Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10312/22.7T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RESOLUÇÃO
PERÍODO DE FIDELIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I -A cláusula que confere à empresa prestadora de serviços de telecomunicações, em caso de resolução do contrato por incumprimento do cliente (“não consumidor”) durante o período de fidelização fixado em 24 meses, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais mensais devidas até ao termo do prazo estipulado, mesmo que a resolução tenha ocorrido logo no princípio do contrato, sem que haja entrega de equipamento a compensar com o pagamento das prestações vincendas, nem que tivesse sido atribuído qualquer outro benefício, relevante e quantificado, a compensar nos mesmos termos, é nula nos termos do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, por consagrar cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir.
II -Essa nulidade é de conhecimento oficioso, como resulta da remissão implícita do Art. 12.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 para o Art. 286.º do C.C..
III -Mesmo não sendo aplicável no caso a Lei n.º 16/2022 de 16/8, a proibição de cláusulas contratuais gerais, consoante o quadro negocial padronizado, que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, estabelecida no Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, deve ser interpretada atualisticamente, e em coerência interna de todo o sistema, por forma a ser conjugada com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art. 128.º n.º 9 para o Art. 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder, ou o valor das vantagens conferidas ao cliente assinante, ou  uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas, quando a cessação do contrato ocorrer no primeiro ano de vigência do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B , pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €7.293,58.
Alega, para tanto, que celebraram três contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, tendo a A., no âmbito de tais contratos, prestado à R. os serviços contratados, emitindo e remetendo as respetivas faturas, que esta não liquidou.
Mais alega que a R. se vinculou a manter os três contratos pelo período
de 24 meses, o que não cumpriu, pelo que está obrigada a indemnizar a A..
Por fim alega ter tido despesas com as tentativas de cobrança da divida.
A R., citada, não contestou, tendo sido julgados por confessados os factos alegados pela A., nos termos do Art. 567.º n.º 1 do C.P.C..
Cumprido o disposto no n.º 2 do citado preceito legal, foram apresentadas alegações pela A., que concluiu pela procedência da ação.
Na sequência foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada, condenando a R., F… Lda., a pagar à A., N…, S.A., a quantia de €577,05, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até 22.04.2022, contabilizados à taxa comercial sucessivamente em vigor, e absolvendo a R. do demais peticionado.
É dessa sentença que a A. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida absolveu dos valores de indemnização por incumprimento contratual: “Deverá… a ré ser absolvida do pagamento à autora dos valores peticionados de €4.523,35, €734.79 e €739.80.”.
2. Salvo, porém, o devido respeito, tendo a sentença recorrida declarado que “… a validade da cláusula penal em apreço está dependente da mesma ter como contrapartida um benefício concedido ao consumidor, tal como expressamente previsto no artigo 48.º da Lei n.º 5/2004.”, resulta óbvio que, pelo facto da Ré não ser um consumidor, mas de pessoa coletiva, que celebrou os três contratos em causa nos autos no âmbito da sua atividade, tal pressuposto da sentença não se verifica.
3. Refira-se, ainda, que as partes podem, ao abrigo do princípio da liberdade contratual e nos termos do art.º 810º n.º 1 do CC, fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível (cláusula penal), a qual não terá de corresponder, na íntegra, a vantagens efetivas, tendo em conta as funções ressarcidora e coercitiva que poderá assumir.
4. E é, precisamente, por não se tratarem de cláusulas desproporcionais ou nulas, que a Recorrida, citada na ação, não a contestou - o que não seria expectável, caso se tivesse vinculado pelos contratos a cláusulas penais a que não correspondessem vantagens efetivas.
5. Vantagens essas que, apesar de não ter sido contestadas, ficou demonstrado nos autos que existiam - pela junção dos contratos e faturas em dívida de onde, expressamente, consta a indicação de descontos nas mensalidades.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida violou a lei substantiva, nomeadamente, os art.ºs 405º e 810º, ambos do CC, e o art.º 48 da Lei 5/2004, de 10.02.
Pede assim que seja dado provimento ao recurso e que a sentença seja revogada e substituída por decisão que julgue procedente o pedido na parte relativa às cláusulas penais.
Não foram apresentadas contra-alegações pelo Recorrido.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a questão essencial a decidir é de saber se é devida a indemnização contratual penal, convencionada entre as partes, relativa ao período de fidelização dos contratos de prestação de serviços de telecomunicações a que os autos se reportam.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso não discriminou a factualidade que julgou por provada, limitando-se a deixar consignado que julgou por provados os factos alegados na petição inicial, dando-os por reproduzidos por remissão para esse articulado.
Importa assim ter em consideração que a A. alegou na petição inicial o seguinte:
1. Entre A. e R. foram celebrados três contratos para prestação de bens e serviços de telecomunicações:
- contrato de 21.09.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente/contrato 1.70442328;
- contrato de 11.10.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente/contrato 961017049;
- contrato de 19.10.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente/contrato 961116075 - (cfr. artigo 1.º da petição inicial).
A) Sobre o contrato 1.70442328
2. Entre A. e R. foi celebrado, no dia 21.09.2021, um contrato para prestação de bens e serviços de telecomunicações, a que foi atribuído o número de conta cliente /contrato 1.70442328- (cfr. artigo 2.º da petição inicial).
3. No âmbito do contrato, solicitou a R, à A. a prestação dos seguintes serviços:
1 Plano Mobilidade Sem Limites Max
3 Plano Mobilidade
1 Mens Internet P Mobilidade
2 Mens Web Segura Movel,
mediante pagamento de uma mensalidade de €97,50 acrescidos de IVA, nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc. 1- (cfr. artigo 3.º da petição inicial).
4. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu o R. a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas e manter o contrato pelo período de 24 meses (vg. período de permanência) - (cfr. artigo 4.º da petição inicial).
5. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pelo R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta - cfr. doc. 1, cláusula 14 das condições gerais- (cfr. artigo 5.º da petição inicial).
6. Após a celebração do contrato a A. iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à R. e sem que nenhuma tivesse sido devolvida ou a R. tenha apresentado qualquer reclamação- (cfr. artigo 6.º da petição inicial).
7. Pelo facto da R. não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito, a A. suspendeu os serviços em 10.01.2022; e em 05.02.2022, depois de ter interpelado a R. para o efeito (cfr. doc. 2), rescindiu o contrato por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da R. o valor da cláusula penal contratual, determinada pelo valor das mensalidades até final do período de permanência- (cfr. artigo 7.º da petição inicial).
8. Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida as seguintes, num total de €4.974,15:
- Fatura n.º FT 202112/446486, no valor de €145.89, emitida em 08.11.2021 e vencida em 28.11.2021, fatura relativa ao período de faturação de Outubro de 2021 - cfr. doc. 3;
- Fatura n.º FT 202112/489079, no valor de €94.77, emitida em 09.12.2021 e vencida em 29.12.2021, fatura relativa ao período de faturação de Novembro de 2021 - cfr. doc. 4;
- Fatura n.º FT 202212/38435, no valor de €164.2, emitida em 07.01.2022 e vencida em 27.01.2022, fatura relativa ao período de faturação de Dezembro de 2021 - cfr. doc. 5;
- Fatura n.º FT 202212/81713, no valor de €4566.29, emitida em 06.02.2022 e vencida em 26.02.2022, fatura relativa ao período de faturação de Janeiro de 2022 e que inclui o valor da cláusula penal contratual, de €4.523,35 (€3.677,52 + IVA) - cfr. doc. 6;
- Fatura n.º FT 202212/128945, no valor de €3, emitida em 07.03.2022 e vencida em 27.03.2022, fatura relativa a despesas de cobrança pelo atraso no pagamento - cfr. doc. 7- (cfr. artigo 8.º da petição inicial).
B) Sobre o contrato 961017049
9. Entre A. e R. foi celebrado um contrato para prestação de bens e serviços de telecomunicações, a que foi atribuído o número de conta cliente/ contrato 961017049- (cfr. artigo 9.º da petição inicial).
10. No âmbito do contrato, solicitou a R. à A. a prestação dos serviços de TV, telefone e internet fixa, mediante pagamento de uma mensalidade de €34,99 acrescidos de IVA, serviços que foram instalados no dia 11.10.2021 - cfr. doc. 8- (cfr. artigo 10.º da petição inicial).
11. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a R. a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas e manter o contrato pelo período de 24 meses (vg. período de permanência) - (cfr. artigo 11.º da petição inicial).
12. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta - (cfr. artigo 12.º da petição inicial).
13. Após a celebração do contrato a A. iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à R. e sem que nenhuma tivesse sido devolvida ou a R. tenha apresentado qualquer reclamação- (cfr. artigo 13.º da petição inicial).
14. Pelo facto da R. não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito, a A. suspendeu os serviços em 13.01.2022; e em 08.02.2022, rescindiu o contrato por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da R. o valor da cláusula penal contratual, determinada pelo valor das mensalidades em falta (20 meses e 24 dias) até final do período de permanência- (cfr. artigo 14.º da petição inicial).
15. Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida as seguintes, num total de €842,37:
- Fatura n.º FT 202131/37221, no valor de €31.6, emitida em 18.10.2021 e vencida em 04.11.2021, fatura relativa ao período de faturação de Outubro de 2021 - cfr. doc. 9;
- Fatura n.º FT 202191/2703911, no valor de €34.99, emitida em 09.11.2021 e vencida em 04.12.2021, fatura relativa ao período de faturação de Novembro de 2021 - cfr. doc. 10;
- Fatura n.º FT 202191/2972250, no valor de €37.99, emitida em 10.12.2021 e vencida em 04.01.2022, fatura relativa ao período de faturação de Dezembro de 2021 - cfr. doc. 11;
- Fatura n.º FT 202291/230767, no valor de €3, emitida em 11.01.2022 e vencida em 04.02.2022, fatura relativa a despesas de cobrança pelo atraso no pagamento - cfr. doc. 12.
- Fatura n.º FT 202291/483816, no valor de €734.79, emitida em 09.02.2022 e vencida em 04.03.2022, fatura relativa ao valor da cláusula penal contratual - cfr. doc. 13- (cfr. artigo 15.º da petição inicial).
C) Sobre o contrato 961116075
16. Entre A. e R. foi celebrado, em 19.10.2021, um contrato para prestação de bens e serviços de telecomunicações, a que foi atribuído o número de conta cliente/contrato 961116075- (cfr. artigo 16.º da petição inicial).
17. No âmbito do contrato, solicitou a R. à A. a prestação dos serviços no tarifário “3Pro IRIS_500Megas”, mediante pagamento de uma mensalidade de €30,07 acrescidos de IVA, nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc.s 14 e 15- (cfr. artigo 17.º da petição inicial).
18. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a R. a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas e manter o contrato pelo período de 24 meses (vg. período de permanência) - (cfr. artigo 18.º da petição inicial).
19. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta - (cfr. artigo 19.º da petição inicial).
20. Após a celebração do contrato a A. iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à R. e sem que nenhuma tivesse sido devolvida ou a R. tenha apresentado qualquer reclamação- (cfr. artigo 20.º da petição inicial).
21. Pelo facto da R. não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito, a A. suspendeu os serviços em 28.02.2022; e em 14.03.2022, rescindiu o contrato por perda de interesse na sua manutenção e reclamou da Ré o valor da cláusula penal contratual, determinada pelo valor das mensalidades em falta (19 meses e 29 dias) até final do período de permanência- (cfr. artigo 21.º da petição inicial).
22. Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida as seguintes, num total de €801.41:
- Fatura n.º FT 202193/2106832, no valor de €19.49, emitida em 24.11.2021 e vencida em 19.12.2021, fatura relativa ao período de faturação de Novembro de 2021 - cfr. doc. 16;
- Fatura n.º FT 202193/2304776, no valor de €16.43, emitida em 23.12.2021 e vencida em 19.01.2022, fatura relativa ao período de faturação de Dezembro de 2021 - cfr. doc. 17;
- Fatura n.º FT 202293/191741, no valor de €22.69, emitida em 27.01.2022 e vencida em 19.02.2022, fatura relativa ao período de faturação de Janeiro de 2022 - cfr. doc. 18;
- Fatura n.º FT 202293/395630, no valor de €3, emitida em 24.02.2022 e vencida em 19.03.2022, fatura relativa a despesas de cobrança pelo atraso no pagamento - cfr. doc. 19;
- Fatura n.º FT 202293/593957, no valor de €739.80, emitida em 24.03.2022 e vencida em 19.04.2022, fatura relativa ao valor da cláusula penal contratual - cfr. doc. 20 - (cfr. artigo 22.º da petição inicial).
23. A A. teve de suportar encargos nas tentativas de cobrança da dívida, em fase prévia à entrada da ação, que contabiliza em €600,00 e se justificam pela impressão das cópias do histórico dos contratos (cópias do contrato, faturas, comunicações), pelas despesas com telefone e e-mail, a solicitar esclarecimentos e documentação para instrução do processo de cobrança de dívida- (cfr. artigo 24.º da petição inicial).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pelo presente recurso a Recorrente apenas põe em causa a parte da sentença recorrida que absolveu a R. do pedido de indemnização por referência a cláusula contratual penal, não sendo impugnada a decisão de absolver a R. do pedido na parte relativa ao reembolso das despesas de cobrança do crédito.
A sentença recorrida absolveu a R. do pedido de indemnização contratual penal, estabelecida nos contratos dos autos, por considerar que esses contratos são regidos pela Lei n.º 23/96, de 26/07, denominada “Lei dos Serviços Públicos” e, simultaneamente, por se mostrar abrangida pela tutela específica da Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/02), que estabelece normas de proteção dos utentes de serviços relativos a comunicações eletrónicas. Assim, apesar de reconhecer que a R. se vinculou a manter os 3 contratos, que identificou, vigentes por 24 meses, relevou que a A. rescindiu todos eles, por perda de interesse na sua manutenção, em face do incumprimento da R. da sua obrigação de pagar as mensalidades acordadas. Em consequência, entendeu que a validade da cláusula penal, pela violação do período de fidelização, estaria dependente da mesma ter como contrapartida um benefício concedido ao consumidor, tal como é expressamente previsto no Art. 48.º da Lei n.º 5/2004. Ora, a A. não alegou, nem demonstrou quais os custos que teve com a instalação, nem que os valores peticionados são proporcionais a uma eventual vantagem que tenha sido conferida à R.. Pelo que, não se sabendo quais os custos que suportou com a instalação, nem quantificando as vantagens que foram conferidas à R. pela celebração do contrato com período de fidelização, expressou o entendimento de que não poderia a A. exigir da R. uma indemnização pela cessação antecipada do contrato com base na cláusula penal constante dos contratos.
A recorrente não concorda com esta apreciação jurídica, porque a sentença teria partido de um pressuposto, que não demonstra, que é o facto da R. ser um “consumidor”, sustentando que as partes eram livres de estabelecer o montante da indemnização devida, no quadro do Art. 810.º n.º 1 do C.C., a qual não tem de corresponder a qualquer compensação por vantagens efetivamente conferidas (cfr. Ac. S.T.J. de 08.04.2003, Proc. 04A42992), sendo perfeitamente válida a estipulação de prazos de fidelização associada a uma cláusula penal que permite contrabalançar, através da fixação acordada de uma indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido que tornou inútil o benefício concedido, impedindo um ganho injustificado do utente que, não sendo penalizado pelo incumprimento, poderia obter os ganhos contratualizados com a operadora, e concedidos por esta, em função de uma permanência temporalmente assegurada, sem depois ter qualquer ónus associado a uma rutura antecipada com o acordado (cfr. Ac. do TR.P. 28.04.2015, Proc. 95926/13.0YIPRT.P1). Por outro lado, apesar de entender que não tinha de provar os benefícios concedidos, sempre refere que poderiam ter sido considerado, por força dos contratos e faturas em dívida juntos, que algumas das vantagens efetivas foram concedidas à R., como “descontos nas mensalidades” e “intervenção técnica gratuita”.
Apreciando, importa considerar, antes de mais, a prova em que assenta a matéria de facto “dada por provada” na sentença recorrida, pois ela é mais rica do que a mera alegação constante da petição inicial deixa transparecer.
Efetivamente, toda a argumentação da A., aqui Recorrente, quer a constante da petição inicial, quer das alegações de recurso, passa pela consideração de que A. e R. estipularam explicitamente, nas condições gerais dos contratos que celebraram, uma cláusula segundo a qual, em caso de resolução do contrato por iniciativa da A., com fundamento no incumprimento da R., durante o período de vigência obrigatória dos contratos, também designado por “período de fidelização”, esta última ficaria obrigada a pagar as prestações vincendas até ao termo previsto para cada contrato (cfr. artigos 5.º, 12.º e 19.º da petição inicial), sendo que no artigo 5.º da petição inicial identifica-se mesmo essa cláusula como sendo a constante do ponto 14 das “condições gerais”.
No entanto, o que efetivamente consta dessa cláusula 14 (cfr. doc.s a fls. 12 e 46 verso), com a epígrafe “EFEITOS DA CESSAÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA OU INCUMPRIMENTO DO CLIENTE”, é o seguinte: «Em caso de resolução do Contrato pela N… no decurso do prazo fixado nos termos da cláusula 4.1. com fundamento no incumprimento do Cliente, bem como no caso de cessação antecipada do Contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do Cliente, este ficará obrigado a pagar à N… uma compensação calculada nos termos indicados no Formulário ou nas Condições Específicas, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios». – (sublinhados e negritos nossos).
Ora, o “Formulário” só pode ser entendido como o documento identificado como “Formulário de Adesão” (cfr. doc.s a fls. 9 a 10 e fls. 43 verso a fls. 44 verso), onde se identificam as partes, os serviços contratados e respetivos preços, regulando alguns aspetos da relação contratual como os relativos aos “dados de faturação” e o “tratamento dos dados pessoais”. Mas nessa parte do documento só consta a menção ao facto de o “prazo de permanência” ser de “24 meses” (cfr. cit. doc. a fls. 9 e fls. 43 verso), nada sendo dito a propósito de “cláusulas penais” ou “cálculo de compensações”.
