, unilateral e completo, que se comporta como negócio abstracto e mediante o qual se garante objectivamente o pagamento da letra", constituindo "para o avalista uma obrigação substancialmente autónoma, mas formalmente acessória da obrigação avalizada, que opera como garantia adicional"[19], fazendo com que, como decorre dos artigos 30.º, 31.º e 32.º e 77.º, da LULL, o dador do aval seja responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada[20]: o "avalista pela sua declaração de confiança constitui um valor patrimonial correspondente ao da operação que avaliza a favor do destinatário desta, portador legitimado do título"[21].
"Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal", uma vez que "a lei estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula - e abre uma única excepção a este princípio para o caso de a nulidade desta segunda obrigação provir de ‘um vício de forma’"[22].
"Mas em todos os outros casos o avalista responde. Não se pode defender invocando vícios que atingiram a obrigação de avalizado.
E parece que devemos ir mais longe.
Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pode funcionar separadamente da obrigação deste.(...)
A ser assim, o avalista não está só em posição paralela à do avalizado; está numa posição de todo autónoma em relação a este"[23].
No aval[24] e nas disposições que o regulam, e para além do princípio da equiparação consagrado no referido artigo 32.º, §1.º, da LULL, tem ainda de ser assinalado e sublinhado, o princípio da acessoriedade (visível, na parte final do §2.º do mesmo normativo), do qual ressalta "o carácter restrito, por meramente formal, [...da] «limitada dependência» da obrigação do avalista relativamente à do avalizado" (Assento de 28/03/1995, relatado por Oliveira Branquinho, DR I-A, de 20 de Maio de 1995).
Do exposto se conclui que o executado embargante avalista, responde – à partida – como obrigado directo "ou de regresso consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor cambiário do respectivo avalizado"[25], respondendo assim - à partida - nem mais e nem menos que a avalizada, independentemente de já não exercer os cargos que nela exercia, ou de nela já não ser sócio ou accionista, como decorre hoje com clareza do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2013, de 21 de Janeiro (publicado no Diário da República n.º 14/2013, I série, de 2013-01-21), segundo o qual "Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada."
Esta a base de que partimos.
Mas perante o complexo factual que resultou assente após ter sido carreado para os autos por Embargado e Exequente, o Tribunal a quo decidiu julgar procedentes os embargos referindo o seguinte:
“A oposição à execução – enxerto de natureza declarativa – visa a extinção da instância mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta de pressuposto, específico ou geral, da acção executiva.
Nos termos do artigo 731.º do CPC: «Não se baseando a execução em sentença […], além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.»
Perante a natureza do título executivo, é mister tecer breves considerandos sobre as livranças e o aval.
Às letras de câmbio e às livranças subjazem cinco princípios fundamentais:
- o princípio da incorporação da obrigação do título (significando que a obrigação e o título que a incorpora são uma e a mesma coisa);
- o princípio da literalidade da obrigação (segundo o qual a reconstituição da obrigação se faz pelo simples cotejo do título);
- o princípio da abstracção (traduzido na independência do título face à causa debendi);
- o princípio da independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (segundo o qual a nulidade de uma das obrigações que a letra/livrança incorpora não se comunica às demais) e
- o princípio da autonomia do direito do portador (que faz com que o seu portador seja considerado como um credor originário).

Na esteira de Ferrer Correia, «Podemos definir o aval como sendo o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (no nosso caso, livrança) garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores.» (Ferrer Correia. Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1966, páginas 196 e ss.)

Como ensina Pinto Furtado, «O subscritor avalizado que esteja em relação imediata com o portador poderá opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiam na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado “da mesma maneira” que a pessoa avalizada, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação e não estará, assim, em relação imediata com o portador, pelo só facto de ser avalista de um obrigado imediato do portador» (Pinto Furtado. Títulos de Crédito, 2015, Almedina, 2ª edição revista e actualizada, página 140).
O aval assume-se como obrigação de garantia (pessoal), materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente, que não se confunde com a fiança, desde logo porque não lhe subjaz uma responsabilidade subsidiária, inexistindo o benefício da excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou.
A responsabilidade do avalista é, portanto, solidária com a do sacador, do aceitante e do endossante (cf. artigo 47.º da LULL).
Por assegurar o cumprimento da obrigação principal, o aval configura obrigação autónoma e acessória, mantendo-se mesmo que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não vício de forma.
De outro ponto de vista, poderão destrinçar-se duas categorias do aval: o aval geral ou pleno e o aval limitado (limite esse relativo à quantidade avalizada, ao tempo, ao beneficiário ou a determinadas condições).

