Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
329/22.7PBOER.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: Na desobediência qualificada do artº 154 º CE  há uma única resolução  conduzir ainda que sob a influência do álcool, quando para tanto estava claramente proibido de o fazer, violando a determinação que lhe tinha sido imposta .
É condição desse preenchimento a existência álcool no sangue, porque, ao ser testado, se não acusasse na altura nenhuma taxa de álcool acima dos 1,20, não seria condenado por nenhum dos ilícitos, não podia ser condenado pela referida desobediência qualificada, podendo conduzir nesse período de 12 horas fazendo prova que não está influenciado pelo álcool.
Por seu turno, no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a acção típica consiste em conduzir um veículo automóvel sob o efeito do álcool, isto é, com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/l.
Neste crime de desobediência qualificada, a acção típica consiste na violação da proibição de conduzir veículos automóveis nas 12 horas subsequentes a um exame de pesquisa de álcool no sangue com resultado igual ou superior a 1,20 g/l.
 O bem jurídico tutelado é atingido com a simples desobediência à proibição de conduzir, mas não é independente de o agente se encontrar ou não em estado de embriaguez.
A incriminação da desobediência qualificada afasta assim, a aplicação da incriminação de condução em estado de embriaguez por entre as normas existir uma relação de subsidiariedade expressa estabelecida na parte final do n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal estando, pois, ambas em concurso aparente.
Embora o comportamento do agente possa parecer preencher 2 tipos de crime, o que sucede é que a sua actuação fica tão claramente absorvida por um só dos tipos violados - a desobediência qualificada - que o outro ilícito deve passar para um segundo plano, subordinando-se perante uma tal aplicação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordão proferido na 3 a Secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio N_____, não se conformando com a decisão proferida nos mesmos que a condenou, como autora material um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.° n.° 1 e 69.° n.° 1 al. a), e
um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.° n.° 1 e n.° 2, ambos do Código Penal, na pena única de 100 dias de multa à taxa de € 6,00, no total de €600,00 e nas penas acessórias de proibição de condução de veículos com motor pelo período, cumulado, de 6 meses,  recorrer da mesma.
Apresentou para tanto as seguintes
CONCLUSÕES 
a) O Tribunal a quo errou ao dar como provado que “No dia 20 de Fevereiro de 2022, cerca das 20h55m, a arguida conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XI com uma TAS de 2.04 g/l” porque o auto de notícia que serviu de base para considerar este facto como provado não reúne os requisitos necessários de que depende a demonstração dos factos imputados à arguida.
b) O Tribunal a quo não poderia ter considerado válido e eficaz o auto de notícia em que assentou a imputação dos factos à arguida porque o mesmo não contém a indicação de todos os despachos e respetivo local e data de publicação necessários a que a mesma pudesse exercer cabalmente o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado.
c) Não é minimamente aceitável a fundamentação do Tribunal a quo segundo a qual a arguida tem acesso a tais despachos, bastando-lhe para o efeito recorrer ao Diário da República, pois o cidadão médio desconhece, e não é obrigado a conhecer, o local de publicação destes despachos respeitantes aos alcoolímetros, bem como a forma de consulta das várias séries do Diário da República, de forma a apurar a série e o dia em que terão sido feitas essas publicações.
d) A completa identificação dos despachos de aprovação e de verificação dos alcoolímetros, incluindo o local e data da sua publicação, têm de constar do auto de notícia, sob pena de colocar em causa a garantia de defesa da arguida, constitucionalmente consagrada.
e) Há uma omissão de pronúncia do Tribunal a quo, dado na douta sentença não ter sido analisada e decidida uma questão essencial invocada pela arguida, respeitante à caducidade do despacho de aprovação do analisador utilizado para medir a sua taxa de álcool.
f) A aprovação do modelo de analisador utilizado para medir a taxa de alcoolémia à arguida caducou, o que significa que o aparelho não estava devidamente aprovado, como obriga o artigo 14º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, e, consequentemente, o resultado obtido pelo mesmo não é válido.
56. A douta sentença do Tribunal a quo deveria ter considerado que tendo o despacho de aprovação do analisador pela ANSR caducado a 27-08-2019 e não tendo sido renovado, não podia o mesmo ser considerado como meio de prova, sendo, assim, prova proibida, nos termos do artigo 125º do CPP.
g) Em consequência da omissão de pronúncia quanto a estas questões, há nulidade da sentença, conforme decorre do artigo 379º n.º1, al. c), do CPP.
h) A arguida não cometeu 2 crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, mas antes um crime continuado, uma vez que a condução do veículo em estado de embriaguez que deu origem aos presentes autos é a mesma que deu origem ao processo nº 31/22.0PTOER.
i) Nos presentes autos verifica-se a existência de um só crime pois, nos tipos de ilícito penal imputados à arguida, o bem jurídico protegido é o mesmo, existe uma unidade da execução, uma vez que o objetivo desta era o de se deslocar a um determinado local, e ainda se verifica a lesão do mesmo bem jurídico.
j) A decisão de que a arguida cometeu dois crimes distintos, viola o princípio do ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no artigo 29º, n.º 2, da CRP.
k) Ainda que não se entenda que existe um crime continuando – o que não se concede – atendendo à unicidade dos factos, não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela existência de 2 crimes, pois estamos perante um concurso aparente de crimes.