Portanto, importa ver o que é estabelecido nas “Condições Específicas”, que aparecem logo na sequência das “Condições Gerais”,  sendo no ponto 3 que se regulam as matérias relacionadas com “PRAZO DE DURAÇÃO DO CONTRATO E PROCEDIMENTOS DE CESSAÇÃO DO CONTRATO” (cfr. cit.s doc.s  a fls. 14 verso e 49). Assim, nas cláusulas 3.2. a 3.5., integrada nessa secção, é estipulado o seguinte:
«3.2. No caso de o cliente não cumprir pontualmente o Contrato, a N… poderá - mediante simples comunicação escrita efetuada com uma antecedência mínima de 20 (vinte) dias, indicando o motivo da suspensão e os meios ao dispor do cliente para evitar a mesma e bem assim, para a retoma do serviço - suspender o serviço e exigir o pagamento antecipado das mensalidades vincendas que seriam devidas até ao fim do prazo contratado ou, no caso de ao Serviço não estar associado o pagamento de uma Mensalidade, exigir o pagamento da quantia correspondente €50 (IVA não incluído), a título de indemnização pelo incumprimento. É ainda devido pelo Cliente à N… o valor de quaisquer serviços ou equipamentos (como sejam, por exemplo, pela ativação do Serviço, portabilidade da numeração, programação de centrais, disponibilização ou transferência de equipamento) que tenham sido disponibilizados ou fornecidos ao Cliente sem custos. O disposto não obsta, no entanto, a que a N… possa exigir uma indemnização pelo dano excedente».
«3.3. A prestação de serviços será reativada e a exigência de cumprimento das Mensalidades vincendas ficará sem efeito se o cliente efetuar os pagamentos dos montantes inicialmente em atraso no prazo indicado na notificação prevista no número anterior.
«3.4. Não sendo realizado o pagamento das quantias inicialmente em atraso no prazo estabelecido do número anterior, a mora converter-se-á em incumprimento definitivo e o Contrato extinguir-se-á automaticamente, mediante notificação de rescisão efetuada pela N… com uma antecedência mínima de 8 (oito) dias, sem prejuízo do direito da N… às quantias mencionadas no número 3.2. acima e no número seguinte».
«3.5. A extinção do Contrato não terá efeitos retroativos, pelo que o disposto nos números anteriores não prejudica o direito da N… ao pagamento das quantias devidas pela prestação dos serviços até ao momento dessa extinção, e aos montantes de que o cliente beneficiou no pressuposto do cumprimento do prazo contratado (como sejam, taxas de ativação do Serviço, portabilidade da numeração, créditos e ofertas concedidos, cedência de equipamentos ou outros), a título de contrapartida pelas condições especiais concedidas associadas ao Serviço e/ou à cedência de equipamento, nem os direitos do cliente sobre o equipamento cedido. No caso de o pagamento não ser efetuado dentro do respetivo prazo fixado, aos montantes calculados nos termos indicados na presente cláusula acrescem, a título de indemnização por incumprimento da obrigação de pagamento tempestivo, os encargos suportados pela N… no âmbito do processo de cobrança extrajudicial ou judicial». (Sublinhados e negritos nossos).
Portanto, estava efetivamente convencionado entre as partes que, em caso de resolução do contrato por iniciativa da A., por incumprimento definitivo da R., sem prejuízo do mais, esta ficava obrigada a pagar àquela as mensalidades vincendas até ao termo do prazo de vigência do contrato.
Cumpre ainda referir que não resulta claro dos documentos juntos à petição inicial se foi entregue “equipamento” à R. na sequência da subscrição destes contratos de adesão.
Os únicos documentos que se referem a “equipamentos” são os constantes de fls. 35 verso a 36 e fls. 52 a 53, identificados como “Relatório de Intervenção”, aí se fazendo menção a 3 + 4 equipamentos, reportando-se como única “ação” a respetiva “instalação”.
Nesses mesmos documentos consta ainda a seguinte declaração pré-impressa: «Confirmo que a intervenção técnica ficou concluída e que o serviço contratado está a funcionar com normalidade. Como tal, não se aplica o direito de livre resolução. A oferta do serviço de instalação técnica, quando prevista nas condições contratadas, pressupõe o cumprimento do período mínimo de fidelização. Autorizo que me sejam cobrados os materiais, equipamentos e/ou serviços adicionais identificados na secção "Custos adicionais" deste documento, caso existam. Fui informado, que tenho de devolver os equipamentos completos (equipamentos e transformadores) que me foram fornecidos, no prazo máximo de 30 dias após a desativação, para evitar custos desnecessários. Pretendo que a N… recolha os equipamentos de que sou proprietário e que não estão em utilização, podendo a N… dar-lhes o destino que entender. Pretendo que seja realizada a intervenção técnica que solicitei. Fui informado e aceito que os serviços serão prestados de acordo com as condições gerais e específicas de serviços disponíveis em www.nos.pt e em todos os pontos de venda N…. Fui informado que, para o bom funcionamento dos serviços N…, a intervenção técnica nesta morada requer perfurações na parede e/ou remoção de cabos e/ou fixação da antena no local indicado pelo técnico e autorizo o técnico a efetuá-las. Ao dar esta autorização, assumo a responsabilidade por eventuais danos associados a esta intervenção» (cfr. cit.s doc.s a fls. 36 e 53 – com sublinhados e negritos nossos).
Acrescente-se ainda que não aparece qualquer fatura relativa ao valor dos equipamentos, com exceção da de fls. 36 verso com indicação que o valor dos equipamentos era “€0,00”, bem como o da intervenção técnica, também indicada com o valor de “€0,00”.
Não perdendo de vista estes factos documentados, temos de partir da consideração de que, nos termos do Art. 810.º n.º 1 do C.C., as partes podem efetivamente fixar, por acordo prévio, o montante da indemnização exigível. É o que se chama de “cláusula penal”. A qual está sujeita às regras de forma da obrigação principal, encontrando-se a validade daquela dependente da validade desta última (cfr. Art. 810.º n.º 2 do C.C.).
O estabelecimento de clausulas penais é assim permitida no quadro da autonomia privada e do exercício da liberdade contratual (cfr. Art. 405.º n.º 1 do C.C.).
No entanto, o Art. 811.º n.º 1 do C.C. estabelece a proibição de cumulação da exigência contratual do cumprimento da obrigação principal em conjunto com o pagamento da cláusula penal, ressalvando o caso desta última estar estabelecida para penalizar o atraso da prestação.
Esta ressalva compreende as denominadas “cláusulas penais moratórias” que, nos termos deste preceito, são legalmente exigíveis em conjunto com a obrigação de cumprimento do contrato, na estrita medida em que visam apenas sancionar o atraso no cumprimento da prestação devida. Portanto, o que se proíbe é a cumulação da sanção penal indemnizatória ressarcitória pelo dano contratual positivo com a exigência simultânea do cumprimento do contrato, por tal constituir uma repetição indevida de duas prestações com a mesma finalidade. Neste caso, o credor tem de optar: ou pede a sanção penal convencionada, ou exige o cumprimento do contrato (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª Ed. Revista e Ampliada, pág.s 77 a 78).
A particularidade da cláusula penal aqui convencionada entre as partes é que a sanção indemnizatória coincide precisamente com o dano contratual positivo, sendo certo que o credor, a aqui Recorrente, pede apenas a sanção convencionada, não havendo, por isso, violação do disposto no n.º 1 do Art. 811.º do C.C..
Do assim já exposto decorre que a estipulação do montante pecuniário devido pela aplicação da cláusula penal pode, em abstrato, destinar-se a determinar as consequências do incumprimento ou da mora no cumprimento de determinada obrigação. Se a quantia pecuniária for estipulada para o caso de não cumprimento, fala-se então em “cláusula penal compensatória”. Já se for estipulada para o atraso no cumprimento, chama-se então em “cláusula penal moratória” (Vide: Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1997, pág. 248).
Quanto à finalidade última das cláusulas penais, Calvão da Silva identifica nelas uma dupla função que lhes está ínsita. Conforme escreve: «Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é um instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de incumprimento ou mora, e pode ser um eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.» (Ob. Loc. Cit., pág. 248).
No mesmo sentido, Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 139 a 140) fala na “função de reforço” ou agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso, constituindo a cláusula penal uma pena convencional calculadamente superior à que resultaria da lei para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento, e ao mesmo tempo pode funcionar como facilitadora do cálculo da indemnização exigível.
Mas, para além deste aspeto funcional de caráter genérico, a doutrina não deixa de identificar também de forma autónoma dois tipos de cláusulas penais distintos: as que se destinam a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o devedor a cumprir (penalty clause), e as que visam liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (liquidated damages). A diferença está no facto das primeiras penalizarem o comportamento faltoso do devedor, podendo não ter qualquer relação com os danos sofridos, enquanto as segundas visam, por razões de facilitação da prova, determinar previamente o montante desses danos ou o seu limite mínimo (Vide: Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 278).
Na verdade, as cláusulas penais podem servir uma infinidade de funções práticas, relembrando que estamos no domínio da liberdade contratual (Art. 405.º do C.C.) - (vide, a propósito: Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., pág.728). Pelo que importará sempre apurar o que concretamente foi convencionado pelas partes e qual a finalidade efetivamente visada prosseguir ao estabelecer determinada penalização contratual.
Uma cláusula penal pode ser convencionada como mera forma de penalização do incumprimento, pode estabelecer apenas um critério indemnizatório pelos danos dele decorrentes, ou servir apenas de forma de compelir o devedor ao cumprimento e, eventualmente, pode também ter todas essas finalidades, em simultâneo, mesmo que com densidades diversas.