Nas palavras do acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2013: «O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.»

Aqui chegados, e não olvidando ter sido já julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição cambiária, cumpre analisar os restantes argumentos da embargante: exoneração da obrigação inerente ao aval e abuso do direito (supressio).

Para conhecer da primeira questão, importa ter em conta a seguinte factualidade:
- a livrança exequenda foi entregue, em branco, pela CL... à BX..., para garantia do cumprimento das obrigações referentes a um contrato de locação imobiliária financeira;
- o embargante avalizou a livrança e autorizou, por escrito, o seu preenchimento;
- o embargante avalizou a livrança na qualidade de accionista da C... (que era detentora de acções da CL...);
- a C... vendeu as acções da CL... a um terceiro;
- foi comunicada ao B...a venda das acções, para efeitos de exoneração da responsabilidade dos avais prestados em operações da CL...;
- o B...respondeu que substituiria os avais prestados, desde que estivesse na posse de cópia certificada do contrato de alteração da titularidade das acções;
- em 29/12/2008, a BX... foi incorporada no B….
À luz desta factualidade, é mister considerar que o embargante não foi exonerado da responsabilidade inerente ao aval, assistindo razão ao embargado neste ponto. Com efeito, a carta/resposta do B... ao pedido formulado não vinculou a BX..., dado que, à data, ainda não tinha sido incorporada no B…. Demais, não foi alegado (nem resultou provado) que a livrança e/ou o contrato de locação financeira imobiliária tenham sido substituídos.
De todo o modo, adentrando na segunda questão, o tribunal não poderá olvidar a singularidade dos factos provados nem a sua relevância na análise do (invocado) abuso do direito.
Nos termos do artigo 334.º CC considera-se «ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2017, acessível em www.dgsi.pt: «Para que ocorra o abuso do direito, é necessário que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto.»

No que tange aos conceitos de «boa-fé», «bons costumes» e «fim social e económico», acompanhamos a síntese plasmada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2017, acessível em www.dgsi.pt: «A boa-fé comporta dois sentidos principais: no primeiro, é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude; no segundo, apresenta-se como princípio de actuação, significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.»

No que respeita à supressio, modalidade do abuso do direito invocada pela embargante, cumpre referir que a mesma abrange as situações em que uma posição jurídica não tenha sido exercida por determinado período de tempo e em certas circunstâncias, não mais podendo sê-lo, sob pena de violação da boa-fé.

O termo latino supressio foi proposto por Menezes Cordeiro, para exprimir o alemão Verwirkung, uma vez que a figura nasceu na jurisprudência comercial alemã do final do século XIX.
Como ensina Menezes Cordeiro, a suppressio visa a tutela da confiança e pressupõe o não exercício prolongado de um direito, uma situação de confiança daí derivada, uma justificação para essa confiança, o investimento de confiança e a imputação da confiança à parte que não exerceu o direito.

No texto Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, acessível em www.portal.oa.pt, o autor refere: «O quantum do não exercício será determinado pelas circunstâncias do caso: o necessário para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não mais haveria exercício. A justificação será reforçada por todas as demais circunstâncias ambientais capazes de conformar essa convicção, legitimando-a.»

Esta modalidade está totalmente enraizada na jurisprudência dos tribunais superiores, sendo definida da seguinte forma pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2008 (Henrique Araújo), acessível em www.dgsi.pt: «O abuso do direito – art. 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.»