l) A aplicação de um crime por condução em estado de embriaguez exclui a possibilidade de, na situação sub judice, ser aplicado novamente o mesmo tipo, sob pena de violação do já referido princípio do ne bis in idem previsto no artigo 29º, n.º 2, da CRP.
m) Isto porque a conduta criminosa iniciou-se com a ingestão de bebidas alcoólicas e continuou até ao momento em que a arguida atingiu o estado de embriaguez, consumando-se o crime quando se iniciou a condução do veículo.
n) Assim, o ilícito do crime é o mesmo nas duas intercepções, mas esgotou-se quando ocorreu a primeira intercepção e originou o primeiro processo nº 31/22.0PTOER, dado que já foi tido em consideração nessa altura.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e absolver a arguida, desta forma iluminando o caminho para a realização da Justiça,
Como é de Direito!
*
Respondeu o MP
1. Por decisão proferida a 19-04-2022, N_______, arguido e recorrente nos autos em epígrafe, foi condenada pela prática em autoria material e na forma consumada, de UM crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º n.º 1 e 69.° n.° 1 al. a), e UM crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.° n.° 1 e n.° 2, ambos do Código Penal, na pena única de 100 dias de multa à taxa de €6,00, no total de €600,00 e nas penas acessórias de proibição de condução de veículos com motor pelo período, cumulado, de 6 meses.
2. Interpôs a arguida recurso da sentença condenatória, alegando que:
i. O auto de notícia levantado contra a arguida tem de fazer referência ao despacho de homologação do modelo da competência do IPQ, e ao de aprovação do modelo, da competência da ANSR, os quais têm de constar do auto de notícia, com indicação da data e local da respetiva publicação e, por isso,
ii. Não contendo tal indicação, o auto de notícia é prova proibida e inadmissível, nos termos do disposto no artigo 125° do CPP, o que implica que o processo seja manifestamente insubsistente, por a prova que o sustenta não ser válida, sendo também nulo por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.° do CPP,
iii. Porquanto no entendimento da arguida, caducou a aprovação do modelo de analisado utilizado, o que significa que o aparelho não estava devidamente aprovado como obriga o artigo 14°, n.°s. 1 e 2, da Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio, ou seja, o resultado obtido por este aparelho não é válido, não podendo tal aparelho ter sido tido em consideração como meio de prova, antes configurando como prova proibida,
iv. Culimando e enfermando a sentença de nulidade, nos termos do artigo 379.° n.° 1 al. c) do CPP,
v. A decisão proferida padece de omissão de pronúncia, ao não apreciar o invocado pela arguida quanto à falta de reunião dos requisitos necessários do aparelho de alcoolímetro enquanto meio de obtenção de prova utilizado no caso concreto;
vi. Ao condenar a arguida pela prática de UM crime de condução de veículo em estado de embriaguez nestes autos, no circunstancialismo assinalado na acusação (20 de Fevereiro de 2022, cerca das 22h50m, na Avenida Marginal, em Carcavelos) – isto é, após a arguida ter sido interceptada pelo OPC no município de Oeiras, nesse mesmo dia pelas 20h55m, cerca de 2 horas antes dos factos destes autos, e ter sido indiciada pela prática do mesmo tipo de crime, dando origem ao NUIPC 31/22.0PTOER – a sentença viola o princípio ne bis in idem, porquanto no entendimento da arguida, estarmos perante um crime continuado e não perante a prática de dois crimes individualizados.
Quanto aos pontos i) ii) iii) e iv
3. No caso concreto, no ponto 10 do auto de notícia é referido o meio de obtenção de prova, com de mais características e respectivos despachos de aprovação e homologação, pelo que, constatamos estarem preenchidos os pressupostos e formalidades inerentes à elaboração de auto de notícia, conforme o disposto no artigo 243.' n.' 1 do Código de Processo Penal.
4. Mais, solicitados ao OPC que interveio no caso concreto os comprovativos de inspecções, avaliações e declarações de conformidade do alcoolímetro referenciado no auto, constatou-se, em conjugação com o exposto no ponto 11, que o dito aparelho se encontrava válido e em conformidade com as formalidades e regras legalmente previstas, mormente com o disposto no artigo 2.' do DL 291/90, de 20-09.
5. Em todo o caso e em suma, a omissão de tais elementos não inquina de qualquer irregularidade ou invalidade o auto de notícia e a sê-lo, seria tão‑só uma irregularidade, que se sanou com a junção póstuma pelos elementos da PSP,
6. E muito menos de qualquer nulidade, já que a lei processual penal não comina com qualquer nulidade, nos termos do artigo 119.º e 120.º do CPP.
Quanto aos pontos v)
7. o tribunal a quo pronunciou-se sobre as questões levantadas pela arguida, mormente e desde logo, no início da fundamentação do facto. Referiu o tribunal que os despachos de homologação estão disponíveis no Diário da República e não merece colhimento o exposto pela arguida no recurso (no sentido em que « o cidadão médio desconhece, e não é obrigado a conhecer, o local de publicação destes despachos respeitantes aos alcoolímetros, bem como a forma de consulta das várias séries do Diário da República, de forma a apurar a série e o dia em que terão sido feitas essas publicações»), pois que o mesmo se passaria, mutatis mutandis, com a entrada em vigor de cada lei ou DL aprovados ou com cada alteração legislativa, que não são publicados em qualquer outro sítio que não apenas no Diário da República.
8. Acompanhamos o exposto pela Mma. Juiz a quo, nomeadamente, que não se nos afigura fundamental a referenciação do dispositivo legal que incorporou a aprovação ou homologação do modelo do alcoolímetro no auto de notícia. Diferente será, a necessidade de indicação do aparelho que, em concreto, foi utilizado para realização o teste, sobretudo, e outrossim, para fins de direito de defesa - O que, como se verifica, se encontra patente no aludido auto, fazendo-se referência à marca Drager, modelo 7110 MK III.
9. Inexistindo a invocada nulidade na sentença proferida.
Quanto ao ponto vi)
10. Ora, no mesmo dia da prática dos factos destes autos, no dia 20 de Fevereiro de 202, pelas 20h55m, a arguida foi sido interceptada pelo OPC no município de Oeiras, tendo acabado por ser detida em flagrante delito pela eventual prática de um crime de condução em estado de embriaguez. Tal detenção deu origem ao NUIPC 31/22.0PTOER, correndo termos em Oeiras (ainda não tendo despacho de acusação, aquando da sujeição da arguida a julgamento sob a forma sumária no processo em epígrafe).
11. Ora, cerca de 2 horas depois do sucedido, a arguida voltou a ser interceptada pela PSP, ao volante da mesma viatura, desta vez, na Avenida Marginal, em Carcavelos, com uma taxa de álcool no sangue de 1,833 g/l, reduzida a margem de erro.
12. A arguida - ao retomar o exercício da condução, após a intercepção, detenção e advertência do OPC de que a mesma se encontrava a circular, pelas 20h55m, com uma taxa de álcool por litro de sangue superior ao prescrito na lei penal – renovou a sua intenção de conduzir sob o efeito do álcool, formulando nova resolução criminosa, com distinta e oportuna deliberação de vontade da deliberação tomada cerca de 2 horas.
13. Argumento que nem a proximidade temporal permite contrariar, já que toda a circunstância da abordagem pela PSP em Oeiras (no que à realização de expediente concerne, à realização do teste, à constatação do ilícito, à advertência à arguida de que se encontrava proibida de conduzir pelo período de 12 horas), aliada aos diferentes locais em que a mesma foi abordada e, bem assim, aliadas à própria dinâmica do exercício da condução levada a cabo, em cada uma dessas vezes, de forma autónoma e distinta em cada uma das ocasiões.
14. Mais, o sentido de ilícito da situação não se esgota com a punição pela prática do crime de desobediência qualificada, antes ultrapassando o desvalor que aquele crime proscreve.
15. Por fim, alude-se à jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Novembro de 2019 que dita:
«O condutor de um veículo automóvel na via pública que, submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, apresenta uma TAS igual ou superior a 1,20g/l, que é advertido que não pode conduzir nas 12 horas imediatamente seguintes e que, não respeitando tal advertência, vem a fazê-lo com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, comete, em concurso com o crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos arts. 154.°, n.° 2, do CE e 348.°, n°s. 1, al. a), e 2, do CP, 2 crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.°, n.° 1, do CP.»
16. Entende o MINISTÉRIO PÚBLICO que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, não enferma de qualquer nulidade nem viola qualquer preceito do Código Penal, devendo manter-se a condenação da arguida pela prática dos dois crimes pelos quais foi condenada.
17. Termos em que, e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida.
V. Exas. certamente decidirão conforme for de Direito e Justiça!
Neste Tribunal de 2.ª Instância pronunciou-se a Exma. Procuradora Geral Adjunta, em consonância com o MP na 1.ª instância, pela total improcedência do recurso, e confirmação da Sentença recorrida.
*
Cumpre decidir:
Da decisão recorrida resulta:
Tudo visto e ponderado este Tribunal julga procedente, por provada, a acusação pública deduzida e, em consequência, decide:
A) Condenar o Arguido N_______ na pena de 40 (Quarenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (Seis) euros o que perfaz o montante global de € 240,00 (Duzentos e quarenta) euros, pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 20/02/2022 de crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º, nº 1, do C. Penal.--‑
B) Condenar o Arguido N_______ na pena de 80 (Oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (Seis) euros o que perfaz o montante global de € 480,00 (Quatrocentos e oitenta) euros, pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 20/02/2022 um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos arts. 348º, n.º 1 e 2, do Código Penal. --‑
C) Em cúmulo jurídico das penas acima aplicadas, nos termos dos Art.ºs 77.º e 78.º do Cód. Penal, condena-se a arguida na pena única de 100 (Cem) dias de multa, à razão diária de € 6 (Seis) euros o que perfaz o montante global de € 600,00 (Seiscentos) euros.--‑
C) Condenar o arguido, pela prática, do crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (Três) meses, nos termos do disposto no art. 69.º, al. a) do Cód. Penal.--‑
C) Condenar o arguido, na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (Três) meses, nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal.--‑
C) Em cúmulo efetivo das penas acessórias, nos termos do n.º 4 do art. 69.º, do CP, condena-se a arguida na pena única acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (Seis) meses.--‑
Adverte-se a arguida de que deverá entregar a sua carta de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de, não o fazendo, cometer um crime de desobediência nos termos do artigo 500º nº 2 do C.P.P. (AUJ n.º 2/2013) .--‑
D) Mais se condena o arguido em taxa de justiça que se fixa pelo mínimo e nas custas do processo, com a redução que dispõe o artigo 344.º do C.P.P.--‑
Notifique. --‑
Deposite nos termos do n.º 5 do artigo 372.º do C.P.P..--‑
Comunique ao IMT e à ANSR. --‑
Após trânsito, boletins ao registo. --‑
Comunique ao Processo mencionado em 1 e 2 da acusação, com cópia da respetiva ata, para os devidos efeitos.--‑
*
Consigna-se que seguidamente pela Mmª Juiz foi perguntado à Digna Magistrada do ministério Público, bem como ao Ilustre Mandatário da arguida se prescindem da gravação da prova, tendo os mesmos respondido afirmativamente.
