Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
684/22.9T8ALM.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
MEIOS DE COMUNICAÇÃO À DISTÂNCIA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Conforme resulta do artigo 5.º-A, n.º 2, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro), o dever da administração do condomínio assegurar a condómino os meios necessários para participar na assembleia à distância, depende de o condómino (qualquer um) invocar, “fundamentadamente”, não ter condições para participar na assembleia através de meios de comunicação à distância, implicando que tal invocação – justificada - de não poder participar, desse modo, naquele ato, tenha sido transmitida à administração do condomínio.
II) A singela comunicação, efetuada pelo condómino à assembleia de condóminos, dizendo, de forma genérica, “impugno (…) a assembleia a realizar sem o modelo misto imposto pela norma do art.ºº 5.º-A, nº 2, alínea a) da Lei 1-A/2020 alterada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro”, embora assinale um inconformismo com a convocatória endereçada, não consubstancia uma fundamentada invocação da ausência de condições do condómino para participar na assembleia através de meios de comunicação à distância, nos termos a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º-A da Lei n.º 1-A/2020 (aditada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro), pelo que, não implicava que a assembleia devesse ter lugar em modelo presencial ou misto.
III) Não se verifica exercício abusivo do direito dos condóminos que aprovaram deliberação de execução de obras nas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (aprovando o respetivo orçamento), pela circunstância de, a deliberação tomada na assembleia de condóminos, ter sido aprovada, em segunda convocatória, por dois condóminos do edifício que representavam 415% da permilagem total do edifício, nem tal decorre da circunstância de um dos condóminos participantes, ter instaurado, em momento anterior ao de realização de tal assembleia, uma ação judicial onde peticionou, nomeadamente, a realização de obras nas partes comuns do prédio.
IV) Não cabendo curar de indagar sobre a oportunidade ou conveniência da deliberação tomada – restringindo-se a intervenção do julgador à aferição da questão da legalidade, não havendo que sindicar o modo como foi usado o poder discricionário da assembleia - relativamente à realização de obras, não se afere impedimento jurídico que obstasse à tomada da deliberação tomada, nem é de ter por abusivo o exercício do direito dos condóminos que a aprovaram.
V) A circunstância de a referida ação ter sido contestada por condóminos não presentes na assembleia, não determina a invalidade do deliberado ou algum abuso de direito, pois, perante os termos e contexto de quórum deliberativo em que ocorreu a deliberação, em segunda convocatória, a ausência daqueles não tem efeito invalidante, nem representa algum exercício ilegítimo e anormal do direito de os condóminos participarem e deliberarem sobre os assuntos submetidos à assembleia de condóminos e da esfera de competência desta.

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:

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1. A, identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra CONDOMÍNIO DO PRÉDIO (…), também com os sinais dos autos, pedindo o seguinte:
“a) Devem serem anuladas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 27 de Novembro de 2021, exaradas na Acta nº 2, por ilegalidade da respectiva convocatória e do modo de realização;
Caso assim não se entenda,
b) Deve ser anulada a deliberação relativa ao ponto 5 da Assembleia de Condóminos realizada no dia 27 de Novembro de 2021 exarada na Acta nº 2.”.
Alegou, em suma, que:
- É proprietária da fração autónoma designada pela letra “E, correspondente ao primeiro andar direito, destinada a habitação, com entrada pelo n.º (…) da Rua (…);
- No dia 27 de Novembro de 2021, pelas 16.00 horas reuniu a Assembleia de Condóminos do prédio sito na Rua (…), que foi convocada para deliberar, entre outros, sobre “obras de conservação do exercício-apresentação de propostas de orçamento, discussão e votação”;
- Conforme consta da convocatória, a Assembleia foi convocada para ter lugar através de meios de comunicação à distância, exclusivamente, como veio a acontecer, mas a A. considerou não ter condições para participar nesses termos, uma vez que não dispõe de meios nem de conhecimentos informáticos suficientes para o efeito e, por esse motivo, em 24/11/2021, enviou um fax à Administração do condomínio Réu, impugnando a decisão de realizar a Assembleia exclusivamente através de meios de comunicação à distância;
- Ao verificar que, pelo menos, a A. manifestou a sua intenção de participar presencialmente na Assembleia, em modelo misto, a obrigação da Administração do condomínio Réu era dar cumprimento à al. b) do nº 2 do art.ºº 5º A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo que a realização da Assembleia e as deliberações ali tomadas, padecem de nulidade insanável;
- O facto de só terem comparecido dois condóminos à Assembleia realizada por videoconferência, (Cfr. doc. 2), indiciava claramente que provavelmente outros condóminos, para além da ora A., não reuniam as condições para tal forma de participação, o que deveria ter levado a administração, desde logo por dever de cautela, a dar sem efeito a mesma Assembleia;
- No que se refere à deliberação referente ao ponto 5, a mesma é ilegal por abuso de direito e por respeitar a um assunto (necessidade de obras de conservação na cobertura do edifício) que é controvertido e é objecto de processo judicial;
- Consta da acta que foi aprovado por unanimidade o orçamento para “reabilitação do telhado com aplicação de subtelhas tipo Onduline, impermeabilização de caleiras, chaminés e guarda-fogos e criação de acesso ao telhado através da parte comum”, no valor de 17.000,00€ mais IVA, com pagamento em 4 mensalidades de quotizações extraordinárias de acordo com as permilagens das fracções, orçamento que foi o único elaborado após acesso à cobertura, sendo que o outro com ele concorrente foi feito por aproximação, uma vez que esse empreiteiro, tal como consta da acta, não teve acesso à mesma cobertura;
- Apesar de haver só dois orçamentos, sem se ter garantido a igualdade de circunstâncias para as respectivas elaborações, foi deliberado por unanimidade aprovar o mais baixo, com possível prejuízo para o condomínio, fica-se sem saber que valor a empresa que apresentou o orçamento preterido apresentaria caso tivesse tido acesso ao telhado;
- A necessidade de três orçamentos de diferentes proveniências, já em prática corrente, teve respaldo na mais recente alteração legislativa ao Código Civil. Cfr. art.ºº 1436º nº 2 do CC, pelo que, também por tais factos a deliberação referente ao ponto nº 5 da ordem de trabalhos é nula;
- O único interessado na realização da obra aprovada é o condómino da fracção G (2º dtº), um dos únicos dois presentes na assembleia, tendo sido a seu pedido que foram solicitados os orçamentos, não tendo sido demonstrada a necessidade da realização de tal obra e a responsabilidade do condomínio no respectivo pagamento;
- O condómino do 2º dtº, juntamente com o outro condómino presente, valendo-se da ausência dos restantes condóminos e de discussão efectiva sobre o assunto em causa, fez aprovar uma obra no valor global superior a 20.000,00€, agindo (o condómino do 2º dtº) manifestamente em abuso de direito;
- O mencionado condómino do 2º dtº é Autor no processo (…) que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Almada – Juiz 1, e Réus o condomínio e todos os outros condóminos e no qual peticiona, entre outros pedidos, a reparação das patologias verificadas no imóvel em causa e na reparação dos vícios de manutenção e conservação do telhado e na caleira, procedendo ao seu isolamento,  processo que deu entrada em juízo em 23/10/2021, ou seja, muito antes da realização da Assembleia, sendo que, tal acção foi contestada, entre outros, pela aqui A., tendo sido pedida prova pericial para averiguação das alegadas infiltrações no telhado e na caleira e a origem das alegadas humidades existentes na fracção do ali Autor, condómino do 2º dtº; e
- Ambos os condóminos presentes na Assembleia, bem como a administração do condomínio, todos partes na mencionada acção, ainda pendente, sabendo, como sabiam, da existência e do objecto da mesma, também sabiam, consequentemente, que a necessidade e a responsabilidade pela realização da obra aprovada era controvertida, pelo que a respectiva deliberação visa contornar a via judicial, fazendo “entrar pela janela o que não entrou pela porta”, pelo que, também por este motivo, tal deliberação padece de nulidade insanável.

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2. Citado, o réu contestou invocando a existência de causa prejudicial e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.
Alegou, em suma, que:
- A assembleia reuniu em 2.ª convocatória com 2 condóminos que representavam 415% da permilagem total;
- A convocatória foi expedida em 15-11-2021 e referia que a assembleia seria realizada por meios de comunicação à distância, nos termos do art.ºº 5-A, n.º 2, al. a) da Lei 1-A/2020 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-B/2021);
- No documento 4 junto com a petição inicial não é aduzido qualquer fundamento para impugnação;
- O facto de o Autor ter manifestado a intenção de participar na Assembleia realizada “em modelo misto”, não configura uma situação que, nos termos legais, tenha a virtualidade de impedir a realização da Assembleia nos moldes propostos;
- Compulsado o documento junto com o n.º 4, não é invocada qualquer impossibilidade, nem aduzido qualquer motivo justificativo que inviabilize a realização da assembleia através de meios à distância, pelo que, as deliberações não padecem de vício que afete a sua validade;
- Não é legítimo afirmar que “o facto de só terem comparecido dois condóminos à Assembleia (…) indiciava (…) que (…) não reuniam as condições para tal participação, o que deveria ter levado a administração, desde logo por dever de cautela, a dar sem efeito a mesma Assembleia”;
- O facto de só terem comparecido dois condóminos à Assembleia indicia o desinteresse e o alheamento da grande maioria dos condóminos face aos assuntos da generalidade dos condomínios;
- É verdade que o Administrador do Condomínio deveria ter apresentado 3 (três) orçamentos – artigo 1436.º, n.º 2, do CC -, mas a consequência legal não é a nulidade da deliberação, não existindo nenhum preceito legal que comine como nulas as deliberações tomadas face à apresentação de menos de 3 orçamentos e não é o facto de se ter aprovado o orçamento mais caro que indicia, imediatamente, a má fé da ré ou dos condóminos, não sendo condenável que a Assembleia, validamente constituída, e existindo quórum deliberativo, delibere aprovar o orçamento mais caro, desde que represente a vontade efetiva dos condóminos;
- No caso concreto, a deliberação foi tomada por unanimidade dos presentes. Não se verificou nenhuma tentativa desencadeada pelo condómino da fração G para se servir da sua posição maioritária para impor as suas medidas ao condomínio. Se votou a favor, é porque entendeu que a medida pode ser útil e favorável ao condomínio. Se compareceu, é porque entendeu que a sua presença era importante;
- O facto de a ação judicial– em que o condomínio é também réu – ter sido anteriormente contestada pela Administração do Condomínio não significa que, em momento posterior, não se possa reconhecer a existência de infiltrações, a sua origem em partes comuns do edifício nem, obviamente, que não se possa tentar resolver o litígio extrajudicialmente, até porque, a pendência de uma ação judicial acarreta vários custos, designadamente dinheiro e, sobretudo, tempo e, num cenário em que existam infiltrações, quanto mais tempo se esperar, maiores serão os danos, maiores serão os custos associados à reparação e, obviamente, maiores serão os custos imputados a cada um dos condóminos e, em especial, à Ré;
- Não existe má fé do condomínio ou do condómino da fração G; o que existe é, de facto, a tentativa de resolver extrajudicialmente um litígio que deu entrada em Tribunal, mas que não carece – em absoluto – de aí ser resolvido;
- A sentença que vier a ser proferida no processo nº (…) – que corre termos no Juízo Local Cível de Almada – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa –esses autos terá influência na decisão dos presentes autos, porquanto: a) Ou se considera que as infiltrações têm origem em parte comum e que a responsabilidade é do condomínio, caso em que as deliberações impugnadas têm manifestamente cabimento; b) Ou se considera que as infiltrações têm origem em parte própria e que a responsabilidade é do condómino, caso em que as deliberações impugnadas não traduzem o interesse do condomínio;
- Deverá a presente instância ser suspensa, nos termos do art.ºº 272º do CPC, atendendo à existência de um processo judicial em curso cuja decisão relevará para a decisão dos presentes autos, sendo esta uma causa dependente e aquela uma causa prejudicial.
Impugnou ainda o valor da causa.

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3. Na sequência de despacho nesse sentido (…), a autora respondeu à exceção e à impugnação do valor, concluindo pela sua improcedência.

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4. Em (…) teve lugar audiência prévia, onde foi fixado o valor da causa.

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5. Após, (…) foi proferido saneador-sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu dos pedidos deduzidos pela autora.

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6. Não se conformando com esta decisão, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que decida anular as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 27 de Novembro de 2021, exaradas na Acta nº 2, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1- O Tribunal a quo ter entendeu que não houve qualquer irregularidade por a assembleia de condóminos se ter realizado com recurso a meios de comunicação à distância e que inexistiu abuso de direito;
2- Atenta a factualidade dada como assente, além de alegar que não tinha meios para participar na assembleia à distância, provou a recorrente que exigiu participar presencialmente na mesma assembleia.
3- Se a recorrente enviou faxes à administração do condomínio e não e-mails, certamente é porque não dispunha de computador ou outro meio electrónico de comunicação à distância que lhe permitisse participar na assembleia em causa.
4- Deve considerar-se que houve irregularidade por a assembleia ter-se realizado exclusivamente com recurso a meios de comunicação à distância, concluindo- se pela nulidade das deliberações ali tomadas.
5- O único interessado na realização da obra aprovada é o condómino da fracção G (2º dtº), um dos únicos dois presentes na assembleia, sendo que, conforme consta da acta impugnada, foi a seu pedido que foram solicitados os orçamentos.
6- Não foi demonstrada a necessidade da realização da obra nem a responsabilidade do condomínio pelo respectivo pagamento.
7- O condómino da fracção G, ao fazer aprovar uma obra que o beneficia, como sendo da responsabilidade do condomínio, quando essa responsabilidade está a ser discutida em tribunal, em acção contestada por condóminos não presentes, agiu em situação de claro abuso de direito, violando o mais elementar sentido de justiça.
8- As situações de abuso de direito não se esgotam no leque de densificação do conceito para o qual remete a douta sentença recorrida; veja-se a título de exemplo os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-11-2009 e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 Jun. 2019, no Processo 572/17.
9- Deve, pois, ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, determinar- se a procedência da acção”.

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7. O réu contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso.

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8. O requerimento recursório foi admitido por despacho de (…).

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9. Remetidos os autos a este Tribunal de recurso, (…), e inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
A) Se devem considerar-se nulas as deliberações tomadas na assembleia, por esta se ter realizado exclusivamente com recurso a meios de comunicação à distância?
B) Se ocorreu situação de abuso de direito que invalida a deliberação de aprovação de obras?

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3. Fundamentação de facto:

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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1- A A. é proprietária da fração autónoma designada pela letra “E, correspondente ao primeiro andar direito, destinada a habitação, com entrada pelo n.º (…) da Rua (…).
2- No dia 27 de Novembro de 2021, pelas 16.00 horas reuniu a Assembleia de Condóminos do prédio sito na Rua (…).
3- A mencionada Assembleia foi convocada para deliberar, entre outros, sobre o seguinte assunto identificado como ponto 5:
[...]
- Obras de conservação do exercício-apresentação de propostas de orçamento, discussão e votação,
4- Assembleia foi convocada para ter lugar através de meios de comunicação à distância, exclusivamente.
5- Como efectivamente veio a acontecer.
6- Em 24/11/2021, a autora enviou um fax à Administração do condomínio Réu, impugnando a decisão de realizar a Assembleia exclusivamente através de meios de comunicação à distância.
7- A discussão sobre a realização de obras na cobertura do edifício adveio “de reporte pelo condómino da fracção G (2º dtº), de possíveis infiltrações com alegada origem na cobertura...”
8- Consta da acta que foi aprovado por unanimidade o orçamento para “reabilitação do telhado com aplicação de subtelhas tipo Onduline, impermeabilização de caleiras, chaminés e guarda-fogos e criação de acesso ao telhado através da parte comum”, no valor de 17.000,00€ mais IVA, com pagamento em 4 mensalidades de quotizações extraordinárias de acordo com as permilagens das fracções.
Factos provados com base nos docs. 5 e 6 juntos com a p.i. (art.º 412º nº 2 do CPC):
9- O mencionado condómino do 2º dtº, ser Autor no processo (…) que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Almada - Juiz 1, e Réus o condomínio e todos os outros condóminos e no qual peticiona, entre outros pedidos, a reparação das patologias verificadas no imóvel em causa e na reparação dos vícios de manutenção e conservação do telhado e na caleira, procedendo ao seu isolamento.
10- Tal processo deu entrada em juízo em 23/10/2021.
11- Tal acção foi contestada, entre outros, pela aqui A., tendo sido pedida prova pericial para averiguação das alegadas infiltrações no telhado e na caleira e a origem das alegadas humidades existentes na fracção do ali Autor, condómino do 2º dtº.

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4. Fundamentação de Direito:

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A) Se devem considerar-se nulas as deliberações tomadas na assembleia, por esta se ter realizado exclusivamente com recurso a meios de comunicação à distância?
Na decisão recorrida, a respeito da forma de realização da assembleia cujas deliberações são impugnadas, escreveu-se o seguinte:
“(…) Eventuais vícios de que enfermam as deliberações postas em crise pela autora/nulidade versus anulabilidade
Na presente ação, a autora põe em crise deliberações tomadas em assembleia de condomínio. Em função da natureza dos vícios de que enfermam as deliberações, estas podem ser anuláveis ou nulas. No que diz respeito às ações anuláveis, o prazo de caducidade é o que supra referimos, ao passo que as nulidades podem ser apreciadas a qualquer tempo (cfr. art.º 286º do CC).
Primeiramente importa discorrer sobre os diferentes regimes jurídicos da anulabilidade e nulidade, quando estamos perante deliberações de assembleia de condomínio.
O regime das anulabilidades das deliberações tomadas em assembleia de condomínio contém-se no já do citado art.º 1433º do CC.
Uma deliberação social pode conter vícios suscetíveis de desencadear diversos tipos de sanção. Numa primeira fase transporemos para esta sentença o regime das deliberações em sede de associações civis. Estatui-se no art.º 177º do CC que “as deliberações de assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia são anuláveis”.
Quer isto dizer que as deliberações não poder enfermar de nulidade? Não. A este respeito aderimos à doutrina do Ac. da Relação de Lisboa de 17/12/2009, que transpõe para as associações de direito civil a doutrina dos institutos da nulidade e anulabilidade para o regime das sociedades comercias, no mencionado aresto escreve-se:
“A este respeito refere Menezes Cordeiro [22]: “No direito das sociedades comercias a invalidade comum é, nada se dizendo, a anulabilidade - como resulta do disposto no art.º 58º/1 a) - vingando a nulidade apenas quando a lei o diga – art.º 56º/1. Solução que se destina a facultar a consolidação das deliberações que não sejam rapidamente impugnadas de modo a facilitar o giro comercial”. Acrescenta o mesmo autor [23] que “a matéria foi transposta do Direito das sociedades comerciais para o das associações do Direito Civil. Todavia, a transposição foi efectuada numa ocasião em que ela não estava ainda sedimentada no Direito Comercial. Resultou daí um esquema que deve ser sistematicamente completado (...) Pois bem: é evidente que uma deliberação contrária à lei expressa ou de objecto impossível nunca poderia ser meramente anulável sob pena de se consolidar com o decurso do prazo; outro tanto será obvio no que toca a deliberação contrárias aos bons costumes ou à ordem pública Temos de admitir ao lado das deliberações anuláveis, deliberações verdadeiramente nulas (...) As deliberações que recaiam sobre matéria que, por natureza, escape às decisões das assembleias, serão igualmente nulas por impossibilidade jurídica ”. Entende, de seguida, que “As deliberações nulas aplica-se o regime geral do art.º 286o em detrimento do art.º 178º CC” e que “toda esta matéria é ainda reforçada pelos art.ºs 56º/1 e 58º/1 do CSCom”(versão integral em www.dgsi.pt).
As deliberações sociais podem enfermar de nulidade ou anulabilidade, sendo a regra a da anulabilidade, que ocorre sempre que a lei não determina a nulidade, tal como se infere do disposto no art.º 58º, nº 1, al. a) do CSC.
As causas de nulidade das deliberações sociais são as enumeradas no art.º 56º, nº 1:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios;
d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem por vontade unânime dos sócios.
As invalidades das deliberações sociais distinguem-se em vícios de processo ou de procedimento e vícios de conteúdo ou de substância.
Há vício no procedimento quando é o processo ou modo de formação da deliberação que está inquinado (v.g., na convocação, reunião, votação e apresentação de propostas, contagem de votos, apuramento de resultados). Há vício no conteúdo quando este ocorre na deliberação em si.
Em regra, os vícios no procedimento implicam a anulabilidade da deliberação, só gerando nulidade nos casos excecionais previstos nas als. a) e b) do nº 1 do citado art.º 56º.
Os vícios no conteúdo geram anulabilidade quando se trate da violação de uma regra do contrato ou de uma norma legal dispositiva; quando esteja em causa a violação de uma norma legal imperativa (ou a ordem pública ou os bons costumes), a consequência será a nulidade da deliberação.
Vamos seguidamente analisar os vícios que a autora alega.
Da realização da assembleia à distância em função das circunstâncias pandémicas
A convocatória da assembleia foi expedida em 15.11.2021 e referia que a mesma seria realizada por meios de comunicação à distância, tal como definido no art.º 5-A, n.º 2, al. a) da Lei 1-A/2020 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-B/2021).
Reza o Artigo 5.º-A
Realização de assembleias de condóminos
1- A realização de assembleias de condóminos obedece às regras aplicáveis à realização de eventos corporativos, vigentes em cada momento e para a circunscrição territorial respetiva.
2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, é permitida e incentivada a realização de assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância no ano de 2021, nos termos seguintes:
a) Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar através de meios de comunicação à distância, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto, presencialmente e por videoconferência;
b) Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia ter de se realizar presencialmente ou em modelo misto.
O art.º 5º-A, aditado á Lei nº. 1-A/2020, de 19/03, pela Lei nº. 4-B/2021, de 01/02, prevendo (e incentivando), em plena situação pandémica, acerca da possibilidade e modo de realização das assembleias de condóminos, através de meios de comunicação à distância, no ano de 2021, não instituiu uma obrigatoriedade de realização, mas antes e apenas, nos termos legalmente inscritos, uma permissão de realização_(cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-03-2023, proferido no proc. 421/14.1TBCSC-C.L1-2, versão integral em www.dgsi.pt).
Caso a autora entendesse que não dispunha de condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância, tinha o ónus de transmitir essa limitação à administração do condomínio, ora a autora na petição inicial não alega ter cumprido tal ónus e da comunicação que remeteu à administração (doc. 4 junto com a p.i.) previamente à realização da assembleia invocam-se dois fundamentos para impugnar a assembleia, mas não é comunicada qualquer impossibilidade daquela de participar na reunião realizada por aquele modo.
Não há, pois, qualquer irregularidade por a assembleia ter-se realizado com recurso a meios de comunicação à distância.”.
Nas conclusões recursórias 1.ª a 4.ª, a apelante enunciou o seguinte:
“1- O Tribunal a quo ter entendeu que não houve qualquer irregularidade por a assembleia de condóminos se ter realizado com recurso a meios de comunicação à distância e que inexistiu abuso de direito;
2- Atenta a factualidade dada como assente, além de alegar que não tinha meios para participar na assembleia à distância, provou a recorrente que exigiu participar presencialmente na mesma assembleia.
3- Se a recorrente enviou faxes à administração do condomínio e não e-mails, certamente é porque não dispunha de computador ou outro meio electrónico de comunicação à distância que lhe permitisse participar na assembleia em causa.
4- Deve considerar-se que houve irregularidade por a assembleia ter-se realizado exclusivamente com recurso a meios de comunicação à distância, concluindo- se pela nulidade das deliberações ali tomadas”.
E, na motivação do recurso, a respeito da questão que enunciou como “B.1- Quanto à regularidade da assembleia” referiu a apelante que:
“(…) conforme consta da p.i., a ora recorrente alegou, nos art.ºs 7º a 10º, que "a ora A. considerou não ter condições para participar nesses termos na Assembleia, uma vez que não dispõe de meios nem de conhecimentos informáticos suficientes para o efeito; Por esse motivo, logo em 24/11/2021, enviou um fax à Administração do condomínio Réu, impugnando a decisão de realizar a Assembleia exclusivamente através de meios de comunicação à distância, conforme doc. nº 4; Na verdade, a intenção do legislador, que se extrai da al. b) do nº 2 do art.º 5º-A da Lei nº 1-A/2020, de 19/3, é a de garantir o direito de participação nas Assembleias de Condóminos a todos os condóminos, independentemente de terem ou não possibilidade de utilização de meios informáticos, que muitos não dominam ou nem possuem; Ora, ao verificar que, pelo menos, a A. manifestou a sua intenção de participar presencialmente na Assembleia, em modelo misto (Cfr. doc. 4), a obrigação da Administração do condomínio Réu era dar cumprimento à referida al. b) do n 2 do art.º 5º -A da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de Março.”

Ou seja, além de alegar que não tinha meios para participar na assembleia à distância, provou a recorrente que exigiu participar presencialmente na mesma assembleia. Diz-se ainda que, se a A./recorrente enviou faxes à administração do condomínio e não e-mails, certamente é porque não dispunha de computador ou outro meio electrónico de comunicação à distância que lhe permitisse participar na assembleia em causa.
Assim, deve revogar-se a douta sentença nessa parte, considerando-se que houve irregularidade por ter a assembleia sido realizada, exclusivamente, com recurso a meios de comunicação à distância, concluindo-se pela nulidade das deliberações ali tomadas”.
Contrapõe o apelado, dizendo que a apelante não cumpriu o ónus constante do art.º 5º-A, n.º 2, al. b) da Lei 1-A/2020 (com as alterações resultantes da aprovação da Lei n.º 4-B/2021), não tendo transmitido à Administração que estaria objetiva e materialmente impossibilitada de estar presente na Assembleia de Condóminos realizada através de meios telemáticos, sendo que, na petição inicial, também não alega que tenha transmitido essa impossibilidade à Administração, motivo pelo qual – entende - a realização da assembleia deve ter-se por regularmente efetuada.
Vejamos:
Conforme resulta do artigo 1430.º do CC, o condomínio dispõe de dois órgãos administrativos que se destinam à administração das partes comuns do edifício – cfr. artigo 1429.º do CC: A assembleia de condóminos (órgão deliberativo) e o administrador do condomínio (órgão executivo e representativo), que tem como principal função executar as deliberações tomadas pela assembleia.
A propriedade horizontal caracteriza-se pela existência de uma coletividade, uma comunidade de condóminos com um interesse comum, relativo às partes comuns, aqui se estabelecendo relações que importa regular, porquanto se trata de uma realidade em que a liberdade de um termina onde começa a dos outros.
“A interdependência existente entre as partes comuns e as fracções autónomas num prédio em propriedade horizontal – que tem de ser entendida à luz da função instrumental que aquelas desempenham –, repercute-se no regime jurídico aplicável a umas e a outras” (assim, o acórdão do STJ de 12-10-2017, Pº 1989/09.0TVPRT.P2.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA).
As deliberações da assembleia de condóminos têm lugar em reuniões realizadas para tal finalidade, dispondo a lei de condições específicas sobre a sua forma de convocação, realização e tomada de deliberação, bem como, para a comunicação das deliberações tomadas.
Conforme salienta José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, pp. 694-695), “[a] realização de uma assembleia está sujeita a um apertado formalismo de convocação, que se prende sobretudo com a necessidade de assegurar o conhecimento prévio dos condóminos sobre os assuntos sujeitos a deliberação. Caso o formalismo legal não seja cumprido, as deliberações tomadas são inválidas e podem ser impugnadas (…)”.
De facto, toda a reunião da assembleia de condóminos deve ser precedida de uma convocatória.
À data da convocação da assembleia em questão – 15-11-2021 – vigorava, sobre a matéria, o artigo 1432.º do CC - na redação do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro (anterior à que, ulteriormente, veio a ser conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro) - aí se dispondo o seguinte:
“1 - A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.
2 - A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4 - Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5 - As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6 - As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7 - Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8 - O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.
9 - Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante”.
Como é característico de uma qualquer assembleia, as mesmas têm, em regra, caráter presencial, decorrendo na presença simultânea e espácio-temporal dos demais condóminos, ou seja, na mesma ocasião e local.
Contudo, na sequência da pandemia Covid-19 e da legislação especial aprovada em razão de tal fenómeno e das exigências decorrentes do mesmo, veio a ser publicada a Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março que aprovou “medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2020, de 19 de março, “a participação por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência de membros de órgãos colegiais de entidades públicas ou privadas nas respetivas reuniões, não obsta ao regular funcionamento do órgão, designadamente no que respeita a quórum e a deliberações, devendo, contudo, ficar registado na respetiva ata a forma de participação”.
Por seu turno, o artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, veio aditar à referida Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, um artigo 5.º-A com a seguinte redação:
“Artigo 5.º-A
Realização de assembleias de condóminos
1 - A realização de assembleias de condóminos obedece às regras aplicáveis à realização de eventos corporativos, vigentes em cada momento e para a circunscrição territorial respetiva.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é permitida e incentivada a realização de assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância no ano de 2021, nos termos seguintes:
a) Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar através de meios de comunicação à distância, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto, presencialmente e por videoconferência;
b) Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia ter de se realizar presencialmente ou em modelo misto.
3 - A assinatura e a subscrição da ata podem ser efetuadas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.
5 - Compete à administração do condomínio a escolha por um ou por vários dos meios previstos na alínea a) do n.º 2, bem como a definição da ordem de recolha das assinaturas ou de recolha das declarações por correio eletrónico, a fim de assegurar a aposição das assinaturas num único documento.
6 - As assembleias de condóminos e a assinatura ou subscrição das respetivas atas que tenham sido realizadas antes da data de entrada em vigor do presente regime são válidas e eficazes desde que tenha sido observado o procedimento previsto nos números anteriores”.
O referido regime que possibilitou a realização de assembleias de condóminos por meios de comunicação à distância – mantido em vigor para 2022, pela Lei n.º 91/2021, de 17 de dezembro – veio a integrar, ulteriormente, o D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro, onde, pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro (diploma retificado, conforme Declaração de retificação n.º 5/2022, publicada no D.R., 1.ª série, n. 27, de 08-02-2022, p. 2) veio a ser aditado um artigo 1.º-A ao referido D.L. n.º 268/94, passando a dispor-se que, “sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência” (n.º 1) e que, “caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários, sob pena de a assembleia não poder ter lugar através daqueles meios” (n.º 2).
Conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-03-2023 (Pº 421/14.1TBCSC-C.L1-2, rel. ARLINDO CRUA), o referido artigo 5.º-A “prevendo (e incentivando), em plena situação pandémica, acerca da possibilidade e modo de realização das assembleias de condóminos, através de meios de comunicação à distância, no ano de 2021, não instituiu uma obrigatoriedade de realização, mas antes e apenas, nos termos legalmente inscritos, uma permissão de realização”.
Tal faculdade de realização de assembleias de condóminos, através de meios de comunicação à distância, dependia, à luz do referido artigo 5.º-A dos seguintes pressupostos:
- Determinação da administração do condomínio ou requerimento da maioria dos condóminos, no sentido de a assembleia de condóminos se realizar por meios de comunicação à distância, preferencialmente videoconferência ou, em modelo misto (presencialmente e por videoconferência), cabendo tal escolha – nos termos do n.º 5 do mesmo artigo – à administração do condomínio- cfr. artigo 5.º-A, n.º 2, al. a) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março; e
- Dever da administração do condomínio assegurar os meios necessários para participar na assembleia à distância, quando o condómino (qualquer um) não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio – cfr. artigo 5.º-A, n.º 2, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Se, no caso previsto na alínea b) do n.º 2 do referido artigo 5.º-A - em que o condómino tenha invocado não dispor de condições para participar à distância e tenha transmitido tal impossibilidade à administração do condomínio – a assembleia não lhe facultar os meios para participar na assembleia, a assembleia teria de se realizar presencialmente ou em modelo misto (presencial e à distância).
Por seu turno, conforme salienta Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2009, p. 222), “[a]s eventuais irregularidades do procedimento de convocação -e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas a anulação. Nas deliberações resultantes de assembleias irregularmente convocadas há uma violação lateral da lei, através do processo formativo da assembleia. Serão, por isso, de acordo com o regime regra, deliberações meramente anuláveis. O desrespeito dos limites impostos pela lei importa a anulabilidade da decisão adoptada, com a consequência que, não sendo esta tempestivamente impugnada, o vício de que é afectada considera-se sanado”.
Contudo, obviamente, a participação dos condóminos na reunião, manifestando vontade de que a assembleia se constitua e delibere, sana a irregularidade ou a falta de convocação do condómino respetivo.
“As irregularidades do procedimento de convocação da assembleia de condóminos, seja por inobservância do prazo de antecedência, seja por omissão de convocatória de um ou mais condóminos, seja por ter sido convocada por quem não tem legitimidade, têm como consequência que as deliberações que nessa assembleia sejam tomadas são inválidas e estão sujeitas à arguição de anulabilidade respectiva. O ónus de provar que todos os condóminos foram tempestivamente convocados para a assembleia incumbe à entidade convocante, não se podendo encarregar o condómino da prova negativa da inobservância de tal obrigação legal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-07-2023, Pº 19909/21.1T8LSB.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS).
Ora, revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, verifica-se – passando em revista os factos considerados assentes (e não impugnados pela apelante) pelo Tribunal recorrido, que a assembleia de 27-11-2021 foi convocada para ter lugar através de meios de comunicação à distância, exclusivamente, como veio, de facto, a acontecer (cfr. factos n.ºs. 4 e 5).
Mais resultou assente que, em 24/11/2021, a autora enviou um fax à Administração do condomínio Réu, impugnando a decisão de realizar a Assembleia exclusivamente através de meios de comunicação à distância (cfr. facto n.º 6).
Esse fax consta dos autos – cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial – e nele consta escrito, em particular, o seguinte:
“Assunto: - N/Faxes de 25-10-21; 5-11-21; e 19-11-2021
- ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS DE 27-11-21, ÀS 15H30;
CONVOCATÓRIA DE 15 DE NOVEMBRO DE 2021, rececionada em 18 de Novembro de 2021
(…).
1. Na sequência dos faxes suprareferenciados venho impugnar a CONVOCATÓRIA devido à ausência de análise dos processos judiciais pendentes a que temos feito menção.
2. Impugno também a ASSEMBLEIA a realizar sem o modelo misto imposto pela norma do art.º 5.º-A, nº 2, alínea a) da Lei 1-A/2020 alterada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
3. Tais documentos são inválidos e ineficazes.
Atentamente,
(…)”.
Ora, conforme resulta do artigo 5.º-A, n.º 2, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro), o dever da administração do condomínio assegurar a condómino os meios necessários para participar na assembleia à distância, depende de o condómino (qualquer um) invocar, “fundamentadamente”, não ter condições para participar na assembleia através de meios de comunicação à distância, implicando que tal invocação - justificada - de não poder participar, desse modo, naquele ato, tenha sido transmitida à administração do condomínio.
A singela comunicação, efetuada pelo condómino – a ora recorrente – à assembleia de condóminos, dizendo, de forma genérica, “impugno (…) a assembleia a realizar sem o modelo misto imposto pela norma do art.º 5.º-A, nº 2, alínea a) da Lei 1-A/2020 alterada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro”, embora assinale um inconformismo com a convocatória endereçada, não consubstancia uma fundamentada invocação da ausência de condições do condómino para participar na assembleia através de meios de comunicação à distância, nos termos a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º-A da Lei n.º 1-A/2020 (aditada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro), pelo que, não implicava que a assembleia devesse ter lugar em modelo presencial ou misto.
A decisão recorrida, que reconheceu, em conformidade com o acima referido, que a autora não invocou tal ausência de condições para participar na reunião convocada do modo que tinha sido comunicado, não merece, pois, qualquer censura.
Soçobram, pois, as conclusões recursórias, em contrário, aduzidas pela apelante.

*
B) Se ocorreu situação de abuso de direito que invalida a deliberação de aprovação de obras?
Concluiu ainda a apelante, no recurso apresentado, que:
“5- O único interessado na realização da obra aprovada é o condómino da fracção G (2º dtº), um dos únicos dois presentes na assembleia, sendo que, conforme consta da acta impugnada, foi a seu pedido que foram solicitados os orçamentos.
6- Não foi demonstrada a necessidade da realização da obra nem a responsabilidade do condomínio pelo respectivo pagamento.
7- O condómino da fracção G, ao fazer aprovar uma obra que o beneficia, como sendo da responsabilidade do condomínio, quando essa responsabilidade está a ser discutida em tribunal, em acção contestada por condóminos não presentes, agiu em situação de claro abuso de direito, violando o mais elementar sentido de justiça.
8- As situações de abuso de direito não se esgotam no leque de densificação do conceito para o qual remete a douta sentença recorrida; veja-se a título de exemplo os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-11-2009 e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13 Jun. 2019, no Processo 572/17.”.
Na motivação do recurso, a apelante, depois de recordar os factos dados como assentes nos n.ºs. 7, 8, 9 e 10, invocou, a este respeito que:
“(…) a questão que a recorrente levantou, e para a qual continua aqui a chamar a atenção, é que a assembleia foi constituída por apenas dois condóminos, ambos conhecedores da acção prévia, sendo esta contestada por outros condóminos, nenhum dos quais presente na mesma assembleia.
Ou seja, conforme a recorrente alegou na p.i., o único interessado na realização da obra aprovada é o condómino da fracção G (2º dtº), um dos únicos dois presentes na assembleia.
Conforme consta da acta impugnada, foi a seu pedido que foram solicitados os orçamentos.
Por outro lado, em lado algum, seja na acta, seja em qualquer documento anterior, foi demonstrada a necessidade da realização de tal obra e a responsabilidade do condomínio no respectivo pagamento.
Assim, não restam dúvidas de que o condómino do 2º dtº, juntamente com o outro condómino presente, valendo-se da ausência dos restantes condóminos e de discussão efectiva sobre o assunto em causa, fez aprovar uma obra no valor global superior a 20.000,00€ (!)
Contrariamente ao decidido, esta factualidade demonstra que, ao agir da forma descrita, o condómino do 2º dtº, agiu manifestamente em abuso de direito.
O referido condómino comportou-se no exercício de um direito que, formalmente, lhe pertencia, mas de modo a exceder, manifestamente, os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do mesmo.
Como já deliberou o douto Acórdão do STJ, datado de 8-7-1997, in CJ (STJ), Ano V, T2, 146, “Age em abuso de direito o condómino que, sozinho, em assembleia geral de condomínio que tem apenas, dois, condóminos, simultaneamente invocar o seu valor de 666,97% constante da escritura pública constitutiva para poder realizar a alegada assembleia, e reais valores semelhantes para «deliberar» débitos iguais dos dois condóminos, no âmbito do nº 1 do artigo 1424º do Código Civil”.
Com o devido respeito, as situações de abuso de direito não se esgotam no leque de densificação do conceito para o qual remete a sentença recorrida”.
E, para além do referido Acórdão, a recorrente convoca, no sentido da sua alegação, o decidido nos Acórdãos do STJ de 12-11-2009 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-06-2019:
“- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-11-2009:
"O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar (12).
Um dos casos tipo de aplicação do princípio da boa fé, em que se desdobra o abuso de direito, é constituído pelo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, nomeadamente, em caso de desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto a outrem, de modo a que, ultrapassados certos limites, esse exercício se revele abusivo, por afrontar a boa fé.
Esta variante do abuso de direito desenvolve-se através de um exercício jurídico, aparentemente, regular, embora desencadeie resultados, totalmente, alheios ao que o sistema poderia admitir, traduzindo um puro desequilíbrio objectivo, que pode fazer apelo ao princípio da materialidade subjacente (13).
Por outro lado, sendo diversas as motivações que estão subjacentes aos fins proscritos pela lei, interessam à boa fé, aos bons costumes e ao fim do direito, quer os factores subjectivos, quer a intenção da actuação do titular, desde que este, no exercício do direito, exceda, manifestamente, os limites contidos naqueles parâmetros legais (14).
Pretende-se impedir com o abuso de direito que a norma seja desvirtuada do seu real sentido e alcance, aplicando-a, mas com autêntica fidelidade ao seu espírito (15). Impõe-se, por isso, para que haja abuso de direito, que o excesso do titular ultrapasse esses limites, de forma manifesta, com o fim de prejudicar outrem (16), sendo certo que o abuso de direito é um limite normativo interno ou imanente dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados (17)."
Ora,
O condómino, ao fazer aprovar uma obra que o beneficia, como sendo da responsabilidade do condomínio, quando essa responsabilidade está a ser discutida em tribunal, em acção contestada por condóminos não presentes,
"comportou-se por forma a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros terão de suportar.
A liberdade contratual, a que se reporta o artigo 405º, nº 1, do CC, está sujeita, além do mais, a restrições impostas pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito, sendo ilegítima quando possa lesar, de forma intolerável, os direitos de outrem. Ao actuar pela forma descrita, a ré comportou-se no exercício de um direito que, formalmente, lhe pertencia, mas de modo a exceder, manifestamente, os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do mesmo, ou seja, agiu com abuso de direito (20). E o abuso de direito, sendo uma forma de antijuricidade ou de ilicitude, equivale à falta de direito (21), gerando as mesmas consequências jurídicas que se produzem quando uma pessoa pratica um acto que não tem o direito de realizar (22), que podem ser a obrigação de indemnizar, nos termos gerais da responsabilidade civil, consagrados pelo artigo 483º, e, quando ocorra na pratica de negócios jurídicos, também, em princípio, a nulidade, desde que sejam celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, em conformidade com o disposto pelo artigo 294º, ambos do CC (23).
Contudo, o negócio jurídico pode ser contrário a uma disposição legal de carácter imperativo, hipótese em que rege o estipulado pelo artigo 294º, que comina o vício, em princípio, com a sanção da nulidade, ou, tão-só, contrário à lei, hipótese em que se aplica o artigo 280º, nº 1, ambos do CC, que estatui para o vício, igualmente a sanção da nulidade. Com efeito, o negócio jurídico contrário a uma proibição legal é um negócio com prestação, juridicamente, impossível e, portanto, nulo, pois que quando a lei proíbe certo conteúdo negocial fá-lo, por meio de disposições cogentes, que se encontram subtraídas à liberdade de disposição das partes (24).
Assim sendo, obedecendo a estatuição da norma do artigo 45º, dos Regulamentos de Condomínio, ao princípio da livre disposição negocial, consagrado pelo artigo 1424º, nº 1, que não contém um preceito de conteúdo imperativo, mas antes uma norma supletiva, não enferma do vício da nulidade, neste âmbito, em virtude de o respectivo negócio jurídico não ser contrário a qualquer disposição legal de carácter imperativo, atento o preceituado pelo artigo 294º, mas porque o seu objecto, não sendo contrário à lei imperativa, não se limita a afastar a norma supletiva, e infringe o normativo legal, previsto pelo artigo 334º, que interdita o abuso de direito, está, mesmo assim, ferido de nulidade, com base no preceituado pelo artigo 280, nº 1, todos do CC.
Efectivamente, podendo as normas supletivas ser sempre derrogadas ou modificadas pela vontade dos particulares, é nulo, manifestamente, o negócio jurídico que viola disposição legal de natureza imperativa, mas, também, aquele que infringe a lei, como acontece quando afronta o princípio geral do abuso de direito.
Assim sendo, em consequência do abusivo exercício do direito pela ré, declarara-se a nulidade do artigo 45º, dos Regulamentos do Condomínio, segundo o qual, no seu nº 1, se estatui que "desde que não utilize, por qualquer forma, as fracções autónomas de que seja titular, a proprietária originária do prédio "FFFF, Ldº", ora ré, fica isenta do pagamento de quaisquer das respectivas quotizações condominiais e da satisfação de quaisquer despesas dessa natureza, com excepção das necessárias à reparação das danificações ocorridas nos equipamentos e partes comuns dos edifícios e à satisfação da retribuição e das despesas de expediente da Administração do Condomínio", e no seu nº 2, se dispõe que "não obstante o disposto no subsequente artigo quadragésimo sexto, o artigo quadragésimo quinto só é alterável ou eliminável com o expresso consentimento da FFFF, Ldº, sua beneficiária e ora ré"."
- Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão de 13 Jun. 2019, Processo 572/17:
"De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 9/04/2013, "O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça" (in C.J., Acs. do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121), citado no Acórdão desta Relação de 08/03/2018, processo nº 47/16.5T8VPA.G1, relatado pelo aqui adjunto Fernando Fernandes Freitas, in www.dgsi.pt."
No entender da recorrente, a actuação de um condómino que aprova uma obra no valor de 20.000,00€ que o beneficia, como sendo da responsabilidade do condomínio, quando essa responsabilidade está a ser discutida em tribunal, em acção contestada por condóminos não presentes, está violar o sentido de justiça. Ao validar essa actuação, escudando-se em meras questões formais, o Tribunal a quo está a tomar uma decisão ilegal e que deve ser revogada (…)”.
A questão que importa dilucidar é, pois, a de saber se ocorreu o invocado abuso de direito e se tal determina a invalidade do deliberado na assembleia de 24-11-2021.
Vejamos:
Sobre os vícios das deliberações da assembleia de condóminos, estatui o n.º 1 do artigo 1433.º do CC que, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Mas, como adverte José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, pp. 696-697), “este preceito (…) requer uma atenção particular na sua interpretação. Tomado à letra, ele significaria que uma deliberação contrária à lei seria sempre anulável, qualquer que ela fosse, e, portanto, ainda que incidisse sobre matérias subtraídas à competência da assembleia, nomeadamente matérias respeitantes às fracções autónomas ou mesmo a aspectos exteriores ao condomínio.
(…) O art.º 1433.º, n.º 1 abrange apenas as deliberações tomadas sobre as matérias para as quais a assembleia tenha competência, ou seja, a administração das partes comuns (art.º 1430.º, n.º 1). Qualquer deliberação tomada fora do âmbito da competência da assembleia é juridicamente nula e não apenas anulável. O condómino afectado não tem, pois, de lhe dar cumprimento, uma vez que ela não o vincula”.
Assim, em diversos casos, a ocorrência de um vício de nulidade determina a impossibilidade de convalidação da deliberação aprovada e não impugnada.
Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais; UCP, Lisboa, 2017, p. 403) enuncia que são nulas “as deliberações da assembleia que respeitem às frações autónomas dos condóminos, por violação do artigo 1305.º, n.º 1” e “as deliberações da assembleia que violem certas normas imperativas” (nesta linha, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2013, Pº 2917/09.8TBMTJ.L2-6, rel. FÁTIMA GALANTE).
Relativamente ao primeiro caso, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 22-10-2019 (Pº 1945/18.7T8LSB.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA) foi diverso: Considerou-se ser “ineficaz a deliberação da assembleia de condóminos que versa sobre assuntos sobre os quais a assembleia não tem competência, designadamente porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário ou porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fração autónoma” (também neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-03-2014, Pº 303/12.1TJPRT.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO).
Relativamente ao segundo caso – deliberações da assembleia que violam normas imperativas – encontram-se nesta categoria, por exemplo, as deliberações pelas quais “a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o n.º 1 do art.º 1421.º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art.º 1428.º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art.º 1427.º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art.º 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no n.º 1 do art.º 1429.º), as deliberações tomadas devem considerar-se nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado; Vol. III, p. 448).
Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2009, pp. 251-252) reportando-se às deliberações nulas refere o seguinte:
“Quando a assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública, as deliberações tomadas devem considerar-se nulas e, como tal, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado nos termos do artigo 286.º. Se assim não fosse, estaria nas mãos dos condóminos derrogar os preceitos em causa; bastaria que, após a aprovação das deliberações, nenhum deles a impugnasse. Por exemplo, a assembleia poderia autorizar a divisão das partes necessariamente comuns do edifício (artigo 1421.º, n.º 1) ou, desrespeitando o artigo 1429.º, poderia dispensar o seguro contra o risco de incêndio, ou suprimir o recurso dos actos do administrador apesar do disposto no artigo 1438.º.
São nulas as deliberações que violem normas gerais imperativas, nomeadamente, são nulas as deliberações cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (cfr. artigo 280.º).
Conhecer os preceitos da lei cuja violação dá origem à nulidade da deliberação é um problema de interpretação sistemática-normativa. Pertencem necessariamente ao conjunto dos preceitos em causa as normas que tutelam directamente o interesse público ou que estabelecem tutela autónoma de terceiros”.
Assim, são nulas as deliberações que violem normas gerais imperativas, nomeadamente, cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável – cfr. artigo 280.º do CC.
A recorrente considera a deliberação sobre obras tomada na assembleia de 24-11-2021 é ilegal, por um dos condóminos que a aprovou ter agido em abuso de direito.
Dispõe o artigo 334º do CC que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Comentando o referido preceito legal, refere Almeida Costa (Direito das Obrigações; 5ª Ed., 1991, p. 65) que, “o nosso legislador aceitou a concepção objectiva do abuso de direito. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário. Exige-se, todavia, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. A lei refere-se ao exercício de direitos - o caso paradigmático de actuação do instituto. A sua letra, portanto, não abrange imediatamente quaisquer hipóteses de inércia ou omissão de exercício que possam também considerar-se abusivas. Mas parece que isso não deve constituir obstáculo insuperável, contanto que se encontrem soluções do segundo tipo clamorosamente ofensivas da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito (...)”.
Menezes Cordeiro (Da Boa-Fé no Direito Civil, 1997, pp. 717-718) sustenta que o artigo 334º do CC é o resultado codificado de uma série de regulações típicas de comportamentos abusivos, apreciados pela doutrina germânica.
Abordando, de forma detalhada e completa o instituto do abuso de direito, o mesmo Autor (no Tratado de Direito Civil Português; Vol. I, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 199 a 213) enuncia seis tipos característicos em que se pode manifestar o instituto do “abuso de direito”, a saber:
- A “exceptio doli” (que permitia no Direito Romano deter uma posição jurídica do adversário, num caso, invocando o defendente a prática, pelo autor, de dolo no momento da formação da situação jurídica levada a juízo e, noutro, contrapondo o defendente o incurso do autor em dolo no próprio momento da discussão da causa);
- O “venire contra factum proprium” (ablação do brocardo latino “venire contra factum proprium nulli concidetur”, significando, que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto, expressando a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios);
- As “inalegabilidades formais” (consistente na alegação, em contradição com a boa fé, de invalidade derivada da inobservância da forma prescrita por lei para certos negócios);
- A “supressio” (posição jurídica que não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais o pode ser, pois, tal exercício atenta contra a boa fé) e a “surrectio” (caso em que uma pessoa vê surgir na sua esfera jurídica, por força da boa fé, uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria);
- O “tu quoque” (expressão que visa cobrir os casos em que aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partida da violação exigindo, a outrem, o acatamento das consequências daí resultantes); e
- O “desequilíbrio no exercício” (ou seja, aquelas situações em que ocorre desequilíbrio no exercício de várias posições jurídicas, nos diversos casos em que tal desequilíbrio se pode manifestar: exercício danoso inútil; dolo agit qui petita quod statim redditurus est; e a desproporcionalidade).
O abuso do direito pressupõe a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto onde ele deve ser exercido (cfr. Castanheira Neves, Questão de Facto, Questão de Direito, I-513 e sgs.; Cunha de Sá, Abuso do Direito, Lisboa, 1973-451 e sgs.; A. Varela, Abuso do Direito, Rio de Janeiro, 1982 e Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., anot. ao art.º 334 CC; e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed., p. 6).
O abuso do direito exige a alegação e prova de circunstâncias excecionais relativas ao seu exercício, cujo ónus cabe ao demandado (arts. 334.º e 342.º CC).
O abuso de direito tem todas as consequências de um acto ilegítimo: Pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade nos termos gerais do art.º 294.º do C.C., à legitimidade de oposição, ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade (cfr. Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107.º, p. 25).
Antunes Varela sublinha que a condenação por abuso de direito “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado de aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, de direitos de certo tipo”, acrescentando que, a solução do art.º 334º do Código Civil só aponta para os casos de contradição manifesta (in R.L.J., Ano 128º, pág. 241).
Por seu turno, Castanheira Neves configura o abuso de direito como um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjetivos, pelo que, no comportamento abusivo, são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados (Questão-de-facto-questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade: ensaio de uma reposição crítica, Coimbra, 1968, p. 526, nota 46).
Segundo Coutinho de Abreu, “há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem” (Do Abuso de Direito, Almedina, Coimbra, 1999, p. 43).
Para Baptista Machado, o juiz tem de decidir primeiro a questão de saber se o direito invocado existe, ou não, e só no caso de concluir pela sua existência (não o caso inverso), lhe é lícito apreciar o exercício abusivo do mesmo direito (in Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano IX, t. 2, p. 17).
Especificamente, no âmbito da propriedade horizontal e a respeito dos termos de aprovação de obras por assembleia de condóminos, a doutrina tem apreciado em que termos poderá considerar-se ocorrer uma situação de abuso de direito.
Assim, Filipe Albuquerque Matos (“Obras nas partes comuns e abuso de direito dos condóminos”, in Propriedade Horizontal – Jornadas (coord. de Margarida Costa Andrade, Madalena Teixeira e Nuno Abranches Pinto), Gestlegal, 2022, p. 163 e ss.) aborda o problema da “ilicitude dos comportamentos dos condóminos no que tange à realização de obras nas partes comuns do edifício, naquela modalidade especial de ilicitude consubstanciada no abuso de direito (art.º 334.º do C. Civil)”, centrando a questão, não na conformidade legal da conduta formal dos condóminos, mas apurando em que termos, no exercício dos poderes ou prerrogativas que a propriedade horizontal confere aos condóminos, os mesmos exorbitam manifestamente dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social, apreciou diversas situações que colheu da análise jurisprudencial a que procedeu, em particular:
- A possibilidade de invocação pelos condóminos da exceção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428.º do CC, perante a administração do condomínio, pela falta de realização de obras de reparação de vícios nas partes comuns e que são causadoras de danos em fração autónoma do condómino que invoca tal meio de defesa;
- Pretensões dos condóminos contra o condomínio, por aqueles terem sido forçados a realizar obras de reparação nas suas frações autónomas, tidas como absolutamente necessárias para retificar vícios provocados pela falta de realização de obras nas partes comuns, mas em que os condóminos não cumpriram a obrigação de contribuir para despesas de conservação ou fruição do prédio;
- A aprovação de alterações que desrespeitem o regime estatuído no artigo 1425.º do CC, a respeito de inovações, em particular, questões relacionadas com o processo deliberativo destinado à realização de obras nas partes comuns, reportando-se, nomeadamente, a “incoerências na votação de vários condóminos em assembleias de condomínio distintas, quanto à qualificação de certas obras a realizar no prédio como inovações”; e
- A pretensão do condomínio de demolição de obras realizadas por um dos condóminos realizadas para permitir a realização do fim normal a que a mesma se destina, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal e que não são suscetíveis de causar prejuízos no prédio e aos respetivos condóminos, mas a introduzir nele benefícios.
Conclui o referido Autor (ob. cit., p. 186) que, nesta matéria - para aferir se, em matéria de aprovação de obras nas partes comuns configura abuso de direito - “cumpre (…) ponderar devidamente, quer o tipo de interesse que se encontra por detrás dos pedidos dos condóminos relativos a obras, quer o tipo de obras realizadas pelos condóminos e as finalidades nas mesmas coenvolvidas pois, só deste modo se pode aquilatar, in concreto, da relevância do binómio interesses colectivos do condomínio/interesses individuais ou pessoais dos condóminos que se encontra omnipresente na propriedade horizontal, e em particular neste contexto da realização de obras”.
Ora, a respeito da invocação do abuso de direito do condómino da fracção G (2º dtº), - um dos únicos dois presentes na assembleia - sustentada pela autora na aprovação de obra no valor de 20.000,00€ (em rigor, perfazendo, € 21.750,00, conforme resulta da respetiva ata), que beneficia o referido condómino, em que a responsabilidade do condomínio está a ser discutida em Tribunal em ação judicial (o que era do conhecimento dos condóminos presentes na assembleia) contestada por condóminos não presentes, ação essa que foi instaurada antes da assembleia de condóminos de 24-11-2021, o Tribunal recorrido concluiu não ocorrer situação de abuso de direito, expendendo, na decisão recorrida, as seguintes considerações:
“(…) A Assembleia Geral reuniu com 2 (dois) condóminos que representavam 415% da permilagem total do edifício.
É certo que pende a acção judicial (…), na qual um dos condóminos que votou favoravelmente a deliberação para realização de obras que, a concretizarem-se, vai no sentido que peticiona na aludida acção judicial e que, poderá ter reflexos no prosseguimento da mesma. Também não olvidamos que a pretensão do condómino da fracção G (2º dtº) é controvertida na acção (…) dado que é questionada por outros condóminos, entre eles a aqui autora.
Contudo, temos que ter em conta outros factores.
Desde logo a existência da mencionada acção com o objecto já referido não constitui qualquer impedimento jurídico a que a assembleia pudesse ter como objecto a discussão e deliberação sobre as aludidas obras. Esta matéria não respeita a direitos indisponíveis que por imperativo constitucional, legal ou de ordem pública estejam subtraídos à vontade das partes (cfr. art.º 569º al. c) do CPC), nem podemos deixar de convocar aqui o principio da autonomia privada,- relevante no domínio contratual, mas que também não pode ser deixada de fora em matéria condominial, quando não estão em causa preceitos imperativos, - autonomia essa entendida como o direito fundamental a uma capacidade civil que só pode ser restringida nos casos e termos previstos na lei significa que, salvo proibição legal, o sujeito pode produzir os efeitos jurídico-privados que considerar convenientes à prossecução dos seus interesses» - Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 438, Almedina/1987.
Desta forma, a pendência da acção (…) não constitui obstáculo legal à validade da deliberação.
Quanto à concreta actuação do condómino da fracção G (2º dtº), designadamente a sua capacidade de voto, temos a dizer o seguinte:
Neste processo, quanto à constituição e quórum de funcionamento e deliberativo da assembleia, não vislumbramos quaisquer vícios, se compareceram dois condóminos e um deles votou conjuntamente e no mesmo sentido do condómino da fracção G, exerceu legitimamente a sua liberdade de voto, não tendo este Tribunal razões objectivas para pensar que houve concertação entre ambos-que só por si não seria antijurídica- ou de exercício de coação sobre o outro condómino. No que diz respeito a ausência dos demais condóminos que, em tese, poderiam obstar à aprovação da deliberação, tal ausência não tem qualquer significado jurídico já que não temos quaisquer elementos para concluir que as ausências foram forçadas e à margem da lei.
Por todo o exposto, se é verdade que o condómino da fracção G com o seu voto obteve uma deliberação favorável aos seus interesses pessoais e com futuros reflexos numa acção que moveu contra o aqui réu, poré[m] não enquadramos o seu comportamento em qualquer das categorias de abuso de direito acima estratificadas especialmente nas duas últimas, já que não vemos na actuação daquele, ainda que afirmando um interesse próprio, uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa) ou uma actuação apenas tendente a obter um desvantagem para outrem.
Concluindo: não constatamos a existência de abuso de direito (…)”.
Ora, nenhuma destas considerações nos merece alguma censura.
Desde logo, da circunstância de à assembleia de condóminos apenas terem comparecido 2 dos condóminos do edifício, não se infere, conforme se sublinha na decisão recorrida, qualquer abuso de direito no deliberado.
Note-se que os 2 (dois) condóminos representavam 415% da permilagem total do edifício e a reunião teve lugar em segunda convocatória, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 1432.º, n.º 4, do CC, nada obstava à deliberação respeitante a obras.
O valor das obras aprovadas e o benefício para o condómino da fração G com a realização das obras não demonstra, igualmente, algum exercício manifestamente abusivo de direito que assistisse aos condóminos que participaram na deliberação.
Quanto ao mais, a circunstância de estar pendente, para além dos presentes autos, a ação que, sob o n.º (…) - e cuja petição inicial foi junta com a petição inicial dos presentes autos – corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Almada, Juiz 1, onde figura como autor o condómino da fração G e, como réus, os demais condóminos e o condomínio, ora recorrido, e onde foi pedida a condenação solidária dos réus a repararem as patologias verificadas na fração G e na reparação de vícios de manutenção e conservação do telhado e caleira do edifício, procedendo ao seu isolamento e o pagamento das indemnizações aí requeridas, não constitui, conforme decidido pelo Tribunal recorrido, causa prejudicial aos presentes autos, onde apenas está em questão a validade das deliberações tomadas na assembleia de 27-11-2021, nem é obstativa da tomada da deliberação de obras decidida nessa assembleia.
Na realidade, não cabendo curar de indagar sobre a oportunidade ou conveniência da deliberação tomada na assembleia de condóminos impugnada – restringindo-se a intervenção do julgador à aferição da questão da legalidade, não havendo que sindicar o modo como foi usado o poder discricionário da assembleia (cfr., neste sentido, Sandra Passinhas; A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2009, p. 262) - relativamente à realização de obras, não se afere algum impedimento jurídico que obstasse à tomada da deliberação tomada, nem ele deriva da circunstância de um dos condóminos que participou na assembleia de 27-11-2021 - onde foi aprovada a deliberação de realização de obras, aprovando e votando o respetivo orçamento - ter instaurado, em momento anterior, uma ação judicial onde peticionou, nomeadamente, a realização de obras nas partes comuns do prédio.
Do mesmo modo, a circunstância de a referida ação ter sido contestada por condóminos não presentes na assembleia, não determina a invalidade do deliberado, por abuso de direito, pois, perante os termos e contexto de quórum deliberativo em que ocorreu a deliberação, em segunda convocatória, a ausência daqueles não tem efeito invalidante, nem representa algum exercício ilegítimo e anormal do direito de os condóminos participarem e deliberarem sobre os assuntos submetidos à assembleia de condóminos e da esfera de competência desta.
Note-se que, a realização das obras em questão não parece trazer algum prejuízo para o condomínio, nem para os condóminos que a aprovaram e, mesmo, quanto aos demais condóminos, não se afere algum prejuízo. Ao invés, também não é possível sustentar que exista algum benefício ilegítimo ou desproporcionado para o condómino da fração G, decorrente da deliberação aprovada: Por via das obras nas partes comuns, os prejuízos decorrentes dos vícios a que tais obras se dirigem, poderão, isso sim, ser debelados, mas isso não poderá, sob qualquer modo, considerar-se um ilegítimo proveito.
Em suma: Não se verifica exercício abusivo do direito dos condóminos que aprovaram deliberação de execução de obras nas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (aprovando o respetivo orçamento), pela circunstância de, a deliberação tomada na assembleia de condóminos, ter sido aprovada, em segunda convocatória, por dois condóminos do edifício que representavam 415% da permilagem total do edifício, nem tal decorre da circunstância de um dos condóminos participantes, ter instaurado, em momento anterior ao de realização de tal assembleia, uma ação judicial onde peticionou, nomeadamente, a realização de obras nas partes comuns do prédio.
Não cabendo curar de indagar sobre a oportunidade ou conveniência da deliberação tomada – restringindo-se a intervenção do julgador à aferição da questão da legalidade, não havendo que sindicar o modo como foi usado o poder discricionário da assembleia - relativamente à realização de obras, não se afere impedimento jurídico que obstasse à tomada da deliberação tomada, nem é de ter por abusivo o exercício do direito dos condóminos que a aprovaram.
A circunstância de a referida ação ter sido contestada por condóminos não presentes na assembleia, não determina a invalidade do deliberado ou algum abuso de direito, pois, perante os termos e contexto de quórum deliberativo em que ocorreu a deliberação, em segunda convocatória, a ausência daqueles não tem efeito invalidante, nem representa algum exercício ilegítimo e anormal do direito de os condóminos participarem e deliberarem sobre os assuntos submetidos à assembleia de condóminos e da esfera de competência desta.
As conclusões recursórias da apelante, relativamente à aludida questão, soçobram.

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A apelação improcederá, devendo manter-se a decisão recorrida.

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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
“Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a apelante, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.


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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação deduzida e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.

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Lisboa, 8 de fevereiro de 2024.
Carlos Castelo Branco – Relator
Susana Maria Mesquita Gonçalves - 1.º Adjunto
Arlindo Crua - 2.º Adjunto