Vejamos a síntese do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/11/2020 (Sílvia Pires), acessível em www.dgsi.pt): «É opinião corrente entre nós que a suppressio abrange situações próximas ou que constituem uma modalidade da figura do venire contra factum proprio, em que o exercício de um direito se revela contraditório com um anterior comportamento de inação prolongada, que, atentas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, induzem o sujeito obrigado por esse direito a, legitimamente, confiar que o mesmo já não será exercido, pelo que a sua ativação ofende os ditames da boa fé. Costumam ser enunciados como requisitos de aplicação desta figura: um não exercício prolongado do direito; uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança; a imputação ao não exercente da confiança criada. Note-se que estes pressupostos não são necessariamente cumulativos, processando-se a sua articulação dentro dos mecanismos de uma sistemática móvel, ou seja, a falta de algum ou alguns deles pode ser suprida pela especial intensidade que assumam os restantes.»
À luz deste enquadramento, impõe-se considerar que o caso em análise se enquadra no perímetro da supressio.
Em primeiro lugar, o contrato de locação financeira imobiliário foi incumprido 20/05/2010 (facto O) e só em 2021 o embargado preencheu a livrança, nunca tendo dado conhecimento ao embargante da existência da dívida. Por outras palavras, o direito não foi exercido por mais de 10 anos.
Em segundo lugar, foi comunicada ao B...a venda das acções da CL..., tendo o B... manifestado disponibilidade para substituir os avais nas operações da CL..., desde que estivesse na posse do contrato de compra e venda das acções, condição que foi satisfeita. Embora, no plano formal, o embargante não tenha sido exonerado do aval, não poderá deixar de considerar-se que, neste contexto, a resposta do B...era passível de induzir no embargante a confiança de que o aval aqui em causa não seria executado. Note-se que, no artigo 38.º da contestação, o embargado admite até que, nas operações do B…, os avais não foram executados. Perante a proximidade de B... e BX..., que em 2008 se fundiram, a confiança é justificada, ou seja, tem relevância jurídica.
No que concerne às demais circunstâncias deste pedaço de vida em análise, é forçoso ponderar o seguinte. O B... sabia, mesmo antes da fusão com a BX..., da venda das acções. O imóvel subjacente ao contrato destinava-se à prossecução do objecto social da CL.... O imóvel foi restituído ao embargado em 2012, ficando na sua disponibilidade a obtenção de proventos com o mesmo. O embargante deixou de ter intervenção na CL... desde 31/12/2007. Aquando da venda das acções, o contrato não estava em incumprimento (só em 2010 as rendas deixaram de ser pagas). O embargante não foi interpelado extrajudicialmente para liquidar a dívida da CL.... Ainda que se tivesse provado o envio da missiva referida nos factos não provados, a conclusão seria idêntica, dado que a carta antecedeu a execução em poucos dias. Foram imputados na livrança juros de mora desde o incumprimento. A execução foi instaurada 13 anos depois de o embargante ter abandonado a sociedade subscritora da livrança.
Este impactante conjunto de factos permite-nos concluir que esta situação é merecedora da tutela da supressio, não apenas pelo lapso de tempo durante o qual o direito não foi exercido, mas também porque o exercício do direito no sobredito contexto se revelaria manifestamente contrário à boa-fé.
Não podemos deixar de citar novamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2008 (Henrique Araújo), acessível em www.dgsi.pt. Neste aresto, decidiu-se que: «O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio

A nosso ver, as circunstâncias fundamentadoras da supressio ocorrem de maneira ainda mais flagrante no caso que aqui julgamos, quer pelas circunstâncias atinentes ao pedido de libertação do aval, quer porque, à data desse pedido, o contrato nem sequer estava em incumprimento.
Não deixaremos, pois, de considerar que o embargado, à luz do contexto acima descrito, age em abuso do direito, excepção peremptória que se declara e determina a improcedência do pedido exequendo”.
Trata-se de uma explanação notável, pela clareza de raciocínio, pela consistência da argumentação utilizada e pela forma sustentada como se apresenta.
E com a qual só pode concordar-se.
De facto, o conjunto de factos com que temos de lidar nestes autos[26] impõe que recorramos ao instituto jurídico do abuso de direito que está legalmente consagrado no nosso ordenamento jurídico no artigo 334.º do Código Civil, o qual tem como epígrafe “abuso do direito” e preceitua que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Embora se possa defender a  desnecessidade, no nosso sistema legal, desta norma, como faz Mafalda Miranda Barbosa[27], esta é não apenas a norma que delimita os seus contornos e limites no direito português (boa fé, bons costumes e fim social ou económico do direito), mas também a linha orientadora da apreciação da matéria respeitante ao abuso do direito, sem prejuízo de podermos ainda ir além dela[28].

