Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
356/17.6T8TVD.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SENTENÇA PENAL
PRESUNÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE (AÇÃO PRINCIPAL) PARCIALMENTE PROCEDENTE (AÇÃO APENSA)
Sumário: (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – A alteração da decisão da matéria de facto fixada pela 1ª instância apenas deve ser determinada pelo Tribunal da Relação se for possível concluir, com segurança, que existe erro na apreciação dos concretos pontos de facto impugnados.
II – O recorrente que pretende impugnar a matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, deve especificar nas conclusões recursórias os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
III – A sentença penal condenatória constitui, perante terceiros, presunção ilidível da verificação dos factos constitutivos em que se baseou a condenação, operando, como tal, na ação de natureza cível em que se discuta factualidade relacionada com a infração penal.
IV – Porém, quanto aos sujeitos que tiveram intervenção no processo penal e aí puderam exercer contraditório, a sentença penal condenatória constitui presunção inilidível da verificação dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal de crime.
V – Nesta última hipótese se os factos que fundaram a condenação penal dos arguidos, réus no processo cível, preencherem todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito, originam o correspondente direito de indemnização na esfera jurídica do autor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
1.1 - (...), identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa comum contra (...) e (...), igualmente identificados nos autos, pedindo:
- que fosse declarado resolvido o “contrato de cedência de utilização de espaço agrícola” que celebrou com ambos os réus, por incumprimento a eles imputável;
- a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização de €42.241,50, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, correspondente ao valor do prejuízos causados pelo respetivo incumprimento contratual ou, subsidiariamente, o pagamento daquela quantia com base no regime do enriquecimento sem causa;
- a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao lucro que a autora deixou de auferir por se ter visto obrigada a afetar uma das naves das estufas objeto do contrato ao armazenamento de placas de lã de rocha que os réus deixaram na exploração.
Alegou a autora, no essencial:
- ter celebrado com ambos os réus um contrato de cedência de utilização de espaço agrícola, com início em 01-05-2015 e duração até 31-12-2017, mediante o qual lhes cedeu a utilização de um parque de estufas, tendo como contrapartida o pagamento de um montante pecuniário mensal;
- porém, os réus, em agosto de 2016, abandonaram a exploração das estufas, comunicando a rescisão do contrato à autora por carta de 5 de setembro daquele ano, sem observarem a antecedência de 120 dias contratualmente estipulada;
- acresce que os réus, na data em que abandonaram a exploração, deixaram vários equipamentos danificados, apropriando-se de uma bomba hidráulica pertencente à autora, sem que procedessem à limpeza das estufas, tendo, sem autorização da autora, substituído as linhas de cultivo de fibra de coco ali existentes por um sistema de cultivo em placas de lã de rocha, deixando no local placas de lã de rocha que a autora se viu forçada a reciclar e também a armazenar, não tendo liquidado a contrapartida mensal devida pela cedência das estufas que se venceu no dia 1 do referido mês de setembro de 2016;
-  o comportamento dos réus determinou que a autora por carta registada de 13 de setembro de 2016 lhes tivesse comunicado a resolução do contrato.

1.2 - Os réus contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência, defendendo-se por impugnação e por exceção, alegando que:
- o acordo efetivamente celebrado com a autora enquadra-se na locação, abrangendo, contrariamente ao que consta dos seus termos, o terreno onde as estufas estão implantadas, do qual a autora não é legítima proprietária, o que gera a ilegitimidade ativa daquela, exceção que arguiram expressamente;
- o acordo celebrado é nulo, por a vontade real das partes não ter reflexo no seu elemento literal, vício esse que impede a autora de peticionar as indemnizações em discussão nos autos;
- contrariamente ao acordado, vários equipamentos da referida exploração encontravam-se danificados, o que determinou a sua substituição pelos réus, sempre com o acordo da autora;
- os réus, na exploração em causa, efetuaram avultados investimentos, tendo-se deparado com vários obstáculos e dificuldades colocados pelos representantes da autora, que culminaram mesmo com a expulsão dos contestantes dos terrenos explorados.

1.3 – Oficiosamente suscitada e decidida exceção de incompetência territorial, foi determinada a remessa dos autos do Juízo Local Cível de Torres Vedras para o tribunal territorialmente competente (Juízo de Competência Genérica da Lourinhã).

1.3 - Posteriormente, na sequência do despacho que fixou valor à causa, foram os autos remetidos ao Juízo Central Cível de Loures.

1.4 - Foi entretanto, determinada a apensação aos presentes autos principais da ação declarativa comum 4756/17.3T8LRS, que passou a constituir o seu apenso A.

1.5 - Esta ação foi instaurada pelo autor (...) contra os réus (...) todos devidamente identificados, solicitando o autor:
- a condenação dos réus a pagarem-lhe uma indemnização de €139.235,94, na qual computou os prejuízos sofridos e os lucros que deixou de auferir em consequência do comportamento daqueles, no âmbito da execução de “contrato de cessão de espaço agrícola” que celebrou com a primeira ré.


Para tanto, alegou o autor:
- a ré (…) apresentou-lhe uma proposta de arrendamento de dois prédios rústicos, que incluía ainda o aluguer de diversos equipamentos, e que deu origem a “contrato de cedência de utilização de espaço agrícola” celebrado em 19 de março de 2015, que o autor subscreveu na pressuposição de estar a arrendar os referidos prédios;
- sucede que a autora não incluiu os referidos prédios rústicos no contrato celebrado por dos mesmos não ser a legítima proprietária, além de que beneficiou de um investimento PRODER do Ministério da Agricultura relativamente a investimento ali realizado, o que inviabilizava o seu arrendamento, alienação ou cedência a terceiros, até março de 2017;
- contrariamente ao acordado, vários equipamentos que integravam a referida exploração agrícola encontravam-se danificados, o que obrigou o autor a efetuar inúmeras reparações e aquisições, suportando os inerentes encargos;
- acresce que a partir de junho de 2016, os réus (…) e marido causaram sucessivos constrangimentos ao autor e aos familiares que o apoiavam na exploração agrícola, adotando comportamentos que deram mesmo origem a queixas criminais, impedindo-o de explorar, de forma rentável e integral, a exploração agrícola em causa, o que gerou danos.

1.6 - Os réus apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por exceção e por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e ainda pela absolvição da instância dos contestantes (…), requerendo ainda a apreciação da má fé do autor, a resultarem apurados os factos que alegaram na contestação.
Para tando, os réus:
- arguiram expressamente a ilegitimidade dos contestantes (…), dado estar em discussão a responsabilidade civil contratual, apenas aplicável aos outorgantes do contrato em causa;
- impugnaram a matéria alegada pelo autor, considerando que o contrato de cedência de utilização de espaço agrícola contemplou um parque de abrigo de estufas, com cerca de 10.000 m2 de área, facto de que aquele teve conhecimento, quer previamente à sua celebração, quer durante a sua execução, dado que o cultivou durante cerca de um ano e meio;
- alegaram que todo o equipamento existente na exploração encontrava-se em perfeito estado de conservação no início do contrato e danificou-se por ação do autor que, além do mais, sem autorização, alterou o sistema de cultura instalado no parque de estufas.

2 - Realizada audiência prévia, foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e passiva invocadas, e foi relegado o conhecimento da exceção perentória de nulidade do contrato de cessão de exploração agrícola e do contrato de arrendamento rural em que aquele pudesse ser convolado para a decisão final.
Foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova.

3 – Foi realizada audiência de julgamento, com produção de prova e proferida sentença que julgou a ação principal e a ação apensa improcedentes, absolvendo os réus dos pedidos.

4 - Não se conformando com a decisão proferida nos autos principais, a autora da mesma interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que, julgando a ação procedente, condene os réus no pagamento da quantia de €42.241,50, terminando as suas alegações com a seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. A A. considera que a prova produzida nos autos é de molde a considerar como provados os factos que constam das alegações que constam nos artigos 17º (segunda parte) 18º, 22º, 29º, 30º, 41º 43º, 44º (segunda parte) a 46º e 47º (segunda parte) da PI, assim como provado que a A. sofreu os danos /prejuízos e despendido os montantes alegados nos artigos 49º a 53º, 56º e 60 da PI.
2. Os supra identificados factos foram considerado não provados porquanto, decorre da sentença agora recorrida, não ter sido feita prova dos mesmos, ou de o Tribunal não se ter convencido com a prova produzida, porque “as testemunhas depuseram em geral, de forma muito genérica, revelando por um lado dificuldade em circunstanciar no tempo e no modo as vicissitudes do contrato que uniu as partes e, por outro, pouco conhecimento dos factos em litigio, tendo por vezes entrado em contradições.”
3. Considerando a sentença recorrida que a A. não logrou demonstrar incumprimento contratual da clausula quarta pelos RR e também não logrou demonstrar os danos/prejuízos alegados ou o seu quantum, o que lhe incumbia nos termos do disposto no artigo 342º, nº 1 do CC.
4. O depoimento das testemunhas arroladas pela A. e os documentos por esta, são consentâneos com o que foi por si alegado.
5. Quanto ao alegado nos artigos 43º, 44º, segunda parte, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 56º, 60º da PI
6. A testemunha (…), confirma que foi solicitado um orçamento para a reparação das estufas, orçamento esse que verificou existir na contabilidade da empresa, apresentado pela empresa (…), conforme aliás documento que se encontra junto com a PI,
7. A referida testemunha, destacou que os valores que a A. despendeu para repor a situação deixada pelos RR ascendeu a cerca de 40.000€, e que as obras foram realizadas, naquelas estufas exploradas pelos RR, e que já tinham efetuados alguns pagamentos pela A. às empresas que tinham feito as reparações.
8. A razão de ciência da testemunha (…), resulta de exercer funções de contabilista na A. e teve conhecimento dos orçamentos solicitados por esta pela A., das obras de reparação das estufas, e que até teve em mãos 2 faturas referente às mesmas e que, os trabalhos foram sendo pagos em tranches.
9. O depoimento da testemunha (…), concatenado com os documentos junto aos autos referentes aos orçamentos apresentados e faturas juntas pela A. demonstra que efetivamente os RR deixaram as estufas em estado de deterioração, a necessitar de obras, obras essas que a A. levou cabo e o valor das mesmas.
10. O depoimento da testemunha (…), conjugado com o contrato em causa nos autos denominado “Contrato de Cedência de Utilização de Espaço Agrícola”, nomeadamente na clausula quarta, demonstra que os RR ao deixarem ou abandonarem as estufas, não cumpriram o disposto na referida clausula quarta do contrato celebrado entre A. e RR.
11. Da prova produzida resultou que na sequência do abandono das estufas pelos RR estes não deixaram as estufas forradas com plástico sem buracos, não as deixaram limpas de lixo (plantas velhas da anterior cultura),
12. Contrariamente, os RR deixaram os plásticos das estufas com buracos e as estufas ficaram cheias de lixo,
13. A A. arcou com as respetivas obras e despesas para reposição da situação.
14. O incumprimento pelos RR da clausula quarta do contrato celebrado entre A. e RR, determina para estes a obrigação de indemnizar a A. por todos os prejuízos que causaram quer por si ou por terceiros durante a vigência do contrato.
15. Prejuízos esses que apenas de reparação de plásticos e limpeza das estufas ascendeu a cerca de 20.000€, conforme resulta dos documentos 18 e 23 juntos com a PI,
16. Valor esse confirmado pela testemunha (…), funcionário da empresa (…), que declarou ter andado a reparar as estufas da A. que situou em novembro e dezembro 2016, que na data andaram, ele e outros trabalhadores, num total de 6 pessoas. As estufas estavam danificadas nos plásticos que estavam rotos, e ainda limparam o interior da estufa.
17. Mais esclareceu a testemunha (…), que atenta a dimensão da estufa o valor da reparação e limpeza ascendia a cerca de 20 a 25000€,
18. Tais valores têm total respaldo com o teor dos documentos juntos com a PI nº 18 e 23º, onde se alcança que o valor para a limpeza de plantas velhas das referidas estufas, assim bem como o valor para a reparação e colocação de plásticos foi orçamentado em cerca de 20.000€.
19. E verifica-se ainda que as faturas emitidas pela empresa (…) à A. juntas como o nº 3 e 4 na audiência prévia ocorrida em 21/3/2019, dizem respeito ao orçamento datado de 20-12-2016,
20. Pelo que os demais documentos juntos pela A. e por arrasto, demonstram indubitavelmente os prejuízos ocorridos e provados à A.
21. A testemunha (…), apercebeu-se que os danos nas estufas e tubagens não demonstravam ter sido provocados por fatores naturais, não ser normal ver estufas naquele estado.
22. Conforme se alcança das declarações da testemunha (…), as despesas com a reparação da estufa, após o seu abandono pelos RR, foram suportadas pela A. sociedade.
23. O que se pode confirmar pelas declarações por si prestadas, na sessão de audiência de julgamento do dia 27/02/2023, com registo de áudio 20230227135717_5837693_2871209 ao minuto 00.04.12 a instâncias do mandatário da A., até ao minuto 00.09.53.
24. Resultou mais que demonstrado os danos que as estufas da A. sofreram enquanto foram exploradas pelos RR.
25. Os RR obrigaram-se a deixar as estufas forradas com plástico sem buracos, limpas de lixo e equipamentos e todos os objetos mencionados no contrato celebrado conforme lhes terão sido entregues.
26. Os RR ao abandonarem as estufas que exploraram sem cuidarem de as entregarem à A. no estado em que as receberam, violaram a clausula 4ª do contrato firmado com a A. e obrigaram-se a indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos.
27. O que tem total respaldo com o teor dos documentos juntos com a PI nº 18 e 23º, onde se alcança que o valor para a limpeza de plantas velhas das estufas, assim bem como para a reparação e colocação de plásticos, foi orçamentado em cerca de 20.000€.
28. As faturas emitidas pela empresa (…) à A. juntas como o nº 3 e 4 na audiência prévia ocorrida em 21/3/2019, dizem respeito ao orçamento datado de 20- 12-2016,
29. Os demais documentos juntos pela A. e por arrasto, demonstram indubitavelmente os danos e prejuízos ocorridos e provados à A.
30. A testemunha (…)i, que explorou uma outra estufa da A. afirmou perentoriamente que quando os RR deixaram as estufas estas apresentavam os plásticos rotos, com lixo e cortes na tubagem, sem condições de serem trabalhadas, e que a estufa explorada por si estava bem cuidada, porque não a queria abandonar, conforme se extrai das suas declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 27/02/2023, com registo de áudio 20230227141330_5837693_2871209, que a instâncias do mandatário da A. do minuto 00.07.48 ao 00.11.49.
31. Este depoimento é confirmado pela testemunha (…), filha de (…), que atesta que quando o Réu deixou de explorar as estufas, as mesmas estavam danificadas, a terra não estava em condições de ser trabalhada, tinha lixo e cortes em tubagem (…). A testemunha (…), é a pessoa que passou a explorar a estufa em causa nos autos, após os RR terem abandonado a mesma, tendo estado à espera que a estufa ficasse reparada para iniciar a exploração, o que apenas aconteceu em fevereiro 2017.
33. E esta a instancias do Mmº Juiz aqui, prestadas na sessão de audiência de julgamento do dia 27/2/2023, com registo de áudio 20230227143312_5837693_2871209, do minuto 00.06.36 ao minuto 00.11.21, declarou que a D. (…) falou com ela em meados de setembro 2016, a perguntar se estaria interessada na estufa, porque se não conseguisse resolver problemas que estavam a ocorrer com os RR, iria voltar a arrendar a mesma.
34. Mais confirmou a testemunha que apenas em novembro 2016 teve a certeza que poderia arrendar a estufa, mas cujo início apenas ocorreu em fevereiro 2017 devido a obras que a A teve de executar nas estufas, uma vez que os RR as tinham deixado danificadas.
35. Mais declarou que visitou a estufa e viu plásticos rasgados, tetos, tubos cortados, janelas laterais cortadas, rama antiga ainda, que era do RR e tinha de ser tudo limpo, e explicado o tempo das campanhas e porque razão a rama das plantas pertencia à exploração dos RR.
36. E ainda a instancias do mandatário da A. ao minuto 00.11.30 ao minuto 00.16.40 declarou que as estufas estavam com mau aspeto, porque a segunda campanha já não estava a produzir, o que demonstra que uns meses antes as estufas já estavam abandonadas, apresentado os tubos de rega cortes que pareciam ter sido navalhados a “espirrar água por todo o lado”, provocando a inoperacionalidade do sistema de rega e que os plásticos das estufas, alguns aparentemente novos, estavam com buracos, aparentando terem sido feitos com um pau, concluindo, de forma propositada.
37. A referida testemunha atesta ainda que viu terceiros a repararem os plásticos e a procederem à limpeza das estufas, durante cerca de 1 mês, e que de acordo com a D. (…), despenderam cerca de 20.000€ na reparação.
38. Todas as testemunhas são unanimes em declarar que os RR deixaram as estufas deterioradas ao ponto de não ser possível laborar nas mesmas, o que demandou obras, arranjos e limpezas executadas por parte da A. de forma a poder voltar a ser explorada.
39. Todos os depoimentos identificados, concatenados com a cláusula quarta do contrato celebrado entre A. e RR demonstram que efetivamente os RR não deixaram as estufas forradas com plástico sem buracos, nem as estregaram conforme lhe terão sido entregues.
40. Da conjugação dos depoimentos transcritos com os orçamentos e as faturas juntas com a PI, com os nºs 18 a 23 e 3 a 11 juntos pela A. em sede de audiência prévia ocorrida em 21/3/2019, demonstra que a A. teve os prejuízos a título de danos causados nas suas estufas e o seu quantum, que ascende ao somatório dos valores apresentados pela A.
41. Os factos alegados nos artigos 29º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 56º, da PI, devem ser considerados como provados, pois, eram os RR que exploravam as estufas
42. Ficou mais que evidenciado e provado que os RR abandonaram as estufas que exploravam, propriedade da A., e ao fazê-lo deixaram os plásticos rotos, os tubos cortados, lixo com as plantas secas da anterior campanha, dentro das estufas com aspeto evidente de desprezo.
43. Foram os RR os AA. dos danos e causadores dos prejuízos,
44. Nem A. nem RR alegou a existência de outras pessoas ou entidade a explorarem as estufas da A. senão os RR.
45. A testemunha (…), foi extremamente esclarecedora ao explicar que a razão da existência das plantas secas dentro das estufas exploradas pelos RR., se deveu ao facto de não terem feito a campanha seguinte, que teria início em junho 2017.
46. Pelo que dado o tempo das campanhas, os danos apenas poderão ser imputáveis aos RR.
47. As testemunhas não podem declarar o que não sabem, nem o que não viram, mas também deveria ter sido levado em linha de conta na apreciação da prova, os factos que por norma não são executadas perante publico,
48. O rompimento dos plásticos das estufas e corte dos tubos, ninguém viu, nem era expectável que fosse,
49. De toda a prova produzida, inclusivamente a correspondência trocada entre as partes, prova pré-constituída aos presentes autos, verifica-se que a A. desde sempre reclamou os seus prejuízos e que reclamou na presente ação.
50. Pelo que a ação intentada pela A. deveria ter sido considerada procedente por provada, condenando-se os RR no pedido peticionado a título principal, ou se assim se não entendesse o pedido deduzido a título subsidiário, porquanto a A. sofreu prejuízos decorrentes da exploração das suas estufas pelos RR.
51. Pelo que a sentença agora posta em crise, deve ser revogada, considerada procedente por provada e os RR condenados a pagar à A. a quantia de 42.241,50€”.

5. Também o autor na ação apensa, (…), interpôs recurso da sentença que teve por objeto, além do mais, a reapreciação da prova, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. O autor veio pedir a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de €139.235,94 a título de indemnização por danos patrimoniais causados e lucros cessantes, em consequência do incumprimento do contrato pela ré sociedade e pelo comportamento (de ameaça) dos réus (…).
2. No que respeita ao apenso A), o tribunal a quo decidiu julgar a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvem-se os réus (…) dos pedidos formulados pelos autores (…)).
3. Em síntese o tribunal a quo considerou, no entender dos recorrentes mal, que «no que respeita à ré sociedade, os autores (…) não lograram demonstrar os alegados incumprimentos contratuais por parte daquela, como lhes incumbia – cf. o citado artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Também não lograram demonstrar os alegados danos/prejuízos, ou o seu quantum.»
RAZÕES DE DISCORDÂNCIA:
4. O Tribunal a quo não considerou provado entre outros os fatos nº 56, 57, 58 e 75 da PI 5. Estes fatos deveriam ser considerados provados atendendo a que:
6. O ponto 56 foi considerado provado no ponto 5 daquela decisão (n.º (...)/16.0GDTVD que correu termos no J2 dos Juízos Locais Criminais de Torres
7. Dúvidas inexistem quanto às ameaças constantes consideradas provadas nos pontos 5 e 9 8. Este último fato provado no processo-crime colide com o fato não provado no ponto 75 da sentença ora recorrida
9. O tribunal a quo deveria ter considerado provado todos os fatos probatório provado no âmbito do processo-crime, o que não o fez.
10.Pelo que deve ser considerado provados fatos constantes no processo n.º (...)/16.0GDTVD que correu termos no J2 dos Juízos Locais Criminais de Torres Vedras, da Comarca de Lisboa Norte; Nomeadamente:
11. No dia 8 de Agosto de 2016, entre as 10 e as 11h00, os trabalhadores do assistente (…), deslocaram-se às estufas referidas para ali desempenharem as suas funções.
12.5 Vendo os trabalhadores, os arguidos abeiraram-se destes, tendo o arguido (…) se dirigido aos mesmos, dizendo-lhes para dizer ou chamar o assistente para vir resolver o problema com ele, pois que se ele não o fizesse ninguém mais entrava na estufa e que seriam corridos a tiro de caçadeira.
13.6. Os referidos trabalhadores comunicaram de seguida ao assistente o sucedido com o arguido e o recado que este lhes transmitiu, não se tendo o assistente deslocado ao local para falar com o arguido.
14.7. No dia 14 de agosto de 2016, pelas 8h30m, o assistente (…) deslocou-se às referidas estufas com o seu trabalhador (…) e constatou que os portões de acesso estavam fechados/vedados, tendo num dos portões os arguidos estacionado uma carrinha que impedia o pretendido acesso.
15.8. Vendo os arguidos no local, o assistente questionou-os quanto a tal situação tendo a arguida dito ao mesmo “sai daqui seu filho da puta”.
16.9. Em ato contínuo, dirigindo-se ao assistente o arguido empunhou na direção daquele uma faca com uma lâmina de pelo menos 15 centímetros e disse-lhe: “Desaparece daqui para fora”.
17.10. Temendo pela sua integridade física, o assistente de imediato abandonou o local.
18.11. No dia 31 de Agosto de 2016, de manhã, a hora não concretamente apurada, quando o técnico de sistemas hídricos, (…), se deslocou às estufas para retirar um controlador de rega, no desempenho das suas funções, a pedido do assistente (…), constatou a porta da casa das máquinas fechada à chave, sem chave, ao contrário do que era habitual.
19.12. Entretanto, os arguidos apareceram no local, tendo abordado (…) e tendo a arguida dito ao mesmo que as coisas tinham de ser resolvidas, e para não ir àquele local de noite senão a caçadeira ia trabalhar.
20.13. (…) abandonou o local sem ter efetuado a tarefa de que tinha sido incumbido pelo assistente, e transmitiu a este o sucedido.
21.14. Ao agirem da forma descrita os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, pretendendo restringir a liberdade de decisão e de ação do assistente (…), causando, através das suas condutas, no assistente um sentimento de medo e inquietação pelos seus bens patrimoniais, sua vida, integridade física bem como pela de terceiros, com o propósito, não logrado pelo arguido, de o assistente se deslocar ao local para falar com o arguido e bem assim, com o propósito comum, de que o mesmo abandonasse a exploração das estufas, deixando ali de trabalhar, como conseguiram, em conjugação de esforços e intentos, circunstância de que estavam cientes.
22.15. Em consequência das condutas dos arguidos, o assistente acabou por desistir da exploração das estufas, o que lhe causou prejuízos económicos.
23.Deveria ter sido considerado provado os fatos 117 da Pi no qual se demonstra a resolução com justa causa, quer pelo Doc. 23 junto aos autos quer pela confissão aparte contraria no seu ponto 147 da contestação ««a 5 de setembro de 2016, enviou uma carta a rescindir com justa causa o contrato celebrado com a empresa – 1º R, os termos do 1037º e 1050º ambos do C. Civil, conforme documento junto com a PI com o nº 23 que se dá aqui por integralmente reproduzido.»
24. Deveria ter sido considerado provado a queixa-crime deduzida contra os recorridos pela junção do Doc. 40, o qual se trata de uma certidão» ponto 58 da PI e dos enunciação dos fatos não provados alínea c) «56.º a 60.º»
25. De acordo com o supra explanado deverá ser considerado provado que os autores (…) lograram demonstrar os alegados incumprimentos contratuais por parte daquela, como lhes incumbia.
26. Deveria ter sido considerado provado a resolução com justa causa licita dos recorridos;
27. Quanto ao apuramento da existência de danos/prejuízos sofridos por cada uma das partes, em consequência desses incumprimentos e/ou comportamentos e, em caso afirmativo, apurar o respetivo quantum;
28. Foi carreado para os autos toda a documentação, incluindo, valores faturados, despesas, salários e número de trabalhadores;
29. Os recorrentes no ponto 27º e seguintes da sua PI descrevem as despesas que tiveram para iniciar o cultivo de tomates e pepinos, os quais tinham como perspetiva a duração de 3 anos (período de tempo no qual iriam amortizar o respetivo investimento);
30.O Técnico Oficial de Contas, (…) declarou, na respetiva qualidade as despesas contempladas no Doc 3, doc 8 e respetivas faturas em anexo;
31. Por aqueles documentos deveria ter ficado provado que «o recorrente tive de despesas com os plásticos que colocaram nas estufas o valor de €11.894,69 euros»;
32.A fim de se analisar e concluir quais os lucros que os recorrentes, estes juntaram os seus IRS de 2015 e 2016, no qual espelham o decréscimo acentuado de receitas - cf Docs. 1 e 2 de 01.04.2019 com a referência 8176106;
33. Foi junto ainda os IES 2015 e 2016 no qual prova no qual melhor espelha também as despesas bem como o fluxo contabilístico da parte. Doc 3 e 4 (IES de 2015 e 2016) - Cft requerimento de 01.04.2019 com a referência 8176106
34. Foi junto ainda o Balancete Geral de 2015 e 2016- Docs. 5 e 6, Toda a faturação dos produtos hortícolas cultivados nos prédios dos AA. Docs. 7 e 8 (Faturação de 2015 e 2016) e,
35. Documento emitido e declarado por um TOC a comprovar os elementos contabilísticos nos autos – Docs. 9 e 10
36. Os documentos demonstram que em 2015 o recorrente apresentou de venda de mercadorias de produtos no valor de 420.742,36, de acordo com o modelo 3 anexo SS- pga 13/13
37. No ano de 2016 o valor de €213.599,30, de acordo com o modelo 3 anexo SS
38. Uma diferença superior a 207.147,06 euros do ano de 2015 (no qual exploraram as estufas dos recorridos) para o ano de 2016
39.O tribunal deveria ter analisado os IES juntos no requerimento de 03.04.2019 com a referência 8185267;
40. IES de 2015, cujo valor de venda e serviços prestado apresentou o ganho de 420.742,36 euros; Doc. 3
41. Com o valor de despesas de 96.045,26 euros
42. IES de 2016, cujo valor de venda e serviços prestado apresentou o ganho de 213.599,30 euros; Doc. 4
43. Com o valor de despesas de 72.192,91 euros
44. Faturas apresentadas com os documentos 9 e 10 de 03.04.2019 com a referência 8185269
45. Somente no âmbito do investimento a 3 anos verifica-se um investimento por aqueles efetuado na ordem de €28.437,30 euros, nos anos de 2015 e 2016
46. Pelo que, e de acordo com a documentação junta deveria ter considerado provado o ponto 42 da PI «Em despesas diversas, o A. despendeu a quantia de €28.437,30, Doc. 8, que se dá por integralmente reproduzido;»
47. Deveria ter considerado provado que «o A apresentou o ganho de 420.742,36 euros em 2015»;
48. Deveria ainda ter considerado provado que «o A apresentou o ganho de 213.599,30 em 2016
49. No ano de 2016/2017 existia a probabilidade contabilista de faturação na ordem dos €206.372,79 (de agosto de 2016 até ao final do contrato);
50. O Tribunal deveria ter considerado provado os fatos constantes naqueles documentos, emitidos pela AT e declarações emitidas pelo TOC.
51.Os recorridos não provaram que o decréscimo de rendimentos se deveu a qualquer outro fator;
52. Pelo que deveria ter ficado provado que no «âmbito da atividade do recorrente este teve uma diferença negativa de 207.147,06 euros do ano de 2015 para o ano de 2016, em virtude do recorrente ter rescindido com justa causa o contrato que tinha para com a empresa dos recorridos.»
53. Deveria ter ficado provado que considerando os valores careados para os autos o «recorrente deixou de auferir de lucro a quantia de 136.033,82 euros, valor perspetivado para o ano de 2016 e 2017», valor calculado e demonstrado nos pontos 134 a 140 da PI.
54. Deveria ter ficado provado «a bomba ficou no imóvel dos RR, aqui recorridos, a qual tem o valor de €2.364,33»
Da prova testemunhal:
55.Conforme depoimento de (…) ficou provado que a parte contrária impedi-o deste retirar a bomba da qual faz parte um computador, tendo fechado a porta e retirado as chaves e ameaçado o técnico Carlos dizendo para “não ir de noite senão a espingarda ia trabalhar”
56. Passagem gravada do minuto 30:30 ao minuto 35:30 constante da ata de audiência do dia 28-02-2023
57. Ao contrário do entendimento do tribunal a quo que considerou o depoimento testemunha (…), o qual concluiu que «valores indicados pelo ré (…), a título de custos com mão-de-obra e outros, não têm qualquer sustentabilidade.»
58. Os recorrentes consideram que aquela testemunha indicada pela parte contrária foi enganada por aqueles ao darem dados errados para formalizar os cálculos;
59. Foi-lhe entregue os elementos em Excel e demonstrou aquela testemunha não saber quantos trabalhadores o recorrente tinha ao seu serviço.
60. Passagem gravada do minuto 00:03 ao minuto 10:35, constante da ata de audiência do dia 28-02-2023, com a referência 20230228100308_5837693_2871209
61.A testemunha (…) veio desmentir os elementos apresentados por aquela testemunha, (…), principalmente quanto ao número de trabalhadores que trabalhou para o recorrentes nas estufas dos autos- cf Passagem gravada do minuto 12:37ao minuto 12:37 constante da ata de audiência do dia 28-02-2023,
62. Acrescido do documento junto aos autos nº 28, fls 2, que se trata de um extrato de declarações de remunerações do ISS, IP, vem demonstrado o número e quais os trabalhadores que o recorrente tinha ao seu serviço no ano de 2015/2017.
63. Deveria ter ficado provado o valor de €93.804,90 sem IVA de investimento que o recorrente despendeu nos dois terrenos da empresa dos recorridos
 64.O Tribunal deveria ter considerado provado que o «recorrente despendeu a quantia de €11.894,69 euros em plásticos, os quais foram colocados nas duas estufas».
65. Conforme se prova com o depoimento de (…), que analisou e confirmou a despesa que o recorrente teve com os plásticos das estufas, ao ser confrontado com as faturas pela sua empresa emitidas.
66. Deveria ter ficado provado que o recorrente colocou tudo de novo nas estufas desde os plásticos, sistema de rega novo, as calhas de rega.
67. Passagem gravada do minuto 05:23 ao minuto 07:58 constante da ata de audiência do dia 28-02-2023
68. Deveria ter ficado provado que «desde o início que o A. teve de investir em sistemas de tubagens, manutenção geral da casa da rega nomeadamente, revisão ao computador que estava em fim de vida útil e por isso após uma avaria (as peças tinham sido descontinuadas), teve o A. que o substituir, torneiras, os tubos de regas estavam rebentados de velhos, pelo que tiveram que ser reparados».
69. Ao contrário dos fatos não provados, deveria ter ficado provado:
70. Deveria ter ficado provado que o recorrente teve as seguintes despesas no cultivo nos dois prédios:
71.«Teve de despesas, inerentes ao cultivo de tomate, no ano de 2015, o valor de €22.274,66 e de €19.430,36 no ano de 2016;»
72.«Teve de despesas inerentes ao cultivo do pepino no ano de 2015 o valor de €8.548,20.»
73.«Inerente ao cultivo e à sua manutenção teve de despesas diversas o valor de €19.778,82, no ano de 2015 e de €8.658,48 no ano de 2016 perfazendo uma despesa global de €28.437,30;»

6. Apenas os réus (…) apresentaram contra-alegações relativamente ao recurso interposto no apenso A, pugnando pela manutenção do aí decidido.

7.  Foram admitidos ambos os recursos, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

8.  Remetidos os autos a este tribunal em 11-01-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.

Consequentemente, nos presentes autos, as questões a decidir, no que se reporta ao recurso apresentado pela autora na ação principal, consistem em saber se:
- a matéria alegada nos artigos 17º (segunda parte) 18º, 22º, 29º, 30º, 41º 43º, 44º (segunda parte) a 46º e 47º (segunda parte), 49º a 53º, 56º e 60º da petição inicial deve ser considerada apurada, em face dos meios de prova produzidos;
- em caso de procedência, total ou parcial, do recurso relativo à matéria de facto, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que condene os réus, total ou parcialmente, na quantia peticionada?

Já no que se reporta ao recurso apresentado pelo autor da ação apensa (…), as questões a decidir são as seguintes:
- Questão prévia: O recurso relativamente à matéria de facto deve ser parcialmente rejeitado por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), CPC (falta de indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados)?
- a matéria alegada nos artigos 56º, 57º, 58º e 75º da petição inicial, em face das certidões da queixa e da sentença proferida no processo de natureza criminal nº 366/16.0GDTVD, deveria ter sido considerada apurada?
- o facto alegado no artigo 117º da petição inicial deverá considerar-se apurado, em face da prova documental junta e da confissão dos réus?
- a prova produzida demonstra a factualidade alegada no artigo 42º da petição inicial (investimento efetuado pelo autor em despesas diversas de €28.437,30, nos anos de 2015 e 2016, incluindo-se em tais despesas o montante de € 11.894,69 relativa à substituição de plásticos)?
- os factos alegados nos artigos 134º a 140º da petição inicial (valor da faturação até agosto de 2016, prejuízos pela apanha do tomate verde, valor provável da faturação até final do contrato, lucro que o autor deixou de auferir por força da cessação prematura do contrato) deverão ser considerados apurados?
- em caso de procedência, total ou parcial, do recurso relativo à matéria de facto, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que condene os réus, total ou parcialmente, na quantia peticionada?

B – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
B.1 – Foram os seguintes os factos que a decisão de primeira instância considerou provados:

1. Em 19 de março de 2015 a sociedade (…), na qualidade de primeira outorgante, e (…), na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito particular denominado «Contrato de Cedência de Utilização de Espaço Agrícola», com as seguintes cláusulas:
“Cláusula primeira
A primeira outorgante é legitima proprietária dos bens abaixo descriminados, que se encontram implantados nos prédios rústicos inscritos na matriz sob o artigo (…) todos da secção (…) da união das freguesias de A-dos-Cunhados e Maceira, concelho de Torres Vedras, estes por sua vez objeto de contrato de arrendamento rural à primeira outorgante.
Cláusula segunda
Os prédios identificados na cláusula primeira possuem:
Um parque de abrigo (estufas) em estruturas Minho com a área de 10000 m2 constituído por 11 naves de 8m de largura, 3,5m de altura, a barra de cultivo com aberturas zenitais 50%,
1 Controlador de chuva/ vento exterior e temperatura interior Nutricontrol,
1 Sistema auxiliar (comando manual) para controlar temperatura interior de estufa, vento e chuva exterior.
11 Motores elétricos trifásicos funcionamento (dt e esq.),
11 Quadros elétricos, onde foram adicionados um motor a cada um para funcionamento dos mesmos.
Esta área referida tem em cada nave de (8m L), 4 linhas de cultivo fibra de cocô em vaso, tendo também 4 linhas de rega hidráulica gota a gota (auto com pensante, anti drenante)
O regadio (hidráulico) para esta área é sistema gota a gota (auto compensante anti drenante) orientado por um controlador de rega EC e PH marca XILEMA/AZUD, que é constituído por uma bomba hidráulica DAB K40/400T, 10 electroválvulas de 2 polegadas, 1 bomba doseadora LOWARA(CAM120/55/P), 3 filtros de anilhas de manutenção Manual, 5 cubas de 500 L, bomba hidráulica DAB JET INOX 110 T,
1 Escritório com um computador Pentium 4, 1 UPS nova marca AVR625 EATON.
Sistema de bombagem charca depósito, constituída por uma bomba hidráulica DABK14/400T e respetiva tubagem a 2 polegadas.
Cláusula terceira
Esta área de estufas tem seguro de estrutura metálica em caso de intempere (ventos superiores a 120 km/h). o seguro não abrange o plástico nem as culturas existentes dentro das estufas, ficando à responsabilidade dos segundos outorgantes.
Cláusula quarta
Todos os bens mencionados na cláusula segunda, são da única e exclusiva responsabilidade dos segundos outorgantes, que se responsabiliza pelo bom uso dos bens.
Os segundos outorgantes, deverão indemnizar a primeira outorgante por todos os prejuízos que lhe venham a ser causados por si ou por terceiros durante a vigência do presente contrato a título de dolo ou negligência sua.
Os segundos outorgantes no fim do contrato terão que deixar as estufas forradas com plástico sem buracos, limpas de lixo (plantas velhas da anterior cultura) e equipamentos (máquinas, motores, computadores) e todos os objetos mencionados no presente contrato conforme lhes terão sido entregues.
Cláusula quinta
a) O presente contrato tem início a 1 de Maio de 2015 e durará até 31 de Dezembro de 2017, podendo ser renovado automaticamente por períodos de 1 ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes.
b) A segunda outorgante em caso de denúncia do contrato tem que comunicar por escrito em carta registada com 120 dias (cento e vinte dias) á primeira outorgante.
c) Caso não seja cumprido o prazo mencionado na alínea B, terá que ser pago as rendas até ao final do contrato a título de indemnização.
Cláusula sexta
a) Pela utilização dos bens mencionados anteriormente os segundos outorgantes pagarão á primeira outorgante, até ao dia 08 de cada mês, o valor mensal de 800 € (oitocentos euros), acrescidos do iva a taxa legal em vigor, devendo este valor ser pago na sede da primeira outorgante ou em local a acordar entre as partes.
b) Na data de assinatura do presente contrato os segundos outorgantes entregarão á primeira outorgante o valor correspondente ao Mês de Maio.
c) Por acordo das partes a renda será atualizada para o valor de 1000,00€, ainda no decorrer do presente contrato em data ainda não definida.
d) Caso as partes determinem o não aumento da renda a alínea c), fica sem efeito.
Cláusula sétima
Os segundos outorgantes não podem salvo prévio consentimento escrito dado pela primeira outorgante, ceder, total ou parcialmente a sua posição no presente contrato, nem por qualquer outra forma ou título, ceder ou permitir o uso dos bens objeto do presente contrato.
Cláusula oitava
Os segundos outorgantes, não poderão efetuar quaisquer obras ou alterações, salvo mediante autorização prévia da primeira outorgante.
Cláusula oitava
Em caso de litígio emergente de qualquer questão que se prenda com a interpretação, aplicação ou execução do presente contrato, será competente para dirimir o tribunal da Comarca de Torres Vedras”.
2. O prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo (…), Seção (…), da União de freguesias de A-dos Cunhados e Maceira, do concelho de Torres Vedras, denominado “Vale (…)”, com a área de 3.880 hectares, encontra-se inscrito a favor dos réus (…) pela apresentação n.º (…) de 1987/03/09.
3. Em 17 de dezembro de 2013 os réus (…), na qualidade de senhorios, e a sociedade (…)”, na qualidade de rendeiro, outorgaram um escrito particular denominado «Contrato de Arrendamento ao Cultivador Direto», nos termos do qual os primeiros deram de arrendamento ao segundo, com início em 17 de dezembro de 2013, pelo prazo de dez anos, renovável por períodos de um ano, e pela renda anual de €25,00, o prédio rústico denominado “Vale (…)”, descrito em 2..
4. Em 1 de julho de 2016 a sociedade “…, Unipessoal, Lda.” enviou a (…) uma carta comunicando a «atualização da renda para o valor de 1000€ a partir do mês de Agosto de 2016, conforme mencionado na cláusula sexta, alínea C» do «contrato de Cedência de Utilização de Espaço Agrícola por nós celebrado em 19 de março de 2015».
5. Em 12 de julho de 2016 (…) enviaram à sociedade (…)” uma carta, na qual, além de se oporem a tal aumento, enunciaram alguns factos que, no seu entender, estavam a interferir com a normal exploração das estufas, concluindo por notificá-la para, até ao final do mês de agosto de 2016, «verificar o estado dos equipamentos da exploração e proceder à substituição ou reparação dos equipamentos que disso careçam», «providenciar de modo a que a n/ exploração tenha um contador de eletricidade exclusivo», «efetuar um aditamento ao contrato de modo a contemplar a totalidade da área cedida» e, «de imediato» «impedir que a D Anastácia ou a sua família aceda ou por qualquer modo interfira com a n/ exploração. Deverão explicar à senhora que a mesma não pode fazer nada daquilo que tem feito até aqui», sob pena de «resolução do contrato» com imputação «aos eventuais responsáveis» dos «prejuízos decorrentes dos elevados investimentos» efetuados, «dos lucros cessantes e danos emergentes, o que seguramente atingirá muitos milhares de euros», disponibilizando-se ainda «para não agravar ainda mais a situação», para «celebrar um acordo mediante o qual se extinga o contrato em curso».
6. Por carta datada de 20 de julho de 2016 a sociedade (…) respondeu àquela missiva, não aceitando os fatos ali elencados, solicitando que fosse reposto um motor que tinha sido retirado da casa da rega.
7. Em 3 de agosto 2016 (…) enviaram à sociedade (…) nova carta, respondendo à carta descrita em 6. e concluindo como fizeram na carta descrita em 5..
8. Em 9 de agosto de 2016 o advogado que representava à data (…) enviou uma carta à sociedade (…) solicitando reunião no dia 12 de agosto.
9. Em 11 de agosto de 2016 a sociedade (…) enviou carta a (…) solicitando-lhes a entrega, até ao dia 31 de agosto de 2016, «livre e completamente desocupada a estufa com 5000 m2 de área coberta sita na união das freguesias de A-dos-Cunhados e Maceira, do concelho de Torres Vedras» que tinha sido «cedida por comodado em março de 2015», interpelando-os para, no mesmo prazo, «retirarem do seu interior os equipamentos de hidroponia em lã de rocha que lá instalaram, sem nossa autorização, e entregar-nos o espaço cedido temporariamente por comodato, com todos os pertences e equipamentos de apoio no mesmo estado de uso em que se encontravam, com os plásticos sem buracos e limpo de lixo e de plantas velhas da cultura em curso», sob pena de poderem ser responsabilizados por eventuais prejuízos.
10. Em 2 de setembro de 2016 a sociedade (…) enviou carta a (…) interpelando-os para, no prazo de 10 dias, retirarem do interior da referida estufa de 5000 m2 «todas as plantas que se encontram no interior da estufa, bem como das placas de lã de rocha, por forma a permitir-nos começar a cultiva-la de imediato» sob pena de serem «responsáveis pelos prejuízos daí resultantes, uma vez que desde o dia um de setembro de 2016 estamos impedidos de cultivar a nossa estufa», sendo ainda «responsáveis pelo pagamento de todas as despesas que venhamos a realizar com a retirada das plantas velhas e das placas de lã de rocha do interior da nossa estufa, sendo que todos esses resíduos irão ser depositados por um camião numa das vossas propriedades.».
11. Em 5 de setembro de 2016 (…) enviaram carta à sociedade  (…) rescindindo «com justa causa» o contrato outorgado entre todos em 19 de março de 2015, «nos termos dos artigos 1037.º e 1050.º do Código Civil impedido o normal uso das instalações que me foram alugadas», «ameaças que me foram dirigidas, bem assim como aos meus trabalhadores e a meu pai, desaparecimento da bomba de abastecimento para a irrigação, impedimento da recolha de tomate nas estufas previstas na proposta que me foi apresentada e que devia constar do contrato, tomate que foi por mim plantado e cultivado, incluindo com colocação de hidroponia sem qualquer obstrução ou reclamação por parte de V Exas, e desde o início do contrato, sendo que relativamente a alguns destes factos corre seus termos o pedido de instauração de processos crimes pelo Tribunal de Torres Vedra com os n.ºs (…)/16.0GDTVD e (…)/16.0GDTVD, a que acresce terem impedido que fosse instalado um contador que que fossem por nós pagos apenas os consumos dessas instalações e nos fosse permitido incluir esses custos nas despesas de exploração».
12. Em 13 de setembro de 2016 a sociedade (…) enviou carta a (…) declarando resolvido o contrato assinado em 19 de março de 2015 a partir de 1 de setembro de 2016, «com fundamento na falta de pagamento do valor devido pela utilização do espaço agrícola cedido», interpelando-os para pagarem indemnização de €3.200,00, acrescido de IVA por falta de aviso prévio da denúncia daquele contrato, para, «no prazo de dez dias, procederem à limpeza da estufa retirando do seu interior as plantas velhas da colheita anterior e as placas de lã de rocha da cultura em hidroponia, e à reparação e/ou substituição do equipamento danificado», pagarem, «com a possível brevidade» os consumos da eletricidade que consumiram na estufa, referente ao período de 20/06/2016 a 19/08/2016», devolução de bomba hidráulica de rega, e, ainda, respondendo à carta descrita em 10..
13. Em 15 de junho de 2015 (…) sofreu um acidente de mota, tendo, além do mais, partido uma perna, o que o impossibilitou fisicamente de dar assistência às estufas que explorava, designadamente a descrita em 1., durante um período de tempo que não foi possível apurar, mas que se prolongou por alguns meses.
14. Em data que não foi possível precisar, mas que se situa entre o dia 23 e o dia 24 de agosto de 2016, (…) procedeu, com o auxílio de trabalhadores, à apanha de tomate na estufas objeto do contrato descrito em 1..
15. Em 27.08.2019 (…) intentou uma ação de processo comum contra  (…) Companhia de Seguros, S. A.”, a qual seguiu termos no J3 dos Juízos Centrais Cíveis desta comarca sob o n.º (…)/19.4T8LRS, tendo para o efeito alegado que no dia 15.06.2015 foi vítima de um acidente de viação, que a responsabilidade por tal acidente cabe ao veículo seguro na ré, que não observou as regras de segurança estradais, que do acidente advieram para o autor diversos prejuízos/danos, designadamente patrimoniais, pelo facto de não ter podido deslocar-se às explorações a seu cargo, entre elas a que é objeto do contrato descrito em 1., que computou em €480.194,26 (cf. artigos 60.º a 63.º e 66.º a 114.º da p. i.), além de danos biológicos e não patrimoniais, que computou em €50.000,00, danos patrimoniais futuros, que computou em €100.000,00 e despesas e consulta, que computou em €1.871,28 e €91,00, tudo no total de €582.066,45.
16. Em 29.11.2021, e no âmbito deste processo, as partes chegaram a acordo, tendo o autor reduzido o pedido para a quantia de €300.000,00, sendo €250.000,00 relativos a danos patrimoniais e €50.000,00 relativos a danos não patrimoniais, que a ré aceitou pagar, acordo que foi homologado por sentença proferida em 03.12.2021, transitada em julgado em 18.01.2022.
17. No âmbito do processo comum (tribunal singular) que sob o n.º (…)/16.0GDTVD correu termos no J2 dos Juízos Locais Criminais de Torres Vedras, desta Comarca, em que foram arguidos (…), e assistente (…), foi proferida sentença em 07.01.2021, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.09.2021, e transitada em julgado em 23.09.2021, a condenar, entre o mais, o arguido (…), «pela prática, em concurso efetivo, e em autoria material, de um crime de coação sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, e n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no montante global de €400,00 (quatrocentos euros) e em co-autoria, sob a forma consumada, de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de €700,00 (setecentos euros) e, consequentemente (…), em cúmulo jurídico, na pena única de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no montante global de €825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros)», e a arguida (…) «em co-autoria, sob a forma consumada, de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no montante global de €700,00 (setecentos euros)».
18. No âmbito deste processo foram dados como provados os seguintes factos:
3. Em data não concretamente apurada mas pelo menos a partir de Julho de 2016 os arguidos, por motivos decorrentes, entre outros, da insatisfação das condições do contrato (valor da renda suportada pelo assistente) e das exigências que eram efetuadas pelo assistente, decidiram impedir o acesso do assistente às estufas objeto de cedência e bem assim a todos os que o acompanhassem.
4. Assim, no dia 8 de agosto de 2016, entre as 10 e as 11h00, os trabalhadores do assistente (…), deslocaram-se às estufas referidas para ali desempenharem as suas funções.
5. Vendo os trabalhadores, os arguidos abeiraram-se destes, tendo o arguido (…) se dirigido aos mesmos, dizendo-lhes para dizer ou chamar o assistente para vir resolver o problema com ele, pois que se ele não o fizesse ninguém mais entrava na estufa e que seriam corridos a tiro de caçadeira.
6. Os referidos trabalhadores comunicaram de seguida ao assistente o sucedido com o arguido e o recado que este lhes transmitiu, não se tendo o assistente deslocado ao local para falar com o arguido.
7. No dia 14 de Agosto de 2016, pelas 8h30m, o assistente (…) deslocou-se às referidas estufas com o seu trabalhador José Elísio e constatou que os portões de acesso estavam fechados/vedados, tendo num dos portões os arguidos estacionado uma carrinha que impedia o pretendido acesso.
8. Vendo os arguidos no local, o assistente questionou-os quanto a tal situação tendo a arguida dito ao mesmo “sai daqui seu filho da puta”.
9. Em ato contínuo, dirigindo-se ao assistente o arguido empunhou na direção daquele uma faca com uma lâmina de pelo menos 15 centímetros e disse-lhe: “Desaparece daqui para fora”.
10. Temendo pela sua integridade física, o assistente de imediato abandonou o local.
11. No dia 31 de Agosto de 2016, de manhã, a hora não concretamente apurada, quando o técnico de sistemas hídricos,(…), se deslocou às estufas para retirar um controlador de rega, no desempenho das suas funções, a pedido do assistente (…), constatou a porta da casa das máquinas fechada à chave, sem chave, ao contrário do que era habitual.
12. Entretanto, os arguidos apareceram no local, tendo abordado (…) e tendo a arguida dito ao mesmo que as coisas tinham de ser resolvidas, e para não ir àquele local de noite senão a caçadeira ia trabalhar.
13. (…) abandonou o local sem ter efetuado a tarefa de que tinha sido incumbido pelo assistente, e transmitiu a este o sucedido.
14. Ao agirem da forma descrita os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, pretendendo restringir a liberdade de decisão e de ação do assistente (…), causando, através das suas condutas, no assistente um sentimento de medo e inquietação pelos seus bens patrimoniais, sua vida, integridade física bem como pela de terceiros, com o propósito, não logrado pelo arguido, de o assistente se deslocar ao local para falar com o arguido e bem assim, com o propósito comum, de que o mesmo abandonasse a exploração das estufas, deixando ali de trabalhar, como conseguiram, em conjugação de esforços e intentos, circunstância de que estavam cientes.
15. Em consequência das condutas dos arguidos, o assistente acabou por desistir da exploração das estufas, o que lhe causou prejuízos económicos.
16. Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, podendo e devendo abster-se de tais práticas, o que não fizeram.(…)».

B.2 – Foram os seguintes os factos que a sentença da primeira instância considerou não provados:

a. da p. i. do processo principal, a. as que constam dos artigos 9.º a 13.º, 17.º (segunda parte) e 18.º, 22.º, 29.º, 30.º, 41.º, 43.º, 44.º (segunda parte) a 46.º e 47.º (2.ª parte);
b. que (…) tenham procedido ao pagamento da renda no montante de €800,00, acrescido de IVA à taxa legal, que se venceria em 1 de setembro de 2016;
c. que a autora sociedade tenha sofrido os danos/prejuízos e despendidos os montantes alegados nos artigos 49.º a 53.º, 56.º e 60.º;
 da contestação do processo principal, as que constam dos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 11.º, que o parque de estufas objeto do contrato descrito em 1. dos factos provados estivesse abrangido por um projeto de investimento do Proder em vigor e que a ré sociedade estivesse impedida de ceder a sua exploração; as alegações de que o equipamento das estufas não estivesse em condições e as alegações relativas a ameaças dos pais do legal representante da autora sociedade, para além do que consta provado no ponto 18. dos factos dados como provados;
- da p. i. do apenso A:
a) as que constam dos artigos 1.º, 3.º e 6.º;
b) que o parque de estufas objeto do contrato descrito em 1. dos factos provados estivesse abrangido por um projeto de investimento do Proder em vigor e que a ré sociedade estivesse impedida de ceder a sua exploração;
c) as que constam dos artigos 19.º a 22.º, 27.º a 30.º, 34.º (1.ª parte), 35.º (segunda parte), 38.º a 40.º, 42.º, 43.º, 51.º, 53.º, 54.º, 56.º a 60.º, para além do que consta provado em 18. dos factos dados como provados, 62.º a 64.º, 65.º a 70.º, 72.º, 73.º a 75.º, para além do que consta provado em 18. dos factos dados como provados, 76.º a 80.º, 82.º, 90.º a 94.º, 96.º, 97.º, 100.º a 102.º, 124.º a 126.º, 128.º, 129.º, 131.º, 132.º, 134.º, 135.º, 137.º, 141.º a 144.º, 146.º e 147.º;
- da contestação do apenso A) as que constam dos artigos 31.º a 33.º, 35.º, 36.º, 54.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, segunda parte, 61.º, 62.º, 97.º, 129.º a 131.º, 138.º e 146.º.

B.3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A matéria de facto foi objeto de impugnação pelos autores de ambas as ações (principal e apenso A), conforme conclusões já transcritas.

B.4 – Motivação do tribunal recorrido
O tribunal a quo, no que se reporta aos factos provados (que não merecera qualquer censura dos recorrentes), motivou a decisão de facto tendo por base o acordo das partes e a documentação junta.
Relativamente aos factos considerados não provados na ação principal, o tribunal recorrido apresentou a seguinte motivação:
“No que concerne aos factos não provados, os mesmos resultam de não ter sido feita prova dos mesmos, ou de o Tribunal não se ter convencido com a prova produzida.
Com efeito, as testemunhas depuseram, em geral, de forma muito genérica, revelando por um lado dificuldade em circunstanciar no tempo e no modo as vicissitudes do contrato que uniu as partes e, por outro, pouco conhecimento dos factos em litígio, tendo por vezes entrado em contradições.
De facto, a testemunha (…), contabilista na empresa que faz a contabilidade da autora/ré sociedade desde 2010/2011 nada revelou saber em concreto quer quanto à forma como as partes negociaram o contrato descrito em 1. dos factos dados como provados, quer quanto às condições das estufas e respetivos equipamentos, aquando da celebração do mesmo contrato, quer depois de o réu/autor (…) ter deixado de as explorar, limitando-se a afirmar que é do seu conhecimento que terão sido pagas duas faturas do valor de reparação das estufas, em montante de cerca de quarenta mil euros no total, afirmando que facultou os documentos que tinha na contabilidade a este propósito ao legal representante da sociedade. Contudo, nenhum documento comprovativo de pagamentos a este respeito foi junto aos autos, apenas orçamentos.
Por seu turno, a testemunha (…), montador de estufas que afirmou ter estado a recuperar as estufas da autora/ré sociedade em data que não precisou com rigor, mas que situou entre novembro e dezembro de 2016, afirmou que cerca de seis pessoas estiveram cerca de trinta dias a restaurar/reparar as mencionadas estufas. Afirmou que estava tudo roto e que o vento não provocava aqueles estragos e que foi necessário substituir todos os plásticos, além de terem limpo tudo. Contudo, não revelou saber quem o que é que teria provocado tais estragos, e desconhecia os montantes despendidos com a reparação. Do mesmo modo, a testemunha (…), agricultor desde 2010, que explora um hectare da autora/ré sociedade a cerca de vinte metros de distância das estufas em discussão nos presentes autos, afirmou que quando o réu/autor (…) deixou de explorar a estufa a mesma apresentava algumas partes de plástico roto (alguns buracos), não estando em condições de ser trabalhada, com lixo e alguns cortes na tubagem, afirmando desconhecer os motivos para tais situações. Mais disse que foi necessário «muito trabalho» para poder começar a explorar a estufa, que foi entregue à sua filha, testemunha (…). Esta, também agricultora, que explora o hectare que tinha sido entregue ao réu/autor (…) desde fevereiro de 2017, e que explora o hectare que era do seu pai, testemunha (…) desde 2021, afirmou ter percebido que houve um desentendimento entre as partes dos presentes autos, com acusações mútuas mas mais nada soube dizer em concreto para além de ter verificado que as estufas foram reparadas antes de as receber porque apresentavam tubos cortados, janelas e tetos com buracos (alguns parecia que tinham sido provocados por paus), rama antiga (tomate seco), que tinha de ser limpo, apresentando sinais de abandono. Também a testemunha (…), agricultor, esposo da testemunha (…) nada acrescentou em relação ao depoimento desta: afirmou que viu tubos cortados, plásticos rebentados, que as estufas estavam com aspeto “estragado”, mas nada revelou saber sobre as circunstâncias que possam ter causado tais estragos, esclarecendo que observou os estragos que descreveu em dezembro de 2016, não se recordando como estariam no verão do mesmo ano. Ora, a questão é que nenhuma das testemunhas soube esclarecer com rigor como teriam sido causados estes «estragos» e nenhuma visitou as estufas logo a seguir aos réus (…) as terem deixado de explorar.
Acresce que a testemunha (…), reformado, vendedor de vinhos, afirmou que nunca entrou na estufa, mas que de fora a mesma apresentava estragos desde o início do ano de 2016, tendo visto uma empresa a fazer a limpeza em novembro/dezembro de 2016 e, desde então, a estufa apresenta bom aspeto nos plásticos. Afirmou ainda que, com autorização dos autores do processo principal, levou tomate e pepino que ia para o lixo (cerca de 200 ou 300 kgs) e estava ao pé da estufa entregue ao réu (…), para dar aos seus animais, não sabendo as razões para ali estarem naquele estado
Por outro lado, as testemunhas dos autores/réus (…) também foram genéricas e pouco precisas, não obstante terem deposto de forma oposta às testemunhas da autora/ré sociedade. Com efeito, a testemunha (…), operador de maquinas afirmou que foi a um terreno, que julga que seria dos autores do processo principal, regularizar o piso e colocar valas, não tendo logrado fazer o serviço com a máquina que geralmente utiliza porque a estufa tinha arames e fios; mais afirmou que conseguiu apenas fazer parte do trabalho com uso de miniescavadora (gastou cerca de uma ou duas horas em cerca de metade da estufa) a qual, por ser alta, não podia circular por toda a estufa. Mais esclareceu que esta máquina tinha lagartas em borracha e uma lança à frente (lâmina), afirmando, a instâncias do Tribunal, que não tem noção de ter estragado algum cano, mas admitindo que o podia ter feito. A testemunha (…), técnico de sistemas hídricos, afirmou que o equipamento instalado na estufa era muito antigo (embora não estivesse estragado nem aparentasse mau uso) e descontinuado no mercado e foi por isso que a pedido do autor/réu (…) desconectou os cabos (deixando no local os equipamentos originais) e conectou a um contador mais recente, com outros níveis mais segurança e, ainda, com um computador a que o réu (…)tinha acesso por telemóvel. Mais afirmou que o sistema de regas estava a funcionar bem, considerando a idade. Mais afirmou que nunca foi impedido de aceder à bomba (estava sempre lá a chave); o que foi impedido, pelos autores réus (…), foi de tirar o equipamento que tinham posto, designadamente, foi-lhe dito para «não levar nada enquanto as coisas não estivessem resolvidas» e que «não fosse à noite que a espingarda ia trabalhar», tendo a testemunha respondido «em tom de brincadeira» que não tinha vontade de trabalhar à noite. Ora esta afirmação está em contradição com o que foi julgado provado no âmbito do processo que sob o n.º (…)/16.0GDTVD correu termos no J2 dos Juízos Locais Criminais de Torres Vedras, desta Comarca, designadamente no facto provado 11 – cf. factos provados sob os nº 17 e 18.
A testemunha (…) depôs em esforço (por razões de saúde), o que pode explicar algumas dificuldades em descrever as circunstâncias de modo e tempo em que terá trabalhado na estufa dos autores do processo principal e algumas contradições em que incorreu, designadamente com a testemunha (…), no que respeita à produção de (apenas) tomates ou tomates e pepinos. Ambos falaram de cortes nos canos, mas, em rigor, nenhuma testemunha inquirida viu fosse o fosse que permitisse ao Tribunal ficar esclarecido sobre quem fez o quê, quando e em que circunstâncias. A testemunha (…), montador de estufas por conta própria desde 2005 e agricultor há cerca de três anos, afirmou que no meio do ano de 2015, foi colocando novos plásticos nas estufas dos autores do processo principal, e entregues ao réu (…), o que continuou a fazer em 2016, tendo neste período de tempo substituído toda a cobertura das referidas estufas. Mais afirmou que a garantia dos plásticos é de três anos, desde que tenham sido bem utilizados. Nada mais revelou saber de relevante, sendo certo que as testemunhas dos autores afirmaram que os plásticos estavam rotos e e com buracos… Em suma, as testemunhas procuraram confirmar as alegações da parte que as apresentava, sem revelarem conhecimento direto sobre quem ou o que é que causou determinadas situações que observaram, sendo certo que as declarações de parte (d …, legal representante da autora/ré sociedade), só por si, foram insuficientes para convencer o Tribunal que, na dúvida sobre o que ocorreu, decidiu dar como não provadas as alegações de incumprimento contratual. No que respeita aos alegados prejuízos invocados pelos autores/réus (…) no apenso A), a testemunha (…), engenheiro agrónomo, afirmou que analisou, do ponto de vista técnico e económico, os números da produção que réus tinham apresentado, tendo, para tal, analisado toda a documentação que por este foi junta aos autos. Concluiu, através desta análise e dos seus conhecimentos técnico, que os valores indicados pelo réu (…), a título de custos com mão de obra e outros, não têm qualquer sustentabilidade.
Acresce que, quer em relação aos prejuízos alegados pela autora/ré sociedade, quer pelos autores/réus (…), os documentos juntos aos autos são insuficientes para convencer o Tribunal, dado que não demonstram de forma clara e direta tais alegações. Com efeito, as faturas juntas nada demonstram por si só, tendo sido necessário que fossem suportadas por outros documentos: a título de exemplo, as faturas juntas com a p. i. do apenso A) não revelam a origem dos produtos (que constam das guias de transporte, por exemplo), as faturas juntas com a p. i. do processo principal não revelam a que dizem respeito, em concreto, as despesas, v. g. de eletricidade – cf. documento 24 junto com a p. i. do processo principal) Importa ainda referir que, no que respeita às alegações da p. i. do apenso A), dadas como não provadas, a autora/ré sociedade impugnou que tivesse apresentado a proposta constante do documento n.º 1 junto com a p. i. do apenso A), que não se mostra assinado por esta, sendo certo que o autor/réu (…) não logrou produzir qualquer prova direta em relação às circunstâncias em que foi outorgado o contrato descrito em 1. dos factos dados como provados. Por outro lado, nada se retira, em concreto, do ofício junto aos autos em 19 de junho de 2019 que permita concluir que a autora/ré sociedade estivesse impossibilitada de ceder a exploração da estufa objeto do contrato descrito em 1. dos factos dados como provados”.

C – Fundamentação de Direito

C.1 – Apreciação do recurso interposto pela autora (...) (ação principal)
Os meios de prova invocados pela recorrente para a pretendida alteração da matéria de facto foram, fundamentalmente, os depoimentos das testemunhas (…), concatenados com os documentos nºs 18 e 23 juntos com a petição inicial e nºs 3 e 4 juntos na audiência prévia.

Porém, ouvidos os registos áudio dos referidos depoimentos, concatenados com os documentos juntos aos autos, e os demais meios de prova produzidos, desde já se adianta que não se revela fundamentada a pretendida alteração da matéria de facto suscitada pela recorrente.
Os factos que a recorrente entende que ficaram demonstrados com a prova produzida são os seguintes:
- o pai do gerente da autora, durante a execução do contrato, substituiu plásticos rasgados, reparou tubos de rega ou motores de rega (artigo 17º da petição inicial);
- vários danos foram causados deliberadamente nos equipamentos da estufa (artigo 18º da petição inicial);
- agravamento dos problemas causados pelos réus em julho e agosto de 2016, procurando arranjar pretexto para resolver o contrato celebrado com a autora (artigo 22º da petição inicial);
- abandono das estufas pelos réus, apropriando-se de uma bomba hidráulica, danificando deliberadamente tubos de regas, plásticos das estufas, deixando as plantas da colheita anterior, nove toneladas de lã de rocha (obrigando a autora a proceder à sua reciclagem), plásticos rasgados e diverso equipamento avariado devido ao mau uso que dele fizeram (artigos 29º, 43º, 46º 53º, da petição inicial);
- colocação dos equipamentos de rega em funcionamento sem água para bombear (artigo 30º da petição inicial);
- substituição do sistema de cultivo em fibra de coco por placas em lã de rocha sem autorização da autora (artigo 41º da petição inicial);
- colocação, pela autora, da lã de rocha que os réus deixaram na exploração, na nave de estufa, por a mesma não poder ficar a céu aberto, impedindo a autora de utilizar tal estufa, e, consequentemente, de auferir €300,00 mensais com a sua utilização (artigos 44º, 45º, 52º da petição inicial);
- retirada pela autora das plantas e lixo do interior das estufas ali deixados pelos réus, trabalho correspondente a um encargo de €16.629,60 (artigos 47º e 49º da petição inicial);
- carregamento e transporte das placas de lã de rocha para centro de reciclagem, gerador de um encargo de €2.961,23 (artigo 50º da petição inicial);
- custo de €810 para reciclagem da lã de rocha que os réus deixaram no local (artigo 51º da petição inicial);
- necessidade de remover a lã de rocha, importando tal remoção um encargo de €1.500,00 (artigo 52º da petição inicial);
- valor dos prejuízos com reparação, substituição, fornecimento e montagem de bens, equipamentos e plásticos, de €15.019,69 (artigo 56º da petição inicial);
- abandono da estufa pelos réus sem que tivessem procedido ao pagamento da eletricidade consumida de 20-06-2016 a 19-08-2016, no valor de €1.384,98 (artigo 60º da petição inicial).

Analisando criticamente a prova produzida, forçosa é a conclusão de que  testemunha (…), contabilista da autora, ao longo do seu depoimento, não evidenciou conhecimento direto da matéria em causa, assumindo, aliás, que nunca se deslocou à exploração agrícola, tendo reproduzido em tribunal o que lhe foi transmitido pelos representantes da autora relativamente aos comportamentos lesivos e aos danos que imputam aos réus. Acresce que esta testemunha referiu que a autora despendeu a quantia de €40.000,00 para reparar tais danos, aludindo a faturas “que lhe passaram pelas mãos”. Tal depoimento revela-se, de facto, insuficiente para apuramento dos aludidos danos, sendo de salientar que as faturas que mencionou não se encontram junto aos autos, inexistindo, consequentemente, uma expressão contabilística corroboradora dos aludidos prejuízos.
E o certo é que os documentos que o recorrente menciona nas suas alegações (nºs 18 e 23, juntos com a petição inicial com as referências, respetivamente 25052970 e 25052973, e nºs 3 e 4 por si juntos no decurso da audiência prévia), também não permitem concluir nem pela produção dos aludidos danos, nem pelo seu montante. Efetivamente, o documento nº 18, elaborado pela firma (…), a solicitação da autora (…), mostra-se datado de 20-12-2016 sendo constituído por um “orçamento para limpeza de plantas velhas e lã de rocha em estufas, numa área de 10.000 m2”, no valor de € 13.520,00. Porém, por si, revela-se insuficiente para provar o dano alegado. O mesmo deve ser afirmado relativamente ao documento nº 23, também correspondente a um orçamento datado de 20-12-2016, elaborado pela mesma firma (…) a solicitação da autora relativo a “Reparação/colocação de plástico em estufas metálicas já existentes, numa área de 10.000 m2”, no valor de €7.250,00. Na realidade, não é por a autora ter solicitado a elaboração dos referidos orçamentos, cerca de quatro meses após a cessação das relações contratuais com os réus, que fica demonstrado que estes causaram os referidos danos, e que os mesmos sejam no montante orçamentado. Nem tal conclusão pode ser retirada, de forma automática, do facto de se ter apurado que até agosto de 2016 os réus  mantiveram a exploração agrícola em causa, pois desconhece-se em que condições esta lhes foi entregue e também em que estado se encontrava quando dali se retiraram.
Estas dúvidas também não se desvanecem com a análise dos documentos juntos na audiência prévia, sob os números 3 e 4. Efetivamente, o documento nº 3 é composto por uma fatura emitida pela (…)  em nome da autora, datada de 06-07-2018, sendo também essa a sua data de vencimento, relativa a trabalhos de reparação/colocação de plásticos no valor total de €2.263,24, numa estufa de um hectare. O documento nº 4, reporta-se a uma fatura emitida em 10-03-2019, sendo também essa a data do seu vencimento, relativa a trabalhos de limpeza numa estufa de um hectare no valor de €1.213,74. Ora, ainda que se aceite que ambas as faturas se referem a trabalhos executados na estufa explorada pelos réus até agosto de 2016, e embora em ambas se mencione expressamente que se referem ao “orçamento de 20-12-16”, a discrepância de datas e de valores existente entre as faturas e os orçamentos, não permite afirmar, de forma segura, a existência de qualquer nexo entre os documentos, designadamente que as faturas correspondam, mesmo que parcialmente, aos trabalhos tidos em vista no momento da elaboração dos orçamentos.
 Também o depoimento da testemunha (…), funcionário da (…) se revelou pouco consistente. Efetivamente, referiu que no final do ano de 2016 a firma em questão executou obras na estufa que foi explorada pelos réus, que duraram cerca de 30 dias, que consistiram na remoção de plantas velhas e que importaram um custo de €20.000,00 ou €25.000,00. Porém, o seu depoimento não se revelou sustentado em nenhum elemento objetivo e seguro, designadamente, em nenhuma fatura que corroborasse a execução dessas obras, no montante acordado. Acresce, que ao longo do seu depoimento referiu que os equipamentos da estufa, depois dos réus cessarem a sua exploração, apresentavam danos que indiciavam que “houve ali mão humana”, lançando mão de suposições e suspeitas, sem ter por base elementos objetivos dos quais possuísse conhecimento direto. O mesmo se dirá da sua afirmação de que as estufas haviam sido restauradas antes da sua entrega aos réus, o que, desprovido de sustentação em elementos objetivos, não deixa de indiciar grande comprometimento com a tese da autora.
Também a testemunha (…), agricultor que explorou estufas próximas, referiu que a que está em discussão nos autos se apresentava pouco cuidada quando os réus cessaram a sua exploração. Concretamente, esclareceu que no solo havia lixo e que teve muito trabalho para a limpar por forma a que a sua filha (a testemunha …, a quem a estufa foi, de seguida, entregue), iniciasse a respetiva exploração agrícola. Ora, tal trabalho de limpeza que a testemunha referiu ter assumido por forma a viabilizar a exploração da estufa pela filha, revela-se contraditório com a alegada necessidade de solicitar esses trabalhos de limpeza a uma firma.
A testemunha (…), que desde fevereiro de 2017 explora as estufas anteriormente exploradas pelo réu (…), também não evidenciou conhecimento direto da matéria em causa. Reproduzindo em audiência o que lhe foi transmitido pela autora e seus colaboradores, aludiu a um desentendimento entre as partes, referindo ainda que ali foram efetuadas reparações porque existiam tubos cortados, janelas e tetos com buracos, plantas antigas. Tais reparações, conforme lhe transmitiu a mãe do representante legal da autora, importaram em cerca de €20.000. Porém, na ausência de elementos objetivos e seguros que comprovem este dano e que o mesmo se cifrou no montante indicado, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo relativamente à consideração como não apurada da matéria em questão.
O mesmo se dirá da demais prova produzida e carreada para os autos que, criticamente analisada, não viabiliza a alteração da matéria de facto, nos termos pretendidos pela recorrente.
A este propósito, sempre se dirá que de acordo com o disposto no artigo 662º, nº 1, CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que a decisão da matéria de facto apenas deve ser alterada se o tribunal da Relação, depois de analisada a prova produzida, conclua, com segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente à factualidade objeto da impugnação – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-06-2021[1].
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017[2], onde, além do mais, se refere: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”
Porém, analisados os concretos pontos de facto invocados pela recorrente, conclui-se que o tribunal recorrido procedeu à sua correta apreciação, ponderando devidamente as provas produzidas, com observância dos princípios da imediação e da oralidade. Consequentemente, forçosa é a conclusão de que os meios de prova invocados são insuficientes para comprovar os factos que o tribunal a quo considerou não provados, não merecendo provimento o recurso interposto pela autora, quer no que se reporta à impugnação da matéria de facto, quer ao seu enquadramento jurídico.
Pelo exposto, improcede o recurso interposto pela autora (…) na ação principal.

C.2 – Apreciação do recurso apresentado pelo autor (…) (apenso A)

Questão Prévia – Rejeição parcial do recurso por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), CPC
Nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC:
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente”.
Mas para que seja reapreciada a decisão no que respeita à matéria de facto, deve o recorrente cumprir os ónus estabelecidos no artigo 640º, CPC, com a seguinte redação:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Ora, resulta da alínea a), do n.º 1 do citado artigo 640.º do CPC, que no caso de impugnação sobre a decisão de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados. Tal especificação dos concretos pontos de facto deverá constar das conclusões recursórias – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-02-2015[3].
Porém, analisadas as conclusões do recurso ora em apreciação, designadamente as que constam dos artigos números 47 a 52 e 54 a 73, forçosa é a conclusão de que o recorrente não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. Efetivamente, naqueles segmentos, o recorrente faz alusões a vários meios de prova e alega factualidade que, na sua perspetiva, deveria ter resultado apurada, não concretizando quais os artigos do seu articulado em que procedeu à respetiva alegação e qual a decisão que os mesmos mereceram na decisão recorrida. Julgamos que tal ónus apenas se satisfaz com a “(…)  com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”, como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012[4].
Os ónus estabelecidos a cargo do recorrente que impugne a matéria de facto constituem “(…) uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - António Abrantes Geraldes[5].
Assim, por se verificar que o recorrente não indicou expressamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o seu recurso será parcialmente rejeitado (no que se reporta às conclusões que enumerou sob os números 48 a 52 e 54 a 73).
Salienta-se ainda que para o incumprimento dos ónus do recorrente que impugne a matéria de facto, não se encontra previsto despacho de aperfeiçoamento, contrariamente ao que sucede em matéria de direito – cfr. artigo 639º, nº 3, CPC.
Em face do exposto, rejeita-se o recurso apresentado pelo autor (...)na ação apensa, no segmento relativo às conclusões que apresentou sob os números 48 a 52, 54 a 73.

Prosseguindo para a análise das questões suscitadas pelo recorrente, relativamente às quais cumpriu o ónus de indicar expressamente quais os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, e que se passam a enunciar:
a - a matéria alegada nos artigos 56º, 57º, 58º e 75º da petição inicial, em face das certidões da queixa e da sentença proferida no processo de natureza criminal nº (…)/16.0GDTVD, deveria ter sido considerada apurada?
b - o facto alegado no artigo 117º da petição inicial deverá considerar-se apurado, em face da prova documental junta e da confissão dos réus?
c - a prova produzida demonstra a factualidade alegada no artigo 42º da petição inicial (investimento efetuado pelo autor em despesas diversas de € 28.437,30, nos anos de 2015 e 2016, aí se incluindo o investimento em plásticos no valor de € 11.894,69)?
d - os factos alegados nos artigos 134º a 140º da petição inicial (valor da faturação até agosto de 2016, prejuízos pela apanha do tomate verde, valor provável da faturação até final do contrato, lucro que o autor deixou de auferir por força da cessação prematura do contrato) deverão ser considerados apurados?
e – deve a sentença recorrida ser substituída por outra que condene os réus, total ou parcialmente, na quantia peticionada?

a – O recorrente (…) entende que deveriam ter sido considerados apurados, desde logo, os seguintes factos:
-  a partir de junho de 2016, a 2º R (…) e marido (…) começaram a proferir diversos nomes ao autor e aos seus familiares, comportamento esse acompanhado de ameaças constantes (artigos 56º e 57º da petição inicial);
- tais comportamentos fizeram com que o primeiro réu deduzisse diversas queixas crimes as quais deram origem ao processo de inquérito (…)/10.0GTVD (artigo 58º da petição inicial);
- no dia 14 de agosto, os réus disseram ao autor que “se o autor não fosse lá falar com eles sozinho, no outro dia quem aparecesse para apanhar tomate era corrido a tiro” (artigo 75º da petição inicial);

Analisada a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido verifica-se que os factos alegados na petição inicial sob os números 56º a 60º e 75º resultaram não provados “para além do que consta provado em 18. dos factos provados”. Ou seja, a essa factualidade o tribunal respondeu restritivamente, considerando que, relativamente ao ali alegado, apenas se provou o que foi transposto para o facto provado nº 18. E este facto foi enunciado pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:
No âmbito deste processo (nº (…)/16.0GDTVD) foram dados como provados os seguintes factos:
(…) 3. Em data não concretamente apurada mas pelo menos a partir de Julho de 2016 os arguidos, por motivos decorrentes, entre outros, da insatisfação das condições do contrato (valor da renda suportada pelo assistente) e das exigências que eram efetuadas pelo assistente, decidiram impedir o acesso do assistente às estufas objeto de cedência e bem assim a todos os que o acompanhassem.
4. Assim, no dia 8 de agosto de 2016, entre as 10 e as 11h00, os trabalhadores do assistente (…), deslocaram-se às estufas referidas para ali desempenharem as suas funções.
5. Vendo os trabalhadores, os arguidos abeiraram-se destes, tendo o arguido (…) se dirigido aos mesmos, dizendo-lhes para dizer ou chamar o assistente para vir resolver o problema com ele, pois que se ele não o fizesse ninguém mais entrava na estufa e que seriam corridos a tiro de caçadeira.
6. Os referidos trabalhadores comunicaram de seguida ao assistente o sucedido com o arguido e o recado que este lhes transmitiu, não se tendo o assistente deslocado ao local para falar com o arguido.
7. No dia 14 de agosto de 2016, pelas 8h30m, o assistente (…) deslocou-se às referidas estufas com o seu trabalhador (…) e constatou que os portões de acesso estavam fechados/vedados. tendo num dos portões, os arguidos, estacionado uma carrinha que impedia o pretendido acesso.
8. Vendo os arguidos no local, o assistente questionou-os quanto a tal situação tendo a arguida dito ao mesmo “sai daqui seu filho da puta”.
9. Em ato contínuo, dirigindo-se ao assistente o arguido empunhou na direção daquele uma faca com uma lâmina de pelo menos 15 centímetros e disse-lhe: “Desaparece daqui para fora”.
10. Temendo pela sua integridade física, o assistente de imediato abandonou o local.
11. No dia 31 de Agosto de 2016, de manhã, a hora não concretamente apurada, quando o técnico de sistemas hídricos, (…), se deslocou às estufas para retirar um controlador de rega, no desempenho das suas funções, a pedido do assistente (…), constatou a porta da casa das máquinas fechada à chave, sem chave, ao contrário do que era habitual.
12. Entretanto, os arguidos apareceram no local, tendo abordado (…) e tendo a arguida dito ao mesmo que as coisas tinham de ser resolvidas, e para não ir àquele local de noite senão a caçadeira ia trabalhar.
13. (…) abandonou o local sem ter efetuado a tarefa de que tinha sido incumbido pelo assistente, e transmitiu a este o sucedido.
14. Ao agirem da forma descrita os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, pretendendo restringir a liberdade de decisão e de ação do assistente (…), causando, através das suas condutas, no assistente um sentimento de medo e inquietação pelos seus bens patrimoniais, sua vida, integridade física bem como pela de terceiros, com o propósito, não logrado pelo arguido, de o assistente se deslocar ao local para falar com o arguido e bem assim, com o propósito comum, de que o mesmo abandonasse a exploração das estufas, deixando ali de trabalhar, como conseguiram, em conjugação de esforços e intentos, circunstância de que estavam cientes.
15. Em consequência das condutas dos arguidos, o assistente acabou por desistir da exploração das estufas, o que lhe causou prejuízos económicos.
16. Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, podendo e devendo abster-se de tais práticas, o que não fizeram. (…)».

Motivando o seu recurso, nesta parte, considerou o recorrente que o tribunal não ponderou a certidão do processo crime nº (…)/10.0GTVD, dado que a sua ponderação determinaria que a matéria alegada nos artigos 56º, 57º, 58º e 75º da petição inicial tivesse resultado apurada. Acresce que também não foi ponderado o documento por si junto com o nº 40, que constitui uma certidão da queixa por si apresentada e que está na origem do processo de inquérito (…)/10.0GTVD (artigo 58º da petição inicial)

Enquadrando a questão suscitada, julgamos que a mesma se prende, desde logo, com a eficácia a atribuir à decisão que foi proferida no âmbito de processo criminal. E a tal propósito, haverá que ponderar a disciplina contida no artigo 623º CPC que, sob a epígrafe “Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória” estatui:
“A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”.
Como referem Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, em anotação ao artigo 623.º [6]do Código do Processo Civil: “A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer ação de natureza cível, em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.(…) A presunção é invocável perante terceiros relativamente ao processo penal (por exemplo, perante a seguradora da pessoa penalmente condenada por acidente de viação: ac. do STJ de 23.05.2000, Tomé de Carvalho www.dgsi.pt, proc.00A397) que a poderão ilidir. Entre as partes, a presunção é inilidível (ac. STJ de 13.01.2010, Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt, proc. 1164/07) Com efeito enquanto o arguido condenado teve oportunidade de exercer o direito de defesa, os terceiros foram alheios ao contraditório no processo penal”.
In casu, é de afirmar a absoluta eficácia probatória da sentença penal em causa relativamente ao autor (…) e aos réus (…) (porque tiveram intervenção no processo penal em que a mesma foi proferida e ali puderam exercer contraditório), não assumindo, consequentemente, a qualidade de terceiros que lhes permitiria elidir a presunção formada com a decisão condenatória em causa.
Porém, importa agora indagar se a decisão da matéria de facto efetuada pelo tribunal recorrido desrespeitou tal eficácia.
Julgamos que a resposta a esta questão deve ser negativa. E assim é porque, na realidade, a matéria em questão alegada nos artigos 56º, 57º, 58º e 75º da petição inicial da ação apensa (prática de insultos, ameaças constantes, apresentação de queixas crime que originaram o processo de inquérito (…)/10.GTVD), ainda que restritivamente, foi transposta para os factos provados nos termos que constam do seu artigo 18. O tribunal considerou apurada toda a factualidade alegada no referido artigo 18, reproduzindo expressis verbis o exarado na sentença penal condenatória, respeitando, consequentemente, a sua plena eficácia, apenas considerando não provados, da matéria em causa, os factos não incluídos na sentença penal condenatória.
Por outro lado, extrai-se dos factos provados que o comportamento dos referidos réus deu necessariamente origem ao processo crime nº (…)/10.0GTVD (sendo a apresentação de queixa seu pressuposto necessário), apenas não tendo ficado apurado quanto ao alegado no artigo 58º que tivessem sido apresentadas várias queixas crime).
Conclui-se, pois, que os factos em questão constam dos factos provados na exata medida em que ficaram apurados na sentença penal condenatória analisada. E tanto basta para concluir que o tribunal a quo respeitou o valor extraprocessual da referida sentença, revelando-se, nesta parte, improcedente o recurso.
E importa não esquecer que a eficácia neste processo cível da referida sentença condenatória penal se restringe aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal e das formas do crime, não abarcando a factualidade que extravasa estes limites.
Salienta-se ainda que o documento nº 40 (referência 26902751) é efetivamente composto por uma certidão extraída do processo de inquérito nº (…)/16.0GDTVD, relativa à prática do crime de injúria, em 10-08-2016 aí se identificando como assistente além do mais o autor (…) e como arguidos (…). E o certo é que a apresentação de queixas-crime, como pressuposto lógico da instauração e tramitação do processo crime mencionado nos factos provados, constitui facto que a própria sentença recorrida pressupôs.
Julgamos ainda que esse facto comprovado pelo documento nº 40 (apresentação de queixa crime), além de constituir o lógico pressuposto processual para instauração de processo crime pela prática de ilícitos criminais, nem sequer assume relevância jurídica para a solução da causa. Efetivamente, o facto juridicamente relevante é o de que os réus foram condenados pela prática dos ilícitos criminais mencionados na sentença condenatória, pela prática dos factos aí descritos, e não a simples apresentação da queixa que, em si, não deve fundamentar uma reapreciação da matéria de facto. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 15-09-2015[7]:“Não há lugar à reapreciação da matéria de facto, quando o facto concreto objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente
Conclui-se que se mostra respeitada a eficácia extraprocessual da sentença condenatória em análise, improcedendo o recurso da matéria de facto relativamente aos factos alegados nos artigos 56º, 57º, 58º e 75º da petição inicial.
Já questão diversa que se abordará ulteriormente é a da discussão sobre se tais factos – provados - se devem reconduzir a ilícitos (contratuais ou extracontratuais), geradores da obrigação de indemnizar.

b - Prosseguindo na apreciação do recurso, entende o recorrente que a matéria alegada no artigo 117º da petição inicial deveria ter sido considerada apurada, tendo por base o documento nº 23 junto aos autos e ainda a confissão constante do artigo 147º da contestação.
 O artigo 117º da petição inicial possui a seguinte redação:
Facto que explicou a carta enviada em 5.09.2016”, devendo ser interpretado de harmonia com os anteriores onde se alega que a ré (…) exigiu a restituição do prédio com 5.000 m2 (114º), que o autor limpasse esse prédio (115º), o que nunca foi possível em virtude das ameaças e ofensas de que o autor e seus colaboradores foram alvo (116º).
Porém, compulsada a sentença, verifica-se que o envio da carta em questão resultou apurado, como se alcança do facto aí enunciado sob o nº 11, com a seguinte redação: “11. Em 5 de setembro de 2016 (…) enviaram carta à sociedade (…) rescindindo «com justa causa» o contrato outorgado entre todos em 19 de março de 2015, «nos termos dos artigos 1037.º e 1050.º do Código Civil impedido o normal uso das instalações que me foram alugadas», «ameaças que me foram dirigidas, bem assim como aos meus trabalhadores e a meu pai, desaparecimento da bomba de abastecimento para a irrigação, impedimento da recolha de tomate nas estufas previstas na proposta que me foi apresentada e que devia constar do contrato, tomate que foi por mim plantado e cultivado, incluindo com colocação de hidroponia sem qualquer obstrução ou reclamação por parte de V Exas, e desde o início do contrato, sendo que relativamente a alguns destes factos corre seus termos o pedido de instauração de processos crimes pelo Tribunal de Torres Vedra com os n.ºs (…)/16.0GDTVD e (…)/16.0GDTVD, a que acresce terem impedido que fosse instalado um contador que que fossem por nós pagos apenas os consumos dessas instalações e nos fosse permitido incluir esses custos nas despesas de exploração
Assim, o documento nº 23, junto pelo autor (referência 25740667), correspondente à referida carta, foi devidamente ponderado, como ponderado foi o acordo manifestado pela contraparte relativamente ao envio da referida carta.
Porém, daí não decorre que os réus aceitem que o contrato foi resolvido pelo autor por existência de justa causa, designadamente por a ré “(...)” ter incorrido em incumprimento do contrato. Tal realidade não foi objeto de confissão pelos réus, constituindo esta, nos termos do disposto no artigo 354º, do Código Civil, o reconhecimento que a parte faz de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Na realidade, tal acordo foi manifestado relativamente ao envio da carta, não se estendendo ao seu teor, tanto mais que ao longo de todo o seu articulado, os réus repudiam a imputação de vários atos de incumprimento contratual invocados pelo autor, afirmando mesmo no artigo 148º da contestação que a alegada justa causa não se verificou. Consequentemente, contrariamente ao que pretende o recorrente, nunca a matéria em causa poderia resultar apurada por confissão, dado que os réus não a reconheceram.
Sempre se dirá ainda que a alegada “rescisão por justa causa” em si nunca deveria ser incluída nos factos provados, constituindo, ao invés uma conclusão a retirar de tais factos.
Em face do exposto, improcede o recurso da matéria de facto relativamente aos factos alegados no 117º da petição inicial.

c - Na tese do recorrente, ponderando o depoimento do técnico oficial de contas (…), e os documentos nºs 3 e 8 e respetivas faturas, deveria ter resultado apurado que efetuou um investimento em despesas diversas no montante de €28.437,30, nos anos de 2015 e 2016, aí se incluindo as que suportou no valor de €11.864,69 com os plásticos colocados nas estufas. Tal factualidade insere-se na alegação das despesas suportadas pelo recorrente, invocadas nos artigos 27º e ss da petição inicial, mormente no artigo 42º: “Em despesas diversas, o A. despendeu  a quantia de €28.437,30 (…)”.
O documento nº 3 (referência 542914) intitulado “Total Geral de Despesas de (…)” e o documento nº 8 (referência 5482109) intitulado “Despesas diversas da (…), mostram-se ambos subscritos por (…) (que se identifica como TOC), constituindo “quadros de despesas”.
No quadro que constitui o documento nº 3 mencionam-se, entre outras, despesas “diversas”, cifradas em €19.778,82 no que se reporta ao ano de 2015 e de €8.658,48, relativas ao ano de 2016. O total de tais despesas aí mencionadas é de € 28.437,30.
Desde já se adianta que tais documentos, elaborados pelo TOC a pedido da própria parte, por si não revestem credibilidade suficiente para demonstrar que o autor na ação apensa suportou as despesas aí mencionadas, nas estufas em causa nos autos. Pelas suas especiais caraterísticas, tais documentos deverão ser ponderados se corroborados por outros meios de prova objetivos e seguros que permitam sustentar a factualidade em questão.
Ora, o documento nº 3 mostra-se acompanhado de faturas emitidas em nome do autor, relativas a aquisição de produtos agrícolas e frutícolas, as quais por si também se revelam insuficientes para demonstrar a sua referência às estufas em questão. E assim é porquanto o próprio autor alega, no artigo 102 das alegações de recurso, que possuía à data diversas culturas (para além das implantadas nas estufas da ré …). Assim, desconhece-se a que explorações do autor as faturas se reportam, pelo que constituem documento inidóneo a comprovar a factualidade em causa.
Consequentemente, nenhuma censura merece o entendimento do tribunal recorrido ao considerar não provado que o autor, nas estufas em discussão nos autos, suportou as despesas mencionadas no referido “quadro de despesas” elaborado pelo Técnico Oficial de Contas (documento nº 3).
Porém, de fls. 30 e 31 do documento junto pelo autor como nº 8, constam duas faturas, relativas a fornecimento de plásticos efetuadas por (…) ao autor (…), nos montantes de, respetivamente €3.020,60 e €5.014,35, datadas de 24-07-2015. Estas faturas relativas ao ano de 2015 tenderiam a comprovar despesas em plásticos no valor de €8.034,95, valor que apresenta discrepâncias relativamente ao indicado pelo TOC (no quadro que compõe o documento número 8) quanto a despesas de plástico no ano de 2015 que invocou ser o de €7.721,74 (admitindo-se que tal discrepância possa radicar na contabilização daquele valor sem consideração do IVA).
Ao fornecimento de plástico se referem ainda as faturas de 20-01-2016, 24-02-2016, e 18-03-2016, que constituem as páginas 34, 35 e 36, do referido documento nº 8, emitidas por (…) em nome do autor, nos valores de €1.215,12, €388,93 e €3.528,69, no valor global de €5.132,74 (superior ao exarado pelo TOC no quadro de despesas diversas que constitui o documento nº 8 já que quanto ao ano de 2016 aí são mencionadas  despesas em plástico de €4.172,95, admitindo-se que a discrepância resulte da não consideração do IVA).
O certo é que estes meios de prova (faturas) foram complementados pelo depoimento de (…), a cuja audição se procedeu e que confirmou ter substituído plásticos nas estufas da (…), a solicitação do autor (…), o que fez no ano de 2015 relativamente ao “bloco” de 5.000 m2 e no ano de 2016 no “bloco” de 10.000 m2, referindo ainda que as faturas relativas a tais trabalhos foram emitidas no prazo máximo de 7 dias após a execução de tais trabalhos. Tal depoimento, produzido de forma segura e desinteressada, mostrou-se devidamente suportado na faturação já referida, localizando no tempo e no espaço os trabalhos em questão, revelando-se idóneo a demonstrar que o autor suportou despesas em substituição de plásticos no valor de, pelo menos., €11.894,69.
A alteração da matéria de facto, nos termos que antecedem, resulta da análise e da conjugação da prova produzida que, efetivamente, nessa parte, impõe uma decisão diversa da que foi proferida. E assim é, embora tendo sempre presente que o “poder de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos a concretos pontos de facto impugnados (…) imporem uma conclusão diferente” – acórdão da Relação de Guimarães, de 19/12/2023[8].
Assim, por a conjugação da prova produzida impor solução diversa, procede parcialmente o recurso, alterando-se a resposta (de integralmente não provado) conferida ao artigo 42º da petição inicial nos seguintes termos:

“Provado apenas que em despesas diversas, designadamente na substituição de plásticos das estufas, o autor despendeu, pelo menos a quantia de €11.894,69”

d – No que se reporta aos factos alegados nos artigos 134º a 140º da petição inicial da ação apensa, a mesma refere-se ao valor da faturação do autor até agosto de 2016, aos alegados prejuízos pela apanha de tomate verde, ao valor provável da faturação até final do contrato, e ao lucro que o autor deixou de auferir por força da cessação do contrato.
Tal factualidade foi alegada pelo autor nos seguintes termos:
“134. O A. faturou de 2015 até Agosto de 2016 €194839,33;
135. Teve de prejuízo pela não apanha do tomate nos 5.000m2 e pela apanha do tomate ainda ver de os €11.533,46 s/iva (13.503,19 euros com iva);
136. Pelo que se não tivesse apanhado o tomate verde e se tivesse vendido o tomate do terreno dos 5.000m2 o A. tinha faturado €206.372,79 (s/iva);
137. No ano de 2016/2017 existia a probabilidade contabilista de faturação na ordem dos €206.372,79 (de agosto de 2016 até ao final do contrato);
138. Quantos às despesas o A. apresenta o valor de €65.367,06;
139. Este valor, de lucros cessantes foi calculado com base nas despesas diversas subtraindo (€27437,30) as despesas totais (€98.776,27), calculado da seguinte forma: 93.804,90 (despesas totais) + 4.971,37 (despesas com os trabalhadores) – 28.437,30= 70.338,97 euros;
140. A este valor deve subtrair a possível faturação de Agosto de 2016 a 2017: 206.372,06 - 70.338,97= 136.033,82 euros de lucros cessantes sem iva;”

Porém, compulsada a prova carreada para os autos, afigura-se que não pode com segurança afirmar-se qual o valor da faturação até agosto de 2016, desde logo porque o autor explorava estufas próprias, desconhecendo-se se a faturação e demais documentação contabilística carreada para os autos respeita a essa exploração ou à que o autor efetuava nas estufas da (…). Tal faturação mostra-se emitida em nome do autor mas da mesma não resulta esclarecido a qual das explorações se reporta, gerando a tal propósito dúvidas que não se mostraram ultrapassadas por qualquer outro meio de prova consistente e credível.
Por outro lado, a prova produzida também não evidenciou que o autor tenha procedido à apanha de tomate verde e, consequentemente, que tal colheita prematura tenha gerado quaisquer danos.
Já no que se reporta ao valor provável da faturação até final do contrato e o lucro que o autor deixou de auferir por força da cessação prematura do contrato, forçosa é a conclusão que nenhum meio de prova consistente e credível foi produzido que evidenciasse tal realidade. A tal propósito, reiterando, nessa parte, a decisão proferida pela 1ª instância, não podemos deixar de salientar que o depoimento de (…) apontou aos cálculos do autor deficiências que se revelam devidamente fundamentadas, designadamente no que se reporta ao número de trabalhadores considerados, ou aos  valores indicados para produtos fitofarmacêuticos. Do seu depoimento, produzido de forma segura e consistente, resultou que o autor, nos cálculos apresentados com vista à fixação da indemnização, reduziu deliberadamente a rubrica das despesas, por forma a exponenciar o lucro que, na sua perspetiva, obteria, caso o contrato tivesse sido executado até final do prazo previsto. Acresce que ao longo do seu depoimento referiu que a rentabilidade da horticultura é extremamente variável, encontrando-se muito dependente do mercado, sendo de difícil previsibilidade.
Afigura-se, consequentemente, que nenhuma censura pode ser apontada à decisão proferida pela 1ª instância, com a devida observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação prova, no que se reporta à decisão da matéria de facto em causa.
Improcede, pois, o recurso relativo à matéria de facto nessa parte (factualidade alegada nos artigos 134º a 140 da petição inicial).

e - Passando agora à apreciação jurídica do recurso interposto pelo recorrente (…) autor na ação apensa – A), importa questionar se a factualidade dada como provada na sentença recorrida, por si ou com as alterações resultantes da sua impugnação quanto à matéria de facto, importa decisão jurídica diversa da nela proferida (que foi de absolvição do pedido).
Ora, na ação apensa, o autor, e ora recorrente, peticionou a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de €139.235,94 a título de indemnização por danos patrimoniais causados e lucros cessantes, em consequência do incumprimento do contrato pela ré sociedade e pelo comportamento (de ameaça) dos réus (…).

Assim, é indiscutível que a causa de pedir na ação reside no instituto da responsabilidade civil, a qual se verifica sempre que uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A responsabilidade civil permite, portanto, a transferência para a esfera jurídica de outrem das consequências negativas de um evento lesivo que atingiu a nossa esfera jurídica.
Subjacente à responsabilidade civil, encontra-se necessariamente um evento ou facto desencadeador de um dano. Dano este que, por funcionamento deste instituto, gerará uma indemnização (a reparação do dano).
A responsabilidade civil mais não é, portanto, do que o catálogo dos títulos de imputação que permitem operar a transferência das consequências negativas de um evento entre esferas jurídicas.
A responsabilidade civil subdivide-se em duas modalidades essenciais:
- A responsabilidade civil contratual, negocial ou obrigacional, emergente da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico (com assento, entre nós, nos artigos 798º e seguintes do Código Civil);
- A responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana (prevista nos artigos 483º e seguintes do Código Civil), a qual abrange as restantes hipóteses de ilícito civil, resultando “da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos, ou até da prática de certos atos que, embora lícitos, produzem dano a outrem” (Almeida Costa - “Direito das Obrigações”, 5ª ed., pp. 431 e 432).
Há quem categorize ainda uma terceira modalidade, a responsabilidade civil pré-contratual, autonomizando-a da obrigacional ou contratual. Porém, esta distinção é irrelevante no caso em apreço.

No que respeita à responsabilidade civil contratual, questiona-se nestes autos se a ré (…), parte (primeira outorgante) no contrato descrito na factualidade provada, praticou (de forma ativa ou omissiva) factos que se pudessem traduzir num incumprimento de qualquer dos deveres ou obrigações contratualmente assumidas perante a contraparte, (…) (autor e recorrente) e (…).
Todavia, da factualidade provada não resulta que qualquer gerente ou funcionário, ou sequer qualquer representante ou pessoa a mando da ré (…), tenha praticado qualquer facto que pudesse traduzir, ou conduzir, ao incumprimento do referido contrato.
É certo que se apurou a prática de factos juridicamente relevantes, com reflexo na execução do referido contrato, pelos réus (…). Contudo, não se provou que estes réus tivessem agido em representação, por ordem ou conta da ré (…), nem que tivessem o estatuto de parte contratante.
Por isso, a apurada conduta dos réus (…) não pode consubstanciar um facto ilícito contratual imputável à ré (pessoa coletiva) (…).
Conclui-se, pois, que a ação, e o recurso interposto pelo autor (…), não poderão proceder com base na responsabilidade civil contratual.
 
Mas o autor, e aqui recorrente, cumulou legitimamente com a referida causa de pedir (responsabilidade civil contratual) uma outra causa de pedir: a responsabilidade civil extracontratual dos réus (…).
Esta (responsabilidade civil extracontratual) pode assentar em factos (ou atos) lícitos (certos factos danosos que, atendendo ao interesse em causa, são juridicamente consentidos, mas cujos prejuízos a lei, por imperativos de justiça, manda indemnizar - por exemplo, um ato praticado em estado de necessidade, ou uma expropriação por utilidade pública), no risco (responsabilidade objetiva, dispensando a culpa), e em factos ilícitos.
A responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos radica na ideia de culpa (dolo ou negligência) do agente, tendo também como pressuposto a ilicitude da conduta que lhe subjaz.
Na nossa ordem jurídica, o princípio basilar do regime da responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de atos ilícitos encontra-se plasmado no artigo 483º, nº 1 do Código Civil. Enuncia tal norma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Basta uma simples análise de tal previsão legal para que se possa identificar os pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil:
a) O facto (um comportamento voluntário, ativo ou omissivo, de uma determinada pessoa).
b) A ilicitude desse facto, que pode resultar da violação de direito alheio ou da violação de disposição legal destinada a tutelar interesses alheios (o tipo objetivo da ilicitude).
c) A imputação subjetiva do facto ao lesante - a culpa, em qualquer das suas modalidades (dolo ou negligência).
d) O dano, entendido como a supressão ou limitação de uma posição de vantagem juridicamente tutelada. Pode ser patrimonial ou não patrimonial, e constituir um dano emergente (uma perda de algo de que o lesado já era titular) ou um lucro cessante (a privação de algo que o agente iria receber), pressupondo sempre uma diferença negativa entre a situação hipotética em que o agente estaria caso o facto não se tivesse verificado e a sua situação real após a sua ocorrência. Mas apenas são ressarcíveis, em princípio, os danos que se compreendam na esfera de proteção da norma violada ou da situação jurídica tutelada.
e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou nexo de imputação objetiva do dano ao facto do lesante. Causalidade que, como sabemos, não é meramente naturalística, mas antes adequada, ou seja, uma causalidade normativa ou jurídica que permita considerar o dano como consequência adequada da conduta.
Como se postula no já citado artigo 483º, nº 1, do Código Civil, uma vez verificada a sua hipótese, o lesante é obrigado “a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. De forma a realizar tal indemnização, deverá o responsável “reconstruir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil) – Reconstituição da situação hipotética.
A trave mestra da reparação do dano ao nível do direito civil é, pois, o princípio da reposição ou reconstituição natural, o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse produzido.
Tal princípio só será de afastar em qualquer das hipóteses previstas no artigo 566º, nº 1, do Código Civil:
- Impossibilidade da reconstituição natural;
- Insuficiência da reconstituição natural para reparar integralmente os danos;
- Excessiva onerosidade da reconstituição natural para o devedor.
Verificando-se uma (ou mais) dessas hipóteses, a indemnização deverá ser “fixada em dinheiro” (obrigação pecuniária). Este expediente indemnizatório, sucedâneo ou subsidiário da reconstituição natural, apresenta como medida a diferença entre a situação real em que se encontra o património do lesado e a situação hipotética atual em que o mesmo se encontraria caso tal evento lesivo não tivesse ocorrido (teoria da diferença, consagrada legalmente no artigo 566º, nº 2, do Código Civil). E tal aferição dever reportar-se ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.
A indemnização deve, por outro lado, ressarcir não apenas os danos patrimoniais sofridos pelo lesado, como também os danos não patrimoniais produzidos, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, nº 1, do Código Civil).
Os danos patrimoniais são os suscetíveis de avaliação pecuniária, podendo revelar-se como danos emergentes (o prejuízo causado) ou lucros cessantes (benefícios que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão, os quais devem ser aferidos segundo critérios de probabilidade ou verosimilhança), na sequência do preceituado no artigo 564º, nº 1, do Código Civil. O nº 2 desta norma prevê ainda a possibilidade (ou, mais corretamente, o poder-dever) de o tribunal atender aos danos futuros, desde que se apresentem como previsíveis. Previsibilidade essa que se deve basear no decurso normal dos eventos, atento o mecanismo do nexo causal.
Os danos não patrimoniais, por seu turno, são os insuscetíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Não devem ser confundidos com os danos patrimoniais indiretos, os quais se traduzem nos prejuízos patrimoniais sofridos pelo lesado por força da verificação de danos não patrimoniais (por exemplo, um desgosto que reflexamente provoca uma diminuição da capacidade de ganho). A problemática que suscitou a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais encontra-se há muito ultrapassada, pronunciando-se a orientação doutrinal e jurisprudencial dominante no sentido da admissão de tal reparação, não como sendo uma indemnização em sentido estrito, mas sim como uma compensação. “Mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo”, como elucidativamente afirma Almeida Costa (“Direito das Obrigações”, 5ª ed., p. 483).
A lei - artigo 496º, nº 1, do Código Civil - deposita nas mãos do tribunal o encargo de apreciar, no caso concreto, e de acordo com padrões objetivos, se o dano não patrimonial se mostra ou não digno de proteção jurídica. Na hipótese afirmativa, o montante da indemnização será fixado de forma equitativa pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste último e do lesado, e as restantes circunstâncias relevantes (artigos 496º, nº 3, 1ª parte, e 494º do Código Civil).
A equidade desempenha, portanto, um papel fundamental ao nível da determinação dos danos não patrimoniais, papel esse extensível aos próprios danos patrimoniais, dado o disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil (insucesso na averiguação do valor exato dos danos, mas sendo, de qualquer forma, um dado assente que há danos a ressarcir) – cfr. ainda o artigo 4º, al. a), do Código Civil.

Ora, regressando à factualidade apurada nestes autos, designadamente a que está enunciada sob os números 17 e 18 da sentença, é indiscutível que os réus (…) praticaram factos ilícitos extracontratuais que tiveram como vítima o aqui recorrente (…), e que até determinaram a sua condenação criminal. Provou-se ainda que em consequência da conduta dos réus arguidos, o recorrente “acabou por desistir da exploração das estufas, o que lhe causou prejuízos económicos”.
Reitera-se que nesta ação cível tais factos não poderão deixar de ser considerados por força do valor extra processual da sentença condenatória, já transitada em julgado, proferida no processo comum singular nº (…)/16.0GDTVD, por implicação do regime (já analisado) consagrado no artigo 623º, CPC. Por outro lado, ainda que tais factos, na sentença recorrida, tenham sido transpostos para o elenco do provados, afigura-se que em tal decisão não foi dos mesmos retirada qualquer consequência jurídica, o que importa corrigir.
Por conseguinte, reúnem-se na conduta dos réus (…) todos os elencados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, pelo que se deverá concluir que deverão indemnizar o autor e recorrente (…) pelos danos causados.
É certo que da factualidade apurada nos autos não resultam os concretos danos sofridos pelo referido autor e recorrente, nem o seu valor. Mas isso não impede a condenação dos réus (…) no pagamento de indemnização ilíquida, pois decorre do artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Deste modo, não sendo (ainda) de afirmar a impossibilidade de averiguação do valor exato dos danos (o que determinaria o funcionamento da equidade), deverá a ação apensa ser julgada parcialmente procedente, com a condenação dos réus (…) no pagamento ao autor (e recorrente) (…) de indemnização, a liquidar ulteriormente, dos prejuízos patrimoniais causados pela sua conduta, com o limite máximo de € 139.235,94 (valor do pedido).
Desta forma, cremos que a factualidade que já constava da sentença recorrida impõe uma decisão jurídica diversa da proferida em primeira instância, assim procedendo, nesta parte, o recurso interposto pelo autor (e recorrente) (…).

Por ter ficado vencida a autora/recorrente nos autos principais (…) é responsável pelo pagamento das custas processuais – cfr. artigo 527º, CPC.

Na ação apensa, as custas serão liquidadas pelo autor/recorrente (…) e réus (…) na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 50% para o primeiro e 50% para os segundos


III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível:
- Julgar improcedente o recurso de apelação interposto na ação principal pela autora (…), mantendo-se a decisão recorrida;

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto no apenso A pelo autor (…)
. alterando a resposta dada pelo tribunal recorrido ao artigo 42º da petição inicial, conferindo-lhe a seguinte redação: “Provado apenas que em despesas diversas, designadamente na substituição de plásticos das estufas, o autor despendeu, pelo menos, a quantia de € 11.894,69”;
.julgando parcialmente procedente a ação que constitui o apenso A, condenando os réus (…) no pagamento ao autor  (...)de indemnização, a liquidar ulteriormente, relativa aos prejuízos patrimoniais causados pela sua conduta descrita nos pontos dos factos provados, com o limite máximo de € 139.235,94 (valor do pedido).

Custas do recurso relativo à ação principal pela recorrente (…) – cfr. artigos 527º, CPC.

Custas do recurso interposto na ação apensa pelo autor (...)e pelos réus (…), na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 50% para o primeiro e 50% para os segundos e que deverá ser ulteriormente definido na liquidação – cfr. artigo 527º, CPC.

D.N.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024
Rute Sobral
Pedro Martin Martins
José Manuel Monteiro Correia
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[1] proferido no processo nº 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt
[2] disponível em www.dgsi.pt
[3] proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt
[4] proferido no processo 245/09.8 GBACB.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Recursos em Processo Civil, 7ª edição, págs. 201 e 202
[6] Código do Processo Civil anotado, volume 2.º, 3ª edição, pág. 763
[7] proferido no processo nº 6871/14.6T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt 
[8] proferido no processo nº 1526/22.0T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt