Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2970/19.6T8PDL-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE MÚTUO
VENCIMENTO ANTECIPADO
EXECUÇÃO
DESERÇÃO
EFEITO INTERRUPTIVO IMEDIATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- No artº 310º, al. e) do CC estão contempladas as quotas de amortização que devem ser pagas com adjunção dos juros e abrange as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e outra de juros a pagar conjuntamente.
2-Resulta do artº 311º do CC que para que o crédito passe a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (20 anos), é necessário que o título executivo seja posterior à contracção da obrigação e não contemporâneo dela.
3- Decorre do artº 327º do CC que o efeito interruptivo da prescrição nem sempre é instantâneo; isto é, nem sempre determina, imediatamente, o início de um novo prazo de prescrição, antes podendo prolongar-se por um período de tempo, mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição, como sucede quando a interrupção da prescrição é causada pela citação: não se iniciando novo prazo prescricional enquanto não transitar em julgado a decisão que ponha termo ao processo (artº 327º nº 1 do CC).
4- No entanto, o nº 2 do artº 327º do CC estabelece um desvio a esta regra, nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral; nessas situações o novo prazo de prescrição começa a contar-se desde a interrupção, nos termos do artº 326º do CC, ou seja tem efeito interruptivo imediato.
5- Assim, numa execução instaurada em 16/10/2007, o prazo de prescrição de 5 anos interrompeu-se com a citação no dia 21/10/2007 (artº 323º nº 2 do CC); no entanto, essa execução foi declarada extinta, por deserção, em 08/05/2015, pelo que de acordo com a regra do artº 327º nº 2 do CC, a o efeito interruptivo da prescrição foi imediato e, por isso, a prescrição de cinco anos (artº 310º al. e) do CC) ocorreu em 21/10/2012.
6- De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 30/06/2022, tirado por unanimidade em Julgamento Ampliado de Revista (Proc. 1736/19.8T8AGD-B. P1.S1, nesta data ainda não publicado), tendo corrido vencimento antecipado da totalidade das prestações, nos termos da cláusula 16ª do documento anexo e do artº 781º do CC, o prazo de prescrição de 5 anos, do artº 310º al. e) do CC, mantém-se, iniciando-se o seu termo “a quo” com aquele vencimento antecipado em relação a todas as quotas assim consideradas vencidas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, que contra ele (e outra) move Lc A Sàrl, veio o executado, GMIM, deduzir oposição à execução, por embargos, pedido a respectiva procedência e consequente extinção da execução.
Alegou, em síntese, a excepção dilatória inominada de falta de inclusão do crédito peticionado sobre o executado no PERSI; e a excepção peremptória de prescrição do crédito exequendo.
2- Liminarmente admitidos os embargos e notificada a exequente/embargada, veio deduzir contestação, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando que o contrato de mútuo foi definitivamente incumprido pelos executados em 2007 e que nessa altura ainda não tinha entrado em vigor o regime jurídico que instituiu o PERSI; além de que já havia sido instaurada outra execução contra os executados que veio a ser declarada extinta, por deserção, em 2015, altura em que se reiniciou a contagem do prazo de 5 anos de prescrição invocado pelo executado/embargante.
3- Em audiência prévia convocada para o efeito foi proferido saneador/sentença com o seguinte teor decisório:
VII. Decisão
Em face do exposto, julgo os presentes embargos improcedentes e, em consequência ordeno o prosseguimento da instância executiva.”
4- Inconformado, o executado/embargante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) O presente recurso tem por objeto o douto despacho saneador-sentença que julgou os embargos improcedentes e em consequência, ordenou o prosseguimento dos autos.
b) O Tribunal a quo, e bem, deu como provados os seguintes factos:
A. Por requerimento executivo de 06/12/2019, a LC A SARL intentou ação executiva contra LMC, GMIM, CPC e MMC, para pagamento da quantia de 77705,43, sendo 51794,16€ a título de capital e 25911,27€ a título de juros.
B.O título executivo é uma escritura pública outorgada a 30/09/2002 pelos executados e pelo Banco Comercial dos Açores, S.A., pela qual foi concedida um empréstimo no montante de 54000,00€.