Presente haverá sempre de estar a ideia de que o “direito deve ser exercido honestamente, como deveria ser exercido por uma pessoa de bem”[29], verificando-se “abuso sempre que o exercício de um direito se mostre em desconformidade com a teleologia desse mesmo direito, com o seu fundamento.(…) Pelo que se pode dizer que o exercício de um direito é abusivo quando choque com os princípios normativos do direito enquanto direito”[30].
Se se preferir, ele traduz uma “disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem”[31].

Pedro Pais de Vasconcelos diz – lapidarmente – que o abuso do direito, “como instituto jurídico, é uma válvula de segurança do sistema que atua sobre o exercício dum direito subjectivo (público ou privado) que existe, que tem vigência e que pertence ao seu titular. A questão é só de acertar o exercício do direito subjectivo dentro dos limites da boa fé, dos bons costumes e do seu fim social ou económico. Quer dizer, dentro dos limites da licitude”[32].

Na Sentença sob recurso entendeu-se que, dentro das modalidades em que o abuso do direito tradicionalmente se classifica (exceptio doli, venire contra factum proprium,tu quoque,inalegabilidades formais e supressio) nos encontrávamos diante de uma situação de supressio, com a desenvolvida argumentação já transcrita.

Perante essa argumentação o Embargado-Recorrente insurge-se, considerando que os factos provados são insuficientes para fundamentar a existência de um abuso de direito e que:
- a lei não estabelece um prazo-limite para a data a inscrever na livrança em branco como data de vencimento da obrigação cartular;
- a autorização de preenchimento da livrança em branco, assinada pela Embargante, garantia o bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de leasing imobiliário, incluindo rendas vencidas, vincendas, juros, indemnizações e outras despesas que a BX... tivesse sido obrigada a realizar para cobrança do seu crédito e que esta poderia preencher, quando considerasse oportuno proceder ao seu desconto;
- a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça milita no sentido de que, não se apurando que a vontade dos intervenientes tenha ou tivesse sido a de estabelecer condicionamentos à data de vencimento e, não sendo estes impostos pela boa-fé, o portador da livrança em branco é livre de a preencher com a data que considerar conveniente;
- as partes, ao abrigo da autonomia privada, optaram por não acordar qualquer limite máximo para o preenchimento da livrança, não estando, assim, em causa o seu preenchimento abusivo stricto sensu, na vertente de violação do pacto de preenchimento;
- nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 21-04-2022, proferido no âmbito do processo n.º 3941/20.5T8STB-A.E1.S1: “Não se apurando que a vontade dos intervenientes tenha ou tivesse sido a de estabelecer condicionamentos à data do vencimento e, não sendo estes impostos pela boa-fé (cfr. art. 762.º, n.º 2, do CC), o portador da livrança em branco é livre de a preencher em data que considerar conveniente” (e, ainda, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2020 - processo n.º 7062/16.7T8LSB-A.S1 -, de 24-10-2019 - processo n.º 6871/17.4T8VNF-A.G1.S1 -, 24-10-2019 - processo n.º 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2 - e de 16-06-2019 - processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1).
- tem noção do impacto psicológico produzido com os 11 anos entre o momento em que a livrança podia ter sido preenchida e o momento em que o foi, mas tal só ocorreu porquanto, por um lado, se aguardou o desfecho do processo de insolvência da CL... (ocorrido em 11/10/2017) e, por outro lado, se procurou averiguar da viabilidade do pagamento, pela via extrajudicial – eventos que, o tribunal “a quo” desconsiderou;
- a cobrança da dívida não excede manifestamente os limites da boa-fé e outro entendimento faz o Embargante incorrer em enriquecimento sem causa.

O entendimento do Embargado e o recurso que pretende fazer à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em que se pretende sustentar esbarra – desde logo – com a circunstância de nela se salvaguardar sempre a questão da boa e da má fé, que depende das concretas circunstâncias apuradas nos processos julgados.

Na situação dos presentes autos somos chamados a reflectir sobre a possibilidade de estarmos diante de um caso de supressio[33].

Como diz Pedro Pais de Vasconcelos, esse caso traduz “o comportamento contraditório do titular do direito que o vem exercer depois de uma prolongada abstenção. A abstenção prolongada no exercício de um direito, pode, em certas circunstâncias, suscitar uma expetativa legítima e razoável de que o seu titular o não irá exercer ou que haja renunciado ao próprio direito, ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a certo modo do seu exercício. Esta expetativa é atendível quando a sua criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de confiança que seja justificada e razoável”[34].

A supressio corresponde a uma variante do abuso de direito que, fundamentalmente, assenta na tutela da confiança e na da boa-fé.
Recorrendo ao que de forma particularmente pertinente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Junho de 2018[35] (Processo n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1-Henrique Araújo), o “que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Assim, o comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um acto comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio.

É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objectiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia.

Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objectivo da supressio é o de proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava.

O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança, variando naturalmente de caso para caso.

É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo da prescrição, porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado.

Conforme tem sido sublinhado pela doutrina, a supressio (tal como outras modalidades do abuso de direito) é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais.

O caso dos autos é uma dessas situações extraordinárias que reclamam a utilização da figura da supressio para que se faça justiça, ou melhor, para que se evite uma situação de injustiça”.
Era o caso daqueles autos e é o caso dos presentes.
Até com mais acuidade.
De facto, naquele caso a livrança foi subscrita pela sociedade em Julho de 2000 e dela consta o aval do embargante (sócio da empresa), o qual em 2002 alienou a sua participação social, mediante a garantia, dada pelo então Presidente da administração, de que todos os seus avales seriam anulados e substituídos por novos, tendo ficado convicto de que todas as suas responsabilidades derivadas da sua actividade na empresa estavam resolvidas ou totalmente liquidadas, até porque não havia registo dessa responsabilidade (aval) junto do Banco de Portugal, acrescendo que as dívidas que sustentaram o accionamento da garantia foram contraídas já depois de ter saído da sociedade; só em Dezembro de 2015, data em que foi citado para deduzir oposição à execução, é que o embargante teve conhecimento do preenchimento da livrança, do seu valor e da data de vencimento).
Na situação que nos ocupa, a livrança foi entregue em Março de 2002 (sendo o aval dado enquanto administrador da C..., acionista da CL...), em Dezembro de 2007 a C... vende as acções da CL..., o que foi comunicado ao B... para efeitos de exoneração da responsabilidade inerente aos avais prestados em operações da CL..., tendo mostrado disponibilidade para substituir os avais, tendo em seu poder a certificação do contrato de alteração da titularidade das acções, o que foi satisfeito), o embargante (que deixou de acompanhar a CL... a partir de Dezembro de 2007) ficou convencido a partir daí ter ficado exonerado da obrigação referente ao aval dos autos (até por se tratar de uma responsabilidade não comunicada ao Banco de Portugal), o B...e a BX... fundiram-se em Dezembro de 2008, a CL... só entrou em incumprimento em Maio de 2010, sendo declarada insolvente em 2012 (tendo o B... reclamado os créditos mas nada tendo recebido), o Embargado só preencheu a livrança em 2021, sem que ao Embargante tenha sido dado conhecimento da existência da dívida (não tendo os avais do B... sido  executados), instaurando a execução 13 anos depois de o embargante ter abandonado a sociedade subscritora da livrança.
Não se trata, como parece decorrer da argumentação do Recorrente, exclusivamente da questão do tempo decorrido entre a entrega da livrança e instauração da execução (nem faz qualquer sentido a invocação de um putativo “enriquecimento sem causa”). Trata-se de todo o conjunto factual que lhe acresce e que lhe dá a nota de verdadeiro abuso.

O “julgador do caso está perante um abuso do direito quando constata que este foi exercido, em termos objectivos, inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça (Manuel de Andrade) ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante (Vaz Serra)” sintetiza, com simplicidade, Heinrich Ewald Hörster[36].

De facto, para além do decurso de onze anos depois do incumprimento e de treze desde que o avalista deixou de ter que ver com a sociedade e de o B...(cuja posição é agora ocupada pelo Recorrente) ter criado a convicção de que não iria executar os avais, depois de ter recebido, como recebeu, o comprovativo da transmissão das acções (num contexto em que ainda existia “autonomamente” a BX..., mas tudo era tratado aos Balcões do B...pelas mesmas pessoas, tendo ocorrido a fusão pouco depois da transmissão das ditas acções) e depois de se constatar que a responsabilidade ínsita ao aval nem sequer fora comunicada ao Banco de Portugal, a conclusão só pode ser a de que temos os quatro requisitos acima descritos na nossa presença: o não exercício prolongado do direito; a situação de confiança daí gerada, coadjuvada pelo comportamento do B... ao dizer que lhe basta o envio do comprovativo da venda das acções para a desvinculação; a fusão BES-BX...; o comportamento posterior de não executar mesmo na insolvência da devedora principal; e a não comunicação ao Banco de Portugal.