Como refere Almeida Costa (Ob. Cit., pág. 737): «Pode convencionar-se a cláusula penal tendo em vista a completa e definitiva inexecução do contrato, nomeadamente da obrigação principal, ou tão-só a infração de uma das suas cláusulas, a simples mora ou atraso no cumprimento e ainda o cumprimento defeituoso (art. 811.º, n.º 1). Em qualquer dos casos, a cláusula penal, no sistema da nossa lei, avulta como fixação antecipada da indemnização –  compensatória ou apenas moratória –, isto é, dirige-se apenas à reparação de danos. Mas nada impede que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, desempenhe a função coercitiva, destinada a pressionar o devedor ao cumprimento, na medida em que a sua falta autoriza o credor à exigência alternativa de uma prestação mais gravosa. Cabe ainda mencionar, ao lado desses dois tipos de cláusulas penais, um outro com natureza meramente compulsória, que se verifica quando as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais».
Em conclusão, importaria antes de mais interpretar os contratos e determinar qual o sentido das penalizações aí estabelecidas, fazendo uso da “teoria da impressão do declaratário” consagrada no Art. 236.º do C.C., ponderando os interesses em jogo e o equilíbrio interno das prestações (Art. 237.º do C.C.) e respeitando fundamentalmente o sentido literal do texto do documento que formalizou a vontade dos contraentes (Art. 239.º do C.C.), uma vez que não dispomos doutros elementos de facto que nos revelem a vontade real das partes.
Neste contexto, já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 12/01/2021 - Proc. n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1 – Relator: José Rainho) que: «I - Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou. II - Pese embora os arts. 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor. III - Para efeitos da interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia. IV - (i) se a letra da cláusula é expressa ao qualificar como quantia indemnizatória a prestação pecuniária devida em caso de incumprimento do contrato; (ii) se o escopo subjacente à vontade de contratar se logra alcançar através dessa quantia; (iii) se a quantia determinada na estipulação coincide normalmente com o valor do dano expectável, (iv) então é de interpretar a declaração negocial no sentido de se estar perante uma cláusula penal com função meramente indemnizatória (fixação do montante da indemnização exigível), e não perante uma pena destinada a pressionar ao cumprimento».
Ora, no caso concreto, só poderemos relevar que, na parte que aqui nos interessa, a cláusula 14 das “condições gerais da prestação de serviços e comunicações eletrónicas” visa regular os efeitos da cessação do contrato por “incumprimento do cliente”. Sendo que a remissão dessa cláusula para o ponto 3 das “condições específicas”, visa regular a situação concreta do incumprimento do contrato pelo cliente, durante o “período de fidelização”, escalonando as sanções de forma gradativa, começando pela suspensão da prestação dos serviços (cláusula 3.2. supra transcrita), permitindo a retoma dos serviços pelo pagamento das prestações em atraso (cláusula 3.3. supra transcrita), mas culminando na conversão da mora em incumprimento em definitivo (cláusula 3.4 supra transcrita) e a consequente extinção do contrato (cláusula 3.5). Existe assim, claramente, uma preocupação de compelir o cliente ao cumprimento do contrato durante o período de fidelização, mediante a ameaça da aplicação da sanção pré-definida, que se converte em definitiva se não houver iniciativa de, tempestivamente, por termo à mora. Portanto, a sanção penal tem uma função coercitiva, mas não deixa também de ter uma função de fixação prévia do valor da reparação devida, ou seja, uma função ressarcitória, tendo por referência o dano contratual positivo.
Como atrás já se foi adiantando, a fixação do valor da indemnização, no quadro duma clausula contratual penal, convencionada pelas partes ao abrigo do Art. 810.º do C.C., pode não ter uma correspondência exata com o dano visado ressarcir. O que resulta claro, desde logo, do disposto no Art. 811.º n.º 2 do C.C., quando aí se estabelece que: «O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se for outra a convenção das partes».
Ainda assim, o mais comum, é que a cláusula penal fixe uma indemnização de valor superior ao dano. O que, como vimos, é perfeitamente lícito. Por um lado, porque o propósito do estabelecimento dessas cláusulas visa evitar a discussão entre as partes sobre o valor exato dos danos verificados. Por outro, porque as funções coercitiva e penalizante da cláusula penal, podem justificar esse efeito na prática.
O único limite legal, previsto no Código Civil, é que o credor não pode exigir uma indemnização que exceda o valor dos prejuízos decorrentes do cumprimento da obrigação principal (cfr. Art. 811.º n.º 3 do C.C.). O que no caso não se verifica, porque o valor da indemnização será no máximo igual ao dano contratual positivo e, portanto, corresponde economicamente ao valor do cumprimento da obrigação principal, caso o contrato fosse cumprido até ao seu termo.
No entanto, o Art. 812.º n.º 1 do C.C. permite que a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula cláusula que afaste essa possibilidade. Por outro lado, o Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 também estabelece, mesmo no âmbito das “relações entre empresários ou entidades equiparadas” que: «São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir».
Destas normas não resulta a proibição de que o valor da sanção penal convencionada seja superior ao dano que visa reparar. O que permite é corrigir situações em que a liberdade contratual levou a consequências práticas visivelmente inaceitáveis do ponto de vista do equilíbrio económico das prestações imputadas a cada parte, possibilitando-se a redução do valor fixado quando ele for manifestamente excessivo (Art. 812.º n.º 1 do C.C.) ou considerando nula as cláusulas que fixem valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar (Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Por isso, o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu em acórdão de 19/06/2018 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S2 – Relator: Fonseca Ramos) que: «I. A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efetivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento, fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante. II. A cláusula penal, tendo um fim punitivo só será ilegítima se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir. III. A cláusula penal prevista no contrato no valor de €126.000,00 foi reduzida em 40%, com base na equidade, para o valor de €76.000,00, pelo que a redução agora pretendida para o valor máximo de €15.000,00, esvaziaria o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples. IV. A não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento. V. A redução da cláusula penal, ao abrigo do art. 812º, nº1, do Código Civil, pressupõe que esta seja manifestamente excessiva».
Na mesma linha, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2017 (Proc. n.º 2041/13.9TVLSB.L1.S1 – Relator: Roque Nogueira) decidiu-se que: «I– A cláusula penal tanto desempenha uma função ressarcidora como coercitiva. II– Aquelas duas funções são essenciais à caracterização da cláusula penal, tal como ela é legalmente disciplinada. III– São características essenciais do conceito de cláusula contratual geral a pré-formulação, generalidade e imodificabilidade. IV– No caso dos autos, está assente que a cláusula em causa é uma cláusula penal e uma cláusula contratual geral, a implicar a sujeição da mesma à disciplina instituída pelo DL nº446/85, de 25/10. V- O objetivo da al. c), do art.19º, do citado DL, é o de restringir a liberdade de conformação do predisponente, estabelecendo um limite de conteúdo para as cláusulas penais, que tem como critério a relação entre a pena e o montante dos danos a reparar. VI- Nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transações, cifrados numa certa percentagem do preço do objeto da prestação. VII– Na fixação da indemnização deverão ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou, o que a cláusula penal em causa não prevê, verificando-se uma desproporção notória e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos previsíveis a reparar, dentro do «quadro negocial padronizado». VIII- Haverá, deste modo, que concluir que a cláusula nº4.5 do contrato em causa é uma cláusula relativamente proibida, nos termos do art.19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, e, como tal, nula (art.12º, do mesmo DL)».
De igual modo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2017 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S1 – Relator: Nunes Ribeiro) foi decidido que: «I - Na avaliação do carácter abusivo das cláusulas “relativamente proibidas” ao abrigo do art. 19.º da LCCG, deverá ter-se em atenção não só o “quadro negocial padronizado” – segundo o tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a atividade do utilizador – mas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas. II - Num contrato individualizado de fornecimento de bebidas para revenda ao público, do qual consta que o fornecedor/fabricante pode exigir, a título de indemnização, do comerciante/comprador seu cliente, que incumpra definitivamente o negócio, o pagamento de quantia nunca inferior ao valor total que arrecadaria com o negócio, caso o contrato tivesse sido honrado pelo comprador, vista isoladamente tal cláusula poderia, a priori, apresentar uma certa desproporcionalidade relativamente ao eventual prejuízo a ressarcir. III - Contudo, encontrando-se essa cláusula intimamente relacionada com outras livremente negociadas pelas partes contraentes (v.g. cláusulas que preveem contrapartidas monetárias e descontos em favor do comprador), com as quais se interligam na economia do contrato e que, de certo modo, funcionam como contrapeso daquela, inexistindo elementos suficientes que permitam afirmar a desproporcionalidade da dita cláusula penal em face dos previsíveis danos a ressarcir, não se pode afirmar a sua inadequação ao tipo de atividade negocial da autora e, consequentemente, concluir pela sua nulidade nos termos do art. 19.º, al. c), da LCCG. IV - O juízo de valor sobre a desproporção deve ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado) sendo inexato relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu. V - Tal não significa que a aludida cláusula não possa ou não deva ser considerada manifestamente excessiva, nos termos do n.º 1 do art. 812.º do CC, e passível de redução equitativa, como no caso da mesma proporcionar ao fornecedor/fabricante um proveito francamente superior ao cumprimento do contrato, porquanto lhe permite receber o correspondente ao preço total dos produtos objeto do contrato, sem incorrer nos correspondentes custos, designadamente, de produção e de transporte, para além de ficar com a possibilidade de vender a terceiros a totalidade dos litros das bebidas negociados e não adquiridos».
Tem sido, portanto, com este enquadramento legal que tem sido apreciada a questão da validade das cláusulas penais indemnizatórias, que obrigam os clientes de serviços de telecomunicações ao pagamento das prestações vincendas até ao termo do prazo de fidelização, em caso de cessação do contrato antes dessa data.