C. Para garantia do capital mutuado respetivos juros e despesas, os executados constituíram hipoteca sobre o prédio urbano sito à… Ponta Delgada, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na competente Conservatória do Registo Predial com a ficha nº … se encontra registada a favor da exequente pela Ap. 9 de …
D. Estipulou-se a faculdade da exequente capitalizar juros remuneratórios.
E.O executado deixou de proceder ao pagamento da prestação mensal de cerca de 341,57€, em novembro de 2007.
F. Os últimos pagamentos feitos pelo executado foram os que a seguir melhor se discriminam:
• 8 de fevereiro de 2006, no valor de 2000,00€;
• 3 de agosto de 2007, dois pagamentos respetivamente, um no valor de 400,00€., e o outro, no valor de 700,00€, perfazendo o montante total de 1 100,00€;
• 17 de outubro de 2007, no valor de 500,00€;
• 7 de novembro de 2007, no montante de 650,00€.G. A 16/10/2017, o Banco Comercial dos Açores, S.A., intentou ação executiva contra os executados com o mesmo título executivo da presente execução e para cobrança da mesma dívida (processo nº 2253/07.4TBPDL, que correu termos neste Tribunal). Tal execução foi declarada extinta a 08/05/2015 pela deserção da instância. E considerou, com relevo para a decisão da causa, que não ficou por provar qualquer facto.
c) Salvo o devido respeito, por diverso entendimento, não pode o aqui Recorrente conformar-se com tal decisão, por se entender que a mesma enferma de errada subsunção jurídica dos factos e, portanto, padece de erro na aplicação do direito.
d) Pois, apesar de o recorrente ter procedido ao último pagamento, no dia 7 de novembro de 2007, e o regime previsto e aprovado pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro ( PARI/PERSI), apenas ter entrado em vigor, no dia 1 de janeiro de 2013, de acordo com o artigo 40º do referido diploma, não significa que o mesmo não seja aplicado nos presentes autos.
e) Na medida em que, o legislador contemplou essas situações no Decreto-Lei no 227/2012, de 25 de Outubro, respetivamente o artigo 39º, sob a epígrafe, aplicação no tempo, que assim reza: “1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 – Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º. 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14º” (sublinhado nosso)
f) Deste modo, o Recorrente foi integrado no PERSI ope legis – cfr. artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro –, no dia 1 de Janeiro de 2013, uma vez que se encontrava em mora há mais de 30 dias e ao recorrido incumbia cumprir as obrigações que para si decorrem da aplicação do presente diploma, o que não sucedeu nos presentes autos.
g) E sempre se diga, que essas obrigações não nascem apenas com a específica solicitação do devedor, prevista no nº 2, do artigo 14º, uma vez que esta norma ressalva o disposto no nº 1, do mesmo artigo, que estatui a integração obrigatória do devedor no PERSI, e que, por iguais razões, entendemos que se deve interpretar como estendendo a ressalva ao disposto no nº 1, do artigo 39º, do mesmo diploma, que estatui a integração automática do devedor no PERSI.
h) Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários é a proibição de intentar acções judiciais, que impende sobre o banco exequente, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – conforme artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – que no caso ocorre porque o Exequente não extinguiu o procedimento
i) Assim, conclui-se que o regime estabelecido no PERSI insere-se no âmbito da tutela do consumidor, integrando a chamada “ordem pública de proteção” e, por isso, em face da obrigatoriedade legal da integração prévia e automática no PERSI nos termos dos arts 14º/1 e 39º do DL 227/2012, de 25/10, constitui a mesma uma condição objetiva de procedibilidade da ação executiva, cuja omissão consubstancia exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, implicante da absolvição da instância executiva.
j) Ademais, cumpre invocar a exceção peremptória da prescrição e isto porque, o último pagamento feito pelo Recorrente foi no dia 7 de novembro de 2007, foi interposta uma primeira execução, no dia 16 de outubro de 2007 e foi interposta uma segunda execução, a dos presentes autos, no dia 6 de dezembro de 2019.
k) A primeira execução ficou deserta em 8 de maio de 2015, por inércia da recorrida, desconhecendo-se o motivo para tal.
l) O recorrente entende, que mesmo tendo havido uma primeira execução, a verdade é que aquando da entrada da segunda execução, o crédito já se encontrava prescrito.
m) Pois, nos termos da alínea e) do artigo 310º do Código Civil, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos.
n) Pelo que, se invoca a respetiva prescrição do exercício do direito, exceção peremptória que daria lugar à absolvição do pedido.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, assim, ser julgado procedentes as exceções invocadas, em consequência, absolver o Recorrente do pedido.