A convicção do Embargante no sentido de ter ficado exonerado da obrigação referente ao aval dos autos sempre seria a convicção que qualquer cidadão ou cidadã comum adquiriria e deixaria instalar na sua mente, mais ainda quando não foram executados outros avais prestados directamente ao B…, não foi executado o ora em análise mesmo depois da insolvência da CL... (só o sendo cerca de nove anos depois desta ser declarada), ao que acresce a circunstância de nunca ter sido feita entrar a livrança no circuito cambiário.

Permitir e sancionar o comportamento do Embargado seria - como é óbvio - gritantemente injusto e para obviar a isso, o direito português tem o instituto jurídico do Abuso do Direito: como diz Carneiro da Frada, a “injustiça resultante do exercício da posição jurídica pelo sujeito é “excessiva”, isto é, não pode ser adequadamente removida mediante o ressarcimento dos danos. Não porque incompatibilidades menos graves com os (mesmos) ditames da justiça – com a boa fé, portanto – não ultrapassem o limiar da relevância jurídica e não mereçam a intervenção do Direito, mas pelo motivo de que, onde uma conduta não se apresenta à partida valorada como ilícita, há que ponderar, em nome da proporcionalidade, os meios que menos atinjam a liberdade do sujeito, para obviar à injustiça que ela possa gerar. A preclusão do exercício de um direito constitui efectivamente um recurso último, apenas justificável em situações extremas. É este o sentido da proibição da conduta abusiva”[37].

E é esta conduta abusiva que foi travada nestes autos com a Decisão sob recurso: mais “do que realizar positivamente uma situação, o abuso representa um instrumento destinado a obviar injustiças manifestas (insusceptíveis de adequada correcção por meios indemnizatórios)”[38].

Voltando à síntese de Hörster, o direito a executar o aval da livrança de que é beneficiário, nos termos pretendidos - objectivamente - corresponde a uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça, ou mesmo a uma afronta ao sentimento jurídico dominante: chocaria qualquer um/a, chocaria o/a cidadão/ã comum, chocaria a já referida “pessoa de bem”.
Por tudo o exposto, a Sentença sob recurso merece ser confirmada, improcedendo o recurso.
***

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente-Embargado.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***



Lisboa, 14 de Fevereiro de 2023



Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete



[1]António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]Os Factos colocados em causa pelo Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[3]“O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, pág. 332.
[4]Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[5]António Abrantes Geraldes, Recursos…, página 200.
[6]António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 201 a 205.
[7]António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[8]Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[9]Relação de Guimarães 15/12/2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos.
[10]Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18.
[11]Mais de treze…
[12]José Gabriel Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2.º volume, «As Letras», 1.ª parte, Fascículo 1, 1955.
[13]Georges Ripert-René Roblot, com Philippe Delebecque-Michel Germain, Traité de Droit Commercial, 2, 15.éme Édition, LGDJ, Paris, 1996, página 262.
[14]Gómez Leo, Manual de Derecho Cambiario, Depalma, Buenos Aires, 1994, página 379.
[15]Sebastião José Roque, Títulos de Crédito, Ícone Editora, 1997, página 57.
[16]Miguel Castillo Quiles, El Pagaré en la nueva Ley Cambiaria, Editorial Comares, 1993, página 168.
[17]Gómez Leo, Manual…, cit., páginas 379-380.
[18]Que é claro quando sublinha que a assinatura do dador de aval deve ser aposta na face "anterior" da livrança, com a expressão "Bom para aval", ou outra equivalente, seguida da assinatura do avalista.
[19]Gómez Leo, Manual…, cit., página 205.
[20]Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial-Letra de Câmbio, III, Universidade de Coimbra, 1956, página 196.
Vd., ainda, Georges Ripert-René Roblot, com Philippe Delebecque-Michel Germain, Traité…, cit., páginas 214 a 221.
[21]Paulo Melero Sendim, Letra de Câmbio, II, Universidade Católica-Almedina, 1982, página 127.
[22]Ferrer Correia, Lições…, cit., página 207.
[23]Oliveira Ascensão, Direito Comercial - Títulos de Crédito, III, Lisboa, 1992, páginas 170-171).
[24]Sobre o aval, vd., Xavier Añoveros Trias de Bes, El Aval Cambiário, Civitas, 1990; Gómez Leo, ob. cit., páginas 205 a 223; Paulo Sendim, ob. cit., páginas 721 a 875.
[25]Assento de 28/03/1995, relatado por Oliveira Branquinho, DR I-A, de 20 de Maio de 1995.
[26]A saber:
- o contrato de locação financeira imobiliário foi incumprido 20/05/2010, tendo o imóvel sido restituído ao Embargado em 2012;
- o Embargado só preencheu a livrança em 2021;
- ao Embargante nunca foi dado conhecimento da existência da dívida;
- o Embargante deixou de ter intervenção na CL... em 31/12/2007, quando vendeu as acções;
- aquando da venda das acções, o contrato não estava em incumprimento;
- a venda das acções da CL... foi comunicada ao B...(mesmo antes de ocorrer), tendo este manifestado disponibilidade para substituir os avais nas operações em que esta intervinha, desde que estivesse na posse do respectivo contrato de compra e venda das acções, condição que foi satisfeita;
- na sequência disso os avais do B...não foram executados;
- em 2008 B...e BX... fundiram-se;
- as rendas do leasing deixaram de ser pagas em 2010;
- o Embargado nem sequer logra comprovar ter enviado em Janeiro de 2021 a carta transcrita no Facto 1 não provado (onde se dava conta do incumprimento, resolução do contrato, valores em dívida e do preenchimento da “Livrança de Caução”).
- a execução foi instaurada 13 anos depois de o embargante ter abandonado a sociedade subscritora da livrança.
[27]Liberdade vs. Responsabilidade - A precaução como fundamento da responsabilidade delitual?, Almedina, 2006, páginas 317 a 323; também, Coutinho de Abreu (Do Abuso do Direito – Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006 - reimpressão), admitindo a sua desnecessidade, não deixa de assinalar a sua conveniência, para ultrapassar dúvidas quanto à sua aplicabilidade, nomeadamente por parte de quem seja mais positivista-legalista (página 50).
[28]Vd., sobre esta matéria, recentemente, Daniel Bessa de Melo,  “O abuso do direito: contributos para uma hermenêutica do artigo 334.º do Código Civil português”, in Julgar on line, outubro de 2020, disponível in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/10/20201029-JULGAR-O-Abuso-do-Direito-contributos-para-uma-hermen%C3%AAutica-do-art-334-do-C%C3%B3digo-Civil-portugu%C3%AAs-1.pdf; e Eva Dale, Abuso do Direito: para (e através da) superação do paradigma, Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 2 – 2020, disponível in  http://flowpaper.com/flipbook/20205kr3/?wp-hosted=1.
[29]Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, página 278; Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, Almedina, 1997 (reimpressão da edição de 1973), página 171.
[30]Mafalda Miranda Barbosa, ob. cit., página 322.
[31]Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II, Almedina, 1984, página 882.
[32]Pedro Pais de Vasconcelos, O abuso do abuso do direito – um estudo de Direito Civil, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2015-I, página 34.
[33]Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, II, cit., páginas 797 a 812.
Vd. também, o muito completo Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 2020 (Processo n.º 4472/18.9T8VIS-A.C1-Sílvia Pires), no qual se enunciam como requisitos para o funcionamento da figura:
“- um não exercício prolongado do direito;
- uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação ao não exercente da confiança criada” e se acrescenta que “estes pressupostos não são necessariamente cumulativos, processando-se a sua articulação dentro dos mecanismos de uma sistemática móvel, ou seja, a falta de algum ou alguns deles pode ser suprida pela especial intensidade que assumam os restantes”.
[34]Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª edição, 2015, página 248.
[35]Também referido por Carolina Cunha, in Manual de Letras e Livranças, 2.ª Edição, Almedina, 2022, página 63 (onde assinala o recurso a esta tradicional “válvulas de escape” do ordenamento jurídico para “romper com a manifesta iniquidade” de outras soluções)
[36]Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, página 282.
[37]Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, página 861.
[38]Manuel Carneiro da Frada, Teoria…, ob. loc. cit..