*
Da mesma decisão ditada e gravada resulta com importância para a decisão da causa:
No dia 20.2.22 pelas 20 55 conduzia o veículo identificado nos autos com uma taxa de álcool de 2,04g/l.
A arguida foi notificada de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12horas sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência, do que ficou ciente.
Não obstante nesse mesmo dia pelas 22h50 a arguida conduzia o mesmo veículo  com uma taxa de álcool de 1,83 g / l
A arguida sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que não deveria conduzir naquele período de 12horas conforme a ordem que lhe foi devidamente comunicada por autoridade com legitimidade para tal
Nada resulta do seu CRC
Encontra-se em processo de divórcio litigioso
Encontra-se desempregada. É enfermeira
O tribunal deu como provados os factos supra
O aparelho com o qual se procedeu ao exame de álcool do sangue cuja validade foi devidamente verificada por documentos pedidos pelo próprio tribunal e juntos aos autos encontra-se devidamente calibrado e aprovado para o fim a que se destina.
Fundamentou-se em toda a prova produzida e constante dos autos.
Quanto ao concurso efetivo ou aparente dos dois crimes de condução com álcool ao tribunal socorreu-se da  jurisprudência  do STJ  e nessa linha  entendeu que havia em concurso efetivo com a desobediência dois crimes de condução em estado de embriaguez.
 Entendeu que a arguida se mostrou arrependida dos praticados factos, que confessou os factos, teve em conta a prova pericial e a situação social e pessoal da arguida, o preenchimento do elemento subjetivo e do elemento objetivo assim como a inexistências de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Teve ainda em conta as exigências de prevenção geral e pessoal no caso concreto.
Teve em conta a necessidade de interiorizar   as indicações/ proibições legais quanto à proibição de conduzir sob o efeito do álcool e de não desobedecer ás ordens dadas pelas autoridades
 Ponderou a pena e o facto da punição ser sempre de índole pessoal e geral, com o fim de proteger e tutelar os bens jurídicos em geral, a medida da culpa, o facto de a arguida estar totalmente integrada social e profissionalmente, sem registos criminais, a taxa de álcool apresentada, a desobediência que teve lugar imediatamente a seguir à fiscalização da taxa de álcool e advertência a que desobedeceu.
 Ponderou uma pena que demostrasse a censurabilidade necessária e simultaneamente a necessidade de tutelar bens jurídicos no caso concreto.
Condenou assim a arguida, tendo em conta as medidas abstratas de cada um dos ilícitos pelos crimes de condução com álcool p.p.p. 292.° n.° 1 e 69.° n.° 1 al. a), e um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.° n.° 1 e n.° 2, ambos do Código Penal, na pena única de 100 dias de multa à taxa de €6,00, no total de €600,00 e nas penas acessórias de proibição de condução de veículos com motor pelo período, cumulado, de 6 meses.
Resulta ainda dos autos   e da acusação deduzida nos mesmos que entendemos importante para a decisão que este Tribunal tem de proferir:
No dia 20 de Fevereiro de 2022 cerca das 20h55m a arguida conduziu o seu veículo de passageiros com matrícula XX-XX-XI com uma TAS de 2,4g/l
Tais factos deram origem ao processo nº 31/22OPTER, tendo a arguida sido notificada pela PSP na data e hora referidas de que ficava impedida de conduzir pelo período de 12 horas sob pena de incorrer na prática de um crime e desobediência qualificada, do que ficou ciente.
Não obstante nesse mesmo dia cerca das 22h50m  a arguida conduziu o mesmo veículo automóvel, de matricula XX-XX-XI na Av. Marginal em Carcavelos com uma taxa de álcool no sangue de 1,833, g/l deduzido o erro máximo admissível
 Sabia que antes de iniciar a condução tinha ingerido bebidas alcoólicas  em quantidade suficiente para lhe determinar uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l não se inibindo de conduzir na via pública  conhecendo as características da mesma e do veículo em que circulava. Sabia ainda que estava impedida de conduzir pelo período de 12 horas  na sequência de ter acusado uma taxa de alciol superior à legalmente permitida  e não obstante não se absteve de conduzir  antes de decorrido aquele período em violação da ordem que lhe foi regular e legitimamente comunicada por autoridade com competência para tal.
 Agiu em todas as circunstâncias de forma livre e voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente
 Incorreu pois    como autora material na forma consumada e em concurso efetivo  na prática de
1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez – artº 292º nº 1 CP a que acresce a pena acessória de inibição de conduzir – artº 69º nº 1 a) e
 1 crime de desobediência qualificada p.p.p. 348º nº 1 e 2 CP – com referência ao artº 154º nº 2 CE.
O processo nº 31/22OPTER seguiu os seus termos e não foi apensado aos presentes autos por não se encontrar na mesma fase processual.
*
Vejamos
Teremos desde logo em conta que a arguida confessou os factos.
De acordo com o disposto no artº 344.º CPP, a confissão do arguido pode ser integral e sem reservas ou parcial e com reservas. No caso dos autos foi integral e sem reservas e foi tida em conta na determinação da medida concreta da pena.
 Diz a recorrente que há   omissão de pronúncia do Tribunal a quo, dado na douta sentença não ter sido analisada e decidida uma questão essencial invocada pela arguida, respeitante à caducidade do despacho de aprovação do analisador utilizado para medir a sua taxa de álcool.
 Acontece que na decisão sob recurso o Tribunal a quo começou exatamente por analisar essa questão na fundamentação da sua decisão tendo referido e tratado de imediato as questões suscitadas na contestação quanto à calibração do aparelho de medição de álcool no sangue.
Entendeu não ser imperativo que no auto conste a indicação dos despachos e portarias bastando que se refira ao aparelho e identificação do mesmo o que acontece, fazendo-se referência à marca Drager, modelo 7110 MK III.
Quanto á calibração a PSP juntou aos autos a indicação da operação efetuada em 13 de janeiro de 2021 pelo que, concluiu o tribunal que, tendo em conta as disposições legais aplicadas, a verificação é válida está vigente até ao final do ano subsequente em que a calibração foi feita – 31 de Dezembro de 2022.  Nada a apontar pois á calibração do aparelho.
Não existe, pois, omissão de pronúncia e a medição feita é válida não se entendendo onde vai a recorrente buscar as datas de caducidade a 27-08-2019 .
Não se verifica a nulidade da sentença prevista no artigo 379º nº1, al. c), do CPP.
 Entende ainda a recorrente que
“Nos presentes autos verifica-se a existência de um só crime pois, nos tipos de ilícito penal imputados à arguida, o bem jurídico protegido é o mesmo, existe uma unidade da execução, uma vez que o objetivo desta era o de se deslocar a um determinado local, e ainda se verifica a lesão do mesmo bem jurídico.”
Vejamos então quanto ao pretendido crime continuado de condução com álcool em que a recorrente argumenta que “  a condução do veículo em estado de embriaguez que deu origem aos presentes autos é a mesma que deu origem ao processo nº 31/22.0PTOER,    o bem jurídico protegido é o mesmo, existe uma unidade da execução, uma vez que o objetivo desta era o de se deslocar a um determinado local, e ainda se verifica a lesão do mesmo bem jurídico.
 E defende ainda que se mostra violado o princípio ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no artigo 29º, n.º 2, da CRP, “ porque a conduta criminosa iniciou-se com a ingestão de bebidas alcoólicas e continuou até ao momento em que a arguida atingiu o estado de embriaguez, consumando-se o crime quando se iniciou a condução do veículo, sendo  o ilícito do crime o mesmo nas duas intercepções, mas esgotou-se quando ocorreu a primeira intercepção e originou o primeiro processo nº 31/22.0PTOER, dado que já foi tido em consideração nessa altura.”
Vejamos então
Na sua decisão o Tribunal a quo explica claramente a razão por que entende  estamos perante dois crimes e não apenas um e apoia-se no acórdão de fixação de jurisprudência da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em que é relator o Colendo Conselheiro Dr Lopes da Mota com voto de vencido do Exmo Conselheiro no acórdão de fixação de jurisprudência da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em que é relator o Colendo Conselheiro Dr Lopes da Mota com voto de vencido do Exmo Conselheiro Carlos Almeida e da Exma. Conselheira Helena Moniz, acompanhados por mais quatro Juízes Conselheiros.
Nos termos do disposto no artº 445º, nº 3 do CPP, o acórdão de fixação de jurisprudência “não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”.
Da fixação de jurisprudência nesse acórdão, citado pela 1ª Instância e fixada por 9 Juízes Conselheiros resulta que
«O condutor de um veículo automóvel na via pública que, submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, apresenta uma TAS igual ou superior a 1,20g/l, que é advertido que não pode conduzir nas 12 horas imediatamente seguintes e que, não respeitando tal advertência, vem a fazê-lo com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, comete, em concurso com o crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 2, do Código da Estrada e 348.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal».
Perguntamo-nos então se existe ou não uma óbvia renovação da vontade criminosa da arguida, se estão preenchidos 3 ilícitos ou se apenas dois e, nestes autos apenas 1.
Dispõe o artigo 154.º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Impedimento de conduzir”:
«1 - Quem apresentar resultado positivo no exame previsto no n.º 1 do artigo anterior ou recusar ou não puder submeter-se a tal exame, fica impedido de conduzir pelo período de doze horas, a menos que comprove, antes de decorrido esse período, que não está influenciado pelo álcool, através de exame por si requerido.
2 - Quem conduzir com inobservância do impedimento referido no número anterior é punido por crime de desobediência qualificada.
3 - O agente de autoridade notifica o condutor ou a pessoa que se propuser iniciar a condução nas circunstâncias previstas no n.º 1 de que fica impedido de conduzir durante o período estabelecido no mesmo número, sob pena de crime de desobediência qualificada. (...)».
O artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, impõe aos condutores o dever de se submeterem às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool, o qual, nos termos do artigo 153.º, é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
Por sua vez, o artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal prevê e pune a condução de veículo em estado de embriaguez nos seguintes termos:
«1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»
Finalmente, o artigo 348.º do Código Penal, prevê e pune o crime de desobediência, dispondo:
«1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2 - A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada».
A questão colocada no acórdão de fixação de jurisprudência remete para a problemática da unidade e pluralidade de crimes.  Ou seja, num segundo momento da conduta do arguido, que, impedido de conduzir por se encontrar em estado de embriaguez pelo período de 12 horas é novamente encontrado a conduzir em estado de embriaguez no período de duração do impedimento, preenche simultaneamente um crime de desobediência e um outro crime de condução em estado de embriaguez ou se a conduta se reconduz apenas à execução do crime de desobediência em concurso com um único crime de condução em estado de embriaguez preenchido com a primeira actuação que neste caso em análise corre termos no processo nº 31/22.0PTOER.
No crime de desobediência qualificada em causa, a acção típica consiste na violação da proibição de conduzir veículos automóveis nas 12 horas subsequentes a um exame de pesquisa de álcool no sangue com resultado igual ou superior a 1,20 g/l.
Diz o acórdão de fixação de jurisprudência que “o bem jurídico tutelado é atingido com a simples desobediência à proibição de conduzir, independentemente de o agente se encontrar ou não em estado de embriaguez”.
No entanto, a norma aqui aplicável diz-nos o seguinte:
Dispõe o artigo 154.º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Impedimento de conduzir”:
«1 - Quem apresentar resultado positivo no exame previsto no n.º 1 do artigo anterior ou recusar ou não puder submeter-se a tal exame, fica impedido de conduzir pelo período de doze horas, a menos que comprove, antes de decorrido esse período, que não está influenciado pelo álcool, através de exame por si requerido.
E ainda:
2 - Quem conduzir com inobservância do impedimento referido no número anterior é punido por crime de desobediência qualificada.
3 - O agente de autoridade notifica o condutor ou a pessoa que se propuser iniciar a condução nas circunstâncias previstas no n.º 1 de que fica impedido de conduzir durante o período estabelecido no mesmo número, sob pena de crime de desobediência qualificada. (...)».
Prevê, pois, esta norma a imposição de um impedimento: a proibição de conduzir com álcool. E, ficamos a saber que, nesse período de 12 horas até poderá conduzir  desde que faça prova de que não o faz sob o efeito do álcool.
Isto porque, se o fizer, é punido por crime de desobediência qualificada.
Entende o Acórdão de fixação de jurisprudência que a resolução criminosa consiste em decidir e livremente iniciar a condução contra aquela proibição, que assume autonomia em relação à decisão de conduzir sob a influência do álcool.
Mas, parece-nos, salvo a devida vénia e o devido respeito, que é muito, que não há autonomia de resoluções, ela é única, conduzir ainda que sob a influência do álcool, quando para tanto estava claramente proibido de o fazer, violando a determinação que lhe tinha sido imposta – preenche a desobediência qualificada do artº 154º CE.
É condição desse preenchimento a existência álcool no sangue, porque, ao ser testado, se não acusasse na altura nenhuma taxa de álcool acima dos 1,20, não seria condenado por nenhum dos ilícitos, não podia ser condenado pela referida desobediência qualificada, podendo conduzir nesse período de 12 horas fazendo prova  que não está influenciado pelo álcool”.
Por seu turno, no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a acção típica consiste em conduzir um veículo automóvel sob o efeito do álcool, isto é, com uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior a 1,20 g/l.
Neste crime de desobediência qualificada, a acção típica consiste na violação da proibição de conduzir veículos automóveis nas 12 horas subsequentes a um exame de pesquisa de álcool no sangue com resultado igual ou superior a 1,20 g/l. O bem jurídico tutelado é atingido com a simples desobediência à proibição de conduzir, mas não é independente de o agente se encontrar ou não em estado de embriaguez.
O sentido desta norma é impedir, que num período que se prevê suficiente para fugir aos efeitos do álcool, o condutor detetado a conduzir sob tal efeito, não o volte a fazer, sob pena, advertência clara do legislador, de cometer o crime de desobediência qualificada e não outro.
O que está em causa ainda, aqui neste ilícito, é a proteção da segurança rodoviária com a imposição da autoridade competente para o determinar.
Acresce, entendemos nós, com a devida vénia e sempre o devido respeito, que o artº art. 292.º, n.º 1, do CP nos resolve a situação da punição desta condução com álcool, após a imposição de não o fazer, com a advertência do preenchimento de uma desobediência qualificada.  Na verdade, o legislador estabeleceu uma subsidiariedade expressa, uma vez que determinou que a pena será a ali prevista “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
E, o tipo legal de crime previsto no art. 292.º, n.º 1, do CP, que pune todo aquele que, dolosa ou negligentemente, conduz veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l pune com uma pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias, “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
 E cabe porque, conduz veículo na via pública com uma taxa de álcool superior a 1,2g/l, após ter sido advertido de que não o deveria fazer nas próximas 12horas. A pena não é a do 292º mas a da desobediência qualificada.
 E a pena mais grave é exatamente, no caso em análise,  a que o  art. 154.º, n.ºs 1 e 2, do CE implica,  uma vez que, sempre que o condutor que se tenha submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue e apresente um resultado positivo, tendo sido advertido da proibição de conduzir por um período de 12 horas, volte a conduzir veículo sem respeitar o impedimento (a menos que comprove, mediante exame por si requerido, já não estar influenciado pelo álcool), a sua conduta é punida pelo crime de desobediência qualificada, isto é, na pena de prisão até 2 anos, ou pena de multa até 240 dias, pena esta superior ao simples acto de conduzir sem advertência de que não o deve fazer.
A resolução da arguida foi a de desobedecer à imposição de não conduzir sob o efeito do álcool durante 12 horas após ter sido testada e acusar mais de 1,20g/l de álcool no ar expirado.
A arguida é advertida de que, desobedecendo ao que lhe é imposto, responde por crime de desobediência e não por outro qualquer ou ainda por outro crime além deste.
Sempre que exista uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de actos ilícitos, haverá lugar a um único juízo de censura penal, e, portanto, existirá apenas um crime. Caso ha sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e, portanto, de infrações.
 A resolução é única, é a desobediência à ordem legitima e estamos, portanto, perante uma única infração". - Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2013, de 5 de Junho de 2013[1]
 E como diz o Acórdão de fixação de jurisprudência aqui chamado pelo Tribunal a quo e pelo tribunal ad quem:
“(...) Depois desta fiscalização e autuação, depois de alertado para o seu estado de alcoolemia, o arguido, ao decidir conduzir e ao conduzir de novo, formou uma segunda resolução criminosa, que até tem um alcance, designadamente, quanto à sua gravidade, necessariamente diferente do da primeira resolução, precisamente, porque ele já havia sido alertado para a sua situação por uma autoridade policial.
Com efeito, com a intervenção policial, foi interrompida a actividade criminosa e definitiva e irreversivelmente quebrada qualquer possível continuidade entre as duas acções de condução, independentemente da sua proximidade espácio-temporal. Deste modo, havendo duas decisões de delinquir, ambas consumadas em actividades separadas e independentes, não pode deixar de se concluir que o agente violou duas vezes a mesma norma de proibição de condução de veículo em estado de embriaguez, porquanto em ambos o momento estava influenciado pela referida substância e em ambas as ocasiões tinha consciência dessa influência e das duas vezes decidiu conduzir sabendo que a lei lho vedava.”
E é aqui que divergimos na conclusão, do Doutíssimo Acórdão de fixação de jurisprudência que nos parece consentir uma dupla punição já que o crime que se destaca é exatamente o crime de desobediência qualificada do artº 154º CE conjugado com os artigos   348.º, n.º 2, do CP, e art. 292.º, n.º 1,   CP.
A incriminação da desobediência qualificada afasta assim, a aplicação da incriminação de condução em estado de embriaguez por entre as normas existir uma relação de subsidiariedade expressa estabelecida na parte final do n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal estando, pois, ambas em concurso aparente.
Embora o comportamento do agente possa parecer preencher 2 tipos de crime, o que sucede é que a sua actuação fica tão claramente absorvida por um só dos tipos violados - a desobediência qualificada - que o outro ilícito deve passar para um segundo plano, subordinando-se perante uma tal aplicação.
“No concurso aparente, embora o comportamento do agente preencha vários tipos de crime, o que sucede é que o conteúdo ou a substância criminosa é aqui, tão esgotantemente abarcada pela aplicação ao caso de um só dos tipos violados, que os restantes devem recuar, subordinando-se perante uma tal aplicação” (cfr. Eduardo Correia, op. cit., páginas 127 e seguintes, e "Direito Criminal", volume II, páginas 204/205; e Figueiredo Dias, "Sumários", página 103).
“A relação de subsidiariedade é, precisamente, uma das que pode existir entre as normas penais, sendo, por isso, uma das categorias que costuma autonomizar-se no concurso aparente.
Para alargamento ou reforço da proteção jurídico-penal, são puníveis, muitas vezes, "certos comportamentos especiais, que se apresentam como uma forma ou um estádio prévio, ou ainda como variantes menos intensivas de uma lesão, por outra forma prevenida, a bens jurídico-penais".
Ora, a relação de subsidiariedade significa que determinadas normas penais "intervêm só de forma auxiliar ou subsidiária, quando o facto não seja punido por uma outra norma mais grave".
É o que acontece, designadamente, nas hipóteses em que a própria lei é expressa "em condicionar a aplicação de um preceito à não aplicação de um preceito mais grave ou de uma pena mais pesada". AC STJ  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/F52CE67B08D2421E802568FC003B746B
Sob pena de dupla punição do mesmo desvalor jurídico penal, proibida pelo princípio ne bis in idem consagrado no art.º 29.º, n.º 5 da CRP que não é só a proibição de condenação pelos mesmos factos, é também a proibição de duplicação de atuações repressivas, pelos mesmos factos, respeitante à mesma pessoa jurídica.
Assim sendo, entendemos ser de atender o recurso quanto à questão de se encontrarem apenas preenchidos dois crimes: um crime de condução sob o efeito do álcool, a correr termos no processo Processo nº 31/22.0PTOER, e um crime de desobediência qualificada  nestes autos, nos termos que aqui defendemos e vão na linha dos votos de vencido dos restantes 6 Conselheiros que assinaram o acórdão de fixação de jurisprudência em que se escudou o Tribunal a quo por força do disposto nos artºs 154º CE e 348º nº 1 e 2 do CP.
A arguida não conta com nenhuma condenação anterior e, nos presentes autos  foi condenada como  autora material um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.° n.° 1 e 69.° n.° 1 al. a), e UM crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.° n.° 1 e n.° 2, ambos do Código Penal, na pena única de 100 dias de multa à taxa de € 6,00, no total de € 600,00 e nas penas acessórias de proibição de condução de veículos com motor pelo período, cumulado, de 6 meses,  recorrer da mesma.
 Face ao supra considerado passará a ser condenada apenas por um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348° n° 1 e n° 2 conjugado com o artº 154º CE.
Vejamos se a arguida está sujeita a inibição de conduzir no caso da prática deste crime
Determina o artº 69º do CE que  1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) (...)
b) (...)
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
Ora, sendo assim, não se vê como aplicar á desobediência qualificada que aqui se verifica a inibição de conduzir já que a desobediência cometida não o foi mediante recusa de submissão a provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob o efeito de qualquer substância.
A pena é, pois, e só (a correspondente ao crime de desobediência qualificada),   de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias –  artº 348º nº 1 e 3  CP e artº 154º CE.
Ponderando todas as circunstâncias que o tribunal a quo ponderou e o bem protegido pelas normas em causa,  as exigências de prevenção geral que são largas e as de prevenção especial já menos prementes face ao perfil da arguida e ao facto de estarmos perante um caso isolado, entendemos que uma pena de 100 dias de multa à razão diária  de 6 euros - no total de 600  euros, se mostra adequada à medida da culpa e da ilicitude e vai ao encontro do que se espera do direito penal em casos como o dos autos, fazendo sentir à arguida que não foi  protegida pela norma   ao desobedecer á ordem de quem legitimamente lhe impunha que não procedesse à condução do seu veículo nas 12 horas seguintes sob o efeito do álcool, ordem de que a arguida fez tábua rasa.
A prevenção geral impõe que a punição não seja de modo a deixar a sensação de impunidade. A arguida não estava em tão más condições que não pudesse ter apanhado um táxi ou telefonado a alguém que a viesse buscar.
Aliás a sua atitude é vulgar nos condutores que são testados e apresentam taxa de álcool acima de 1,20 e é contra esse tipo de comportamentos que nos dizem que as necessidades de prevenção geral são prementes face à necessidade de assegurar o respeito pela autoridade do Estado e pelas ordens legitimamente emanadas pelas autoridades, com vista a proteger como já supra dissemos, a segurança rodoviária.
 Tais condutas devem, pois, ter a reação penal de molde a restabelecer a confiança da comunidade no respeito pela norma.
Impõe-se, portanto, que à arguida seja aplicada uma pena que não seja entendida como um perdão ou desvalorização da sua conduta, que se coadune com a vertente sancionatória da punição e com o grau de necessidade da vertente dissuasora e ressocializadora no caso concreto, devendo por isso ter-se em conta que sendo enfermeira se encontra desempregada e tem uma filha a seu cargo.
Assim sendo
Concede-se parcial provimento ao recurso
absolvendo-se a arguida do crime de condução sob o efeito do álcool pelo qual vinha condenada.
condena-se a mesma pelo crime de desobediência previsto e punido pelo artº 154º CE e artº 348º nº 1- 2 CP na pena   de 100 dias de multa à razão diária de 6 euros - no total de 600.

Lisboa, 08-10-2022,
Adelina Barradas de Oliveira
Maria Margarida Almeida (com voto de vencida)
Maria Leonor Canedo Silveira Botelho
*
Voto de vencida:
Votei vencida por entender que, para além dos argumentos ora constantes não se apresentarem diversos dos que já se mostram discutidos e rebatidos no AUJ aí citado, os bens jurídicos protegidos pelas normas em apreço são diversos, sendo que no crime de desobediência o bem jurídico protegido é a “autonomia intencional do Estado”, visando tutelar-se a autoridade pública do Estado, e no crime de condução sob a influência do álcool o bem jurídico protegido é a segurança da circulação rodoviária, embora, indirectamente, se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito dos veículos.
Assim, confirmaria a decisão recorrida.
_______________________________________________________
[1] Que fixou a seguinte jurisprudência: «A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes» (DR I Série, 131, de 10.07.2013). ECLI:PT:STJ:2013:29.04.0JDLSB.Q.S1.E1 (Santos Cabral). Com idêntica fundamentação, os acórdãos de fixação de jurisprudência mencionados.