5- A exequente/embargada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
a. Inconformado com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, o Embargante, ora
Recorrente, veio interpor recurso de apelação para o douto Tribunal da Relação de Lisboa pedindo a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo;
b. Pretende o Recorrente ver revogada a douta sentença que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro deduzidos, no entanto, não lhe assiste razão, não merecendo a douta sentença recorrida ser alvo de decisão diversa da proferida, como se demonstrará.
c. De acordo com as conclusões deduzidas pelo ora Recorrente, a requerida revogação da sentença fundamenta-se na não aplicabilidade do pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (PARI/PERSI) e da prescrição do exercício do direito por parte do Recorrido.
d. Em consequência, fundamenta o Recorrente a sua pretensão no facto de o Recorrido não ter inserido o Recorrente no regime previsto pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na medida em que, de acordo com o alegado pelo Embargante, o contrato de mútuo com hipoteca apenas estava em incumprimento.
e. Ora, conforme resultou provado nos presentes autos, o contrato de mútuo com hipoteca celebrado foi definitivamente incumprido em novembro de 2007;
f. Nessa sequência, em 16/10/2007 o Banco cedente instaurou a competente ação executiva sob o número de processo judicial 2253/07.4TBPDL com vista ao ressarcimento do valor mutuado.
g. Sucede que, o regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (PARI/PERSI) apenas entrou em vigor em 01 de janeiro de 2013, data essa em que o contrato de mútuo com hipoteca celebrado já se encontrava devidamente resolvido e executado por intermédio do processo judicial n.º 2253/07.4TBPDL.
h. Nesta conformidade, de acordo com o n.º 1 do art.º 39 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.” (negrito e sublinhado nosso).
i. Ainda que pudesse ser reapreciado a posteriori – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona – não era possível ao Recorrido concretizar o mesmo por falta de pressupostos para o efeito.
j. Deste modo, muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar que, de acordo com os factos provados, o regime previsto pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro não poderia ser aplicado in casu, na medida em que há muito que o contrato de mútuo com hipoteca se encontrava definitivamente incumprido.
k. Igualmente de acordo com as conclusões deduzidas, pretende o Recorrente a revogação da douta sentença do Tribunal a quo em consequência da prescrição do direito da Recorrida em exigir o seu crédito.
l. Para tanto, alega o Recorrente que “nos termos e para os efeitos da alínea e) do artigo
310.º do Código Civil, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros, prescrevem no prazo de 5
(cinco) anos.”.
m. Ora, muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar que “aquando da apresentação do requerimento executivo, a 06/12/2019, ainda não tinha decorrido o invocado prazo de cinco anos, pelo que o crédito não estará, mesmo na ótica do Embargante, prescrito”.
n. Conforme provado, em 16/10/2007 o Recorrido propôs contra este a competente ação executiva sob o número de processo judicial 2253/07.4TBPDL;
o. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 323.º do Código Civil, o prazo de prescrição interrompe-se “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
p. De acordo com o n.º 2 do referido art. 323.º do Código Civil que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
q. Ou seja, conforme resultou provado por intermédio da sentença do Tribunal a quo em conformidade com as normas acima mencionadas, o prazo de prescrição mostrou-se interrompido em 23/10/2007.
r. Iniciando-se nova contagem do prazo de prescrição em 08/05/2015, conforme resultou igualmente provado nos presentes autos de execução.
s. Razão pela qual, em conformidade com as conclusões do Recorrente, tendo sido proposta nova ação executiva em 06/12/2019, sequer estava cumprido o prazo de prescrição previsto no artigo n.º 323.º do Código Civil.
t. No mais, conforme o Recorrido alegou em sede de contestação, apesar de a ação executiva em curso ter sido proposta no prazo previsto no art.º 323.º do Código Civil, conforme jurisprudência corrente, em caso de incumprimento, e o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, como foi o caso, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
u. Estamos perante uma única obrigação que, embora passível, de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.
v. A contrario das prestações periódicas ou renováveis que dependem do decurso do tempo para a sua constituição, o mútuo bancário, tem um capital concreto e predefinido, pode ser amortizado na sua globalidade a qualquer momento pelo devedor.
w. Neste sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2016, Processo n.º 525/14TBMGR-A.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 e do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 2483/15.5T8ENT- A.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
x. Sendo a dívida incorporada num título executivo que corresponde à escritura pública, por documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, estando assim sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do art.º 311.º do CC.
y. Em oposição às conclusões apresentadas pelo Recorrente, a dívida apenas prescreve ao fim de 20 anos, nos termos e para os efeitos dos artigos 309.º e 311.º, ambos do CC, devendo a pretensão do Recorrente ser totalmente indeferida.
z. Muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar que “o crédito não estará, mesmo na ótica do embargante, prescrito”.
aa. Portanto, temos presente que a douta Sentença se encontra devidamente fundamentada, não sendo, a mesma, contrariamente ao que pretende fazer crer o
Recorrente alvo de qualquer reparo.
bb. Nessa conformidade, e salvo o devido respeito não poderá o recurso agora interposto pelo Recorrente ser considerado procedente, inexistindo fundamento legal para que a decisão proferida seja revogada.
Nestes termos, e salvo melhor entendimento, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
-A revogação da sentença, por:
i)- Procedência da excepção dilatória inominada de falta de inclusão do crédito exequendo no PERSI;
ii)- Procedência da excepção peremptória de prescrição do direito de crédito da exequente.
Previamente, importa encerrar a questão relativa à legitimidade da exequente suscitada, oficiosamente, pelo ora relator.
*
2- Matéria de Facto recebida da 1ª instância:
Factos Provados
A. Por requerimento executivo de 06/12/2019, a LC A SARL intentou ação executiva contra LMC, GMIM, CPC e MMC, para pagamento da quantia de 77 705,43, sendo 51 794,16€ a título de capital e 25 911,27€ a título de juros.
B. O título executivo é uma escritura pública outorgada a 30/09/2002 pelos executados e pelo Banco Comercial dos Açores, S.A., pela qual foi concedida um empréstimo no montante de 54 000,00€.
C. Para garantia do capital mutuado respetivos juros e despesas, os executados constituíram hipoteca sobre o prédio urbano sito à …, concelho de Ponta Delgada, inscrito na matriz sob o art…. e descrito na competente Conservatória do Registo Predial com a ficha nº…, se encontra registada a favor da exequente pela Ap. 9 de…
D. Estipulou-se a faculdade da exequente capitalizar juros remuneratórios.
E. O executado deixou de proceder ao pagamento da prestação mensal de cerca de 341,57€, em novembro de 2007.
F. Os últimos pagamentos feitos pelo executado foram os que a seguir melhor se discriminam:
- 8 de fevereiro de 2006, no valor de 2000,00€;
- 3 de agosto de 2007, dois pagamentos respetivamente, um no valor de 400,00€., e o outro, no valor de 700,00€, perfazendo o montante total de 1 100,00€;
- 17 de outubro de 2007, no valor de 500,00€;
- 7 de novembro de 2007, no montante de 650,00€.
G. A 16/10/2007, o Banco Comercial dos Açores, S.A., intentou ação executiva contra os executados com o mesmo título executivo da presente execução e para cobrança da mesma dívida (processo nº 2253/07.4TBPDL, que correu termos neste Tribunal).
H. Tal execução foi declarada extinta a 08/05/2015 pela deserção da instância.
*
Factos Não Provados
Com relevo para a decisão da causa, não ficou por provar qualquer facto.
*
3- As Questões Enunciadas.
3.1- Questão Prévia: A questão da legitimidade da exequente.
Por despacho de 12/04/2022, o ora relator suscitou a questão da necessidade de a exequente, LC A Sàrl, demonstrar a transmissão do crédito, originariamente do BCA, Banco Comercial dos Açores, SA - mutuário constante da escritura de mútuo com hipoteca apresentada como título executivo – para o BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA – e posteriormente alienado ao Banco Santander Totta, SA - bem como demonstrar, especificando, o concreto ponto do contrato de cessão de créditos e/ou anexos, pelo qual o Banco Santander Totta, SA, vendeu o crédito exequendo à LC A Sàrl.
A exequente demonstrou a incorporação, por fusão, do BCA Banco Comercial dos Açores SA no BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA, bem como demonstrou a transmissão do crédito exequendo, do Banco Santander Totta, SA para a ora exequente (verba 271 do anexo ao contrato de cessão de créditos.)
O executado/embargante, nada disse ou requereu.
Pois bem, em face dos documentos juntos pela exequente/embargada, fica demonstrada a respectiva legitimidade para a execução. Pelo que nada mais há a ordenar ou decidir quanto a essa questão.
*
Vejamos agora as questões enunciadas.
Entende-se que é relevante apreciar essas questões, alterando a ordem por que foram enunciadas, começando pela excepção peremptória de prescrição e não pela excepção dilatória inominada de falta de inclusão do crédito exequendo no PERSI. Adiante perceber-se-á porquê.
Assim,
3.2- A excepção peremptória de prescrição do direito de crédito da exequente.
O executado/embargante defende que o crédito exequendo prescreveu, nos termos do artº 310º al. e) do CC – prescrição de cinco anos – invocando que o último pagamento das prestações que efectuou teve lugar em 2007 e, apesar de ter sido instaurada anterior execução, veio ela a ser extinta, por deserção, em 2015 e, por isso, quando esta execução foi instaurada já havia transcorrido o prazo de cinco anos encontrando-se por isso o crédito prescrito.
Por sua vez, a exequente/embargada entende que a excepção de prescrição improcede porque, segundo ela, o mutuante considerou vencidas todas as prestações, e, por isso, ficou sem efeito o plano de pagamento acordado ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos. Além disso, diz que sendo a dívida incorporada num título executivo - a escritura pública e documento anexo - exarado por notário e que importa a constituição e reconhecimento de obrigação de pagar o capital mutuado e juros faz com que esteja sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do art.º 311.º do CC.
A 1ª instância decidiu que não ocorreu a prescrição de cinco anos porque com a citação para a 1ª acção executiva se interrompeu o prazo prescricional, nos termos do artº 323º do CC e, só voltou a correr, com a extinção daquela execução, por deserção, em 08/05/2015, não se mostrando decorrido o novo prazo de cinco anos aquando da apresentação do novo requerimento executivo.
Em termos sintéticos coloca-se a questão de saber se o crédito exequendo se mostra prescrito.
Para responder a esta questão, impõe-se analisar as seguintes problemáticas:
i)-O âmbito de aplicação do artº 310º al. e) do CC;
ii)- A aplicação do artº 311º do CC;
iii)-A interrupção do prazo prescricional;
iv)-A duração da interrupção;
v)- O caso dos autos;
vi)- A problemática do vencimento antecipado da totalidade das prestações de capital e juros.
Vejamos então.
Em primeiro lugar, importa ter presente alguns factos, relevantes para a decisão da questão da prescrição, que constam da escritura de mútuo, de 30/09/2002 e do documento anexo dados à execução, e que não foram mencionados pela 1ª instância na factualidade que seleccionou. Assim, cumpre salientar que foi estipulado naquela escritura de mútuo:
Os devedores obrigam-se a efectuar o reembolso do capital mutuado em trezentas e setenta prestações mensais e sucessivas e constantes de capital e juros, cujo quantitativo mensal resultará da aplicação da taxa a que se refere o documento complementar em anexo, vencendo-se a primeira trinta dias após a data desta escritura.
Além disso, ficou também estipulado nessa escritura que:
Os Segundos outorgantes confessam-se devedores ao “BCA”, do dito montante de cinquenta e quatro mil e novecentos euros, destinados à aquisição do referido prédio, recebidos nesse acto, pelo prazo de 30 anos, que termina em trinta de Setembro de dois mil e trinta e dois, dos juros remuneratórios calculados à taxa prevista no documento complementar anexo…”.
E no “Artigo Décimo Sexto” do documento anexo à escritura consta:
O não cumprimento de quaisquer obrigações decorrentes do presente empréstimo ou da garantia prestada, poderá implicar o imediato vencimento de todo o crédito com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida.
3.2.1- O âmbito de aplicação do artº 310º al. e) do CC.
Estabelece o artº 310º al. e) do CC:
Prescrevem no prazo de 5 anos: as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;”.
Pois bem, esta previsão normativa é aplicável às prestações de capital, repartidas no tempo, a que se somam juros, a pagar conjuntamente, e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponível. (Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 124 e seg.).
“Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre o credor e o devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõem a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual pelo credor dos montantes fraccionados, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida. As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido – Vaz Serra, Obrigação de Juros, BMJ nº 55, 159-170 (160) (apud Ana Filipa Morais Antunes, A prescrição e caducidade, cit., pág. 127 e seg.).
Portanto, no artº 310º, al. e) do CC estão contempladas as quotas de amortização que devem ser pagas com adjunção dos juros e abrange as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e outra de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponde, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis de forma conjunta. (Ana Filipa Morais Antunes, A prescrição e caducidade, cit., pág. 127.).
E acrescenta ainda esta autora, que temos vindo a referir: “O preenchimento da situação contemplada na alínea e) obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular é relevante o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios” (Ob. cit., pág. 128, sublinhado nosso).
No caso dos autos, como vimos, os devedores obrigaram-se a efectuar o reembolso do capital mutuado em 360 prestações, mensais e sucessivas, constantes de capital e juros. Isto é, as prestações mensais a que os mutuários se obrigaram correspondem a quotas de amortização de capital, pagáveis com juros.
Esta circunstância leva a que, o caso dos autos, seja subsumível à previsão do artº 310º, al. e) do CC.
3.2.2- A aplicação do artº 311º do CC.
Segundo entende a exequente/embargada/recorrida, porque a dívida está incorporada num título executivo - a escritura pública e documento anexo - exarado por notário e que importa a constituição e reconhecimento de obrigação de pagar o capital mutuado e juros faz com que esteja sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do art.º 311.º do CC.
Será assim?
Estabelece o artº 311º do CC, com epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”:
1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.
Pois bem, no nº 1 do preceito é estabelecido que o direito que seja reconhecido por sentença transitada em julgado ou por outro título executivo passa a estar sujeito ao prazo prescricional ordinário de 20 anos independentemente do prazo a que estava inicialmente subordinado.
No entanto, o nº 2 do artigo em causa vem limitar o disposto no nº 1, excluindo do seu âmbito de aplicação as situações de prestações futuras. Isto é, se o título executivo se refere a prestação futuras, fica afastada a aplicação do prazo ordinário de prescrição previsto no nº1.
De resto deve salientar-se que a norma refere “título executivo que sobrevier ao direito” e não a “título executivo que lhe seja contemporâneo”. Ou seja, para que o crédito exequendo passasse a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, seria necessário que o título executivo fosse posterior à contracção da obrigação e não contemporâneo dela.       É esse o ensinamento de Anselmo de Castro (Acção Executiva, 1970, pág. 278 e seg.) que refere que tratando-se de outro título executivo que não a sentença, a substituição pelo prazo ordinário só opera sendo o título posterior à dívida e não já quando contemporâneo.
Por conseguinte, no caso em apreço, com facilidade se conclui não ser de aplicar ao caso o disposto no artº 311º nº 1 do CC e, por conseguinte, o prazo de prescrição não passou a ser de 20 anos.
3.2.3- A interrupção do prazo prescricional.
De acordo com o artº 326º nº 1 do CC, “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nºs 1 e 3 do artigo seguinte.”
Dogmaticamente, a interrupção corresponde a um fenómeno de ausência súbita do processo de prescrição, determinando que todo o prazo até então transcorrido fica inutilizado e obrigando a nova contagem “a partir do zero”.
O Código Civil estabelece um conjunto de causas de interrupção da prescrição. Uma dela está consagra no artº 323º e resulta de acto promovido pelo titular do direito.
Pressupõe um acto judicial, promovido pelo credor que, directa ou indirectamente dê a conhecer ao devedor a intensão de exercer a satisfação do seu crédito. Isto é, o credor tem de dar conhecimento ao devedor da sua intenção de exercer o seu direito, através da citação do réu, mediante a propositura de uma acção, de notificação judicial ou de outro meio judicial (artº 323º nºs 1 e 4 do CC).
No nº 2 do artº 323º consagra-se um mecanismo de acautelamento da posição do titular do direito para a hipótese de a citação ou notificação não se realizar, no prazo de 5 dias depois de ter sido interposta a acção ou o procedimento judicial, por causa não imputável ao requerente. Ou seja, nessa eventualidade a interrupção opera logo que decorram 5 dias.
3.2.4- A duração da interrupção.
Determina o artº 327º do CC, com epígrafe “Duração da interrupção”:
“1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Do preceito decorre que o efeito interruptivo da prescrição nem sempre é instantâneo; isto é, nem sempre determina, imediatamente, o início de um novo prazo de prescrição. Antes pode prolongar-se por um período de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição (como na hipótese de actos interruptivos judiciais – cf. artigos 323º e 324º) (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 284).
Pois bem, como resulta do nº 1 do preceito, se a interrupção da prescrição é causada pela citação (notificação ou acto equiparado, ou compromisso arbitral) as demoras ou atrasos no processo em curso não oneram o titular do direito: não se inicia novo prazo prescricional enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, ou seja, enquanto não estiver definitivamente decidido o litígio (Cf. Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ nº 106, pág. 248).
No entanto, o nº 2 do artº 327º do CC estabelece um desvio a esta regra, nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral; nestas situações o novo prazo prescricional começa a correr, rectius, contar-se desde a interrupção da prescrição nos termos do artº 326º. “Nestes quatro casos, a eficácia da interrupção é instantânea.” (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 285 – sublinhado e realce nosso). Ou seja, nestas situações previstas no nº 2 do artº 327º “…o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo anterior.” (Pires de Lima, Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 291).
A solução consagrada no nº 2 do artigo tem, previsivelmente, o efeito pernicioso de conduzir ao preenchimento do prazo prescricional antes de ser intentada uma nova acção, em particular nas hipóteses de direitos subjectivos sujeitos a um prazo curto de prescrição. (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, ob. cit., pág. cit.).
3.2.5- O caso dos autos.
No caso dos autos, como vimos acima (ponto 3.2.1) o crédito em causa, porque sujeito a pagamento em prestações mensais de capital adicionado de juros, é subsumível à previsão do artº 310º al. e) do CC: prescrição de cinco anos.
Os devedores/executados deixaram de pagar as prestações (de amortização de capital e juros) em 2007.
O primitivo credor, BCA, usando da faculdade estipulada na cláusula 16ª do documento anexo à escritura de mútuo com hipoteca, com conteúdo semelhante ao do artº 781º do CC, considerou vencidas/exigíveis todas as prestações e, instaurou acção executiva, para cobrança do seu crédito, correspondente à totalidade das prestações e juros, contra os ora executados, em 16/10/2007, com o mesmo título executivo da presente execução e para cobrança da mesma dívida (processo nº 2253/07.4TBPDL).
Embora não se saiba em que data concreta os executados foram citados para aquela execução, admite-se que por força do artº 323º nº 2 do CC, a interrupção da prescrição tenha operado a 21/10/2007.
Sucede, porém, que aquela execução foi declarada extinta, pelo Agente de Execução, por deserção, por decisão de 08/05/2015, transitada em julgado, com o seguinte teor:
Extingue-se a presente execução tendo em consideração que:
Os autos aguardam o impulso processual do Exequente, pelo que nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 281º do C.P.C, considera-se deserta a instância quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Decorrido o prazo, decide-se a extinção da Execução nos termos do disposto no art. 277º, alínea c) do Código de Processo Civil.”
Ora, em face dessa decisão e atento o disposto no artº 327º nº 2 do CC, o novo prazo de prescrição, de cinco anos, começou a correr, não após o trânsito em julgado dessa decisão (de 08/05/2015) mas, antes, logo em 21/10/2007. Isto é, por força da extinção daquela execução, por deserção, dada a inércia da então exequente, a eficácia da interrupção da prescrição foi instantânea. E assim sendo, contrariamente ao que decidiu a 1ª instância, a prescrição operou em 21/10/2012.
3.2.6- A problemática do “vencimento antecipado” da totalidade das prestações.
A exequente/embargada/apelante defende que, por efeito do vencimento antecipado, rectius, exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, nos termos da cláusula 16ª do anexo à escritura de mútuo com hipoteca, com conteúdo semelhante ao do artº 781º do CC, deixou de poder falar-se em prestações fraccionadas mas de uma única prestação e, por isso, o prazo de prescrição deixou de ser de 5 anos, passando ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos.
Será assim?
Pois bem, até muito recentemente, verifica-se divergência na jurisprudência sobre a consequência, para o prazo de prescrição do crédito, do vencimento/exigibilidade antecipada à luz do artº 781º do CC.
Em termos sintéticos, uma corrente jurisprudencial vinha entendendo que a prescrição da totalidade das prestações de amortização, considerando o prazo inicial de vencimento de cinco anos (artº 310º al. e) do CC), pressupunha que todas essas prestações estivessem prescritas na data da interrupção da prescrição; donde, se à data da interrupção da prescrição se mantivessem prestações ainda não prescritas, permaneciam exigíveis (Cf. STJ, 04/05/93 (Santos Monteiro) CJS II, pág. 82); STJ, 15/01/2008 (Cardoso Albuquerque) www.dgsi.pt; STJ, de 25/05/2017 (Olindo Geraldes) www.dgsi.pt; TRC, de 19/12/2017 (Fonte Ramos), www.dgsi.pt; TRE, de 02/08/2018 (Florbela Moreira Lança) e de 07/11/2019 (Manuel Bargado), www.dgsi.pt; TRL, de 19/12/2019 (Teresa Sandiães), www.dgsi.pt).
Outra corrente jurisprudencial seguia entendendo que por efeito do vencimento antecipado da totalidade das prestações de capital e juros, nos termos do artº 781º do CC, o prazo de prescrição passaria a ser o prazo ordinário de 20 anos.
Ainda outra corrente jurisprudencial entendia que tendo decorrido mais de cinco anos entre o incumprimento das prestações convencionadas e sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda do benefício do prazo ocorre a prescrição de todas as prestações.
De salientar ainda que, de modo quase unânime, o STJ vinha entendendo que se aplica a prescrição de cinco anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artº 781º do CC) (STJ, de 29/09/2016 Lopes do Rego; de 08/04/2021, Nuno Pinto Oliveira; de 09/02/2021, Fernando Samões; de 14/01/2021, Tibério Nunes da Silva; de 12/11/2020, Maria do Rosário Morgado; de 03/11/2020, Fátima Gomes, todos em www.dgsi.pt).
Porém, recentemente, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, tirado por unanimidade em Julgamento Ampliado de Revista, de 30/06/2022 (Proc. 1736/19.8T8AGD-B. P1.S1, nesta data ainda não publicado), foi decidido fixar a seguinte jurisprudência:
I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Quer dizer, aplicando esta jurisprudência uniformizada ao caso dos autos, temos de concluir que, tendo corrido vencimento antecipado da totalidade das prestações, nos termos da cláusula 16ª do documento anexo e do artº 781º do CC, o prazo de prescrição de 5 anos, do artº 310º al. e) do CC, mantém-se, iniciando-se o seu termo “a quo” com aquele vencimento antecipado em relação a todas as quotas assim consideradas vencidas.
Daqui decorre que o crédito exequendo se mostra prescrito, pelo que a excepção peremptória de prescrição deve proceder, levando à extinção da execução contra o executado/embargante.
*
3.3- A excepção dilatória inominada de não inclusão do crédito exequendo no PERSI.
Em face da solução assim encontrada – extinção da execução por prescrição do crédito exequendo - entendemos que, nos termos do disposto no artº 608º nº 2, 1ª parte do CPC, fica prejudicada a apreciação da excepção dilatória inominada de não inclusão do crédito exequendo no PERSI, que, a proceder, levaria à mera absolvição da instância executiva.
De resto, o artº 277º nº 3 do CPC determina que não há lugar à absolvição da instância, por efeito de subsistência de excepção dilatória se houver fundamento para conhecer do mérito da causa – o julgamento de excepção peremptória de prescrição conhece do mérito da causa e, procedendo, leva à absolvição do pedido - em termos de a decisão ser integralmente favorável a essa parte, como sucede no caso dos autos.
Em suma, o recurso procede.
*
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso procedente e, revogando a sentença recorrida, julgam procedente a excepção peremptória de prescrição do crédito exequendo, absolvendo o executado embargante do pedido executivo e declaram, quanto a ele, extinta a execução.
Custas: na execução e no recurso, pela exequente/embargada/recorrida.

Lisboa, 15/09/2022
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Teresa Soares