Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1299/23.0PEAMD.L1-3
Relator: JOAQUIM JORGE DA CRUZ
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pela alínea b), do n.º 1, do artigo 291º, n.º 1, do Código Penal, integra um tipo legal de crime de execução vinculada;
II. A violação grosseira das regras de trânsito é uma exigência objetiva da gravidade das regras violadas, correspondendo às definidas pelo Código da Estrada como contraordenações graves e muito graves;
III. A identificação de um perigo concreto pelo agente terá de obedecer aos critérios da teoria normativa, segundo a qual existe perigo sempre que o aplicador do direito esteja em condições de identificar um “quase acidente” a partir da análise da totalidade das circunstâncias em que ocorreu a conduta do agente;
IV. A ocorrência de causas salvadoras que se baseiam numa extraordinária destreza do ameaçado ou numa feliz e não dominável concatenação de outras circunstâncias, não excluem a responsabilidade pelo delito de perigo concreto;
V. O preenchimento do tipo subjetivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviária p. e p. pela alínea b), do n.º 1, do artigo 291º, n.º 1, do Código Penal, basta-se com a afirmação da existência de dolo eventual, quer no que concerne à violação grosseira das regras de circulação rodoviária, quer no que se refere à criação de perigo concreto para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado;
VI. O condutor que, de forma propositada, por seis vezes, reduz a velocidade de forma brusca, reduzindo a distância de segurança do condutor que seguia na sua traseira, obrigando-o a diminuir a velocidade para evitar o embate; que, de forma propositada, efetua, ao longo de alguns metros, várias manobras de mudança de direção, tanto para a faixa de rodagem central, como para a faixa de rodagem mais à esquerda, colocando a sua viatura na dianteira da viatura conduzida por outra pessoa, efetuando travagens, obrigando essa viatura a desviar-se ou a reduzir a velocidade para evitar o embate; que, forma brusca e sem proceder a qualquer sinalização prévia, efetua uma manobra de ultrapassagem da viatura conduzida por outrem, colocando a sua viatura, na faixa mais à esquerda, imediatamente à frente da viatura conduzida por essa pessoa, após o que, executa várias travagens bruscas, obrigando a viatura que seguia na sua traseira, a reduzir a velocidade para evitar o embate incorre na prática da contraordenação grave, p. e p. pela alínea f), do n.º 1, do artigo 145º, do Código da Estrada, violando, dessa forma, grosseiramente as regras de trânsito relativas cedência de passagem, ultrapassagem e mudança de direção, e cria um perigo concreto para a integridade física do condutor que efetuou as manobras para evitar o embate;
VII. Querendo efetuar tais manobras e representando que, devido às mesmas, poderia causar um embate noutra viatura, colocando em perigo a integridade física das pessoas que seguiam no interior da mesma, com o que conforma, incorre na prática do crime de condução perigosa, p. e p. pela alínea b), do n.º 1, do artigo 291º, do Código Penal;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório:
1. AA, arguido melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida no processo n.º 1299/23.0PEAMD, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 3, que o condenou pela prática de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º1, al. b) e artigo 69.º, n.º1, al. a), do CP, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir por 4 (quatro) meses, dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
a. A sentença ora recorrida padece de vícios graves que justificam a sua revogação e a consequente absolvição do recorrente.
b. Os vícios identificados são particularmente evidentes quando se considera que os únicas testemunhas de acusação são os agentes da PSP fora de serviço, interveniente na ocorrência, circunstância que remove a presunção de imparcialidade decorrente do exercício de funções oficiais e transforma os mesmos em partes interessadas numa situação de trânsito comum e compromete a sua credibilidade como testemunhas desinteressadas.
c. As testemunhas têm um interesse pessoal na causa.
d. O facto mais determinante é que as testemunhas, nem no momento dos factos, nem mesmo posteriormente em tribunal, alguma vez classificaram a condução do aqui recorrente como perigosa.
e. O que cria uma contradição insanável com a acusação por condução perigosa.
f. A condenação assenta numa base probatória manifestamente insuficiente.
g. Estamos perante uma ausência total de testemunhas independentes e sem qualquer interesse na causa.
h. Nenhum outro condutor foi identificado ou ouvido.
i. O próprio tribunal admite dúvidas claras e completamente razoáveis sobre o que realmente aconteceu.
j. Os factos considerados não provados são a manifestação clara da conduta do A.
k. Tudo isto conjugado, merecia por si só uma decisão final que conduzisse à absolvição do aqui recorrente. Pois na verdade,
l. Não foi feita qualquer prova sobre o perigo concreto exigido pelo tipo legal.
m. A sentença recorrida viola princípios fundamentais do processo penal, designadamente, o princípio da presunção de inocência e o princípio "in dubio pro reo".
n. Esqueceu também o Tribunal a quo que o ónus da prova recai sobre a acusação e não sobre o A.
o. O tribunal a quo aplicou critérios diferentes na valoração dos testemunhos de acusação e defesa.
p. Este erro na apreciação da prova, afastando determinados elementos, desvalorizando outros e omitindo completamente outros, permitiu serem considerados provados factos que desde logo deviam ter sido considerados não provados, baseado num raciocínio tão simplista quanto este:“ (…) as explicações dadas pelo arguido não foram minimamente convincentes, porque contrariadas pelas regras da experiência comum, e pelo depoimento dos agentes da PSP, que nenhum interesse têm nos autos (…).”
q. O que, como se demonstrou, não corresponde à verdade!
r. A decisão recorrida violou os artigos 127.º do CPP, o Princípio “in dúbio pro reo” enquanto uma das vertentes que a presunção de inocência ínsita no artigo 32.º, n.º 2 da CRP .
s. A decisão recorrida violou o n.º 2 do art.º 374 do CPP.
t. Nos termos do n.º 1 alínea a) do art.º 379 do CPP a falta de exame critico da prova importa na nulidade da sentença prolatada pelo Tribunal a quo.
Conclui pugnando pela revogação a sentença e a sua substituição por acórdão que o absolva.
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2. Admitido o recurso, o Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta, que finalizou com as seguintes conclusões [transcrição]:
I. Alega o arguido, aqui recorrente que a sentença recorrida incorre na violação do princípio da apreciação da prova porquanto perante duas versões contraditórias sobre a mesma realidade não deveria ter sido condenado pela prática do crime de condução perigosa, incorrendo, ainda, na violação do princípio “in dúbio pro reo”;
II. O erro na apreciação da prova é aquele que se mostra ostensivo, de tal modo chocante que não passa desapercebido ao comum dos observadores, ou seja, aquele erro de que o cidadão médio dele facilmente se dá conta. Existe esse erro notório quando se dá como provado um facto que claramente não pode ter existido e que é perceptível a qualquer cidadão;
III. Da leitura de toda a matéria de facto provada e da sua fundamentação, não conseguimos vislumbrar a existência de qualquer erro, tendo os factos considerados provados pelo Tribunal a quo resultado de uma correcta apreciação e valoração crítica do conjunto da prova, designadamente a produzida em audiência, concatenada com a prova documental constante dos autos;
IV. Não existe qualquer contradição entre os factos dados como assentes e estes mostram-se devidamente fundamentados, não se vislumbrando qualquer vício na formação da convicção do julgador;
V. Contudo, considera o recorrente que “Os agentes não se encontravam no exercício de funções policiais, pelo que a sua intervenção não decorreu de qualquer dever funcional de fiscalização ou prevenção. (…)
Estando fora de serviço, os agentes tornaram-se parte interessada numa situação de trânsito comum, perdendo a alegada imparcialidade que poderia decorrer do exercício de funções oficiais.
VI. Ora, quanto a este aspecto, importa salientar que, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º3 do Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (DL n.º 234/2025, de 19 de Outubro), “ Os polícias, ainda que se encontrem fora do período normal de trabalho e da área de responsabilidade da subunidade ou serviço onde exerçam funções, devem, até à intervenção da autoridade de polícia criminal competente, tomar as providências necessárias e urgentes, dentro da sua esfera de competência, para evitar a prática ou para descobrir e deter os autores de qualquer crime de cuja preparação ou execução tenham conhecimento”;
VII. Assim, não colhe a argumentação expendida pelo arguido, aqui recorrente, na medida em que sobre um Agente da PSP recai o dever de agir, mesmo que não esteja ao serviço, perante um crime de que tome conhecimento, sem que isso lhe retire a sua imparcialidade sobre os factos que acabou de presenciar;
VIII. Por outo lado, considera o recorrente que o Tribunal a quo deu mais valor/crédito ao depoimento dos agentes da PSP em detrimento das declarações do arguido, incorrendo em clara violação do princípio “in dúbio pro réu”;
IX. No caso em apreço o tribunal a quo, de forma motivada e devidamente justificada, considerou mais credível a versão dos agentes da PSP em detrimento da versão do arguido e da testemunha de defesa, sua esposa, sendo que, o julgador é livre ao apreciar as provas, não obstante essa apreciação esteja “…vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório…”, vide Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211;
X. Recorrendo às regras da experiência comum, a Mma. Juiz de Direito do Tribunal a quo, necessária e forçosamente, teve de desconsiderar e não valorar as declarações prestadas pelo arguido por não se terem revelado credíveis e convincentes.
XI. A este propósito, considerou o Tribunal recorrido que “(…) a versão do arguido, negando as manobras descritas na acusação não se afigurou credível. Desde logo, porque não se descortina porque razão os agentes que o não conhecem haveriam de urdir tal mentira, mantendo-a, ademais, anos depois e de modo essencialmente idêntico.
Note-se que os agentes se encontravam naturalmente cansados, ao fim de um longo turno nocturno e com vontade de ir para casa, pelo que não se compreende que propositadamente procurassem novos incidentes, que se saldariam, necessariamente, num acréscimo de trabalho, com a consequente autuação e investigação.
Assim, as explicações dadas pelo arguido não foram minimamente convincentes, porque contrariadas pelas regras da experiência comum, e pelo depoimento dos agentes da PSP, que nenhum interesse têm nos autos, e que depuseram de forma clara, consentânea com as respectivas razões de ciência e essencialmente coincidente num discurso que se afigurou espontâneo e genuíno.
Acresce que, a mulher do arguido, distraída que se encontrava a fazer a sua maquilhagem nada pode em rigor atestar quanto à condução do marido, porque necessariamente não lhe conseguia prestar atenção”.
XII. Face ao exposto, andou bem o Tribunal recorrido ao dar maior credibilidade ao depoimento dos Agentes da PSP em detrimento das declarações do arguido, inexistindo, contrariamente ao alegado pelo recorrente, qualquer violação do principio in dúbio pro reo, porquanto em lado algum transparece que no processo de formação da convicção, o Tribunal a quo tenha enfrentado uma situação de dúvida sobre a ocorrência dos factos que julgou provados. De facto, não se vislumbra que a Mm.ª Juiz haja ou sequer, devesse ter, alcançado um estado de dúvida sobre a culpabilidade do recorrente;
XIII. Acresce que, questiona o recorrente “Qual o perigo concreto que a suposta condução perigosa do recorrente determinou? Isto é, o perigo concreto, concretizou-se em que resultado?
XIV. Ora, o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é um crime de perigo concreto, cuja consumação, para além da condução de um veículo em violação das condições de segurança ou de regras estradais, depende da efetiva criação de um perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de elevado valor. Para a verificação do aludido perigo não basta a insegurança na condução ou a violação grosseira das regras de circulação rodoviária, tornando-se necessário que da análise das circunstâncias do caso concreto, se deduza a ocorrência de tal perigo.
XV. Conforme bem sublinhado pela Mma Juiz a quo, cuja argumentação subscrevemos na íntegra, “Da matéria dada como provada, resulta que o arguido não abrandou a marcha, nem facilitou a ultrapassagem, tendo ademais procedido a travagens súbitas, as quais seriam adequadas a provocar um embate, não fora a perícia de BB, que o conseguiu evitar.
O arguido ultrapassou o veículo tripulado por BB, pela via central, sem fazer sinal, saindo de forma intempestiva do ..., atravessando as três faixas de rodagem, sem sinalizar a mudança de direcção.
Na sua condução o arguido assumiu um comportamento absolutamente contrário àquele que as normas atrás citadas impunham e a cujo cumprimento estava obrigado.
O arguido sabia, assim, que a sua conduta era apta, na situação específica em que actuou, a criar um perigo para a vida de terceiros, em particular dos tripulantes do veículo ..-SX-.. que seguiam na sua esteira, e que tal não lhe era permitido, antes sendo proibido e punido por lei.
Na verdade, a conduta por si assumida era objectivamente adequada a criar aquele perigo, que efectivamente se produziu, não tendo o embate se realizado senão em virtude da perícia do agente, facto com o qual o arguido não podia justificadamente contar (sublinado nosso).
Na realidade, ao reduzir a velocidade de forma brusca, o arguido reduziu a distância de segurança entre os dois veículos, o que aliado à forma repentina como o fez, poderia efectivamente causar um embate, porque tal condução não seria expectável pelo condutor do veículo que seguia na sua traseira.
Por outro lado, ao não manter a velocidade constante, facilitando a ultrapassagem, ao não sinalizar a mudança direcção, ao ultrapassar o veículo SX pela direita, o arguido assumiu uma condução temerária também ela apta a causar um acidente, por o comportamento por si observado não ser expectável pelos demais condutores, incluindo do SX, já que contrária às regras estradais a que todos estavam obrigados. Ainda assim, o arguido não se absteve de agir da forma descrita, mas não se demonstrou que criar uma situação de perigo fosse o fim último da sua conduta, antes resultando que se conformou com a eventual produção de tal resultado (…)”;
XVI. Face ao exposto, verifica-se ter a sentença recorrida seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas;
XVII. Tendo a Mma. Juiz a quo, na Motivação da Decisão de Facto, feito alusão às declarações do arguido e das testemunhas de acusação e de defesa forma crítica e bem fundamentada, cumprindo, ainda, integralmente o dever de fundamentação que se impõe.
XVIII. Na verdade, escrutinada a prova constante dos autos, concretamente ouvidas as declarações do arguido e das testemunhas produzidos em audiência, e bem assim analisada a prova documental constante dos autos, nenhuma censura nos merece o juízo probatório realizado na sentença recorrida e consignado na motivação da convicção probatória, devendo, por isso, improceder as questões suscitadas pelo arguido/recorrente, mantendo-se na integra a decisão recorrida.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.
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3. Nesta Relação, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer, no qual aderiu aos argumentos constantes da resposta do M.P na 1ª instância e, além disso, acrescentou que o recorrente invoca genericamente que os factos dados como provados foram incorretamente julgados, mas não cumpriu, nem na motivação, nem nas conclusões, o ónus de especificação imposto pelas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal, apresentando, neste segmento, apenas um ataque genérico à forma como o Tribunal a quo valorou a prova produzida, numa crítica global à produção e valoração/apreciação da mesma, não se justifica sequer o convite ao aperfeiçoamento.
Não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal “a quo” se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.
O recorrente limita-se, de uma forma geral e global, a afirmar que o tribunal a quo não valorizou, como devia, a prava produzida, manifestando ter uma diferente convicção da valoração/apreciação da prova, olvidando que não lhe cabe substituir-se ao julgador.
Em conformidade, pugnou pela improcedência do recurso.
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4. Foi oportunamente cumprido o artigo 417º/2 do C.P.P, não tendo sido apresentada resposta.
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5. Efetuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos e o recurso presente à conferência, pelo cumpre decidir.
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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objeto do recurso:
Constitui entendimento consolidado que do disposto no n.º 1, do artigo 412º, do CPP, decorre que o âmbito dos recursos é delimitado através das conclusões formuladas na motivação [vide Germano marques da silva, in «Curso de Processo Penal», vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I.ª Série-A, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt,], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [como sucede, nomeadamente, nos casos previstos nos artigos 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2, e 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP].
Por razões de lógica procedência, haverá que conhecer em primeiro lugar dos vícios que possam determinar a anulação do julgamento, depois, dos que possam implicar a anulação do acórdão recorrido, seguindo-se o conhecimento amplo da matéria de facto, os vícios do artigo 410º, do CPP e, por fim, as diversas questões de direito segundo a ordem de tratamento na decisão recorrida.
No caso dos autos, em face às conclusões do recorrente, são as seguintes as questões a apreciar:
1) Erro de julgamento;
2) Violação do princípio in dúbio pro reo;
3) Erro de subsunção;
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2. A decisão recorrida:
Exara a sentença recorrida, na parte que releva para a apreciação das questões enunciadas, o seguinte [transcrição]:
III
FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS PROVADOS
1. No dia ........2023, pelas 07h10, no ..., sentido ..., junto à zona de ..., o arguido AA, encontrava-se a conduzir a viatura automóvel com a matrícula BD-..-LO.
2. A referida zona e sentido, o ... tem 3 (três) faixas de rodagens, devidamente assinaladas por marcas longitudinais.
3. O arguido circulava na via mais à esquerda do ..., transportando no interior da viatura que conduzia, a sua esposa e duas crianças.
4. Nessa mesma ocasião, o agente da PSP, BB, conduzia a sua viatura pessoal com a matrícula ..-SX-.., também no ... na referida zona e sentido.
5. O agente BB, circulava na via central do ..., transportando no interior da viatura que conduzia, o agente da PSP CC, que seguia no lugar ao lado do condutor.
6. Os agentes da PSP BB e CC estavam devidamente uniformizados, com a farda em uso na PSP, porquanto tinham acabado de sair de um serviço de turno e dirigiam-se para as suas casas.
7. A dado momento, o agente da PSP BB, após se ter assegurado que estavam reunidas todas as condições para o efeito, sinalizou a sua intenção de mudar para a faixa de rodagem mais à esquerda, ligando a luz indicadora esquerda de mudança de direcção, vulgo, “pisca”.
8. Contudo, o arguido AA, que circulava na faixa mais à esquerda, a cerca de 10 (dez) metros de distância da traseira da viatura conduzida pelo agente BB, de forma repentina, acelerou a marcha da viatura que conduzia, por forma a impedir que este último concluísse, em condições de segurança, a manobra de mudança de direcção, obrigando-o a regressar à via central.
9. Após alguns instantes, o arguido abrandou a marcha da sua viatura, pelo que, BB, após se ter assegurado que estavam reunidas todas as condições para o efeito, sinalizou, novamente, a sua intenção de mudar para a faixa de rodagem mais à esquerda, ligando a luz indicadora esquerda de mudança de direcção.
10. Acto contínuo, uma vez mais, o arguido, de forma repentina, acelerou a marcha da viatura que conduzia, por forma a impedir que o agente BB concluísse a manobra de mudança de direcção, obrigando-o a regressar à via central.
11. O arguido AA, persistiu no seu comportamento supra descrito, acelerando e desacelerando a marcha da viatura que conduzia, pelo menos 6 (seis) vezes, de forma consecutiva, impedindo, deste modo, que o agente BB concluísse, em condições de segurança, a manobra de mudança de direção, obrigando-o a regressar à via central.
12. Quando, finalmente, o agente BB, logrou efectuar a manobra de mudança de direcção, para a faixa de rodagem mais à esquerda, a viatura por si conduzida ficou a circular, na dianteira da viatura conduzida pelo arguido, na referida faixa de rodagem do lado esquerdo da via.
13. Nessa ocasião, o arguido aproximou a dianteira da sua viatura, da traseira da viatura conduzida pelo agente BB, desrespeitando a distância de segurança entre veículos, e, de forma brusca, sem qualquer sinalização prévia, efectuou uma manobra de mudança de direcção, passando a circular na faixa central do ....
14. Em seguida, de forma brusca e sem proceder a qualquer sinalização prévia, o arguido efectuou uma manobra de ultrapassagem da viatura conduzida pelo agente BB, colocando a sua viatura, na faixa mais à esquerda, imediatamente à frente da viatura conduzida pelo agente BB.
15. Acto contínuo, o arguido iniciou a execução de várias travagens e acelerações bruscas, representando que deste modo poderia provocar o embate da parte frontal da viatura conduzida pelo agente BB, na traseira da sua viatura, o que só não ocorreu, devido ao facto do agente BB ter, por diversas vezes, reduzido a velocidade da marcha da sua viatura, por forma a evitar o referido embate.
16. Após alguns metros, e uma vez que o arguido persistia na referida conduta, o agente CC efectuou a manobra de mudança de direcção, para a faixa de rodagem central, com o objectivo de afastar a sua viatura, da viatura conduzida pelo arguido.
17. Não obstante, o arguido efectuou, ao longo de alguns metros, várias manobras de mudança de direcção, tanto para a faixa de rodagem central, como para a faixa de rodagem mais à esquerda, colocando a sua viatura na dianteira da viatura conduzida pelo agente CC e efectuando travagens bruscas representando como possível uma colisão entre as viaturas e conformando-se com tal resultado, que só não ocorreu devido à perícia do agente CC, que conseguiu, em todas as ocasiões, evitar um acidente.
18. Após ter percorrido vários metros executando as manobras supra descritas, o arguido retomou a faixa de rodagem mais à esquerda e reduziu a velocidade da marcha da sua viatura até conseguir posicionar a mesma, ao lado da viatura conduzida pelo agente CC.
19. Acto contínuo, o arguido abriu um dos vidros da sua viatura e proferiu as seguintes palavras, dirigindo-as ao agente CC: “Estou a transportar crianças”.
20. Na referida ocasião, o agente CC, abriu igualmente o vidro da sua viatura e disse ao arguido: “Se está a transportar crianças, porque é que está a praticar esse tipo de condução”.
21. Nesse momento, o agente CC exibiu ao arguido a sua carteira profissional de agente da PSP e ordenou ao arguido que encostasse nas próximas bombas de combustível para ser fiscalizado.
22. Ao fazê-lo, o arguido tomou o acesso para a ..., mudando, para o efeito, bruscamente de direcção, atravessando as faixas de rodagem desde a faixa de rodagem mais à esquerda até à faixa de rodagem mais à direita, sem sinalizar, por qualquer forma, a sua manobra, e sem tomar as devidas precauções.
23. Durante todo o trajecto percorrido pelo arguido, encontravam-se no ..., sentido ..., para além da viatura conduzida pelo agente CC, inúmeros automobilistas, que circulavam nas 3 (três) vias de trânsito.
24. O arguido AA devido às manobras de mudança de direcção que efectuou, sem qualquer sinalização prévia, devido às alterações bruscas de velocidade que imprimia à sua viatura e às travagens bruscas que efectuou ao longo de vários metros, ocupando, alternadamente, a faixa de rodagem mais à esquerda e a faixa de rodagem central, e por fim, acelerando e atravessando o ... desde a faixa de rodagem mais à esquerda até à faixa de rodagem mais à direita, para sair no acesso da ..., sem assinalar a mudança de direcção determinou que os demais condutores que ali circulavam, efectuassem travagens bruscas e desvios, a fim de evitarem a colisão com a viatura conduzida pelo arguido.
25. Ao efectuar travagens e acelerações da marcha da sua viatura, de forma brusca, ao não respeitar as regras de circulação rodoviária relativas à ultrapassagem, ao não sinalizar as manobras de mudança de direcção, ao não respeitar a distância de segurança entre viaturas, ao desrespeitar toda a sinalização de trânsito existente nas vias percorridas, o arguido sabia estar a violar grosseiramente as regras de circulação rodoviária relativas, nomeadamente, à ultrapassagem, ao limite de velocidade, à mudança de direcção, à distância de segurança, bem como que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo a vida e a integridade física, não apenas dos agentes da PSP BB e CC, mas também dos demais utentes da via pública, além dos respectivos veículos que aí circulavam, resultando que representou e com o qual se conformou.
26. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais de provou:
1. O arguido não tem antecedentes criminais.
2. Trabalha como …, auferindo 2500€ por mês.
3. A mulher é … e aufere 950€ mensais.
4. Vivem em casa própria, com os dois filhos, menores de idade, adquirida com recurso ao crédito bancário que amortizam com uma prestação mensal de 500€.
5. Gastam com o colégio dos filhos €921,50.
6. Estudou até ao 12.º ano.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
1. A esposa do arguido seguia no lugar ao lado do condutor e as crianças no banco traseiro.
2. O arguido representou e quis causar um embate e pôr em perigo a vida dos agentes da PSP e dos demais utentes da via.
3. Não querendo obedecer à ordem emanada pelos Agentes da PSP e visando impedir a acção de fiscalização daquele Órgão de Polícia Criminal, o arguido fechou o vidro da sua viatura e acelerou a marcha da mesma, imprimindo-lhe grande velocidade e encetou fuga para local incerto.
4. O arguido quis furtar-se à fiscalização rodoviária.
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C. MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção no apuramento dos factos objecto dos presentes autos na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, sopesando-a com a prova documental.
Vejamos então.
Relativamente às circunstâncias de tempo e lugar as mesmas ficaram demonstradas com base no auto de notícia, corroboradas, além do mais, pelo arguido, pela sua mulher e pelas testemunhas da acusação, BB e CC, agentes da PSP.
O arguido não disputou que conduzia no ... no sentido ..., nem o veículo ao volante do qual o fazia, nem, tão pouco que se encontrava acompanhado da mulher e dos filhos, tanto mais que se deslocavam da sua residência até à escola dos menores, a saber os “Pupilos do Exército”.
A sua mulher corroborou-o nesta parte, sendo ambos consentâneos na afirmação de que a filha mais velha seguia no lugar do pendura, ao passo que ela própria seguia na traseira do arguido, com o outro filho sentado na cadeirinha, do seu lado direito.
Nesta parte, o testemunho de BB e CC é também consentâneo.
Já os agentes da PSP estavam-se a regressar à sua residência, sita no ..., depois do turno da noite, no veículo de matrícula ..-SX-.., no mesmo sentido de trânsito do arguido (cfr depoimento destes e auto de notícia de fls. 3 e ss).
Mas aqui chegados, e com excepção da troca de palavras que a dado momento se seguiu, não estão arguido e agentes da PSP mais de acordo.
Assim, sem querermos entrar num esforço descritivo, diremos que o arguido afirmou que seguia normalmente na faixa mais à esquerda, respeitando as regras de velocidade, desde logo pela existência de radares. É então que é surpreendido por um BMW preto (o SX) que se atravessa à sua frente, pelo que teve de travar. A sua mulher, corroborou-o, afirmando, ademais, que seguia atrás do marido, a maquilhar-se enquanto o carro estava em movimento, pelo que foi alertada pela travagem brusca, que este fez e com a qual não contava.
Ainda de acordo com o arguido, depois de o ter ultrapassado, o veículo mais à frente voltou a colocar-se na faixa à sua direita, altura em que o condutor abre o vidro e o interpela dizendo “oh palhaço, estás a gozar connosco, encosta”. É nessa altura que lhe responde que leva crianças consigo, ouvindo-o a dizer para o encostar, o que não fez, por receio e porque a mulher, assustada, lho pediu.
Negou o arguido ter-se apercebido que dentro do veículo XS seguiam agentes de autoridade, que estes se tenham identificado, bem como todas as demais manobras constantes da acusação, limitando-se a sair no local habitual, de acesso ao colégio dos menores.
Já os agentes, de forma consentânea, confirmaram as manobras efectuadas pelo arguido, na descrição delas feita na acusação.
BB esclareceu que no primeiro momento em que tentou mudar de direcção, para a faixa mais à esquerda, não o conseguiu, tendo inicialmente pensado ser por imperícia sua, por estar cansado do turno que acabara de fazer.
Mas a verdade é que por diversas vezes, sempre que tentou mudar de faixa, foi impedido pelo condutor do veículo que seguia na faixa à esquerda (o arguido), que em vez de manter a velocidade constante, acelerava.
Quando finalmente consegue, é ultrapassado pela direita pelo arguido, que se coloca à sua frente e no meio das faixas esquerda e central, obrigando-o, bem como os demais condutores a travar para evitar uma colisão.
Confirmou que a dado momento ficaram lado a lado, tendo o arguido aberto a janela e dito que estava a transportar crianças, ao que retorquiu então porque estava a conduzir assim.
É nesta altura que o colega exibe a carteira profissional e o manda encostar, o que este não fez, antes tendo atravessado as três faixas de rodagem, saindo do ....
O seu depoimento foi confirmado pelo do colega, que afirmou que o arguido se mostrou surpreendido quando lhe exibiu a carteira profissional, mas admitiu que este possa não o ter ouvido a mandar encostar nas bombas de gasolina.
Ora, sobre este ponto em concreto o tribunal ficou com dúvidas quanto ao verdadeiro conhecimento por banda do arguido da qualidade das pessoas que se lhe dirigiam.
Com efeito, conforme os agentes da PSP explicaram, estavam de casaco preto, da farda, mas ainda que o mesmo ostentasse um crachá com identificação, não é líquido que o arguido, que tinha o campo de visão obstruído pelo vulto do pendura conseguisse, no decurso da marcha e numa via com trânsito, de tal se aperceber.
Por outro lado, é CC quem se identifica, exibindo a sua carteira profissional, esticando o seu braço, atravessando-o à frente do colega. Assim, entre o arguido e CC interpõe-se quer o corpo da pessoa que seguia no lugar de pendura (alegadamente a filha do primeiro) e quer o corpo do condutor do veículo XS.
Não se duvida que o arguido tenha ficado surpreendido com a abordagem, não estando à espera de ser confrontado, o que explica que tenha chamado à colação os filhos para evitar o escalar do envolvimento com os tripulantes daquele veículo. E tal explica, igualmente, o receio da sua mulher.
Na verdade, a fuga do arguido, com intenção de se furtar à fiscalização não faz grande sentido, uma vez que estando o veículo do arguido registado em nome da empresa em que trabalha, não teriam os agentes, como aliás, não tiveram, qualquer dificuldade em o identificar (cfr. 6, 7 e 12).
Assim, o estado assustado a que o agente se reportou, bem como o chefe do arguido, a testemunha DD, poderá explicar-se apenas pelo receio atrás referido e já não com o medo de ser fiscalizado.
Mas, aqui chegados, cumpre referir que a versão do arguido, negando as manobras descritas na acusação não se afigurou credível. Desde logo, porque não se descortina porque razão os agentes que o não conhecem haveriam de urdir tal mentira, mantendo-a, ademais, anos depois e de modo essencialmente idêntico.
Note-se que os agentes se encontravam naturalmente cansados, ao fim de um longo turno nocturno e com vontade de ir para casa, pelo que não se compreende que propositadamente procurassem novos incidentes, que se saldariam, necessariamente, num acréscimo de trabalho, com a consequente autuação e investigação.
Assim, as explicações dadas pelo arguido não foram minimamente convincentes, porque contrariadas pelas regras da experiência comum, e pelo depoimento dos agentes da PSP, que nenhum interesse têm nos autos, e que depuseram de forma clara, consentânea com as respectivas razões de ciência e essencialmente coincidente num discurso que se afigurou espontâneo e genuíno.
Acresce que, a mulher do arguido, distraída que se encontrava a fazer a sua maquilhagem nada pode em rigor atestar quanto à condução do marido, porque necessariamente não lhe conseguia prestar atenção.
Os factos relativos ao elemento subjectivo e à culpa são demonstrados com base naqueles que foram dados como provados quanto ao elemento objectivo.
O arguido conhecia necessariamente as regras estradais relativas à velocidade e ultrapassagem, bem como de circulação na via.
O arguido previu necessariamente que ao agir deste modo criava um perigo para a vida dos tripulantes, que se encontrava no âmbito de alcance do veículo que tripulava o que, conjugado com a velocidade a que seguia, era susceptível de pôr em perigo a vida e a integridade física dos tripulantes de outros veículos, nomeadamente daquele onde seguiam os agentes da PSP. No contexto em que os factos ocorreram a criação de perigo era objectivamente previsível.
Todavia, as circunstâncias do caso não nos permitem afirmar que o arguido quisesse efectivamente pô-lo em perigo, antes se conformando com tal possibilidade.
Nada nos autos nos permite concluir que o arguido não tivesse a liberdade ou a capacidade para assumir comportamento diverso, razão pela qual se deu como provado que agiu de forma livre, voluntária e consciente.
Os factos que se deram como provados quanto à situação económica e pessoal do arguido resultaram das suas declarações.
Teve-se ainda em atenção, o CRC junto aos autos.
Quanto ao demais, não foi feita prova bastante.
D. DIREITO
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º1, al. b) e artigo 69.º, n.º1, al. a), do CP, por referência ao artigo 103.º, n.º2, do CE.
Prescreve o art.º 291.º, n.º1, al. b), que quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
O bem jurídico protegido pela incriminação é a segurança da circulação rodoviária (o que desde logo resulta evidente da sua inserção sistemática no capítulo IV, relativo aos crimes contra a segurança das comunicações), punindo-se simultaneamente as condutas que coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado.
Trata-se de um crime de perigo concreto, uma vez que o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em perigo (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 292.
Desta forma, a verificação de um perigo concreto não se cumpre com a circunstância de existirem pessoas ou coisas na “zona de perigo” criada pelo agente. Não basta, assim, que a conduta seja abstracta e objectivamente perigosa e nessa medida idónea a provocar uma lesão. É essencial que a sua potencialidade lesiva se revele nas circunstâncias do caso.
Haverá perigo concreto quando a conduta anterior que o desencadeia, e cuja evolução o agente não controla, se projecta para a esfera pessoal ou patrimonial relevante de outrem, ficando a concretização da lesão, provável de acordo com juízos de causalidade adequada, dependente de mero acaso e de circunstâncias cuja verificação aquele não pode legitimamente confiar nem controlar1.
Por outro lado, o perigo gerado tem que dizer respeito à vida, à integridade física de outrem ou a bens patrimoniais alheios de valor elevado. Na conduta típica prevista na alínea b) a condução perigosa não ocorre pela violação de qualquer regra estradal, mas apenas de uma daquelas que ali estão tipificadas, relevando, para o caso vertente, a que se reporta à passagem de peões.
O crime vem imputado por referência aos artºs 4º, nº 3; 21º, nº 1; 24º, nº 2 e 26º, nº 1 do Código da Estrada (DL nº 114/94, de 03 de Maio).
Vejamos então.
Dispõe o artigo 4.º, n.º3, do CE que quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
Estatui o artigo 21.º, n.º1 que quando o condutor pretender reduzir a velocidade, parar, estacionar, mudar de direcção ou de via de trânsito, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.
Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 1 e 2, estabelece que:
1- O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
2 - Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.
Por fim, de acordo com o artigo 26.º, n.º1, que os condutores não devem transitar em marcha cuja lentidão cause embaraço injustificado aos restantes utentes da via.
Embora não citadas no libelo acusatório, são igualmente normas a atender no caso vertente as seguintes do Código da Estrada:
18.º, n.º1: O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
36.º, n.º1: - A ultrapassagem deve efectuar-se pela esquerda.
39.º, n.º1: Todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita ou, nos casos previstos no n.º 1 do artigo 37.º, para a esquerda e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado.
Do ponto de vista subjectivo o crime de condução perigosa p. e p. pelo artigo 291.º, n.º1, do CP é um crime doloso, distinguindo-se da tipificação normativa que pune a criação negligente de perigo prevista no n.º2.
O dolo tem de abranger todos os elementos do tipo objectivo, incluindo a criação de perigo para os bens atrás referidos, bastando a existência de dolo eventual, ou seja “que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado e que se tenha conformado com essa actuação”.-Paula Ribeiro de Faria2.
Daqui resulta que a violação grosseira de regras estradais não se confunde, conceptualmente, com a negligência grosseira, prevista no artigo 15.º, n.º2, do CP, que consiste na preterição dos deveres de cuidado a que o agente está obrigado.
Assim, o que está aqui em causa, e conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque, é o “comportamento de desrespeito por um conjunto de regras de trânsito especificadas no tipo”3.
Dito de outro modo, violação grosseira deve ser entendida como “uma séria infracção de uma norma tipicamente relevante para a condução”- Miguês Garcia e Castela Rio4.
Da matéria dada como provada, resulta que o arguido não abrandou a marcha, nem facilitou a ultrapassagem, tendo ademais procedido a travagens súbitas, as quais seriam adequadas a provocar um embate, não fora a perícia de BB, que o conseguiu evitar.
O arguido ultrapassou o veículo tripulado por BB, pela via central, sem fazer sinal, saindo de forma intempestiva do ..., atravessando as três faixas de rodagem, sem sinalizar a mudança de direcção.
Na sua condução o arguido assumiu um comportamento absolutamente contrário àquele que as normas atrás citadas impunham e a cujo cumprimento estava obrigado.
O arguido sabia, assim, que a sua conduta era apta, na situação específica em que actuou, a criar um perigo para a vida de terceiros, em particular dos tripulantes do veículo ..-SX-.. que seguiam na sua esteira, e que tal não lhe era permitido, antes sendo proibido e punido por lei. Na verdade, a conduta por si assumida era objectivamente adequada a criar aquele perigo, que efectivamente se produziu, não tendo o embate se realizado senão em virtude da perícia do agente, facto com o qual o arguido não podia justificadamente contar.
Na realidade, ao reduzir a velocidade de forma brusca, o arguido reduziu a distância de segurança entre os dois veículos, o que aliado à forma repentina como o fez, poderia efectivamente causar um embate, porque tal condução não seria expectável pelo condutor do veículo que seguia na sua traseira.
Por outro lado, ao não manter a velocidade constante, facilitando a ultrapassagem, ao não sinalizar a mudança direcção, ao ultrapassar o veículo SX pela direita, o arguido assumiu uma condução temerária também ela apta a causar um acidente, por o comportamento por si observado não ser expectável pelos demais condutores, incluindo do SX, já que contrária às regras estradais a que todos estavam obrigados.
Ainda assim, o arguido não se absteve de agir da forma descrita, mas não se demonstrou que criar uma situação de perigo fosse o fim último da sua conduta, antes resultando que se conformou com a eventual produção de tal resultado.
Agiu, assim, o arguido com dolo eventual (artigo 14.º, n.º3, do CP).
O arguido podia e devia ter assumido o comportamento lícito alternativo, mas escolheu não o fazer. E, nessa sua escolha, livre, voluntária e consciente, reside a sua culpa.
Não se verificam quaisquer causas da exclusão da ilicitude ou da culpa.
*
3. Apreciação das questões enunciadas:
3.1. Do erro de julgamento:
O recorrente insurge-se contra a decisão em matéria de facto alegando que os factos provados da sentença foram incorretamente julgados, sem especificar em concreto quais são esses factos.
A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no artigo 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no artigo 412º, n.os 3, 4 e 6 do CPP.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o artigo 412º, n.º 3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas.
Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na ata, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (artigo 412º, nº4 do CPP).
Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AUJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, n.os 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.
No caso, o recorrente, indicando-a embora [i) depoimentos das testemunhas, ii) declarações do arguido], não procedeu à mínima especificação da concreta prova em que funda a sua impugnação, pois não transcreveu as concretas passagens da prova que, em seu entender, impõem decisão diversa, nem as indicou por referência ao consignado na ata.
Com efeito, o recorrente llimitou-se, na motivação, a escrever o seguinte:
- O A. prestou declarações (sessão de 20.05.2025 - 14:50 - 15:01 - Arguido: AA) e transmitiu ao tribunal a sua versão dos factos;
- Por seu lado, já a testemunha CC que declarou recordar-se vagamente dos factos aqui em causa, classificou a condução do recorrente como “descabida”, “errada” e “pouco digna”, mas nunca a classifica como perigosa. (sessão de dia 20.05.2025 - 15:02 - 15:23 - Testemunha: CC);
- Tal interesse pessoal ficou patente nas declarações da testemunha BB que foi inclusive chamado à atenção pela Mmª. Juiz, para se inibir de dar opiniões e restringir-se aos factos. (sessão de dia 20.05.2025 - 15:27 - 15:37 - Testemunha: BB).
Este modo de impugnar não se configura como referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,”, pois nada é transcrito, mas apenas uma interpretação do que foi dito.
Dito de outra forma, nem na motivação de recurso, nem nas respetivas conclusões, o recorrente estabelece a relação entre os concretos segmentos dos depoimentos e o específico ponto ou pontos de facto provados que, por este meio, almeja alterar, antes os convocando de forma global e genérica e insistindo em que a negação (parcial) dos factos pelo arguido e falta de idoneidade das testemunhas agentes da PSP deveria ter determinado o Tribunal recorrido a considerar tais factos não provados.
Face a tal alegação, resulta evidente que não foram apontadas pelo recorrente provas que imponham uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal recorrido, designadamente, prova que tenha sido desconsiderada, mas apenas uma visão divergente quanto à credibilidade que entende ser devida à mencionadas testemunhas.
Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão.
Este incumprimento das especificações prejudica o conhecimento do recurso na parte referente à contribuição das declarações do arguido e dos depoimentos das mencionadas testemunhas para a matéria de facto impugnada, pois a ausência da especificação das concretas passagens que impõem uma decisão diversa da recorrida, deteriora a exequibilidade da sindicância da decisão de facto a um nível mais alargado, como se disse, pois o ónus de impugnação “concretos factos, concretas provas” visa viabilizar o próprio recurso de facto.
Os elementos em falta não constam, nem das conclusões, nem das alegações, o que torna inadmissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, em ordem ao suprimento das falhas detetadas na impugnação recursiva da matéria de facto.
Nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões, desde que os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações.
Na verdade, não constando os elementos em falta, nem sequer das alegações/motivação, um convite ao aperfeiçoamento implicaria permitir ao recorrente ampliar o objeto do recurso e o seu âmbito, o que equivaleria a conceder-se-lhe um novo prazo para recorrer, o que contende com o caráter perentório do respetivo prazo e não está incluído no âmbito do direito ao recurso [cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002 de 18/06/2002, in DR, IIª Série, de 13/12/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004, in DR, IIª Série, de 17/04/2004].
Daqui não resulta, porém, que a Relação fique desobrigada de sindicar o acórdão na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará, então, de alguns do vícios a que alude o artigo 410º, do CPP que possa ter condicionado a demonstração dos factos impugnados no recurso.
Na verdade, o presente recurso é aproveitável como arguição de vício de sentença de erro notório na apreciação da prova (embora o recorrente não o refira expressamente) e este, a existir, sempre seria de conhecimento oficioso.
Olhando para o texto da sentença e as conclusões do recurso, o que realmente resulta é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, que depende substancialmente da imediação, e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a capacidade de convencimento que se reconhece a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio que há de ancorar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão «regras da experiência».
Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos que é eminentemente subjetiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2008, no processo nº 07P4729, Relator: Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt].
No caso, sustenta o recorrente que os agentes ada PSP que intervieram nos autos “não se encontravam no exercício de funções policiais, pelo que a sua intervenção não decorreu de qualquer dever funcional de fiscalização ou prevenção. (…)
Estando fora de serviço, os agentes tornaram-se parte interessada numa situação de trânsito comum, perdendo a alegada imparcialidade que poderia decorrer do exercício de funções oficiais” (…).
O estado de cansaço dos referidos agentes, expressamente admitido na sentença, constitui um fator objetivo de compromisso da fiabilidade dos seus testemunhos.
O agente BB admitiu que "inicialmente pensou ser por imperícia sua, por estar cansado do turno que acabara de fazer".
Esta admissão afeta de forma irremediável a credibilidade deste testemunho.
Se a própria testemunha reconhece que o seu estado de cansaço o levou a questionar a sua própria perícia, como pode o tribunal confiar na exatidão das suas perceções sobre as alegadas manobras do recorrente?
O cansaço é reconhecidamente um fator que afeta a capacidade de perceção visual e auditiva, a velocidade de reação e tomada de decisões, a memória e capacidade de recordação exata dos factos e juízo crítico e avaliação objetiva das situações. (…).
A testemunha CC até referiu que o carro conduzido pelo recorrente era branco ou cinza-claro, contudo, como bem se vê pelo doc. 1 que ora se junta o carro é cinza escuro.
Em sede de alegação da violação do princípio “in dúbio pro reo”, o recorrente volta a tecer comentários sobre a alegadas falta de credibilidade dos agentes da PSP, nos seguintes termos: Se o tribunal teve dúvidas sobre o conhecimento da qualidade de agentes por parte do aqui recorrente, isso significa que teve dúvidas sobre a credibilidade e exatidão dos testemunhos desses mesmos agentes.
Ora, se há dúvidas sobre a credibilidade das únicas testemunhas de acusação, não pode haver condenação.
A fragilidade probatória do caso é agravada pela total ausência de testemunhas independentes e imparciais.
Segundo os factos provados, circulavam "inúmeros automobilistas" no ..., que alegadamente "efetuassem travagens bruscas e desvios".
Contudo, nenhum destes condutores foi identificado ou ouvido.
Esta ausência é particularmente grave num caso em que se alega a criação de perigo para terceiros.
Se efetivamente outros condutores tiveram de fazer manobras de emergência, seria expectável que pelo menos alguns fossem identificados.
A sua ausência total sugere que as alegadas manobras perigosas não tiveram a gravidade descrita de forma vaga e genérica, diga-se.
Vejamos.
Como faz notar o Ministério Público na resposta ao recurso, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º3 do Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública [DL n.º234/2025, de 19 de Outubro], “ Os polícias, ainda que se encontrem fora do período normal de trabalho e da área de responsabilidade da subunidade ou serviço onde exerçam funções, devem, até à intervenção da autoridade de polícia criminal competente, tomar as providências necessárias e urgentes, dentro da sua esfera de competência, para evitar a prática ou para descobrir e deter os autores de qualquer crime de cuja preparação ou execução tenham conhecimento”.
Assim, não colhe a argumentação expendida pelo arguido, aqui recorrente, na medida em que sobre um Agente da PSP recai o dever de agir, mesmo que não esteja ao serviço, perante um crime de que tome conhecimento, sem que isso lhe retire a sua imparcialidade sobre os factos que acabou de presenciar, pois a mesma não se afere em função de a testemunha, qualquer que ela seja, estar ou não no exercício das suas funções, mas sim da coerência interna do seu depoimento e da eventual existência de elementos externos que corroborem as suas declarações.
A este propósito, considerou o Tribunal recorrido que “(…) a versão do arguido, negando as manobras descritas na acusação não se afigurou credível.
Desde logo, porque não se descortina porque razão os agentes que o não conhecem haveriam de urdir tal mentira, mantendo-a, ademais, anos depois e de modo essencialmente idêntico.
Note-se que os agentes se encontravam naturalmente cansados, ao fim de um longo turno nocturno e com vontade de ir para casa, pelo que não se compreende que propositadamente procurassem novos incidentes, que se saldariam, necessariamente, num acréscimo de trabalho, com a consequente autuação e investigação.
Assim, as explicações dadas pelo arguido não foram minimamente convincentes, porque contrariadas pelas regras da experiência comum, e pelo depoimento dos agentes da PSP, que nenhum interesse têm nos autos, e que depuseram de forma clara, consentânea com as respetivas razões de ciência e essencialmente coincidente num discurso que se afigurou espontâneo e genuíno.
Acresce que, a mulher do arguido, distraída que se encontrava a fazer a sua maquilhagem nada pode em rigor atestar quanto à condução do marido, porque necessariamente não lhe conseguia prestar atenção”.
A explicação dada pelo tribunal para credibilizar os depoimentos dos agentes da PSP em detrimento das declarações prestadas pelo arguido, revela que o mesmo, para além de evidenciar com clareza o caminho seguido pelo Tribunal na formação da sua convicção, mostra-se também feito com respeito pelas regras da experiência comum e da normalidade da vida e dos critérios da racionalidade e da lógica.
Não há nada manifestamente incongruente ou inverosímil na explicação dada pelo Tribunal. O cansaço referido na fundamentação serviu para o Tribunal credibilizar as testemunhas, no sentido em que a mesmas não tinham qualquer interesse em ter mais trabalho com o levantamento de mais um auto de notícia, “inventado” manobras inexistentes, não tendo sido lido, e bem, pelo tribunal como fator objetivo de capaz de comprometer a fiabilidade dos seus testemunhos.
Com efeito, não se contestando que o cansaço pode afetar a capacidade de perceção, o mesmo tem diversos níveis, e seria necessário que as testemunhas agentes da PSP estivessem mesmo muito cansados, para não terem capacidade para observar manobras tão ostensivamente percetíveis como descritas em 8) a 17) dos factos provados [mudanças de direção, travagens e acelerações bruscas], não resultando do texto da decisão recorrida [a apenas a esse temos de atender para apreciação do vício de erro notório na apreciação da prova], que o cansaço dos agentes fosse de tal ordem que lhes diminuiu a capacidade de percecionarem manobras efetuadas pelo arguido.
No que concerne à cor do veículo, é o elemento que comumente a memória não retém de forma fidedigna, sobretudo tratando-se se pessoas que cuja função passa por levantar auto de notícia de dezenas e centenas de veículos com diversas cores, mas em nada interfere com a credibilidade da testemunha relativamente às circunstâncias que a memória guarda a longo prazo, nomeadamente aquelas que podem configurar a prática de um crime, para as quais os agentes policiais estão particularmente atentos.
Por outra banda, cumpre dizer que o tribunal não descredibilizou o depoimento das testemunhas relativamente ao facto de não ter considerado provados artigo 22º da acusação e relativamente ao seguinte segmento do artigo 25º da acusação: com a intenção de se furtar à fiscalização rodoviária.
Com efeito, o tribunal confiou nos depoimentos dos mesmos no que concerne à exibição do crachá, em que um deles se identificou com PSP, tanto que deu esse facto provado.
A dúvida manifestada pelo tribunal prendeu-se com o facto de o arguido se ter apercebido de que o objeto exibido ostentava a insígnias da PSP, em face do relatado pelos agentes daquele força policial, como se extrai do seguinte segmento da fundamentação: não é líquido que o arguido, que tinha o campo de visão obstruído pelo vulto do pendura conseguisse, no decurso da marcha e numa via com trânsito, de tal se aperceber.
Por outro lado, é CC quem se identifica, exibindo a sua carteira profissional, esticando o seu braço, atravessando-o à frente do colega. Assim, entre o arguido e CC interpõe-se quer o corpo da pessoa que seguia no lugar de pendura.
Ou seja, o tribunal, considerando os depoimentos dos agentes a PSP como credíveis, verificou que, dos mesmos, resultava que o arguido tinha o seu campo de visão obstruído, o que não lhe permitiu observar o que estava gravado no crachá exibido e, como tal, ficou na dúvida insanável, sobre se o arguido chegou a percecionou que estava perante agentes da PSP.
Por último, relativamente ao facto de condutores que tiveram de travar e desviar os seus veículos não terem sido arrolados como testemunhas, tal não se ficou dever ao facto de dos agentes da PSP querem “sonegar” prova que pudesse por a credibilidade dos mesmos em causa, como resulta implícito nas alegações do recorrente, mas sim porque a dinâmica dos acontecimentos assim o não permitiu.
Os agentes da PSP encontravam-se no interior de um veículo descaracterizado a perseguir o arguido, não iam apear-se no meio de uma via com três faixas de rodagem, exibindo o crachá aos automobilistas que por ali passavam, ordenando-lhe que imobilizassem os veículos, se apeassem e se identificassem para puderem ser arroladas como testemunhas, deixando de perseguir o infrator.
Não estamos a apreciar a verosimilhança de argumentos de filmes de ação, mas sim factos da vida real.
Em suma, o princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso, porque só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, não teria interpretado os depoimentos acima indicados nos termos em que o fez o Tribunal recorrido.
Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição».
É função do julgador interpretar todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas.
Termos em que improcede o recurso com fundamento no vício do erro notório na apreciação da prova.
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3.2. Da violação do princípio in dubio pro reo:
O recorrente defende, ainda, que foi violado o princípio in dúbio pro reo, porquanto o Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto, fez constar:
A sentença recorrida admite expressamente que "o tribunal ficou com dúvidas quanto ao verdadeiro conhecimento por banda do arguido da qualidade das pessoas que se lhe dirigiam".
Mais refere, “ (…) Com efeito, conforme os agentes da PSP explicaram, estavam de casaco preto, de farda, mas ainda que o mesmo ostentasse um crachá com identificação, não é líquido que o arguido, que tinha o campo de visão obstruído pelo vulto do pendura conseguisse, no decurso da marcha e numa via com trânsito, de tal se aperceber.
Por outro lado, é CC quem se identifica, exibindo a sua carteira profissional, esticando o seu braço, atravessando-o à frente do colega. Assim, entre o arguido e CC interpõe-se quer o corpo da pessoa que seguia no lugar de pendura (alegadamente a filha do primeiro) e quer o corpo do condutor do veículo XS.
Não se duvida que o arguido tenha ficado surpreendido com a abordagem, não estando à espera de ser confrontado, o que explica que tenha chamado à colação os filhos para evitar o escalar do envolvimento com os tripulantes daquele veículo. E tal explica, igualmente, o receio da sua mulher. Na verdade, a fuga do arguido, com intenção de se furtar à fiscalização não faz grande sentido, uma vez que estando o veículo do arguido registado em nome da empresa em que trabalha, não teriam os agentes, como aliás, não tiveram, qualquer dificuldade em o identificar (cfr. 6, 7 e 12). Assim, o estado assustado a que o agente se reportou, bem como o chefe do arguido, a testemunha DD, poderá explicar-se apenas pelo receio atrás referido e já não com o medo de ser fiscalizado.(…)
Esta admissão expressa de dúvidas sobre um aspeto fundamental dos factos deveria ter levado à aplicação do princípio "in dubio pro reo" e à consequente absolvição do A..
Apreciando.
O art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, estatui que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
A presunção de inocência, inscrita ainda no art. 6.º, § 2.º da CEDH, é um princípio de inspiração jusnaturalista iluminista que assenta na dignidade do ser humano e na defesa da sua posição individual perante a omnipotência do Estado.
É mais abrangente do que o princípio do “in dubio pro reo”, já que este é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.
O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
O princípio em causa, conquanto não tenha consagração expressa no Código de Processo Penal, retira-se dos artigos 125º, 127º e 340º do CPP, numa lógica de implicação [Ana Bárbara de Sousa e Brito, in Sobre o Lugar do Princípio da Culpa na Constituição Portuguesa, in AAVV, Liber Amicorum de José de Sousa e Brito: estudos de direito e filosofia, Almedina, Coimbra, 2009, pp.755-757].
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
Não uma dúvida qualquer, assente em critérios puramente subjetivos, mas uma dúvida razoável, assente em critérios objetivos, ou seja, em que os elementos probatórios disponíveis impliquem que o julgador chegue à conclusão de que existe uma outra explicação, lógica e plausível, para os factos descritos na acusação.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm adotado o critério anglo-saxónico da dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given).
Nas palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.07.2012, proc. nº 679/06.0GDTVD.L1-3, relator João Lee Ferreira [disponível in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8e6a4b734855238b80257a3a00628c9f?OpenDocument] : “a dúvida razoável poderá consistir na dúvida que seja “compreensível para uma pessoa racional e sensata”, e não “absurda” nem apenas meramente “concebível” ou “conjetural”. Nesta perspetiva, o convencimento pelo tribunal de que determinados factos estão provados só se poderá alcançar quando a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitirem excluir qualquer outra explicação lógica e plausível”.
Em jeito de densificação, porquanto a locução “dúvida razoável consubstancia um conceito indeterminado, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.09.2015, proc. n.º 2/13.7GCETR.P1 [disponível in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6b61196be98eda9080257ecb00479e6f?OpenDocument ], vem dizer que “quando se afirma a necessidade da “prova para além de qualquer dúvida razoável” não se pretende excluir qualquer “sombra de dúvida” (“proof beyond the shadow of a doubt”), que corresponderia ao grau máximo de convicção, praticamente, uma certeza absoluta. Há aqueles que cultivam a dúvida metódica e os que revelam “uma consciência indefinidamente hesitante ou exasperadamente escrupulosa”, mas, como já se assinalou, a dúvida meramente subjetiva não é razoável. Se a hipótese contrária à da acusação se apresenta, apenas, com uma remota probabilidade de ter acontecido, isso não obsta à condenação, o que é dizer que a neutralização da acusação pela hipótese defensiva não deve ser, apenas, teoricamente, abstratamente possível”.
Daqui se infere que a dúvida na mente do julgador passível de motivar uma decisão absolutória, deve assentar numa neutralização razoável aos fundamentos da acusação.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido [cf. entre outros, o acórdão do S.T.J. de 2.5.1996, in C.J., ASTJ, ano IV, 1º, pág. 177].
Dito de outro modo, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” [Roxin, in “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111].
Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.
No caso em apreciação, a dúvida insanável que o tribunal expressou foi relativamente ao facto descrito no artigo 22º da acusação, ou seja, que o arguido Não querendo obedecer à ordem emanada pelos Agentes da PSP e visando impedir a ação de fiscalização daquele Órgão de Polícia Criminal, o arguido fechou o vidro da sua viatura e acelerou a marcha da mesma, imprimindo-lhe grande velocidade e encetou fuga para local incerto e relativamente ao seguinte segmento do artigo 25º da acusação (com a intenção de se furtar à fiscalização rodoviária).
Concomitantemente, considerou tais factos não provados [factos não provados n.os 3 e 4], os quais, como se verá aquando da análise do alegado erro de subsunção, não têm influência relativamente ao preenchimento do tipo objetivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Considerou ainda o tribunal, relativamente ao tipo subjetivo do crime em apreciação, existir dúvida relativamente à existência de dolo direto, pelo o considerou não provado, dando, porém, como provado o dolo eventual [ cf. facto não provado n.º 2, por referência ao facto provado n.º 25].
Tais dúvidas encontram-se ancoradas em dados objetivos – nomeadamente a existência de obstáculo no campo de visão do arguido, que o impediu de ver as inscrições gravadas no crachá que lhe foi exibido e, no que concerne ao tipo subjetivo, no facto de o arguido, ao efetuar as manobras em causa, nas circunstâncias apuradas, não ter atuado como fito causar perigo para a integridade física para os demais de utentes da via, apenas de conformando com a ocorrência de tal perigo.
Quanto aos demais factos descritos na acusação o tribunal não expressou qualquer dúvida razoável sobre a prova dos mesmos, antes os afirmou com base nos depoimentos credíveis dos agentes da PSP, inexistindo qualquer facto que, objetivamente, pudesse ser tido em consideração como suscetível de lançar dúvida insanável sobre tal credibilidade [cf. supra].
Termos em que improcede o a alegada violação do princípio in dúbio pro reo, pelo que consideramos definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos que constam da decisão recorrida.
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2.3. Do erro de subsunção:
Considera o recorrente que as manobras descritas nos factos provados não são suscetíveis de preencher o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, do Código Penal, porque, em suma, não houve qualquer acidente ou embate e esta circunstância, embora não exclua por si só o perigo concreto, é um indicador importante da sua ausência.
O agente BB diz que conseguiu evitar qualquer embate através da sua "perícia".
Se o perigo foi facilmente evitado pela condução normal de um agente experiente, isso demonstra que não se verificou o perigo concreto exigido pelo tipo legal.
Embora a sentença afirme que outros condutores fizeram "travagens bruscas e desvios", não se provou efetivamente que tal aconteceu.
A ausência de identificação de qualquer destes condutores demonstra que não houve impacto real na circulação automóvel devido aos factos aqui em crise.
O tipo legal do artigo 291.º do Código Penal exige não apenas violação das regras de circulação rodoviária, mas a "violação grosseira" dessas regras.
Ou seja, exige-se um grau especial de violação de deveres de condução, suscetível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego e para os bens jurídicos pessoais envolvidos.
As manobras descritas na sentença, como por exemplo, mudanças de faixa, ultrapassagens, variações de velocidade, são manobras normais de trânsito que, no contexto de tráfego intenso numa via como o ... às 7h10 da manhã de ..., não constituem necessariamente violação grosseira das regras de circulação.
Além disso, não se provou excesso de velocidade, condução em contramão, desrespeito dos sinais de trânsito ou outras condutas que configurem violação grosseira.
Acresce a tudo isto, que os factos considerados não provados, motivariam sempre a absolvição do aqui recorrente, pois não foi provado que o arguido representou e quis causar um embate e pôr em perigo a vida dos agentes da PSP e dos demais utentes da via, que não quis desobedecer à ordem emanada pelos Agentes da PSP, que visou impedir a ação de fiscalização daquele Órgão de Polícia Criminal, que o A. fechou o vidro da sua viatura e acelerou a marcha da mesma, imprimindo-lhe grande velocidade e encetou fuga para local incerto e, finalmente, que o A. se quis furtar à fiscalização rodoviária.
Relativamente a esta questão, o tribunal recorrido fez constar da sentença o seguinte:
D. DIREITO
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º1, al. b) e artigo 69.º, n.º1, al. a), do CP, por referência ao artigo 103.º, n.º2, do CE.
Prescreve o art.º 291.º, n.º1, al. b), que quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
O bem jurídico protegido pela incriminação é a segurança da circulação rodoviária (o que desde logo resulta evidente da sua inserção sistemática no capítulo IV, relativo aos crimes contra a segurança das comunicações), punindo-se simultaneamente as condutas que coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado.
Trata-se de um crime de perigo concreto, uma vez que o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em perigo (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 292.
Desta forma, a verificação de um perigo concreto não se cumpre com a circunstância de existirem pessoas ou coisas na “zona de perigo” criada pelo agente. Não basta, assim, que a conduta seja abstracta e objectivamente perigosa e nessa medida idónea a provocar uma lesão. É essencial que a sua potencialidade lesiva se revele nas circunstâncias do caso.
Haverá perigo concreto quando a conduta anterior que o desencadeia, e cuja evolução o agente não controla, se projecta para a esfera pessoal ou patrimonial relevante de outrem, ficando a concretização da lesão, provável de acordo com juízos de causalidade adequada, dependente de mero acaso e de circunstâncias cuja verificação aquele não pode legitimamente confiar nem controlar5.
Por outro lado, o perigo gerado tem que dizer respeito à vida, à integridade física de outrem ou a bens patrimoniais alheios de valor elevado. Na conduta típica prevista na alínea b) a condução perigosa não ocorre pela violação de qualquer regra estradal, mas apenas de uma daquelas que ali estão tipificadas, relevando, para o caso vertente, a que se reporta à passagem de peões.
O crime vem imputado por referência aos artºs 4º, nº 3; 21º, nº 1; 24º, nº 2 e 26º, nº 1 do Código da Estrada (DL nº 114/94, de 03 de Maio).
Vejamos então.
Dispõe o artigo 4.º, n.º3, do CE que quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
Estatui o artigo 21.º, n.º1 que quando o condutor pretender reduzir a velocidade, parar, estacionar, mudar de direcção ou de via de trânsito, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.
Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 1 e 2, estabelece que:
1- O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
2 - Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.
Por fim, de acordo com o artigo 26.º, n.º1, que os condutores não devem transitar em marcha cuja lentidão cause embaraço injustificado aos restantes utentes da via.
Embora não citadas no libelo acusatório, são igualmente normas a atender no caso vertente as seguintes do Código da Estrada:
18.º, n.º1: O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
36.º, n.º1: - A ultrapassagem deve efectuar-se pela esquerda.
39.º, n.º1: Todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita ou, nos casos previstos no n.º 1 do artigo 37.º, para a esquerda e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado.
Do ponto de vista subjectivo o crime de condução perigosa p. e p. pelo artigo 291.º, n.º1, do CP é um crime doloso, distinguindo-se da tipificação normativa que pune a criação negligente de perigo prevista no n.º2.
O dolo tem de abranger todos os elementos do tipo objectivo, incluindo a criação de perigo para os bens atrás referidos, bastando a existência de dolo eventual, ou seja “que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado e que se tenha conformado com essa actuação”.-Paula Ribeiro de Faria6.
Daqui resulta que a violação grosseira de regras estradais não se confunde, conceptualmente, com a negligência grosseira, prevista no artigo 15.º, n.º2, do CP, que consiste na preterição dos deveres de cuidado a que o agente está obrigado.
Assim, o que está aqui em causa, e conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque, é o “comportamento de desrespeito por um conjunto de regras de trânsito especificadas no tipo”7.
Dito de outro modo, violação grosseira deve ser entendida como “uma séria infracção de uma norma tipicamente relevante para a condução”- Miguês Garcia e Castela Rio8.
Da matéria dada como provada, resulta que o arguido não abrandou a marcha, nem facilitou a ultrapassagem, tendo ademais procedido a travagens súbitas, as quais seriam adequadas a provocar um embate, não fora a perícia de BB, que o conseguiu evitar.
O arguido ultrapassou o veículo tripulado por BB, pela via central, sem fazer sinal, saindo de forma intempestiva do ..., atravessando as três faixas de rodagem, sem sinalizar a mudança de direcção.
Na sua condução o arguido assumiu um comportamento absolutamente contrário àquele que as normas atrás citadas impunham e a cujo cumprimento estava obrigado.
O arguido sabia, assim, que a sua conduta era apta, na situação específica em que actuou, a criar um perigo para a vida de terceiros, em particular dos tripulantes do veículo ..-SX-.. que seguiam na sua esteira, e que tal não lhe era permitido, antes sendo proibido e punido por lei. Na verdade, a conduta por si assumida era objectivamente adequada a criar aquele perigo, que efectivamente se produziu, não tendo o embate se realizado senão em virtude da perícia do agente, facto com o qual o arguido não podia justificadamente contar.
Na realidade, ao reduzir a velocidade de forma brusca, o arguido reduziu a distância de segurança entre os dois veículos, o que aliado à forma repentina como o fez, poderia efectivamente causar um embate, porque tal condução não seria expectável pelo condutor do veículo que seguia na sua traseira.
Por outro lado, ao não manter a velocidade constante, facilitando a ultrapassagem, ao não sinalizar a mudança direcção, ao ultrapassar o veículo SX pela direita, o arguido assumiu uma condução temerária também ela apta a causar um acidente, por o comportamento por si observado não ser expectável pelos demais condutores, incluindo do SX, já que contrária às regras estradais a que todos estavam obrigados.
Ainda assim, o arguido não se absteve de agir da forma descrita, mas não se demonstrou que criar uma situação de perigo fosse o fim último da sua conduta, antes resultando que se conformou com a eventual produção de tal resultado.
Agiu, assim, o arguido com dolo eventual (artigo 14.º, n.º3, do CP).
O arguido podia e devia ter assumido o comportamento lícito alternativo, mas escolheu não o fazer. E, nessa sua escolha, livre, voluntária e consciente, reside a sua culpa.
Não se verificam quaisquer causas da exclusão da ilicitude ou da culpa.
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No fundamental, estamos em sintonia com o enquadramento típico dos factos efetuado pelo Tribunal recorrido, convindo, porém, tecer algumas considerações adicionais.
O crime de condução de perigosa de veículo rodoviário, no que concerne às condutas previstas na alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 291º, do Código Penal, apresenta uma estrutura de crime de perigo concreto, isto é, em que o tipo exige como elemento essencial do crime o evento perigo, ou seja, a criação de uma situação de perigo para determinados bens jurídicos que o próprio tipo caracteriza.
Consagrou-se entendimento expresso por Figueiredo Dias no seio da Comissão Revisora do Código penal de 1982 [cf. Acta nº 32 relativa à sessão ocorrida em 17 de Maio de 1990, onde o referido autor disse tratar-se de um crime de perigo concreto, posto que não exige como elemento constitutivo um dano ou lesão dos bens jurídicos que tutela, limitando-se a exigir a criação de um perigo para aqueles bens].
Diferentemente, os crimes de perigo abstrato são aqueles em que o perigo constitui um mero motivo da incriminação, renunciando o legislador a concebê-lo com o resultado da ação.
Um crime de perigo caracteriza-se, em primeiro lugar, pela inexistência de uma lesão efetiva de bens ou interesses. Segundo Faria Costa [ in O Perigo em Direito Penal, Dissertação da doutoramento em ciências jurídico-criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Perigo em Direito Penal, págs. 611/612], perigo é a situação ou estádio a partir do qual é provável a produção de um resultado negativo.
São, pois, características essenciais do conceito de perigo a probabilidade (ou possibilidade) de produção de um evento danoso. Não há perigo quando a verificação do evento seja certa ou impossível nem quando o evento provável não for danoso.
Assim, haverá uma situação de perigo concreto sempre que a produção do resultado desvalioso, isto é, o previsto pela norma, mediante a formulação de um juízo de experiência, é mais provável que a sua não produção; ou pelo menos ocorre uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer. Donde, a mera possibilidade de produção do resultado não é suficiente para caracterizar a situação como sendo de perigo, isto é, não engloba os elementos suficientes para se poder defender que se está perante um perigo jurídico penalmente relevante [Faria Costa, obra citada, 580 e seguintes].
Desta forma, conforme escreve Paula Ribeiro de Faria [Comentário Conimbricense ao Código Penal, 2ª Edição, Parte Especial, Tomo II, Volume II, § 33 da anotação ao artigo 2191º, pág. 670], “a identificação de um perigo concreto pelo agente terá assim de obedecer aos critérios da teoria normativa, segundo a qual existe perigo sempre que o aplicador do direito esteja em condições de identificar um “quase acidente” a partir da análise da totalidade das circunstâncias em que ocorreu a conduta do agente”.
No que se refere à violação como grosseira das regras de circulação rodoviária, entende-se, na esteira de Paulo Pinto de Albuquerque [In estudo intitulado “Crimes de Perigo e Contra a Segurança Rodoviária”, publicado nas “Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, edição do Centro de Estudos Judiciários, pp. 252 a 311], que “a violação grosseira das regras de trânsito é uma exigência objetiva da gravidade das regras violadas e não uma exigência referente ao estado de espírito do agente, uma vez que a lei penal portuguesa só fala em violação grosseira, ao invés da lei alemã, que menciona (…) grob verkehrswidrig e rücksichslos. As violações grosseiras são, pois, as definidas pelo CE como contraordenações graves e muito graves.
Assim, verificando-se, no caso concreto, que o agente praticou uma contraordenação grave ou muito grave, desde que a mesma implique perigo concreto para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheia de valor elevado, deve entender-se que se verifica o crime de condução perigosa.
Com efeito, para efeitos do preenchimento do tipo objetivo de crime, não basta a prática da contraordenação grave ou muito grave, que são apenas sinónimo da criação de um perigo abstrato [Paula Ribeiro de Faria, in ob. e loc. Cit.] é necessário existir um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o perigo concreto criado.
Quanto a este último aspeto entende-se pertinente chamar à colação o sustentado pelo acórdão da do TRL de 31.10.2006 [proc. n.º 5794/2006-5 , relatora Filomena Lima, que cita o seu colega José Adriano, acessível in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/286f71a004dad4638025727b0059231d?OpenDocument], onde se pode ler “ Roxin, diz-nos que “o conceito de perigo concreto não se pode determinar com validade geral, senão apenas segundo as circunstâncias particulares do caso concreto”. De todo o modo (…) “podem extrair-se os pressupostos de um perigo concreto geralmente reconhecidos: em primeiro lugar, há de existir um objeto de ação e ter este entrado no âmbito da ação de quem o põe em perigo e, em segundo lugar, a ação típica tem que ter criado um perigo iminente de lesão desse objeto da ação”.
Dando preferência à “teoria normativa do resultado de perigo”, defende o mesmo ilustre penalista “que existe um perigo concreto quando o resultado lesivo não se produz só por casualidade”, devendo entender-se esta “não como o inexplicável segundo as ciências naturais, mas sim como uma circunstância em cuja produção não se pode confiar”. Assim, “todas aquelas causas salvadoras que se baseiam numa extraordinária destreza do ameaçado ou numa feliz e não dominável concatenação de outras circunstâncias, não excluem a responsabilidade pelo delito de perigo concreto [cremos ser essa a tese acolhida por Paulo Pinto de Albuquerque na anotação 8 à nota prévia ao artigo 272º, p. 1036, do seu Comentário do Código Penal, 4ª edição atualizada, quando fala em tese normativa modificada do resultado de perigo].
Analisando o caso dos autos à luz das considerações ora tecidas, dúvidas não se suscitam que o arguido conduziu um veículo violando grosseiramente as regras de circulação rodoviária, dado que praticou a contraordenação grave prevista na alínea f), do n.º 1, do artigo 145º, do Código da Estrada, ou seja, atuou com desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem e mudança de direção ou de via de trânsito;
Pois, como assertivamente de refere na sentença recorrida, “o arguido não abrandou a marcha, nem facilitou a ultrapassagem, tendo ademais procedido a travagens súbitas, as quais seriam adequadas a provocar um embate, não fora a perícia de BB, que o conseguiu evitar.
O arguido ultrapassou o veículo tripulado por BB, pela via central, sem fazer sinal, saindo de forma intempestiva do ..., atravessando as três faixas de rodagem, sem sinalizar a mudança de direção.
(…) ao reduzir a velocidade de forma brusca, o arguido reduziu a distância de segurança entre os dois veículos, o que aliado à forma repentina como o fez, poderia efetivamente causar um embate, porque tal condução não seria expectável pelo condutor do veículo que seguia na sua traseira.
Por outro lado, ao não manter a velocidade constante, facilitando a ultrapassagem, ao não sinalizar a mudança direcção, ao ultrapassar o veículo SX pela direita, o arguido assumiu uma condução temerária também ela apta a causar um acidente, por o comportamento por si observado não ser expectável pelos demais condutores, incluindo do SX, já que contrária às regras estradais a que todos estavam obrigados.
Por último, e para que não sejamos acusados de omissão de pronúncia, cumpre referir que as considerações tecidas pelo arguido no sentido de afirmar que, em face dos factos não provados, não se mostra verificado o tipo subjetivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, são manifestamente improcedentes, na medida em que, no que concerne ao tipo subjetivo, o crime sob análise, o dolo do agente do crime deve abranger, no que concerne à punição estatuída no nº 1, tanto a consciência da condução em falta de segurança que foi criada intencionalmente, como a previsão, como resultado dessa conduta, do perigo criado.
Já quanto ao disposto no nº 3, exige-se que o agente tenha tido dolo na criação das condições demonstrativas de falta de segurança mas não tenha tido intenção na criação do perigo.
Finalmente, no respeitante ao nº 4, o agente não só não cria intencionalmente as condições de falta de segurança na condução, como não provoca o perigo intencionalmente.
Pode-se, então dizer que temos, respetivamente, nos três números do artigo 291º, um crime doloso na criação das situações ou comportamentos e na criação do perigo, no caso do n.º 1; no nº 2, um crime doloso na criação das situações ou comportamentos e negligente na criação de perigo; e, por fim, no nº 3, um crime negligente na criação das situações ou comportamentos.
No caso dos autos, o tribunal considerou provado que:
25. Ao efectuar travagens e acelerações da marcha da sua viatura, de forma brusca, ao não respeitar as regras de circulação rodoviária relativas à ultrapassagem, ao não sinalizar as manobras de mudança de direcção, ao não respeitar a distância de segurança entre viaturas, ao desrespeitar toda a sinalização de trânsito existente nas vias percorridas, o arguido sabia estar a violar grosseiramente as regras de circulação rodoviária relativas, nomeadamente, à ultrapassagem, ao limite de velocidade, à mudança de direcção, à distância de segurança, bem como que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo a vida e a integridade física, não apenas dos agentes da PSP BB e CC, mas também dos demais utentes da via pública, além dos respectivos veículos que aí circulavam, resultado que representou e com o qual se conformou.
26. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
E considerou não provado que:
2. O arguido representou e quis causar um embate e pôr em perigo a vida dos agentes da PSP e dos demais utentes da via.
3. Não querendo obedecer à ordem emanada pelos Agentes da PSP e visando impedir a acção de fiscalização daquele Órgão de Polícia Criminal, o arguido fechou o vidro da sua viatura e acelerou a marcha da mesma, imprimindo-lhe grande velocidade e encetou fuga para local incerto.
Do que fica exposto, resulta que o tribunal recorrido deu como provado que o arguido agiu com dolo direto relativamente à criação das condições demonstrativas de falta de segurança [ou seja, quis efetuar as manobras que consubstanciam uma violação grosseira as regras de circulação rodoviária] e com dolo eventual relativamente à criação de perigo, não oferecendo dúvida que a criação de perigo se basta com o dolo eventual [vide Paula Ribeiro de Faria, in ob., cit., § 38 da anotação do artigo 291º, pp. 675/676, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal (…), 4ª edição, anotação 10 ao artigo 272º, por remissão da notação 11 ao artigo 291º, respetivamente p. 1037 e p. 1099, onde o auto com argumentos convincentes afasta a tese da necessidade da existência de dolo direto], pelo que a conduta do arguido se integra no disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 291º, do CPP, tal como considerado pelo tribunal recorrido.
Termos em que o recurso improcede na sua totalidade.
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- Da responsabilidade tributária:
O recorrente, atento o disposto nos termos do artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o artigo 8º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é responsável pelo pagamento das custas, cuja taxa de justiça, atenta a atividade processual que este processo implicou, se fixa em 4 Unidades de Conta [UC].
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III. Decisão:
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e, concomitantemente, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em $ UC a taxa de justiça;
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[acórdão elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto por todos os signatários, com aposição de assinaturas digitais certificadas- artigo 94º nº2 do CPP].
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Lisboa, 3 de dezembro de 2025
Joaquim Jorge da Cruz
Cristina Almeida e Sousa
Cristina Isabel Henriques
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1. A este propósito, o acórdão já antigo, mas pertinente, da Relação de Lisboa de 31.10.2006, disponível em www.dgsi.pt, que lembrando Roxin, refere “que existe um perigo concreto quando o resultado lesivo não se produz só por casualidade”, devendo entender-se esta “não como o inexplicável segundo as ciências naturais, mas sim como uma circunstância em cuja produção não se pode confiar”.( Acórdão, processo n.º 5794/2006-5, Relatora- Filomena Cunha, in www.dgsi.pt).
2. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, pág. 1088.
3. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 740
4. Código Penal, Parte Geral e Especial, com Notas e Comentários, Almedina, página 1155.
5. A este propósito, o acórdão já antigo, mas pertinente, da Relação de Lisboa de 31.10.2006, disponível em www.dgsi.pt, que lembrando Roxin, refere “que existe um perigo concreto quando o resultado lesivo não se produz só por casualidade”, devendo entender-se esta “não como o inexplicável segundo as ciências naturais, mas sim como uma circunstância em cuja produção não se pode confiar”.( Acórdão, processo n.º 5794/2006-5, Relatora- Filomena Cunha, in www.dgsi.pt).
6. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, pág. 1088.
7. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 740
8. Código Penal, Parte Geral e Especial, com Notas e Comentários, Almedina, página 1155.