No entanto, não podemos deixar de realçar desde já que existe uma clamorosa diferença de regime entre a mera possibilidade de redução do valor fixado na cláusula penal quando ele for manifesta excessivo, tal como estabelecido no Art. 812.º n.º 1 do C.C., e a possibilidade de serem julgadas nulas as cláusulas que fixem valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar, nos termos do Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Existem dois pontos práticos, nos regimes jurídicos dessas disposições legais, que refletem essa diferença e que são da maior relevância para o caso concreto.
É que a situação prevista no Art. 812.º do C.C. está estabelecida no interesse privado do devedor da indemnização e, por isso, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/03/2021 (Proc. n.º 4248/19.6T8GMR.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte), de cujo sumário se destaca: «I- A redução equitativa da cláusula penal, prevista no artigo 812.º do Código Civil, não é oficiosa, dependendo do pedido do interessado, a quem caberá alegar e provar os factos de onde seja possível extrair a excessividade da estipulação, fora dos limites comportáveis pela liberdade contratual. II- Se o embargante, não só não alegou, na petição de embargos, nenhum facto concreto visando demonstrar a manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pela exequente, como também nenhum pedido apresentou ao tribunal, sequer implicitamente, no sentido de decretar a redução equitativa da cláusula penal, e apenas nas alegações da apelação levantou pela primeira vez o problema, esta pretensão não pode obter vencimento».
Por outro lado, a possibilidade de redução da cláusula penal prevista no Art. 812.º do C.C., implica uma análise “a posteriori” de comparação entre o valor efetivamente verificado dos danos e o valor da indemnização previamente fixado em cláusula penal.
Como escreve, a propósito Sousa Ribeiro (in “A boa fé como norma de validade” in Estudos dos Contratos. Estudos, Coimbra, 2007, pág.s 218 e 219): «Está (…) em causa, não só (ou não exclusivamente) a convenção em si, mas numa valoração ex post, os seus efeitos na concreta situação a que vai aplicar-se. Trata-se, numa palavra de um controlo do exercício  de um direito (o direito resultante da pena aplicada), não de um controlo diretamente limitativo da autonomia privada na sua estipulação».
Nessa estrita medida, competirá ao devedor não só pedir a redução da cláusula, como alegar e provar os factos donde concretamente resultam o manifesto excesso da cláusula penal em face dos concretos danos efetivamente verificados (Art. 342.º n.º 2 do C.C.).
Ora, o regime jurídico das Clausulas Contratuais Gerais parte de pressupostos completamente diversos.
O que está em causa no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 é a tutela de interesses de ordem pública, que restringem significativamente a autonomia privada e a liberdade contratual.
A lei proíbe expressamente, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (cfr. Art. 19. Al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), dizendo explicitamente que estas serão nulas (cfr. Art. 12.º do mesmo diploma). Consequentemente, o Art. 12.º do Dec.Lei 446/85 de 25/10 remete diretamente para o regime das nulidades estabelecido no Art. 286.º do C.C., o que determina como consequência necessária a possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal da natureza abusiva e proibida das cláusulas contratuais gerais que estabeleçam penas desproporcionadas aos danos verificados (neste sentido: Ana Prata in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, pág.s 309 a 313; José Manuel de Araújo Barros in “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 161 e Acórdão do STJ de 10/7/2008 (Proc. n.º 08B1846 – Relator: Camilo João, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, enquanto o Art. 812.º n.º 1 do C.C. pressupõe uma análise “ex post” dos danos verificados, o Art. 19.º al. c) do Dec.Lei 446/85 de 25/10, propõe-se fazer uma verificação da legalidade da cláusula “ex ante” independentemente dos concretos danos verificados, porque em causa está uma limitação à autonomia privada na fase da formação do contrato.
Por força do agora exposto, restrita fica a apreciação do caso concreto às limitações estabelecidas pelo Regime jurídico do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, uma vez que a R., aqui recorrida, não contestou a ação e, portanto, não alegou factos donde resultasse a demonstração sobre a “manifesta excessividade” da cláusula penal.
Dito isto, temos de reconhecer que a questão da validade das cláusulas penais indemnizatórias que obrigam os clientes de serviços de telecomunicações ao pagamento das prestações vincendas até ao termo do prazo de fidelização, em caso de cessação do contrato antes dessa data, não tem sido trata de forma uniforme na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, a título exemplificativo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2011 (Proc. n.º 2881/08.0YXLSB.L1-7 – Relator: Luís Espírito Santo – disponível em www.dgsi.pt), é dito explicitamente no respetivo sumário: «I - A comummente denominada “cláusula de fidelização” - que prevê que, em caso de cessação do contrato pelo cliente (ou por motivo que lhe seja imputável) antes de decorrido o período inicial de vigência, há lugar ao pagamento à proponente da uma indemnização correspondente ao período de vigência contrato (descontando o número de meses em que os serviços estiveram ativos) calculada através do valor das respetivas mensalidades -, não é desproporcionada aos danos a ressarcir, nem contrária à boa fé, não devendo ser declarada nula à luz do artº 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro».
Na mesma linha de raciocínio, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/3/2012 (Proc. n.º 497/10.0TCFUN.L1-8 – Relator: Ferreira de Almeida) é dito: «I- Não traduzem cláusulas penais desproporcionadas aquelas que conferem ao fornecedor de serviços de distribuição de televisão, Internet e telefone a possibilidade de, no caso de acesso indevido, exigir ao cliente o pagamento, a título de penalidade, de um valor correspondente à sua utilização por um período de seis meses ou, no período de dois anos a contar da data de desativação, a correspondente ao valor devido pela utilização, por um período de doze meses. II - Não ocorre desproporção entre a penalidade fixada e os prejuízos suportados, em cláusula na qual se impõe ao cliente mantenha o contrato durante um período mínimo de doze meses, sob pena de, em caso de denúncia antecipada, ter de pagar indemnização correspondente ao preço do serviço por cada mês em falta até perfazê-los».
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/11/2012 (Proc. n.º 3058/08.0YXLSB.L1-8 – Relator: Rui da Ponte), defendeu-se também que: «4. Não é nula a cláusula inserida nesse contrato que preveja, salvaguardando a expectativa de ganho da prestadora do serviço, um período inicial de duração do contrato de doze meses (período de fidelização)».
Ou ainda, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2007 (Proc. n.º 8963/2007-2 – Relator: Jorge Leal), quando no sumário se diz: «I– É válida a cláusula, inserida num contrato de prestação de serviço de telecomunicações móveis, em que o utilizador do serviço se obriga a manter o vínculo contratual pelo período de 30 meses sob pena de pagar à operadora a quantia equivalente ao valor das taxas relativas a 30 meses de utilização dos telemóveis, deduzido das taxas já pagas. II – Se o cliente não efetuar o pagamento das faturas emitidas pela prestação do serviço, a operadora só poderá resolver o contrato e reclamar o pagamento da cláusula penal referida em I após interpelação admonitória. III – Aliás, tal era imposto, à data dos factos (Fevereiro de 2002), pelo disposto no artigo 5º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho (Lei de proteção do utente dos serviços públicos essenciais) e no artigo 6º do Decreto-Lei nº 290-B/99, de 30 de Julho (Regulamento de exploração dos serviços de telecomunicações de uso público)».
Também no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4/02/2010 (Proc. n.º 234/09.2TBVCT.G1 – Relatora: Isabel Rocha) se vai nesse sentido quando aí se decidiu que: «I - No artº 19º al c) do DL 446/85 de 25 de Outubro, estabelece-se uma proibição relativa de cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas;
II - O juízo valorativo sobre a existência desta nulidade, não se realiza tomando como referência os vários contratos uti singuli, mas a partir das cláusulas – em si próprias e encaradas no respetivo conjunto – para eles abstratamente predispostas; III - Para aferir da desproporção a que alude o citado artº 19º, será necessário proceder a uma comparação entre o montante de indemnização que resulta da cláusula em análise e a ordem e grandeza dos prejuízos que o proponente sofreria com o incumprimento. IV - Tal desproporção tem de ser sensível quando está em causa uma cláusula penal compulsória que, por si só, já exige um certo grau de desproporção, tendo em conta os seus fins compulsórios; V - Não se afigura desproporcionada a cláusula contratual geral constante de contrato de “adesão” que tem por objeto a prestação de serviços, em que se estabelece, como cláusula penal para o incumprimento definitivo e culposo da parte a quem são prestados tais serviços, o pagamento de uma tarifa pela desativação do serviço, e o pagamento das tarifas mensais mínimas correspondentes ao tempo de duração do contrato, já que: apenas se aplica aos casos em que o contratante optou pela “fidelização”, ou seja, pela manutenção do contrato pelo período máximo de 12 meses e não apenas de um mês; tal opção teve como contrapartida o não pagamento da taxa de ativação dos serviços em causa; a desativação dos serviços importa normalmente custos de desmontagem e recolha de equipamento; o período de fidelização não é excessivo por nunca poder ser superior a 12 meses; estando em causa um contrato de execução continuada, é de admitir que o credor, para além do direito de resolução, possa ser ressarcido pelo dano contratual positivo.
E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2015 (Proc. n.º 170314/13.5YIPRT.P1 – Relator: José Igreja Matos), de cujo sumário resulta que: «I – Num contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada. II – Neste sentido, é admissível o estabelecimento de cláusulas penais em caso de incumprimento dos períodos contratuais mínimos, conquanto que tais condições não sejam, em concreto, desproporcionadas ou excessivamente onerosas. III – Tendo um dado consumidor estado vinculado durante 24 meses a uma dada operadora, com o consequente retorno do investimento associado, não se afigura proporcional ou adequada a imposição de uma nova cláusula penal associada a um novo período de fidelização o qual teve como único pressuposto apurado a venda por um preço abaixo do valor de mercado de um dispositivo eletrónico em formato “tablet”; tal cláusula, imposta sem negociação prévia, enferma do vício de nulidade por força do disposto nos arts.12.º e 19.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro».
Ou ainda no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2014 (Proc. n.º 27076/13.8YIPRT.P1 – Relator: Henrique Araújo): «No contrato de prestação de serviços de telecomunicações, se não tiver existido fornecimento de equipamentos, a indemnização pela resolução antecipada do contrato pode ser livremente fixada pelas partes desde que não se ultrapassem as barreiras impostas por um juízo de proporcionalidade».
Em sentido diametralmente oposto vai o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2018 (Proc. n.º 109927/15.8YIPRT.E1 – Relator: Mário Coelho), de cujo sumário resulta que: «A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações eletrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efetuar a contrapartida desse preço, excede, objetivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato».
Num caso de contrato de manutenção de elevadores o Tribunal da Relação do Coimbra, no acórdão de 28/10/2014 (Proc. n.º 3516/13.5TJCBR.C1 – Relatora: Maria Inês Moura), também decidiu que: «3. É nula, por desproporcionada e injustificada a cláusula penal que dá à A. o direito a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja essa efetiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a A. fica desonerada da sua prestação».
No acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 28/4/2015 (Proc. n.º 95926/13.0YIPRT.P1 – Relator: Vieira e Cunha), citado nas alegações de recurso, a solução é a mesma: «I – Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para direta recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso. II – É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos. III – A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência».
Ou seja, neste caso, já se ponderaram razões de proporcionalidade da indemnização fixada em função dos investimentos e custos associados aos compromissos com a fidelização.
Nesta linha de raciocínio existe uma vasta jurisprudência, que reclama a ponderação necessária da proporcionalidade desse tipo de cláusulas em função de benefícios concedidos ao cliente ou assinante dos serviços de telecomunicações.
Assim, por exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/6/2016 (Proc. n.º 338/14.0TVLSB.L1-2 – Relatora: Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt) é dito no respetivo sumário: «VIII–No tipo de contratos como o dos autos são inevitáveis as chamadas “cláusulas de fidelização”, impondo uma duração mínima aos mesmos; o período mínimo de duração inicial do contrato de 24 meses – “salvo acordo em contrário” - está em consonância com o previsto na Lei nº 5/2004, de 10-2, não se afigurando, neste contexto, tratar-se de um prazo excessivo para a vigência do contrato, pelo que não ocorre o enquadramento no nº 1-a) do art. 22 do RCCG. IX–Considerando a relação entre o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada não se evidencia uma pena desproporcionadas aos danos a ressarcir, não correspondendo a uma cláusula proibida nos termos do art. 19-c) do RCCG a constante do nº 2 da cláusula 10ª das Condições Gerais». No entanto, neste caso, defendeu-se, na esteira do acórdão do STJ de 14-11-2013 (122/09.2TJLSB.L1.S1), que as cláusulas de fidelização, tal a cláusula penal, não têm apenas uma função indemnizatória de ressarcir os prejuízos que, pelo incumprimento, uma das partes tenha causado à outra. Ela funciona também como um meio de pressão do credor ao cumprimento, desde que o montante da pena seja fixado numa verba elevada relativamente ao dano efetivo, com vista a constranger, embora de forma indireta, o devedor a cumprir as suas obrigações, na medida em que a respetiva satisfação é mais onerosa que a realização da prestação originária a que se encontra obrigado. Por outro lado, para aferir da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com o disposto no Art. 19 al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, seguindo o acórdão do STJ de 12-07-2007 (Revista 1701/07, Relator João Camilo), haveria que estabelecer a uma relação entre o montante dos danos a reparar e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores: aferição que num quadro negocial padronizado se deve pautar por critérios objetivos, guiados por cálculo de probabilidade e valores médios usuais. Como a indemnização prevista nesse processo era calculada através da seguinte fórmula: «[n.º de meses de duração inicial do contrato – n.º de meses em que os Produtos e os Serviços estiveram ativos] x [valor da mensalidade relativa aos serviços em causa], o «período inicial e a indemnização devida pelo seu incumprimento têm por base condições de comercialização e investimento em equipamentos terminais ou condições especiais de preços e descontos acordados e concedidos ao Cliente para serviços prestados», concluiu-se que estava respeitada a proporcionalidade. Portanto, tratava-se dum caso em que o período de fidelização prendia-se diretamente com os custos do investimento realizado pela R. e a sua expectativa de amortização ao longo do dito período e na oferta de vantagens comerciais ao cliente e, nessa medida, não havia desproporcionalidade entre os danos a ressarcir e o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada.
Na mesma esteira, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2013 (Proc. n.º 122/09.2TJLSB.L1.S1 – Relator: João Trindade, sempre igualmente disponível em www.dgsi.pt) decidiu-se que: «V- Alegando a predisponente (ré) que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não apenas o período de fidelização inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de renovação automática subsequente».
Já no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de dezembro de 2018 (Proc. n.º 109927/15.8YIPRT.E1 – Relator: Mário Coelho, este disponível para consulta no sítio “jurisprudência.pt/acordao/186415”), defendeu-se que: «A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações eletrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efetuar a contrapartida desse preço, excede, objetivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato». Considerou-se aí que, não só seria aplicável ao caso o Art. 48.º n.º 5 da LCE e o Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, como o facto de, nos termos do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6, ser proibido ao operador de serviços de telecomunicações eletrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço correspondente aos equipamentos fornecidos, deduzido o valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo (Art. 2.º n.º 2).
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2010 (Proc. n.º4529/07.1TVLSB.L1-8 – Relator: Carlos Marinho) é dito: «I- A fixação por acordo do montante da indemnização exigível, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 810.º do Código Civil tem a finalidade primária de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e a secundária de garantir ao credor uma indemnização pelos danos, liquidada antecipadamente. Responde, também, a um interesse público na prevenção da litigiosidade, ou seja, uma função que extravasa os estritos contornos egoístas do contrato. Tal cláusula tem, ainda, a importância complementar de permitir ao credor saber o montante da indemnização que lhe caberá e, ao devedor, prever com rigor os custos associados ao incumprimento deixando ambos, em caso de litígio, menos sujeitos à incerteza associada à lide, particularmente nos domínios instrutório e de subsunção fáctica. Gera, ainda, ao fazê-lo, uniformização e justiça relativa, já que permite tratar todos os devedores da mesma forma, no quadro de contratos idênticos; II. Preenchem-se, as previsões dos art.s 12.º e 19.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro quando, tendo-se colhido, apenas, em sede de instrução, que uma empresa de telecomunicações procedeu à atribuição de dois equipamentos telefónicos, se verifique pretender a mesma cobrar €19.068,17 a título de cláusula penal por existir, de forma flagrante, vantagem exagerada e desproporção, sendo que, quanto à compensação dos danos emergentes da falta de pagamento das faturas e dos custos associados ao recurso aos tribunais, estes não relevam quando não correspondentes a uma dimensão claramente superior à coberta pelos encargos e custas de parte e aqueles não assumem relevo se ressarcíveis a títulos de juros moratórios. Assim, sendo os prejuízos gerados pela resolução do contrato não superiores aos valores correspondentes aos custos de gestão administrativa do contrato e cobrança, é exagerada e desproporcionada a intenção de obtenção daquela quantia. III. Em sede de cláusulas contratuais gerais, a primeira norma comina com a nulidade a violação da proibição do art. 19.º. Não, há lugar, pois, à redução com recurso à equidade nos termos do disposto no art. 812.º do Código Civil».
Dito isto, tem sido com geometria variável que se tem ponderado a validade ou invalidade da cláusula penal que, conjugada com a fixação de um período de fidelização, estabelece a possibilidade do prestador de serviços de telecomunicações, resolvendo o contrato por incumprimento do cliente, poder pedir uma indemnização, constante de cláusula contratual penal, no valor das rendas vincendas até ao final do termo do contrato.
Importa, ainda equacionar, o que a propósito veio a ser estabelecido no Art. 48.º da Lei n.º 5/2004 de 18/2, que ainda estava em vigor à data da celebração dos contratos dos autos (21/9/2921), à data da resolução dos mesmos (8/2/2022) e à data da propositura da ação (22/4/2022), sendo certo que esse diploma veio a ser entretanto revogado pela Lei n.º 16/2022 de 16/8.
Com interesse para o caso, relevam-se as seguintes disposições desse mencionado Art. 48.º:
«1. Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é objeto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:
«a) (…)
«g) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;
«h) Os sistemas de indemnização ou de reembolso dos assinantes, aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade de serviço previstos no contrato; (…)
«2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:
«a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais; (…)
«c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.
«3 - Quando o contrato a que se refere o n.º 1 for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço, ou seu representante, deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos n.os 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor.
«4 - É interdito às empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas opor-se à denúncia dos contratos por iniciativa dos assinantes, com fundamento na existência de um período de fidelização, ou exigirem quaisquer encargos por incumprimento de um período de fidelização, se não possuírem prova da manifestação de vontade do consumidor referida no número anterior.
«5 - A duração total do período de fidelização nos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados com consumidores não pode ser superior a 24 meses, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (…)
10 - Sem prejuízo da existência de períodos de fidelização, iniciais ou posteriores, nos termos da presente lei, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante, cabendo a fiscalização das mesmas à ARN.
«11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.
«12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação.
«13 - Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos da legislação aplicável e, nas demais situações, não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada.
«14 - Findo o período de fidelização e na ausência de acordo relativamente ao estabelecimento de um novo período de fidelização nos termos do número seguinte, o valor a fixar como contrapartida pela prestação dos serviços não pode ser superior aos preços normais que pelo mesmo são devidos àquela data, abrangendo, apenas, os encargos relativos ao acesso, utilização e manutenção.
«15 - No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode ser estabelecido novo período de fidelização, exceto se, por vontade do assinante validamente expressa nos termos do n.º 3, for contratada a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas e que, em caso algum, podem abranger vantagens cujos custos já foram recuperados em período de fidelização anterior. (…)»
Diga-se, desde já, que, ao contrário do sustentado pela Recorrente, estes dispositivos legais não estão todos dependentes do facto de o cliente ser um “consumidor”. Isso decorre do Art. 48.º n.º 1, quando aí se diz “sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor”, e do facto de quando a lei pretende referir-se às situações de tutela específica do consumidor, fazer menção exata a esse pressuposto, como acontece nos n.ºs 3 e 5 do Art. 48.º da Lei nº 5/2004 de 18/2. Portanto, esta norma confere uma tutela genérica igual para todos os utentes ou beneficiários de serviços de telecomunicações eletrónicas, sendo que, pontualmente, estabelece restrições específicas em função na natureza de consumidor daquele.
Assim, se no n.º 5 do Art. 48.º se estabelece que, nos contratos celebrados com consumidores o período de fidelização não pode ser superior a 24 meses, para os restantes beneficiários, ou utentes, “não consumidores” não se aplica esse limite temporal de forma imperativa. Em todo o caso, por maioria de razão, se é possível fixar um período de fidelização para consumidores pelo período máximo de 24 meses, então, para “não consumidores”, a fixação desse período de fidelização é perfeitamente válida e conforme à lei. Aliás, corresponde precisamente ao limite máximo que veio a ser fixado pelo Art. 4.º do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6.
Temos, no entanto, que reconhecer que a Lei n.º 5/2004 deixa algo a desejar sobre o seu âmbito efetivo da sua aplicação.
Veja-se que a sentença recorrida indeferiu a pretensão da A. relativa à cláusula penal indemnizatória, decorrente da conjugação do ponto 14 das condições gerais, com o ponto 3.2. das condições específicas dos contratos, com argumentos retirados dos princípios que poderiam estar subjacentes ao disposto os n.ºs 11, 12 e 13 do Art. 48.º da Lei n.º 5/2004 de 18/2. No entanto, a exigência de proporcionalidade entre as vantagens conferidas pelos contratos e os encargos relativos à sua cessação, foram estabelecidos, de acordo com a letra da lei, apenas para os casos em que o contrato é resolvido ou denunciado, “ad nutum”, por iniciativa do cliente ou assinante, antes do fim do período de fidelização. Ora, nenhuma dessas normas se reporta explicitamente à resolução do contrato por iniciativa do prestador dos serviços de telecomunicação fundada no incumprimento definitivo do contrato por culpa exclusiva do cliente assinante.
Esta constatação pode perfeitamente legitimar a interpretação de que, por omissão patente de regulamentação específica, no caso de incumprimento culposo por parte do cliente dos serviços de telecomunicações, a regra geral seria sempre a do devedor responder por todos os danos causados ao prestador dos serviços (cfr. Art. 798.º do C.C.), o que poderia incluir lucros cessantes relativos à faturação de mensalidades futuras (cfr. Art. 564.º n.º 1 e n.º 2 do C.C.), encontrando-se no âmbito da liberdade contratual (Art. 405.º do C.C.) o estabelecimento de cláusulas penais indemnizatórias (cfr. Art. 810.º do C.C.) com o propósito de fixar antecipadamente o valor da reparação de futuros danos, sem prejuízo da possibilidade de redução do valor fixado, quando ele for manifesta excessivo e isso for pedido pelo devedor (cfr. Art. 812.º n.º 1 do C.C.), ou da consideração de que a cláusula possa ser nula por fixar valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar (Art. 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Ou seja, sempre se pode sustentar que do Art. 48.º da Lei n.º 5/2004 não resulta qualquer limitação legal nova aplicável ao caso de resolução do contrato por incumprimento culposo do cliente, assinante ou beneficiário de serviços de telecomunicações.
O contrário resulta agora da Lei n.º 16/2022 de 16/8, atualmente vigente e que revogou a Lei n.º 5/2004 de 18/2, pois no seu Art. 128.º n.º 9 estabelece-se que a resolução por falta de pagamento das prestações acordadas que importe a resolução do contrato por iniciativa do prestador dos serviços de telecomunicações, não prejudica a cobrança de encargos com a resolução do contrato durante o período de fidelização, ressalvando-se explicitamente os limites estabelecidos no n.º 4 do Art. 136.º.
Ora, o Art. 136.º dessa Lei n.º 16/2022,  efetivamente também só regula a denúncia do contrato por iniciativa do consumidor, mas por força do n.º 9 do Art. 128.º também se aplica igualmente à resolução dos contratos por iniciativa do prestador de serviços por incumprimento do cliente.
Assim, em função do disposto no n.º 4 do Art. 136.º estabelece-se agora que:
«4 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização por iniciativa do consumidor não podem exceder o menor dos seguintes valores:
«a) A vantagem conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional ao remanescente do período de fidelização;
«b) Uma percentagem das mensalidades vincendas:
«i) Tratando-se de um período de fidelização inicial, 50 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o primeiro ano de vigência do período contratual e 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o segundo ano de vigência do período contratual;
«ii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente sem alteração do lacete local instalado, 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas;
«iii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente com alteração do lacete local instalado, aplicam-se os limites estabelecidos na alínea i).
«5 - No caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos do disposto no artigo 139.º».
Esclareça-se ainda que o Art. 139.º, mencionado no referido n.º 5 último, regula a matéria do desbloqueamento de equipamentos terminais, nos seguintes termos:
«1 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo 138.º, findo o período de fidelização contratual.
«2 - Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a:
«a) 100/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
«b) 80/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
«c) 50/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis.
«3 - Se o utilizador final optar por reter o equipamento terminal associado no momento da celebração do contrato, qualquer compensação devida não pode exceder o limite do seu valor “pro rata temporis” previsto no número anterior, acordado no momento da celebração do contrato ou a parte remanescente da tarifa de serviço até ao termo do contrato, consoante o montante que for menor.
«4 - (…)»
Como é evidente, nenhuma destas normas se aplica ao caso dos autos, por não estarem em vigor à data da celebração dos contratos ou da sua resolução por iniciativa da prestadora dos serviços de telecomunicações (cfr. Art. 12.º n.º 1 do C.C.). Mas, delas resulta claramente que existiu um esforço legislativo no sentido de concretização de limites legais que traduzem uma valoração explicita sobre quais os critérios objetivos que devem presidir à determinação da proporcionalidade entre a cláusula penal por violação do período de fidelização, tendo sempre por referência a data do incumprimento que determinou a resolução do contrato e os benefícios concretamente concedidos ao utente dos serviços de telecomunicações. Por outras palavras, o legislador teve em linha de conta preocupações já antes vertidas na jurisprudência existente sobre os limites que poderiam decorrer da aplicação do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Há que ponderar ainda o disposto no Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6, que estava em vigor à data da celebração dos contratos dos autos e da sua resolução pela A..
Aí se determinava ser proibido ao operador de serviços de telecomunicações eletrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço correspondente aos equipamentos fornecidos, deduzido o valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo (Art. 2.º n.º 2).
Efetivamente, o Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer os limites legais à cobrança de quantias pela prestação de serviços de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de telecomunicações eletrónicas e, muito em particular, «pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes das comunicações eletrónicas e promovendo uma maior concorrência» (cfr. Art. 1.º).
O Art. 2.º desse diploma estabelecia o seguinte:
«1 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo anterior, findo o período de fidelização contratual.
«2 - Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a:
«a) 100 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
«b) 80 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
«c) 50 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis.
«3 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização (…).
Como se não bastasse o Art. 8.º do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer o caráter injuntivo dessas disposições legais, explicitando que: «É nula qualquer convenção ou disposição que contrarie ou exclua o disposto no presente decreto-lei».
Diga-se, a propósito desta lei que tem sido entendimento largamente maioritário que estas normas só se aplicam aos contratos de prestações de serviços de telecomunicações que impliquem a entrega de equipamento pelo prestador de serviços.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/04/2015 (Proc. n.º 95926/13.0YIPRT.P1 – Relator: Vieira e Cunha) é dito: «I– Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para direta recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso. II– É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos. III– A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência temporalmente assegurada».
Para os casos em que não há entrega de equipamento, esclareceu-se, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/05/2014 (Proc. n.º 203179/12.2YIPRT.P1 – Relator: Rodrigues Pires) que: «I - O regime do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6 aplica-se apenas aos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas em que tenha ocorrido aquisição de equipamentos a preços reduzidos. II - Neste caso, tendo sido resolvido o contrato durante o período de fidelização não pode ser exigida qualquer outra quantia pela resolução para além das que resultam da aplicação das percentagens referidas no art. 2º, nº 2 do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, as quais se reportam ao valor do equipamento à data da sua aquisição, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como do eventual crédito do consumidor face ao operador (cfr. art. 2º, nº 3). III - Todas as demais situações em que a contrapartida pelo período de fidelização não esteja relacionada com a aquisição de equipamentos a preços reduzidos, como seja, por exemplo, o caso da oferta de condições promocionais, ficam fora do âmbito do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, sendo-lhes aplicável o regime da Lei de Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/2, na redação da Lei nº 51/2011, de 13/9)
- não são assim abrangidas pela proibição resultante do art. 2º, nº 3 do Dec. Lei nº 56/2010
».
No mesmo sentido, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/5/2015 (Proc. n.º 34839/12.3YIPRT.P1 – Relator: Leonel Serôdio) é dito que: «I - O legislador na Lei 51/2011, de 13.09, que introduziu alterações à Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE – LEI n.º 5/2004) atenuou o regime extremamente protetor para o utente consagrado no DL n.º 56/2010, de 01/06 e voltou a admitir nos contratos relativos a comunicações eletrónicas em que não tenha havido entrega de equipamentos com preços reduzidos, a estipulação de cláusula penal a fixar indemnização pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do utente, desde que não sejam desproporcionada ou excessivamente onerosa. II- A cláusula contratual geral inserida num contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas válido por 2 anos que estabeleça que em caso de denúncia antecipada pelo cliente, a operadora terá direito a uma indemnização no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, impõe consequências patrimoniais injustificadas e gravosas ao aderente e consequentemente é uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir».
Diferentemente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2014 (Proc. n.º 28496/12.0YIPRT.P1 – Relator: Pedro Lima Costa) é dito que: «1- No caso de rescisão do contrato de acesso a redes públicas de comunicações eletrónicas por parte do utente, ocorrida durante o período de fidelização, o Decreto-Lei 56/2010, de 1/6, proíbe que o operador de serviços de comunicações eletrónicas cobre ao utente indemnização com valor superior ao preço corrente de equipamentos que tal operador tenha fornecido ao utente, preço corrente esse que poderá ser minorado pelo decurso do tempo, em conformidade com indexantes previstos nas três alíneas do nº 2 do art. 2 daquele diploma legal. 2- Se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou se foi praticada venda de equipamentos ao preço corrente de mercado, o utente não terá de indemnizar o operador pela rescisão ocorrida durante o período de fidelização. 3- A disciplina do Decreto-Lei 56/2010 não foi alterada ou derrogada pela entrada em vigor da Lei 51/2011, de 13/9. 4- O Decreto-Lei 56/2010 vigora para todos os assinantes de contratos de comunicações eletrónicas, na aceção de “assinante” do art. 3 da Lei 5/2004, de 10/2, ou seja “a pessoa singular ou coletiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”».
No caso dos contratos dos autos, como logo evidenciámos no início, não é claro que tenha havido uma entrega definitiva de equipamentos pela operadora cujo pagamento fosse refletido nas mensalidades vincendas durante o período de fidelização.
No documento de fls. 35 verso constam identificados 3 equipamentos, mas parece que a “ação” da A. consistiu apenas na sua “instalação”, havendo uma obrigação de restituição após desativação (cfr. “declaração” de fls. 36). Já no documento de fls. 52 constam 4 equipamentos, sendo que a “ação” foi a sua “instalação”, verificando-se que também aí consta a obrigação de restituição após desativação (cfr. declaração de fls. 53).
A isto acresce que, na fatura de fls. 36 verso não é indicado qualquer preço dos equipamentos (valor “€0,00”), tal como não é indicado qualquer valor para a intervenção técnica (valor “€0,00”).
Embora nas faturas das mensalidades apareçam “descontos” (v.g.: €59,50 na de fls. 18 verso; €13,65 + €20,00 + €13,65 + €12,20 na de fls. 19; €80,50 nas de fls. 22 e 31 verso; €21,00 + €13,65 + €20,00 + €13,65 + €12,20 nas de fls. 23, 32; €53,63 na de fls. 33; €21,00 + €7,485 + €10,968 + €7,485 + €6,69 na de fls. 33 verso), não se consegue imputar os mesmos a equipamentos ou à intervenção técnica.
De referir ainda que na fatura de fls. 37 é indicado que o valor da instalação “NetPro” é de “€49,20”, mas foi aplicado um desconto de €49,20”. Ou seja, o assinante não pagou nada pela instalação da “NetPro”.
Veja-se ainda que as faturas que refletem a exigência pela A. da “cláusula penal” são no valor de €4.523,35 (cfr. artigo 8.º da p.i., por referência ao doc. 6 de fls. 33); €734,79 (cfr. artigo 15.º da p.i., por referência ao doc. n.º 13 de fls. 42 verso a fls. 43); e €739,80 (cfr. artigo 22.º da p.i., por referência ao doc. n.º 20 de fls. 58 verso a 59). Sendo que os contratos foram celebrados em setembro de 2021, os serviços foram logo suspensos em janeiro/fevereiro de 2022 e os contratos resolvidos em fevereiro/março de 2022.
Tudo indica assim que os equipamentos fornecidos pela A. eram para ser restituídos e as “intervenções técnicas”, que consistiram apenas na instalação dos equipamentos, foram oferecidas pela prestadora dos serviços, havendo apenas a indicação que uma delas teve o custo de €49,20.
Os “descontos” que se mencionam nas faturas aparentam ser meros “descontos comerciais” e não compensações pela entrega de equipamentos ou por qualquer benefício cujo valor económico tenha sido explicitamente convencionado.
Por estas razões julgamos que estamos fora do âmbito de aplicação do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6.
Para aferir da desproporcionalidade da cláusula penal haverá ainda assim que ter em conta que os contratos estiveram vigentes menos de 6 meses, sendo que o único benefício obtido pelo assinante, para além dos serviços que lhe foram prestados e não pagou (relativamente aos quais foi condenado pela sentença aqui recorrida), foi a “instalação técnica”, para a qual só se indica um valor de custo de €49,20.
Por tudo isto, considera a A. ser credora da indemnização contratual penal no valor total de €5.997,94 (€4.523,35 do artigo 8.º da p.i., por referência ao doc. 6 de fls. 33) + €734,79 do artigo 15.º da p.i., por referência ao doc. n.º 13 de fls. 42 verso a fls. 43) + €739,80 do artigo 22.º da p.i. , por referência ao doc. n.º 20 de fls. 58 verso a 59). É uma reparação indemnizatória que correspondente a cerca de 122 vezes os benefícios efetivamente concedidos ao assinante do serviço de telecomunicações!
Por outro lado, não há como escapar à consideração de que a indemnização calculada por referência às prestações vincendas até ao final do período de fidelização, será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo se verificar o incumprimento e resolução do contrato, podendo haver uma situação de enriquecimento manifesto e sem causa justificativa, quando se ponderar que o prestador de serviço de telecomunicações irá receber o valor das mensalidades em bruto, sem ficar onerado com o custo da prestação dos serviços. Portanto, este critério de cálculo da indemnização, mesmo que ponderando a vertente coercitiva e penalizante, pode exceder, e em muito, a razão de ser duma indemnização pelo dado de “lucros cessantes”. Daí a utilidade de ponderarmos os critérios legais que entretanto vieram a ser consagrados na Lei n.º 16/2022 de 16/8.
Deve, portanto, fazer-se uma interpretação atualizada do disposto no Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, e de coerência interna de todo o sistema, de forma a conjugar essa disposição com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art. 128.º n.º 9 para o Art. 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder, ou o valor das vantagens conferidas, ou  uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas, quando a cessação do contrato ocorrer no primeiro ano de vigência do contrato.
Já o dissemos, não podemos aplicar diretamente os limites que resultam da Lei n.º 16/2022 de 16/8, até porque esta claramente se aplica ao caso dos assinantes com a qualidade de “consumidores”. Mas eles podem ser utilizados como critério base genéricos para aferir, atualisticamente, o que possa ser entendido como uma “cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir”, para efeitos do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/12, que não se aplica apenas aos “consumidores”, mas aos contratos em que se faça uso de cláusulas contratuais gerais, resultantes de “relações entre empresários ou entidades equiparadas”, como é o caso.
Dito isto, na pior das hipóteses, em caso de resolução de um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, por incumprimento culposo da obrigação de pagamento das mensalidades acordadas suportar pelo assinante, ocorrida no primeiro ano de vigência do contrato e em que exista uma cláusula de fidelização por 2 anos, sem que esteja estabelecido o fornecimento de qualquer equipamento ou qualquer vantagem económica relevante identificável e quantificável, deveria ter-se por objetivamente desproporcional uma cláusula penal que pudesse legitimar a exigência do pagamento de prestações vincendas em valor que excedesse a percentagem de 50% dessas prestações.
A exigência integral da totalidade das prestações vincendas até ao termo previsto de 2 anos de fidelização, em contratos que findaram passados escassos meses do início da sua vigência, traduz uma exigência draconiana a que não corresponde a qualquer dano efetivo quantificável que possa justificar semelhante penalização.
Em suma, haviam fundadas razões para se entender que a cláusula penal em menção, constante de todos os contratos dos autos, era efetivamente nula, por violação do Art. 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, o que era de conhecimento oficioso, e deveria determinar a absolvição da R. nessa parte do pedido.
Em conformidade, deverá a sentença recorrida ser integralmente confirmada, improcedendo todas as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.
*
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, por não provada, julgando manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pela apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 18 de abril de 2023
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva