Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SARA ANDRÉ DOS REIS MARQUES | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE EM CRIMES SEMI-PÚBICOS INVIOLABILIDADE DA CORRESPONDÊNCIA E DAS TELECOMUNICAÇÕES EMAILS DIREITO À PRIVACIDADE DAS PESSOAS COLECTIVAS LIVRO COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
Sumário: | (da responsabilidade da relatora) I- O art.º 68 n.º 1 do CPP tem de ser interpretado de uma forma sistemática, conferindo legitimidade para se constituir assistente nos crimes semi-públicos apenas ao ofendido que tenha exercido o direito de queixa. II- No art.º 194 do CP tutela-se a privacidade (formal), na vertente de “direito à autodeterminação comunicativa”, protegendo-se ainda, de forma reflexa e derivada, interesses de índole supra-individual, como é a inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações. III- No caso de emails, a tutela jurídico-penal proporcionada pelo art.º 194º persiste enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio, sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider, pois continua sob controlo do fornecedor de serviços eletrónico. IV- As pessoas coletivas são titulares do direito à privacidade. V- As pessoas coletivas são titulares do direito de queixa quando está em causa a divulgação de emails constantes de caixas de correio aloucadas num domínio da pessoa coletiva, enviados e recebidos por trabalhadores, no interesse e em nome deste. VI- A devassa da correspondência e telecomunicações só é admitida nos casos previstos no artigo 34.º n.º 4 da CRP, pelo que não se pode invocar a causa de justificação do exercício do direito de informar e do direito à livre expressão, nos termos do art.º 31º do CP, para justificar a divulgação de emails constantes de caixas de correio violadas. VII- Há um sentir coletivo de que o direito a informar cessa perante a inviolabilidade das comunicações. VIII- Um livro publicado é um “meio de comunicação social”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 183 do CP. IX- No caso do crime previsto no artigo 187.º do Código Penal, não há lugar ao funcionamento da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal X- As normas que estabeleceram as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal introduzidas pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021), aplicam-se aos processos a pendentes à data da sua entrada em vigor. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: No Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 22 foi proferido Acórdão, que decidiu do seguinte modo (transcrição): a) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art.º 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. b) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 2 (dois) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, ps. e ps. pelo art.º 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, e pelo art.º 197.º, al. b), ambos do Código Penal. c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos art.ºs 192.º, n.º 1, al. a), e 197.º, al. b), do Código Penal. d) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10. e) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada, ps. e ps. pelo art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art.º 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal. f) Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelo art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art.º 183.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código Penal. g) Absolver o arguido BB da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, ps. e ps. pelo art.º 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, pelo art.º 197.º, al. b), ambos do Código Penal, e pelo art.º 71.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao art.º 35.º, n.º 1, ambos da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (Lei n.º 27/2007, de 30.07). h) Absolver o arguido BB da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos art.ºs 192.º, n.º 1, al. a), e 197.º, al. b), do Código Penal. i) Absolver o arguido BB da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 5 (cinco) crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada, ps. e ps. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art.º 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, e pelo art.º 71.º, n.º 3, da Lei da Televisão. j) Absolver o arguido CC da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art.º 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. k) Absolver o arguido CC da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10. l) Absolver o arguido CC da prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelo art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art.º 183.º, n.º 1, al. a) e b), ambos do Código Penal. m) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão. n) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão. o) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão. p) Em cúmulo jurídico das penas mencionadas nas alíneas m), n) e o) que antecedem, condenar o arguido AA na pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do presente acórdão. q) Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado do presente acórdão. r) A publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, num jornal periódico generalista e de grande tiragem, a expensas dos arguidos AA e CC, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão. s) A publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, numa emissão televisiva no “...” em horário nobre no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão. t) Condenar solidariamente os arguidos/demandados AA e CC a pagarem ao demandante civil DD o montante de €10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, vincendos a partir da presente data até integral pagamento, absolvendo aqueles do mais que contra os mesmos foi peticionado. u) Absolver o arguido/demandado BB do pedido de indemnização civil contra o mesmo formulado pelo demandante civil DD. v) Absolver a demandada ..., do pedido de indemnização civil contra o mesmo formulado pelo demandante civil DD. w) Condenar cada um dos arguidos AA e CC no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. x) Condenar os assistentes que aderiram à acusação pública e aqueles que deduziram acusação particular no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. y) Condenar os arguidos/demandados AA e CC e o demandante DD no pagamento das custas cíveis, na proporção de 1/5 para aqueles e de 4/5 para este – art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil, ex vi art.º 523.º do Código de Processo Penal. * * A 2023 foi proferido despacho judicial, de que o arguido interpôs recurso intercalar, com o seguinte teor [transcrição]: “Quanto ao pedido de constituição como assistente de DD, os arguidos pronunciaram-se nos termos constantes a fls. 3361 e segs.. No requerimento apresentado, os arguidos reconhecem ao requerente a qualidade de ofendido, pondo em causa a tempestividade do exercício do direito de queixa. Ora, reconhecendo ao requerente a qualidade de ofendido, os arguidos reconhecem-lhe legitimidade para se constituir como assistente. Quanto ao exercício tempestivo ou não do direito de queixas, é uma excepção, que cumpre conhecer, se assim for entendido, em sede de decisão final. Assim, Por estar em tempo, ter legitimidade e encontrando-se devidamente representado, admito DD a intervir nos autos como assistente. Notifique” * * => Recurso intercalar: Inconformados com o teor do despacho que admitiu DD a intervir nos autos na qualidade de assistente e que acima foi transcrito, os arguidos AA, CC e BB interpuseram recurso, apresentando as presentes conclusões (transcrição): 1. Não podia o Tribunal a quo concluir, com ligeireza e sem mais, que “reconhecendo ao requerente a qualidade de ofendido, os arguidos reconhecem-lhe legitimidade para se constituir como assistente”, porquanto, ainda que, aparentemente, reunidos os vários pressupostos (formais) de admissibilidade de atribuição do estatuto de assistente ao requerente DD, sempre se impõe que o seu pedido para intervir no processo como assistente seja indeferido por falta de legitimidade concreta. 2. Entendem os aqui Recorrentes que, pese embora se reconheça que, quanto a uma parte dos factos que lhes são imputados na acusação pública e à sua eventual (mas indevida) integração nos crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações (art.º 194.71/2/3 do CP) e de devassa da vida privada (art.º 192./1/í/), o requerente DD detém, de facto, o estatuto de ofendido (na acepção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 68.º do CPP), certo é que dada a inércia do requerente - não tendo exercido o direito de queixa que lhe cabia em tempo útil o Ministério Público não deduziu acusação por crime algum de que ele seja ofendido, pelo que, na realidade, carece o mesmo de legitimidade para intervir como assistente. 3. Os crimes na base dos quais o requerente DD manifesta o seu propósito de ser assistente detêm natureza semi-pública. Contudo, apesar de obviamente ter tido conhecimento dos factos descritos na acusação e de que o arguido AA foi um dos seus autores logo na altura em que tais factos foram praticados, o certo é que o requerente DD não apresentou queixa dentro do prazo previsto no art.º 115. do CP quanto a nenhum deles, abstendo-se de manifestar ao Ministério Público a sua vontade de que procedesse criminalmente. 4. Por essa razão, o Ministério Público não chegou a adquirir legitimidade para proceder criminalmente pelos eventuais crimes, objecto do presente processo, praticados contra o requerente DD. 5. E precisamente, por isso, de entre os crimes que na acusação pública foram imputados aos arguidos não se contam crimes nos quais o Ministério Público tenha considerado o requerente DD como ofendido. Aliás, de acordo com o próprio Ministério Público (fls. 2705 v. e 2706), são ofendidos (somente) o ..., EE e FF. 6. E, não obstante, no seu requerimento de fls. 2994 e ss. o requerente DD ter aderido, ao abrigo do art.º 284.º do CPP, à acusação deduzida pelo Ministério Público, certo é que não imputou aos arguidos quaisquer factos substancialmente distintos daqueles que se descrevem na acusação pública, mediante acusação própria vazada em requerimento de abertura da instrução. 7. Assim, porque o Ministério Público não deduziu acusação por crime algum de que DD seja ofendido - estando liminarmente impedido de desenvolver qualquer actividade processual dirigida a uma responsabilização penal dos arguidos por um tal eventual crime - e o próprio requerente não tomou a iniciativa processual necessária a que os arguidos possam responder por crime de que seja ofendido, existe uma manifesta inadmissibilidade legal de procedimento por crime no qual o requerente DD pudesse figurar como ofendido. 8. Ora, o Assistente surge no nosso direito processual penal como alguém com direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final - podendo desencadear os variados mecanismos e incidentes no processo, e sendo, nessa medida, portador de interesses que importa acautelar. É, pois, esse o escopo e alcance da sua intervenção processual. 9. Interesses que se acentuam, e se autonomizam, no caso de estarmos perante a prática de crimes com natureza semi-pública ou particular: desde logo, porque aí a promoção do procedimento pelo Ministério Público está condicionada pelo efectivo exercício do direito de queixa das pessoas para tal legitimadas; sem a queixa o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo, instaurando o inquérito. 10. A queixa (nos crimes semipúblicos), a queixa, a constituição de assistente e a acusação particular (nos crimes particulares) são, pois, pressupostos da admissibilidade do próprio processo penal. 11. A doutrina mais recente atribui ao direito de queixa uma dupla natureza (jurídico-substantiva e jurídico-material). A natureza substantiva do direito de queixa advém do facto de o conteúdo do direito de queixa interferir com o direito substantivo na medida em que, da sua válida existência, depende a efectivação da punição. Daí que o não exercício atempado do direito de queixa implique a caducidade do próprio direito. 12. Nos crimes particulares, e bem assim nos semi-públicos, resulta incontestável a intrínseca ... existente entre o exercício do direito de queixa e a constituição como assistente: a possibilidade de constituição como assistente está umbilicalmente relacionada com o exercício efectivo do direito de queixa, seja em termos temporais, seja em termos de legitimidade activa para o efeito. 13. Não podendo haver constituição como assistente sem que, em momento anterior, tenha sido apresentada queixa; e estando essa constituição como assistente reservada, salvo determinadas excepções, ao leque de pessoas que tem legitimidade para o exercício daquele direito (prévio). 14. Como bem se infere do argumentário expendido no Acórdão uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011 - ainda que referente em concreto a crimes particulares stricto sensu - o prazo para requerer a constituição de assistente pressupõe sempre o prévio exercício direito de queixa, relevando a constituição de assistente da mera prática de actos materiais consequentes com esse acto. 15. É, aliás, precisamente essa ‘dependência’ que justifica a exigência de uma “proximidade complementar e unificadora” entre o exercício dos dois direitos. 16. Quer isto dizer, a contrario, que não tendo sido tempestivamente exercido o direito de queixa por quem detinha legitimidade para o efeito, verifica-se uma inexorável impossibilidade legal de prosseguir com o procedimento criminal em relação a si, ficando, como tal, precludidos quaisquer actos processuais subsequentes (nos quais se engloba, naturalmente, a sua constituição como assistente). 17. Assim, na medida em que não poderá o Ministério Público desenvolver qualquer actividade processual dirigida a uma responsabilização penal dos arguidos por um tal eventual crime (por inexistência de queixa), verifica-se uma verdadeira inadmissibilidade legal de procedimento por crime no qual o requerente DD figure como ofendido, não podendo, nem devendo, como tal, ser o mesmo admitido a intervir como sujeito processual neste processo. 18. Decidir em sentido distinto - isto é, permitir a constituição como assistente e intervenção em juízo de alguém que viu caducado o direito de queixa que lhe assistia (ficando assim arredado da promoção e prossecução de responsabilidade criminal) - atenta contra princípios basilares relativos à promoção processual no nosso ordenamento sancionatório. 19. Em suma, se, in casu, o Ministério Público não pugnará pela efectiva tutela de interesses de que o requerente DD seja titular, e se é inviável uma eventual condenação dos arguidos por crime que vise tutelar interesses de que o requerente DD seja titular, não existe qualquer fundamento processual válido que justifique a intervenção do requerente DD como sujeito processual neste processo. 20. Ao ser assim, como efectivamente é, sempre se impõe então que seja recusado o requerimento apresentado por DD para a sua constituição como assistente, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que decida nessa conformidade. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar o despacho recorrido. * Respondeu o MP ao recurso interposto, pugnando pela improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Os arguidos AA, CC e BB interpuseram recurso do despacho judicial de ........2020, por discordarem da admissão na qualidade de assistente de DD. 2. Apontam como argumento o facto de DD nunca ter apresentado queixa pelos factos constantes da acusação, razão pela qual carece de legitimidade para intervir como assistente nestes autos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 68.º do CPP. 3. Dispõe o art.º 68º do Código de Processo Penal, na parte em que agora releva; «1 - Podem constituir-se assistentes no processo penai, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: c) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos; d) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento; (...)». 4. Para aferir dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação temos, primeiramente, de nos debruçar sobre a mesma e analisar ou inferir qual o bem jurídico que a norma quis proteger. 5. Neste caso em particular, trata-se da norma prevista no art.º 194.º, nas vertentes dos números 1 e 3, do Código Penal e, ainda, na perspectiva da sua agravação, prevista no art.º 197º, b) do Código Penal. 6. Dispõe o art.º 194.º, n.º 1 do Código Penal, sob a epígrafe "Violação de correspondência ou de telecomunicações", «Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.» 7. E o n.º 3 do mesmo dispositivo legal, prevê que: «Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.». 8. Sendo a presente conduta agravada ao nível da sua punição, sempre que os factos forem praticados através de meio de comunicação social (nos termos da letra da lei em vigor à data dos factos) - art.º 197.º, b) do Código Penal. 9. Se atentarmos na doutrina clássica sobre o bem jurídico protegido pela aludida norma ou normas e recorrendo, designadamente, aos ensinamentos de Manuel da Costa Andrade no Comentário Conimbricense do Código Penal, damos conta que o mesmo é interpretado no sentido de ser a privacidade, conclusão avançada por aquele autor por força do elemento sistemático da norma, «como pela circunstância de a protecção da área de reserva ser o único referente comum à pluralidade de condutas e de objectos da acção abrangidos pela factualidade típica». Punem-se actos de intromissão arbitrária, mas também actos de divulgação arbitrária. 10. Na jurisprudência nacional, não encontramos amplitude maior na delimitação do bem jurídico protegido pelo art.º 194.º do Código Penal. Indicamos a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de Junho de 2007, que discorre: «O bem jurídico protegido por este tipo legal é a privacidade, em sentido formal, e a confiança da comunidade na integridade dos serviços postais.». 11. Tendo por base o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/11, podemos reflectir que «O bem jurídico, como critério e fundamento de tutela penal (concepção teleológico-funcional e racionaI do bem jurídico), assume um conteúdo material de corporização de valores que possam servir de indicador útil do conceito material de crime. 12. O bem jurídico constitui a expressão de um interesse da pessoa ou da comunidade na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante, e por isso juridicamente reconhecido como valioso» (nesta parte, citando-se Figueiredo Dias, Direito Penal, parte Geral, T.I 2ª edição). 13. O Ministério Público, entende, no entanto, que a particularidade da consideração de um único ofendido neste tipo de ilícito, quando tratamos de correspondência, afigura-se-nos demasiado restritiva, face à realidade actual, e face à dinâmica das formas de interacção que cada vez mais são desencadeadas ao nível social, profissional e particular (no sentido de íntimo). 14. Ora ao cabo e ao resto, na situação de DD, cremos que perante a leitura mais tradicional que tem sido efectuada quer na doutrina, quer na jurisprudência sobre os interesses que a lei especialmente quer proteger no crime de violação de correspondência e telecomunicações, encaixará a todos os níveis na posição de ofendido. Senão, vejamos. 15. Em sede de acusação, que aqui damos por integralmente reproduzida, indicamos a título de factualidade o seguinte: 16. No período compreendido entre ... de ... de 2017 e ... de ... de 2018, ao longo de cerca de vinte programas do ..., transmitidos pelo ..., o arguido AA revelou cerca de 55 mensagens de correio electrónico trocadas entre ... do grupo ... e entre estes e terceiros que com estes se correspondiam, sem que para o efeito tivesse recebido qualquer autorização por parte do grupo ..., por parte desses ... ou terceiros para fazê-lo. 16. Tais divulgações, porque transmitidas em canal televisivo, alcançaram um número elevado (ainda que não concretamente apurado) de espectadores, designadamente, no dia ... de ... de 2017, em que foi registada uma audiência média de 22.000 espectadores e, no dia ... de ... de 2017, em que se registaram, pelo menos, 61400 espectadores. 16. Nesses programas, foram tidos e analisados os conteúdos de correspondência electrónica enviada, trocada ou recebida por: . GG, que assumia, à data, as funções de … da ..., utilizador do e-mail ...; . HH, responsável pelo ..." e utilizadora do endereço de email ...; . II, ... de sociedades do ..., designadamente, da ..., e utilizador do e-mail …; . JJ, à data, … da ... e utilizador do e-mail ...: . FF, da ..., … da ... e utilizador do e-mail …; . A KK, … da ... utilizador do e-mail profissional …; . LL, à data a que se reportam os e-mails lidos, … da … e …e utilizador do e-mail ...; . DD, … ... e utilizador do e-mail ... (...) 16. De entre estes, dezasseis eram … do ... à data dos factos, tendo trocado, recebido ou enviado a correspondência lida, por força da sua profissão, em razão da profissão e para efeitos da mesma, dessa forma sendo identificável pelo endereço de correio electrónico usado "......", ou peia assinatura electrónica dos e-mails, em que imediatamente se associa o utilizador ao "...". 165. As mensagens electrónicas remetidas pelos … do "..." tinham um aviso escrito, na parte final, com a indicação de «Aviso Esta mensagem (incluindo quaisquer anexos) pode conter informação confidencial para uso exclusivo do destinatário. Se não for o destinatário pretendido, não deverá usar, distribuir ou copiar este e-mail. Se recebeu esta mensagem por engano, por favor informe o emissor e elimine-a imediatamente. Obrigado.» 166. A correspondência electrónica trocada com o domínio "…", encontrava-se armazenada na plataforma de correio electrónico da ofendida ..., sendo o seu conteúdo acessível à própria detentora do domínio e sociedades do grupo ... autorizadas, bem assim aos utilizadores dos endereços de correio electrónico que trocaram as mensagens.» 16. Revertendo a atenção para a posição processual de DD, que é, quer à data dos factos, quer actualmente, ..., importa reter: - que o mesmo era o utilizador do e-mail ..., e-mail este do qual foram seleccionadas, para leitura e divulgação no programa ..., várias mensagens de correio electrónico; - mensagens de correio trocadas, recebidas ou encaminhadas por DD a título profissional e no âmbito do desempenho da sua posição como ... do ...; - mensagens de correio electrónico por si redigidas e recebidas. 16. Esta amostra representa de forma singular o quanto as divulgações de e-mails perpetradas pelos arguidos dizem respeito a DD, enquanto utilizador do e-mail ... e o quanto, inclusivamente, é pacífico entender que este requerente é ofendido nos autos, até mesmo pela perspectiva que os arguidos levantam em sede de requerimento de abertura de instrução. 17. É verdade que o mesmo não apresentou queixa pelos factos que dizem respeito à violação de correspondência e nas telecomunicações directamente relacionados com o e-mail de que é utilizador na estrutura do grupo .... Mas essa opção, foi uma opção jurídica, por se ter entendido ab initio, que a pessoa colectiva assumiria a apresentação de queixa formal pela prática desse ilícito. 18. Essa opção jurídica não interfere com a qualificação que de facto e de iure lhe pode ser conferida pelo art.º 68.º, n.º 1, a) do Código de Processo Penal, de se vir a constituir assistente neste procedimento criminal, tanto mais que a lei distingue e separa tal faculdade que assiste aos ofendidos, daquela que assiste às pessoas de cuja queixa depende o procedimento. 19. Se é a própria lei que distingue estas duas situações e se é clarividente o estatuto de ofendido de DD, então não deverá ser o aplicador da lei a coarctar essa possibilidade conferida legalmente. 20. Veja-se, a este propósito, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3.10.2007, do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.5.2012 ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.9.2015, consultáveis na página www.pqdl.pt., por referência ao art.º 68.º do Código de Processo Penal. 21. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3.10.2007, pode ler- se que: «A legitimidade para a constituição de assistente deve ser aferida, não em função, da inserção sistemática da norma incriminadora e da natureza pública, ou não do crime em causa, mas antes da valoração casuística da possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse passível de ser materializado num sujeito concreto». 22. Já no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.5.2012, também se decidiu que: «1.- Para decidir da legitimidade para intervir como assistente, a aferição do interesse protegido é feita através dos factos denunciados na participação e no requerimento para abertura da instrução e não pela prova resultante do inquérito;». 23. E no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.9.2015, após uma excursão sobre o tema teórico sobre quem deve ser admitido a intervir como assistente, ... acaba por concluir-se que: «Tem legitimidade para adquirir o estatuto de assistente, quem, nos termos do artº 68 n.º 1 al. a) do CPP, seja, mesmo que, remotamente titular do interesse que a lei quis proteger com a incriminação, devendo ser considerado "ofendido", atendendo-se ao tipo legal preenchido com a conduta alegadamente criminosa por parte de terceiros, sendo violado ou posto em perigo os seus interesses peia norma ou normas incriminadoras, mesmo que "in casu" se postule por uma concepção restritiva de tal conceito.». 24. Em nenhum momento se faz depender a posição do assistente à apresentação de queixa pelo próprio, o que obviamente, implicaria obstar a que muitos ofendidos perante a lei não pudessem legitimamente actuar no processo nessa qualidade, porque muitas vezes podem não ter, de per si, legitimidade para apresentação de queixa. 25. Neste caso em particular, cremos assistir razão à Meritíssima Juiz a quo que admitiu a intervenção de DD como assistente, não apenas porque ele é ofendido nos termos consagrados na alínea a) do n.º 1 do art.º 68,º do Código de Processo Penal, preenchendo os requisitos formais para esse efeito, mas também porque nesta situação em particular, não foi necessário que o mesmo apresentasse queixa para que o procedimento criminal prosseguisse, atendendo à amplitude de ofendidos que consideramos caber na leitura do ilícito de violação de correspondência e de telecomunicações, previsto e punido pelo art.º 194.º, n.º 3 do Código Penal, quando se trata de violação de correspondência profissional.” * * Também o arguido DD respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): (…) 7. No ordenamento jurídico processual penal português são bem diferentes e distintos os fundamentos para o exercício do direito de queixa, enquanto condição de procedibilidade nos crimes semipúblicos e particulares, e os fundamentos da existência de um outro direito do ofendido, que é o de assumir a qualidade de sujeito processual em processos já legitimamente em curso, ainda que respeitantes a crimes semipúblicos. 8. DD é titular de dados pessoais ilicitamente acedidos e divulgados pelos Arguidos, pelo que a sua privacidade resultante do tratamento de dados pessoais foi violada com as condutas dos Arguidos. Assim, é inequívoca a sua qualidade de ofendido pelo crime em causa tendo, portanto, legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos. Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deverá: i. Ser alterado o regime de subida do presente recurso que, em vez de ter subida imediata deverá ter subida diferida; e ii. Ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se o despacho recorrido.” * * O arguido AA, no recurso que interpôs do Acórdão condenatório, declarou que “para efeito do disposto nos art.ºs 407.º/3 e 412.º/5 do CPP, que pretende ver conhecido o recurso interlocutório que interpôs a fls. 3452 e ss. do despacho que admitiu a intervenção de DD como assistente. * * => Recursos do Acórdão do Tribunal Coletivo: » Inconformado com o Acórdão condenatório, o arguido AA interpôs recurso, que motivou, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “A) Crime de violação de telecomunicações (art.º 194.º/3 do CP) I – Inadmissibilidade do procedimento criminal: 1. O bem jurídico protegido pela incriminação tipificada no art.º 194.º/3 do CP é a privacidade em sentido formal, punindo-se aí a ultrapassagem de uma barreira simbólica que separa os interlocutores de uma telecomunicação que interagem num círculo comunicativo fechado. 2. O procedimento criminal pelo crime previsto no art.º 194.º/3 do CP depende de queixa (art.º 198.º do CP), cabendo a titularidade do direito de queixa ao ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (art.º 113.º/1 do CP). 3. Pretendendo as normas incriminadoras previstas no art.º 194.º do CP proteger a dimensão formal da privacidade, punindo o rompimento da barreira que mantêm os escritos e as telecomunicações fora do alcance de pessoas externas ao círculo comunicacional, para definir quem poderá ser qualificado como ofendido cumpre averiguar a favor de quem é que a barreira funciona. 4. No fundo, o que importa saber é quem tem o poder de dispor sobre o acesso à correspondência fechada ou à telecomunicação, dado que o que a norma visa proteger é o poder de disposição (informacional) daquele a quem é reconhecida autoridade para decidir quem pode tomar conhecimento do conteúdo da comunicação. 5. Tratando-se de e-mail, ofendido será a pessoa a quem deva ser reconhecido o poder de dispor sobre o acesso ao mesmo, sendo certo que, tratando-se de uma comunicação diacrónica, só o destinatário do e-mail é beneficiário da protecção assegurada pelo art.º 194.º do CP. 6. Apelando a este critério do poder de dispor sobre o acesso à correspondência electrónica, os ofendidos foram as pessoas individuais cujas respectivas caixas de correio electrónico foram copiadas e partilhadas com o arguido AA, ou nas quais se encontravam os e-mails copiados e partilhados com o arguido AA, e viram por este divulgados e-mails a si individualmente destinados – nesta mesma direcção, já o Ac. do TRL de 02.06.2020 (Proc. 6255/15.9TDLSB-E.L1. 7. Contra o que concluiu o Tribunal a quo, os queixosos e assistentes ..., a ... e a ... não são ofendidos do crime de violação de telecomunicações, previsto no art.º 194.º/3 do CP, imputado aos arguidos. 8. Ofendidos de tal crime terão sido, isso sim, as pessoas individuais ... ao grupo ... cujos e-mails de que foram destinatários foram copiados e disponibilizados ao arguido AA, e por estes divulgados, ou seja, tendo em conta os indivíduos referidos no ponto 175. da matéria provada, por exemplo, II, DD, JJ, KK, etc. 9. Ora, nenhuma destas pessoas individuais exerceu (tempestivamente) direito de queixa em relação aos factos pelos quais os arguidos foram condenados, tendo as queixas por tais factos sido apresentadas somente pelo ... (...), pela ... e pela ..., S.A. 10. Uma vez que estes queixosos não são ofendidos, as queixas por si apresentadas são insusceptíveis de dotar o Ministério Público de legitimidade para promover o processo quanto ao crime tipificado no art.º 194.º/3 do CP. 11. O procedimento relativo a este crime previsto no art.º 194.º/3 do CP é enfim inadmissível, devendo o processo ser arquivado nesta parte. 12. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo, apelando a um critério equivocado e susceptível de produzir consequências insustentáveis, violou o disposto nos art.ºs 113.º/1, 194.º/3 e 198.º do CP e 49.º/1 do CPP. Sem prescindir, subsidiariamente, II – Atipicidade da conduta por falta de objecto da acção: 13. É óbvio e pacífico que o e-mail pode constituir uma telecomunicação a que se referem as normas incriminadoras inscritas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 194.º do CP, mas deverá considerar-se, na linha da doutrina maioritária entre nós, que e-mails que fiquem armazenados depois de concluído o processo comunicacional estabelecido entre o emissor e o receptor não constituem uma telecomunicação. 14. Consequentemente, não poderão ser tomados como objecto da acção do crime de violação de telecomunicação previsto no art.º 194.º/2 do CP; e por consequência do crime de divulgação de telecomunicação constante do art.º 194.º/3 do CP. 15. A decisão condenatória refere-se toda ela a e-mails que foram exfiltrados a partir do acesso ao sistema informático do “...” e, em particular, ao correio electrónico de vários ... daquele grupo, com o domínio ... (facto 26.), “alojado em modelo de Cloud Computing contratado junto da ...” (facto 23.). 16. E-mails, portanto, que já se encontravam armazenados naquele sistema informático e não que estivessem ainda, no momento em que foram exfiltrados, em trânsito entre contas de correio electrónico. 17. Tais e-mails não constituíam, por isso, no momento da exfiltração, formas de telecomunicação, estando à margem do âmbito de aplicação do art.º 194.º/2 do CP e, por consequência, fora do alcance da incriminação do art.º 194.º/3 do CP. 18. Não sendo os e-mails divulgados pelo arguido AA, objecto da acção típica definida no art.º 194.º/3 do CP a sua conduta deve qualificar-se como atípica, impondo-se a sua absolvição. Sem prescindir, subsidiariamente, III – Exclusão da ilicitude por exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação; 19. O Tribunal a quo rejeita in limine a possibilidade de exclusão da ilicitude do facto típico imputado aos arguidos com fundamento no art.º 34.º/4 da CRP, atribuindo-lhe um efeito de bloqueio do exercício dos direitos de liberdade de expressão e de informação, constitucional (art.º 37.º/1 da CRP) e convencionalmente (art.º 10.º da CEDH) consagrados. 20. Ora, a divulgação do conteúdo de um e-mail não constitui uma ingerência num processo comunicacional, não havendo razão para que lhe seja estendida a limitação prescrita pela parte final do n.º 4 do art.º 34.º da Constituição. 21. O art.º 34.º/4 da Constituição não constitui obstáculo a uma exclusão da ilicitude fundada no direito fundamental de informar quando o conteúdo de uma telecomunicação objecto de divulgação detenha relevância social e tal publicitação seja de interesse público. 22. Justamente por isso se considera na doutrina, sem contestações, que os factos típicos descritos no art.º 194.º do CP podem ver a sua ilicitude excluída por um largo conjunto de circunstâncias, ora recondutíveis às causas de justificação previstas, com carácter geral, no Código Penal ora correspondentes a específicas disposições legais dispersas pela ordem jurídica, a ninguém ocorrendo limitar a máxima do numerus apertus das causas de justificação mediante interposição da limitação inscrita no art.º 34.º/4 da CRP, como preconiza o Tribunal a quo. 23. A justificação da acção típica atribuída aos arguidos deverá fundar-se na directa e imediata aplicação das normas de natureza constitucional (art.º 37.º/1 da CRP) e convencional (art.º 10.º/1 da CEDH), não carecendo de apelo à analogia in bonam partem, motivo pelo qual a objecção de princípio do Tribunal a quo ao recurso à analogia por estarmos no domínio da violação de telecomunicações (art.º 34.º/4 da CRP) é irrelevante para a decisão sobre a exclusão da ilicitude. 24. Se alguém se encontra na posse de informações com interesse público previamente comunicadas a um terceiro através de um meio de telecomunicação e for legalmente barrado de as difundir – por exemplo através da previsão como crime do acto de divulgar o conteúdo de uma telecomunicação – verá assim limitado o seu direito fundamental de informar. 25. Uma tal incriminação representará portanto uma limitação de um direito fundamental que, no caso concreto, só poderá impor-se e prevalecer sobre esse direito fundamental se adequada e necessária a proteger algum interesse constitucionalmente relevante (v. g., a privacidade ou o sigilo das telecomunicações) e se se afigurar razoável e equilibrada (sc., estritamente proporcionada). 26. Sendo o cidadão titular do direito fundamental – neste caso, de informar –, é a sua restrição, por via de uma criminalização de alguma das suas manifestações, e não o seu exercício! que carece de justificação e reclama uma ponderação na base do critério da restrição dos direitos fundamentais, o princípio da proibição de excesso. 27. Uma pura e simples denegação da possibilidade de exercício de um tal direito fundamental assente na existência de uma incriminação que tipifica e, assim proíbe, sob ameaça de pena, esse mesmo exercício representaria uma restrição imponderada, e consequentemente desproporcionada, desse mesmo direito fundamental; a um ponto tal em que inevitavelmente acabaria por atingir o seu conteúdo essencial, em afronta do previsto no art.º 18.º/3 da Constituição. 28. De modo que uma interpretação do disposto no art.º 194.º/3 do CP no sentido de que a realização de um interesse público e relevante em caso algum poderá constituir razão legítima para exercer o direito fundamental de informar sobre matéria que constitua o conteúdo de telecomunicação é inconstitucional por violação do direito fundamental de informar previsto no art.º 37.º/1 da CRP e dos princípios da proibição de excesso e da intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais (art.º 18.º/2/3 da CRP). 29. Tudo o que se deverá volver no plano penal da justificação de um facto típico restritivo de uma certa e específica liberdade de acção própria de um direito fundamental na possibilidade de a exclusão da ilicitude penal radicar directamente nesse mesmo direito fundamental, que emergirá assim, ele próprio, como a credencial normativa da qual poderá resultar a justificação do comportamento típico, por força do princípio da unidade da ordem jurídica (art.º 31.º/2/b) do CP). 30. Assim, contra o que entendeu o Tribunal a quo, o direito de informar de que os arguidos, como qualquer outro cidadão, são titulares, pode constituir per se causa de justificação de uma acção típica prevista no art.º 194.º/3 do CP, directamente resultante das normas de carácter constitucional (art.º 37.º/1 da CRP) e convencional (art.º 10.º/1 da CEDH) que o reconhecem e garantem a todos os cidadãos. 31. Para a justificação começam por relevar os factos dados como provados nos seguintes pontos: 26., 27., 30., 32., 36., 37., 189., 231. e 233. a 241. 32. As informações divulgadas por AA, baseiam-se em documentação privada, mas sobre actividades de interesse público. 33. O que está aqui em causa não é o apuramento das circunstâncias em que a correspondência privada dos Assistentes foi obtida, mas [tão-somente] a legitimidade para a divulgar, à luz do conflito entre o direito de informar dos arguidos e os limites formais da privacidade dos visados. 34. Os visados pela divulgação das informações são pessoas ou entidades do universo do ..., que desempenham um papel de relevo na vida pública do país, merecendo os Assistentes a qualificação de figuras públicas. 35. No contexto ...ístico, a corrupção, hoc sensu, o tráfico de influência, as práticas antirregulamentares e antiéticas e a captura por um ... de membros de entes colectivos a quem compete a organização das competições desportivas são temas de interesse público, que merecem ser discutidos de forma séria e exaustiva, tendo em vista o esclarecimento da generalidade dos cidadãos (TEDH: Colaço Mestre and SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S. A. c. Portugal, 2007, § 27). 36. A conduta dos arguidos foi motivada, a par da rivalidade clubística, pela convicção de que o conteúdo dos relatos feitos por AA, tinha interesse público (factos provados 189. e 195.), estando por isso contido no seu direito a informar (factos provados 189. e 195.). 37. Além disso, provou-se que “os arguidos AA e CC agiram com a convicção de que os e-mails que foram divulgados no programa do ...”, e os ficheiros a eles anexados, são verdadeiros” (facto 233.) e o Tribunal a quo ficou inequivocamente convencido da veracidade de tais e-mails (p. 113 e ss. do Acórdão). 38. Os factos reportados pelos e-mails divulgados são susceptíveis de consubstanciar a prática de ilícitos com relevância criminal, nomeadamente, subsumíveis nos tipos incriminadores de corrupção, de tráfico de influência, de recebimento e oferta indevidos de vantagens e de infidelidade patrimonial. 39. Além de acções indiciariamente criminosas, os e-mails difundidos revelavam uma profusão de comportamentos violadores dos regulamentos desportivos, do fair-play e dos mínimos éticos de decência e de probidade que devem pautar o desempenho de funções institucionais e profissionais nos mais variados domínios. 40. Com efeito, os e-mails dão a conhecer ou a perceber: − ofertas indevidas e oportunistas ao …. da ..., GG (factos 43. e ss.); − a influência do ... na … que … (facto 50. e ss.); − a formação de uma rede de influência montada pelo ... para capturar e pôr ao seu serviço pessoas que integravam a ... e a ..., que passaram a agir em prol dos interesses do ..., colocando-se do seu lado, em afronta dos deveres de objectividade, isenção e equidistância que deveriam observar, como sucedeu, por exemplo, com: -> LL, à data dos e-mails … da ... (facto 225.), que dizia querer ser um “menino querido” para o ... (facto 83.) e enviava ao ... relatórios sobre … e … (factos 83., 126.), partilhava informações reservadas sobre … (facto 84.) e conversas que travava com … (facto 127.), dava-lhe a conhecer dados íntimos da … de … e de … (facto 96.); -> MM, à data dos e-mails … da ..., que transmitia a sua anuência a pedidos de colocação de … que lhe eram dirigidos pelo ... (facto 87.) e comunicava ao … do ... que sempre tinha estado do seu lado (facto 88.); -> EE à data dos e-mails era …, que partilhava com o ..., na pessoa de KK, “mensagens sms do NN, ... da ..., à altura ainda ... da ...” (facto 92.) e posições institucionais em primeira-mão, mesmo antes de serem dadas a conhecer publicamente aos directos interessados (facts 105.); -> OO, antigo responsável pela … dos ..., que se dirigiu ao ..., na pessoa de JJ, para obtenção de colaboração numa …. que travava (factos 120., 123.) e recebeu do ... viagens para o estrangeiro e estadias no estrangeiro para assistir a ...; − a consciência do ... de que um seu … poderia guardar no seu computador interacções com … e … altamente comprometedoras para o ... (facto 118.); − pedidos de favores ao ..., na pessoa do …, JJ, feitos por pessoas ... à …, FF (facto 222.) para que intercedessem em processos em curso na ... (facto 72. e ss. e 76. e ss.); − pedidos feitos ao ... para que interviesse na graduação de ... de ... (facto 80.); − retaliações prometidas a … do ... só por quererem fazer valer os seus direitos (facto 131.); − condutas indevidas de … úteis aos interesses do ... (facto 132.); − o malbaratar de quantias avultadas em práticas de bruxaria, levadas a cabo por pessoas associadas a esquemas de lavagem de dinheiro (facto 107. e ss.); − actuações com o fito de pôr … ao serviço do ..., integrantes de uma “rede de ... e informadores” pagando-lhes avenças mensais (facto 164.); − coberturas … a figura de proa do ... enganadoras do público e incumpridoras de regras basilares do … (facto 128. e ss.); − pagamentos pela “porta do cavalo” em … da ..., feitos pela ..., ao ... disputados no ..., o estádio do ... (facto 156.); etc. 41. Foram as divulgações feitas pelo arguido AA que estiveram na génese da investigação criminal de suspeitas de corrupção que há anos pende sobre o ... (factos 234, 236. e 237). 42. Em suma, o que o os arguidos fizeram foi dar a conhecer publicamente o conteúdo de correspondência electrónica reveladora de factos susceptíveis de merecer censura criminal, disciplinar desportiva e ético-social assacável aos Assistentes e aos indivíduos que no interesse deles actuaram, devendo, consequentemente, esse exercício qualificar-se como juridicamente legítimo e lícito (cfr. art.º 37.º/1 da CRP, art.º 10.º/1 da CEDH e art.º 31.º, n.º 2, b), do CP), o que deve ditar a sua absolvição em relação ao crime previsto no art.º 194.º/3 do CP. Sem prescindir, subsidiariamente IV – Falta de consciência da ilicitude não censurável 43. Tendo-se provado que o arguido actuou convencido de que estava a agir ao abrigo do seu direito de informar, é evidente, como bem concluiu o Tribunal a quo, que a divulgação de e-mails foi por si realizada sem consciência da ilicitude – erro que convoca a aplicação do art.º 17.º do CP. 44. O Tribunal a quo andou mal na transposição para o caso concreto do critério da rectitude da consciência relevante para a avaliar a não censurabilidade do erro sobre a ilicitude susceptível de determinar a exclusão da culpa do agente, como preceitua o art.º 17.º/1 do CP. 45. No estado actual das coisas está longe de poder acompanhar-se a ideia do Tribunal a quo de que o carácter inviolável do sigilo das comunicações privadas afasta qualquer possibilidade de cedência a um qualquer interesse público que exista na divulgação do conteúdo dessas comunicações, pois se há matéria que hoje se mostra juridicamente controversa e longe de concitar uma qualquer espécie de consenso social é a do confronto entre privacidade e liberdade de expressão e de informação, em especial no âmbito, como é o presente, da denúncia e luta contra práticas de corrupção, lato sensu. 46. No plano da definição e delimitação da ilicitude penal de factos tipicamente relevantes que contendem com bens jurídicos da esfera da privacidade, a colisão entre interesses privados e públicos de modo algum pode resolver-se do modo fechado e unidireccional preconizado pelo Tribunal a quo, com plena e irrestrita prevalência da privacidade sobre o interesse público, sendo juridicamente devido um balanceamento de carácter casuístico, com recurso a critérios de proporcionalidade e aberto aos pontos de vista que almejam a realização do interesse público. 47. Pontos de vista que são de valor juridicamente reconhecido e por isso aptos a conduzir a uma conclusão no sentido da rectitude da consciência do agente que por eles se guiou na realização de um facto típico e na concreta situação de conflito acabou por não resolver o problema de ilicitude nos exactos termos do exacto balanceamento juridicamente imposto no concreto caso de espécie. 48. Ora, alguém, como é o caso do arguido, que age convencido de estar a exercer o direito de informar, para realização do interesse público através da exposição pública de práticas criminosas, irregulares e antiéticas, de forma a que quem nelas esteve envolvido por elas responda, num exercício de accountability, e a travar a sua continuação ou a impedir a sua repetição, representa um exemplo acabado de actuação orientada por uma consciência recta, determinante da exclusão da culpa, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 17.º/1 do CP. 49. Reconhecida que deve ser a consciência do arguido AA, impõe-se a exclusão da culpa por falta de consciência da ilicitude e, assim, consequentemente, a sua absolvição. 50. Ainda que se não concorde com o ora alegado, aderindo-se à conclusão do Tribunal a quo de que o erro sobre a ilicitude em que os arguidos incorreram é censurável, as razões supra invocadas em ordem à exclusão da culpa sempre se deverão ter em conta para, pelo menos, lhes ser creditada uma atenuação especial da pena, expressamente admitida pelo art.º 17.º/2 do CP. B – Crimes de ofensa à pessoa colectiva (art.º 187.º/1 do CP) 51. Andou mal o Tribunal a quo ao condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de ofensa à pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187.º do CP, por alegada ofensa à credibilidade, prestígio e/ou confiança devidos ao ..., pela sua conduta reportada aos programas “...”, dos dias 06 e ... e “...” de .... 52. No que concerne ao programa do dia ........2017, é falso que o arguido tenha truncado e-mails, alterando o sentido da mensagem que deles resultaria se lidos na devida ordem e na sua integralidade. 53. A verdade é que, lidos os e-mails – nos termos sugeridos no Acórdão –, salta à vista a linguagem “encriptada”, sugestiva e figurada utilizada por FF, interlocutor de KK, para se reportar aos …, aos … e ao então … do ..., DD. 54. Linguagem que apenas se compreende – e, sobretudo, se justifica(va)! – num contexto de uma actuação encoberta, à margem da lei, ou, ao menos, à margem da correcção regulamentar, desportiva e ética. 55. FF não diz que o ... terá os padres que merece e / ou aqueles que são os melhores, por mérito próprio! Não. Fala em escolher e em ordenar, numa evidência de controlo, compatível com a conclusão a que chegou AA. 56. E se assim não fosse, porque se justificaria que terminasse o seu texto escrevendo, em maiúsculas, “AGORA APAGUE TUDO”?! 57. Acresce que, mesmo não tendo respondido (ao menos no imediato e pela mesma via) ao primeiro dos e-mails, KK alinha no discurso de FF e alimenta-o, percebendo-se que aquela conversa tem histórico. 58. Independentemente do que agora venham dizer os intervenientes, só no mundo da fantasia e da ilusão se pode equacionar uma qualquer justificação para o conteúdo deste e-mail alheada de um comportamento incorrecto ou menos próprio do ...! 59. Não esqueçamos que FF havia exercido funções de …, de … – de cujas … dependia a … deles – e de membro do ...; e que KK era, à data dos factos, .... 60. O conteúdo dos emails divulgados é aquele, está corporizado, escrito, afirmado, e o sentido que deles se retira, mesmo com a leitura parcial feita por AA, corresponde aos factos afirmados pelos arguidos. 61. Factos Verdadeiros, e não falsos ou inverídicos; sendo, pois, logo por aqui, a conduta do arguido atípica. 62. Mas ainda que se persista na ideia de que os factos afirmados pelo arguido naquele programa são inverídicos, certo é que o seu comportamento é ainda atípico, por falhar o terceiro dos elementos do tipo objectivo do tipo incriminador do art.º 187.º/1 do CP, reconhecido e afirmado pela doutrina e jurisprudência dominantes (“não ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros”); elemento simplesmente desconsiderado pelo Tribunal a quo. 63. Importará, pois, que se demonstre que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, o agente não tinha fundamento para, em boa-fé, acreditar que aqueles factos – que divulgou e afirmou – eram verdadeiros. 64. E não é porque se aceita que o crime previsto no art.º 187.º do CP pode ser cometido em qualquer uma das modalidades do dolo que se pode desprezar um dos inequívocos elementos do tipo objectivo de ilícito, tanto mais que esta é uma análise que se impõe ao julgador (apenas) se e quando se verifique que a propalação de factos inverídicos, ou mesmo falsos, que se sindica aconteceu sem que o agente tivesse fundamento para os acreditar verdadeiros. 65. A questão é: se as circunstâncias em que o agente se moveu permitiram que legitimamente se convencesse da verdade do que disse (ainda que, na realidade, os factos assim não o sejam), a sua conduta não chega a ser típica, não havendo sequer como apreciar a consciência e/ou a vontade com que actuou. 66. Feita a devida análise ao comportamento do arguido naquele programa de ........2023 não se pode negar a evidência de que actuou fundadamente convencido de que os factos que afirmava eram verdadeiros. 67. Importará, pois, que o Tribunal ad quem reconheça a existência deste terceiro elemento típico e bem assim a evidência de que AA actuou convencido da veracidade do que disse, sem ter fundamento para o reputar de outra forma, concluindo, pois, uma vez mais, pela atipicidade da conduta. 68. No que concerne ao programa do dia ........2017, é também falso que, ao afirmar que o ... “monitorizava” os sms’s de NN, AA tenha actuado de modo adequado a ofender a credibilidade, o prestígio e/ou a confiança devidos ao ... 69. Desde logo AA, não insinuou, e menos ainda afirmou, que o ... (ainda) monitorizava as sms´s de NN à data da emissão do programa. 70. Tendo embora aludido, por várias vezes, à condição de … da ... do visado NN, foi expresso ao identificar que as sms’s em causa se reportavam a um período passado, quando ainda era ... da .... 71. A referência àquela sua condição de ... da ... justifica-se para que se compreenda o relevo das informações (pessoais e outras) detidas pelo ..., e o seu poder – ao nível do possível condicionamento, pressões ou ameaças. 72. Certo é que não se compreende o interesse de KK em tal conteúdo, a não ser que quisesse ter “na mão” o ... da ...! 73. Acresce que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, na linguagem corrente – aquela a que recorre AA –, “monitorizar” tem o sentido ou o significado de espiar e/ou devassar, e não apenas o de ingerência, pelo que o termo convocado se ajusta ao contexto e à convicção do arguido, não consubstanciando qualquer afirmação de facto falso ou inverídico. 74. Mas ainda que se insista que assim aconteceu, também aqui são válidas as considerações quanto à convicção do arguido relativamente à verdade de tudo quanto afirmou, motivo pelo qual não está também verificado o terceiro elemento típico, impondo-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, também neste particular, afirme a atipicidade da conduta. C – Recurso interlocutório retido 75. Para efeito do disposto nos art.ºs 407.º/3 e 412.º/5 do CPP, o recorrente declara que pretende ver conhecido o recurso interlocutório que interpôs a fls. 3452 e ss. do despacho que admitiu a intervenção de DD como assistente. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem: a) em relação ao crime de violação de telecomunicações (art.º 194.º/3 do CP): i) Reconhecer e declarar a inadmissibilidade do procedimento criminal, arquivando o processo nesta parte; Sem prescindir, subsidiariamente, ii) Reconhecer que o arguidoAAnão realizou o tipo legal de crime de violação de telecomunicações (art.º 194.º/3 do CP), absolvendo-o, em consequência, dessa imputação; Sem prescindir, subsidiariamente, iii) Em caso de manutenção da condenação, atenuar especialmente a pena, por aplicação do disposto no art.º 17.º/2 do CP. b) Em relação ao crime de ofensa à pessoa colectiva, reconhecer que o arguido AA não cometeu qualquer crime desta natureza, absolvendo-o, em consequência, das imputações correspondentes. * * » Também o arguido CC recorreu, motivando o recurso e apresentando as seguintes conclusões (transcrição) (…) D. Na motivação do presente recurso, sob o título “Génese, Evolução e Bem Jurídico”, fundamentou-se porque é que a privacidade, em sentido formal, configura o bem jurídico tutelado pela incriminação em causa, como aliás sucede no § 202 do CP alemão, sendo também esta a posição substancialmente sufragada, e bem, pelo Tribunal a quo (p. 127 do Acórdão). E. Protegendo-se nas normas incriminadoras previstas no artigo 194.º do CP a dimensão formal da privacidade, pune-se, reflexamente, o rompimento da barreira que mantem os escritos e as telecomunicações fora do alcance de pessoas externas ao círculo comunicacional. Então, quem tem o poder de dispor sobre o acesso à correspondência fechada ou à telecomunicação, quem tem a autoridade para dispor sobre o escrito é a pessoa a quem deva ser reconhecido o poder para dispor sobre o acesso à carta ou ao e-mail. Sendo, pois, este o ofendido que as normas tipificadas visam proteger. F. Como sucede com a correspondência postal física, cartas ou encomendas, também no caso dos e-mails só poderiam ser qualificados como ofendidos os interlocutores que figurassem como destinatários dos e-mails objecto das acções típicas previstas no artigo 194.º, n.º 3, do CP. G. Apelando ao mencionado critério do poder de dispor sobre o acesso à correspondência electrónica, é evidente que os ofendidos foram as pessoas individuais cujas respectivas caixas de correio electrónico foram copiadas e, após, partilhadas com o arguido AA ou nas quais se encontravam os e-mails copiados e partilhados com o arguido AA e que viram ser divulgados e-mails a si individualmente destinados. H. Assim, nem a ..., nem o ..., nem ainda a ... - Construção e Gestão de Estádios, S.A. são ofendidas do crime de divulgação de telecomunicações, previsto no artigo 194.º, n.º 3, do CP, imputado aos arguidos. Pelo que, naqueles casos em que a correspondência física ou electrónica é dirigida a uma pessoa individual específica integrada numa dada pessoa colectiva, é essa pessoa física quem tem o poder para determinar os termos em que a carta ou o e-mail poderão ser abertos e/ou lidos. I. Como tal, é essa pessoa física e não a pessoa colectiva o portador do bem jurídico (pessoal) protegido pela incriminação constante no artigo 194.º do CP em qualquer uma das suas modalidades típicas, incluindo a do n.º 3, relativa à divulgação de telecomunicações. Como defende COSTA ANDRADE, “Portador do bem jurídico hoc sensu é, por outro lado, o destinatário pessoal e individualmente considerado e não a instituição a que pertence ou para quem trabalha. Por exemplo: portador do bem jurídico é o médico do hospital (ou o seu representante) a quem é dirigida a carta de um doente, e não a administração do hospital”. Assim como defendido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.06.2020. J. Ofendidos do crime de Violação de telecomunicações imputado aos arguidos teriam sido as pessoas individuais ligadas ao grupo ... cujos e-mails de que foram destinatários foram copiados, depois disponibilizados ao arguido AA e, após, divulgados. Ou seja, tendo em conta os indivíduos referidos no ponto 175. da matéria provada, por exemplo, II, DD, JJ, KK, etc. K. Contudo, nenhuma destas pessoas individuais exerceu (tempestivamente) direito de queixa em relação aos factos pelos quais os arguidos foram condenados. Só o ... (...) ... e a ..., S.A. apresentaram queixa em relação a tais factos. Sucede que, como acaba de se ver, a ..., o ... e a ..., S.A. não são ofendidos, pelo que as queixas apresentadas por estas pessoas colectivas são insusceptíveis de dotar o Ministério Público de legitimidade para promover o processo quanto ao crime tipificado no artigo 194.º, n.º 3, do CP. L. É absolutamente irrelevante, para estes efeitos e ao contrário do defendido na decisão recorrida, que o grupo ... fosse a proprietária do domínio ...” e que a correspondência electrónica em apreço se referia a assuntos do .... M. Para definir quem poderá ser o portador do bem jurídico aqui em causa e assim ofendido do crime imputado, o Tribunal a quo tomou como critério relevante não o poder de dispor sobre o acesso e divulgação da correspondência electrónica, mas sim antes a propriedade do domínio do correio electrónico e o respectivo conteúdo, designadamente, a sua temática e relevância na e para a esfera da pessoa (colectiva) titular de tal domínio. N. Trata-se de um critério equivocado e susceptível de produzir consequências insustentáveis: a incriminação sub judice inscreve-se no domínio da privacidade e não da propriedade e pretende tutelar a privacidade não num plano substancial, mas formal; sufragado o errado entendimento do Tribunal a quo tal significaria conceder à pessoa colectiva, e não aos destinatários dos e-mails, ser aquela a decidir que o acesso à conta de correio electrónico de um certo utilizador ficaria aberto a quem lhe apetecesse, independentemente da vontade desse mesmo utilizador. E porque a divulgação é um facto típico que pode consistir no simples reencaminhamento de um e-mail recebido pelo destinatário, o utilizador teria de passar a pedir permissão à pessoa colectiva para reencaminhar qualquer e-mail que recebesse. Nada disto faz sentido. O. A verdade é que os utilizadores dos e-mails com domínio ...” podiam ter apresentado queixa. Oportunidades e meios não lhes faltaram, por certo. E, todavia, decidiram não o fazer. P. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 113.º, n.º 1, 194.º, n.º 3, e 198.º do CP e artigo 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (“CPP”). Pelo que terá de ser proferida decisão que reconheça a inadmissibilidade do procedimento criminal quanto à imputação do crime de Violação de telecomunicações (art.º 194.º, n.º 3 do CP), o que significa a necessária revogação do Acórdão recorrido. Sem prescindir, subsidiariamente, Q. Defendeu-se também estar em causa uma manifesta atipicidade por falta de objecto da acção: os e-mails exfiltrados (e depois divulgados) não são telecomunicações. R. Ninguém coloca em crise que o e-mail pode constituir uma telecomunicação. S. Contudo, tal já não se verificará quando está em causa um email armazenado em formato digital numa qualquer máquina ou suporte depois de se ter completado o processo comunicacional estabelecido entre o emissor e o receptor. A doutrina largamente maioritária entre nós considera, com pleno acerto, que tais emails não constituem uma telecomunicação. Consequentemente, não poderão ser tomados como objecto da acção do crime de Violação de telecomunicação previsto no artigo 194.º, n.º 2, do CP… e por consequência do crime de Violação de telecomunicação constante do artigo 194.º, n.º 3, do CP. T. No momento em que os e-mails em causa foram exfiltrados – por alguém que não o Recorrente nem o co-arguido AA –, estavam já armazenados em sistema informático, pelo que não estavam ainda em trânsito entre contas de correio electrónico. Tais e-mails não constituíam, por isso, no momento da exfiltração, formas de telecomunicação, estando à margem do âmbito de aplicação do artigo 194.º, n.º 2, do CP. U. Concorre para esta conclusão: o conceito de telecomunicação que constava da Lei de Base das Telecomunicações e que, apesar da revogação desse diploma, não perdeu actualidade; o conceito actualmente em vigor, previsto nas alíneas dd) e ff) do art.º 3.º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004); o pensamento de MANUEL DA COSTA ANDRADE e PEDRO VERDELHO, entre outros, bem como a jurisprudência constitucional nacional e do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme citado nas motivações. V. Assim, materialmente, o correio electrónico deixa de constituir uma telecomunicação a partir do momento em que entra na disponibilidade da pessoa a quem é destinado. É que com essa disponibilização cessa o fluxo de dados que caracteriza a telecomunicação. A partir daí, com efeito, o e-mail passa a ser um documento (digital) e deve ser considerado e tratado como tal… e não, como um acto comunicacional. W. Igual conclusão se impõe atento o regime processual penal constante da Lei do Cibercrime, do qual resulta, em especial dos seus artigos 15.º a 18.º, que, uma vez armazenadas, as mensagens de correio electrónico e os registos de outras comunicações de natureza semelhante não são legalmente considerados como comunicações, nomeadamente, para o efeito da sua apreensão ou, também poderá dizer-se, da sua exfiltração. Conclusão apoiada pela doutrina nacional maioritária. X. Como amplamente suportado nas motivações do presente recurso, significa isto que a unidade e coerência que devem ser asseguradas à ordem jurídica impõem que aquilo que não é legalmente tomado como um acto de telecomunicação na esfera do processo penal não possa ser considerado como um acto de telecomunicação no âmbito do direito penal substantivo. Seria incompreensível e ilógico que se admitisse que um dado tipo de e-mail não é uma telecomunicação para efeitos processuais penais, mas já o pudesse ser para o direito penal. Y. Reitera-se que igual conclusão se extrai atento o paralelismo que pode ser feito com o regime das escutas telefónicas. Z. Atentas as coordenadas do caso concreto, encontrando-se as mensagens de correio electrónico a que o indivíduo não identificado acedeu no sistema informático do ... já armazenadas nesse sistema informático, não podem tais mensagens ser qualificadas como telecomunicações nos termos e para os efeitos definidos no n.º 2 do artigo 194.º do CP. 91 AA. Ao ser assim, não constituindo tais e-mails objectos da acção típica dos crimes de violação de telecomunicações previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 194.º do CP, a matéria de facto dada como provada não é susceptível de preencher esses dois tipos incriminadores. Pois sem objecto típico não há consumação de um facto típico. BB. O que importará a revogação da condenação dos arguidos pelo crime de Violação de telecomunicação previsto no artigo 194.º, n.º 3, do CP (por referência ao artigo 194.º, n.º 2, do CP). A interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido viola estas identificadas normas. Sem prescindir, subsidiariamente, CC. Verifica-se in casu, estando preenchidos os necessários requisitos, exclusão da ilicitude por exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação. DD. Nestes termos, caso se decida, contra o alegado, que as condutas dadas como provadas consubstanciam a prática de um facto típico violação de telecomunicação (artigo 194.º, n.º 3, do CP), o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceder, sempre será, ao menos, de reconhecer que os arguidos actuaram ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude (artigo 31.º/2/b) do CP), por exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação. EE. Cumpre relembrar e sublinhar que os arguidos, quer o Recorrente quer AA, como resulta da matéria provada, nunca adoptaram qualquer acto de exfiltração de e-mails. Aquele último limitou-se a receber o material em questão que havia sido obtido por terceiro, esse sim agente de tal conduta de acesso/gravação/cópia dos emails dos respectivos destinatários. FF. Assim, a conduta imputada e provada restringe-se, relembra-se, ao acto de divulgação. Ora, neste caso não há ingerência alguma no processo comunicacional, não havendo razão para que quanto ao acto de divulgação do conteúdo de uma telecomunicação seja transposta a limitação prescrita pela parte final do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição. Esta proibição constitucional poderá até repercutir-se sobre a justificação das condutas típicas previstas no artigo 194.º, n.º 2, do CP, de intromissão ou de tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicação; mas já não no plano da exclusão da ilicitude da divulgação, sem consentimento, do conteúdo de telecomunicações tipificada no artigo 194.º, n.º 3, do CP, o delito pelo qual os arguidos são responsabilizados. GG. O artigo 34.º, n.º 4, da Constituição não constitui enfim obstáculo a uma exclusão da ilicitude fundada no direito fundamental de informar quando o conteúdo de uma telecomunicação objecto de divulgação detenha relevância social e tal publicitação seja de interesse público. Prova evidente de que o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição não tem nem pode ter o efeito de bloqueio que o Tribunal a quo lhe adscreveu é a consideração indisputada de que os factos típicos descritos nos artigos 194.º do CP podem ver a sua ilicitude excluída por um largo conjunto de circunstâncias, ora recondutíveis às causas de justificação previstas, com carácter geral, no Código Penal (como a legítima defesa ou o direito de necessidade), ora correspondentes a específicas disposições legais dispersas pela ordem jurídica. HH. Não há, em suma, razão alguma para acompanhar o Tribunal a quo quando, impondo um numerus clausus à justificação das acções típicas de violação de correspondência e de telecomunicações (cf. artigo 194.º do CP), circunscreve o círculo da justificação à prossecução de interesses processuais penais. II. Adicionalmente, ao contrário do defendido na decisão recorrida, não é exacto que todas as causas de justificação de carácter geral pressuponham a existência de uma situação de perigo que só possa ser evitada ou removida através da realização de um facto típico (por exemplo, consentimento, consentimento presumido e obediência devida). Pelo contrário, a existir um princípio geral nesta matéria, ele será, antes sim, o da prevalência do interesse juridicamente preponderante, precisamente aquele que se deverá convocar no caso sub judice, de colisão entre interesses particulares inerentes à tutela da privacidade em sentido formal e o interesse público de conhecimento dos factos criminosos, irregulares e antiéticos documentados pela correspondência electrónica divulgados. JJ. Também ao contrário do defendido na decisão recorrida, no caso concreto a exclusão da ilicitude aqui devida não se funda num qualquer procedimento analógico, antes deriva da directa e imediata aplicação de normas de carácter constitucional (artigo 37.º, n.º 1, da CRP) e convencional (artigo 10.º da CEDH), conferentes de autênticos direitos de actuar. KK. Uma interpretação do disposto no artigo 194.º, n.º 3, do CP no sentido de que a realização de um interesse público e relevante em caso algum poderá constituir razão legítima para exercer o direito fundamental de informar sobre matéria que constitua o conteúdo de telecomunicação é inconstitucional por violação do direito fundamental de informar previsto no artigo 37.º, n.º 1, da CRP e dos princípios da proibição de excesso e da intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais (artigo 18.º, n.ªs,2 e 3 da CRP). LL. Contra o que entendeu o Tribunal a quo, o direito de informar de que os arguidos, como qualquer outro cidadão, são titulares, pode constituir per se causa de justificação de uma acção típica prevista no artigo 194.º, n.º 3, do CP. Causa de justificação que resulta directamente das normas de carácter constitucional (artigo 37.º, n.º 1, da CRP) e convencional (artigo 10.º, n.º 1, da CEDH) que o reconhecem e garantem a todos os cidadãos. MM. Em concreto, com relevo para a exclusão da ilicitude da acção típica imputada aos arguidos fundada nos direitos à liberdade de expressão e de informação, consagrados nos artigos 37.º, n.º 1, da CRP e 10.º, n.º 1, da CEDH, há que atentar na factualidade dada como provada, nomeadamente nos seguintes factos: 26, 27, 30, 32, 36, 37, 38, 189, 195, 231, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240 e 241. Mais: dos cerca de 20 gigabytes de e-mails que chegaram à posse de AA, por fonte anónima, foi publicamente divulgada apenas uma ínfima parte, tendo em conta, precisamente – e exclusivamente –, um critério específico e pré-determinado: o do interesse público da informação, tendo por referência situações ou comportamentos dos Assistentes, ou de elementos da sua estrutura, que indiciassem a prática de crimes e/ou outros comportamentos à margem da lei ou da ética desportiva. E mesmo quanto a esses (seleccionados para divulgação), houve o cuidado de não divulgar partes do seu teor, irrelevantes do ponto de vista do interesse público ou que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual das pessoas neles referidas (veja-se, por exemplo, os e-mails datados de .../.../2014, a que se aludiu no programa de .../.../2017, enviados por LL a KK, contendo dados pessoais e íntimos de ..., nomeadamente, o nome das companheiras e amantes). NN. A triagem dos conteúdos foi efectuada em função de indícios de práticas ilícitas ou eticamente censuráveis, que tivessem alguma interferência na forma como o ... português estava organizado e como se desenvolviam as competições; conferindo, depois, naturalmente, a verosimilhança e fidedignidade das informações consideradas relevantes. OO. Mais: das várias caixas de correio (integrais) que chegaram à posse do arguido AA, a maioria não mereceu sequer a sua atenção, tendo-se constatado, logo ao nível da pesquisa sistemática levada a cabo (mediante a utilização de “palavras-chave”), que não continham informação que pudesse revestir interesse – interesse público, reitera-se! PP. Ora, as informações divulgadas por AA baseiam-se em documentação privada, mas sobre actividades de interesse público; documentação essa que chegou ao seu conhecimento por fonte anónima, e de forma inesperada, não lhe sendo imputado qualquer comportamento ilícito associado à sua obtenção (facto provado 26.) – com relevo para este ponto, v.g., TEHD: Pinto Coelho c. Portugal (n.º 2), 2016, § 46. QQ. Reconhecendo o inequívoco interesse público envolto no conteúdo dos e-mails, cujo conteúdo teve por verdadeiro, e a premência de veicular a informação ao público em geral, AA decidiu fazer a divulgação de alguns desses e-mails no programa “...” – factos provados 38., 139. e 233. No que foi, aliás, seguido por todos os órgãos nacionais de comunicação social desportivos ou de informação generalista, e também por numerosos órgãos estrangeiros (facto provado 231.). RR. No caso que nos ocupa, está em causa, como se adiantou, não o apuramento das circunstâncias em que a correspondência privada dos Assistentes foi obtida, mas [tão-somente] a legitimidade para a divulgar (por ora e aqui abstraindo da questão relacionada com o fato de o Recorrente nada ter divulgado), à luz do conflito entre o direito de informar dos arguidos, em especial, do arguido AA, e os limites formais da privacidade dos visados. Nesse sentido, ponderando o direito à liberdade de expressão e de informação dos arguidos, com os interesses (pessoais) tutelados pela norma incriminadora imputada aos arguidos (artigo 194.º, n.º 3, do CP), e convocando os critérios que têm sido aplicados quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, quer pela própria jurisprudência nacional nesta matéria, forçosa será a conclusão de que os arguidos actuaram ao abrigo do seu direito fundamental de liberdade de expressão e de informação, consagrado como direito fundamental - artigo 37.º, n.º 1, da Constituição da República ... e artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. SS. O interesse público das informações reveladas resulta desde logo evidente, no caso em apreço, do conteúdo dos factos divulgados e da natureza dos sujeitos visados. No caso sub judice, os visados pela divulgação das informações, embora não tendo qualquer conexão política, são pessoas ou entidades do …, que desempenham um papel de relevo na vida pública do país (v.g., Colombani and others v. France, 2002, § 56; Axel Springer AG v. Germany, 2012, § 91) e assumindo, neste sentido, o estatuto de figuras públicas logo sujeitas a maior tolerância perante a divulgação de informações de interesse público que os afectem, estando submetidos ao escrutínio dos demais ...s concorrentes, dos seus próprios patrocinadores, dos seus sócios e adeptos, e do público em geral, considerando que, no caso particular da ..., se trata de sociedade cotada em bolsa (vide, novamente, na jurisprudência do TEDH, em queixas apresentadas contra o Estado português: Medipress-Sociedade Jornalística, Lda. c. Portugal, 2016, § 36.; Colaço Mestre and SIC - Sociedade independente de Comunicação, S. A. c. Portugal, 2007, § 28; e Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, 2013, § 26). TT. Os factos revelados por AA consubstanciam, ao menos em abstracto, a prática, no interesse e por conta dos Assistentes, de ilícitos com relevância penal e disciplinar, sendo os visados não meras pessoas colectivas comuns, mas, antes, um ... desportivo e uma sociedade anónima desportiva com uma significativa projecção social e mediática, dotados de uma notoriedade que impõe, necessariamente, a sua inclusão na categoria das “figuras públicas”. Assim, “se há um qualquer interesse público a prosseguir, com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais” (Acórdão do STJ de 14/01/2010, proc. n.º 1869/06.0TVPRT.S1). UU. Conforme se considerou provado, a par da rivalidade clubística, os arguidos foram animados pela convicção de que o conteúdo dos relatos feitos por AA tinha interesse público (factos provados 189. e 195.), estando por isso contido no seu direito a informar (factos provados 189. e 195.). VV. Acresce que se provou que “os arguidos AA e CC agiram com a convicção de que os e-mails que foram divulgados no programa do ... “...”, e os ficheiros a eles anexados, são verdadeiros” (facto 233). Os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado - pp. 113 e 115 do Acórdão. WW. In casu, está-se perante a divulgação de factos susceptíveis de consubstanciar a prática de ilícitos com relevância criminal, nomeadamente, subsumíveis nos tipos incriminadores de corrupção, de tráfico de influência e de recebimento e oferta indevidos de vantagens, previstos e punidos pelos artigos 8.º, 9.º, 10.º e 10.º-A da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto (e ainda, eventualmente, no que à contratação de actos de bruxaria por valores na ordem das centenas de milhar de euros, do crime de infidelidade patrimonial - artigo 224.º, n.º 1 do Código Penal). XX. Os e-mails revelavam uma profusão de comportamentos violadores dos regulamentos desportivos, do fair-play e dos mínimos éticos de decência e de probidade que devem pautar o desempenho de funções institucionais e profissionais nos mais variados domínios: factos provados 43. e ss., 50. e ss., 225., 83., 126., 84., 127., 96., 87., 88., 92., 105., 120., 123., 118, 222., 72. e ss. e 76. e ss., 80., 131., 132., 107. e ss., 164., 128. e ss., 156., etc. YY. Assim como se deu como provado que foram as divulgações feitas pelo arguido AA que estiveram na génese da investigação criminal de suspeitas de corrupção que há anos pende sobre o ... (factos 237.; vd. ainda factos 234. a 236.). Circunstância que confirma e reforça o interesse público das informações difundida - neste sentido vide, na jurisprudência do TEDH, Alpha Doryforiki Tileorasi Anonymi Etairia v. Greece, 2018, § 70 -, e para excluir a eventual ilicitude subjacente àquela divulgação, tendo em conta os interesses e princípios que se quiseram acautelar. ZZ. Se a prossecução do interesse público fosse estranha à divulgação realizada, como poderia o próprio Tribunal a quo ter concluído que os arguidos se orientaram por ela? Se a matéria divulgada fosse desprovida de relevância social, por certo que o Tribunal não formaria a convicção de que os arguidos foram movidos pelo interesse público. Veja-se aliás que se são os próprios Assistentes a ressaltar a elevadíssima gravidade da factualidade, verdadeira, que sobre eles foi divulgada, que mais é preciso para se reconhecer o interesse público dessa divulgação? AAA. Em suma, o que foi dado a conhecer publicamente foi o conteúdo de correspondência electrónica reveladora de factos susceptíveis de merecer censura criminal, disciplinar desportiva e ético-social assacável aos Assistentes e aos indivíduos que no interesse deles actuaram, devendo, consequentemente, esse exercício qualificar-se como juridicamente legítimo e lícito (cfr. art.º 37.º/1 da CRP, art.º 10.º/1 da CEDH e art.º 31.º, n.º 2, b), do CP). Excluída a ilicitude não existe crime. Sem prescindir, subsidiariamente, BBB. Relembra-se que o Tribunal a quo conclui que: - Os mails em causa são verdadeiros (p. 113 e ss. do Acórdão); - Os arguidos estavam convencidos da sua veracidade (facto 233.); e - À divulgação dos e-mails presidiram razões de interesse público (e outras, é certo, ... à rivalidade clubística). CCC. Atentos os factos 189. e 195 é manifesto que ambos os arguidos actuaram porque “acreditavam que o conteúdo dos seus relatos tinha interesse público e, nessa medida, estava contido no seu direito a informar”. Resultando da motivação da matéria de facto que “os arguidos explicaram exaustivamente a interpretação que fizeram dos e-mails que foram lidos no referido programa pelo arguido AA e o porquê de, no entender dos mesmos, tal correspondência electrónica revestir “interesse público”. (...) De resto, as declarações prestadas por aqueles arguidos permitem concluir que os mesmos estavam convencidos do “interesse público” do que foi divulgado, desde logo, pela dimensão do visado. No entanto, é também manifesto que a prossecução do “interesse público” não foi o único móbil a presidir à actuação daqueles arguidos. Constitui facto notório a rivalidade existente entre o ... e o ... e que são estes dois ...s quem nos últimos anos tem vindo a disputar em Portugal a vitória nas várias provas de ...” (p. 116 e s. do Acórdão). DDD. Se se dá como provado que o arguido Recorrente actuou convencido de que estava a agir ao abrigo do seu direito de informar, é evidente que a divulgação de e-mails foi por si realizada sem consciência da ilicitude. EEE. Estando em causa um comportamento típico que contende com um bem jurídico pessoal, como é a privacidade em sentido formal, relativo a factualidade portadora de inequívoco lastro axiológico, parece tratar-se de um autêntico erro sobre a ilicitude, previsto no art.º 17.º do CP (e não de um erro sobre proibição legal cujo conhecimento é razoavelmente indispensável para a formação do juízo de ilicitude (artigo 16.º, n.º 1, parte final, do CP)). FFF. Um erro que, como é sabido, só não excluirá a culpa se for censurável. Consequência que não será afastada apesar de se ter provado que os arguidos foram (co)dominados pela rivalidade entre o ... e o ... e para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada. Porque tal não configura facto capaz de afastar a errónea consciência da ilicitude. GGG. O Tribunal recorrido, apesar de correctamente ter convocado o critério devido para aquilatar a censurabilidade do erro sobre a ilicitude em que o agente haja ocorrido, isto é, o da rectitude da consciência, todavia, incorreu em erro na transposição desse critério para o caso concreto. HHH. O erro em que os arguidos incorreram não é um erro sobre a tipicidade da conduta, não sendo questão, neste plano, o problema de saber se há ou não em geral a consciência de que é ilícita a divulgação não consentida de comunicações alheias. Questão, aliás, como se viu pelas objecções avançadas supra contra a afirmação da tipicidade do comportamento imputado aos arguidos está muito longe de poder ser tida como juridicamente unívoca e incontrovertida como o Tribunal a quo pretende fazer crer. III. Contra o que pretende o Tribunal a quo, no estado actual das coisas está longe de poder acompanhar-se a ideia de que o carácter inviolável do sigilo das comunicações privadas afasta qualquer possibilidade de cedência a um qualquer interesse público que exista na divulgação do conteúdo dessas comunicações, podendo, por isso, concluir-se estamos num domínio onde não conflituam diversos pontos de vista juridicamente relevantes (p. 154 do Acórdão). JJJ. Se há matéria que hoje se mostra juridicamente controversa e longe de concitar uma qualquer espécie de consenso social é a do confronto entre privacidade e liberdade de expressão e de informação, em especial no âmbito, como é o presente, da denúncia e luta contra práticas de corrupção, lato sensu. As soluções premiais em matéria de criminalidade económico- financeira e contra o Estado; a tendência para o alargamento do âmbito subjectivo da figura do whistleblower e para uma ampliação da protecção que é assegurada ao whistleblowing; a valorização das investigações internas em empresas e instituições públicas como mecanismo de compliance susceptível de abrir caminho a espaços de devassa nos dados e comunicações dos trabalhadores; a ampla aceitação da abertura de investigações criminais com base em leaks, etc., mostram bem que nos encontramos no epicentro de uma tempestade de soluções jurídicas desencontradas e conflituantes e inflamadas e díspares valorações sociais e não na desértica calmaria que Tribunal a quo aponta. KKK. A colisão entre interesses privados e públicos de modo algum pode resolver-se do modo fechado e unidireccional preconizado pelo Tribunal a quo, com plena e irrestrita prevalência da privacidade sobre o interesse público. Bem pelo contrário, como é sublinhado por GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada 4, Art.º 37.º, V., impõe um balanceamento de carácter casuístico, com recurso a critérios de proporcionalidade e aberto aos pontos de vista que almejam a realização do interesse público. LLL. Ora, alguém, como é o caso dos arguidos, que age convencido de estar a exercer o direito de informar, para realização do interesse público através da exposição pública de práticas criminosas, irregulares e antiéticas, de forma a que quem nelas esteve envolvido por elas responda, num exercício de accountability, e a travar a sua continuação ou a impedir a sua repetição, representa um exemplo acabado de actuação orientada por uma consciência recta, determinante da exclusão da culpa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1, do CP: a “ atitude que fundamenta o facto é ainda determinada por pontos de vista de valor que a ordem jurídica reconhece e protege; de que, por outras palavras, apesar daquela conexão, no agente persistiu uma reta consciência etico-juridica, fundada em uma atitude de fidelidade ou de correspondência a exigências ou pontos de vista de valor juridicamente reconhecidos” (FIGUEIREDO DIAS). MMM. Reconhecida que deve ser a consciência do Recorrente, impõe-se a exclusão da culpa por falta de consciência da ilicitude e, assim, consequentemente, a sua absolvição. Subsidiariamente ainda, sem precindir, NNN. Como também amplamente desenvolvido na motivação do recurso, é manifesta a impossibilidade de considerar o Recorrente co-autor do Crime. O Acórdão recorrido erra ao considerar o Recorrente co-autor do crime previsto no n.º 3 do artigo 194.º do CP. Relembra-se que a acção típica aí prevista consiste no acto de divulgar. Aliás, essa é a única acção típica ali prevista: “Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de (...) telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido...". OOO. Ora, o Recorrente não divulgou nada. É o próprio Tribunal a quo que na matéria de facto dada como provada, não impugnada, expressamente defende e conclui que o Recorrente CC nada divulgou, não participou sequer em nenhum programa, tendo limitado a sua acção a um trabalho prévio de seriação dos elementos que poderiam ser considerados relevantes no contexto dos factos em julgamento. PPP. O Recorrente não pode ser considerado autor, isto é, co- autor, do acto de divulgação, configurando tal entendimento do Tribunal recorrido, sempre com o devido respeito, um erro. QQQ. Contribui para esta conclusão a análise da matéria de facto dada como provada: factos 12 e 13; 26 a 35; 36; 37 e 38; 39; 40, 41 e 42; 43 e ss.; 195. Assim: - Está em causa um programa em directo; -Apenas os intervenientes dominam o que sucede no programa, rectius, aquilo que é aí verdadeiramente comunicado e divulgado; -Apenas os intervenientes têm domínio do facto final correspondente a tal acto de comunicação/divulgação; -O Recorrente não participou em qualquer programa; - O Recorrente foi convocado para analisar os conteúdos em causa, não estando aqui em causa qualquer divulgação, enquanto elemento objectivo que configura a acção típica exigida para preenchimento do ilícito-típico contido na incriminação prevista no artigo 194.º, n.º 3, do CP; - A acção típica relevante divulgar foi praticada pelo co-arguido AA, sendo certo que, previamente, a conduta apontada ao Recorrente foi a de selecção dos elementos. O facto de o Recorrente seleccionar a correspondência electrónica com a finalidade de ser divulgada não transforma, como é patente, o Recorrente em sujeito activo do acto de divulgar. O Recorrente seleccionou com essa finalidade, facto inescapável, mas o acto de divulgação não foi praticado por si, em um certo sentido, por “mão própria”, facto este também inescapável e dado como provado; - A “leitura”, os “comentários próprios”, “comentava”, o “gerir a divulgação” foram acções do co-arguido praticadas em programas onde o Recorrente não tinha qualquer participação, onde não dominava os factos que aí se desenrolavam, não assumindo, pois, qualquer conduta de divulgar; - O facto de a correspondência seleccionada ser destinada à divulgação efectuada pelo arguido AA não transforma o Recorrente, como que através de um inadmissível passo de mágica, ou através de um qualquer proibido juízo analógico, em um “divulgador” de correspondência. RRR. Igual conclusão é imposta atenta a fundamentação da matéria de facto - pp. 108 a 110; 111 a 112; 112 a 113 e 116: - A participação que é imputada ao Recorrente consiste em “procedeu à triagem” e ter destacado o que lhe pareceria relevante, no seu próprio juízo, mas que seria “divulgado pelo arguido AA”, sendo que o Recorrente submetia depois àquele “a selecção por si efectuada”. - Ainda que com o fim de vir a ser divulgada, o Recorrente nada divulgou, antes apenas tendo seleccionado o que, no seu juízo, poderia ou não ser relevante, decisão que caberia, assim como a própria divulgação final e efectiva, ao co-arguido. Este sim, o detentor final do domínio do facto de divulgar ou não divulgar, divulgar tudo, uma parte ou nada. - Imputa-se apenas ao co-arguido AA, a “leitura de e-mails nos programas”, “os comentários que efectuou” “o que o arguido AA leu”. SSS. Analisada a fundamentação da matéria de direito, contida nas pp. 157 a 159, há que concluir que se há algo que não se pode afirmar é que o Recorrente tenha preenchido os elementos objectivos (do ilícito-típico) do crime previsto no n.º 3 do artigo 194.º do CP. Desde logo porque a conduta típica aí prevista, e única, é, uma vez mais, a de divulgar, acção que nunca pode ser imputada ao Recorrente. TTT. Considerando o teor do parágrafo 45 que consta da página 158, resulta que a fundamentação, errada, do Tribunal a quo que serviu para que o Recorrente fosse considerado autor mais não é que tratar como se fossem iguais as condutas de seleccionar e travesti-la na conduta de divulgar, tratando tipicamente tudo como a mesma coisa. O que, naturalmente, não pode aceitar-se. UUU. Acresce que o auxílio do Recorrente foi convocado em finais de .... Ora, o facto é que a acção típica de divulgação iniciou-se ainda antes dessa data, isto é, ainda antes da participação do Recorrente, na medida em que consta dos factos provados 43. a 49. estar em causa a divulgação ocorrida no programa televisivo emitido no dia ... de ... de 2017. Então, independentemente da participação do Recorrente nos factos, a divulgação teria sempre lugar. Poderia, sem esse auxílio, a análise do material recebido pelo arguido AA ser mais ou menos prolongada no tempo, mas o facto - comprovado - é que a divulgação ocorreria. VVV. Significa isto que a participação do Recorrente é estranha ao domínio do facto contido na conduta daqueloutro arguido. Resulta dos factos provados que o arguido AA não só tinha já em sua posse “o grosso da informação” como, acresce, já a tinha trabalhado. A selecção em causa estava, pois, mesmo sem a participação do Recorrente, a ocorrer. A única questão é que a mesma evoluía devagar. O papel do Recorrente não só não era, pois, preponderante com, além disso, não se projectava em qualquer domínio do facto jurídico-criminalmente relevante. WWW. Examinados os artigos 26.º e 27.º do CP torna-se evidente que para preenchimento da categoria da autoria exige- se que o agente “execute o facto” (in casu) por si mesmo (não está em causa no caso sub judice qualquer situação de autoria mediata). O Recorrente, manifestamente, não executou por si mesmo desde logo qualquer divulgação. Assim como não tomou parte directa na execução de tal divulgação juntamente com o arguido AA, como já amplamente analisado. Eventualmente, tivesse o Recorrente, após a seriação do material considerado relevante, estado também presente nos programas em causa, e, talvez aí, sim, se pudesse apontar a si o acto de divulgação, ou seja, o “tomar parte directa na sua execução”. O que não se verificou. XXX. Para existir o chamado condomínio do facto é imprescindível que se verifique uma decisão conjunta para a realização do facto, o que não parece possível afirmar na medida em que a decisão de divulgação é prévia à entrada do Recorrente nos acontecimentos em análise. Isto é, mesmo sem a intervenção do Recorrente, a divulgação, que poderia levar mais ou menos tempo, seria uma realidade inescapável. YYY. Quanto à contribuição para o facto, é manifesto que o Recorrente não definiu o se da realização típica, inegavelmente, pois a mesma já tinha sido determinada muito antes da participação do Recorrente nos factos. E o mesmo se diga quanto ao como da realização típica, dado que o Recorrente seleccionava o material em causa, é certo, mas a decisão final e a efectiva divulgação eram decisões que cabiam ao arguido AA. ZZZ. Do contributo objectivo do Recorrente não dependeu o se e o como da realização típica, tendo este limitado a pôr à disposição um auxílio na tarefa de selecção (que assim evoluía de forma menos vagarosa). AAAA. O Recorrente não é, pois, co-autor do crime pelo que veio condenado, o que significa que a interpretação acolhida pelo Tribunal a quo viola o identificado artigo 26.º do CP. BBBB.Diversamente, já integrará o domínio da cumplicidade a actuação daquele participante que auxilia materialmente a prática por outro de um facto doloso. E que presta dolosamente tal auxílio, isto é, o agente cúmplice actua com conhecimento e vontade de auxiliar o autor - representa e aceita - sabendo que este irá praticar um facto doloso - divulgação do conteúdo de correspondência electrónica. Está, pois, em causa o auxílio doloso a um facto doloso - duplo dolo. Ao contrário do defendido na decisão recorrida, o que configura um erro, a intenção apontada à actuação do Recorrente não só não empurra este para os foros da autoria como, pelo contrário, constitui requisito da categoria da cumplicidade. CCCC. O Recorrente CC sabe e tem vontade de auxiliar - fazendo uma triagem do material que pode ser relevante - o arguido AA na prática, por este, de facto doloso - divulgação - que será por este empreendida nos programas televisivos (naturalmente, aqui se abstraindo tudo o que resulta dos pontos anteriores do presente recurso). Regressando, como sempre, aos ensinamentos do Professor FIGUEIREDO DIAS, o cúmplice é tido como mero auxiliar do autor, sendo que tais cúmplices “não realizam o tipo de ilícito, mas participam de um tipo de ilícito realizado por outrem” (pp. 758, Direito Penal, Parte Geral). DDDD. No caso concreto, qual o tipo de ilícito? Esta categoria dogmática, como bem se sabe, configura um dos vários elementos que fazem parte do conceito material do crime, da construção do facto punível, sendo que do lado objectivo encontra-se a conduta típica, in casu, a acção de divulgar. Quem realiza tal acção típica? Como amplamente demonstrado, e como resulta de toda a matéria de facto provada, essa divulgação é operada, apenas e tão-só, nos programas em directo “...”, pelo co-arguido AA. O Recorrente, quanto muito, auxilia essa divulgação, isto é, participa (auxilia) num tipo de ilícito (divulgar) realizado por outrem. E, claro, fá-lo dolosamente, mas não é por isso que, como analisado, e ao contrário do que veio a entender-se na decisão recorrida, tal intenção faz transportar necessária e automaticamente o Recorrente da figura da cumplicidade para a da autoria. EEEE.Diferentemente seria, por exemplo, se estivesse em causa a acção de escrever e publicar conjuntamente um livro. FFFF. Nestes termos, quando a decisão recorrida, para esse efeito, refere que há uma repartição de tarefas e que “todos têm conhecimento e que integra a sua intenção, tendo em vista a divulgação de mensagens de correio electrónico”, não está mais do que a definir a categoria da cumplicidade. Não a da autoria! GGGG. A interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido enquadra-se na ultrapassada concepção “material-objectiva assente na causalidade”: Como o Recorrente efectuou uma triagem do material sabendo que o mesmo seria divulgado pelo arguido AA, então o Recorrente causalmente contribuiu para a realização típica. Esta a visão da decisão recorrida que, naturalmente não pode aceitar-se. Relembrando que é o próprio FIGUEIREDO DIAS que, explicando a rejeição desta forma de compreensão do problema, refere e sublinha (no original) que “Em definitivo, nos termos do art.º 26.º, o autor não é quem causa o facto, mas quem o executa, directa ou indirectamente: e é isto que corresponde à exigência própria do Estado de Direito de que a punição se vincule e refira à realização do tipo” (pp. 763). No caso concreto, quem executa o facto não é, seguramente, o Recorrente, quem realiza o tipo - divulgação - não é, seguramente, como amplamente analisado, o Recorrente. HHHH. É impossível afirmar, inclusive atenta a matéria de facto provada, como se analisou vastamente, que o Recorrente tinha o domínio do facto tipicamente relevante: divulgar. Assim, é autor “quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução nas “suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica. (...) Autor é a figura central do acontecimento” (pps. 765 e 766). IIII. O Recorrente não pode ser tido como o “senhor do facto”, não o domina nem o “tomou nas suas próprias mãos”. Assim como não dependia de si, muito menos de forma decisiva, o se e o como da concreta conduta típica materializada na divulgação. O “senhor” do facto é quem domina a execução típica, “de tal modo que a ele cabe o papel director da iniciativa, interrupção, continuação e consumação da realização, dependendo estas, de forma decisiva, da sua vontade”. Ora, como amplamente demonstrado, inclusive com suporte na matéria de facto provada, nunca nenhuma destas características e possibilidades de acção pode ser apontada ao Recorrente, tendo sempre como pano de fundo ser a concreta realização típica em causa o acto de divulgação. Pelo contrário, o arguido AA, este sim, possui o chamado domínio da acção. JJJJ. O que a actuação do cúmplice directa e imediatamente viola não é a proibição do comportamento do autor, mas a de prestar auxílio material ou moral àquele comportamento proibido, nos termos do art.º 27.º” (FIGUEIREDO DIAS, pp. 826). Qual, o comportamento proibido? Divulgar. O Recorrente directa e imediatamente viola essa proibição? Não, seguramente que não, o Recorrente nada divulgou. O Recorrente prestou auxílio material ao comportamento proibido? Nos termos dos factos provados sim. KKKK. Nunca este concreto autor, ou seja, AA, esteve, em momento algum, como resulta dos factos provados, na dependência da actuação do Recorrente. Não só aconteceram divulgações antes da sua participação como, em um outro prisma, a participação do Recorrente, estando o grosso do trabalho feito, apenas acelerava a possibilidade de divulgação. A actuação do Recorrente, neste preciso sentido, apenas favoreceu a prática do facto. LLLL. Em suma, não tinha o Recorrente o domínio do facto, não podendo ser condenado como co-autor do crime de Violação de correspondência ou de telecomunicações, mas apenas como cúmplice (claro está abstraindo-se aqui o que ficou exposto nos pontos anteriors do presente recurso), com todas as devidas consequências legais. A decisão recorrida viola neste segmento quer a norma contida no n.º 3 do artigo 194.º quer a contida no artigo 26.º do CP. Sem prescindir, subsidiariamente, PP. Não há razão para acompanhar a denegação da atenuação especial da pena decidida pelo Tribunal a quo. Se a comprovada motivação pelo interesse público não é fundamento de exclusão da culpa é, pelo menos, seguramente, fundamento de uma substancial diminuição do juízo de censura que aos arguidos poderá ser dirigido, constituindo, nessa medida, justificação bastante para a atenuação especial da pena prevista no artigo 17.º, n.º 2 do CP. * * » Os assistentes … e ... também interpuseram recurso do Acórdão, que motivaram e que concluíram do seguinte modo (transcrição): “IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO A. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, deverá ser aditado um novo facto ou, pelo menos, alterado o ponto 215. da Matéria de facto provada. B. Da prova produzida em julgamento, resulta que os Arguidos sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros os factos inverídicos reproduzidos no livro e que imputam às Assistentes, designadamente i) o controlo ilegítimo de instituições desportivas; ii) a prática de tráfico de influências; iii) a obtenção de resultados desportivos através do exercício de influência indevida sobre ... e as respetivas estruturas profissionais; iv) o fomento de uma relação de intimidade com os órgãos de comunicação, tendo em vista a obtenção de supostos favores por parte desses mesmos órgãos; v) o coartar da liberdade de opinião aos adeptos; vi) a violação da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que aprovou o regime jurídico de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos; e vii) o de serem beneficiárias de favores do poder político. C. As concretas provas que, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4 do CPP, impõem decisão diversa da recorrida, através do aditamento de um novo facto ou da alteração do texto reproduzido no facto provado 215., correspondem às declarações prestadas pelos Arguidos CC e AA, em sede de audiência de discussão e julgamento: as prestadas pelo primeiro, na sessão da audiência de julgamento de ........2022, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 14h:25m e termo às 16h:00m – ficheiro de origem 20221213142541_20432356_2871059.wma, especificamente as passagens transcritas aos minutos 00:46:07 a 00:47:10 –; as prestadas pelo segundo, na sessão da audiência de julgamento de ........2022, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 11h:22m eu termo às 12h:59m – ficheiro de origem 20221214112205_20432356_2871059.wma, especificamente as passagens transcritas aos minutos 00:49:49 a 00:54:17 –, cujos concretos excertos e transcrições se acham devidamente reproduzidos supra, nas Motivações. D. As declarações do CC revelam que os factos vertidos no livro “...” correspondem a “interpretações pessoais” que “obviamente são discutíveis”, “interpretações da leitura geral”, “interpretações no sentido de estabelecimento de factos” que não passam, de facto, de interpretações “discutíveis” a partir das quais foram estabelecidos factos reproduzidos num livro que veio a ser publicado, o que ambos os arguidos bem sabiam. E. Resulta das declarações do Arguido AA que as conclusões vertidas no livro, desde logo, a de que o ... é um “polvo” tanto se retira de “cinquenta e tal e-mails”, quando se está perante um universo de “vinte gigabytes de informação”, como “[e]ventualmente poderia bastar um” para o mesmo efeito. F. Os Arguidos conformaram-se com a circunstância de, ao não terem procedido à análise integral do correio eletrónico a que acederam, mas apenas à seleção resultante das pesquisas por palavras-chave, extraírem ilações e estabelecerem factos inverídicos por, precisamente, se terem abstido de analisar a integralidade daquela correspondência. G. Também por isso, os Arguidos não tinham fundamento sério, para, em boa-fé, reputarem os factos reproduzidos no livro e imputados às Recorrentes como verdadeiros. H. Os “factos estabelecidos” pelos Arguidos através da interpretação dos emails e, posteriormente, refletidos no livro “...” são falsos, não tendo sido possível provar a sua veracidade. I. Por conseguinte, resulta evidente da prova produzida nos autos, designadamente das declarações prestadas por AA e CC, mas também, como bem notado no Voto Vencido, “da motivação dos demais [factos] e da própria fundamentação quanto à prática de idêntico crime [de ofensa a pessoa coletiva] nos programas emitidos em 13.6 e em 21.6”, que deve ser aditado um facto, ou, pelo menos, adaptado o facto provado 215., de forma a que seja igualmente dado como provado o facto que se passa a reproduzir e que não se encontra ainda refletido nem na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada: Os arguidos AA e CC sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam serem inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro (Conforme artigos 237.º e 239.º da Acusação Particular e Voto Vencido, cf. p. 236 do Acórdão Recorrido). ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS QUANTO AOS CRIMES DE OFENSA A PESSOA COLECTIVA REFERENTES À EMISSÃO DE OUTROS PROGRAMAS DO ... J. O Arguido AA vinha pronunciado pela prática, enquanto autor imediato e com dolo direto, de 5 (cinco) crimes de ofensa a pessoa coletiva agravados, p. e p. pelos art.ºs 26.º, 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º n.º 2 do CP relativamente às imputações caluniosas que aquele assumiu ao longo dos programas do ...” e “... dos dias 6, 13, 21, 27 e ... de ... de 2017 (e descritas na acusação particular para a qual remeteu o despacho de pronúncia), tendo sido condenado pelas condutas assumidas nas emissões dos dias ... de ... de 2017 (pontos n) e o) do dispositivo do Acórdão Recorrido) e, s.d.r. incorretamente, absolvido relativamente às condutas assumidas nas emissões dos dias 13, 27 e ... de ... de 2017 (ponto e) do dispositivo Acórdão Recorrido), configurando esta última parte o objeto do recurso nesta parte. K. Ao longo daquelas emissões, o Arguido, que é funcionário do ..., levou a cabo uma campanha pública de ataque às Recorrentes, destinada a ofender a credibilidade, prestígio e confiança que lhes eram devidos, tendo afirmado/propalado factos inverídicos, e que sabia inverídicos, aptos a ofender o bom nome daquelas, nomeadamente, relativos ao envolvimento, participação e benefício, das Recorrentes, em esquemas criminosos de corrupção de …, apoio ilegal a …, monitorização de …; e tudo isto para justificar o menor sucesso … da …. L. O fundamento (único) avançado pela Decisão Recorrida para absolver o Arguido AA da conduta que lhe era imputada relativamente a cada uma das emissões dos dias 13, 27 e ... de ... de 2017 limita-se ao seguinte: “(…) nestas situações o arguido AA limitou-se a formular juízos de valor, por atipicidade da respectiva conduta, terá o mesmo de ser absolvido da prática (…) de 3 (três) crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada (…)” (cfr. ponto 57, p. 203-204 do Acórdão Recorrido). M. Emerge do Acórdão Recorrido que a descrição factual da conduta do Arguido AA é, de forma injustificada pré-conceptualizada pelo Tribunal a quo numa dicotomia entre leitura de e-mails ou comentários, o que proporcionou ao Tribunal a quo um modo fácil de distinguir imputações de facto de juízos de valor (exercício este que de forma unânime é reconhecido como sendo de difícil realização prática como o próprio acórdão reconhece – cf. ponto 24, p. 183 do Acórdão Recorrido). N. Porém, com tal demarcação implícita e formal o Tribunal a quo, esvazia por absoluto a noção de imputação de facto contida no tipo objetivo, reconduzindo a mesma somente à verificação da conformidade do texto dos e-mails lidos pelo Arguido AA com o texto que dos mesmos e-mails (divulgados) consta. O. Para o Tribunal a quo o Arguido apenas imputa factos enquanto procede à leitura do teor de emails e tais factos apenas são inveridicamente imputados se, aquando da leitura dos emails divulgados, manipular o teor dos emails, não tendo o Acórdão Recorrido apreciado qualquer outra proposição afirmada/propalada pelo Arguido AA fora desse domínio uma vez que previamente a qualquer análise já havia qualificado tudo o mais dito pelo Arguido como comentário/opinião (que é o mesmo que dizer juízo de valor). P. Ao excluir da sua análise todas as afirmações/propalações que não significavam a mera leitura de emails (que o Tribunal a quo leva logo à razão de comentários) aquele critério implícito seguido pela decisão recorrida apenas ficciona que todas essas situações – sendo que essas é que se mostram de difícil distinção – são juízos de valor, sem verdadeiramente as analisar. Q. Ora, a distinção fácil alcançada pelo Tribunal a quo através daquela prévia categorização formal dicotómica (leitura de emails v. comentários) representou na verdade uma forma do Tribunal a quo passar ao lado da dificuldade distintiva com que se poderia defrontar quanto a cada uma das proposições propaladas/afirmadas pelo Arguido AA que não configurassem a leitura do teor de emails. R. Uma vez que aquela distinção é operada pelo Tribunal a quo logo no seu início em sede de fundamentação da decisão de facto (antecedendo a própria ponderação dos elementos constitutivos do crime e a própria subsunção da factualidade julgada provada), o Tribunal a quo acabou por não analisar todas as proposições afirmadas/propaladas pelo Arguido AA enunciadas na decisão instrutória de pronúncia quanto aos dias 13, 27 e 30 de junho – que não fossem apenas leitura do teor de emails – tendo ficado por explicar o porquê de cada uma delas ter sido considerada por atacado como juízo de valor (cf. p. 112-113 em que o Tribunal cinde as afirmações do Arguido em comentários e leitura de emails e pontos 57. e 58. a páginas 203-204 do acórdão em que o Tribunal associa e equipara comentários a meras opiniões, fixando o primeiro como sinónimo do último – ambos os segmentos cit. nas motivações). S. Exigia-se ao Tribunal a quo que, primeiro, realizasse a análise de cada uma dessas afirmações, concretamente, e no contexto do seu todo e depois então – mas só depois disso – haveria o Tribunal a quo de concluir concreta e individualmente quanto a cada uma delas, se as mesmas representavam imputações de facto (típicas) ou meras formulações de juízos de valor (atípicas) e o Tribunal a quo não fez isto quanto a tudo o que foi dito pelo Arguido nas emissões de 13, 27 e ... de ... de 2017 que não consubstanciou a mera leitura de emails. T. Paralelamente a esse critério implícito a Decisão Recorrida enuncia ainda (segundo) um critério de distinção entre juízos de valor e imputações de facto que assenta num paralelo com a distinção entre raciocínio indutivo e raciocínio dedutivo equiparando estes aos juízos de valor e às imputações de facto (ponto 24, p. 183 do acórdão). U. Trata-se de um critério inovatório, arbitrário, sem qualquer resguardo doutrinário ou jurisprudencial, puramente formal – como tal incorreto (FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, op. cit., p. 281) – e que se mostra totalmente inaplicável pois considera que a imputação de factos só o é, se for verídica, o que, só por si, demonstra que não pode merecer qualquer acolhimento uma vez que é sabido que também as imputações de facto podem ser falsas. V. Se dúvidas existem sobre a inaplicabilidade deste critério distintivo que o Tribunal a quo expressamente enuncia, basta-nos referir que inexiste uma situação ou caso que seja no Acórdão Recorrido em que se pondere, mediante a utilização daquele critério, se determinada proposição é um juízo de valor ou uma imputação de facto. W. Observando os contributos da doutrina (JOSÉ DE CC COSTA, op. cit., 609-612; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 569, MANUEL SIMAS SANTOS e MANUEL LEAL-HENRIQUES, op. cit., p. 635 e RENATO LOPES MILITÃO, op. cit., p. 7) e da jurisprudência (Acs. TRP 30.10.2013 e TRL de 08.09.2010), podemos considerar que os juízos de valor são opiniões que envolvem a emissão de uma apreciação, não tendo por função descrever a realidade para a tornar conhecida pela comunidade, por oposição às imputações de factos que são afirmações da existência ou de realidade e significam a atribuição de factos (e/ou da sua prática), apresentados como verdadeiros segunda a perspetiva do imputante, não se cingindo a factos históricos reais. X. Daqueles contributos doutrinários para a definição de um critério que possa servir à distinção entre imputações de facto e juízos de valor, resulta-nos ainda seguro afirmar que a imputação de factos pode ser feita pela forma de perguntas retóricas (cf. FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, op. cit., p. 286) suspeitas, insinuações, meias-verdades, expectativas, afirmações inconclusivas, podendo também incorporar valorações propositadamente erradas com finalidade não lícita. Y. A interpretação das declarações onde se encontrem os factos ofensivos do bom nome obriga a uma cuidadosa análise individualizada do teor de cada declaração com o propósito de determinar o sentido objetivo da realidade a que se reportam de acordo com o padrão do destinatário razoável e ainda a consideração do contexto em que foram proferidas/afirmadas (local, tempo e modo de divulgação) tendo sempre por referente anteriores declarações emitidas/divulgadas que sirvam de apoio a estas (cf. MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, op. cit., p. 279-283). Z. Desta feita, contrariamente ao que o Tribunal a quo fez, a determinação do real sentido das declarações do Arguido AA nas emissões de 13, 17 e ... de ... de 2017 deveria ter sido feita de forma conjugada com as afirmações anteriores do mesmo arguido que constam dos factos julgados provados sob os pontos 51, 53, 57, 58, 67 e 68. AA. Relativamente à emissão de ........2017 (pontos 72 a 91 da decisão da matéria de facto provado e que correspondem aos art.ºs 105.º a 153.º da acusação particular e 74.º a 86.º da acusação do MP), o Arguido AA (que começou por assemelhar o conteúdo dos e-mails divulgados ao conteúdo de e-mails onde se encontre a planificação de …) afirmou a propósito de email remetido por FF a JJ (ponto 75 dos factos provados), “Então ficamos a saber que o QQ é … do ... Já sabíamos, mas desta forma não” (linhas 8/9 facto provado no ponto 76). BB. Tal afirmação, no contexto das afirmações pretéritas do Arguido (em ........2017 afirmou que o …QQ estava ao serviço do ... – cf. pontos 56 e 57 da matéria de facto provado) insinua a existência de uma intimidade indutora de permeabilidade a práticas corruptivas praticadas pelas Recorrentes e não tem sustentação no e-mail divulgado pelo Arguido, além de que surge descontextualizada do teor daquela comunicação (cf. Deliberação …, ponto 82 do relatório de visionamento, fls. 228/229 vol. I, Ap. 5) – sendo por tudo isso inverídica e ofensiva. CC. Ainda a pretexto da divulgação do mesmo e-mail (ponto 75 dos factos provados) o Arguido AA afirmou sobre JJ uma meia-verdade (“Toda a gente sabe (…) Ele é uma pessoa com responsabilidades no ... Responsabilidades muito grandes, muito fortes, com dependência directa do ... do ... (…) e da Administração”); se tal afirmação, sendo inverídica, não é ofensiva, ela serve, no entanto, o propósito do Arguido de imputar de seguida outros factos inverídicos ofensivos das Recorrentes e que seriam apenas imputados a JJ não fosse esta meia-verdade (as responsabilidades eram meramente técnicas, de suporte e apoio jurídico). DD. Assim que de seguida o Arguido AA, por meio de diversas interrogações retóricas, atribuiu às Recorrentes (pela pessoa do … JJ) o exercício de atos de interferência e influência no resultado de recursos de ... (cf. últimas 5 linhas ponto 77 factos provados), imputação essa de factualidade que é falsa/inverídica e não encontra correspondência no email remetido por JJ a FF id. a linhas 7 a 13 da p. 34 do acórdão (JJ diz apenas que tentará explicar a razão que assiste ao e dá opinião sobre recusa de aceitação de DVD em resposta a um email contendo um pedido de ajuda para questão jurídica concreta e posterior eventual preparação de um recurso). EE. O Arguido AA imputou também às Recorrentes a prática de cambalachos e esquemas destinados a influenciar o resultado de um recurso junto do … que é o … (“É um cambalacho (…) É um esquema”) a propósito da divulgação de uma troca de emails entre FF e JJ (linhas 16 e 14-16, 18, 20, 22 e 23 da p. 35 do acórdão e que correspondem à 2.ª parte do facto provado sob o ponto 78); a referida imputação é falsa/inverídica e ofensiva, não encontrando qualquer sustentação naqueles emails. FF. Mas não só; sobre essa troca de emails (v.g. linhas 1-6 da p. 35 do acórdão) o Arguido procede à adulteração do teor do respetivo email, relendo que nele está escrito coisa diversa do que lá está: logo após ler naquele email as frases “Considera ter êxito um recurso para o ...” e, “Entretanto, enviei recurso para o ... do ..., RR, e para o ... do ...”, o Arguido, de imediato, por meio de interrogação retórica, formula as seguintes interrogações ofensivas do bom nome das Recorrentes: “O RR por ser solução antes do Recurso? O RR pode ser. Pergunta-se ao JJ se o RR, então ... do ..., pode ser solução antes do Recurso. Solução antes do recurso é uma solução” (cf. linhas 7-9, p. 35 do acórdão). GG. O que está dito naquele e-mail é que FF pede opinião a JJ sobre a probabilidade de sucesso de um recurso a interpor para o ... informando ainda (FF a JJ) que já enviou outro recurso para outro órgão, o ... (nomeadamente para todo o ... e para o ... do mesmo ...). O Arguido bem sabia que ... e ... são órgãos distintos (tal como sabia que distintos eram os dois recursos ali referidos), não se tendo coibido de entrecruzar tais distintas realidades, como se de um único acontecimento real se tratasse (o Arguido não disse que era “a sua opinião”). HH. Ao fazê-lo, o Arguido AA a partir do texto de um email (transcrito a linhas 1-6 da p. 35 do acórdão) imputou um facto falso, que sabia ser falso, o que deveria ter levado o Tribunal a quo a concluir, em linha até com a motivação que adotou relativamente às emissões dos dias ........2017 e ........2017 (ponto 41 da p. 193 a ponto 51 da p. 203), que o Arguido afirmou aqui um facto inverídico ofensivo do bom nome das Recorrentes. II. Constituem ainda a imputação de factos inverídicos, ofensivos do bom nome das assistentes, as afirmações “Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O ... não está implicado nisto? (…) Estão a Brincar, estão a brincar. Investigue-se” (últimas 3 linhas de p. 36 do Acórdão Recorrido), “O ... manda em classificações” (facto provado sob o ponto 81) e “o ... claramente está implicado num esquema que envolve ..., um esquema que adultera a verdade desportiva (…) porque este polvo, porque isto é que é o polvo… este polvo tem mais braços” (facto provado sob ponto 82), as quais não têm qualquer correspondência nos emails divulgados pelo Arguido, cujo teor consta do ponto 80 dos factos provados; e a própria demonstração que o Arguido sabia que assim era, é a circunstância de conjugar e associar naquele trecho diversas realidades que não admitem conjugação entre si (e-mail de ........2014 com referências a RR e email de .......16 contendo referências a lista de candidatos a ...). JJ. A partir do minuto 00:58:48 daquele programa, o Arguido AA afirma que as Recorrentes interferiram de forma danosa na carreira e classificação do Sr. SS e concluindo que “(…) é investigar o ... (…)” (cf. ponto 86 dos factos provados) afirmação essa que não encontra qualquer correspondência no email divulgado (cf. ponto 84 dos factos provados), que o Arguido em boa fé não poderia reputar verdadeira e que integra por tudo isso uma imputação de facto inverídico e ofensivo (do bom nome das Recorrentes) por parte do Arguido. KK. Num último momento daquela emissão o Arguido AA afirmou “É só mandares (…) o ... é que manda nisto tudo)” (ponto 88 dos factos provados) e “Isto é o ... português em ... comandado, telecomandado, orquestrado pelo ... (…) estão ao serviço do ..., para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti-regulamentar” (última parte facto provado sob ponto 89), afirmações estas de índole factual que são inverídicas, que não apresentam correspondência com o teor dos emails ali divulgados, o que o Arguido sabia e por isso desconsiderou expressões (“ehehehe” e “só tu para me fazeres rir”) que, se tivessem sido consideradas, não permitiam fixar o sentido das declarações nos termos que o Arguido as afirmou (cf. p. 229-238 do vol. 1 do Ap. 5) e que são ofensivas do bom nome das Recorrentes. LL. Em todas as situações ocorridas ao longo da emissão de ... de ... de 2017 anteriormente identificadas o Arguido imputou factos inverídicos ofensivos do bom nome das Recorrentes, afirmações essas que, ainda que realizadas sob a forma de insinuações, meias-verdades, interrogações e suspeitas, não constituem juízos de valor, razões essas pelas quais, deverá o acórdão recorrido ser alterado nesta parte e substituído por outro que condene o Arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, p e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º, n.º 2, ambos do CP pela conduta assumida por este Arguido na emissão do dia ........2017. MM. Relativamente à emissão do dia ........2017, do programa “...” (pontos 100 a 112 da decisão da matéria de facto provado e que correspondem aos art.ºs 188.º a 209.º da acusação particular e 90.º a 95.º da acusação do MP), o Arguido AA, que principiou por anunciar que “nós hoje vamos fazer algumas revelações (…) nós não vamos revelar algumas coisas para dar oportunidade à investigação” (ponto 100 factos provados), imputou às Recorrentes os factos inverídicos e ofensivos que constam descritos nos pontos 101, 102, 105 (últimas 3 linhas), 106, 110, 111 e 112 da matéria de facto provada e igualmente transcritos nas motivações que antecedem (e dúvidas houvesse se são factos é o Arguido que ali afirma que está a fazer “revelações” indicando que é de factos que fala). NN. Ora, as conclusões que o Arguido foi extraindo ao longo da emissão do dia ........2017 e pelas quais atribui às Recorrentes a prática ou adesão a condutas criminosas corruptivas ainda que sob forma de suspeitas, insinuações e interrogações retóricas, não encontram correspondência bastante nos emails que aquele Arguido divulgou, como aliás bem sabia o Arguido. Assim resulta do confronto das afirmações do Arguido constantes do facto provado sob o ponto 109 com o teor dos emails constante dos factos provados sob os pontos 107 e 108 e bem assim, daqueloutras que constam reproduzidas no facto provado sob o ponto 112 (onde atribuiu às Recorrentes a prática de atos para “comprometer o ... da ...” querendo gerar a convicção na audiência que as Recorrentes atuavam no sentido de dominar a ... para obterem benefícios ilícitos; imputações estas que, todas elas, não só são inverídicas, como são aptas a ofender o bom nome das Recorrentes, o que o Arguido sabia. OO. Já relativamente à emissão do dia ........2017 do programa “...”, o Arguido AA afirmou/propalou os factos inverídicos e ofensivos que constam descritos nos pontos 113 a 116 da decisão da matéria de facto provada, bem sabendo que tais afirmações não correspondiam à verdade e que não tinha fundamento para ter as suas afirmações por sérias. PP. Discorda-se ainda do entendimento vertido no Acórdão Recorrido (3.º parágrafo da p. 203) e que levou a que o Tribunal a quo integrasse a imputação que consta do ponto 114 da matéria de facto provada na resolução criminosa da conduta assumida pelo Arguido AAna emissão do dia ........2017, pois que, entre uma (........2017) e outra (........2017) ocorreu ainda outra (a de ........2017). QQ. Mas não só por isso; com efeito, a imputação do ponto 114 da matéria de facto provado configura sim uma repescagem de uma imputação falsa que foi realizada ao abrigo de uma resolução criminosa assumida pelo Arguido na emissão do dia ........2017 com autónomo propósito de gerar convicção na audiência de que todas as demais imputações ali realizadas pelo Arguido (pontos 113, 115 e 116) apresentavam natureza e gravidade idêntica àqueles factos que o Arguido imputava às Recorrentes (ponto 114), pois que o Arguido em ........2017 sabia que não tinha fundamentos para afirmar que eram cometidas ilegalidades no seio das Assistentes, como pretendia afirmar. RR. Ou seja, a conduta assumida pelo Arguido no dia ........2017 não passou apenas por imputar às Recorrentes factos concretos e específicos (inverídicos e ofensivos) mas também por dolosamente descontextualizar e tornar imprecisa a informação divulgada, sem o que, aliás, não lhe teria sido possível concretizar o propósito a que se propôs no dia ........2017 (ainda sobre as motivações genéricas do Arguido AA que acompanharam todas as emissões, veja-se a p. 117 do Acórdão Recorrido e as declarações do próprio em audiência de julgamento do dia ........2022, estando os respetivos períodos, referências e datas devidamente consignados nas motivações que antecedem). SS. Assim que, perante tudo quanto anteriormente ficou exposto (e diferentemente do acórdão recorrido), conclui-se que: (i) A conduta que o Arguido AA assumiu em cada uma das emissões dos dias ........2017 e ........2017 integra a imputação de factos (tanto mais que é o Arguido que diz que faz “revelações”, portanto, de factos) inverídicos ofensivos do bom nome das Recorrentes, afirmações essas que, ainda que realizadas sob a forma de insinuações, meias-verdades, interrogações e suspeitas, não constituem juízos de valor (não sendo meros juízos de valor como considerou o acórdão recorrido); (ii) A imputação inverídica e ofensiva do bom nome das Recorrentes enunciada no ponto 114 da matéria de facto provada, não se integra já no âmbito da resolução criminosa da conduta assumida pelo Arguido na emissão de ........2017, mas antes e sim, naqueloutra autónoma resolução criminosa formada aquando da emissão do dia ........2017. TT. Consubstanciando, cada uma das condutas imputadas ao Arguido AA relativamente às emissões dos dias ........2017 e ........2017, a prática por este arguido, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, p. e p. pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º n.º 2 ambos do CP, quanto a cada uma das emissões (i.e. dois crimes de ofensa, um por cada emissão) requer-se, seja o Acórdão Recorrido alterado nesta parte e substituído por outro que condene o Arguido AAnesses termos (tal como constava da pronuncia). UU. Mais se requerendo seja atualizada a decisão que ordena o conhecimento público adequado da sentença em toda a parte condenatória (pontos a) e l) do dispositivo), incluindo aquela (parte condenatória) que resulte de alteração por decisão do Tribunal ad quem. ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS QUANTO AO CRIME DE OFENSA A PESSOA COLETIVA PELA ELABORAÇÃO E PUBLICAÇÃO DO LIVRO “...” VV. Na linha do Voto Vencido, não podem as Recorrentes conformar-se com a absolvição dos Arguidos, na medida em que a mesma não tem respaldo na lei aplicável, configurando uma violação do princípio da ... jurídica, subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP. WW. Em parte alguma do preceito legal aplicável – o artigo 187.º, n.º 1, do CP – é feita a mais singela ou indireta referência à oralidade do ato de afirmar ou propalar factos inverídicos. XX. Considerou, porém, o Tribunal a quo que a conduta dos arguidos AA e CC, relacionada com a elaboração e publicação do livro “...”, é atípica “por estar em causa a forma de expressão escrita”, quando a oralidade é “a única modalidade de execução da conduta típica de tal ilícito criminal”, ficando, portanto, “arredada a possibilidade de cometimento de tal crime por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”. YY. O entendimento perfilhado pelo Tribunal Recorrido corresponde, assim, a uma franja minoritária da jurisprudência ..., o que é facilmente evidenciado pelos acórdãos referenciados ao longo da própria Decisão Recorrida. ZZ. A maioria da jurisprudência produzida pelos tribunais superiores tem optado por aplicar o direito ao caso concreto através de uma interpretação literal do texto da norma contida no artigo 187.º, n.º 1, do CP – que em parte alguma se refere à oralidade da conduta típica – e, bem assim, numa leitura atual da mesma, já que dúvidas não restam de que, até pela natureza das coisas, a forma mais comum da prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva é a forma escrita. AAA. Ao contrário do que sucede com os crimes de difamação e injúria, “a margem de punibilidade” do crime de ofensa a pessoa coletiva não é alargada por remissão para o artigo 182.º do CP, porque tal alargamento seria inútil, na medida em que nada impediria que, da letra dos preceitos contidos nos artigos 180.º e 181.º do CP, se retirasse a vertente escrita da prática do ilícito criminal. BBB. Contrariamente ao sustentado pela maioria que integrou o Tribunal a quo, não é verdade que o elemento do tipo “afirmar” apresente “uma carga marcadamente oral”, por bastar “pensar que se alguém disser que outra pessoa afirmou isto ou aquilo, o que à partida se assume é que esta pessoa o fez de forma oral”. CCC. A palavra afirmar (do lat. affirmare), tem como significado “tornar firme” e é quotidianamente aplicada em referência a factos expressados na forma escrita, pelos mais variados setores (justiça, comunicação social, ensino). DDD. Sendo os elementos do tipo “afirmar” e “propalar” apresentados como alternativos (“ou”), no que respeita ao respetivo preenchimento, seria bastante a afirmação de factos, por escrito, através do livro, para que se tivesse este segmento do tipo como preenchido. EEE. A propalação/divulgação de factos inverídicos pode ocorrer independentemente da “forma de expressão”, designadamente na forma escrita, seja através da imprensa, seja através da publicação de um livro. FFF. O ato de elaborar e publicar o livro “...” correspondeu, não só ao ato de afirmar factos (na forma escrita), como também ao ato de os propalar (através da sua publicação e divulgação na forma escrita). GGG. Não há qualquer razão ou fundamento para, com base no argumento histórico, se concluir, como conclui a Decisão Recorrida, que “também o crime do art.º 187.º foi construído na base de um modelo de conduta oral “e, nessa linha “para poder beneficiar da cláusula de equiparação prevista no art.º 182.º, teria de para este remeter, o que não aconteceu”, primando, ao invés, o argumento histórico, por marcar uma evidente distinção entre o crime de difamação/injúria e o crime de ofensa a pessoa coletiva. HHH. Do lado do argumento literal, como se antecipou, nada se refere no tipo quanto à prática da conduta tipificada através da oralidade. III. Ao não se particularizar o meio como a ação típica é realizada, forçoso é concluir que o crime de ofensa a pessoa coletiva não é um crime de execução vinculada, mas antes um crime de realização livre que abrange todos os meios através dos quais seja possível afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos à pessoa coletiva, desde logo, a forma escrita. JJJ. As passagens que constam da factualidade dada como provada estão repletas de factos inverídicos, designadamente, os seguintes: “... (…) pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o ... português (…), adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto”; “o ... já tem um histórico longo e consistente de controlo das … que lideram o ... português. Esse é um objetivo estratégico que o ... persegue praticamente desde o início do século”; “O controlo das … do ... português pelo ... resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de … de certos … que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o ...; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências”; “O ... soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da ... e que abrange tanto o seu núcleo central (o ...) como as suas ramificações a nível local”; “A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do ... é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do ...”; “nem os ... nem os ... podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do ... da ... [por não se encontrarem registadas]. Não é isso o que acontece. Ambas as claques são ativamente apoiadas pela direção do ..., que, assim, para além de cometer uma ilegalidade, se torna moralmente responsável pela sua existência”; “A verdade é que este ..., ao longo de várias décadas, tem beneficiado recorrentemente de situações excecionais proporcionadas por quem tem autoridade para as promover. Da mesma forma que as ... ou a ..., por norma, não têm conseguido assegurar a equidade e isenção que se exige face às outras equipas quando é o ... que está em causa, também os políticos têm uma propensão, que quase parece natural, para tratar o ... de forma diferente”. KKK. Tais passagens do livro não correspondem a meros juízos, na medida em que são verdadeiramente apresentadas como acontecimentos, pedaços de vida. LLL. Tais factos, sendo falsos, são inegavelmente capazes de atingir a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos às Recorrentes, não tendo os Arguidos fundamentos sérios para, em boa-fé, os reputar como verdadeiros, já que, nas avisadas palavras do Voto Vencido, “em consciência, os arguidos não [os] podiam ter como certos e verdadeiros”, pois “não tinha fundamentos sérios para assim os considerarem”. MMM. Os Arguidos, movidos pelo… e com o propósito de justificar o menor sucesso do ..., através da associação às Recorrentes de um conjunto de práticas ilegais, antidesportivas e desleais (cf. facto provado 207.), não procuraram sequer ouvir as Recorrentes antes da publicação do livro. NNN. Encontra-se, de resto, e como se sustenta no Voto Vencido, “afasta[do] o exercício de qualquer direito à informação e liberdade de expressão”, na medida em que, feita a ponderação, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, entre o direito ao bom-nome e reputação, consagrado no artigo 26.º da CRP, e o princípio da liberdade de expressão e informação, consagrado no artigo 37.º da CRP, o primeiro não pode ceder em face dos contornos do caso concreto. OOO. Finalmente, cumpre notar que se verificam circunstâncias modificativas agravantes do tipo, previstas no artigo 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), para as quais remete o artigo 187.º, n.º 2, alínea a) ambos do CP: a publicação do livro corresponde inegavelmente a um meio que facilita a divulgação e os arguidos eram conhecedores da falsidade das imputações. PPP. Assim, encontram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo, pelo que, ao contrário do que se decidiu no Acórdão Recorrido, deverão os Arguidos AA e CC ter sido condenados pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CP, o que se requer a V. Exas.. ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS PELO CRIME DE ACESSO INDEVIDO QQQ. Os Arguidos AAe CC vinham acusados e pronunciados pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido agravado, previsto e punido pelo artigo 44.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto. RRR. No entendimento do Tribunal a quo, a conduta dos Arguidos não preencheria o tipo objetivo do ilícito em causa, por não ter ficado demonstrado que tenham sido estes a aceder, sem autorização, ao sistema informático do .... SSS. A Decisão Recorrida assenta, pois, no (errado) pressuposto de que o preenchimento do tipo em causa dependeria do acesso a um sistema informático. TTT. São elementos constitutivos do tipo do crime de acesso indevido (i) o acesso a dados pessoais cujo acesso está vedado ao agente, e (ii) a falta de autorização para o efeito. UUU. O preenchimento do tipo de ilícito em causa basta-se com o mero acesso a dados pessoais, independentemente da sua fonte, do respetivo modo de obtenção, e, ainda, do seu formato/suporte (informático ou físico). VVV. Em momento algum se exige, para que o facto seja considerado típico, a intrusão/introdução do agente num qualquer sistema informático com vista ao acesso a dados pessoais. WWW. O crime de acesso indevido está inserido no escopo normativo do direito à proteção de dados, sendo o bem jurídico protegido pela incriminação em causa a privacidade, a reserva da intimidade da vida privada, na dimensão da autodeterminação informacional, que tem assento constitucional (cf. artigo 35.º da CRP). XXX. O direito à autodeterminação informacional tutela a preservação ou o desenvolvimento do indivíduo por reporte aos modos de organização de informação, conferindo ao titular dos dados o poder de manter na sua disponibilidade a gestão dos mesmos, ou seja, o de controlar a sua obtenção, detenção, tratamento e transmissão. YYY. O bem jurídico protegido pelo crime de acesso indevido, bem como o(s) direito(s) que o mesmo visa tutelar, saem violados pelo mero acesso não consentido a dados pessoais cujo acesso esteja vedado ao agente, seja qual for a forma como os mesmos chegam ao poder ou disponibilidade do agente, ou seja, independentemente de tais dados serem obtidos pelo agente através do acesso ao sistema (informático) no qual se encontram armazenados. ZZZ. O acesso a dados pessoais, enquanto ação típica objetiva, dispensa a verificação de qualquer especial relação ou condição, bastando que o agente aceda indevidamente a tais dados. AAAA. Ao passo que na redação dada pelo (entretanto revogado) artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 10/91, de 29 de abril, o crime de acesso indevido exigia o acesso a um sistema informático de dados pessoais, o artigo 44.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, que o substituiu, descreve a conduta típica como o (simples) acesso a dados pessoais, independentemente de tal acesso ser concretizado através de um sistema informático, fazendo cair, como elemento constitutivo do tipo, o acesso a um sistema informático. BBBB. Ao fazer exigir o preenchimento do tipo objetivo do acesso indevido de um acesso prévio, pelos agentes, a um sistema informático, o Tribunal confundiu o crime de acesso indevido com o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (“Lei do Cibercrime”). CCCC. Apenas este crime, que não foi imputado aos arguidos, prevê, na sua forma simples, o acesso a um sistema informático, uma vez que é apenas este crime, e não o de acesso indevido, que visa tutelar a confidencialidade e disponibilidade dos sistemas informáticos. DDDD. O crime de acesso ilegítimo pune qualquer penetração abusiva em sistemas informáticos, seja qual for a natureza dos dados ou informações nele(s) contidas. O crime de acesso indevido pune o acesso não autorizado a dados pessoais independentemente de onde se encontrem. EEEE. O acesso a um sistema informático está para o crime de acesso ilegítimo como o acesso a dados pessoais está para o crime de acesso indevido. FFFF. A conduta típica em causa no crime de acesso indevido, aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado, não encontra definição/concretização legal, competindo ao julgador, casuisticamente, preencher tal conceito. GGGG. A Lei da Proteção de Dados Pessoais não se limita a proteger os dados pessoais na vertente dos sistemas utilizados para o seu tratamento ou armazenamento (e, com isso, a intrusão nesses mesmos sistemas), abrangendo qualquer operação sobre dados pessoais, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição (cf. artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro). HHHH. Aquele que acede a dados pessoais sem o necessário consentimento, ainda que não seja quem obteve, ilicitamente, a informação em causa (designadamente através da entrada/intrusão/introdução no correspondente sistema ou arquivo), incorre em responsabilidade criminal pela prática do crime de acesso indevido. IIII. Acresce que, ao punir-se o acesso a dados pessoais por qualquer modo, o ilícito em causa está desenhado como um crime livre na forma, de execução não vinculada. JJJJ. De resto, ao preenchimento do tipo é indiferente o concreto suporte ou formato dos dados acedidos, constituindo dados pessoais qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (cf. alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro). KKKK. Numa palavra: o acesso indevido a dados pessoais não tem, necessariamente, de ser concretizado através da intrusão/introdução num sistema, muito menos informático. LLLL. Pelo contrário, a prática do crime de acesso indevido prende-se, pura e simplesmente, com o contacto, não autorizado, com dados pessoais, sem olhar aos meios pelos quais ou circunstâncias em que tal contacto se proporciona/possibilita ao agente. MMMM. Esse contacto surge, aqui, materializado na receção e posterior abertura, transferência, leitura/visualização e análise das mensagens de correio eletrónico em causa (e respetivos anexos) - o concreto modo pelo qual o acesso a dados pessoais foi, in casu, efetivado. 134 NNNN. A referida conduta, perpetrada pelos Arguidos AA e CC, e que lhes permitiu aceder a informações a que de outra forma não teriam acesso (e cujo acesso lhes estava vedado), preenche os conceitos de acesso e tomada de conhecimento de dados pessoais, e, com isso, o tipo do crime de acesso indevido, na forma agravada. OOOO. Apenas assim não seria não tivessem, porventura, os Arguidos, primeiro, aberto, e, depois, lido e analisado tais ficheiros (e respetivos anexos), caso em que poderiam, aí sim, apelidar-se de meros recetores dos dados pessoais em causa. PPPP. Sucede, porém, que o fizeram, consciente e deliberadamente, sabendo não estarem para tanto autorizados, e que a sua conduta era proibida e punida por lei. QQQQ. Da matéria de facto provada constante da Decisão Recorrida, designadamente dos respetivos pontos 22 a 38, 173, 175 a 181, 183, 184, 192 a 194, e 200 – que aqui se dão, para todos os efeitos, por integralmente reproduzidos –, resulta que os arguidos sabiam que estavam a receber dados pessoais de terceiros, dados esses confidenciais e protegidos por lei, e ainda assim optaram por vasculhá-los e devassar a vida privada de terceiros, com o objetivo de acederem e, posteriormente, divulgarem o que melhor interessaria aos seus interesses …. RRRR. E isto independentemente de não terem sido os Arguidos AA e CC a aceder ao sistema informático das Assistentes ora Recorrentes, exfiltrando, através de tal acesso, e num primeiro momento, os ficheiros e dados em causa. SSSS. Dito de outro modo, pese embora não tenham sido quem acedeu ao domínio detido pelas Assistentes ora Recorrentes e extraiu as mensagens de correio eletrónico em causa, a verdade é que, com a conduta descrita, os Arguidos AA e CC acederam, para os devidos efeitos, e na aceção do disposto no artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 67/98, de ..., aos dados pessoais nelas contidos. TTTT. Fizeram-no ao analisarem, voluntária e concertadamente, o teor da correspondência eletrónica constante das caixas de correio sob o domínio ...” – previamente exfiltrada, por terceiro (entretanto identificado), através do sistema informático das Assistentes (o que era do seu conhecimento). UUUU. Mais, os Arguidos não se limitaram a receber a dita correspondência eletrónica. Em particular, o Arguido AA, com o intuito de receber mais informação (e aceder, como pretendia, a mais dados pessoais de terceiros), perfeitamente ciente de que as mensagens em causa haviam sido obtidas ilegitimamente –,não se coibiu de (i) analisar toda a informação recebida, (ii) criar uma conta de correio eletrónico específica para receber/obter mais correspondência, e (iii) adquirir um computador Macintosh, de marca Apple, que manteve sem qualquer ... à rede de Internet ou outra, a fim de analisar os elementos que lhe eram sendo remetidos – tendo convocado, para o efeito, o auxílio do CC VVVV. Deste modo, os Arguidos AA e CC., conscientes de que no âmbito de tal análise poderiam confrontar-se, como veio a suceder, com dados desse cariz, acederam a um vasto conjunto de dados pessoais comportados nas aludidas mensagens de correio eletrónico, inclusive de natureza sensível, bem sabendo que tal acesso lhes estava vedado, por ausência do necessário consentimento dos seus titulares (ou, tão-pouco, do responsável pelo tratamento daqueles), e, assim, que tal conduta era proibida e punida por lei. WWWW. Aliás, (i) o tempo que mediou entre a data em que o Arguido AA recebeu as mensagens de correio eletrónico e as entregou à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, (ii) a circunstância de, previamente a essas entregas, o Arguido AA ter contratado o CC para trabalhar esses dados, e, enfim, (iii) o facto de os Arguidos terem tido o cuidado de fazer a triagem dos dados pessoais, apenas divulgando os que consideravam pertinentes e alegadamente desconsiderando, após acederem, os demais (como se o mero acesso pelos próprios não devassasse a vida privada dos titulares), são suficientes, por si só, para se concluir que os Arguidos AA e CC quiseram e lograram aceder, sem a devida autorização, aos dados pessoais ali contidos, muitos dos quais sabiam ser íntimos. XXXX. O que, de resto, foi corroborado pelos próprios, em sede de audiência de julgamento (cf. declarações prestadas pelo Arguido AA nas sessões de ........2022 e ........2022, e pelo CCna sessão de ........2022). YYYY. E sabendo que eram dados pessoais e, em muitos casos, íntimos, os Arguidos arrogaram-se a autoridade moral para filtrar o que seria divulgado ao público e o que deixaria de ser, como se, sendo apenas os mesmos a aceder aos dados pessoais, não houvesse lesão do bem jurídico. ZZZZ. Pelo exposto, impõe-se, também, a condenação dos Arguidos AA e CC a pela prática de 1 (um) crime de acesso indevido, na forma agravada, tipificado no artigo 44.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Lei n.º 67/98, de .... Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se, em consequência, a Decisão Recorrida na parte em que absolveu os Arguidos AA e CC, substituindo-se por outra que os condene pela prática de todos os crimes pelos quais vinham acusados e pronunciados. * * => Respostas aos recursos: » O M.º P.º respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 2. Os assistentes têm legitimidade para apresentar queixa, pela prática do crime de violação de correspondência ou telecomunicações e pela subsequente divulgação, em canal televisivo, nos termos do disposto no art.º 194.º, nºs 1 e 2 e pelo art.º 194.º, n.º3, ex vi n.ºs 1 e 2, do mesmo preceito legal e 197.º, al. b), todos do C. Penal, uma vez que são titulares de interesses que a lei especialmente visa tutelar, em concreto, por via da violação da estrutura organizacional, enquanto efetivo lesado da conduta do arguido AA J. .; 3. A divulgação não consentida de correspondência ou telecomunicações, p. e p. nos termos do art.º 194.º, n.º 3, do C.Penal, é autonomizável do facto precedente, isto é, da obtenção e da tomada de conhecimento do respetivo conteúdo, punindo-se o mero ato de divulgação do conteúdo das telecomunicações suscetíveis de preencher o tipo de ilícito nos n.ºs 1 e 2- como seja uma mensagem de correio eletrónico; 4. No art.º 194.º, n.º 2, do C.Penal, mostram-se tipificadas as condutas relativas ao momento em que o processo comunicacional está em curso. Já no n.º 3 do mesmo art.º 194.º, a conduta típica divulgar o conteúdo de telecomunicação respeita não só ao momento em que o processo comunicacional está em curso, antes se alargando a tutela penal à fase posterior à cessação da comunicação. De outra forma, não se compreenderia por que motivo no n.º 2 do art.º 194.º, ao lado das condutas típicas intromissão no conteúdo de telecomunicação e tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicação (respeitantes exclusivamente ao momento em que o processo comunicacional ainda perdura), não seria também incluído o acto de divulgar tal conteúdo; 5. A ilicitude da conduta do arguido AA não pode ser afastada, porquanto: inexiste qualquer direito legítimo (exercício do direito á informação), prevalecente sobre os direitos fundamentais violados, ainda que os assistentes pudessem ser figuras públicas; o arguido não beneficia de estatuto conferido á atividade jornalística e ainda que as mensagens de correio eletrónico revelasse a prática de um qualquer ilícito criminal, nunca poderia o arguido divulgar as mesmas, devendo tê-las remetido ás autoridades competentes para efeito de investigação criminal; 6. No art.º 34.º da C.R.... cabe o correio eletrónico, porque o segredo da correspondência abrange as correspondências mantidas por via das telecomunicações. O direito ao sigilo de correspondência e de outros meios de comunicação privada tem como objeto de proteção a comunicação individual, isto é, a comunicação que se destina a um recetor individual ou a um círculo de destinatários. 7. A incriminação da violação de telecomunicações tutela o bem jurídico consagrado no art.º 34.º da Constituição, concretamente, o direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada. As restrições admitidas pela Constituição a este direito fundamental são apenas as que se mostrarem previstas na lei em matéria de processo criminal, não se encontrando legitimadas acções típicas de devassa do sigilo de correspondência e de telecomunicações assentes noutro direito, ainda que com consagração constitucional; 8. O direito à liberdade de expressão e informação previsto no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição, nunca pode justificar a restrição do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada, desde logo, por imperativo constitucional; 9. A ilicitude da conduta típica de divulgação de telecomunicações, pelo arguido AA não se mostra excluída por qualquer causa de justificação. Desde logo, por imperativo constitucional, as restrições ao direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada só são admissíveis em matéria de processo criminal. Portanto, não pode estar-se em erro, de facto ou de direito, sobre a verificação dos pressupostos de uma causa de justificação que em abstrato não existe; 10. Perante o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas, um qualquer interesse público que existisse na divulgação do conteúdo de tais comunicações nem sequer se perfilaria como um valor protegido, afastando, no caso concreto qualquer possibilidade de atenuação especial da pena a impor pela prática do crime de violação de telecomunicações; 11. concordamos com o entendimento do Tribunal, segundo o qual, tendo o arguido AA divulgado mensagens de correio electrónico de terceiros aquando da transmissão de vários programas “...”, do ..., com a sua conduta preencheu os elementos do tipo objectivo do crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada previsto pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal; 12. O arguido AA agiu com dolo directo, pois tinha conhecimento dos factos que se descreveram, e quis agir pela forma mencionada (art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal), tendo ainda actuado com consciência da ilicitude da respectiva conduta (art.º 17.º, n.º 1, a contrario, do Código Penal); 13. O arguido AA afirmou factos inverídicos (a troca de emails entre FF e KK não decorreu da forma que relatou e tal troca não permite obter a conclusão que expressou). Sendo manifesto que tais factos inverídicos mostram-se aptos a ofender o bom nome do ...; 14. O preenchimento do tipo do crime de ofensa a pessoa coletiva exige a afirmação ou propalação de factos (não juízos de valor), inverídicos (inveracidade que, constituindo elemento do tipo, cabe ao acusador demonstrar), que sejam idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, e que o agente não tenha fundamento para, em boa fé, reputar inverídicos esses factos; 15. O TEDH vem consistentemente interpretando o artigo 10º da CEDH no sentido de que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e realização de cada um. Sem prejuízo do n.º 2, ela é válida não apenas para as «informações» ou «ideias» acolhidas favoravelmente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou causam inquietação. Assim o exigem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática»; 16. As funções do arguido AA no ... eram, à data as de diretor de comunicação de um grupo “desportivo”, no âmbito de um programa que visava promover as atividades desse grupo; 17. Ao abrigo de um suposto interesse público, não seria permitido ao arguido extrapolar e adulterar, o sentido das telecomunicações, através da truncagem e da alteração sequencial das mensagens de correio eletrónico divulgadas, de forma a divulgar ao público uma realizada “ficcionada”; 18. O art.º 26.º da C.R...., estatui o Direito Fundamental à Palavra, o qual implica a proibição de deformação ou utilização enviesada (nomeadamente através de montagem, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos), das palavras de uma pessoa. Ver Vital Moreira, in Constituição da República ... Anotada, Vol. I, 4.º ed., 2007, pag.467. 19. Uma interpretação conforme as regras da experiência comum, ou atendendo ao critério do homem médio, a conduta normal de quem quer apresentar uma denúncia e comunicar os factos que entende configurar a prática de um ilícito criminal é dirigir-se às autoridades competentes; 20. O arguido AA, que tendo conhecimento dos alegados factos, não procedeu à denúncia, às autoridades competentes, mesmo convictos da sua alegada gravidade, enquanto causa de justificação para a sua divulgação; 21. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido AA não merece provimento, devendo manter-se integralmente o douto acórdão recorrido. * * » O MP respondeu igualmente ao recurso interposto pelo arguido CC, pugnando pela improcedência e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “3. Os assistentes têm legitimidade para apresentar queixa, pela prática do crime de violação de correspondência ou telecomunicações e pela subsequente divulgação, em canal televisivo, nos termos do disposto no art.º 194.º, nºs 1 e 2 e pelo art.º 194.º, n.º3, ex vi n.ºs 1 e 2, do mesmo preceito legal e 197.º, al. b), todos do C.Penal, uma vez que são titulares de interesses que a lei especialmente visa tutelar, em concreto, por via da violação da estrutura organizacional, enquanto efetivo lesado da conduta do arguido CC; 4. A divulgação não consentida de correspondência ou telecomunicações, p. e p. nos termos do art.º 194.º, n.º3, do C.Penal, é autonomizável do facto precedente, isto é, da obtenção e da tomada de conhecimento do respetivo conteúdo, punindo-se o mero ato de divulgação do conteúdo das telecomunicações suscetíveis de preencher o tipo de ilícito nos n.ºs 1 e 2 - como seja uma mensagem de correio eletrónico; 5. No art.º 194.º, n.º 2, do C.Penal, mostram-se tipificadas as condutas relativas ao momento em que o processo comunicacional está em curso. Já no n.º 3 do mesmo art.º 194.º, a conduta típica divulgar o conteúdo de telecomunicação respeita não só ao momento em que o processo comunicacional está em curso, antes se alargando a tutela penal à fase posterior à cessação da comunicação. De outra forma, não se compreenderia por que motivo no n.º 2 do art.º 194.º, ao lado das condutas típicas intromissão no conteúdo de telecomunicação e tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicação (respeitantes exclusivamente ao momento em que o processo comunicacional ainda perdura), não seria também incluído o acto de divulgar tal conteúdo; 6. A ilicitude da conduta do arguido CC não pode ser afastada, porquanto: inexiste qualquer direito legítimo (exercício do direito á informação), prevalecente sobre os direitos fundamentais violados, ainda que os assistentes pudessem ser figuras públicas; o arguido não beneficia de estatuto conferido á atividade jornalística e ainda que as mensagens de correio eletrónico revelassem a prática de um qualquer ilícito criminal, nunca poderia o arguido divulgar as mesmas, devendo tê-las remetido ás autoridades competentes para efeito de investigação criminal; 7. No art.º 34.º da C.R.... cabe o correio eletrónico, porque o segredo da correspondência abrange as correspondências mantidas por via das telecomunicações. O direito ao sigilo de correspondência e de outros meios de comunicação privada tem como objeto de proteção a comunicação individual, isto é, a comunicação que se destina a um recetor individual ou a um círculo de destinatários. 8. A incriminação da violação de telecomunicações tutela o bem jurídico consagrado no art.º 34.º da Constituição, concretamente, o direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada. As restrições admitidas pela Constituição a este direito fundamental são apenas as que se mostrarem previstas na lei em matéria de processo criminal, não se encontrando legitimadas acções típicas de devassa do sigilo de correspondência e de telecomunicações assentes noutro direito, ainda que com consagração constitucional; 9. O direito à liberdade de expressão e informação previsto no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição, nunca pode justificar a restrição do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada, desde logo, por imperativo constitucional; 10. A ilicitude da conduta típica de divulgação de telecomunicações, pelo arguido CC não se mostra excluída por qualquer causa de justificação. Desde logo, por imperativo constitucional, as restrições ao direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada só são admissíveis em matéria de processo criminal. Portanto, não pode estar-se em erro, de facto ou de direito, sobre a verificação dos pressupostos de uma causa de justificação que em abstrato não existe; 11. Perante o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas, um qualquer interesse público que existisse na divulgação do conteúdo de tais comunicações nem sequer se perfilaria como um valor protegido, afastando, no caso concreto qualquer possibilidade de atenuação especial da pena a impor pela prática do crime de violação de telecomunicações; 12. O arguido CC agiu com dolo directo, pois tinha conhecimento dos factos e quis agir pela forma mencionada (art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal), tendo ainda actuado com consciência da ilicitude da respectiva conduta (art.º 17.º, n.º 1, a contrario, do Código Penal); 13. A atuação do arguido CC na “divulgação” dos e-mails, não foi a de mero cúmplice, qualidade que este se arroga, argumentando que a decisão de divulgação do conteúdo dos e-mails, já teria sido tomada por AA, independentemente deste participar ou não na seleção dos e-mails; 14. Importa referir que o arguido CC explicitou, em audiência que, após efectuar nos ficheiros uma pesquisa por palavra-chave, destacava nos e-mails, o que no seu entender tinha interesse em ser divulgado pelo arguido AA no pograma “...”, sendo que apenas ele e o arguido TT tinham acesso aos e-mails e que, seja do seu conhecimento, ninguém tinha feito triagem anteriormente; 15. Os arguidos AAe CC, realizaram uma repartição de tarefas de que ambos tiveram conhecimento, e que integra a sua intenção, tendo em vista a divulgação de correio eletrónico nos concretos termos em que foi efetuada, atuando os dois com o domínio do facto; 16. Concordamos com o entendimento do Tribunal, segundo o qual, tendo o arguido CC divulgado mensagens de correio electrónico de terceiros aquando da transmissão de vários programas “...”, do ..., com a sua conduta preencheu os elementos do tipo objectivo do crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada previsto pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal; 17. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente o douto Acórdão recorrido. * * » O MP respondeu ainda ao recurso dos assistentes, que motivou e apresentando conclusões (transcrição): 3. Relativamente à questão da impugnação da decisão sobre a matéria - a de facto - a absolvição dos arguidos AAe CC da prática de 1 crime de ofensa à pessoa coletiva agravado, por referência ao livro “...”; Importa atender ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 8.11.2023 – Proc. 5259/19.7T9CBR-A.S1 – 5.ª Secção, cuja a argumentação subscrevemos e para a qual remetemos e damos aqui por integralmente por reproduzida para todos os efeitos legais, e que fixou - “O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo art.º 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito.”; Entendemos, nesta parte, assistir razão aos assistentes; 4. Deveria ter ficado provado, na matéria de facto do acórdão recorrido que: - Os arguidos AA e CC, sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros estes factos, mas ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. (Artigos 237º e 239.º da acusação particular); 5. Relativamente à impugnação dos assistentes quanto à absolvição dos arguidos AA e CC da prática de 3 crimes de ofensa à pessoa coletiva, por referência às emissões do programa do ..., “...”, dos dias ..., ..., e da emissão do “...” do dia ...; 6. A propalação de factos inverídicos associados a pretensas condutas da pessoa coletiva, tem um potencial muito mais lesivo sobre a sua credibilidade e confiança, incidindo sobre concretos procedimentos mensuráveis e racionalizáveis pela comunidade (diversamente sobre o carácter conclusivo dos juízos de valor), sendo somente esta a dimensão penalmente tutelável; 7. Exige-se tipicamente que na conduta do agente, este subjetivamente não tenha fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros (os tais factos inverídicos propalados), sendo dos factos provados não resulta que o arguido AA tivesse fundamento para não os reputar como verdadeiros; 8. “O tipo objetivo deste crime preencher-se com a afirmação ou divulgação de “factos inverídicos”, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança, não abarcando a imputação de “juízos de valor” ofensivos, como sucede nos crimes de difamação e injúria”, pelo que, nesta parte, entendemos não assistir razão aos assistentes; 9. Relativamente à impugnação pelos assistentes da absolvição dos arguidos AA e CC da prática de 1 crime de acesso indevido; 10. Os dados pessoais, cujo acesso se encontrava vedado, não foram acedidos diretamente pelos arguidos, tendo-lhes sido entregues, por terceiro. Não tendo os arguidos, prestado qualquer colaboração na exfiltração desses dados; 11. Os arguidos receberem de terceiro os dados, cujo o acesso se encontrava vedado não incorreram na prática do referido ilícito, já que o agente da incriminação, o autor do crime, só pode ser a pessoa que pratica aquela conduta típica e ilícita, não assistindo, nesta parte, razão aos assistentes; 12. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso dos assistentes merece provimento na parte, em que deverá passar a constar da matéria de facto do acórdão recorrido que os arguidos AA e CC, sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros estes factos, mas ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. (Artigos 237º e 239.º da acusação particular); 13. Afigura-se-nos que o recurso dos assistentes não merece provimento, nas restantes questões impugnadas, devendo manter-se, nessa parte, integralmente o douto acórdão recorrido. * * » Os arguidos AA e CC apresentaram resposta conjunta ao recurso interposto pelos assistentes, pugnando pela improcedência e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “1) Ao contrário do que se alega, entendem os arguidos que o acórdão recorrido teve o grande mérito de esclarecer a comunidade e o público em geral, também destinatários da sua “mensagem”, que os e-mails divulgados por AA no seu programa são VERDADEIROS, sendo o seu conteúdo o reflexo da realidade do ... português no período em referência. 2) Partindo deste pressuposto de verdade, que determinou toda a decisão quanto ao mérito, o Tribunal a quo teve a capacidade de bem aplicar o direito, concluindo, e bem, pela absolvição dos arguidos da prática de vários dos crimes por que foram julgados. 3) Pugna-se, pois, por que se mantenha inalterada a parte do acórdão recorrido impugnada pelos assistentes. Da absolvição quanto aos programas “...” e “...”: 4). É desde logo falso que a decisão recorrida padeça de “vício estrutural de raciocínio”. O Tribunal apreciou, detida e cuidadamente a prova, decidindo, em matéria de facto e de direito, de forma meritória e fundamentada. 5) E a conclusão a que chegou foi: i) os e-mails a que AA acedeu são verdadeiros (cf. p. 113 do acórdão), pelo que a sua leitura, consubstanciando embora, e naturalmente, a imputação de factos, é tipicamente irrelevante, por se tratar de uma imputação de factos verdadeiros; o demais que o arguido disse, nomeadamente e em particular, nos programas “...” dos dias ... e ..., e no “...” de ... (na parte impugnada pelos assistentes), integra o conceito de juízos de valor, resultando da análise subjectiva do arguido relativamente ao conteúdo factual que conhecia e que divulgou. 6). Não havendo dúvidas para o Tribunal a quo quanto ao critério a considerar e, menos ainda, quanto à divisão conceptual das palavras de AA, não haveria porque escalpelizar, ponto a ponto, palavra por palavra, o conteúdo daqueles programas, como fez, e bem, quanto aos que justificaram a condenação do arguido. 7. Porque as conclusões dos assistentes são falaciosas e merecem ser contraditadas, os arguidos explicam, melhor e mais detidamente, o porquê da acertada conclusão do Tribunal. 8. Quanto ao “...” do dia .../.../2017, o conteúdo dos emails, os pormenores de escrita e a linguagem sugestiva não deixam dúvidas interpretativas quanto ao que se quis dizer nas entrelinhas: o poder de influência do ... nos meandros do ... à época. 9. Ora, perante um problema disciplinar do filho, o UU, FF procurou mobilizar a influência do ... junto do ..., via JJ; LL, à data ... da ... ... de ..., manifestou querer ser “um menino queridos para vocês” [...], disponibilizando, também via JJ, uma lista com nomes de novos ...; informações de cariz pessoal relativas a ...; e remetendo relatórios de análise de ... após todos os jogos do ...; MM, à data ... da ..., manifesta, em emails trocados com DD, à data ... do ..., anormal proximidade e subserviência, manifestando disponibilidade para satisfazer vontades. 10. O lote de e-mails deste programa é, no mínimo, indiciador da adopção pelos assistentes de esquemas informais de nomeações, de actos de parcialidade por quem deve ser isento e equidistante dos ...s e de abuso de poder de influência; sustentando, pois, per se, as críticas, comentários e valorações, obviamente negativas!, formuladas por AA, no sentido de ser evidente o envolvimento dos assistentes e/ou de pessoas ligadas à sua mais alta estrutura em cambalachos e esquemas na .... 11. Lendo analiticamente os e-mails e confrontando-os com os comentários e críticas subsequentes do arguido, não se aceita a conclusão de que, naquele programa, além da leitura dos emails, o arguido AA tenha imputado aos assistentes factos inverídicos, ou mesmo falsos, aptos a atingir a sua credibilidade, prestígio e confiança. As suas palavras traduzem apenas o seu modo de ver as coisas, a sua interpretação dos acontecimentos face ao concreto contexto envolvente. 12. Não se esqueça – e esta nota vale para todos os programas aqui em sindicância – que AA conhecia o conteúdo de um conjunto alargado de outros emails que nunca divulgou e já se noticiável, à época, investigações judiciais associadas a comportamentos impróprios de pessoas ligadas à estrutura do ... 13. No “...” do dia .../.../2017, o arguido foi especialmente contundente e assertivo nas suas considerações, tecendo duras críticas aos assistentes e seus altos cargos, por conta do que já conhecia e vinha divulgando há meses – daí ter afirmado, sem hesitar, estar na presença do “maior escândalo da história do ... português”. 14. Neste programa foram tornados públicos emails trocados entre DD e VV, um … a quem aquele pagou avultados prémios em dinheiro por conta de promessas de bons resultados desportivos! Foram também tornados públicos emails que revelam a disponibilidade do ... para presentear, com bilhetes, GG, à data ... da ..., mesmo sem que nada tivesse sido pedido. 15. Também no “...” do dia .../.../2017, o arguido AA ora afirmou factos verdadeiros, sustentados nos e-mails que conhecia e que divulgou (convicção que abrange as declarações levadas ao ponto 114 dos factos provados); ora teceu comentários consequentes desses e-mails, tomando uma posição subjectiva e pessoal quanto ao seu conteúdo (veja-se as declarações levadas aos pontos 113, 115 e 116 dos factos provados). 16. Veja-se que o mote para os comentários de AA neste programa foram as declarações de DD, em particular, a sua afirmação de que “no nosso ... [isto é, no ... não existem actos praticados à margem da lei, nem condutas que possam ser objecto de censura” (pág. 59, acusação particular). Tendo presente tudo que já se conhecia da realidade do ... e todos os emails entretanto divulgados, o arguido simplesmente retorquiu! 17. Ao falar da monotorização das sms´s de NN, o arguido recuperou, aliás, uma ideia já por si desenvolvido num dos programas “...” (o do dia ...), mantendo os comentários e as críticas inerentes. Nada de novo se passou, nada de novo se soube, como nada de objectivamente novo foi por si dito. 18. Se atentarmos no conteúdo da específica declaração levada ao facto provado 114, não restam dúvidas de que o arguido, ao prestá-la, neste programa em particular, não renovou a sua resolução, por confronto com as declarações, de mesmíssimo conteúdo, que prestou no programada “...” do dia .../.../2017, pelo que andou bem o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, no sentido de que o arguido manteve ou deu continuidade à (mesma) resolução criminosa, não se justificando, quanto a este programa, a imputação de qualquer crime, e menos ainda a imputação de um crime autónomo. 19. Em suma, como bem concluiu o Tribunal a quo, as declarações proferidas por AA nos programas identificados [“...” dos dias 13 e ... e “...” de ...] não se revestem de significado criminal sob a perspectiva do crime de ofensa à pessoa colectiva, p. p. pelo art.º 187.º/1, sendo o seu comportamento atípico, o que justifica a sua absolvição. 20. Sem prescindir, caso se entenda, com os Assistente e contra o Tribunal a quo, que, em toda a extensão dos identificados programas, nos quais leu e-mails do universo ..., o arguido AA, nas inerentes e consequentes declarações que prestou, imputou factos aos assistentes, ao invés de formular meros juízos de valor, impor-se-á concluir, ainda assim, pela atipicidade da sua conduta. 21. Primeiro, não há como contornar a evidência de que uma tal (suposta) imputação assentou no conteúdo VERDADEIRO dos e-mails que, no mesmo contexto espácio-temporal, leu e divulgou. Segundo, não haverá como negar que, ao menos, arguido actuou fundadamente convencido de que os factos imputados eram verdadeiros! 22. Atente-se, a este propósito, nos factos provados 26 a 36: AA não foi imprudente, nem precipitado; antes actuou com o rigor e a cautela a que alude a doutrina na caracterização deste específico elemento do tipo incriminador, sendo que qualquer pessoa, colocada na sua posição (e com a mesma informação) actuaria com o mesmo convencimento. 23. A verdade é que nem o M.P., nem os assistentes fizeram prova de que o arguido, ao propalar os (supostos) factos inverídicos aludidos pelos assistentes, o fez sem fundamento para os reputar verdadeiros. Diríamos, até, que a prova existente nos autos, e escalpelizada pelo Tribunal a quo e na presente resposta, vai em sentido contrário, sendo de, ao menos e no limite, reconhecer uma dúvida forte, séria e razoável, face às circunstâncias do caso concreto. 24. Mantendo-se, como se antecipou, a absolvição dos arguidos quanto à sua actuação nos programas em sindicância. Da absolvição dos arguidos quanto ao livro “...”: 25. O Tribunal recorrido também entendeu, e bem, pela atipicidade da conduta dos arguidos quanto ao livro, porquanto tem por certo que o crime de ofensa à pessoa colectiva apenas pode ser cometido através da palavra “dita” ou “falada”, e não por escrito. 26. A decisão recorrida teve o elevado mérito de tomar posição circunstanciada, cuidada e muito criteriosa sobre cada um dos pontos levados à sua sindicância, não sendo este uma excepção: num tema reconhecidamente controvertido, teve o cuidado e o mérito de esmiuçar e contradizer todos os fundamentos da posição jurisprudencial que vê no crime de ofensa a pessoa colectiva um crime de execução livre, não deixando margem interpretativa para questionar o acerto da sua posição. 27. Na jurisprudência, caminham no mesmo sentido do Tribunal a quo, chegando a idêntica conclusão, plúrimos arestos dos Tribunais da Relação - vide: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.02.2019, proc. n.º 316/17.7T9SEI.C1, e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 23.05.2012, proc. n.º RP201205231429/09.4PIPRT.P1, de 03.04.2013, proc. n.º 4213/12.4TDPRT.P1, e de 11.03.2015, proc. n.º RP20150311472/13.3TAPNF.P1. Na doutrina, entre outros, Renato Militão, Sobre a Tutela Pena das Pessoas Colectivas, Julgar, Março 2016. 28. Grosso modo, são os seguintes os – bons – argumentos do Tribunal recorrido, que se acompanham: i) falta uma norma remissiva do art.º 187.º CP para o art.º 182.º CP; ii) as expressões “afirmar” e “propalar”, empregues pelo legislador, apenas são compatíveis com a oralidade, não se ajustando a outras modalidades de execução típica; iii) a eventual criação de espaços de impunidade não autoriza que o aplicador do direito se substitua ao legislador, punindo onde ele não puniu. 29. Não se admite, nomeadamente pela via analógica, a aplicação do disposto no art.º 182.º CP às condutas p. e p. pelo art.º 187.º do Código Penal. Entendimento diverso chocará, aliás, inexoravelmente, com o princípio da legalidade. 30. Com efeito, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal (art.º 29.º, n.ºs 1 e 4 da CRP), a interpretação do art.º 187.º, n.º 1, do CP, de acordo com a qual integra o seu tipo incriminador a realização por escrito da respectiva conduta típica. 31. Soçobram, um a um, os argumentos que os assistentes contrapõem à posição correctamente adoptada pelo acórdão recorrido, impondo-se, em síntese, que se confirme a atipicidade do comportamento dos arguidos, também nesta parte. 32. De todo o modo, ainda que se venha a entender, com os assistentes, que tem relevância típica a afirmação ou prolação de factos por escrito, da publicação do livro “...” não resultará a prática de qualquer crime pelos arguidos. 33. Isto porque, o seu conteúdo – e, em particular, o seu conteúdo levado aos factos provados! – consagra, sobretudo, a mera formulação de juízos de valor, não se vislumbrando, em nenhuma passagem, a imputação factos falsos ou sequer inverídicos. 34. As passagens levadas aos pontos 213 e 214 dos factos provados consubstanciam meras apreciações subjectivas, vagas e genéricas, e logo por isso atípicas; mas ainda que se entendesse que os arguidos efectivamente propalaram factos, naquelas passagens relevadas em sede de matéria de facto; sendo tais factos falsos ou inverídicos, abstractamente aptos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança dos assistentes, nem assim se pode negar a evidência de que agiram fundadamente convencidos de que tais “factos” eram verdadeiros. 35. Mais: o livro é sobretudo uma síntese do que o arguido divulgou nos programas, não revelando novidade alguma. Uma vez mais sem prescindir, 36. Pugnam os assistentes pela alteração do ponto 215 dos factos provados, ou pelo aditamento de um facto novo, porque têm plena consciência que, ainda que proceda a sua alegação quanto à possibilidade de executar o crime de ofensa à pessoa colectiva pela via escrita, a matéria de facto provada, tal qual como está, não permitirá a condenação dos arguidos! 37. E não permitirá porque dela não consta o reconhecimento e a afirmação de que os (alegados) factos imputados pelos arguidos aos assistentes, no livro “...”, são falsos ou inverídicos; como não consta o reconhecimento e a afirmação de que os arguidos não tinham como, em boa-fé, os reputar verdadeiros. 38. Tratando-se de elementos do tipo objectivo essenciais à condenação dos arguidos, devem ser suportados, naturalmente, pela matéria de facto fixada pelo Tribunal. 39. Sucede que a tarefa dos assistentes se revelou, também nesta parte, absolutamente inglória: não é na selecção de meia dúzia de minutos das longas declarações dos arguidos, sobretudo do arguido CC, que se pronunciou, detida e detalhadamente, sobre cada um dos emails divulgados e sobre os comentários tecidos a propósito, que os assistentes encontrarão suporte probatório para alterar a sustentada convicção do Tribunal a quo quanto à veracidade dos emails e quanto à actuação dos arguidos movidos, além do mais, pela convicção pessoal do interesse público da informação divulgada. 40. Nessa medida, articulada a prova relevante para este efeito –repete-se, declarações integrais dos arguidos, prestadas em sede de julgamento; emails divulgados nos programas; e o livro propriamente dito –, não haverá como não recusar a pretensão dos assistentes, mantendo inalterado aquele ponto 215 da matéria de facto provada, com as consequências legais. Uma vez mais sem prescindir, acresce que, 41. De todo o modo, o procedimento criminal relativo à prática do crime de ofensa à pessoa colectiva por conta da publicação do livro “...” encontra-se prescrito quanto a ambos os arguidos. 42. Sendo esta conclusão irremediável independentemente do concreto enquadramento jurídico que venha a ser dado à conduta – o dos assistentes, que acusaram pelos art.ºs 187.º/1 e 2, a) do CP e 183.º/1, a) e b) do CP; ou o do Tribunal a quo, que entendeu estarmos na presença, em abstracto, do crime dos art.ºs 187.º/1 e 2, a) do CP e 183.º/1, b) e 2 do CP. 43. Antes de mais, diga-se que os arguidos discordam da (re)qualificação jurídica operada pelo despacho de fls. 5303 e ss., por entenderem que o livro, sendo embora um meio que facilita a divulgação da mensagem (art.º 183.º/1, a), CP) – leia-se, da ofensa –, não tem a aptidão de ampliação dos destinatários que se reconhece à rádio, à televisão e, mais recentemente – e ainda com maior impacto -, às redes sociais. 44. Sem prejuízo disso, importa atentar na seguinte cronologia: o (suposto) facto ilícito consumou-se em .../.../2017, data da publicação do livro; AA foi constituído arguido em .../.../2018; CC em .../.../2018; a acusação particular foi pessoalmente notificada aos arguidos em .../.../2020. 45. Tal acusação particular, porque não acompanhada pelo M.P., não tem o efeito de suspender ou interromper o prazo de prescrição – assim, na jurisprudência: Ac. TRE de 05/02/2019, p. 727/15.2T9TNV.E1; Ac. TC n.º 445/2012; Ac. TRL de 27/10/2010, entre outros; na doutrina: Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, art.º 194.º/2; também o tribunal a quo, vide despacho de .../.../2022 aquando da recepção dos autos para julgamento. 46. Pois bem, se considerado o crime de ofensa à pessoa colectiva tal como imputado pelos assistentes, que acusaram pelos art.ºs 187.º/1 e 2, a) do CP e 183.º/1, a) e b) do CP, o prazo de prescrição aplicável é de dois anos (art.º 118.º/1, d) do CP). Com a constituição de arguidos, interrompeu-se o prazo (inicial) de prescrição e iniciou-se uma nova contagem, pelo que, na ausência de qualquer outra causa suspensiva ou interruptiva, o procedimento criminal prescreveu, quanto ao AA, em .../.../2020, e quando ao CC, em .../.../2020. 47. Se considerado o crime de ofensa à pessoa colectiva tal como configurado pelo Tribunal a quo, que enquadrou o comportamento dos arguidos nos art.ºs 187.º/1 e 2, a) do CP e 183.º/1, b) e 2 do CP, o prazo de prescrição aplicável é de cinco anos (art.º 118.º/1, c) do CP). Com a constituição de arguidos, interrompeu-se o prazo (inicial) de prescrição e iniciou-se uma nova contagem, pelo que, na ausência de qualquer outra causa suspensiva ou interruptiva, o procedimento criminal prescreveu, quanto muito, e sempre sem prescindir, quanto ao AA, em .../.../2023 – portanto, mesmo antes da prolacção do acórdão recorrido. 48. Quanto ao arguido CC, se vier a decidir-se, em acórdão a proferir por este Tribunal ad quem, pela tipicidade da sua conduta quanto à matéria do livro, forçoso será decidir pela prescrição do procedimento criminal, que, entretanto, ocorreu no passado dia .../.../2023. 49. Note-se que, tendo sido absolutória nesta parte, a notificação ao arguido da decisão recorrida, em .../.../2023, não fez operar a causa de suspensão do art.º 120.º/1, e), do CP. 50. Nesta conformidade, ainda que, contra o bem decidido pelo Tribunal a quo, venha a entender-se que a conduta dos arguidos quanto ao livro é típica, eles não poderão ser condenados, impondo-se o reconhecimento da prescrição do procedimento criminal. 51. Mantendo-se, na íntegra, na parte impugnada no recurso em resposta, a decisão recorrida. Da absolvição quanto ao crime de acesso indevido: 52. Não merece qualquer censura a decisão de absolvição dos arguidos atento o crime de Acesso indevido 53. Os assistentes, pessoas colectivas, não têm qualquer legitimidade para recorrer do segmento do Acórdão relativo ao crime de Acesso indevido. O crime de Acesso indevido, tem em vista a protecção de bens jurídicos atinentes à pessoa singular titular dos dados objecto de acesso indevido. Em consequência, só pessoas singulares poderão ser qualificadas como ofendidos em relação a este crime (Jorge de Figueiredo Dias/Nuno Brandão, Direito Processual Penal – Os Sujeitos Processuais, Gestlegal, 2022, p. 200 e ss.). 54. É patente que o recurso interposto demonstra (i) uma errada interpretação dos elementos objectivos do ilícito-típico, (iiuma leitura não integrada do concreto tipo legal de crime na sua globalidade, (iii) assim extraindo os Recorrentes conclusões insuportáveis quer no plano da ratio legis aqui presente (iv) quer violando princípio tão básico – e óbvio como o princípio da legalidade criminal, violação esta que se manifesta em uma dupla vertente: (v) por um lado, viola-se de forma frontal o princípio da tipicidade, (vi) por outro lado viola-se flagrantemente a proibição de aplicação retroactiva da lei criminal. 55. Atento o momento da prática dos factos, a nova configuração do crime prevista em 2019 é inaplicável in casu. 56. Apoiado na jurisprudência relevante, desde logo no Acórdão proferido por este Venerando Tribunal, datado de 27 de Março de 2008, assim como na doutrina, em especial no entendimento de Pedro Verdelho e Tiago Geraldo, o Tribunal recorrido, considerada a formulação do crime vigente à datada prática dos factos, interpreta correctamente o crime de Acesso indevido para concluir que os arguidos têm necessariamente de ser absolvidos. 57. O elemento objectivo “acesso” tem de ser interpretado como o acto de ultrapassar as barreiras técnicas e organizativas erigidas para protecção dos dados pessoais, como o acto de ultrapassar obstáculos, de atravessar “paredes”, de introdução em local (físico ou virtual) onde a tal entrada está proibida. 58. O agente da incriminação só pode ser a pessoa que pratica aquela conduta típica de “aceder”, ou seja, aquele que se introduz/intromete em um mundo que estava fechado ao agente, que assim penetrou e imiscui-se em (utilizando a linguagem processual penal) lugar não livremente acessível ao público. 59. Objecto da acção são os dados pessoais resguardados daquele acesso, ou seja, os dados pessoais protegidos de acessos que pressupõem necessariamente a conduta de romper barreiras de protecção desses dados. 60. Como ficou demonstrado na matéria de facto provada e como os próprios assistentes reconhecem, os arguidos não acederam a qualquer sistema seja digital seja físico, não retiraram qualquer informação. O acesso foi efectuado por outrem que exfiltrou do sistema informático dos assistentes, através de tal acesso, os dados pessoais em causa – n.º 1 do artigo 44.º –, sendo este outrem o único que pode ser por ta punido, e este outrem proporcionou a terceiros – al. b) do n.º 2 do artigo 44.º – o conhecimento dos dados, sendo aquele outrem o único que pode ser punido por tal e punido atenta agravação em causa. Os terceiros não praticam qualquer conduta típica. Como expressamente assumido pelos assistentes nas identificadas conclusões “RRRR”, “SSSS” e “TTTT”. 61. A correcta leitura e interpretação do crime de Acesso indevido têm, pois, de ser feitas olhando para o crime na sua globalidade, e não apenas, como o fazem os assistentes, para uma parte do tipo legal de crime, o que contribuiu para o errado e desacertado entendimento que estes acolheram everteram no recurso interposto. 62. Os assistentes não dedicam nem uma conclusão, nem um parágrafo, nem uma frase, nem uma linha que seja, nem sequer uma única palavra à existência da al. b) do n.º 2 do artigo 44.º em exame. 63. O crime em causa, para além de um n.º 1, contém ainda a al.b) do n.º 2, o que se revela essencial para a compreensão do crime na sua globalidade, o mesmo é dizer, para compreensão do espírito do legislador na construção do crime, logo, para uma correcta interpretação dos elementos constitutivos do crime de Acesso indevido. 64. Há, assim, que compreender que o n.º 1 do artigo 44.º e a al. b) do n.º 2 desse mesmo artigo (quer na formulação de 1998 quer na formulação de 2015) estatuem que: - N.º 1: quem, sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado. - Al. b) do n.º 2 daquele artigo 44.º: há qualificação no caso de aquele acesso ter possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais. 65. Há uma clara cisão tipicamente relevante entre, por um lado, “aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado” e, por outro lado, tal acesso “ter possibilitado ao agente ou terceiros o conhecimento de dados pessoais”. Esta manifesta cisão implica ser obrigatório concluir que pode existir por parte do agente “acesso”, no sentido típico de intrusão, e não existir quanto a esse mesmo agente, conhecimento dos dados pessoais. Caso em que se verifica preenchido o tipo base, mas não o tipo qualificado. Então, lógica e consequentemente, aquele primeiro acesso não é, não equivale, não é a mesma coisa (típica) que conhecimento dos dados. 66. O agente que acede aos dados pessoais, ou seja, aquele que atravessa a barreira da protecção pode ainda assim não tomar conhecimento do teor desses dados. Se assim não fosse, então não teria qualquer sentido a agravação prevista. 67. O que se criminaliza no n.º 1 é necessariamente aquele acto de romper a barreira de protecção que visava garantir segurança aos dados pessoais. Se o agente efectivamente acede aos dados, naquele preciso sentido, ou seja, se abra aporta que protegia esses dados de ingerências e, adicionalmente, toma ele próprio conhecimento do seu teor, ou permite esse conhecimento a terceiros, então torna-se completo o preenchimento do tipo simples e do tipo qualificado. 68. Este terceiro que assim toma conhecimento do teor dos dados não é visado pela área de tutela típica da infracção. Este terceiro não praticou o acto de “aceder”, não rompeu barreiras de protecção ou segurança, tendo-se limitado a conhecer o teor dos dados cujo acesso – esta sim a acção tipicamente relevante – foi conduta praticada pelo único e verdadeiro agente do crime. O tipo simples é, assim, única e exclusivamente imputável e, dogmaticamente, preenchível pelo agente que “acede” (quebrando a barreira física ou digital de segurança) aos dados pessoais. 69. Este é precisamente o caso dos autos, os seja, os arguidos, não tendo sido os autores da intromissão, não tendo “acedido” aos dados pessoais, não tendo eles rompido qualquer barreira de segurança – pelo que não praticaram qualquer conduta típica prevista no n.º 1 – não podem, como é óbvio, ser punidos por terem tomado conhecimento desses dados. Tratar-se-ia, pois, de um caso “esquizofrénico” em que se aceitaria a punição dos arguidos porque a sua conduta preencheria uma circunstância qualificativa embora nada tendo feito de forma a preencher o tipo base/simples, o que, naturalmente, não é possível, traduzindo-se tal interpretação em clara violação do princípio da legalidade criminal. 70. É inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, a interpretação do n.º 1 do artigo 44.º em causa na dimensão interpretativa segundo a qual é possível punir o arguido que toma conhecimento de dados pessoais quando se prova que o mesmo não praticou qualquer conduta de “aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado”. 71. A conduta dos arguidos, ou seja, o tomar conhecimento do teor dos dados é, pois, uma conduta patentemente atípica. Relembrando-se que, como resulta quer da acusação, quer da pronúncia, quer ainda do Acórdão recorrido, não foram os arguidos quem praticou o acto de “aceder” aos dados pessoais, mas antes um terceiro não identificado. 72. A formulação actualmente vigente do artigo, mas não em vigor no momento da prática dos factos, tem hoje uma área de tutela típica diferente, na medida em que o tipo legal de crime em vigor não contém já qualquer tipo qualificado a que corresponda, desde logo, a agravação contida naquela al. b) do n.º 2 do artigo 44.º. A agravação já não resulta do facto de o próprio agente ter tomado conhecimento dos dados pessoais ou de este ter dado a terceiros o conhecimento dos dados pessoais. 73. Assim, por um lado, o artigo 47.º na actual vigência do crime em causa é inaplicável ao caso concreto; por outro lado, o artigo 44.º exigia que, sem a devida autorização, o agente por qualquer modo, isto é, independentemente da forma como quebrou as barreiras de segurança e protecção, físicas ou digitais – daí trata-se de crime de execução livre –, acedesse a dados pessoais, isto é, quebrasse efectivamente aquelas barreiras, sendo que tal agente podia ou não ter tomado conhecimento destes (no primeiro caso verificar-se-ia a agravação) e podia ou não ter possibilitado esse conhecimento a terceiros (no primeiro caso verificar-se-ia a agravação), sendo que esta tomada de conhecimento por terceiros constitui sempre um facto atípico ou, se se preferir, um pós-facto não punível na perspectiva do terceiro. 74. Interpretação diferente da aqui defendida viola o princípio da legalidade criminal nullum crimen, nulla poena sine lege, em concreto por violação do princípio da tipicidade e ainda do princípio que proíbe aplicar a lei nova a factos passados quando mais desfavorável ao arguido. 75. O conceito de “acesso” considerado pelos assistentes nas conclusões “UUU”, “VVV”, “YYY”, “ZZZ” segundo as quais tal acesso basta-se com o mero acesso a dados, independentemente da sua fonte, do respetivo modo de obtenção, é dogmaticamente errado. 76. Como refere Pedro Verdelho, página 446, parágrafo 8, “As outras duas qualificativas exigem referências mais detalhadas. Por um lado, a qualificativa da alínea b) – a efectiva tomada de conhecimento de dados pessoais –, sublinha o carácter formal do crime principal, previsto no n.º 1 do artigo 44.º: este tipo de crime de acesso indevido basta-se com o mero acesso formal a uma base de dados, independentemente de o agente ter efectivamente ou não, tomado conhecimento desses dados”. 77. Esta é, precisamente, a interpretação que os arguidos têm sempre defendido: a existência da al. b) vem sublinhar que o crime previsto no n.º 1 basta-se com o mero acesso formal a uma base de dados, que para o Autor, relembra-se, pressupõe necessariamente a “entrada num sistema informático ou num a uivo físico onde se guardem dados pessoais” (parágrafo 6 da página 446), pelo que o agente, assim se introduzindo, ultrapassando as barreiras de segurança, e assim acedendo a dados pessoais, comete, mesmo que sem conhecimento do teor desses dados, o crime previsto no n.º 1. A agravação resulta da tomada de conhecimento, pelo próprio que assi acedeu ou pelo facto de o ter proporcionado a terceiros, sendo que, manifestamente, “aceder” é complemente distinto de “tomar conhecimento”, pelo que os terceiros que não “acedem” ainda que “tomem conhecimento” não são agentes do crime, logo não são punidos. 78. Os assistentes confundem, pois, “acesso” e “conhecimento”. Trata-se de dois conceitos, inclusive distintamente relevados no ilícito-típico concreto (n.º 1 e al. b) do n.º 2 do artigo 44.º), com significados dogmáticos profundamente diferentes, bastando para tal compreender e ler conjuntamente o n.º 1 e a al. b) do n.º 2 do artigo 44.º. 79. Se estivesse em causa interpretar tal “acesso” como “aceder = a mero tomar conhecimento”, como propugnam os assistentes, então o que sobraria para a agravação prevista na identificada al. b), há luz da qual, precisamente, o que se criminaliza é dar conhecimento ao próprio (!) (de novo? Dupla punição?) ou a terceiro desses mesmos dados pessoais? Como é óbvio esta interpretação não tem qualquer sentido. 80. É também evidente que o Tribunal recorrido não confunde o crime de Acesso indevido com o crime de Acesso ilegítimo (artigo 6.º da Lei do Cibercrime). O crime previsto no artigo 44.º, de Acesso indevido, é um crime específico (no sentido de especial) porque estão em causa dados pessoais, e, por isso mesmo, incluído em legislação que precisamente regula tudo o que tem a ver com este objecto. No âmbito do qual o “acesso” pode acontecer ou em ambiente digital ou físico. 81. No fundo, a mensagem do legislador para os cidadãos é simples: “não podes aceder a dados pessoais. Não podes ultrapassar as barreiras de segurança que visam impedir esse acesso. Se o fizeres serás punido. Se tiveres acedido e, adicionalmente, tiveres tomado conhecimento desses dados, ou se proporcionares esse conhecimento a terceiros, então serás punido com pena ainda maior”. 82. É simples, “aceder não é = a tomar conhecimento”. Outra leitura do tipo legal de crime contido no artigo 44.º não é dogmaticamente possível. 83. As conclusões contidas em “HHHH”, “LLLL”, “MMMM”, “OOOO”, “PPPP” e, com especial destaque, em “NNNN” são, pois, totalmente erradas. Assim como a conclusão “IIII”, uma vez que a expressão por qualquer modo refere-se ao acto de intrusão/intromissão. 84. As conclusões “GGGG”, “JJJJ”, “KKKK”, “QQQQ”, “UUUU”, “VVVV”, “WWWW” “XXXX”, “YYYY” são completamente inócuas para a matéria em discussão, nada relevando para a compreensão do caso sub judice. 85. A questão da identificação do bem jurídico protegido, em relação à qual não existe qualquer conflito entre arguidos e assistentes, não releva para a definição do que seja a conduta típica “acesso”. 86. Os assistentes não leram correctamente o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal, datado de 7/Março/2018. Aliás, este Acórdão vem precisamente defender aquilo que os arguidos têm defendido na presente resposta. 87. A formulação contida no n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 10/91, convocada pelos assistentes, foi revista na medida em que aí apenas se previa o acesso a dados pessoais se contidos em sistema informático, ou seja, excluía-se, sem razões bastantes para tal, o acesso a tais dados pessoais quando guardados fisicamente. 88. Atento tudo o que fica exposto conclui-se, por um lado, que o Tribunal a quo interpretou e aplicou de forma inteiramente correcta a lei vigente e, em consequência, impõe-se a confirmação da decisão de absolvição dos arguidos; por outro lado, reflexamente não têm, pois, os assistentes qualquer razão, sendo manifestamente incorrecta a sua interpretação do crime de Acesso indevido. Termos em que se requer a V. Exas. seja declarado improcedente o recurso em resposta, pelas razões apresentadas supra, mantendo inalterada, nesta parte, a decisão recorrida * * » As assistentes responderam aos recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, motivando o recurso e apresentando as seguintes conclusões: I. As Assistentes têm legitimidade para o exercício do direito de queixa i. Desde o início deste processo que os arguidos procuram refugiar-se no argumento formalista, de que os titulares do direito de queixa, no que respeita ao crime do artigo 194.º, n.º 3, do CP, são os ... e dirigentes do ... que utilizavam as caixas de correio ilegalmente divulgadas, e não o ..., compreendendo aqui as três queixosas e Assistentes, enquanto titulares do domínio, do alojamento e da informação aí contida. ii. O argumento é simples: dizem os arguidos que o facto de o ... ser o titular do sistema informático onde os e-mails se encontram alojados e da informação neles contida não desempenha qualquer papel na determinação de quem possa ser considerado ofendido, uma vez que o critério relevante seria o de quem tem o poder de dispor sobre o acesso à correspondência eletrónica, e esse critério apenas permitiria qualificar os utilizadores das caixas de correio como ofendidos. iii. Contudo, do confronto entre o artigo 113.º, n.º 1, e o artigo 194.º, n.º 3, do CP, resulta que a identificação do ofendido, não está dependente da identificação de quem pode dispor sobre o acesso à comunicação, e muito menos interpretando o conceito de disposição como quem determina, operacional e factualmente, o destinatário, ou, no caso do recetor, quem determina o que fazer a seguir à receção do email (eliminar, reencaminhar, arquivar, etc.), independentemente da natureza da caixa de correio e dos fins para as quais a mesma é utilizada. iv. Este critério, adotado para cartas e telecomunicações de conteúdo pessoal, faz sentido apenas nesse específico contexto de intimidade e pessoalidade, ou de titularidade individual, mas não funciona, nem pode funcionar, a propósito de caixas de correio eletrónico corporativo, utilizadas para fins profissionais por ... e dirigentes que atuam em nome da pessoa coletiva. v. Nestes casos, a privacidade que se ofende com o acesso e divulgação indevidos de comunicações, salvo quando haja comunicações de natureza estritamente pessoal não é a do utilizador da caixa de correio, mas sim a do titular dos meios de comunicação utilizados por este, enquanto trabalhador, e, em particular, da informação aí contida. vi. De resto, o poder de disposição de que aqui falam os arguidos, ainda que pudesse servir de critério, certamente não seria na interpretação restritiva e inflexível que os arguidos aplicam a todos os cenários, mas sim na sua aceção organizacional, enquanto poder para definir juridicamente, e não apenas de facto, os termos e os meios de utilização dos específicos canais de comunicação, bem como para definir o teor da informação que pode ser comunicada pelos seus titulares. vii. Como resulta da matéria de facto provada, estavam em causa caixas de email atribuídas apenas a trabalhadores e dirigentes do ..., para envio e receção de comunicações profissionais em nome do ..., para uso exclusivo durante a vigência da sua relação jurídica com o ..., utilizadas para troca de informação protegida por segredo de negócio, armazenada na plataforma de correio eletrónico da ..., onde se encontrava correspondência eletrónica "privativa da detentora do domínio ... e dos ... que a trocaram" (cf. factos provados n.º 183 e 185), cujo conteúdo estava acessível à própria detentora do domínio e sociedades do ...autorizadas (cf. factos provados n.º 177 e 178). viii. Por outro lado, ainda que os utilizadores das caixas de correio possam ser titulares do direito de queixa, daí não resulta que o ... e ... também não o seja, uma vez que a cada tipo de crime pode corresponder mais do que um titular do interesse legalmente protegido. ix. Especialmente tendo em conta que as caixas de correio cujo conteúdo foi ilicitamente divulgado pelos arguidos apenas foram escrutinadas e difundidas por estarem armazenadas ao domínio pertencente à estrutura das Assistentes e por respeitarem a informação privada da sua estrutura organizacional. x. O que se pretendia com tais condutas era, pois, conhecer e divulgar informações privadas da estrutura organizacional das Assistentes. Não foi só, nem principalmente, a privacidade do próprio titular da correspondência eletrónica remetida para o seu endereço profissional que foi violada, foi também, e principalmente, a privacidade e o direito à inviolabilidade das comunicações da própria entidade, enquanto estrutura organizacional. xi. Tendo presente o que acima se afirmou, e estando assente que as pessoas coletivas também são dotadas de privacidade e do direito à inviolabilidade das comunicações, seria ostensivamente redutor, e hermenêuticamente insustentável, interpretar o disposto no artigo 194.º, n.º 3, do CP como apenas conferindo titularidade do direito de queixa a pessoas coletivas quando o email seja dirigido a um endereço geral das mesmas. xii. Assim, e em face do exposto, resulta evidente que a titularidade do direito de queixa pertence às Assistentes, enquanto titulares da informação ilicitamente divulgada, e, no que especificamente respeita à ..., também por ser a titular do sistema informático onde se encontravam armazenadas as mensagens ilicitamente divulgadas. II. A tipicidade da conduta dos arguidos ao abrigo do artigo 194.º, n.º 3, do CP xiii. Neste ponto, alegam os arguidos que o crime de divulgação de conteúdo de telecomunicação só pode ocorrer se a comunicação ainda estiver em curso, ou seja, quando a ação tenha por objeto um fluxo ou circulação de sinais, pelo que, sabendo que os emails ilicitamente divulgados pelos arguidos tinham já chegado ao destinatário antes de serem divulgados, a ação dos arguidos seria atípica por inexistência de objeto. xiv. É sobretudo no âmbito do direito processual penal, a propósito da apreensão de correio eletrónico, que o problema da qualificação do correio eletrónico como comunicação tem vindo a ser objeto de detalhada análise por parte da doutrina e jurisprudência. xv. A discussão tem-se centrado precisamente em saber se a mensagem de correio eletrónico lida deverá merecer tutela distinta daquela que é conferida à mensagem não lida, em termos semelhantes ao que acontece com a correspondência física ou dita tradicional. xvi. O critério adotado pelos arguidos é distinto, mas análogo, já que fazem depender a cessação da telecomunicação da sua receção pelo destinatário, independentemente de o email ter sido lido ou não. xvii. A jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos proferidos nos processos n.º 798/21.2JALRA.S1 e 184/12.5TELSB-R.L1-A.S1 (este de fixação de jurisprudência), bem como do Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.ºs 687/2021, 91/2023 e 314/2023, rejeita esta distinção e atribui o estatuto de comunicação a todos os e-mails, independentemente de terem sido lidos ou não e, por maioria de razão, independentemente de terem sido recebidos ou não. xviii. Por outro lado, apesar de ser indiscutível que o correio eletrónico permanece uma comunicação mesmo após recebido, e que, por isso, a divulgação de e-mails indevidamente obtidos sempre preencheria, mesmo no entendimento dos arguidos, o tipo criminal do artigo 194.º, n.º 3, do CP, a verdade é que a questão a analisar deverá centrar-se na divulgação do conteúdo da comunicação, a par do propósito e do objeto de tutela da incriminação. xix. O que releva, pelo menos quanto a este crime, não é apenas que os arguidos tenham acedido aos e-mails, mas sim que tenham divulgado o seu conteúdo, neste caso através de meio de comunicação social. xx. O que o legislador pretende punir - e fez constar da lei - é precisamente a divulgação não autorizada no conteúdo da comunicação, independentemente de o fluxo comunicacional estar em curso ou não, por ser desse ato - da divulgação, não da eventual intromissão no fluxo comunicacional - que resulta a lesão à privacidade que aqui se visa punir. xxi. Reduzir a ação típica à divulgação de comunicações intercetadas é, por isso, arbitrário, contrário à ratio da norma e inutilizador da incriminação, só podendo ser sustentado como forma desesperada de alcançar a impunidade por um ato a todos os títulos, incluindo penal, censurável. xxii. Assim, e em suma, deverá, por tudo quanto se referiu, manter-se a punição dos arguidos, pela prática de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos artigos 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do CP. III. (Não) Exclusão da ilicitude por exercício (i)legítimo dos direitos de liberdade de expressão de informação xxiii. Antes de mais, nesta parte, porque as motivações de recurso dos arguidos AA e CC constituem uma única motivação de recurso (as motivações do segundo são cópia frase por frase, palavra por palavra das motivações do primeiro) não deverá ser admitida diferente sumarização das mesmíssimas motivações, devendo os recorrentes ser convidados a esclarecer qual das duas linhas conclusivas (autónomas e diferenciadas) se deverá extrair da única motivação que apresentaram - o que se requer. xxiv. Por outro lado, uma vez que a tese dos arguidos pressupõe a prévia descaracterização da conduta de divulgação de emails (cujo fluxo comunicacional não esteja em curso) enquanto conduta típica, procurando retirar a mesma do objeto da incriminação prevista no artigo 194.º n.º 3 do CP verifica-se uma impossibilidade substantiva de apreciar o pedido formulado a título meramente subsidiário pelos arguidos, porquanto a pretensão recursiva dos recorrentes nesta parte dependia da prévia procedência daquela questão anterior - razão pela qual se requer o não conhecimento do recurso nesta parte. xxv. Repetindo as alegações que já haviam feito constar no RAI e na contestação, os arguidos procuram sustentar que não atuaram de forma ilícita pois, segundo querem fazer crer, beneficiariam de uma causa de justificação do facto, no caso concreto, consubstanciada com o exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e informação. xxvi. Os arguidos (que se conformaram com a decisão de facto do Tribunal recorrido) partem, porém, do equívoco de que a sua atuação estava contida no seu direito a informar, ou pelo menos apenas contida neste direito a informar, quando aquilo que resulta dos factos provados 27, 28, 30 a 37, 42, 67, 68, 186 a 189, 191, 195, 207 a 209, é que a conduta dos arguidos foi motivada pela rivalidade entre o ... e o .... xxvii. No limite, verificando-se uma outra finalidade conjunta ou paralela (de rivalidade clubística), sempre seria necessário considerar que a atuação dos arguidos ao abrigo daqueles interesses (privados e de rivalidade clubística da sua entidade empregadora) seria, também ela, suscetível de justificar a ilicitude - o que não sucede. xxviii. Os recursos dos arguidos manifestam um desfasamento relativamente à factualidade provada, na medida em que constroem a sua pretensão apenas no meio fim da sua conduta que pretendem agora, incorretamente, fazer subir a fim único (daquela sua conduta). xxix. Os arguidos esquecem que o arguido AA acreditava ter sido escolhido para divulgar emails das Assistentes porque defendia melhor que ninguém os interesses do ..., alegando, de modo impreciso, factos que não resultam demonstrados, nem provados no Acórdão recorrido. arguido uma justificação da sua atuação antijurídica quando aquele divulgou o conteúdo dos e-mails), devendo os recursos dos arguidos ser julgados improcedentes. IV. (Não) Exclusão da culpa por erro sobre a ilicitude não censurável xl. Para o caso de se considerar que a conduta dos arguidos é ilícita, vêm os mesmos alegar, a título subsidiário, que atuaram sem culpa, pois encontravam-se em erro sobre a ilicitude não censurável (artigo 17.º, n.º 1 do CP). Porém, como se demonstrou, os arguidos tinham pleno conhecimento de que as suas condutas eram contrárias ao Direito. xli. Só tem sentido equacionar a existência de falta de consciência da ilicitude não censurável nos casos em que a questão seja comunitariamente controversa. xlii. No entanto, como bem entendeu o Tribunal a quo, está perfeitamente sedimentada na sociedade a crença de que divulgar o conteúdo de correspondência é ilícito. xliii. Os arguidos tinham total consciência da ilicitude da sua conduta, como resulta da factualidade julgada por provada nos pontos 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 73, 92, 175, 177, 181, 182, 183, 184 da decisão da matéria de facto julgada provada, constante do Acórdão recorrido. xliv. É o que decorre, aliás, do facto de os arguidos terem guardado os referidos e-mails num computador específico para o efeito, sem acesso à Internet e ao qual somente os arguidos tinham acesso. xlv. Ao divulgarem o conteúdo dos e-mails em causa, tendo pleno conhecimento dos valores penalmente protegidos, os arguidos decidiram atuar contra a sua própria consciência ético-axiológica, sabendo que atuavam contra um sentido social que lhes comandava o contrário, tendo querido agir da forma descrita, demonstrando total contrariedade e desrespeito pelo ordenamento jurídico. xlvi. Em nada releva perceber se os arguidos tinham ou não conhecimento das normas que violavam (artigo 194.º do CP e, por consequência, o artigo 34.º da CRP). O que importa é que tinham uma consciência material da ilicitude de que é contra a ordem jurídica divulgar o conteúdo de comunicações privadas, sem o consentimento dos respetivos titulares. xlvii. Mesmo que se admita que os arguidos não tinham conhecimento da ilicitude em sentido material, as suas condutas sempre seriam culposas, na medida em que a falta de conhecimento é igualmente censurável para o "erro" que os arguidos alegam. xlviii. Por fim, a título subsidiaríssimo, vêm os arguidos pugnar pela aplicação do disposto no artigo 17.º, n.º 2 do CP. xlix. Tendo em conta a inviolabilidade de princípio, consagrada no artigo 34.º da CRP, o facto de se encontrar provado que os arguidos atuaram para afetar negativamente a imagem pública do ... e a motivação assente na rivalidade clubística, é de concluir que não há quaisquer razões para aplicar a atenuação extraordinária e facultativa presente no n.º 2 do artigo 17.º do CP. . Por fim, e quanto a tudo o que se referiu nos dois capítulos que antecedem, não se deixará também de invocar que a interpretação normativa que se pretenda extrair dos artigos 194.º (por referência ou não ao artigo 192.º), 31.º, 16.º e 17.º todos do CP, (quando interpretados isolada ou conjugadamente entre si), no sentido propugnado pelos recorrentes, é/será materialmente inconstitucional por violação dos artigos/princípios vertidos nos artigos 2.º, 12.º, 13.º, 17.º, 18.º n.ºs 1 e 2, 20.º, 29.º, 32.º 34.º e 37.º, todos da Constituição da República .... V. A (justa e legal) imputação ao arguido CC da coautoria com o arguido AA do crime de violação de correspondência li. O arguido CC admite no seu recurso que a factualidade julgada como provada pelo Tribunal a quo poderia alicerçar apenas a respetiva participação criminosa enquanto cúmplice, sustentando-o no facto de a ação típica do crime por que foi condenado estar centrada na divulgação de correspondência, quando apenas lhe foi assacada a responsabilidade pela seleção, prévia a essa divulgação. lii. Porém, na factualidade julgada como provada, ficou assente que o arguido CC foi convocado pelo arguido AA “para proceder à análise dos conteúdos da correspondência electrónica que lhe ia sendo remetida" (cf. facto provado 36.), e que toda a correspondência divulgada por este correspondia à “selecção de correspondência electrónica que previamente era efectuada, com essa finalidade, pelo arguido CC" (cf. faco provado 37.). liii. Por conseguinte, a factualidade provada e que se encontra assente, traduz uma importância significativa da conduta do arguido CC, decisiva para o ato de divulgação, na medida em que tudo o que foi divulgado de modo direto pela ação do arguido AA dependeu, invariavelmente, de uma seleção que era da exclusiva responsabilidade do arguido CC. liv. Ademais, tendo-se também consolidado o facto provado de que "[a]o seleccionar a correspondência electrónica destinada a ser divulgada pelo arguido AA no programa "...", o arguido CC fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o ... e o ... e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que tal divulgação tinha interesse público e, nessa medida, estava contida no seu direito a informar" (cf. facto provado 195), resulta assente que a motivação subjacente à seleção feita pelo arguido CC é, precisamente, a mesma que esteve subjacente à divulgação pelo arguido AA. lv. O arguido CC tomou parte direta na execução de tal divulgação juntamente com o arguido AA, aderindo ao plano criminoso começado de executar por este e passando a contribuir de modo decisivo para a sua realização. QUANTO AO CRIME DE OFENSA A PESSOA COLETIVA AGRAVADA: A (JUSTA E LEGAL) CONDENAÇÃO DO ARGUIDO AA PELOS DOIS CRIMES DE OFENSA À PESSOA COLETIVA AGRAVADA lvi. Neste segmento de recurso, o arguido AA qualifica como um recurso em matéria de direito algo que corresponde, na verdade, a um recurso da matéria de facto, não cumprindo, porém, as exigências legais consagradas no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP. lvii. Ademais, o arguido AA centra a sua narrativa enfatizando o seu convencimento sobre a veracidade dos e-mails que divulgou, não cuidando de constatar que o cerne da sua condenação é lateral à questão da autenticidade desses e-mails, estando antes centrada na inveracidade das afirmações de facto que fez nos programas onde divulgou esses mesmos e- mails. lviii. Ao não ser impugnada, nos termos legais, a matéria de facto julgada provada no Acórdão recorrido, esta consolidou-se, resultando, assim, assente, que pelo arguido AA "foram suprimidas passagens dos e-mails aquando da sua descrição, colados excertos de e-mails de datas diversas e alterada a sua sequência, por forma a subverter o sentido dos mesmos", e isto "com a intenção de possibilitar que o arguido AA anunciasse, no referido programa televisivo, que a estratégia encontrada pelo ... era uma estratégia de corrupção, semelhante a um polvo com diversos tentáculos capazes de alcançar todas as áreas da sociedade", tendo o arguido recorrente AA o conhecimento de "que tal conclusão não era suportada pela realidade veiculada pelos e-mails na sua versão original, à qual o arguido acedera anteriormente, apenas a alterando na medida daquilo que tinha intenção de revelar ao público em geral e com o intuito de lesar a credibilidade do ..." e, também, que o "arguido AA afirmou um facto inverídico (o e-mail em causa não permite concluir que o ... tenha agido da forma que lhe é imputada), sabendo da falsidade do que afirmou (ou seja, de que o e-mail não permitia extrair a conclusão que relatou). Por outro lado, é manifesto que tal facto inverídico mostra-se apto a ofender". lix. À luz dos elementos do tipo criminal de ofensa a pessoa coletiva pelo qual o arguido AA vem condenado e, bem assim, a factualidade assente, deverá ser confirmado o Acórdão recorrido. C. A (justa e legal) não aplicabilidade do artigo 17.º, n.º 2, do CP lx. Não impondo o artigo 17.º, n.º 2, in fine, do CP, a atenuação especial da pena, apenas prevendo-se a sua possível a aplicação, face às razões aduzidas no Acórdão recorrido pelo Tribunal a quo, às quais as Assistentes aderem na íntegra, bem andou o Acórdão recorrido ao não atenuar a pena por que condenou o arguido CC. lxi. Isso mesmo foi imposto pela prevalência do direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas e à respetiva tutela efetiva, bem como pelo facto o arguido CC se ter motivo por um motivo fútil, como era o de criar uma aparência falsa e ofensiva do prestígio e credibilidade de que goza o ..., como forma de pretensa justificação da fraca prestação desportiva do .... Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis que V. Ex.as doutamente suprirão, deverão ser declarados integralmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, mantendo-se inalterada, quanto aos segmentos recorridos, a decisão proferida pelo Tribunal a quo. * * » O assistente DD respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela improcedência e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “1ª – O arguido AA foi condenado pela prática, em coautoria com CC de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p.p. pelo artigo 194º n.º 3, ex vi n.º 2 do mesmo preceito legal e pelo artigo 197º, b) do Código Penal, e pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada, p.p. pelos artigos 187º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e 183º n.º 2, ambos do Código Penal, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. 2ª – O arguido CC foi condenado pela prática, em coautoria com AA, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p.p. pelos artigos 194º n.º 3 com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197º alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. 3ª – O assistente DD apenas responderá na presente resposta, de forma sucinta, à matéria que lhe diz diretamente respeito, por questões evidentes de legitimidade. 4ª – Sustentam os arguidos (cfr. conclusões 7. a 11 do recurso interposto pelo arguido AA e conclusões G. a P. do recurso interposto pelo arguido CC) que não são ofendidos da prática do crime de violação de correspondência e de telecomunicações os assistentes ..., a ... e ... - Construção e Gestão de Estádios, S.A. mas sim “as pessoas singulares ... ao grupo ... cujos e-mails de que foram destinatários foram copiados e disponibilizados ao arguido AA . e por estes divulgados, ou seja, tendo em conta os indivíduos referidos no ponto 175. Da matéria provada, por exemplo, II, DD, JJ, KK, etc”. 5ª – Tendo por base o bem jurídico protegido pela incriminação – a privacidade –, são ofendidos não apenas as pessoas singulares que recebem a correspondência, mas também o proprietário da caixa de correio que, com atuação ilícita, vê a privacidade da sua empresa invadida e ainda a pessoa que expede o e-mail e, com a conduta ilícita, vê devassada a sua comunicação e a sua liberdade de comunicar em segurança e de forma sigilosa, mesmo após o seu envio. 6ª – As caixas de correio eletrónico acedidas e divulgadas pelos arguidos, embora fossem utilizadas por pessoas singulares, pertenciam (e pertencem) ao domínio sl..., detido pelo ... 7ª – As mensagens de correio eletrónico ilicitamente acedidas e divulgadas foram expedidas e/ou recebidas por ... do ..., em razão das suas funções ou por causa delas, tendo sido aliás por causa dessas funções que essas concretas caixas de correio eletrónico foram acedidas e foi divulgado o seu conteúdo. 8ª – Não era assim à vida pessoal de DD que os arguidos queriam aceder (ou pelo menos não só a essa, embora também a essa tenham acedido e tenham divulgado, com as consequências nefastas para o assistente). Era principalmente a matéria da vida profissional de DD, enquanto ... do ... e ... e elemento fulcral da vida desportiva e societária das assistentes.” * => Parecer do M.º P.º: Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, acompanhando, nos precisos termos em que vêm formuladas, as respostas da Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância à motivação dos recursos interpostos pelos arguidos e assistentes. * Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP. * * => Respostas ao parecer: . As assistentes responderam ao parecer, dizendo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2023, publicado no Diário da República, 1.º Série, n.º 237 implica a revogação e substituir o acórdão recorrido por uma decisão que condene os arguidos AA e CC pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CP, o que se requer, para além do mais já requerido nas alegações de recurso. * Também o assistente DD respondeu ao parecer, “renovando os argumentos expendidos na resposta que tempestivamente apresentou aos recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, devendo, em consequência, tais recursos ser julgados totalmente improcedentes”. * No exame preliminar foi indeferida a realização da audiência e consignado que o recurso devia ser julgado em conferência. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência. * * II- Questões a decidir: Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art.º 412.º, n.º 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte: I- Relativamente ao recurso intercalar: - Da legitimidade de DD para intervir nos autos na qualidade de assistente. II- Relativamente aos recursos interpostos do acórdão condenatório: . Recurso do arguido AA: 1. da legitimidade do MP para exercer a ação penal pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 2. atipicidade da conduta por falta de objeto da ação, já os emails exfiltrados não são telecomunicacões, com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 3. Da causa de exclusão da ilicitude: exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação – art.º 31º n.º 2 al. b) do CP - com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 4. Do erro sobre a ilicitude não censurável, nos termos do disposto no art.º 17º do CP, com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 5. Os factos que afirmou no programa de .../.../2017 são verdadeiros e, ainda que não fossem, a conduta é atípica, pelo que deverá ser absolvido do crime de ofensa à pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo art.º 187 do CP. Recurso do arguido CC: 1. Da legitimidade do MP para exercer a ação penal pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 2. Atipicidade da conduta por falta de objeto da ação, já os emails exfiltrados não são telecomunicacões, com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 3. Da causa de exclusão da ilicitude: exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação – art.º 31º n.º 2 al. b) do CP com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. 4. Do erro sobre a ilicitude não censurável, nos termos do disposto no art.º 17º do CP, com a consequente absolvição do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP ou com a atenuação especial da pena – art.º 17 n.º 2 do CP. 5. Co-autoria ou cumplicidade no crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. Recurso dos assistentes ..., ... – ..., ..., SA: 1. Do erro de julgamento com impugnação da matéria de facto constante, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 215 dos factos provados, que deverá ser acrescentado da seguinte factualidade: os arguidos CC e AA sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros os factos inverídicos reproduzidos no livro e que imputam às assistentes. 2. os factos provados referentes à conduta do arguido AA em cada uma das emissões dos dias ..., ... e ... são subsumíveis à prática dos crimes de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 al. b) do CP. 3. Os factos referentes à elaboração e publicação do livro “...” integram a prática pelos arguidos AA e CC de um crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 n.º 1 al. a) e al. b) do CP. 4. Os factos provados integram a prática pelos arguidos AA e CC, em co-autoria, de um crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44 1 e 2 al. b) da Lei 67/98, de 16/10, na redação da Lei 103/205, de 24/08. Resposta dos arguidos AA e CC: 1. Da prescrição do crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 n.º 1 al. a) e al. b) do CP, com referência à publicação do livro. 2. Da ilegitimidade dos assistentes para recorrerem relativamente ao crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44 n.º 1 e n.º 2 al. b) da Lei 67/98, de 16/10, na redação da Lei 103/205, de 24/08. * III – Transcrição das partes da decisão recorrida com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso (transcrição): “II.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA Após a discussão da causa e a produção da prova, da factualidade descrita nas acusações pública e particular, para que remeteu o despacho de pronúncia, com relevância para a decisão a proferir, encontram-se assentes os seguintes factos: 1. O ... (...) é uma agremiação … de direito privado e utilidade pública que tem como fins: - Desenvolver a prática dos … e proporcionar meios de recreio e de cultura aos seus associados; - Fomentar a acção social que pelos estatutos lhe for cometida. 2. Para além do ..., o “...” é constituído por várias sociedades comerciais especializadas nas diversas vertentes do fenómeno desportivo, incluindo desporto profissional, merchandising, comunicação e media, promoção de eventos ou patrocínio comercial. 3. De entre as sociedades pertença ao “...”, encontram-se as seguintes: i. ... (...), sociedade anónima titular do NIPC ..., que tem por objecto a participação, na modalidade de ..., em competições desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade; ii. ... (...), sociedade comercial com o NIPC ... e sede no ..., que tem por objecto social: a concepção, criação, desenvolvimento, produção, realização, promoção, comercialização, aquisição, exploração de direitos, gravação, distribuição e difusão de obras e programas audiovisuais, multimédia, televisão, vídeo, cinema, canais temáticos, internet, eventos turísticos, culturais e desportivos em quaisquer formatos e sistemas; gestão, exploração e prestação de serviços nas áreas de gravação, produção e comunicação de obras audiovisuais, programas de televisão, sons, imagens, multimédia e quaisquer outros audiovisuais; edição de publicitações periódicas, de livros e de multimédia; iii. ... (...), pessoa colectiva n.º ..., com sede na ...º 78, ... ..., e que tem por objecto o exercício da actividade de televisão, concepção, produção, realização e comercialização de programas relativos a quaisquer eventos, aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ... a actividades desportivas, artísticas, culturais e, em geral, de entretenimento, prestação de serviços de assessoria, consultadoria e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades referidas anteriormente. 4. Estas três sociedades integram, entre outras, o “...”, o qual é controlado pelo ... que assegura uma detenção efectiva de 74,59% da ..., de 74,9% da ..., e de 60,8% da .... 5. A ..., detém 98,81% da ... e, indirectamente, 81,42% da .... 6. E, por sua vez, as acções representativas do capital social da ... são detidas pela sociedade ..., em 82,40% e, pela ..., com o NIPC ..., em 17%. 7. A ... é também conhecida por ..., uma vez que disponibiliza e é responsável pela exploração de um serviço de programas televisivos através de um canal por cabo, em sinal aberto, autorizado pela ... através da Deliberação ... 8. O ... possui o estatuto de serviço de programas televisivo generalista, de cobertura nacional e acesso não condicionado com assinatura, desde ........2016, por força da deliberação ..., de .... 9. As instalações do ... situam-se na ...º 78, ... .... 10. O ... transmite o programa “...” pelo menos desde ... até à presente data, programa considerado de entretenimento e promoção comercial do “...” e de espaço de debate dos temas que marcam a actualidade do ..., das suas actividades e interesses. 11. O programa “...” assume a sua afinidade clubística com o ... através do grafismo do mesmo, exibido no genérico, acompanhado do símbolo do .... 12. Trata-se de um programa transmitido em directo, a partir de instalações do ... diversas das acima referidas, sitas no ..., às terças-feiras e, em algumas situações excepcionais, às quintas-feiras, em horário compreendido entre as 22h30 e as 24h00, sendo apresentado e moderado, pelo menos no período compreendido entre ... até ..., pelo jornalista WW. 13. Durante esse período, o programa “...” contou com a participação de três ... residentes: o arguido AA, XX (antigo jornalista da ...) e YY (profissional liberal). 14. Nos programas “...” transmitidos pelo ..., o arguido AA é apresentado em letras de rodapé como … do .... 15. O arguido AA exerce funções como … do “...” desde 2016 até à presente data, sendo a sua posição profissional mediaticamente conhecida a nível nacional e internacional. 16. Nessa qualidade, o arguido AA é responsável por: - Planear, dirigir e coordenar administrativa e orçamentalmente os meios materiais e humanos dos diversos projectos da sua área; - Elaborar e aprovar, com a ...”, o plano estratégico de informação e após acompanhar o mesmo; - Coordenar as equipas de comunicação e conteúdos; - Controlar os meios, de forma a assegurar o cumprimento integral da informação. 17. O arguido AA foi titular de carteira profissional de jornalista desde data não concretamente apurada até .... 18. Por sua vez, o arguido BB assumiu no ... funções como director-geral, entre ........2014 e ..., sendo responsável por: - Desenvolver, adaptar e controlar a estrutura organizativa, de acordo com as necessidades actuais e futuras, de modo a garantir eficácia na resposta às necessidades de mercado; - Definir, juntamente com a ...”, a política e estratégia de exploração da empresa e modo de implementação; - Analisar os principais indicadores de apoio à tomada de decisão; - Definir os objectivos gerais de exploração, juntamente com a ...”; - Tomar decisões estratégicas, juntamente com a ...”, que se verificassem necessárias para o cumprimento da política e objectivos definidos; - Validar, junto da holding, com a ...”, o orçamento de exploração anual da empresa. 19. Nessa qualidade, o arguido BB era o director-geral para a informação, para o entretenimento e para o online, sendo o responsável pela programação do serviço de programas ... entre ........2014 e .... 20. O … é concorrente directo do ... (...), sobretudo no âmbito das competições desportivas nacionais e internacionais que disputam, incluindo competições de ... profissional (..., …, … e …) e competições … organizadas pela …, para além das actividades comerciais conexas. 21. Do “...” fazem parte, designadamente: i. ...(...), pessoa colectiva de utilidade pública, com o número de identificação de pessoa colectiva ..., sede na ... que tem por finalidade o fomento e a prática do ... nas suas diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento de outras modalidades desportivas e outras de natureza recreativa, cultural e social; ii. ... (...), sociedade com o número de identificação de pessoa colectiva ... e sede na ..., em Lisboa, que tem por objecto a participação nas competições profissionais de ..., a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de ..., centralizando a sua actividade em toda a dinâmica desportiva associada ao ... ...; iii. ..., sociedade anónima com o NIPC ..., que se dedica à gestão, construção, organização, planeamento e exploração económica de infraestruturas desportivas, nomeadamente, estádios de ... construídos ou a construir, incluindo a cedência de espaços para a realização de competições desportivas ou outros e a exploração de publicidade naquelas infraestruturas. 22. Para assegurar o desenvolvimento da actividade do “...”, a ... é detentora de um domínio próprio de correio electrónico - ...” - no qual foram e são registadas as contas de correio electrónico dos ... daquele grupo. 23. Tal domínio de e-mail foi alojado em modelo de Cloud Computing contratado junto da ..., até ........2017. 24. A partir de ..., a gestão da plataforma de correio electrónico foi contratualizada pela ... com a .... 25. A ... encontra-se autorizada a usar a licença e plataforma de correspondência electrónica. 26. Em data anterior a ........2017, indivíduo não concretamente identificado acedeu, sem qualquer autorização para o efeito, ao sistema informático do “...” e, em particular, ao correio electrónico de vários ... daquele grupo com o domínio ...”. 27. Após a obtenção desse acesso, tal indivíduo exfiltrou a correspondência electrónica integral de vários ... do “...” e, na posse da mesma, decidiu partilhá-la com o arguido AA, atendendo às funções que este exercia e que eram publicamente conhecidas. 28. Para o efeito, em dia anterior a ........2017, o referido indivíduo desconhecido criou o endereço de correio electrónico ... e, através do mesmo, no dia ........2017, pelas 14h47, dirigiu uma mensagem de correio electrónico ao arguido AA para o endereço ..., com o descritivo, no campo “assunto”, de “briefings para os …”, e com a mensagem “Aqui ficam os dois últimos briefings enviados aos …. ZZ é o autor.”. 29. Essa mensagem de correio electrónico trazia em anexo vários documentos em formato Microsoft Word®, contendo os designados “briefings” num ficheiro em Microsoft Word® intitulado “... - Época 2016/17 - Semana 35 - ... - abril - NOTAS FINAIS”. 30. Após recepcionar tal mensagem de correio electrónico, o arguido AA analisou o seu conteúdo e o dos anexos, o que o levou a solicitar mais informação ao seu correspondente anónimo por forma a confirmar a veracidade dos elementos que recebera, designadamente que se travava de elementos utilizados por ... do “.... 31. Com vista a manter contactos com aquele indivíduo cuja identidade ainda não foi apurada, o arguido AA criou uma conta de e-mail com registo no ..., com o endereço ..., e que permitia a encriptação do conteúdo das mensagens. 32. Em acréscimo aos documentos que o arguido AA recebeu no dia ........2017, outros foram remetidos por indivíduo utilizador do e-mail ..., designadamente através de mensagem expedida no dia ........2017, pelas 04h09, bem como de outras mensagens expedidas até ao dia ........2017, num total de 20 gigabytes de correspondência electrónica. 33. Nas mensagens de correio electrónico que o arguido AA recebeu oriundas de ..., ou vinham em anexo mensagens de correio electrónico em formato .pdf oriundas do servidor ...”, ou continham links de acesso a servidores como o ..., com vista a permitir descarregar o conteúdo de caixas de correio electrónico. 34. Designadamente, no dia ........2017, pelas 04h09, o arguido AA recebeu na sua caixa de correio ... uma mensagem de correio electrónico proveniente de ..., com o título «Mails», e com o texto: «Hi ..., ... has sent you 1 files (3.8GB) using ...! Download the files (within 7 days) here: https://...», que lhe permitia aceder a um documento com o nome “AAA”. 35. O arguido AA procedeu ao download da informação que lhe ficou acessível através desses links, o que lhe permitiu aceder ao conteúdo das caixas de correio electrónico utilizadas por, entre outros, KK, BBB e CCC, todas do domínio ...”. 36. Face ao volume e características da correspondência electrónica que foi remetida ao arguido AA, este adquiriu um computador da linha Macintosh (Mac), de marca Apple®, o qual manteve sem qualquer ... à rede de internet ou outra para efectuar a análise ao conteúdo dos elementos que lhe eram enviados, tendo ainda, em final de ..., convocado o auxílio do arguido CC para proceder à análise dos conteúdos da correspondência electrónica que lhe ia sendo remetida. 37. O arguido AA, decidiu divulgar no programa “...” a partir do início de ... a selecção de correspondência electrónica que previamente era efectuada, com essa finalidade, pelo arguido CC. 38. Anunciando que o fazia por conta do interesse público, o arguido AA divulgou no programa “...” do ..., em primeira- mão, excertos de mensagens de correio electrónico trocadas entre ... da ... e entre estes e terceiros, no âmbito da sua actividade profissional, bem assim os documentos a que tivera acesso pela via que se descreveu. 39. A divulgação desses elementos ocorria numa parte específica do programa, dedicada às revelações da semana relacionadas com o ... E ..., por contraponto ao restante formato do programa que ocorria em modelo de debate entre vários intervenientes face a acontecimentos de jogo. 40. Nesse capítulo, o arguido AA procedia à leitura de alguns excertos de mensagens de correio electrónico de ... do “...”, leitura que intercalava com comentários próprios. 41. Para além disso, o arguido AA comentava troca de correspondência da mesma natureza que previamente era lida por voz off. 42. Em face dessa informação que lhe chegava por e-mail, o arguido AA geria a divulgação dos seus conteúdos semanalmente, anunciando no programa “...” antecedente que, na semana seguinte, iriam ocorrer mais revelações. 43. No dia ........2017, no programa televisivo “...”, foi transmitida uma peça audiovisual onde foi exibido o conteúdo de mensagens de correio electrónico trocadas no dia ........2017: i. pelas 16h25, entre o ... da ... (...), GG, através do endereço de correio electrónico ..., e HH, responsável pelo ...” e utilizadora do endereço ...; ii. entre HH e II, ... da ... e utilizador do endereço ...; e iii. entre II e JJ, à data assessor jurídico da administração da ... e utilizador do endereço .... 44. A exibição do texto destas mensagens de correio electrónico foi acompanhada de leitura proporcionada por voz de narrador, quer do sexo masculino, quer do sexo feminino, consoante se tratasse de mensagem redigida por GG, II e JJ ou HH. 45. Na mensagem inicial, remetida por GG, na qualidade de ... da mesa da assembleia-geral do ..., aquele solicitava “bilhetes baratos” para um jogo a realizar no .... 46. No dia ........2017, pelas 16h25, GG remeteu a HH um e-mail com o seguinte teor: Exma. Sra. HH Conforme conversa telefónica venho por este meio solicitar a sua ajuda nesta iniciativa que gostaria de oferecer aos habitantes da minha aldeia. Eu sou ... da colectividade ..., uma modesta aldeia do concelho da ... e juntamente com a … queríamos proporcionar um dia diferente a Avôs e Netos da localidade e levá los de autocarro a … no ..., pois muitos deles nunca tiveram a oportunidade de entrar num … de ..., por este motivo vinha solicitar a vossa ajuda neste pedido. Solicitava 50 bilhetes para um local por si sugerido, mas tendo em conta que solicitava bilhetes baratos, pois será oferta nossa á população. Desde já agradeço a sua atenção e colaboração Os melhores cumprimentos GG. 47. Por referência à mensagem escrita por HH a propósito deste pedido, dirigida a II no dia ........2017, pelas 16h53, o narrador de sexo feminino do programa ... do dia ........2017 leu então o seguinte: “Boa tarde, Dr. II, o pedido abaixo vem do ... da ..., Sr. GG. Devemos considerar este pedido em termos de oferta de bilhetes ou de bilhetes para compra?'. 48. Nos mesmos moldes, um narrador do sexo masculino daquele programa informou que a resposta de II foi prestada pelas 17h49, tendo seguido igualmente com conhecimento para JJ: “Podemos oferecer tendo em consideração quem é. Apesar de o ... ser de casa cheia, insisto que se justifica. Apesar disso, o ideal é que o pedido oficial fosse feito por outra pessoa lá da Aldeia. O JJ dirá de sua justiça...". 49. Subsequentemente, o narrador explica que JJ “entrou" na conversa pelas 18h10, tendo respondido o seguinte: “O ... da ... não é de confiança total... E tem feito "oposição" a algumas situações do nosso interesse. Porém, nunca é bom tê-lo contra, tanto mais que será uma das testemunhas a ser ouvida em processo do nosso interesse. Por outro lado, e para que amanhã não nos acusem de oferecer bilhetes à ..., a HH que solicite o e-mail do ... para informar que o ...irá ceder os 50 bilhetes.’’. 50. No dia ........2017, no âmbito do programa “...", o arguido AA leu excertos de um e-mail enviado no dia ........2014, pelas 22h58, por FF, … de ... e utilizador do e-mail ..., a KK, director de conteúdos da ... e utilizador do e- mail profissional .... 51. A partir do minuto 00:24:27, o arguido AA referiu que o programa: «é um espaço de Uberdade e é um dos poucos espaços na televisão ... que não está capturado pelos interesses do ..., e certamente por isso, fazem-nos chegar variadíssima informação. Todas as semanas nos chega variadíssima informação, umas vezes mais valiosa do que outras. E desta vez fizeram-nos chegar mais uma matéria que me deixou verdadeiramente abismado, e que eu não posso deixar de partilhar com vocês e com os espectadores. (...) ilustra bem o que é que é a clandestinidade na ... ... e o que é que depois se pretende com isto». 52. O arguido AA introduziu, em seguida, a partir do minuto 00:25:13, a leitura de e-mails trocados entre FF e KK no referido dia ........2014. 53. Para o efeito, disse o seguinte durante a transmissão do programa: «Eu vou ler passagens de um e-mail enviado por FF, que é um ... de ... de ..., da ..., que nos anos 90 arbitrou na 1ª Divisão sem nota de grande destaque, porque não era um grande ; posteriormente foi observador de ..., mas em ... foi expulso por ser considerado tecnicamente inapto; é também uma pessoa que fez parte da ..., foi uma pessoa ... ao ... muitos anos, ultimamente parece que tem alguma proximidade ao ..., mas acima de tudo, é uma pessoa sempre ... ao ... e que trabalha no basfond da ... em prol do ... E isto que eu vou ler, não denuncia nem mais nem menos do que um esquema de corrupção, repito, um esquema de corrupção para beneficiar o ... (...) Vão ouvir agora. Na terça-feira ... de ... de 2014, portanto, isto acontece no campeonato, no primeiro campeonato da série do tetra campeonato do ..., o Sr. FF mandou um e-mail para o Sr. KK em que dizia coisas como esta: "Sobre a ... não temos de ser mãezinhas, mas usar a inteligência a nosso favor, criticando sempre. Por minha proposta, retiramos o recurso porque ganhamos o jogo e recuperamos um inimigo" Ele aqui está-se a referir ao DDD, num jogo ... "Confidencial: o EEE ganhou o processo". O EEE, todos nós sabemos, é o QQ». 54. Tendo o arguido AA depois prosseguido, a partir do minuto 00:27:05, nos seguintes termos: «E depois as melhores partes: "O primeiro-ministro é de facto um grande homem e um grande líder. Sei o que digo, porque sei das suas capacidades em ouvir, pensar, astúcia nas decisões e amor ao glorioso. Não há outro como ele. Hoje o ... manda mesmo e os outros já não mexem nada. E o resto virá por acréscimo. Dizem os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o Porto já não manda, mas ainda não compreendem onde está o poder. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do primeiro-ministro. Vamos ter os padres que escolhemos e ordenamos nas missas que celebramos. Temos é de rezar e cantar bem". Ainda sobre temática religiosa, "quanto às missas, temos bons padres para todas, incluindo as da ... e as da juventude operária". Presumo que a juventude operária seja a … "Agora apague tudo". Pelos vistos, nem toda a gente apagou». 55. Seguidamente, a partir do minuto 00:28:14, o arguido AA leu a resposta que, segundo afirmou, KK deu a FF: «Resposta do Sr. KK: "Sei que o nosso primeiro-ministro quer que seja essa a postura. E se ele tratou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E na verdade não temos tido muita razão de queixa".». 56. No mesmo programa do dia ........2017, o arguido AA prosseguiu, a partir do minuto 00:28:32, a análise com a leitura de um excerto de um e-mail remetido por FF a KK, datado de ........2013, referindo o seguinte: «Num outro mail do Sr. FF para o Sr. KK, datado de ... de ... de 2013, portanto, a mesma época, a época de 13/14, o Sr. FF escreve: "Temos hoje ..., que não sendo internacionais por vários motivos, têm demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ. Temos ainda KKK, que está a fazer uma excelente época. É um excelente e podia ser injustamente despromovido a época passada." Mais tarde, na mesma conversa, mas mais tarde, no dia ... às 14 e 16 ele acrescenta ainda: "Já falei com o homem daí... cuidado com o que digo, só para seu consumo, fui eu que lhe fiz o exame de admissão a e o promovi ao quadro nacional. Conheço-o muito bem para dizer o que digo", referindo-se ao QQ». 57. A propósito deste e-mail, comentou o arguido AA, a partir do minuto 00:29:33, o seguinte: «Isto quer dizer o seguinte, quer dizer que os Srs. SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ, à data de ... de ... de 2013, e KKK também, que ele depois acrescenta, eram ... que estavam ao serviço do ... É o que ele está aqui a dizer». 58. E prosseguiu ainda o arguido AA, a partir do minuto 00:29:54, dizendo o seguinte: «Não temos que ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de ... a favor do ... O que se fazia com os ..., o que se conversava com os ..., o que se pedia aos ..., eu não faço ideia. Agora, isto, isto não é inventado por nós, isto não fui eu que inventei, isto existe. E agora só temos é que esperar que as autoridades que sistematicamente têm fingido que não se passa nada, façam alguma coisa (...) Vamos lá averiguar e saber quem são os padres que escolhem e que ordenam nas missas que celebram, quem são... sendo que têm padres para todo o tipo de missa, incluindo as da ... e as da juventude operária. Depois, estes elogios ao primeiro-ministro, que se percebe por aqui que tem um nome, DD, não é? E depois temos o KK a dizer "e na verdade não temos tido muita razão de queixa", e seguem as ordens (...) do primeiro-ministro, que é o DD. Isto é especialmente grave. Isto acontece há quatro anos. (...) "Hoje quem nos prejudicar, sabe que é punido" (...) E isto... o ..., a .... (...) o secretário de Estado do desporto (...) o Ministério Público, que façam alguma coisa (...) ou vão continuar - perdão - ou vão continuar a ser cúmplices duma situação que está aqui muito... que toda a gente que é adepta de ... e que tenta observar o fenómeno com um mínimo de distanciamento percebe, há muitos e muitos ... condicionados pelo ... (...) Agora temos aqui uma coisa com nomes, e nós sabemos, nós sabemos que estes ..., há muito tempo que muitos deles têm um carimbo de serem muito próximos do ... E porque é que o têm? Por causa dos seus desempenhos em campo. Nós ao longo destas quatro épocas podemos lembrar de imensos jogos do FFF, por exemplo. Nós ainda neste campeonato tivemos jogos polémicos do FFF. Tivemos o FFF a levar uma cabeçada do LLL, e não fez nada. (...) Tivemos o FFF a validar um golo do ... depois de cometer uma falta claríssima sobre o jogador do ..., e não fez nada. Nesse mesmo jogo não assinalou um penálti do tamanho do mundo contra o ... a favor do .... Portanto, há variadíssimas coisas. JJJ, QQ GGG, SS. Mas alguém tem dúvidas sobre isto? Andamos a brincar. (...). Isto ilustra o à-vontade com que se fazem as coisas. E isto também demonstra uma coisa, demonstra quem é a cabeça de tudo isto. (...) É o primeiro-ministro. E o primeiro-ministro tem um nome (...) DD. Aqui. E este primeiro-ministro é o DD, ... do ... (...) Onde é que estão as punições para a infinidade de prejuízos (...) que o ... sofreu no último campeonato, por exemplo? (...) É o célebre campeonato do (...) do colinho. (...) Isso pergunte-se a quem se perguntar de Norte a Sul do país, qualquer pessoa que conheça o mínimo sobre a ... se lhe perguntar quem o FF, eles dizem "é a pessoa que trabalha para o ..." (...) Portanto, é a assumpção de que o ... mandava, mandava na ... com nomes de ..., é no campeonato do colinho. E desde aí, nós sabemos o que é que tem acontecido (...) O DD, segundo o que aqui está, é que é o responsável e quem arquitectou, isto percebe-se aqui pelo que escreve o KK. (...) "Sei que o nosso primeiro-ministro quer que seja esta a postura. E se ele traçou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que é que anda a fazer". "Ele lá sabe o que é que anda a fazer". Portanto, isto não há dúvidas sobre isso, o DD. (...) É, é, este polvo que há muito sabemos que existe, aos poucos tem que ir sendo destapado. Hoje FF, teremos que continuar a destapar para deixar tudo fundamentai, é deixar esta vergonha a nu». 59. Apesar de o arguido AA ter lido trechos de mensagens de correio electrónico trocadas entre FF e KK e, após essa leitura, ter formulado os comentários que se descreveram a propósito do mesmo, foram suprimidas passagens dos e- mails aquando da sua descrição, colados excertos de e-mails de datas diversas e alterada a sua sequência, por forma a subverter o sentido dos mesmos. 60. A referida mensagem de correio electrónico remetida por FF para KK no dia ........2014 referia, na íntegra, o seguinte: «Vou-lhe enviando dicas e imagens, mas algumas boas decisões ainda estão confidenciais e não as podemos divulgar antes da decisão pública. Sobre a ... não temos de ser "MAEZINHAS" mas usar a inteligência a nosso favor, criticando sempre, mas propondo soluções e não desabafos: EX: O ... recorreu da ... do …, considerei um erro, dado que o nosso "adversário" (…) enfureceu-se e tornou público o seu ódio. Por minha proposta, retiramos o recurso porque ganhamos o jogo e recuperamos um "inimigo”. Caso da taça da ..., deixar andar; "menos inimigos" temos e até a vamos jogar com os BB. Sobre o Golo EEE vai ter em breve matéria para dar nos olhos dos dois. CONFIDENCIAL: O Mota ganhou o processo. O … é de facto um grande Homem e um GRANDE LIDER, sei o que digo porque sei das suas capacidades em ouvir, pensar, astúcia nas decisões e amor ao Glorioso. Não há outro como ele. Hoje o ... manda mesmo e outros já não mexem nada, já não fazem pouco de nós, e o resto virá por acréscimo. Dizem os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o porto já não manda, mas... ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do …. Vamos ter os padres que escolhemos e ordenamos, nas missas que celebramos, temos é de rezar e cantar bem. AGORA APAGUE TUDO.». 61. Para além do e-mail referido no ponto imediatamente anterior, no qual foram suprimidas as passagens «já não fazem pouco de nós» e «o poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença», o excerto «Quanto às missas temos bons padres para todas, incluindo as da ... e as da Juventude operária» surgia no conteúdo de e-mail remetido por FF a KK no dia ........2014, pelas 18h48, no qual se dizia de forma completa: «Meu caro: Esteve muito bem no Cmtv mal ficam os que não querem ver a realidade. A ... tem aqui um papel importante, pode e deve promover debates insuspeitos sobre "... e o ..." procurando combater todas as tendencias que no nosso País com ajuda das tvs arrastam tudo para a lama. Programa que faça o inverso daquele dos canais generalistas dos RO, ... e outros. Que tal convidar e divulgar em força um debate com; MMM, NNN, ..., CE, etc etc. Estive hoje algum tempo, em DD, com o "nosso" primeiro ministro, falei de si e de programas. Ele achou muito bem que esteja atento e que só fale consigo e não com outros. Quanto às missas temos bons padres para todas, incluindo as da ... e as da Juvente operária. Espero que o nosso banco não falhe como falhou o do ... e do Porto que nem sabiam, no fim, quem tinha ganho. Se o que se passou fosse com o nosso banco (Embora eu esteja atento e ...) tinham de rolar cabeças. Quanto á taça da ... não ligue importância os nossos BBB vão ganha-la. Quer apostar?». 62. Por outro lado, a referida alegada resposta de KK com a indicação «Sei que o "nosso" primeiro-ministro quer que seja esta a postura e se ele traçou essa estratégia, creio que só temos de segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa.» consta da resposta enviada por aquele a FF, com o seguinte teor integral: «Meu Caro Amigo, Com as suas lições tudo se torna mais fácil. Estou a levar com críticas e azia de muitos ..., que me acusam de defender em demasia os .... Mas eu quero lá saber! Para mim, o mais importante é o ... E se a minha postura e opiniões puderem contribuir, nem que seja de forma pífia, para um clima de paz e harmonia, acho que é este o caminho a seguir. Sei que "nosso" primeiro-ministro quer que seja esta a postura e se ele traçou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa. Quando puder, precisava daquele seu exemplo do caso do ... da mão nas costas noutro jogo. Será apenas para entalar o OOO e, sobretudo, o Coroado. Aliás, eu preciso de algumas histórias do Coroado para ele não se esticar. Eu bem tento não entrar em polémicas com ele, mas quando ele se estica não resisto a contrariá-lo. Quem o ouve parece que ele nunca cometeu erros. E já deve ter percebido que quando eu o quero irritar, falo no RR. Ele trepa logo as paredes. O que me dá um grande gozo. Não conheço o RR pessoalmente, mas que ele está a fazer um trabalho meritório isso é inquestionável e quem não o reconhecer só o pode fazer por má fé! Um forte abraço, KK PS: E sempre que quiser ou tiver dicas e sugestões, não hesite! Ainda não conseguiu encontrar aquele site ou blog do polvo da ... de que me falou em tempo. Qual é o endereço? Sabe?». 63. A menção a nomes de ... de ... surgia no contexto de uma troca de e-mails entre KK e FF que ocorreu da forma a seguir descrita. 64. No dia ........2013, pelas 14h16, FF remeteu um e-mail a KK com o seguinte teor: «Anexo pequeno contributo. Já falei com o homem daí o cuidado com o que digo. Só para seu consumo fui eu que lhe fiz o exame de admissão a árbitro e o promovi ao quadro nacional, conheço-o muito bem para dizer o que digo. Seria bom que o Dr. PPP Silva para 2.- ter tato ao abordar o tema com o tolo do ... e o WWW. Abraço.». 65. Na mesma data, KK respondeu a FF através de um e-mail com o seguinte teor: «Caro Amigo, Muito obrigado. É isto mesmo! Mas vou dizer que daquilo que tenho visto, o EEE é um dos bons valores da ... ... e é um com futuro. Vou falar noutros para não dizerem que estou a defende-lo. Vou elencar o QQ, o SS, o III e o JJJ. Vou dizer que eles até já prejudicaram o ..., mas todos têm futuro e fazem parte da nova geração. Parece-lhe bem falar destes 4? Abraço, KK.». 66. Ainda no dia ........2013, pelas 18h49m03, FF respondeu a KK através de um e-mail com o seguinte teor: «EU DIRIA ASSIM: Temos hoje ..., que não sendo internacionais, por vários motivos, tem demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais; SS, FFF, QQ, GGG, QQQ, III e JJJ, apesar destes dois últimos terem tido azar no passado fim de semana, mas por erro dos seus assistentes. Temos ainda, KKK, que está a fazer uma excelente época, é excelente e podia ser injustamente despromovido a época passada. Os maiores erros, tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o ...». 67. A supressão de passagens dos e-mails que se acabaram de descrever, ou a leitura de excertos fora da sequência normal da correspondência electrónica, foram feitas com a intenção de possibilitar que o arguido AA anunciasse, no referido programa televisivo, que a estratégia encontrada pelo ... era uma estratégia de corrupção, semelhante a um polvo com diversos tentáculos capazes de alcançar todas as áreas da sociedade, orientada por um primeiro-ministro, que é o seu ... DD, e seguida por ... que estão ao seu serviço, concluindo que o ... mandava na .... 68. O arguido AA sabia que tal conclusão não era suportada pela realidade veiculada pelos e-mails na sua versão original, à qual o arguido acedera anteriormente, apenas a alterando na medida daquilo que tinha intenção de revelar ao público em geral e com o intuito de lesar a credibilidade do .... 69. As afirmações proferidas pelo arguido AA, pelas imputações de corrupção desportiva nelas contidas, tiveram eco muito destacado na imprensa desportiva e generalista. 70. No dia .......2017, o jornal “...” referiu: ... acusado de corrupção. 71. No dia ........2017, o “...” surgiu com o título noticioso Denúncias de corrupção investigadas pelo DIAP. Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 72. No programa “...” transmitido no dia ........2017, foi o moderador que introduziu a temática sobre a troca de e-mails dada a conhecer no programa anterior, referindo, logo no início, que: «O director-geral do ... teve o cuidado de enviar um e-mail para os dois (...) convidando tanto FF como KK a estarem esta noite no programa, dizendo que «o ... é um canal plural, que aprecia e incentiva o contraditório e sendo o KK um dos protagonistas do caso revelado na última edição do nosso programa, gostaríamos de poder contar com a sua presença (...) no dia 13 (...)». 73. Em diálogo mantido com outros intervenientes no mesmo programa, entre os minutos 00:17:07 e 00:17:40, o arguido AA afirmou: «Nós não divulgamos os e-mails do KK. Nós divulgamos o conteúdo e divulgamos o conteúdo de alguns deles porque são especialmente graves (...) e indiciam... é o interesse público que aqui está (...) é a mesma coisa que um e-mail! com uns planos de um suposto atentado terrorista e não ser divulgado porque "ai meu Deus, a privacidade do terrorista tem que ser... (...) mantida e é o bem que prevalece». 74. Nesse mesmo programa, a partir do minuto 00:24:18, o arguido AA procedeu à leitura de um e-mail remetido no dia ........2014 por FF a JJ, à data assessora jurídico da administração da .... 75. Para o efeito, o arguido AA referiu o seguinte: «vou ler um e-mail que na quinta-feira, ... de ... de 2014 o Sr. FF enviou: "Caro amigo" (...) "o nosso amigo QQ" - o nosso amigo QQ - repito, "o nosso amigo QQ recorreu nota negativa do jogo .../Guimarães ao ter marcado uma penalidade a favor do Guimarães que o ... da ... alega mal marcada. Vi imagens e como outros, o QQ tem razão, temos de lhe dar nota positiva" - temos de lhe dar nota positiva - "ele e eu apelamos ao doutor sobre o RRR" - que é o filho dele - "o RR nada disse até hoje. Já o puseram na jarra, tal como ao QQ. Abraço. Não podemos dormir. Vem aí o esfolar do cabrito." E para quem é que o FF enviou este mail. O FF enviou este mail para o JJ. Toda a gente sabe quem é o JJ, ou será que o JJ também é um mero colaborador do ...? Ou será que também tem um gancho qualquer na ... ou no jornal do ... Não. O JJ é uma pessoa muito importante no ... Toda a gente sabe. Ainda ontem esteve na assembleia-geral da .... Puderam ver todos na televisão, que passaram imagens e ele estava lá. Ele é uma pessoa com responsabilidades no ... Responsabilidades muito grandes, muito fortes, com dependência directa do ... do ..., DD, e da administração do ...». 76. E, subsequentemente, o arguido AA deu conta da resposta conferida por JJ ao seu interlocutor FF, relatando, ao minuto 00:26:05, o seguinte: «Mas será que o JJ recebeu e leu o e-mail? Não sabemos até ler o e-mail que o JJ envia de resposta: "Caro amigo, obrigado pela informação. Abraço forte." Leu. Recordo que o que o FF dizia era "o nosso amigo QQ", "o nosso amigo QQ", portanto, então, ficamos a saber que o QQ é amigo do ... Já sabíamos, mas desta forma não». 77. Prosseguiu então o arguido AA, a partir do minuto 00:26:37 do programa, dizendo: Na terça-feira, ..., pouco antes de 2014, o FF envia novo e-mail ao JJ, o que demonstra que aquele e-mail não foi um caso isolado. "Anexo três documentos que explicam o que preciso de si. Peço que ponha 'toda a carne no assador', como eu a ponho todos os dias por nós" (...) "Se precisar de algo mais, diga via e-mail ou telefone. Caso indefiram, preciso recurso para o conselho de justiça. Sei que consigo vamos ganhar." (…) mas o JJ novamente responde ao FF: "Caro FF, amanhã de manhã tentarei pessoalmente explicar a razão que assiste ao e a incongruência e a falta de fundamento para a não aceitação do DVD, conforme vai ser apresentado. Se depender de mim" reticências "Amanhã de manhã tentarei pessoalmente explicar a razão." O Sr. JJ tem de explicar isto. A quem é que ele pessoalmente vai tentar explicar? Tem contactos pessoais com quem que tem a ver com recursos de ...? Qual é a influência que o Sr. JJ tem? Qual é o poder que o Sr. JJ tem para interferir em recursos de ...? Para ir meter uma cunha? Que é disto que se trata. Vai meter uma cunha para ajudar o filho do FF». 78. A partir do minuto 00:28:17 do programa “...” do dia ........2017, o arguido AA continuou a relatar as mensagens de correio electrónico a que teve acesso, dizendo: «Mas há mais. Na terça-feira, ..., o FF volta a enviar um e-mail ao JJ, em que diz: "Anexo remeto relatório do ... onde pode ler-se que dava um 3.7 se não fosse o tal lance de grande penalidade. Oportunamente vou enviar-lhe o vídeo do jogo para verificar o erro e a perseguição." O JJ responde novamente ao FF dizendo o seguinte: "Este foi o documento que foi entregue em mão hoje de manhã. Infelizmente não temos esse documento, mas foi entregue em mão." (…) Mas há mais. Vamos continuar. No dia ... de ... de 2014: "Caro doutor, a ...Considera ter êxito um recurso para o ...? Está em condições de assumir isso? Custas são da minha responsabilidade. Entretanto enviei recurso para o ... do ..., RR, e para o ... do ..." O RR pode ser solução antes do recurso? O RR pode ser.... Pergunta-se ao JJ se o RR, então, ... do ..., pode ser solução antes do recurso. Solução antes do recurso é uma solução.... É um cambalacho qualquer, é um esquema qualquer... E o FF pode, ao menos, perguntar isto ao JJ é porque sabe que o JJ tem alguma capacidade de influência. (...). Aliás, percebe-se por toda esta troca de e-mails que ele acha isso. Resposta do JJ: "Amigo, eu não posso patrocinar o recurso para o .... Dominando a regulamentação desportiva relacionada com a ... e próxima do CA", do ... "tem a Dra. SSS", 2-2 e continua o número de telefone. "Ela é próxima do TTT" - o JJ sabe estas coisas todas, muito bem informado - "o que não sei se para si é impedimento vou pensar melhor e fazer uns contactos e amanhã falamos. Abraço forte." Dr. JJ que explique que contactos são estes que anda a fazer e este tipo de coisas. 79. O arguido AA continuou então a descrever o e-mail que, em resposta, FF enviara a JJ: O FF volta a mandar um e-mail: "Eu e a dra. UUU somos amigos, a questão é ser o Glorioso a apadrinhar a questão e não alguns anticristos" - devemos ser nós os anticristos - "temos de ganhar isto e eu sei que se o doutor puser a carne toda ganhamos, o chefe está comigo para tudo", eu acho que aqui o chefe é o primeiro-ministro, mas o primeiro-ministro não é o VVV.». 80. E prosseguiu o arguido AA, no mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, a partir do minuto 00:30:55 do programa, relatando: E depois há um e-mail enigmático do FF, terça-feira, ...: “Meu caro, o RR já respondeu ao recurso do Renato e alegou que vai levar o caso ao ..., era altura de o" - resposta do JJ - “Vamos então..." (…) mas há aqui mais um pormenor que eu não queria deixar também de revelar. No dia ... de ... de 2016, há mais ou menos um ano, o FF enviou um e-mail ao JJ, que aqui logo se estabelece que isto é uma relação que perdura no tempo e que provavelmente perdurará neste preciso momento. “Junto envio lista dos melhores candidatos assistentes. Força nisso e cuidado, teste escrito. Abraço." (...) “Candidatos a ... assistentes na .... Exames dias ... em ..." - isto foi no ano passado - “Primeiro - WWW, DD; segundo - XXX, ..." - é o filho dele - “terceiro - YYY, Coimbra; quarto - ZZZ, ...; quinto - AAAA, Porto. Por esta ordem, estes são os melhores e nada pode falhar." Nada pode falhar? O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O ... não está implicado nisto? O FF não tem nada a ver com o ... e com a ... e com o ...? Estão a brincar, estão a brincar. Investigue-se. 81. A partir do minuto 00:37:49, o arguido AA referiu que o ... manda em classificações, pelos vistos. 82. E a partir do minuto 00:43:32 o arguido AA afirmou: «o ..., claramente, está implicado num esquema que envolve ..., um esquema que adultera a verdade desportiva e depois vamos pensar assim: mas será que o FF é um caso isolado e que o... porque é um ... bem relacionado, bem como alguns ... que estão no activo e porque têm uma paixão enorme pelo ..., o que é perfeitamente legítimo, para quem a quiser ter, e criou-se aqui esta circunstância? Não. Não, não é verdade, porque este polvo, porque isto é que é o polvo... este polvo tem mais braços>». 83. Ao minuto 00:44:25 do mesmo programa “...”, o arguido AA relatou o seguinte: «Tenho aqui mais alguns e-mails que vou ter todo o prazer em revelar. Estes e-mails são trocados entre, imaginem, o JJ e um senhor chamado LL e que é muito importante esclarecer quem é o LL. O LL é um FF da nova vaga. O LL era um de qualidade duvidosa, em ...... Por exemplo, a mesma associação daquele HHH, que nos prejudicou naquele jogo... (...) como não teve carreira na ..., pelos vistos ele ia para os cursos de ... tentar saber quem eram os ... adeptos do ..., adeptos do Porto, adeptos do ..., para depois informar o … é o que consta, e quem me contou isto são ...... depois foi ... da ..., à data dos factos ele era ... da ..., como se vai perceber. Hoje em dia, no Facebook dele diz que trabalha para a ..., que esclareça se ele de facto trabalha para a .... (...) E o LL, na sexta-feira, ... de ... de 2014, envia um e-mail para o DD e para o JJ. (...). Repito, para o DD e para o JJ: "Assunto: .... Caríssimo ... e Dr. JJ, para vosso conhecimento e análise. Forte abraço. LL." Não temos os anexos, não sei, não sabemos o que é que ele mandou. No dia ..., às 17h54, JJ responde: "Bom trabalho, excelente". (...) 14 minutos depois, às 17h59 do mesmo dia, o LL responde novamente ao JJ.... Aqui só já para o JJ: "Obrigado amigo Dr., apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim, tal como o Dr. Abraço.". 84. A partir do minuto 00:48:00 do programa já mencionado, o arguido AA, reproduziu uma mensagem de correio electrónico remetida por LL, ... de ... e ex-... da ... ... de …. Profissional, utilizador do endereço de correio electrónico ...@..., para JJ, no dia ... de ... de 2014 pelas 14h28, introduzindo desta forma: «Temos aqui um outro e-mail do Sr. LL. E este e-mail é especialmente grave, porque este e-mail é enviado para o JJ, pelo Sr. LL no dia ........2014 (...) o LL, repito, ... da ... à época, para o JJ, a seguinte mensagem: "Destes 15, vão 12 a estágio para o próximo ano". (...) A mensagem era do BBBB. (...) O BBBB é o CCCC (...) o CCCC. (...). Envia para o LL e o LL envia para o JJ (...) Um e-mail que é enviado pela ... (...) "Convocatória: Exmo. Sr. Bom dia, para os devidos efeitos, vimos informar que se encontra convocado a participar no curso de formação elite de ... de ... nível 3 que se vai realizar de ... a ... no centro de estágios de ..., conforme programa em anexo que contém toda a informação necessária. Atentamente e com os votos de uma agradável e proveitosa formação. Melhores cumprimentos. DDDD - assistente administrativo do departamento de ... da ...". Isto é muito grave, isto é muito grave. 85. Mais tarde, a partir dos minutos a seguir indicados, o arguido AA teceu as seguintes considerações: - «No final do ... que ficou 0-0 e, ao ser arbitrado peio CCCC (...) Houve uma grande discussão de berros entre JJ e o LL ... sintomático» [00:52:24]; - «Como é que alguns ... chegam tão depressa a internacional? (...) Acho que começamos a perceber porque é que essas coisas acontecem (...) Acho que com estas coisas começamos a perceber tudo, tudo o que envolve isto, e isto é um polvo imenso». [00:55:32]; - Em resposta à afirmação de um outro interveniente no programa ocorrida ao minuto 00:55:58, de que “em 2014 para 2016, porque em 2016 já é internacional, o Sr. CCCC, quer dizer em dois anos ele subiu por aí fora. Bastou-lhe fazer este estágio em ...”, o arguido AA referiu: «conhecia as pessoas certas» [00:56:10]. 86. A partir do minuto 00:58:48, o arguido AA referiu: «Um bom exemplo de nexo de causalidade que agora este caso veio... trazer. O SS, quando as classificações eram feitas pelo OO, foi o quinto classificado. O Sr. SS, infelizmente para ele, não tem jeitinho nenhum para (...). Não tem jeitinho nenhum e depois tem aquele gosto clubístico que se sobrepõe ao resto (...). Que lhe tolda, ainda há bocadinho vimos naquele lance que é de bradar aos céus. (...). Mas no ano passado foi quinto. Entretanto, o Sr. OO já não faz as classificações e ele foi despromovido, este ano, mas quem viu arbitrar este ano, arbitrou pior que o ano passado? Não, arbitrou melhor, mas mesmo arbitrando melhor, foi despromovido. E no ano passado estava em quinto lugar, com exemplos daqueles (...) Há um nexo de causalidade, está aqui (...) O Sr. SS é o exemplo perfeito de como o ... interferiu de forma danosa na ..., de forma danosa isto agora é investigar: ..., o Sr. JJ, o Sr. OO, isso é da competência das autoridades, da polícia judiciária, do conselho de disciplina, da comissão de estudos da ..., o diabo a quatro. Não é função do ... seguramente fazer (...). Mas é do interesse público. E o país tem que (...) tem que reclamar (...) É do interesse da ... e da ... de ...s (...) Depois do que nós revelámos hoje, não pode manter-se o silêncio (...)». 87. No mesmo programa, a 01:00:38, o arguido AA continuou com a revelação do conteúdo de mensagens de correio electrónico trocadas entre LL e JJ no dia ........2014, referindo: «Ainda não acabou, ainda tem aqui mais umas coisas. Porque o JJ é uma pessoa muito importante e, é tão importante, que acaba por contactar com meio mundo. E o LL, que era ... da ..., como eu disse, no dia ... de ... de 2014, envia um e-mail ao JJ a dizer assim: "Amigo Dr., três dos ... dos jogos da polémica da taça da ..., estão nomeados, sou o único ... até ao momento que não fez primeira ..." (...) O JJ leu o e-mail, pega no e-mail e envia, no dia 29, às 21h03, envia um e-mail para o MM, ... da ..., à época. "MM, a ser verdade, será que o homem é feio ou incompetente? É o único ... que ainda não fez nenhum jogo da primeira ... e já foi nomeado 11 vezes para ..., qualquer dia vai ser treinador do ..., eh, eh, eh. Abraço forte." O MM responde-lhe, no dia ...: "JJ, só tu para me fazeres sorrir um bocado, ele está pronto? Vem fazer um jogo aqui ao Porto? Só tens que dizer. Um abraço."». 88. A partir de 01:02:13, o arguido AA referiu: «É só mandares. Isto era a ... do Sr. MM. Era esta a ... do Sr. MM. O Sr. MM mandava... respondeu ao e-mail a dizer "só tens que dizer" (...) subserviência... afinai, razão tem o Andamentos, o ... é que manda nisto tudo». 89. A partir de 01:02:44, prosseguiu o arguido AA, relatando: «No dia ... de ... de 2014 o MM envia um e-mail ao DD: "Caro EEEE, segue em anexo as declarações do FFFF, feitas no final do jogo com o ... e a cumulação do ... a seguir ao jogo" - isto não se percebe bem, mas pronto, estou a ler o que aqui diz - "ouve bem por favor, não fala em roubo, nem faz acusações genéricas, por favor tem calma que sempre tenho estado e estive do teu lado. Um abraço." O ... da ... é que está ao lado do ... do ...? Ou são os ...s dos ...s que estão ao lado do ... da ...? Subserviência mais uma vez, do MM. Mas alguém tinha dúvidas que era isto que acontecia? Mas aqui está a prova. O DD respondeu ao estilo dele: "Ainda querem-me fazer atrasado mental", ainda querem-me fazer atrasado mental. (...). Isto é uma vergonha. Isto é o ... português em ..., comandado, telecomandado, orquestrado pelo ..., pelo Sr. DD, pelo Sr. JJ, pelo Sr. KK, pelo Sr. FF, pelo Sr. LL e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os FF e os GGGG por aí espalhados que estão ao serviço do ..., para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti-regulamentar. 90. As afirmações feitas pelo arguido AA neste programa tiveram repercussão mediática, com especial destaque nos jornais desportivos e generalistas. 91. No dia ........2017, o jornal “...” titulou na primeira página: ... revela novo lote de e-mails desta vez com JJ como protagonista. Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 92. No programa “...” transmitido no dia ........2017 o arguido AA divulgou um e-mail remetido no dia ........2014 pelas 17h31m03s, por HHHH a KK, referindo-se ao mesmo, a partir do minuto 00:44:31, da seguinte forma: «É assim, nós ao longo dos últimos programas temos vindo a desmascarar o polvo do ... português. Um sem número de comportamentos. Uns censuráveis do ponto de vista ético, outros do meu ponto de vista que configuram ilícitos graves, desportivos e não só desportivos. E hoje, para demonstrar até onde é que chega esta perseguição do ... aos agentes do desporto português, vamos revelar um e-mail enviado no dia ..., um Domingo, de 2014, às 17 e 31 e 3 segundos, hora padrão da Europa ocidental, pelo Sr. IIII. Convém explicar quem é o IIII (...) era o ... da assembleia-geral da ... do consulado do MM. É um ex-jogador do ..., ... de ..., salvo erro. Presença assídua no camarote da ... e que, enquanto ... da assembleia-geral da ..., tinha a obrigação de ser isento, imparcial. E ele não só não foi isento e não foi imparcial, como cometeu uma das coisas mais graves que se podem imaginar a um alto dirigente. E o que é que ele fez? Vou ler o mail. O mail é enviado para o KK. Sempre o KK. "Os ficheiros são de mensagens sms do NN, ... da ..., à altura ainda ... da .... Chamo a atenção das mensagens enviadas ao JJJJ no ficheiro JJJJ.csv-segunda mensagem. Aí o actual ... da ... declara eterno amor ao azul e branco" e continua. Eu vou dizer uma coisa, eu tenho as mensagens, centenas de mensagens, centenas de sms do telemóvel do NN, actual ... da ... ... de ..., enviadas pelo Sr. IIII para o KK. Isto, o KK será que ainda acha que nós andamos a fazer violação de correspondência? Ou acha que uma alegada violação de correspondência de 2017 é mais grave que uma em 2014? (...) Agora, sei uma coisa. O ... monitoriza os SMS do ... da ... Na altura é verdade que ainda era ... da ..., estas, não sei se actualmente continua a ter o telemóvel, acesso ao telemóvel do Dr. NN, que como toda a gente sabe, é adepto do ..., foi atleta do ..., foi campeão nacional pelo ... de basquetebol, foi dirigente do ..., foi ... da ... portanto é perfeitamente normal que seja adepto do ... e que tenha amor ao azul e branco como aqui diz. Era o que mais faltava. Se foi ..., atleta, campeão, etc. Era o que mais faltava, toda a gente sabe. Mas acho que também toda a gente sabe que o Dr. NN não tem beneficiado em nada o .... (...). Uma vergonha, isto é o ... que faz. O ... faz isto através de quem, através do KK e através do IIII. O IIII não é do ..., nem venham dizer que... É do …. Está lá sempre no estádio da .... Há muitos mails do IIII para o KK a dizer, por exemplo, quando era aquela altura que os ...s queriam correr com o MM e ele a dizer... era ele que decidia os requerimentos e tal, não sei se se lembram, as assembleias-gerais nunca se realizavam. E ele mandava mails ao KK a dizer assim: 'Ah, eu quando sair mando para si em primeira mão.’ Antes sequer de informar os ...s. Isto é uma vigarice, o ... português é uma mentira e a mentira tem uma razão de ser, é o ..., é esta corja de gente que faz este tipo de coisas. E alguém acha que o KK faz isto e o IIII faz isto e o JJ sem conhecimento da pessoa que quer destruir a nota ao outro? É tudo a mesma coisa. Estão enterrados até ao pescoço. Estão enterrados até ao pescoço com estas coisas, é uma vergonha. Monitorizar o ... da ...? O ... da ...? Mas o que é isto? Mas que vigarice vem a ser esta? Alguém acredita nestas coisas... no ... português assim? Alguém acredita que há um competidor... alguém acredita que o ... é um competidor sério? Não é, é um competidor falso, anda a vasculhar as coisas e depois andam todos ofendidinhos porque nós lhes descobrimos a careca (...) Esta gente toda tem que ser varrida. O ..., os adeptos do ... não têm culpa disto, os adeptos do ... não têm culpa nenhuma disto, os adeptos do ... celebram os golos do ... como eu celebro os golos do ..., têm todo o direito de o fazer" (...) Encham-se de vergonha. Vasculhar as mensagens, os sms, do ... da ...? Pá, é uma tristeza.» 93. A partir do minuto 00:52:26, um dos intervenientes no programa refere “porque eu agora estou a interrogar-me, a tentar perceber qual era a vantagem para o ..., para que é que isto serve (...) E só vejo uma, é ter as pessoas na mão. É ter as pessoas na mão. Por meias palavras, que conhecem alguns segredos da pessoa em questão, que neste caso é só o ... da ... actualmente”, tendo o arguido AA, a partir do minuto 00:52:51, acrescentado: «Isto evidentemente que é em busca, em busca de informação classificada que lhes dê uma vantagem e uma superioridade e um condicionamento sobre as vítimas destas coisas. E isto chega ao ponto de ser ao ... da ... A pessoa do ponto de... o mais alto cargo institucional que há no ... português». 94. A partir do minuto 00:54:18, o arguido AA acrescenta: «sem com certeza imaginar que o telemóvel dele está monitorizado peio ... e, a partir do minuto 00:56:42, porque são demasiadas coisas, nós chegámos a este ponto, chegámos ao ponto que o NN é monitorizado pelo ... Isto... O que é que o IIII, por que é que o IIII faz este tipo de coisas? Por que é que esta gente não desempenha os seus lugares de forma isenta e imparcial, tendo na mesma o direito a torcer pelo seu ..., como é normal, como é admissível, como todos nós entendemos». 95. Neste mesmo programa, a partir do minuto 00:58:02, o arguido AA prosseguiu, divulgando um e-mail remetido por JJ a BBB, director de comunicação do “...” e utilizador do e-mail ..., no dia ........2017, pelas 12h09, referindo o seguinte: «Temos mais uma coisa que também é muito curiosa. É assim, no dia ... deste ano, portanto há meia dúzia de meses, numa altura quente do campeonato e depois de num daqueles jogos da Taça da ... no ..., os adeptos do ... terem atirado umas tochas para o relvado e também do ..., em que também houve uns adeptos do Porto que atiraram umas tochas, o ... resolveu emitir um comunicado a apelar à contenção dos adeptos do ... Claro que esse comunicado trazia água no bico. Trazia água no bico e a água no bico qual é? Que o comunicado que é escrito pelo KKKK e depois circula por várias pessoas para cada uma das pessoas das diferentes áreas comentar e, o JJ, JJ, mais uma vez, sempre o JJ, há aqui algumas pessoas que são omnipresentes. O JJ diz o seguinte, portanto no dia .../.../2017 às 12 e 9. Este não chega ao segundo, só diz o minuto: "Na minha opinião está excelente, reforçaria somente o parágrafo." E depois, qual é o parágrafo? Então a redacção do parágrafo seria a seguinte: "A ... é também um bem de todos e os recentes e graves acontecimentos noutros estádios - seguramente com consequências disciplinares verdadeiramente punitivas e preventivas - levam-nos a reforçar este apelo." E depois comenta: "Assim, metemos pressão no conselho de disciplina para sancionar o ... e o ...como deve ser. Como ainda vamos ter que ir a Braga, era bom que houvesse coragem para interditarem a ...." Ora, isto configura, do meu ponto de vista, aqui, o exercício de abuso de influência que fala o regulamento disciplinar da ... 96. A partir de 01:08:49, o arguido AA referiu o seguinte: «E eu aproveito isso até para comentar o seguinte, eu hoje fui contactado por um jornal para ser confrontado com o facto de ter sido decretada a minha insolvência, confirmei isso ao jornal e isso é uma notícia colocada para o ... para me tentar atingir. Que é a forma que o ... tem de entrar no ataque pessoal, isto é uma forma muito concreta de o ... (...) se comportar e agir. Eu por exemplo tenho aqui, eu já sabia, já estava à espera que isso acontecesse porque eu tenho aqui uma série de mails enviados pelo Sr. LL para o Sr. KK, e vocês sabem o que é que são estes mails? São mails de índole muito pessoal, muito íntimo de ... de .... Isto tem a ver, sabem... amantes e coisa assim. (...) Jamais mostrarei isto para preservar as pessoas, mas tenho, tenho. (...). Envia para informar, para lhe dizer 'Olhem, esta pessoa.' (...) manda a fotografia, 'esta pessoa assim-assim, é amante de fulaninho de tal' (...) E eles têm isto sobre ... (...) Sou a favor da verdade e há uma coisa que por mais que vasculhem na minha vida, há uma coisa que nunca vão encontrar, sabem o que é? É isto: "200 euros o tempo que quiser. Se for a três, é 400 euros" (...) É o que isto chega. Isto é a maneira de eles agirem, é a maneira de eles se comportarem. (...) A única coisa que fazemos é que não entramos nas questões pessoais e não revelamos algumas coisas. (...) Para preservar. Porque se não revelávamos quem é que recebeu, quem é que enviou e quem é que recebeu o mail dos 200 euros, e se for a três é 400. 97. As afirmações feitas pelo arguido AA neste programa tiveram eco na imprensa. 98. No dia ........2017, o jornal “...” tinha em título: ... acusa ... de vigiar sms de NN. 99. Na edição de ........2017, o “...” titulou: 'Suspeição abala credibilidade da próxima época. O ... acusa o ... de beneficiar de um alegado esquema de corrupção e tráfico de influências com um conjunto de .... Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 100. No programa “...” transmitido no dia ........2017, o arguido AA referiu, ao minuto 00:03:47: «nós hoje vamos fazer algumas revelações... eventualmente, nós não vamos relevar algumas coisas para dar oportunidade à investigação». 101. E, a partir do minuto 00:20:04, o arguido AA afirmou o seguinte: «Hoje em dia sou capaz de dizer uma coisa que não podia dizer na altura, hoje em dia estou capaz de dizer que estamos perante o maior escândalo do ... português. Eu hoje estou capaz de dizer isso. (...) Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do ... português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os ... amigos, oficialmente afectos ou oficiosamente afectos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do ... podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do ... português e, repito, o melhor está para vir». 102. Depois de um dos intervenientes no programa referir “Ora bem, é verdade, o ... não ganha há quatro anos e isto causa desespero aos nossos adeptos, que estão muito bem habituados a ganhar frequentemente, interna e externamente”, a partir do minuto 00:31:01 o arguido AA afirmou o seguinte: «Mas uma das razões para o ... não ganhar há quatro anos (...) são todas estas coisas (...) todas as coisas que nós temos (...) revelado, e que são absolutamente escandalosas. (...). Absolutamente escandalosas. (...). Estamos a falar de pessoas com muita responsabilidade no ... português, desde ... da ... e, por exemplo, o ... da assembleia-geral da ... completamente subjugados (...) a um .... (...). À máquina do ... (...) Isto, é evidente que isto... isto nunca mais pode acontecer isto no ... português. Nunca mais». 103. No mesmo programa, ao minuto 00:41:43, o arguido AA tornou a mencionar o e-mail remetido por IIII a KK no dia ........2014, pelas 17h31, dizendo o seguinte: «Agora, o EE, no dia ... de ... de 2014, às 17h31, enviou um mail com um anexo com mais de 100 mensagens, mais de 100, repito, mais de 100 mensagens para o KK. Mais de 100. Portanto, não é uma, não é a tal que falou, que o ... fez notícia, são mais de 100 mensagens, são sete ficheiros Excel com várias conversas, vários intervenientes nas conversas. E isto factual. (...) Está aqui, nós estamos aqui a ver um mail». 104. Por referência ao e-mail que divulgou de IIII, foi exibido aos telespectadores o texto do mesmo, tornando visível o endereço de e-mail usado por EE: .... 105. O arguido AA prosseguiu, ao minuto 00:42:52 do referido programa, com a indicação de que: «Mas este não foi o único mail que o IIII enviou ao KK. Ele enviou mails muito comprometedores ao KK, e que mostram à saciedade e de forma irrefutável que o Sr. IIII não devia era sair mais à rua, devia encher-se de vergonha, porque o que ele fez é, de facto, uma vergonha. O ... da assembleia-geral da ... não pode ter o comportamento que aqui vamos mostrar. Na terça-feira, ... de ... de 2014 às 13h10, o IIII enviou para o KK um mail que tem passagens deste tipo: "Agradeço a defesa da minha pessoa e, consequentemente, de todos os que são do ... e gostam de ..." (...) E depois tem um paleio inacreditável e termina assim: "Em princípio, vou produzir o meu despacho relativamente ao requerimento de assembleia-geral que solicita a destituição do MM, no dia 12. Vou enviar-lho antecipadamente. Vou enviar também o teor do requerimento assinado pelo Porto, o ..., a ..., ..., ... e .... Isto é absolutamente confidencial. Estimado abraço." (...) temos mais. No dia ... de ... de 2014: "Envio-lhe o requerimento de convocatória da ..., para observar os ...s que querem voltar ao antigamente e ver os argumentos que utilizam para destituir o ... da .... Amanhã vou tomar decisões e aquilo que decidir envio-lhe em primeira mão." (...) O ... da assembleia-geral da ..., em vez de informar os ...s, enviava primeiro para o KK. E depois, mais à frente... portanto, isto é no dia .... E ele cumpriu (...) com o prometido. (...) E no dia ..., está aqui a resposta dele: "Por requerimento, e tal, dos ...s" - que era a ..., o ..., o ... ... do Porto, o ..., ... ..., o ...e o ... e tal, nega e tal. Mas ele enviou no dia ... Fevereiro para o KK (...) Só que isto até... os ...s só foram notificados no dia ........2014. Quatro dias depois. (...). Quatro dias depois é que ele notifica os ...s. Mas andamos a brincar? Isto é brincar ao ... português. Estas pessoas não são sérias. Não são sérias. (...) este senhor não cumpre os mínimos para ser ... da ..., quanto mais ... da assembleia-geral. Este senhor não é sério. Não é sério. E que não venha dizer que isto é um absurdo, como veio comentar. Não, o IIII foi uma grande vergonha do ... português, tal como o MM e estavam ao serviço do ...». 106. O arguido AA referiu, adiante, a partir do minuto 00:48:35: «mais deprimente ainda é nós constatarmos a mentira que é o ... português. (...) E isso tem uma origem, chama-se ...Este ... não honra o nome do ... e a história do ...». 107. Na continuação do programa emitido no mesmo dia, e em concreto, a partir do minuto 00:56:05, o arguido AA divulgou um e-mail remetido no dia ........2017, pelas 23h46, por VV, utilizador do endereço de correio electrónico ..., no qual se identifica como General e Comissário Nacional da ... a DD, descrevendo-o assim: «o VV (...) enviou um mail ao DD, que eu vou ler, ou pelo menos parte, porque isto é um mail relativamente grande e está escrito com alguma dificuldade de leitura: "Gostaria, na qualidade de sócio n.º 165.550 do ..., chamar a atenção pela sabotagem preparada para o ... não conquistar o título de tetracampeão por uma simples razão: na temporada 2015/2016 assinámos acordo de prestação de serviço, no qual o dr. LLLL foi intermediário, o que resultou na conquista de tricampeão. E segundo informação, o Sr. ... congratulou-se com a nossa prestação de serviço, o que o levou a aceitar a renovação de acordo para esta temporada. Acontece, no entanto, que o Sr. LLLL não conseguiu através da assembleia-geral integrar a nova direcção do ..., resolvendo pura e simplesmente deixar de intermediar-nos com Sua Excelência, e nem sequer nos informou o Sr. ... de nada e que nos deixou completamente cansados. E o acordo não foi assinado até agora e mesmo assim continuamos a trabalhar e só deixámos nos dois jogos, nomeadamente, da Taça da ... com o ... e com o ..., resultando nas duas derrotas. Assim solicitamos a intervenção da Vossa Excelência para indigitar com o maior sigilo o intermediário, que permita que o acordo seja assinado e permitir que o ... conquiste o tetracampeão, Taça de Portugal e ir longe na Taça da ... dos Campeões, cujos oitavos de final começa já na próxima semana, e que garantimos que com o nosso trabalho vamos passar a eliminatória sem falta. Acredite Sr. ... em nós, porque já demos provas mais que suficientes, e por um lado concluímos que o LLLL quer ver desgraças na nova direcção e não conquistar o título. Obrigado. General Dr. VV, comissário nacional da polícia da ...-Bissau." (...) No dia ........2017 o DD responde: "Não sei nada desses assuntos, como não tenho conhecimento. Caso exista algo mais em aberto, poderá marcar reunião no ... ainda este mês. Meus cumprimentos." E no dia ........2017, o VV volta a dizer: "Sua Excelência. Sr. ..., preocupa-nos muito o jogo de terça-feira, ... do Champion, um jogo que será muito difícil, por isso queremos fazer o ... passar esta eliminatória, mas que será pago logo após o segundo jogo na .... Assim, urge a necessidade de fazer com que seja assinado o acordo de prestação de serviço para esta temporada, e uma vez que continuamos o trabalho até hoje, mas com excepção do jogo .../..., Taça da ... e Setúbal/... campeonato, mas se Vossa Excelência achar que o tempo é curto para fazer a assinatura antes do jogo de terça-feira, então um sms para autorizar o nosso trabalho do jogo. Obrigado e fortes abraços. General Dr. VV." E o DD responde: "OK E então no dia ..., no dia seguinte, o VV envia um mail para o DD: "Excelentíssimo Sr. ... do ...Sr. DD, proposta de acordo: a temporada de 2016/2017, que se iniciará no dia ........2016 com o jogo da Supertaça, pode ser e constituir uma renhida luta pela conquista do título de campeão, no qual o ... poderá fazer a história da sua existência e conquista do tetra campeonato do ... português" - isto está escrito mesmo assim - "O que implica a imperiosa necessidade de celebrar acordo mútuo de prestação de serviços entre as partes com base nos seguintes termos: 1- O primeiro outorgante compromete a pagar ao segundo outorgante de conformidade com as cláusulas abaixo descriminadas: Ponto 1 - Para o jogo e conquista da Supertaça paga a quantia de 5 mil euros em caso de vitória e logo no dia seguinte. Para o campeonato paga a quantia de 100 mil euros, no fim do campeonato, em caso de vitória-tetracampeão. 3 - Jogo da ... da Champions, paga a quantia de 10 mil euros em cada jogo da fase de grupos, em caso de vitória para liderança, para oitavos de final. Paga ainda a cada jogo de eliminatória a quantia de 30 mil euros em caso de vitória logo no dia seguinte. Paga a cada jogo da Taça da ... ... e Taça de Portugal a quantia de mil euros, respectivamente, em caso de vitória e logo no dia seguinte. Paga a quantia de 5 mil para o jogo da final da Taça de Portugal em caso de vitória logo no dia seguinte e aplica-se igualmente para a final da Taça da .... Este acordo entra imediatamente em vigor logo após a assinatura das partes, DD."». 108. O arguido AA prosseguiu, relatando a resposta conferida por DD a VV no dia ........2017, pelas 12h36, afirmando, ao minuto 01:01:28: (...) o DD mandou um e-mail ao VV a dizer assim: "O que passou-se?". 109. A partir de 01:01:40 do programa, o arguido AA relatou a subsequente troca de mensagens da seguinte forma: «A resposta do VV foi: "A infelicidade que passou deriva da minha ausência da Guiné. Quem estava ateste disso para preparar o jogo não o fez no devido momento porque devia, 48 horas antes, o mestre em Lisboa ficou todo o tempo à espera de comunicação e nada. Só ontem de manhã é que comunicou e já era tarde e cheguei de madrugada. O mestre ficou decepcionado e agora vamos concentrar-nos no essencial que é o campeonato e Taça de Portugal" (...) "Agradeço a vossa compressão e jamais acontecerá"». 110. A partir de 01:02:55, o arguido AA afirmou: «Eu nem sei o que é que devo pensar disto, porque é assim, isto põe em causa quem? Põe em causa os jogadores, o treinador, mas põe em causa outras pessoas (...) isto põe em causa o JJ (...) o LL, o FF (...) o KK, o MM. Então, anda-se a criar um polvo para quê? Então, anda-se a fazer... a criar este monstro que tudo permite ao ... e nada permite aos outros, que cria um clima de benefício permanente e depois vai-se fazer a bruxaria?». 111. O arguido AA afirmou ainda, a 01:03:32: «Isto é um backup do polvo. 112. A partir de 01:20:51, o arguido AA afirmou também: «O ... recebeu um pedido do Sr. GG para comprar bilhetes baratos, um pedido perfeitamente legítimo para comprar bilhetes baratos para levar avós e netos de uma pequena aldeia do concelho da ... ao .... O que é que o ... fez? Aproveitou-se disso para procurar comprometer o ... da ...». A EMISSÃO DE ... DO PROGRAMA “JORNAL DIÁRIO" 113. No dia ........2017, o arguido AA esteve presente no programa “JORNAL DIÁRIO” do ..., tendo nessa ocasião, ao minuto 00:01:22, afirmado: «Na peça que agora vimos, o DD dizia duas frases: 'conservar distância em relação a comportamentos que não são próprios da actividade desportiva' e 'no nosso ... não existem actos praticados à margem da lei, nem condutas que possam ser objecto de censura'. Pelo que tem sido divulgado, o que há é exactamente isso, e há muito disso. Há muito disso». 114. Ao minuto 00:04:12, o arguido AA questionou: «Por exemplo, que razão, porque é que o ... precisa de monitorizar SMS do ... da ..., NN?». 115. E, ao minuto 00:04:37, continuou: «Para que é que serve ao ... que o Sr. LL envie informação íntima de ... de ... e de elementos, e de responsáveis da ...? Para que é que isso serve? É que isso aconteceu. Isso existiu. Portanto, importa esclarecer estas coisas.». 116. Por fim, ao minuto 00:06:13, o arguido AA afirmou: «O ... português precisa de ser limpo deste tipo de comportamentos.». 117. No programa “...” de ........2017, o arguido AA, ao minuto 00:46:01, deu a conhecer publicamente os termos de uma mensagem de correio electrónico enviada, no dia ........2015, por II para os ... MMMM e NNNN com conhecimento para JJ: «(...) o II enviou um e-mail "Caríssimos drs. MMMM e NNNN..." (...) "li a vossa réplica que naturalmente saboreei até ao último parágrafo. Relativamente à possibilidade de incluirmos mais testemunhas, vejo com alguma dificuldade termos mais elementos. Tenho presente que o OOOO me confirmou ter participado no almoço entre ... e ... que juntou PPPP e o QQQQ e onde foram debatidos diversos temas da actualidade desportiva. Estiveram presentes também o advogado dele, o careca, e aquele lagarto do Sol que não me lembro o nome. Penso que é por aí que o RRRR chegou ao PPPP. Será que vale a pena chamar o Boto e o QQQQ?" (...). E agora vamos ao que interessa: "Relativamente às testemunhas já indicadas, creio que seria bom Vossas Excelências conversarem com cada uma delas e questioná-las sobre os factos para verificar os respectivos conhecimentos e memórias" (...) "Recordo ainda que temos o famoso interveniente que imprimiu em ... os documentos do PPPP para o RRRR, mas que só devemos utilizar em última instância" (...) "Quanto ao computador do PPPP por acaso já se lembraram de primeiro pedir que o mesmo seja analisado pelo nosso pessoal técnico? Um abraço".». 118. Em seguida, o arguido AA deu conta da resposta facultada por JJ a todos os intervenientes da anterior troca de mensagens no dia ........2015, pelas 12h09, referindo: «E o JJ responde passados uns minutos (...) e diz: "Caros, não me posso pronunciar sobre a réplica porque não a recebi" (...) "Relativamente a qualquer análise por terceiros ao PC do PPPP já fiz chegar a minha opinião ontem ao dr. MMMM" (...) "Nunca se sabe o que esse louco ali metia, desde contactos, a Jogadores de outros ...s, opiniões, contactos relacionados com a ...... por isso é um risco elevado".». 119. Após o que o arguido AA relatou a resposta de ........2015, pelas 12h14, de II ao e-mail de JJ: «O II não fica convencido (...) responde novamente: "Já lhe levo a réplica. Relativamente ao PC" (...) "insisto que seria feito por gente nossa em que tenho total confiança".». 120. Ao minuto 00:58:15 do referido programa transmitido no dia ........2017, o arguido AA disse o seguinte: «(...) temos aqui uma coisa muito engraçada. No dia ... de ... de 2016 (...) um senhor chamado SSSS (...) cujo endereço de e-mail é atento ....@etc (...) enviou para o JJ um curto e-mail: "Bom dia JJ, anexo fotocópia do meu cartão de cidadão e dos autos de posse dos órgãos sociais" (...) "Abraço FV." (...) e depois vem o cartão de cidadão lá em anexo e de facto é igualzinho ao Sr. TTTT Nunes (...) Aliás, diz assim 'cartão de cidadão OO, UUUU, masculino' (...) Mas então o que é que se passava? (...). Queria que o JJ o ajudasse na batalha que ele estava a iniciar pela conquista da ... (...) juridicamente, para arranjar um parecer e defender a tese dele. 121. E, a 01:03:30 do programa, continuou o arguido AA nos seguintes termos: «(...) será que só o OO é que recorria a esses expedientes? Não, não, não. (...). Porque por exemplo (...) há aqui um e-mail que se chama ... "VVVV, depois explico-te este e-mail." Vocês sabem de quem é que estou a falar. O Sr. WWWW começa-se a destapar a careca do Sr. WWWW (...) o Dr. WWWW é vice-... do TAD (...).». 122. No programa “...” transmitido no dia ........2017, ao minuto 00:23:21, o arguido AA começou por relembrar os e-mails acabados de referir. 123. Ao minuto 00:25:02, o arguido AA passou a descrever as subsequentes trocas de correspondência e os respectivos conteúdos, referindo: «No sábado, ..., dia da consoada, pelas 17h33... curiosamente, tinha recebido no dia ... às 17h33 e enviou às 17h33 (...) o XXXX e Nora envia ao OO o parecer. E o OO, no dia ..., portanto, na segunda-feira, (...), às 13h06 é que encaminha a factura para o JJ (...) andaram aí uns cartilheiros a dizer que não sabiam se a factura era verdadeira, se era falsa. A factura está aqui. Está aqui a factura. É verdadeira. Está aqui. Não a vamos divulgar com mais pormenor porque tem dados que consideramos pessoais, designadamente, o NIB e o IBAN da Abreu & Associados, mas isto tem coisas muito interessantes, portanto, isto é enviado para o YYYY, tem a morada dele, que não vamos divulgar, condições de pagamento: pronto pagamento.». 124. A factura em questão foi exibida no programa com detalhe suficiente para se concluir, da imagem, pelo menos o valor da factura, o qual era de €18.450,00. Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 125. No programa “...” transmitido no dia ........2017, ao minuto 00:14:52, quando os ... assíduos do painel discutiam sobre uma opção do vídeo- GGG, o arguido AA relembrou os e-mails que já havia divulgado e que consistiam em troca de correspondência entre FF e KK, referindo-se aos mesmos da seguinte forma, ao minuto 00:15:22: «Eu queria só recordar o que escreveu para o Sr. KK, o Sr. FF: "Temos dois ... que não sendo internacionais por vários motivos, têm demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais, SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ”.». 126. Neste mesmo programa, ao minuto 00:43:37, o arguido AA tornou a revelar e-mails, desta vez, oriundos de alguém que se identifica como ZZZZ e utiliza o e-mail ..., e destinados a JJ, da seguinte forma: «No dia ........2016, a ZZZZ (...) enviou um e-mail, imaginem para quem, para o JJ, e esse e-mail não tinha texto e tinha um anexo. E esse anexo, o que é que era? Esse anexo era o relatório de observação do jogo ... jogo esse que foi arbitrado pelo CCCC. Esse jogo terminou com o resultado final de 3-2 para o .... Este interesse da ZZZZ pela ... ... é estranho... (…) portanto, aqui o que vai é o relatório do observador que deu uma nota muito insatisfatória, porque foi um 2.3, ao desempenho do CCCC, portanto, o muito insatisfatório é entre o 2 e 2.4 e o CCCC teve uma avaliação e a ZZZZ envia isto para o JJ. Mais tarde, em ..., no dia ... de ... de 2016, o Sr. CCCC, envia para o LL, o menino querido, envia para o LL um e-mail sem texto, mas que traz em anexo o processo 57, profissional "Reclamante - CCCC. Equipa visitada - ..., equipa visitante - Belenenses", portanto, era o recurso à .... (...). Portanto, ele enviou para o LL. O LL envia isso para a ZZZZ. A ZZZZ, por sua vez, envia para o JJ novamente. E isto é o recurso. O recurso em que o CCCC pede... acha que foi mal avaliado e acha que a nota de 2.3, deveria passar para 3.4 que é... 3.4 é bom, fica a uma décima de muito bom, mas já é uma excelente nota. A ... na sua decisão final diz que: "o CAR decidiu por unanimidade e em face dos factos apontados que a nota atribuída deve manter-se em 2.3, tal como consta do relatório do observador", portanto, mantiveram a nota. Mas então, o que é isto da ZZZZ? A ZZZZ não é nem mais nem menos do que o alter ego do LL. O LL tem um segundo e-mail cujo nome é ZZZZ e cujo endereço é palhacapobre@qualquer coisa.com. Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 127. No programa “...” transmitido no dia ........2017 ao minuto 00:44:17, o arguido AA revelou o conteúdo de um e-mail remetido por LL no dia ........2014, pelas 20h47, a JJ, referindo-se ao mesmo, da seguinte forma: 15/12, do computador do jornalista AAAAA, d'..., (...) foram escritas uma série de perguntas, que foram enviadas para o KKKK. O KKKK enviou as (...) perguntas para o BBBBB. O BBBBB, no dia ... manda a entrevista escrita... as respostas às perguntas para o KKKK. O KKKK, no dia ..., manda um mail ao DD a dizer assim: "..., apague a outra versão. Segue uma versão mais recente, onde no final meto algumas ideias de força que quero meter na entrevista para abordar temas recentes que talvez nos interesse falar". Meto? Depois, (...) no dia 23, envia para o JJ (...) e para o II. (...). No mesmo dia respondem o KKKK e o JJ respondem com os seus próprios acrescentos (...).». 129. E, ao minuto 00:56:29, o arguido AA prosseguiu, divulgando o restante conteúdo das mensagens de correio electrónico que continham a entrevista escrita: «(...) no dia ..., aqui está a versão final da entrevista, que as pessoas d'... a desconheciam. (...) E no dia 2 é publicado isto. 'Muito trabalho, pouca conversa e juntos somos mais fortes’. Primeira pergunta: 'Qual foi o momento mais feliz do seu ano desportivo de 2016?'. Primeira pergunta aqui: "Qual foi o momento mais feliz do seu ano desportivo de 2016?". Resposta: 'O momento em que ficou claro'. isto aqui está truncado, mas... 'nunca deixar que nos dividissem em factores que levassem à conquista do tricampeonato de ...'. "Factores que nos levassem à conquista do tricampeonato de ... e bons resultados noutras modalidades". Segunda pergunta: 'E a situação mais desagradável?'. Segunda pergunta: "E a situação mais desagradável?". Resposta: 'Sempre que os resultados fiquem aquém do trabalho que realizamos'. "Sempre que os resultados fiquem aquém do trabalho que realizamos". 'O ... acabou o ano de 2016 mais forte do que tinha acabado o ano de 2015?' "O ... acabou o ano de 2016 mais forte do que tinha acabado o ano de 2015?" 'Espero que volte a fazer a mesma pergunta em 2017'. “Espero que volte a fazer-me a mesma pergunta em 2017". 'Porquê?' “Porquê?" 'Porque aprendemos com as dinâmicas de'... “Porque aprendemos com a dinâmica de"... “ganhe". Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 130. No programa “...” transmitido no dia ........2017, ao minuto 00:29:06, o arguido AA relatou ao vivo uma troca de mensagens de correio electrónico entre CCCCC, JJ e DD, ocorrida em ........2015. 131. O arguido AA referiu-se a estas mensagens de correio electrónico da seguinte forma: «No dia ... de ... de 2015, no início do ano, uma funcionária do ... chamada CCCCC, assistente de administração, enviou um e-mail para o JJ em que diz: “Bom dia. Venho por este meio informar que estou a receber pedidos para inscrições de atletas, mas que os mesmos não vão ficar disponíveis enquanto não for enviada à ... ... de .... Profissional a documentação referente às infracções salariais e enquanto a situação do DDDDD não ficar resolvida. Como fazemos?" (...) Mas o JJ resolveu tratar do assunto e enviou um e-mail ao DD a dizer: “..., para poder demonstrar perante a ... que temos a situação regularizada com todos os atletas vinculados ao ..., sob pena de não se poder proceder a novas inscrições, temos pendente uma única situação e que está relacionada com o DDDDD. O atleta não assina a declaração de que o ... nada lhe deve, porquanto desde Agosto que o seu pai vem reclamando o pagamento do salário de ..., uma vez que o contrato de empréstimo com o ...só foi celebrado em .... Ainda que o jogador tenha declarado que nada mais tem a exigir do ...relativamente à época desportiva ...-2015 porque o contrato de empréstimo refere que o Mónaco é responsável pelo pagamento dos salários desde o dia ... e diante da recusa do atleta em assinar qualquer declaração, não temos outra alterativas...é duvidoso...que não processar e pagar o mais urgente possível o salário de ... no valor ilíquido de ...não vamos revelar". Ao que o DD (...) responde desta singela forma: "Processa, portanto, processa, faz o pagamento. Este não volta a vestir a camisola do ..."». 132. No mesmo programa “...”, ao minuto 00:35:47, o arguido AA continuou a revelar e-mails trocados com ... do “...” da seguinte forma: «Vamos aqui revelar uma coisa que mostra a extensão do polvo do ... (...) o Sr. EEEEE é observador de .... Já foi observador de ... na primeira categoria (...) E no dia ........2016, portanto, há menos de um ano, em ... do ano passado, enviou para o JJ (...) o seguinte: "Viva. Para conhecimento antecipado, dado ser uma data que antecede a viagem à ..., remeto-lhe uma cópia de uma notificação para o FFFFF. Agradeço discrição quanto ao assunto, uma vez que nem sequer é da minha secção. Ok? Abraço." Isto trata-se de uma notificação judicial. Nada de especial. O FFFFF iria testemunhar num processo em que o arguido era o ... (…) mas há um funcionário judicial que se dá a particularidade de ser observador de ... e antigamente ser de ... da primeira categoria, a enviar este tipo de informação para avisar (■■■).». Tribunal Judicial da Comarca de DD Juízo Central Criminal de DD - DD 22 Av. D. GGGGG II, Nº........01 Edifício A ... DD Telef: ... Fax: ... Mail: ... Processo Comum (Tribunal Coletivo) 133. Ainda no programa transmitido a ........2017, em canal aberto, a 01:00:28, o arguido AA revelou correspondência electrónica trocada entre KKKK, HH e DD: «Anterior à visita do ... à ..., em que o KKKK envia no dia ... de ... de 2017, portanto, nós jogámos em Março na ... e era referente a isso: "HHHHH, tenho um pedido expresso do IIIII para dois lugares de tribuna, para ele e a esposa, para o ..." Está assim escrito. E a HH, responsável pelo protocolo do ..., é assim que ela se apresenta, enviou um e-mail para o DD a dizer: "Reencaminho para si este pedido do KKKK. Devo colocar em lista de espera? Agradeço o seu comentário." E o DD responde desta forma: "Olá HHHHH. O GGGGG e a esposa merece estar perto de mim" - merece estar perto de mim (...).». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 134. No dia ........2017, no programa “...”, o arguido AA, ao minuto 00:35:20, revelou conteúdo de correspondência electrónica trocada entre alguém que se intitula JJJJJ, LLLL, ..., e entre este e JJ e KKKKK (que, à data, era director de comunicação do “...”), descrevendo-o da seguinte forma: «Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo, portanto, uma pessoa que já não está em actividade, na sua actividade de já há muitos anos. (...). No dia ... de ... de 2014, o Sr. JJJJJ não sei se estão a ver quem é que é o Sr. JJJJJ. (...). É mais um nickname. Alguém com muito poder que se movimenta num escritório de ... importante e que é de Viseu e tal e coisa. Não sei se me estão a perceber (...) Então ele envia um e-mail, no dia ..., para o LLLL, que diz assim: "Visionem o seguinte vídeo." Depois tem aqui um link.». 135. No referido vídeo, que foi transmitido ao minuto 00:36:34 do programa em causa, era exibido LLLLL a falar, referindo, em concreto: “Presenciei isso, não foi com português, foi numa competição internacional para as competições europeias. O ..., à semelhança daquilo que faziam a generalidade dos ...s, ao receber as equipas de ..., naquele tempo, cá em DD, as equipas de DD levavam as equipas de ... para um estabelecimento nocturno muito conhecido. E uma equipa de ..., chefiada por um francês muito conhecido, foi para esse estabelecimento, enquanto estava lá dentro o ... tinha umas senhoras na mesa a acompanhar a equipa de ...”. 136. E, na sequência do vídeo, o arguido AA continuou a descrever o conteúdo do referido e-mail: «E depois diz: "Alguém que faça chegar esta informação a quem de direito, porque isto não pode passar em claro. Ou o gajo prova o que diz ou é entalado."». 137. Ao que após, continua o arguido AA: «O LLLL, nesse mesmo dia, encaminha este e-mail do JJJJJ para o JJ e MMMMM, com o mesmo assunto: "LLLLL ... ... e meninas". Depois no texto "JJ e GGGGG, o que é que podemos dizer sobre isto?" (...) "Um abraço". (...) O JJ com a fineza que lhe é característica responde, passado pouco tempo, e diz assim: “Eu não alimentava a novela e partia-lhe a cara". (...) Ao que responde o LLLL, novamente: “Por mim era mesmo isso. Se quiserem..." (...) “Chamo-lhe tudo, esse gajo é um refinado filho da puta". (...) Eu não sei se vieram a partir a cara ou não, mas o LLLLL não é de facto uma pessoa ... no ... Ao NNNNN partiram. Porque, na mesma altura de ... de ... de 2014, ... de ... de 2014, portanto 15 dias depois, o OOOOO, também advogado, envia para o KK um documento manuscrito sobre o LLLLL e o que é que diz isso? O que é que diz aqui? (...) Sim, mandado por PDF ou digitalizado. Dados privados, íntimos do LLLLL. Profissionais, pessoais, o nome completo da mulher, a morada, coisas sobre a família, número de filhos, etc., etc. Coisas que não interessa.». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 138. No programa “...” transmitido no dia ........2017, ao minuto 00:45:10, arguido AA tornou a relembrar correspondência trocada entre KK e FF, da seguinte forma: «Não é verdade porque nós, aliás, em devido tempo, quando revelámos a correspondência do KK e do FF, aquela famosa dos padres, a dada altura, o KK envia para o FF o seguinte: “Sei que o nosso primeiro-ministro" (...) “quer que seja esta a postura e se ele traçou esta estratégia, nós temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa”.». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 139. No dia ........2017, em emissão do programa “...”, o arguido AA revelou um e-mail enviado por MMMMM a DD no dia ........2016. 140. Assim, a 01:13:00 do referido programa, o arguido AA pronunciou-se da seguinte forma: «Eu até fui procurar essas coisas porque a Sábado faiava e encontrei para aqui um extenso email que eu não vou ler todo porque seria a revelar coisas que acho que não devo revelar mas aquilo começa assim: "Bom dia ..., estive a pensar melhor e não quero falar com o II na segunda-feira, acho que não faz sentido. Se depois de tudo o que dei ao ... ao longo dos últimos 8 anos o II e principalmente o ... não vêem razões para um gesto mínimo de gratidão para comigo é porque de facto, devo ser uma merda", não fui eu que disse, foi ele, "e tudo o que fiz não foi suficiente para receber reconhecimento por parte do ... e por parte de si”.». 141. Na emissão do dia ........2017 do programa “...”, transmitido pelo ..., o arguido AA, ao minuto 00:45:30, referiu o seguinte: «O senhor LL, só para recordar os mais esquecidos, o senhor LL dizia: "Obrigado amigo doutor, apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim tal como o doutor" - o homem é o primeiro-ministro DD, convém recordar isso. Ou então lembrar que foi o LL que enviou para o JJ no dia ... de ... de 2014 umas coisas do PPPPP, ou que foi o LL que enviou sistematicamente informação sobre ..., ou que foi o LL que enviou dados pessoais da vida íntima de ... ou de outras pessoas que estão ... à ... para o JJ. Isso está documentado. E fica aqui a promessa: nós para a semana vamos fazer divulgações de material novo que envolve o LL. Fica aqui, desde já, a promessa. Na próxima semana teremos no mesmo programa e na terça-feira iremos fazer divulgação de material que nunca foi revelado do LL enviado para o JJ.». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 142. O programa seguinte veio a ocorrer no dia ........2017, data em que foi transmitido mais um “...”, no qual o arguido AA revelou um conjunto de três mensagens de correio electrónico remetidas por LL a JJ e KK, datadas de ........2015, que continham, em anexo, informações particulares sobre ... de .... 143. Neste programa, o arguido AA fez referência a uma mensagem remetida por LL a JJ no dia ........2015, na qual apenas estava escrito “Abraço”, seguindo em anexo fotografias de ... profissionais de ..., que foram exibidas para as câmaras, e um documento contendo dados da equipa de ... do jogo ... vs ..., como o nome, filiação clubística, profissão, naturalidade, telemóvel e apreciações quanto ao maior ou menor favorecimento em relação ao .... 144. A partir de 01:01:52 do programa, o arguido AA referiu-se a este e-mail da seguinte forma: «No dia ... de ... de 2015, o LL enviou para o JJ um email que só dizia "abraço" e depois tinha um anexo. O anexo o que é que era? O anexo tinha fotografias, não sei se é visível, tem aqui uma fotografia do QQQQQ, do RRRRR, do SSSSS, uma série de pessoas (...). E tinha um documento. E então o que é que é o documento? Nesse dia tinha sido nomeada a equipa de ... que iria dirigir o jogo ... e então o LL envia para o JJ (...) ele envia um e-mail a dizer que o é o QQQQQ, que o primeiro assistente é o RRRRR, o segundo é o TTTTT e o quarto é o SSSSS. E depois põe: " QQQQQ, adepto confesso do ..., irmão de TTT, natural do Porto, professor de educação física, telemóvel 91" tal, tal, tal (...) "arbitra pela quarta vez na época um jogo do ..., ... impecáveis nos últimos três jogos”. (...) “assistente 1, RRRRR, adepto confesso do ..., natural de ..., trabalha no ... em ..., telemóvel 96” tal, tal, tal (...).». 145. No seguimento do programa, o arguido AA descreveu, igualmente, uma mensagem de correio electrónico remetida em ........2015, por LL a JJ, cujos anexos continham informação sobre a equipa de ... do jogo ... vs ..., em concreto, e, novamente, o nome, filiação clubística, profissão, naturalidade, telemóvel e apreciações sobre maior ou menor favorecimento ao .... 146. Então, o arguido AA referiu-se a esse e-mail da seguinte forma: «Mas não é só, porque por exemplo, eu trago aqui no dia ... de ... de 2015 também, houve a nomeação para o célebre jogo ...: " UUUUU, adepto confesso do ... natural da ..., profissional da ..., telemóvel 91" tal, tal, tal, tal. "VVVVV, assistente número 1, confesso adepto do ... natural de ..., profissional da ..., recebeu as insígnias da ... em ... (...)"». 147. E, por fim, nesse mesmo programa “...”, o arguido AA deu conta de um e-mail remetido por LL a KK no dia ........2015, cujo tema de conversa seria o WWWWW: «No dia ... de ... de 2015, LL envia um email para o KK (...): "Este é oriundo da ..., tirei o curso com ele em 2002 e é protegido do staff do ... (XXXXX, YYYYY, ZZZZZ, AAAAAA e BBBBBB) e também por CCCCCC, DDDDDD e EEEEEE" (...) "é sócio e adepto do ..., odeia o ..." (...) "e está proibido de subir a C1"». 148. A partir de 01:11:12 do mesmo programa, o arguido AA referiu- se a um outro e-mail remetido por LL a JJ, em anexo ao qual seguiu uma acta dos ... da ... ... de .... Profissional, cujo teor foi revelado, parcialmente, pelo arguido AA, referindo-se ao mesmo da seguinte forma: «(...) em ..., houve uma reunião da ... com os .... Diligente, o LL logo a seguir enviou um email ao JJ. O texto do e-mail não é muito criativo. Diz apenas "abraço", como o costume. Depois temos o anexo e o anexo já é bastante mais criativo. (...). Começa: "...1...,18 "NNNNN, FFFFFF, GGGGGG, HHHHHH, IIIIII, JJJJJJ, KKKKKK" (...)». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 149. No dia ........2017, em emissão do programa “...”, o arguido AA leu, em directo, mensagens de correio electrónico trocadas entre DD e KK. 150. Assim, a partir do minuto 00:14:40, o arguido AA deu a conhecer um e-mail remetido por DD, dirigido a KK, cujo conteúdo se traduzia num alerta a KK sobre a exposição exagerada que o mesmo vinha a ter no programa da ... e apelando a que não fosse ao programa daquele dia sem antes falar com ele, porque o tema seria o do condicionamento da .... 151. Quanto ao mesmo, arguido AA referiu o seguinte: «Eu tenho aqui um... seleccionei aqui um e-mail do DD para o KK em que lamento que o teclado do DD não tenha vírgulas nem hífens, mas vou tentar ler a parte que aqui interessa em que ele diz: "Estás a expor-te muito na ..., pois eles querem audiência, não podes ser transformado num produto ..., eu próprio vivi esse problema quando vim para o ... mal aconselhado, não fales do PPPP mas sim o treinador ..., parece que estamos órfãos, hoje o tema é condicionamento de ..., não vás ao programa sem falar comigo. Depois, ...-me." (...)». 152. Na emissão do dia ........2017 do programa “...”, o arguido AA reportou-se ao conteúdo de novos e-mails. 153. Assim, a partir do minuto 00:14:33, o arguido AA referiu o seguinte: «(...) Depois, para além desse apoio às claques do ... há ainda coisas mais graves. Ainda mais quando se fazem com a conivência da polícia que é o que este email de 2009 demonstra. O mail é enviado por LLLLLL, director de ... e organização de jogos do ..., para o II e com conhecimento de JJ. E diz assim: "Caro Dr., tal como falado", portanto, previamente falado, "havia uma estratégia montada para retardar a entrada dos adeptos do .... Estratégia essa que incluía a participação da ..., dado que foi instalada uma segunda linha de revista por parte dos spotters ...". Ora eu escuso de ler mais deste email (...)». 154. A partir do minuto 00:19:36, o arguido AA continuou a descrever: «(...) há vários emails, como um outro mail que é a final da Taça de Portugal de Futsal, em que a ... fornece mil bilhetes ao ..., portanto, isto é um jogo em pavilhão, não sei a lotação do pavilhão, são cedidos 400 bilhetes à casa do ... na ..., imagino que o jogo fosse naquela região do país, e depois 300 bilhetes foram entregues aos ...; "50 bilhetes irão ser entregues ao MMMMMM", não sei quem é o MMMMMM, nem interessa para o caso. Aqui o que interessa é que 300 bilhetes foram entregues aos .... Não podem entregar bilhetes aos ...! 155. De seguida, o arguido AA reportou-se a um e-mail remetido por NNNNNN a JJ no dia ........2009, incluindo um ficheiro anexo contendo informações sobre a claque ...: «(...), mas no dia ... de ... de 2009 o senhor NNNNNN, que é um funcionário do ..., envia para o JJ o seguinte: "Caro JJ, junto ficheiro de acordo com o pedido do senhor ..." (...) O pedido do senhor DD foi que fosse remetido para o JJ um ficheiro com os dados dos .... Eu só trouxe aqui uma folha, mas isto são variadíssimas folhas e tem os dados, são nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento. Portanto, o ... sabe bem quem são os ...». 156. Neste mesmo programa, a partir do minuto 00:31:41, o arguido AA deu conta de um e-mail enviado por II a JJ no dia ........2009, em que o primeiro remetia uma mensagem sobre um contrato realizado pelo ... com a ..., relativo ao jogo Portugal vs Hungria, a realizar no ..., referindo-se ao mesmo da seguinte forma: «Só mais um e-mail para mostrar de que tipo de gente é que estamos a falar. O II escreve para o JJ na segunda-feira, ... de ... de 2009: "Podem começar a tratar com o LLLLLL e OOOOOO, quanto ao contrato está fechado do ponto de vista de negócio", isto deixem-me só contextualizar, isto tem a ver com o jogo (...) Portugal - Hungria no ..., o jogo da selecção. (...). Um contrato com a .... "O GM vai pagar pela porta do cavalo mais 50K", 50.000€, "veja-se só as componentes jurídicas e pode-se preparar a assinatura", o GM é bom de ver que se tratava de PPPPPP (...)». 157. A partir de 01:08:47 do programa, o arguido AA divulgou um e- mail sobre a capa de um jornal desportivo, datado de 2009 e enviado por JJ a QQQQQQ: «(...) cá vamos a um e-mail. O JJ, sempre o JJ (...) Porque ele em 2009, em resposta a um e-mail do QQQQQQ que só dizia “Babado", diz: “Caro amigo, obrigado, depois da notícia do branqueamento da ... amanhã, sim, vamos ter uma primeira página que me fará feliz. He he he he". (...)». 158. E, finalmente, a partir de 01:09:22, o arguido AA revelou o conteúdo de um e-mail remetido por QQQQQQ a JJ sobre a condenação do ... por tentativa de corrupção e sobre a absolvição da mesma entidade junto da ...: «Posteriormente, o QQQQQQ, responde novamente e diz: “JJ, o que é certo é que o ... foi condenado por tentativa de corrupção e só se safou na ... porque os legisladores de Lyon redigiram o 1.04 com os pés." (...)». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2017 159. No programa “...” transmitido pelo ... no dia ........2017, a partir de 01:01:58 o arguido AA leu um e-mail remetido por ZZ a KKKK, referindo-se ao mesmo da seguinte forma: «Mas então o que trazemos cá é um mail de ZZ enviado para o KKKK, no dia ... de ... de 2016, às 10h57. Este dia é um dia... relevante dizer isto, porque é Janela envia para o KKKK um mail que diz assim: "EEEE, vê as questões que fiz para enviar ao RRRRRR e dá-me a tua opinião". O RRRRRR é o ex-jogador, magnífico jogador, ainda me lembro dele, mas, actualmente ex-jogador do ... (...) actualmente comentador para o ..., em vários canais, na ..., na ..., e então eu vou ler aqui uma das perguntas que o (...) ZZ sugeriu ao... para o KKKK enviar ao RRRRRR. Não sei se o KKKK enviou ou não, iremos ver à frente se enviou ou não. "Como ex-jogador e ex-treinador do ..., tem que afirmar aqui e agora que nunca houve no ... e no ... português nenhum ... que respeitasse tanto os jogadores do presente e do passado do ...". (...) "Por isso estou à vontade para lhe perguntar o que se passou concretamente com o LLL. Esteve ou não para sair?" (...)». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2018 160. No dia ........2018, no programa “...”, o arguido AA revelou e-mails trocados, recebidos ou enviados por ... do “...”. 161. Assim, o arguido AA leu um excerto de um e-mail enviado no dia ........2017 por SSSSSS para DD, dizendo o seguinte, ao minuto 00:02:03: «Boa noite JJJJ. Ao longo destes meses fomos sempre mostrando a teia que o ..., o que nós aqui baptizamos de polvo, que o ... foi mostrando no ... português para ter o controlo de várias instituições, de vários grupos, de vários... De várias entidades, para servirem os interesses do ..., para contribuírem de forma irregular, para o sucesso desportivo, desportivo do ... Com esta... Com a divulgação destes mails agora, através da internet, chegamos ao cúmulo do próprio ..., serem pessoas ... ao ..., a reconhecerem isso mesmo, a assumirem isso. E isso acontece num email enviado em ..., portanto, há menos de um ano, a ... de ... de 2017 peio SSSSSS (...) e é ele que envia um extenso e-mail, na altura ainda referente às modalidades, que era a responsabilidade dele até ao final da época passada, em que ele faz uma extensa análise e como é que o ... há de fazer para ganhar. E num dos pontos aconselha o DD no seguinte: "continuar o trabalho de teia do poder que temos conseguido com instituições, ...s, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos. Empréstimos de jogadores, relação com a ..., Conselhos de ... e afins.’’». 162. A partir do minuto 00:12:30, o arguido AA deu conta de um e- mail enviado por JJ para TTTTTT, em que o remetente pedia a marcação de um quarto, no hotel onde estava instalado, para UUUUUU bem como a disponibilização de dois convites para aquele: «E hoje mesmo ficamos a saber, através de um mail do JJ para a TTTTTT, que é uma funcionária do ..., que o OO viaja, tem estadias pagas pelo ...: "HHHHH, para ..., necessito que reserves um quarto no meu hotel de 8 para 9, em nome de UUUUUU Ele vai pelos meios próprios. Mais necessito que reserves, se possível, dois convites para ele"». 163. A partir do minuto 00:13:26, o arguido AA descreveu um e-mail remetido por JJ a TTTTTT, datado de ........2017, em que o primeiro solicitava a disponibilização de convites para LL, OO e VVVVVV: «Mas há mais coisas dessas, porque a ... de ... de 2017 também mais uma vez há menos de um ano, mais uma vez o JJ enviou um mail para a TTTTTT a pedir: "Para além dos bilhetes que requisitei" e tal, "preciso dos seguintes convites: LL, três; OO, quatro; VVVVVV, três"». 164. A partir do minuto 00:19:24, o arguido AA revelou um e-mail remetido por ZZ a DD, em Março de 2017, com um orçamento para um blog, solicitando a aprovação do seu destinatário: «E convém recordar quem porventura não tenha acompanhado isso, que o autor das cartilhas é o ZZ e que continua a apresentar-se aos portugueses como um comentador de ... independente, ele de independente não tem nada, mas mais do que não ter nada, é que ele presta-se a fazer um tipo de coisa ignóbil e que eu passo a explicar. Ele em Março envia um e-mail ao DD a dizer: "EEEE, em anexo envio orçamento do blog para sua aprovação. A rede de ... e informadores é muito importante para recebermos boas informações e ao mesmo tempo eles divulgarem as nossas notícias. Em princípio, hoje mesmo inicia a actividade. Abraço, ZZ". E depois em anexo, tem o orçamento do blog Verdade Desportiva. "Custos de construção: 1000€; Custos de inscrição do domínio: 61,40€; manutenção anual: 100€; Custos com pessoal: mensal; Director ZZ: a definir; Informático WWWWWW: 500€; Rede de .../informadores: ..., RP: 400€; Jogo Porto, LD: 300€; ..., JB:400€; Antena em DD, AA:400€; ... SK: 400€; ... RB:400€; Jogo Lisboa, VR: 300€; DN Lisboa: CN: 300€; ..., JN: 400€. Observação: para manter o máximo de confidencialidade e sigilo, os pagamentos deverão ser feitos em cash. Proponho que os pagamentos sejam feitos até ao dia ... mês."». 165. No mesmo programa, a partir do minuto 00:30:20, o arguido AA reportou-se a uma mensagem de correio electrónico remetida por XXXXXX a JJ, YYYYYY, ZZZZZZ e II, mensagem esta que havia sido recebida por alguém pertencente ao grupo ...: «Mas reparem uma coisa. O ... que anda sempre a repetir isso à exaustão, ad nauseam. Em ..., o XXXXXX encaminha para JJ, AAAAAAA, BBBBBBB e II um mail que tinha recebido dos .... E o mail é assim: "CCCCCCC, Rua ..." (...) "carro BMW320D, novo, deste ano, um filho da" (...) "que não tinha onde cair morto, que andava a imitar o" (...) "do DDDDDDD nos programas da ... e sem dentes, o filho da" (...) "mas cai-lhe agora. Matrícula: 21", tal, tal, tal. "Estes" (...) "pensam que brincam com o ..., mas estão enganados! É para haver bronca e da grossa. É que este artista, que tão bem conhecemos, se levar com um carregamentozinho a sério, amocha, aí amocha. Se ninguém lhe fizer nada é que continuamos na mesma. Porque esta corja quando se sente apertada, e a família, pensa duas vezes antes de ousar brincar connosco. Paguem-lhe o que lhe pagarem, pensa duas vezes! Em honra do nome ... divulguem esta merda. O EEEEEEE vai para a próxima. Um abraço"». 166. Entre os minutos 00:45:54 e 00:46:30, o arguido AA referiu-se a um e-mail remetido por FFFFFFF, solicitando um reforço da provisão para prestação de serviços jurídicos: «(...) Nós já fartámos de aqui revelar documentação que atesta, comprova, sem margem para qualquer dúvida, o apoio do .... Pois hoje vamos voltar a fazê-lo com novos elementos que acrescentam aos que já revelamos ao longo do último ano, é um serviço que estamos a prestar à sociedade .... (...). Em ..., estava em julgamento o célebre caso dos ..., que é aquele caso que tinha a ver com tráfico de droga, tráfico de armas proibidas, um sem número, crime da pesada, crime da pesada. E nós percebemos agora que há aqui uma...um esquema, que o ... utiliza para suportar os custos da defesa de três arguidos dos .... Defesa essa que com certeza não será barata porque recorre ao escritório do ... FFFFFFF, um dos criminologistas mais afamados do país, mas cujo pagamento é sucessivo, o FFFFFFF manda as facturas para o escritório ..., que é o escritório do ..., por exemplo, do GGGGGGG e do MMMM, ... do ..., que ainda recentemente reconheceu a existência de tráfico de influência nesta história dos mails, que por sua vez enviam para o ... (...) E isto percebe-se aqui claramente. O FFFFFFF manda um mail: "vimos solicitar um reforço da provisão dos honorários inicialmente solicitada e que já se encontra totalmente esgotada no montante de 10.000€. Acrescerá o valor de IVA à taxa legal em vigor". Nós podíamos dizer, mas o FFFFFFF até nem sabia disto...Não, mas sabe. Sabe porque o FFFFFFF no mail que envia para o NNNN diz: "tanto quanto julgo saber, o Dr. JJ encontra-se em período de gozo de merecidas férias"». 167. Entre os minutos 00:49:10 e 00:49:45, o arguido AA fez menção a um e-mail remetido por HHHHHHH a JJ com um projecto de tarjas dos ..., para aprovação do último e posterior pagamento: «Mas há mais elementos que comprovam o apoio do ... às claques. (...). Depois temos aqui, muito rapidamente, o HHHHHHH envia para o JJ o projecto de umas tarjas, dos ... e a sequência disto é que o JJ pede um orçamento e depois o ... paga isto, no valor de 45000€ ou à volta desse custo, 45000€. E o ... paga essas faixas que ainda hoje em dia são usadas. Nós podemos vê-las nos jogos». 168. No programa “...” transmitido no dia ........2018, o arguido AA revelou e-mails trocados com dirigentes da estrutura do “...”, referindo-se, ao minuto 00:13:00, à correspondência electrónica trocada da seguinte forma: «Na sexta-feira, ... de ... de 2013, o DD encaminhou um mail para o KK, sem qualquer texto. O mail tinha apenas um anexo. O anexo era um documento word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura... debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um ... arbitrado pelo IIIIIII e alguém escreve: "Hoje é adquirido que IIIIIII fez um bom trabalho, o único lance em que alguém pode apontar possível erro é um lance impossível de descortinar" (...) O que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento, nós podemos informar que quem escreveu este texto, que o DD encaminhou para o KK, foi o senhor FF». Programa ... - da Bancada do dia ... de ... de 2018 169. No programa “...” transmitido no dia ........2018, ao minuto 00:30:07, o arguido AA divulgou um e-mail enviado pelo ... JJJJJJJ, dirigido ao ... NNNN, da seguinte forma: «Desta vez vamos um bocadinho mais longe. Vamos demonstrar que o ... recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminal, a defesa jurídica em processos crime, de elementos dos .... E aqui o que está em causa são mails de .... Um dos mails enviados pelo JJJJJJJ do escritório de ... do Tribunal Judicial da Comarca de DD Juízo Central Criminal de DD - DD 22 Av. D. GGGGG II, Nº........01 Edifício A ... DD Telef: ... Fax: ... Mail: ... Processo Comum (Tribunal Coletivo) ... FFFFFFF, um dos mais proeminentes advogados da área criminal do nosso país, e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes (...). E o advogado JJJJJJJ envia para o NNNN, do escritório do MMMM, do GGGGGGG e tal, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos ... por parte deste escritório. Ele escreve assim: "Tendo abordado o Dr. JJ directamente sobre a questão dos honorários, ele pediu-nos que à semelhança do que ocorreu anteriormente remetessem uma factura à vossa sociedade que o ilustre colega daria o necessário encaminhamento."». 170. E o arguido AA prosseguiu, ao minuto 00:32:02, referindo: «Há depois um mail do JJ para o AAAAAAA e para o II em que diz: "Este pagamento está previsto desde ..., ainda não foi efectuado. O escritório do FFFFFFF tem vindo a pressionar o Dr. NNNN no sentido de regularização dos honorários devidos. Agradecia, pois, a liquidação dos mesmos via escritório do NNNN que enviará de imediato a respectiva factura-recibo de igual valor. Prosseguimento idêntico ao anteriormente levado a cabo aquando da primeira fase, inquérito e julgamento. A justificação do valor em causa segue em e-mail, em separado, para ser dissipada qualquer dúvida, fico ao teu dispor". (...) passam-se coisas muito graves como isto. Fazer pagamentos a sociedades de advogados, ter sociedades de ... veículo, para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo, não é razoável. Não podemos aceitar que na sociedade ... continuem a existir procedimentos destes e o ... não pode estar acima da lei. Não pode. Portanto as autoridades que tomem atitudes (...)». 171. O arguido AA apenas deixou de divulgar e-mails do domínio ...” no programa “...”, após decisão datada de ... de ... de 2018, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em sede de providência cautelar, no âmbito do processo n.º 17448/17.4... 172. Tal decisão determinou que os ali requeridos ..., e o arguido AA, além do mais, se abstivessem de publicar ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos requerentes ... e ..., nomeadamente, a relacionada com e- mails com o domínio ...”. 173. No período compreendido entre ........2017 e ........2018, o arguido AA revelou nos programas “...” transmitidos pelo ... mensagens de correio electrónico trocadas entre ... do “... e entre estes e terceiros, sem que para o efeito tivesse recebido qualquer autorização do “...”, por parte desses ... ou terceiros para fazê-lo. 174. Tais divulgações, porque transmitidas em canal televisivo, alcançaram vários milhares de telespectadores, designadamente, e em concreto, no dia ........2017, em que foi registada uma audiência média de 22.000 espectadores e, no dia ........2017, em que se registaram, pelo menos, 61.400 espectadores. 175. Nesses programas, foram lidos e analisados os conteúdos de correspondência electrónica enviada, trocada ou recebida por: - GG, que assumia, à data, as funções de ... da ..., utilizador do e-mail ...; - HH, responsável pelo departamento de relações públicas do “...” e utilizadora do endereço de email ...; - II, ... da ... e utilizador do e-mail ...; - JJ, à data, assessor jurídico da administração da ... e utilizador do e-mail ...; - FF, ... da ..., coordenador da ... e utilizador do e-mail ...; - KK, director de conteúdos da ... e utilizador do e-mail profissional ...; - LL, à data a que se reportam os e-mails lidos, ... da ... ... de ... e ... da III Divisão, e utilizador do e-mail ...; - DD, ... do ... ... e utilizador do e-mail ...; - MM, ex-... da ... ... de ... e utilizador, à data, do endereço de e-mail ...@...; - HHHH, ..., ex-... da Mesa da Assembleia Geral da ... ... de .... Profissional e utilizador do e-mail ...@...; - BBB, director de comunicação do “... e utilizador do e-mail ...; - VV, que se identificou como general e comissário nacional da ..., e utilizador do e-mail ...; - MMMM, ... e utilizador do e-mail ...; - NNNN, ... e utilizador do e-mail ...; - YYYY, ex-vice-... do ... ... de ...; - WWWW, ...; - KKKKKKK, ...; - BBBBB, jornalista do jornal “...”; - CCCCC, à data a que se reportam os e-mails lidos, assistente de administração no “..., e utilizadora do e-mail ...; - EEEEE, funcionário judicial; - JJJJJ, pseudónimo utilizado por alguém que não foi identificado; - LLLL, vice-... do ...à data em que a correspondência foi trocada, ... e utilizador do e-mail ...; Tribunal Judicial da Comarca de DD Juízo Central Criminal de DD - DD 22 Av. D. GGGGG II, Nº........01 Edifício A ... Lisboa Telef: ... Fax: ... Mail: ... Processo Comum (Tribunal Coletivo) - KKKKK, director de comunicação do ... à data em que a correspondência lida foi trocada, e utilizador do e-mail ...; - OOOOO, ...; - LLLLLLL, ex-jogador; - LLLLLL, à data director de ... e organização de jogos do ... E ... e utilizador do e-mail ...; - NNNNNN, director do departamento de sócios do ... E ... e utilizador do e-mail ...; - ZZ, ex-director desportivo do ... e utilizador dos e-mails ... e ...; - MMMMMMM, assessor do ... do ... E ... e utilizador do e-mail ...; - TTTTTT, gestora corporate e utilizadora do e-mail ...; - XXXXXX, head producer da ... e utilizador do e-mail ...; - YYYYYY, director financeiro do “...” e utilizador do e-mail ...; - ZZZZZZ, director do canal de televisão ...; - JJJJJJJ, ...; - FFFFFFF, advogado. 176. De entre estes, dezasseis eram ... do “...” à data da troca da correspondência que veio a ser lida, que trocaram, receberam ou enviaram por força, em razão e para efeitos daquela actividade, sendo tal identificável, com excepção de LLLL, pelo endereço de correio electrónico usado - ...” - ou pela assinatura electrónica dos e-mails, em que imediatamente se associa o utilizador ao “...”. 177. As mensagens de correio electrónico remetidas pelos ... do “...” através do endereço de correio electrónico do domínio ...” tinham um aviso escrito, na parte final, com a indicação de: «Aviso. Esta mensagem (incluindo quaisquer anexos) pode conter informação confidencial para uso exclusivo do destinatário. Se não for o destinatário pretendido, não deverá usar, distribuir ou copiar este e-mail. Se recebeu esta mensagem por engano, por favor informe o emissor e elimine-a imediatamente. Obrigado.». 178. A correspondência electrónica trocada com o domínio ...” encontrava- se armazenada na plataforma de correio electrónico da ..., sendo o seu conteúdo acessível à própria detentora do domínio e sociedades do “...” autorizadas, bem assim aos utilizadores dos endereços de correio electrónico que trocaram as mensagens. 179. Pela forma descrita supra, o arguido AA também teve acesso a mensagens de correio electrónico trocadas com EE e FF, por terem sido interlocutores de correspondência com ... do “.... 180. Em razão da análise efectuada pelo arguido AA às mensagens de correio electrónico do domínio ...”, de EE e de FF, aquele arguido teve conhecimento dos endereços de correio electrónico dos intervenientes nessas mensagens e de todos aqueles que se encontravam acoplados às mesmas, por delas terem tido conhecimento, ou por terem produzido resposta. 181. Para além disso, o arguido AA teve conhecimento de elementos que se encontravam anexos a tais mensagens, como as listagens de elementos sobre ... a que fez referência no programa “...” de ........2017 (em concreto, nome, datas de nascimento, moradas, fotografias), as listagens de elementos da claque dos ... (com nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento destes), mensagens de telemóvel de terceiros, número de identificação fiscal de terceiros, moradas e contratos. 182. A divulgação de correspondência electrónica foi-se sucedendo no tempo, com a indicação ao longo dos diversos programas citados de que «o melhor ainda estaria para vir» e de que «iriam suceder-se mais revelações», de tal modo que o tema das revelações passou a ser espaço assíduo durante o referido programa “...”. 183. O arguido AA actuou da forma supra descrita bem sabendo que havia tido acesso a correspondência electrónica que não lhe pertencia, privativa da detentora do domínio ...” e dos ... que a trocaram e, bem assim, à correspondência de terceiros que com aqueles haviam trocado mensagens. 184. Mesmo tendo consciência de que havia acedido a coisa alheia e não disponibilizada ao público em geral, o arguido AA não se coibiu de analisar o seu conteúdo, daí lhe tendo vindo o conhecimento de dados pertença de terceiros, como os endereços de correio electrónico, datas de nascimento, nomes completos, dados clínicos, contratos, elementos fiscais como o NIF, contas bancárias, matrículas automóveis, dados aos quais não fora autorizado a aceder. 185. Para além disso, o arguido AA decidiu e conseguiu divulgar o conteúdo de correspondência electrónica pertença do “...”, com o domínio ...”, de FF e de EE, optando por criar em torno dessa divulgação um espaço fixo no programa “...” acessível através de canal televisivo e com alcance a vários milhares de telespectadores. 186. No programa “...” transmitido no dia ........2017, o arguido AA quis atingir a credibilidade do ... E ... e da ... perante milhares de telespectadores que viram o programa naquele dia. 187. No mesmo programa, o arguido AA visou criar a ideia de que os assistentes que integram o “...” de algum modo influenciam as decisões e a escolha dos ... desportivos e utilizam a sua esfera de influência para afastar os adversários e ganhar uma vantagem competitiva indevida. 188. Ainda no mesmo programa, foi intenção do arguido AA incutir na audiência a ideia de que os assistentes que integram o “...” quereriam exercer influência sobre a ..., pressionando-a com críticas e, por outro lado, procurando conquistar favores. 189. Nos restantes programas transmitidos pelo ... a que acima se fez referência, ao agir da forma descrita, o arguido AA fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o ... e o ... e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que o conteúdo dos seus relatos tinha interesse público e, nessa medida, estava contido no seu direito a informar. 190. No programa “...” transmitido no dia ........2017, o arguido AA quis imputar aos assistentes que integram o “...” o poder de controlar as carreiras dos ..., designadamente as suas subidas e descidas de categoria através das classificações. 191. E procurou associar os mesmos assistentes a uma máfia. 192. Também o arguido CC, por via do acesso a mensagens de correio electrónico disponibilizadas pelo arguido AA, tomou conhecimento dos endereços de correio electrónico dos intervenientes nessas mensagens e de todos aqueles que se encontravam acoplados às mesmas, por delas terem tido conhecimento, ou por terem produzido resposta. 193. O arguido CC sabia que, ao explorar, ler e analisar o conteúdo da correspondência electrónica alheia que lhe era facultada pelo arguido AA acedia, como acedeu, a elementos de índole particular pertença de terceiros, mormente, ... do “... e de outros que com estes contactaram, como os endereços de correio electrónico. 194. Mais sabia o arguido CC que tais dados eram fruto de actividade ilícita junto do sistema informático do “..., não se encontrando disponíveis ao público em geral, e que haviam sido transmitidos de forma sigilosa ao arguido AA. 195. Ao seleccionar a correspondência electrónica destinada a ser divulgada pelo arguido AA no programa “...”, o arguido CC fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o ... e o ... e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que tal divulgação tinha interesse público e, nessa medida, estava contida no seu direito a informar. 196. Apesar de no período temporal compreendido entre ........2017 e ........2018 o programa “...” ter o formato de debate, com três ... residentes e um moderador, o arguido BB, enquanto director-geral do ..., sabia que nos vários programas referidos iriam ser revelados e-mails de terceiros. 197. O arguido BB sabia, designadamente, que iriam ser revelados e analisados os conteúdos de correspondência electrónica trocada entre e com ... do “.... 198. O arguido BB nada fez, nem podia fazer, para impedir as transmissões dos programas “...” acima referidos. 199. O arguido BB sabia que, como director-geral de um canal televisivo, estava submetido às imposições da Lei da Televisão. 200. Os arguidos AA e CC tinham conhecimento dos factos acima descritos a cada um dos mesmos respeitantes e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Da acusação particular, para que remeteu o despacho de pronúncia, provou-se ainda que: 201. O ... é um ... desportivo e foi fundado em ... de ... de 1904. 202. A ... é uma sociedade anónima desportiva, constituída em ........2000, que resulta da personalização jurídica da equipa do ... que participa nas competições profissionais de .... 203. O ... é a instituição desportiva ... com maior número de adeptos, dentro e fora de Portugal. 204. O número de adeptos do ... é de vários milhões. 205. No campeonato nacional português de ..., o ... E ... é o ... com mais títulos da Primeira .... 206. Nos últimos anos, as principais competições de ... nacionais têm sido disputadas principalmente entre o ... E ... e o .... 207. A rivalidade entre os dois ...s levou a que pessoas ... ao ..., incluindo os arguidos AA e CC, tenham formado o propósito de justificar o menor sucesso desportivo daquele ... tentando associar os assistentes que integram o “...” a um conjunto de práticas ilegais, anti-desportivas e desleais que, na sua narrativa, justificariam o acrescido sucesso competitivo do ... E .... 208. O ..., de ........2018, que: «o modelo folhetinesco semanalmente levado a cabo pelo serviço de programas "..." sob a aparência de um trabalho de investigação jornalística e que, a pretexto de um interesse público associado a uma denominada "verdade desportiva", denunciando exuberantemente práticas social e juridicamente reprováveis protagonizadas por pessoas ... ao ...e por terceiros a esta instituição alheios, traduz-se afinal num exercício inconsequente, e em cujo âmbito são ignoradas elementares exigências aplicáveis a actividade jornalística». 209. Em consequência, o referido .... Regulador deliberou: i. Considerar procedente a queixa apresentada pela Queixosa contra o operador televisivo ...; ii. Confirmar, por parte do operador televisivo identificado, o desvio aos fins referidos no artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei da Televisão, e o incumprimento dos deveres previstos no artigo 34.º, n.ºs 1, e 2, alínea b), do mesmo diploma legal, a par da inobservância deliberada e reiterada, ao longo das edições do programa "... - da Bancada" emitidas desde ... de ... de 2012 no serviço de programas "...", dos deveres enunciados no artigo 14.º, n.01, alíneas a) e e), e n.º 2, alíneas c) e i), 2.a parte, do Estatuto do Jornalista; iii. Reprovar veementemente o operador televisivo identificado pela sua conduta, da qual esteve ausente qualquer propósito sério de informar, e sendo a mesma susceptível de acarretar evidente e porventura irreparável afectação do bom nome e reputação da Queixosa e de terceiros; iv. Recomendar a este mesmo operador televisivo o respeito escrupuloso pelos direitos fundamentais de terceiros em programas transmitidos sob a sua responsabilidade; v. Sublinhar que pertence ao foro judicial o apuramento de eventuais ilícitos de natureza cível ou criminal que possam resultar do presente caso; vi. Recomendar ao operador televisivo .... Comunicação, S.A, a pronta actualização e rectificação dos dados constantes do sítio electrónico do serviço de programas "...", reportado ao programa "..."; vii. Dar conhecimento da deliberação resultante deste procedimento a ... Carteira Profissional de Jornalista, para os fins por esta tidos por convenientes. 210. No dia ........2017, foi publicado o livro .... Os esquemas, manipulações e compadrios que viciam o ... português, da autoria dos arguidos AA e CC e editado pela ..., uma marca registada da ..., sociedade anónima com sede na ...º 365, ... Porto. 211. A obra em causa tem como tema um conjunto de alegadas práticas anti-desportivas levadas a cabo pelos assistentes que integram o “...”, conjuntamente designados como .... 212. Na introdução do livro, os arguidos AA e CC escreveram: «Um polvo, como se sabe, é um animal invertebrado que se destaca pela exuberância dos seus oito tentáculos revestidos de ventosas. Gosta de se movimentar pelos fundos dos mares e mexe-se bem entre as rochas, alcançando alguns dos buracos maios recônditos com os tentáculos. Distingue-se pela sua capacidade de camuflagem, ajustando a cor da pele em função das necessidades. Quando se sente ameaçado, expele uma tinta escura que repele os predadores. Não por acaso, já há vários anos que se associa as características deste cefalópode à máfia. Metaforicamente, o ... é um polvo». 213. Ainda na introdução do livro, os arguidos AA e CC assumem como objectivo: «(...) apresentar, em todo o seu esplendor, ... que, pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o ... português - não no campo, onde os jogos se disputam -, adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto». 214. No mesmo livro, os arguidos AA e CC escreveram: - «A cabeça do Polvo está tranquila. A Assembleia Geral da ... está em boas mãos. E, para além disso, tem uma missão. Não sabemos que missão é essa, mas sabemos que o ... já tem um histórico longo e consistente de controlo das instituições que lideram o ... português. Esse é um objetivo estratégico que o ... persegue praticamente desde o início do século». - «O controlo das instituições do ... português pelo ... resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de lugares-chave de certos organismos que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o ...; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências». - «O ... soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da ... e que abrange tanto o seu núcleo central (o ...) como as suas ramificações a nível local». - «Efetivamente, a intimidade entre responsáveis pelo ... e jornalistas é uma realidade amplamente documentada. Todos se recordarão, por exemplo, das fotografias dos jantares que reuniam frequentemente MMMMM e o diretor do ... e da ..., NNNNNNN. Mas há mais. A ... de ... de 2016, o diretor de comunicação do ..., KKKK, começou a preparar um ciclo de almoços de Natal de DDcom jornalistas, na linha de uma prática que já vinha sendo hábito desde os tempos de MMMMM. (...). Estamos perante um caso flagrante de fomento de intimidade entre Vieira e a comunicação social que parte do próprio e que pode ajudar a explicar os favores de vários órgãos e de alguns ... (...)». - «A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do ... é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do ... (...)». - «Perante este panorama, nem os ... nem os ... podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do ... da .... Não é isso o que acontece. Ambas as claques são ativamente apoiadas peia direção do ..., que, assim, para além de cometer uma ilegalidade, se torna moralmente responsável pela sua existência». - «A verdade é que este ..., ao longo de várias décadas, tem beneficiado recorrentemente de situações excecionais proporcionadas por quem tem autoridade para as promover. Da mesma forma que as ... ou a ..., por norma, não têm conseguido assegurar a equidade e isenção que se exige face às outras equipas quando é o ... que está em causa, também os políticos têm uma propensão, que quase parece natural, para tratar o ... de forma diferente». 215. Os arguidos AA e CC tinham conhecimento destes factos e, ainda assim, quiseram escrever e publicar o referido livro. Da contestação apresentada pelos arguidos AA e CC, provou- se que: 216. Em ........2015 foi tornado público o caso denominado “vouchers do ...”. 217. Em ........2006 o jornal ... noticiou: DD apanhado nas escutas e escolher. 218. Em ........2007, o jornal ... noticiou: ... para ... escolhidos por OOOOOOO. 219. OOOOOOO é um antigo ... da ... que, de acordo com o que foi noticiado nessa altura, servia de intermediário entre DD e o ... na selecção dos ... que apitariam os jogos do ... 220. Em ........2016, a revista Visão publicou o “Roteiro dos 'escândalos de PPPPPPP'”, director-geral da SAD do ... entre 2004 e 2006, já com DD como .... 221. Na edição de ........2017, o jornal ... publicou alguns dos e-mails lidos (em parte) pelo arguido AA no programa do ... transmitido em ........2017. 222. FF exerceu funções de … de ..., de observador de ... e de membro do .... 223. KK foi director de conteúdos da ... a partir de 2015, durante cerca de dois anos. 224. A graduação classificativa de ... dependia das observações que sobre eles era efectuada pelo observador de .... 225. Quando trocou os e-mails acima referidos, LL era ... da ... ... de .... Profissional. 226. De acordo com a ... ... de ... Profissional, “O ... da ... é o agente desportivo que o Departamento de Competições da ... Portugal nomeia para cada um dos jogos das competições que organiza com a responsabilidade de: Facilitar as relações entre os diversos agentes que interagem na organização do jogo: diretor de campo, diretor de ..., comandante das forças de ..., equipas, equipa de ..., brigada antidopagem, comunicação social, entre outros; Garantir as condições legais e exigidas por regulamento para a realização do jogo; Dirigir a reunião preparatória de jogo; Reportar à ... toda a informação prevista e relevante, juntamente com a demais documentação do jogo". 227. Em ........2014, IIII era ... da Mesa da Assembleia Geral da ... ... de .... Profissional. 228. O acima referido e-mail de ........2014, remetido por IIII a KK, continha um anexo com a transcrição de mensagens telefónicas gravadas num telemóvel de NN. 229. NN foi ... da ... ... de .... Profissional entre ... e ... e, desde ..., é ... da ... 230. Os e-mails citados no livro “...” foram anteriormente divulgados em programas do ... ou noutros órgãos de comunicação social. 231. O arguido AA foi entrevistado pelo jornal ... e pela revista ... sobre as divulgações de e-mails por ele realizadas. 232. Na edição de ........2017 o jornal ... noticiou que só na sequência da denúncia levada a cabo pelo arguido AA no programa “...” foi possível aos ... do quadro da I ... e ao ... em funções à data identificarem UUUUUU como o autor dos e-mails que lhes haviam sido remetidos umas semanas antes através do endereço de correio electrónico “atento....®gmail.com”. 233. Os arguidos AA e CC agiram com a convicção de que os e-mails que foram divulgados no programa do ...”, e os ficheiros a eles anexados, são verdadeiros. 234. Foi instaurado um processo criminal, autuado sob o n.º 5340/17.7..., para apurar crimes de corrupção na ... cometidos pela ... e/ou pelos seus administradores e dirigentes no interesse daquela. 235. No âmbito desse processo, o arguido AA entregou documentação que tinha em sua posse. 236. Também no âmbito do referido processo, foram efectuadas diversas buscas domiciliárias e não domiciliárias. 237. A investigação oficial que corre termos contra o ... pelo crime de corrupção na ... foi consequência directa da divulgação dos e-mails acima referidos por parte do arguido AA. 238. O “...”, com endereço electrónico, entre outros sites, em https://mercadode...polvo.wordpress.com, foi um blog que se dedicou à divulgação de conteúdos de carácter desportivo relacionados, sobretudo, com o ... e a .... 239. Tratou-se de um blog disponível em acesso aberto pela internet. 240. A partir do final de 2017, foram divulgados e disponibilizados nesse blog dezenas de gigabytes de conteúdos referentes a ficheiros de e-mail de caixas de correio electrónico pertencentes ao domínio ...”, podendo esses conteúdos ser livremente acedidos e descarregados por qualquer pessoa que acedesse ao dito blog. 241. Pelo menos na recta final dos programas do ... “...” acima referidos, o grosso dos e-mails divulgados pelo arguido AA já tinha caído no domínio público. No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido AA, apurou-se que: 242. O arguido AA é o mais novo de dois filhos, tendo o respectivo processo de desenvolvimento registado alguma mobilidade residencial devido à actividade laboral do pai, em barragens. 243. A mãe do arguido foi viver com os filhos para o Porto, a fim de assegurar a formação académica dos mesmos, quando aquele tinha 11 anos de idade. 244. A situação económica do agregado foi evoluindo favoravelmente ao longo dos anos, de acordo com a progressão na carreira por parte do pai do arguido, sendo a mãe desta doméstica. 245. O arguido apresenta um percurso escolar regular, tendo ingressado no ..., na licenciatura em engenharia .... 246. No âmbito do estágio académico, o arguido não se reviu nas saídas profissionais mais frequentes e ao fim de três anos abandonou a frequência do curso. 247. O arguido ocupou os seus tempos livres na prática desportiva de ... e foi durante vários anos jogador federado de xadrez. 248. O arguido descreve-se como leitor compulsivo de jornais e no final de ..., aquando do início da publicação do jornal ..., aí estagiou durante um ano, após o que passou a escrever artigos para aquele jornal, sendo pago “à peça”, até que abriu uma vaga na secção desportiva, à qual concorreu, e foi admitido. 249. Uma vez que nunca frequentou formação específica na área do jornalismo, quer durante o período de estágio, quer posteriormente, o arguido aprendeu o exercício da profissão com os colegas. 250. O arguido trabalhou como jornalista durante 12 anos no ..., entre ... e ... no ... (JN) e entre ... e 2011 na ..., registando progressão na carreira com assumpção de cargos de chefia. 251. Nesta profissão, a área de intervenção do arguido, durante 18 anos, decorreu na secção desportiva dos jornais e, durante os dois anos em que trabalhou no JN, como editor da secção de sociedade. 252. Em 2011, o arguido foi convidado para assumir funções como diretor de informação do ... (...), em que já se mostrava filiado, que passou a acumular, desde ..., com a função de diretor de comunicação do mesmo .... 253. Na sequência da compra do ... por parte do ..., a secção desportiva do canal foi sedeada num espaço contíguo ao ..., no ..., direccionado exclusivamente para a transmissão de assuntos relacionados com a atividade do ..., enquanto os restantes conteúdos são desenvolvidos num estúdio localizado na ..., em .... 254. O arguido casou aos 28 anos de idade, tendo esta relação culminado em divórcio. 255. Posteriormente, o arguido estabeleceu três relações afectivas com união de facto, tendo da última, resultado o nascimento de uma filha, actualmente com 8 anos de idade. 256. Quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido exercia actividade como diretor de informação e de comunicação do ..., assumindo a supervisão da informação produzida sobre o ..., reportando sempre ao elemento da administração e director do grupo “...”, situação que se mantém. 257. Neste âmbito, para além da participação semanal no programa … - … do ..., no qual assume uma posição semelhante à de porta-voz do ..., o arguido é também responsável pela edição mensal da revista “Dragões” e pela informação diária sobre a situação do ... através de uma newsletter. 258. O arguido mantém o investimento na sua actividade profissional e revela sentimentos de satisfação perante o seu actual enquadramento laboral. 259. O arguido é tido por quem com o mesmo trabalha como alguém que exerce a chefia com uma atitude bastante assertiva, explanando com clareza as suas ideias e os resultados que pretende, e que assume um estilo de liderança liberal, com delegação de competências, e uma relação tranquila com os .... 260. Também quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido residia com a companheira, com 47 anos de idade e jornalista, e com a filha de ambos, que é estudante. 261. O casal separou-se durante o ano de ... e no âmbito de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos foi acordada a guarda conjunta com residência alternada entre a casa do pai e a da mãe por períodos de sete dias. 262. No que respeita à prestação de alimentos, ficou acordado que o arguido assumiria 70% e a ex-companheira 30% das despesas escolares, frequentando a filha menor de ambos um estabelecimento privado de ensino, médicas e com os medicamentos. 263. Posteriormente, no âmbito de um processo criminal que corre termos no DIAP do Porto, foi imposta ao arguido a medida de coacção de proibição de contactar com a sua ex-companheira e com a filha de ambos, pelo que aquele acompanha a evolução da menor através de informação que vai obtendo junto do colégio que a mesma frequenta. 264. O arguido mantém contacto próximo com os seus pais e irmã. 265. O arguido aufere no exercício da sua actividade profissional o salário líquido mensal de €3.529,20. 266. O arguido tem como despesas fixas com habitação o valor mensal total de €1.028,14, dos quais €900,00 são despendidos a título do pagamento de renda de casa de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, situada em condomínio privado em zona residencial do Porto, caracterizada por discrição no relacionamento entre vizinhos e onde não se verifica incidência de problemáticas socias. 267. O arguido suporta ainda o pagamento da parte que lhe cabe referente ao estabelecimento de ensino que a filha frequenta, no valor mensal de €400,33, bem como a amortização de um empréstimo no montante mensal de €603,68, o qual se destinava a financiar a construção de uma moradia no Porto, projecto que não avançou na sequência da ruptura da relação daquele com a sua ex-companheira, estando o espaço à venda. 268. O arguido ocupa os seus tempos livres no convívio com amigos. No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido CC, apurou-se que: 269. O processo de desenvolvimento do arguido CC decorreu no seio familiar de origem, composto pelos pais e pelo irmão, sete anos mais novo, com o apoio próximo dos avós maternos, usufruindo de uma condição sócio-económica equilibrada proporcionada pela actividade profissional dos pais. 270. O arguido registou um percurso escolar regular e investido, ingressando no ensino superior na ... (...), no curso de História, área pela qual manifestou interesse desde muito novo. 271. O arguido concluiu a licenciatura em 2011 e o mestrado em História Medieval e do Renascimento em 2013. 272. Após a conclusão do mestrado, entre 2013 e ..., o arguido foi bolseiro de investigação pela ..., e em ... iniciou o programa de doutoramento em História. 273. O arguido foi ... da associação de estudantes da ... entre 2011 e 2013. 274. As relações sociais e de amizade estabelecidas pelo arguido foram estabelecidas principalmente em contexto académico e profissional. 275. Quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido residia no Porto, com os pais, ambos activos profissionalmente, e com o irmão, num apartamento arrendado de tipologia T3+1, com boas condições de habitabilidade, situação que se mantém. 276. A habitação do arguido encontra-se inserida numa zona mista, residencial e comercial, em meio social que não está conotado com a incidência de problemáticas sociais e criminais. 277. O arguido administrou nas redes sociais, em conjunto com um amigo, a página “Baluarte do Dragão”, que se traduzia num espaço onde partilhavam opiniões e se debruçavam sobre notícias relacionadas com o ... (...), ... do qual é adepto. 278. O arguido abdicou da bolsa de doutoramento para aceitar o convite de emprego que lhe foi proposto pelo ..., e em ... integrou a ..., passando a desempenhar a função de técnico de conteúdos no departamento de comunicação, reportando superiormente ao co-arguido AA. 279. Neste âmbito, o arguido exercia as suas funções nas instalações do ... existentes no “...”, produzindo conteúdos para os meios de comunicação do ..., nomeadamente para o ..., para a edição mensal da Revista Dragões, para a newsletter “Dragões Diário”, que contempla informação diária sobre a situação do ..., e para o site do .... 280. O arguido integrou também, enquanto comentador, programas do ..., como o programa .... 281. Em ..., o arguido habilitou-se com a carteira profissional de jornalista, após realização de estágio em contexto de trabalho sob orientação/supervisão do director de informação do ..., pelo período de 18 meses. 282. Em ..., o arguido foi promovido a diretor de conteúdos, cargo que continua a exercer, gerindo uma equipa de 20 ... e reportando superiormente ao diretor-geral de comunicação do ... 283. No exercício deste cargo, cabe ao arguido a escolher o meio de comunicação, dentre aqueles de que o ... dispõe, para colocar artigos, informações ou notícias, mantendo-se também como comentador em programas e participante em documentários no ..., revelando satisfação pela sua actividade profissional. 284. Os arguidos AA e CC mantêm um bom relacionamento profissional e de amizade. 285. Paralelamente à actividade profissional, o arguido manteve o investimento no doutoramento, que concluiu em ........2021. 286. O arguido aufere um vencimento mensal líquido de cerca de €1.900,00. 287. O arguido tem como despesas fixas a mensalidade do ginásio, no valor de €160,00, e a renda de um lugar de garagem, no montante mensal de €45,00. 288. As despesas fixas do agregado familiar onde o arguido se insere são asseguradas pelos rendimentos auferidos pelos seus pais no exercício das respectivas actividades profissionais, embora aquele colabore na economia doméstica, adquirindo bens alimentares ou outros bens essenciais, e apoie o irmão, que trabalha numa loja. 289. O quotidiano do arguido é organizado em função da sua actividade profissional e nos tempos livres dedica-se a redigir, para publicação, artigos para o ..., da ..., onde continua a ser investigador integrado, mas sem auferir qualquer rendimento. 290. No âmbito académico, para além da elaboração de artigos científicos, o arguido também participa em seminários e em conferências. 291. Nos tempos livres, o arguido frequenta o ginásio e convive com o grupo de amigos, sobretudo com os que perduram do tempo da faculdade, e com alguns colegas de trabalho, tendo ainda interesse em viajar. 292. O arguido pretende manter a actual actividade profissional e continuar a ser valorizado e reconhecido no seu trabalho. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido AA, provou-se que: 293. O arguido não tem antecedentes criminais. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido CC, provou-se que: 294. O arguido não tem antecedentes criminais. Do pedido de indemnização civil formulado por DD, provou-se que: 295. DD sentiu-se indignado, revoltado e consternado com a divulgação de mensagens do seu correio electrónico pessoal, situação que desde então se mantém. II.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Das acusações pública e particular, não se provou que: a) Entre ........2017 e ........2018, o programa “...” era transmitido a partir das instalações do ... sitas na ...º 78, ... .... b) Na qualidade de director-geral do ..., competia ao arguido BB a definição dos “contéudos ...”. c) O arguido AA seleccionou sozinho a correspondência que divulgou no programa .... d) O arguido BB tinha condições para impedir as transmissões dos programas “...” acima referidos. e) Na qualidade de director-geral do ..., o arguido BB tinha capacidade para impedir a transmissão dos programas “...” na modalidade de inclusão da rubrica de divulgação de e-mails do ..., mas optou por não fazê-lo, aderindo à prática de revelação que foi conduzida pelo arguido AA e querendo o resultado que veio a ser alcançado. f) Pelas 23:57:48 do dia ........2014, FF remeteu a KK uma mensagem de correio electrónico. g) O ... é a instituição desportiva ... mais bem classificada no ranking da ... das 250 melhores equipas de todos os tempos, onde surge em 19.º lugar, bem como no ranking da ..., onde surge como o 9.º melhor ... europeu do século XX. h) No dia ........2017, o jornal “...” referiu: AA, revela o nome de oito "... ao serviço do ... Da contestação apresentada pelos arguidos AA e CC, não se provou que: i) Em ..., LLLLL revelou no programa “... F...”, da ..., que o ... oferecia prostitutas aos ... nomeados para os seus jogos. j) O arguido AA partilhou os referidos e-mails com o jornal .... k) O arguido AA indicava sempre a data dos e-mails que estava a ler e sempre que, por qualquer motivo, relacionou mensagens de dias diferentes e/ou andou para a frente e para trás na narrativa, fê-lo de forma absolutamente transparente, alertando o público. l) Na edição de ........2002 do jornal ..., DD constatou que para o ... seria mais importante "ter presença nos órgãos sociais e de decisão do ... português" do que contratar bons jogadores. m) Todos os órgãos nacionais de comunicação social desportivos ou de informação generalista divulgaram alguns dos e-mails a que acima se faz referência. n) No âmbito do processo n.º 5340/17.7..., o arguido AA entregou toda a documentação que tinha em sua posse. o) O arguido AA foi procedendo à entrega à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária da correspondência privada à medida que a ia recebendo de fonte anónima. p) JJ foi constituído arguido no processo com o n.º 5340/17.7... q) Os ficheiros de e-mail de caixas de correio electrónico pertencentes ao domínio ...” foram divulgados e disponibilizados no blog “...”, de forma faseada, entre meados de ... e início de .... IV- Do recurso intercalar: - Da legitimidade de DD para intervir nos autos na qualidade de assistente. (recurso dos arguidos) A nossa Constituição, no artigo 20.º, n.º 1 dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” e o n.º 7 do artigo 32.º estabelece que “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”. O legislador constitucional atribuiu ao legislador ordinário o encargo de proceder à definição do respectivo estatuto e das atribuições que lhe cabem, em particular dos correlativos direitos e ónus, estando vedadas, claro está, restrições desse direito que se mostrem desadequadas, desnecessárias e arbitrárias — cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, Coimbra Editora. Assim, concretizando o comando constitucional, o legislador ordinário instituiu a figura do assistente - uma “originalidade” do direito processual penal português, sem paralelo nos sistemas processuais mais próximos-, conferindo-lhe o estatuto de sujeito processual, com “a posição de ... do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei (artigo 69º n.º 1 do CPP)» O assistente tem assim “poderes de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final” (cfr. Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Processo Penal, 1988, página 11), em ordem a obter uma decisão favorável às suas expectativas, conferindo-lhe o direito de impugnar as decisões que frustrem tais expectativas. Como sujeito processual, tem intervenção ativa - embora subordinada ao Ministério Público, de quem é colaborador - ao longo da tramitação do processo e até à decisão final, estando os seus poderes elencados no art.º 69º do CPP, podendo nessa medida desencadear os variados mecanismos e incidentes no processo, previstos na lei processual. Ora, quanto à legitimidade material para intervir nos autos na qualidade de assistente, e no que ao caso dos autos importa, estabelece o art.º 68º n.º 1 al. a) do CP o seguinte: 1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: a. Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos; b. As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento; (…) A legitimidade activa para integrar o estatuto de assistentes é, antes de mais, outorgada aos “ofendidos”, sendo que a segunda categoria a quem se reconhece tal legitimidade são as “pessoas de cuja queixa ou acusação particular” depende a atuação do MP no procedimento penal. Diz-nos o art.º 113º do CP, para o qual a transcrita alínea b) remete, que é titular do direito de queixa o ofendido “considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação” (n.º 1) e seus sucessores, no caso de morte (n.º 2). Verifica-se assim uma inteira coincidência entre o titular de princípio do direito de queixa e a pessoa que, também em princípio, pode constituir-se assistente em processo penal. O que, diz Figueiredo Dias, “se compreende, dado que a teleologia própria do instituto da assistência, ligada à especial necessidade de delimitar rigorosa e estritamente o círculo de pessoas a que se atribui o estatuto processual de assistente, aponta para que como tal seja considerado o portador do bem jurídico ofendido” (in Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, 1ª ed., pg 670). Note-se, contudo, que os dois círculos de legitimidade não coincidem inteiramente já que o instituto da assistência admite a intervenção de outras pessoas que não o portador do bem jurídico, mesmo para além das hipóteses de morte, o que não sucede na queixa. Aliás, a utilidade desta alínea é precisamente a de contemplar essas excepções, em que o direito de queixa cabe a alguém que não seja ofendido, nem seu substituto ou representante (neste mesmo sentido Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do CPP, Almedina Tomo I). O “ofendido”, enquanto aquele que tem legitimidade para a constituição de assistente, quer nos crimes públicos, quer nos semi-públicos, quer nos particulares - e cuja definição nos foi dada pelo legislador nos supra referidos normativos – não é, pois, para estes efeitos, qualquer pessoa prejudicada pela prática do crime, mas somente o titular do interesse jurídico-penal que constitui objecto jurídico imediato do crime. Ou seja, são ofendidos aquelas pessoas singulares ou coletivas que, segundo o critério que se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, se apresentam como titulares do bem jurídico por aquele violado ou posto em perigo, o que não se confunde, claro está, com o lesado, com aquele que fica prejudicado com o crime, no sentido de ter sofrido danos por este produzidos e jurídico-civilmente avaliáveis. Assim, só depois da análise concreta, caso a caso, da tipicidade da incriminação, se pode chegar à identificação do ou dos bens jurídicos protegidos e consequentemente dos seus titulares, sendo que só bens jurídicos de valor constitucional podem ser legitimamente protegidos pelo direito penal. Neste sentido se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência, designadamente, como vimos, do STJ - cfr. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal; Figueiredo Dias, in Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 75 e 670; Maia Gonçalves, CPP Anotado; Simas Santos e Leal-Henriques, CPP Anotado e. Ac. STJ de uniformização de jurisprudência n.º 1/2003 e nº 10/..., n.º 7/2011, todos in www.dgsi.pt. Escreve-se no AC STJ n.º 7/2011: “Sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as expectativas comunitárias), estaremos perante um bem jurídico protegido” . E transcrevemos do Ac. STJ n.º 1/2003 o seguinte trecho: “Deve atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial (32), e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime” (---) E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente”. O legislador penal, ao utilizar no art.º 113º do CP e no art.º 69 do CPP o vocábulo «especialmente», fê-lo no sentido de «particularmente», e não com o sentido de «exclusivamente»: exige-se um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado. Podem, assim, coexistir mais do que um ofendido com a prática de um crime e, nessa medida, cada um como titular de um interesse especialmente protegido. Também o STJ tem julgado que um só tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico (por todos, o já referido Ac. STJ n.º 1/2003, in www.dgsi.pt). A questão da legitimidade deve pois situar-se na análise do bem jurídico protegido, entendido já não como “mero valor ideal ínsito na ratio da norma, para passar a ser considerado como o substracto do valor, como valor corporizado num suporte fáctico-real”, pelo que a lei penal não exige a titularidade do direito, bastando a representação de um interesse para o reconhecimento da qualidade de ofendido (neste sentido, o citado AC. STJ n.º 7/2011, in www.dgsi.pt) Ora, o despacho recorrido, acima transcrito, de forma lacónica admitiu o recorrido a intervir nos autos na qualidade de assistente, tendo em consideração os crimes de que os arguidos foram acusados, ou seja, os crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. p. pelos artigos 194º do Código Penal, de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. p. pelos artigos 194º e 197 al. b) do Código Penal e de acesso indevido, p. e p. pelo artigo 44º, nos 1 e 2, alínea b) da Lei nº 67/98, de 26/10, na versão da Lei nº 103/2015, de 24.08. Quanto ao crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, há que ter em consideração que este tem natureza semi-pública, conforme resulta da conjugação do disposto nos art.ºs 194º e 197º com o disposto no art.º 198º do CP E o certo é que o recorrido DD, sendo ou não ofendido pelo crime em causa, não apresentou atempada queixa crime nos autos. Colocando a hipótese (neste momento académica) de que o recorrido é de facto ofendido, levanta-se a seguinte questão: não tendo apresentado queixa crime no prazo de que dispunha para o efeito, poderá, ainda assim, adquirir a qualidade de assistente por este crime, como defendeu o juiz a quo no despacho recorrido? Vejamos. Escreve Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”) que a queixa tem uma tripla função: o significado criminal relativamente pequeno do crime pode tornar aconselhável, de um ponto de vista político-criminal, que o procedimento penal respectivo só tenha lugar se e quando tal corresponder ao interesse e vontade do titular do direito de queixa; evitar a inconveniente (ou mesmo inadmissível) intromissão na esfera das relações pessoais estabelecidas entre ele e os outros participantes processuais; a proteção da vítima do crime. É em ordem à realização de tais interesses, que é atribuído ao ofendido (particular) o “direito de opção” pela tutela jurídica, o poder de exercício do direito de queixa A punição de um crime de natureza semipública não depende, portanto, apenas do preenchimento de exigências substantivas, reclamando, ainda, a verificação de condições do procedimento, verdadeiros pressupostos da admissibilidade do exercício da acção penal. In caso, não tendo o aqui recorrido exercido a opção pela tutela jurídico -penal, o processo penal apenas correu contra os arguidos porque outros ofendidos pela mesma conduta criminosa imputada aos arguidos apresentaram atempadas queixas crime. No caso dos crimes semipúblicos há uma “unidade funcional entre a queixa e a figura do assistente” (Damião da Cunha, A participação dos particulares no exercício da acção penal, Alguns aspectos”, in RPCC, ano 8, fasc. 4.º, Outubro-Dezembro 1998, pp. 601 e 612). Seria, pois, falho de toda e qualquer lógica e congruência permitir que o ofendido que não exerceu a ação penal (optando por não recorrer à tutela jurídico penal dos seus direitos violados) adquirisse o estatuto de sujeito processual e consequente poder de conformação da tramitação processual num procedimento que, não só não corre para tutela dos seus direitos e no qual ele não tem interesses a acautelar, como se trata de um procedimento relativamente ao qual ele não teria inteiro controlo. Vejamos, por exemplo, que a qualquer momento o queixoso poderia desistir da queixa crime que apresentou. A ser assistente, seria um “assistente coxo”. Entende-se, pois, que o disposto no art.º 68 n.º 1 do CPP tem de ser interpretado de uma forma sistemática, sem comprometer a boa ordem, a celeridade e a harmonia processual, conferindo legitimidade para se constituir assistente nos crimes semi-públicos apenas ao ofendido que tenha manifestado vontade de obter tutela jurídico penal para os seus direitos ou interesses violados através do exercício do direito de queixa. Diremos ainda que esta interpretação não constitui qualquer restrição inadmissível do direito de o ofendido se constituir assistente, nos termos da lei, como lhe é reconhecido pelo n.º 7 do artigo 32.º da Constituição. De facto, tais direitos são conferidos ao ofendido, mas têm de ser exercidos nas condições previstos na lei. Resumindo: Mesmo que se entenda que o recorrido é ofendido com referência ao crime de violação de correspondência e de telecomunicações, o certo é que por ele não foi exercido o direito de queixa no prazo de que dispunha. Tratando-se de crime semi-público, a aquisição do estatuto de assistente está dependente da prévia dedução de queixa crime, o que no caso não sucedeu. O recurso dos arguidos terá de proceder neste segmento Mas há ainda a considerar o crime de acesso indevido, à data dos factos p. e p. pelo art.º 44.º, n.º 1 e 2, b) da Lei n.º 67/98, de 26/10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.8, sendo que relativamente a este crime a questão acima discutida não se suscita, porquanto o crime agravado revestia natureza pública (a qual, de resto, mantém no actual regime: art.º 47 º, n.º 1, da citada Lei n.º 58/2019). Vejamos então se o recorrido se pode considerar ofendido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 68º n.º 1 al. a) do CPP, considerando este crime, o que obriga, como vimos de ver, à identificação do bem jurídico tutelado pela norma incriminatória. Parece-nos consensual na doutrina que, através da incriminação da conduta proibida procurou o legislador penal, em cumprimento do comando constitucional constante do artigo 35.º, n.º 7 da Constituição da República, conferir proteção adequada ao bem jurídico da privacidade e autodeterminação informacional. (neste sentido, Pedro Verdelho, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, Universidade Católica Editora; Tiago Geraldo, Comentário ao Regulamento Geral de Proteção de Dados e à Lei n.º 58/2019, Almedina; Benjamim Rodrigues, "Direito Penal - Parte Especial I - Direito Penal Informático-Digital", Coimbra 2009, página 450). A Constituição da República ..., de facto, erigiu no art.º 35º, de forma inovadora, o direito à autodeterminação informativa como direito fundamental. A proteção deste direito «abrange todos os poderes e faculdades que permitem garantir que a pessoa não é usada como fonte de informação para terceiros contra a sua vontade, podendo além disso controlar a informação que é fornecida e os termos e abrangência em que ela é tratada.» - Constituição da República ... Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 786. Trata-se, assim, de «evitar que o indivíduo se transforme em simples objeto de informação, garantindo-lhe o domínio dos seus próprios dados ao permitir-lhe determinar o que podem (e até onde podem) os outros conhecer a seu respeito» - Catarina Sarmento e Castro, “Privacidade e Proteção dos Dados Pessoais em Rede”, na revista Direito da Sociedade da Informação, VII, 2008, pág. 95. In caso, foi deduzida acusação contra os arguidos pela prática do referido crime de acesso indevido, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.08, em vigor à data dos factos, crime este que, nos termos da acusação tem também por ofendido o recorrido DD, já que se reporta a acusação (além do mais) à correspondência eletrónica deste ofendido e a dados pessoas deste ofendido constantes da referida correspondência (cfr. em particular os artigos 145 a 153, 158, 159, 164 a 166). Assim, o recorrido é titular do bem jurídico tutelado pelo tipo-de-ilícito convocado, ou seja, ofendido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 68 al. a) do CPP e, por isso, é admissível a sua intervenção nos autos na qualidade de assistente. Em suma: o despacho recorrido deve ser revogado no segmento em que admitiu o recorrido DD a intervir nos autos como assistente relativamente aos crimes de violação de correspondência e de telecomunicações, p. e p. pelo art.º 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e pelo art.º 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 e art.º 197.º, al. b), ambos do Código Penal confirmando-se o despacho na parte e que admitiu o recorrido a intervir nos autos na qualidade de assistente por referência ao crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.08. O recurso dos arguidos é, por conseguinte, merecedor de parcial provimento. V. Dos recursos do Acórdão condenatório: 5.1. Da legitimidade das assistentes para recorrerem relativamente à absolvição dos arguidos pela prática do crime de acesso indevido p. e p. pelo art.º 44º n.º 1 e 2 al. b) da Lei 67/98, de 26/10: (resposta dos arguidos ao recurso dos assistentes) Como foi já supra referido neste Acórdão, os assistentes são sujeitos processuais, são configurados como «... do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei», nos termos do nº 1 do artigo 69º do Código de Processo Penal e detêm poderes autónomos, permitindo-lhes «co-determinar, dentro de certos limites e circunstâncias, a decisão final do processo». Um dos poderes do assistente é o previsto na alínea c) do nº 2 daquele preceito e no art.º 401 do CPP: o de interpor recurso das decisões que o afectem, que lhe sejam desfavoráveis, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito. A propósito da legitimidade do assistente para recorrer, valemo-nos da doutrina do Acórdão STJ de uniformização de jurisprudência n.º 1/2011: “sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar-se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973-1974, página 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., página 646). Sendo assim, deve concluir-se que o texto da alínea b) do nº 1 do artigo 401º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. Nesta medida, a legitimidade das assistentes, para interporem recurso da decisão absolutória, depende da questão de saber se adquiriram essa qualidade em relação ao crime de acesso indevido e se têm interesse em agir. As ofendidas ... ('...'), ... ('...') ... ('...') foram admitidas a intervir nos autos na qualidade de assistente no âmbito do processo 6627/17.4... que foi incorporado no presente processo, por despacho datado de .../.../2017, a fls. 353. A ofendida ... ('...') requereu ainda a constituição como assistente, logo no momento da apresentação de queixa crime pela prática dos crimes de “acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6º da Lei do Cibercrime, violação de correspondência, p. e p. pelo art.º 194º do CP e do crime de acesso indevido, p. e p. p. no art.º 44º n.º 1 e n.º 2 al. b) da Lei de Proteção de Dados Pessoais, sem prejuízo de outra qualificação jurídica que V. Ex.a entenda dever operar”. – cfr. fls. 2 a 9-, tendo sido admitida a intervir nos autos nessa qualidade por despacho de fls. 62, datado de .../.../2017. Apresentou ainda queixas crimes pela prática dos crimes p. e p. pelo art.º 194 n.º 2 e 3 e 197 do CP, tendo dado origem ao processo de inquérito 7161/17.8... T9LSB, que foi incorporado no presente. A ofendida ... - CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE ESTÁDIOS, S.A. ('...'), juntou aos autos um requerimento pedindo a constituição como asssistente nos autos, logo após a dedução da acusação pública, tendo sido admitida a intervie nessa qualidade (cfr. fls. 2973 e ss. e 3371) Todas as assistentes aderiram integralmente à acusação do Ministério Público proferida nos presentes autos, inclusivamente pelo crime de acesso indevido (cfr. fls. 2973 e ss.) Os despachos que admitiram as assistentes a intervir nos autos nessa qualidade transitaram em julgado e o objeto do processo manteve-se inalterado. As assistentes têm por conseguinte legitimidade para recorrer do Acórdão condenatório relativaente ao crime de acesso indevido Da afirmação de legitimidade não se conclui pela da existência de interesse em agir no recurso. Este implica a necessidade do recorrente lançar mão do recurso para procurar modificar uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance. Se a decisão não inflige uma desvantagem não tem o assistente interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, a possibilidade de recurso. Ora, no caso em análise, as assistentes acompanharam a acusação deduzida e os arguidos foram absolvidos da prática do crime de acesso indevido. O Acórdão recorrido, na parte absolutória, afectou os direitos e expectativas jurídicas dos assistentes, que foi proferida contra os assistentes e estes têm interesse em pugnar pela modificação dessa decisão. Tudo para concluir que as assistentes têm efetivamente legitimidade para recorrer também relativamente ao crime de acesso indevido. 5.2 Da legitimidade do MP para exercer a ação penal pelo crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP: (recursos dos arguidos) Sustentam os arguidos AA e CC que o crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art.º 194 do CP é um crime semi -público, conforme resulta do disposto no art.º 198º do CP, que os ofendidos deste crime são as pessoas individuais a quem os emails (que foram divulgados pelos arguidos) eram dirigidos e que nenhuma dessas pessoas apresentou queixa crime, pelo que o MP não tem legitimidade para exercer a ação penal quanto a este crime. Tal questão tinha sido colocada em sede de contestação da acusação e foi decidida no Acórdão recorrido, sendo desta decisão que os arguidos recorrem. É o seguinte o teor do Acórdão recorrido, relativamente a esta questão: “51. A ... apresentou queixa em ........2017 (fls. 2/11), o ... em ........2017 (fls. 1/140 do NUIPC 6627/17.4...) e a ... em ........2017 (fls. 373). De acordo com o invocado pelos arguidos AA e CC na contestação que apresentaram, aqueles queixosos não foram remetentes ou destinatários das comunicações em causa nos autos, pelo que, alegam, o Ministério Público carece de legitimidade para o procedimento criminal. Para sustentarem o que alegam os arguidos socorreram-se do exemplo apresentado por COSTA ANDRADE, nos termos do qual portador do bem jurídico é o médico do hospital (ou o seu representante) a quem é dirigida a carta de um doente, e não a administração do hospital. No entanto, trata-se de exemplo inaplicável ao caso dos autos, pois não estão em causa e-mails trocados por ... do “... que revistam natureza estritamente privada (ao contrário do que sucede no caso do médico perante a administração hospitalar, cabendo àquele desde logo, proteger a esfera de privacidade do seu doente, inclusive perante a pessoa colectiva para quem trabalha). Na verdade, e seguindo-se a lição de Costa Andrade, a carta, encomenda ou escrito fechado valem como objecto típico da acção quer sejam emitidas ou endereçadas por e para pessoas físicas quer os seus remetentes ou destinatários sejam pessoas colectivas, que, acrescenta, nesta parte podem figurar como portadores concretos do bem jurídico. No caso concreto, surgem como ofendidos pela actuação dos arguidos AA e CC na divulgação de correspondência electrónica nos moldes que se consideraram estar provados os assistentes que integram o “.... Na verdade, as caixas de correio electrónico do domínio ...” onde foram recebidos e-mails dirigidos a ... do ... eram propriedade deste, para serem usadas, como foram, por tais ... em seu nome e no seu interesse. As comunicações em causa neste processo referem-se, precisamente, a assuntos do ..., de onde decorre que o bem jurídico protegido pela incriminação da divulgação de telecomunicações está na esfera jurídica daquele (está em causa o segredo da correspondência do ... E ..., porque trocada com pessoas em seu nome, com a sua autorização, sobre assuntos seus e usando um meio também seu). Em suma, porque no caso o ... E ... é o portador do bem jurídico titulado pela incriminação da divulgação de telecomunicações, as referidas queixas foram validamente apresentadas, pelo que, consequentemente, julga-se improcedente a excepção de ilegitimidade do Ministério Público invocada pelos arguidos AA e CC. Vejamos. Não nos oferece dúvidas o carácter semi-público do crime de divulgação de telecomunicações (art-º 198º do CP) E estabelece o artigo 49º do CPP, que “quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”, sendo que, para este efeito, “considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele” – nº 2.” “Ofendido”, como foi já dito supra neste Acórdão, no ponto IV, é o titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei, concretizado e inserido de modo funcionalmente relevante, na relação teleológico-funcional entre o bem jurídico e o sujeito afectado. Estando sedimentada na doutrina e na jurisprudência a noção de ofendido, as dificuldades surgem, pois, na passagem da conceptualização para as situações concretas relativamente a cada tipo de crime. Assim, tudo reside em saber se quem exerceu queixa neste processo pela prática deste crime (..., ... e a ...) era efetivamente titular do bem jurídico tutelado pelo tipo-de-ilícito convocado. Foi também esse o caminho traçado no Acórdão recorrido. -» Na identificação do bem jurídico protegido pelo art.º 194 do CP, também esta Relação se louva dos ensinamentos de Costa Andrade (in o Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição), para afirmar que que se tutela a privacidade (formal), como bem jurídico individual (art.º 26º da CRP), na vertente de “direito à autodeterminação comunicativa”, protegendo-se ainda, de forma reflexa e derivada, interesses de índole supra-individual, como é a inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações - art.º 34º da CRP. (No mesmo sentido, depõem Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, pg. 842; na jurisprudência, Ac. STJ de 1/2/2007, processo 2555/00-3). Dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª Edição revista, Coimbra Editora, pág. 180, que: “O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisa-se principalmente em dois direitos menores: a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem. Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantia deste: é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art.º 34º)” E em anotação ao art.º 34º da CRP, escrevem: “A inviolabilidade do domicílio e da correspondência está relacionado com o direito à intimidade pessoal (esfera privada especial) previsto no art.º 26º, considerando-se (..) a correspondência como extensão da própria pessoa” Também o Tribunal Constitucional tem defendido que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade abrange a faculdade de comunicar com segurança e confiança e o domínio e autocontrole sobre a comunicação, o “direito à autodeterminação comunicativa, enquanto parte da sua liberdade de ação e de realização pessoal (cfr. Ac. TC n.º 403/2015, n.º 464/2019 e n.º 268/2022, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/html). Lemos no referido Ac. TC n.º 403/2015: «Na vertente de defesa da reserva da intimidade da vida privada, o direito à autodeterminação comunicativa protege a esfera pessoal perante as ingerências públicas ou privadas, ou seja, o interesse das pessoas que comunicam em impedir ou em controlar a tomada de conhecimento, a divulgação e circulação do conteúdo e circunstâncias da comunicação. Neste sentido, os interlocutores intervenientes têm direito a um ato negativo: à não intervenção de terceiros na comunicação e nas circunstâncias que a acompanham. Trata-se de uma garantia de que devem beneficiar, prima facie, todas as comunicações privadas, independentemente de as mesmas dizerem ou não respeito à intimidade dos intervenientes (cfr. Lucrecio Rebollo Delgado, El Secreto de las Comunicaciones: Problemas Actuales, Revista de Derecho Político, n.º 48-49, 2000, pág. 363). O art.º 194º do CP constitui assim, a materialização da proibição constitucional, punindo a “ultrapassagem de uma barreira física e o tabu que ela representa”, independentemente do conteúdo da missiva (privacidade formal). Este entendimento, seguido nos Acórdãos TC n.ºs 486/2009, 403/2015, 420/2017 e 464/2019, foi recentemente clarificado no Acórdão n.º 687/2021 da seguinte forma: “A tutela especialmente conferida pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição visa, pois, garantir a confiança nas comunicações em sentido objetivo, independentemente do caráter sigiloso ou não sigiloso da mensagem: ao assegurar-se a confidencialidade das comunicações, qualquer que seja o conteúdo das informações transmitidas, protege-se a liberdade da própria pessoa, garantindo-lhe o direito de comunicar com segurança, sem restrições, censuras ou ingerências (cfr. Ana Rita Castanheira Neves, As ingerências nas comunicações eletrónicas em processo penal, Coimbra Editora, 2011, p. 52). No caso das telecomunicações, que é que releva para o caso dos autos, diz Costa Andrade op. e loc. cit.: “Trata-se de assegurar às pessoas que as suas comunicações à distância corram protegidas contra a intromissão arbitrária e indesejada de terceiros. De forma mais precisa, trata-se de “compensar” a especial vulnerabilidade resultante da mediação necessária de um terceiro (a empresa que assegura o serviço de telecomunicações).” Como se afirmou no Acórdão TC n.º 241/2002, in www.dgsi.pt: «independentemente da questão de saber se o sigilo das telecomunicações se inscreve sempre, numa relação de especialidade, com a tutela da vida privada (sendo embora seguro que o direito a tal sigilo garante o direito à reserva da intimidade da vida privada) certo é que aquele tem na Constituição um tratamento específico», que deriva do regime consagrado em matéria de inviolabilidade da correspondência e dos outros meios de comunicação privada. Quer isto dizer que, não obstante o direito à inviolabilidade das comunicações constituir uma refração de outros direitos constitucionalmente tutelados (como o direito à reserva da intimidade da vida privada), a Constituição autonomizou a proteção de uma esfera de privacidade e de sigilo no domínio específico das comunicações interpessoais, associando-lhe uma garantia constitucional autónoma face àquela que já decorreria do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição. Criou, assim, «um regime especial de tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada» (Germano da Silva e Fernando Sá, “Anotação ao artigo 34.º”, Constituição ... Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2010, p. 756), que abrange as comunicações eletrónicas. Na mesma linha de raciocínio, lemos no Ac. TC n.º 403/2015: “No entanto, o direito à autodeterminação comunicativa abrange ainda esferas de proteção mais amplas que a da simples reserva da vida privada. É que o progresso tecnológico, ao facilitar a acumulação, conservação, circulação e interconexão de dados referentes às comunicações, aumentou as possibilidades de devassa. Agora é o próprio domínio de atuação do individuo que é posto em causa, pois já não tem meios para assegurar a confidencialidade da comunicação. A liberdade de, à distância, trocar com os destinatários livremente escolhidos por cada um, informações, notícias, pensamentos e opiniões está comprometida com as inimagináveis possibilidades da sua afronta pelos avanços tecnológicos. Por isso, é necessário assegurar que a comunicação à distância entre privados se processe como se os mesmos se encontrassem presentes, i.e., que as comunicações entre emissor e recetor, bem como o seu circunstancialismo, se tenham como uma comunicação fechada, em que os sujeitos se autodeterminam quanto à realização da mesma e esperam, legitimamente, que a comunidade proteja o circunstancialismo daquela pretendida comunicação. Ora, como a interação entre pessoas que se encontram à distância tem de ser feita através da mediação necessária de um terceiro, de um fornecedor de serviços de comunicação, exige-se que esse operador e o Estado regulador também garantam a integridade e confidencialidade dos sistemas de comunicação. Neste contexto, o direito à autodeterminação comunicativa assume-se como um direito de liberdade, de liberdade para comunicar, sem receio ou constrangimentos de que a comunicação ou as circunstâncias em que a mesma é realizada possam ser investigadas ou divulgadas. Sem essa confiança, o indivíduo sentir-se-á coartado na liberdade de poder comunicar com quem quiser, quando quiser, pelo tempo que quiser e quantas vezes quiser. Trata-se, pois, de permitir um livre desenvolvimento das relações interpessoais e, ao mesmo tempo, de proteger a confiança que os indivíduos depositam nas suas comunicações privadas e no prestador de serviços das mesmas». (cfr ainda os Acórdãos TC n.ºs 486/2009, 403/2015, 420/2017 e 464/2019 e n.º 687/2021) O conceito de «telecomunicações» o termo utilizado no n.º 4 do artigo 34.º, refere-se, pois, a uma realidade mais ampla do que as tradicionais escutas telefónicas, integrando indubitavelmente o correio eletrónico. (Neste mesmo sentido se pronunciaram Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal; Manuel Costa Andrade, op. cit.; Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, 2ª Edição, Coimbra Editora, pg. 772). -» E entende este Tribunal que a tutela jurídico -penal proporcionada pelo art.º 194º persiste enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio — sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider —, pois ela continua sob controlo do fornecedor de serviços eletrónico (a defesa desta posição será feita infra, no ponto A1 do Acórdão). Delimitada a conduta proibida e identificado o bem jurídico, resta-nos identificar o seu portador, o que muitas vezes - e também aqui - não é imediato. -» No caso dos autos, recordemo-nos, estão precisamente em causa emails dirigidos a ... do ... e recebidos e armazenados em caixas de correio electrónico do domínio ...” e por eles, e delas, enviados. Sabemos que a realidade da comunicação eletrónica é dinâmica, distinta da correspondência escrita. (neste sentido, cfr. Rogério Bravo, “Da não equiparação do correio eletrónico ao conceito tradicional de correspondência por carta”, Polícia e Justiça, n.º 7, 2006, p. 209). E sabemos também que, enquanto o destinatário da mensagem não retirar a mensagem da caixa de correio eletrónico virtual e a arquivar em outro lugar do computador, o fornecedor de correio eletrónico mantem controlo sobre a mensagem, tem a possibilidade fáctica de intromissão arbitrária na mensagem. Só naquele momento é que o destinatário passa a ter o controlo total e exclusivo sobre ela, deixando de ter de confiar no sistema de comunicações e podendo protegê-la como entender. É, assim, este o critério decisivo de que a mensagem chegou definitivamente ao destinatário. E, sendo assim, dado que a autodeterminação comunicativa abrange a interação comunicativa em si mesmo considerada, enquanto a mensagem não for arquivada pelo destinatário definitivamente fora da caixa de correio eletrónico virtual, são portadores do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, quer o destinatário, quer o remetente da telecomunicação. -» Surge-nos outra questão: as assistentes, sendo pessoas coletivas, podem ser titulares do direito à privacidade? Resulta do art.º 12º da CRP que as pessoas colectivas podem ser titulares de direitos fundamentais e de direitos de personalidade, desde que estes não sejam incindíveis da personalidade singular (como é o caso da vida, saúde ou integridade física). Embora seja plausível reconhecer os direitos compatíveis com a sua natureza, importa ter presente que, «em situações conflituais, deve ser ponderado que o titular do direito constitui “apenas” uma pessoa coletiva e não uma pessoa humana com a sua essencial dignidade» (Rui Medeiros e António Cortês, “Constituição ... Anotada – Volume I, 2ª edição, Lisboa, Universidade Católica ..., 2017, pp. 444). Entre esses direitos fundamentais/direitos humanos extensíveis à pessoa coletiva, entendemos que se encontra o direito à privacidade, que consta do artigo 26º da CRP, na componente da interação comunicativa em si mesmo considerada Neste sentido depõe a jurisprudência constitucional, que desde há muito que é sufragada a orientação no sentido de reconhecer que o direito à inviolabilidade das comunicações e da correspondência é titulado também pelas pessoas coletivas, abrangendo desse modo as missivas (eletrónicas ou postais) destinadas ou remetidas a endereços de pessoas coletivas: nas palavras do Acórdão n.º 198/1985, «este é um direito fundamental de que também tais pessoas gozam, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da Constituição (no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 539/97 e 198/85) Neste sentido se pronuncia também Maria João Antunes (in Processo Penal e Pessoa Coletiva Arguida, Almedina, 2020), frisando que a inviolabilidade da correspondência consubstancia um direito referente às comunicações, mesmo que dirigidas a pessoas coletivas e ainda que o conteúdo apenas diga respeito a pessoas coletivas. Tal orientação é também a dos Tribunais Europeus, lembra o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021: “o Tribunal de Justiça, que afirmou, ainda em momento anterior à CDFUE, a existência de um «princípio geral de direito comunitário que consagra a proteção contra as intervenções arbitrárias e desproporcionadas do poder público na esfera da atividade privada de uma pessoa singular ou coletiva» (Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, proc. C-94/00), aceitando a titularidade desses direitos por parte de pessoas coletivas; quer com a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que estende a proteção do artigo 8.º da Convenção aos e-mails enviados e recebidos em contexto empresarial (cfr. Acórdão do TEDH de 3 de outubro de 2007, Copland c. Reino Unido, proc. n.º 62617/00, §§ 41 e 42). No Acórdão n.º 136/2005, o TC não excluiu a “possibilidade de inclusão (…) dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no âmbito de informação relativa à «intimidade das pessoas», se se entender que tal cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas colectivas – e, no caso, à vida interna (ao «segredo dos negócios» e dos processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão. A privacidade consiste, entre outras coisas, no direito de manter a sua informação secreta.” No mesmo sentido de reconhecimento destes direitos por parte da pessoa coletiva, escreve Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, p. 594 e ss. que “as pessoas colectivas têm, analogicamente, um direito a uma esfera de sigilo, compreendendo, v.g. o sigilo de correspondência e de particularidades de organização, de funcionamento e de know-how. Por fim, Germano da Silva e Fernando Sá (in Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, 2ª edição, Coimbra Editora) escrevem, em anotação ao artigo 35: “A Constituição atribui a titularidade deste direito fundamental a todas as pessoas singulares, nacionais, estrangeiras ou apátridas, bem com às pessoas colectivas de direito privado”. -» Assente, que fica que, em abstrato, as assistentes, enquanto pessoas coletivas, podem ser portadoras do direito tutelado pela norma protegida, vejamos se, no caso concreto, esse direito de que são portadoras foi violado pela conduta dos arguidos por forma a poder afirmar-se que as mesmas são ofendidas pela prática do crime p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. Ora, estamos perante a divulgação do conteúdo de emails constantes de caixas de correio aloucadas no domínio @sl... (propriedade do ..., utilizados por trabalhadores (em sentido lato) do ..., no interesse e em nome deste. Sabemos que o facto das assistentes serem proprietárias do domínio não significa que sejam portadoras do bem jurídico tutelado. O que importa, aqui, é que os emails, cujo teor consta dos factos provados, se referiam indubitavelmente (não só mas também) a interesses do ..., sendo essa “correspondência” trocada em seu nome e versando sobre interesses seus, ou seja, tratando-se (não só mas também) de correspondência profissional. Parece-nos assim claro que a violação desses emails lesou, efetivamente, o direito à privacidade da própria estrutura organizacional das assistentes. Diremos ainda que, nos termos do disposto no art.º 32º do Regulamento Geral sobra a proteção de Dados- Regulamento EU n.º 679/20216, de 27/4, as pessoas coletivas têm deveres de garante da proteção da privacidade das pessoas singulares seus trabalhadores, clientes e fornecedores. Nesta medida- e completamos o círculo- entendemos que as queixosas são portadoras do bem jurídico tutelado pela norma, são ofendidas, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 113º n.º 1 do CP. É efetivamente redutor interpretar o disposto no artigo 194.º, n.º 3, do CP como conferindo titularidade do direito de queixa a pessoas coletivas apenas quando a correspondência eletrónica seja dirigida a um endereço geral das mesmas. Nas sociedades hodiernas, em estruturas organizativas de grande dimensão, como é o caso, não é razoável pretender que a defesa da privacidade da pessoa coletiva só possa ser feita relativamente a uma conta geral, para onde sejam enviados todos os emails respeitantes à organização. Tal obrigaria a uma triagem e reencaminhamento de emails de uma tal magnitude que levaria a uma total ineficácia da organização. As pessoas coletivas têm na verdade o direito de defender a sua privacidade, e concretamente a privacidade das telecomunicações, quando as mensagens relacionadas com a sua atividade tiverem como destinatário alguém que para elas trabalhe e tenham sido enviadas para o e-mail profissional dessa pessoa. E a tutela desse direito da pessoa coletiva, nos casos em que é necessário o exercício do direito de queixa, não pode ficar na disponibilidade da pessoa física que para ela trabalha e a que é o destinatário da comunicação (e com a qual até poderá ter um litígio ou que pode até já nem ser sua trabalhadora). Defender o contrário constitui, julgamos, uma restrição irrazoável da amplitude da protecção concedida pelo tipo penal convocado ao direito à privacidade, fechando -se num conceptualismo idealista de costas voltadas para sociedade, escamoteando a função tutelar efectiva que a lei penal desempenha As pessoas coletivas, como centros autónomos de imputação de direitos e deveres que são, possuem personalidade jurídica própria, sendo entes jurídicos distintos dos seus representantes, distintos das pessoas singulares que legalmente a representem, o que tem reflexos manifestos no conceito de ofendido e de titular do direito de exercer queixa crime e de se constituir assistente. (não acompanhamos, assim, a doutrina do Ac. da RL de 2/6/2020, proferido no processo 6255/15.9TDLSB-E.L1). Isto não significa nem implica que as pessoas singulares a quem se dirigia a correspondência não sejam também elas ofendidas para efeitos jurídico-penais, até mesmo porque no ilícito criminal em causa não há que considerar a existência de apenas um ofendido. Mas não nos cabe apreciar a questão, na economia do acórdão. Em suma: - o art.º 194 do CP tutela a privacidade (formal), como bem jurídico individual (art.º 26º da CRP), na vertente de “direito à autodeterminação comunicativa; - no caso de emails, a tutela jurídico -penal proporcionada pelo art.º 194º persiste enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio, sendo portadores do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, quer o destinatário, quer o remetente da telecomunicação. -as pessoas coletivas podem ser portadoras do bem jurídico privacidade - assim, a tutela conferida pelo art.º 194 não implica o caráter pessoal ou particular do conteúdo da mensagem, não sendo posta em causa nem pelo facto de os endereços de correio eletrónico serem “profissionais”, nem pela eventualidade de o conteúdo das mensagens não se ... à esfera da vida privada das pessoas envolvidas no circuito comunicativo. - estando em causa a divulgação do conteúdo de emails constantes de caixas de correio aloucadas no domínio @sl..., enviados e recebidos por trabalhadores (em sentido lato) do ... e ..., no interesse e em nome deste, as assistentes, pessoas coletivas, são também elas portadoras do bem jurídico tutelado pelo art.º 194 do CP. Subscrevendo-se, assim, agora complementada, a posição fundamentação expendida na decisão recorrida, conclui-se que o MP tinha legitimidade para exercer a ação penal pelos crimes em causa, não merecendo censura a decisão recorrida. Improcede, por conseguinte, o recurso neste segmento. 5.3. Da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 do CP (referente à elaboração e publicação do livro ...) (recurso dos arguidos) O procedimento criminal – o modo de afirmação instrumental do jus puniendi do Estado – significa, em geral, tudo quanto cabe no próprio iniciar e desencadear da acção penal, enquanto modo de realização, afirmação e concretização do direito penal. O Estado, porém, não guarda para si, ilimitadamente no tempo, a actuação do seu direito de punir. Decorrido que seja certo lapso de tempo sobre o facto criminoso, maior ou menor consoante as situações previamente definidas na lei, não poderá ser desencadeada ou prosseguir a acção penal por esses factos passados porque o procedimento criminal prescreve. A prescrição tem vindo a ser historicamente justificada por razões, quer processuais, que de natureza substancial e material (cfr. Ac. STJ de 6/8/2008, in www.dgsi.pt) que são comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto (v.g. JESCHECK, “Tratado de Derecho Penal”, p. 1238 e segs.; CUELLO CALÓN, Derecho Penal, vol. II, pp. 758 e segs.;.).” Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 699 e 700: «A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva (…). Por um lado, a censura comunitária (…) esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer» pelo «mero decurso do tempo». Por outro lado, as exigências de prevenção especial (…) tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos (…). Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitária, já apaziguadas ou definitivamente frustradas». «Também do ponto de vista processual (…), o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo (…) na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários». A sua inserção no Código Penal, e não no Código de Processo Penal, denuncia a natureza substantiva deste instituto, já que não tem apenas efeitos sobre a própria responsabilidade criminal, traduzindo-se na renúncia do Estado ao direito de punir, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal. O período de tempo decorrido desde a data da prática do facto torna-o não carenciado de punição (neste sentido Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 701 e 702). Também o STJ se tem abundantemente pronunciado sobre a natureza substantiva das normas sobre prescrição do procedimento criminal têm– cf. Assento de 19-11-1975, BMJ 251.º/75. A prescrição do procedimento criminal está disciplinada nos artigos 117º e segs. do Código Penal. De facto, a prescrição do procedimento criminal, embora revertendo ao decurso do tempo, está operativamente dependente da consideração e dos efeitos de momentos e actos processuais determinantes. Assim, estabelece o art.º 119º do CP que: 1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. 2 - O prazo de prescrição só corre: a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto; c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução. 3 - No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos deste artigo, ao facto do autor. 4 - Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar. Diz-nos o art.º 120º do CP que: 1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. 6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.” Por seu turno, estabelece o art.º 121 do CP que: “1- A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia. d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo. Deste modo, no caso da interrupção, quando se verifique uma das causas elencadas no artigo 121.º, n.º 1, do Código Penal, começa a correr novo prazo de prescrição, sendo que, nesses casos, o legislador estipula um prazo máximo que corresponde ao prazo normal, acrescido de metade, ressalvado o período de suspensão (artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal). No caso da suspensão, o prazo suspende-se durante os períodos máximos estabelecidos nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 120.º do Código Penal, reiniciando-se após a sua cessação (artigo 120.º, n.º 6, do Código Penal). Tendo em conta a moldura penal abstrata prevista para o crime em causa, de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, que é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa não inferior a 120 dias o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos [alínea c) do nº 1 do artigo 118.º do Código Penal]. Tal prazo, nos termos do disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal, iniciou-se em ........2017, que é a data da publicação do livro. Dito isto, cumpre então verificar se o prazo de prescrição decorreu já, como afirmam os arguidos. Os assistentes deduziram acusação particular pelo crime em causa, mas esta não foi acompanhada pelo MP. Ora, é jurisprudência unânime que a notificação da acusação particular deduzida pelo assistente e não acompanhada pelo MP é insuscetível de suspender ou de interromper o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto nos art.ºs 120º, nº 1, al. b) e 121º, nº 1, al. b), ambos do CP (cfr. Ac. RE de 05-02-2019, Ac. RG de 12/10/2020 e Ac. TC nº 445/2012, in www.dgsi.pt). A constituição dos denunciados como arguidos ocorreu a ...-...-2018 (arguido AA) e a .../.../2018 (arguido CC) e, esta sim, operou a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art.º 121º n.º 1 al a) do CPP. Vejamos ainda que em 18 de março de 2020, foi declarado o Estado de Emergência, por via do Decreto do ... da República n.º 14-A/2020 que, para além do mais, declarou parcialmente suspenso o exercício do direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional, autorizou as autoridades públicas a determinar a interdição das deslocações e da permanência na via pública que não fossem justificadas, designadamente pelo desempenho de atividades profissionais, pela obtenção de cuidados de saúde, pela assistência a terceiros, pelo abastecimento de bens e serviços e por outras razões ponderosas (cf. artigo 4º, al. a)) e atribuiu ao Governo português a possibilidade de implementar medidas com o intuito de prevenir e conter a propagação do surto de COVID-19. Perante a gravidade da situação, o Estado de Emergência foi renovado através do Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, atribuindo ao Governo novos poderes para introduzir medidas excecionais e voltou a ser renovado através do Decreto n.º 20-A/..., de 17 de abril. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, o Governo declarou a situação de calamidade, tendo aprovado um conjunto alargado de medidas excecionais, a vigorar entre 3 de maio e 17 de maio de 2020. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, de 17 de maio, foi prorrogada a situação de calamidade até ao dia 31 de maio de 2020 e finalmente, considerando ainda necessário que a situação de calamidade se mantivesse, o Governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, prorrogando a situação de calamidade até às 23h59 do dia 14 de junho de 2020. A Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, introduziu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e no seu artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, determinou que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, desde 9 de março de 2020, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional. A Lei 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, pondo termo à suspensão dos aludidos prazos de prescrição e caducidade (cf. artigo 8.º da Lei 16/2020). A lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no seu art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio depois determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão. Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro a 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril). Desta forma, por força dos dispositivos legais supra citados, foi estabelecido um regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, que vigorou sem alterações desde o dia 9 de março de 2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 3 de junho de 2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020) – num total de 87 dias – bem como, foi estabelecido um outro regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – num total de 74 dias. Estabelece o referido art.º 6º -B n.º 3 que: “3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1. 4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.” E o Artigo 4.º do mesmo diploma, com a epígrafe “Produção de efeitos”, estipula que: “O disposto nos artigos 6.º -B a 6.º -D da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.” Aqui chegados, a questão que importa de imediato analisar é a de saber se as normas que estabeleceram as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal introduzidas pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021), podem aplicar-se aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, em face do disposto no nº 4 do art.º. 29º da Constituição da República ... que proíbe a aplicação retroactiva de leis penais mais gravosas para o arguido. É conhecida a cisão jurisprudencial a este respeito, sendo contudo maioritária a corrente que defende a sua não aplicação (cfr., por todos, e a título de exemplo, os Acórdãos desta Relação de Lisboa, em sentidos divergentes, um datado de 11-02- 2021 e outro de 27-10-2022, ambos in www.dgsi). Ora, lida a argumentação aduzida por ambas as teses em confronto, propendemos a entender que sim. Vejamos. Estão em causa medidas determinadas no âmbito de um estado de exceção constitucional que levou à declaração do Estado de Emergência, o qual, como se lê no AC TC Nº 660/2021 (https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210660.html) se “insere na denominada tipologia de estados de necessidade ou estados de exceção consagrados na CRP” e “constitui um estado de anormalidade constitucionalmente previsto, que pressupõe a possibilidade de restrições mais intensas dos direitos fundamentais do que aquelas que constitucionalmente são admitidas em circunstâncias de normalidade, autorizando a suspensão coletiva de direitos (cfr. Canotilho, J.J. Gomes, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6.ª ed., Almedina, 2002, Coimbra, págs. 1085 e 109)”. As medidas em causa, designadamente de suspensão dos prazos de prescrição, justificam-se pela situação de crise sanitária que se viveu com a epidemia Covid-19 e visaram proteger a comunidade judiciária num período em que se mostrou essencial o confinamento e evitar a deslocação ao Tribunal e a prática de atos em que não estivesse em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, sendo, consequentemente, adequada e proporcional. E são essas mesmas razões que justificam que a suspensão dos prazos de prescrição se apliquem a todos os processos, mesmo os já pendentes, já que se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Esta interpretação, segundo se entende, não contende com o princípio constitucional da proibição da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo desfavorável, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, pelas razões que infra se explanarão. Assim, como salienta o Tribunal Constitucional em recentes arestos, a natureza do instituto da prescrição (substantiva, ou pelo menos, mista) não obriga à sujeição de todos os seus elementos às exigências constitucionais decorrentes do princípio da legalidade. Tal depende antes de, relativamente à lei nova, “se verificarem ou não, relativamente a ela, as razões subjacentes à proibição da aplicação da lei penal a factos cometidos antes do início da sua vigência Tem de facto o nosso Tribunal Constitucional vindo a decidir que não se mostra inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretada no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência. (cfr. neste sentido os Acórdão n.º 500/2021, n.º 600/2021, n.º 798/2021, n.º 126/2009 e n.º 449/2002). Recentemente foi publicado a DECISÃO SUMÁRIA N.º 256/2023 no seguinte sentido: “Não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 7.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, vigorando até ao termo da situação excecional de infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e doença COVID-19” Louvamo-nos dos ensinamentos do Ac. TC n.º 600/2021, onde se lê que: “A proibição da aplicação retroativa da lei penal in malam partem está umbilicalmente ligada ao princípio da confiança, que radica “numa ideia de previsibilidade” das normas, no sentido de que qualquer cidadão, para além de não ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data da prática do facto (cfr. Acórdão n.º 261/2020). (…) Na verdade, a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, deve ser lida como uma decorrência necessária da paralisação da atividade dos tribunais portugueses e da sustação do rito processual, quase generalizado, durante o período de 9 de março a 3 de junho de 2020, dos processos de grande parte das jurisdições. Naturalmente, a sua consagração não radicou em nenhum objetivo de política criminal, i.e., não houve uma alteração de ponderação de valores pelo legislador, no âmbito processual penal, que tenha presidido à implementação de uma nova causa de suspensão da prescrição. O legislador não pretendeu com esta norma “prolongar” a sua atividade de prossecutor da ação penal, nem reparar uma situação de “inércia pretérita” do Estado (Acórdão n.º 500/2021), repondo um período de tempo em seu benefício. (…) Tal premissa conduz-nos à conclusão de que as finalidades subjacentes ao próprio regime da prescrição, que ditam a sujeição desta causa de suspensão ao princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, não se verificam, porquanto não presidiu à sua consagração uma finalidade de política criminal que reclame o freio do princípio da legalidade, como defesa do cidadão perante o ius puniendi do Estado: pelas razões descritas, nem está em causa reverter sobre o arguido as consequências da inércia pretérita do Estado, nem uma violação do princípio da confiança, já que o evento era imprevisível, para além do arguido, para qualquer outro sujeito processual e para o próprio Estado titular da ação penal, não sendo a situação de pandemia, pela sua imprevisibilidade, apta a constituir um quadro de referência sobre o qual se possa falar de “confiança” (essencialmente no mesmo sentido, v. o já citado Acórdão n.º 500/2021). Acresce que nos parece evidente que a intenção do legislador era a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação. Como tem sido evidenciado pela jurisprudência constitucional acima elencada, para além de não existir um direito subjetivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela Assembleia da República, o que se verifica neste caso (cfr. Acórdão n.º 449/2002). Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021). Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista ... de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313). A solução preconizada legitima, por isso, a aplicação da suspensão da prescrição em razão do quadro de exceção sanitária e assegura o efeito útil das medidas implementadas para fazer face à emergência sanitária experienciada, que é a respetiva aplicabilidade aos procedimentos interrompidos pelo “lockdown” da justiça, em particular da justiça criminal (cfr. GATTA, GIAN LUIGI, Ob. Cit., pág. 313)”. (…) As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» – ou de certa norma – «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59). Salienta ainda este aresto do TC que esta interpretação encontra eco na jurisprudência do TJUE e do TEDH. Ou seja, estamos efetivamente perante uma causa de suspensão do prazo de prescrição inserida no Ordenamento Jurídico por lei posterior à data dos factos mas, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, não se pode afirmar que a sua aplicação aos procedimentos pendentes coloque em causa expectativas legítimas do agente do ilícito contemporâneas da prática do facto, que frustre a exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus. Trata-se, pois, de uma situação de retroactividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroactividade inautêntica" ou "retrospectividade”. O princípio da confiança não reclama que se materialize a possibilidade de serem conhecidas todas as causas de suspensão do prazo de prescrição no momento da consumação do crime. Se assim não fosse, estaria retirado ao Estado a possibilidade de reagir em emergência perante situação física portadora de particular gravidade e, obviamente, imprevisível no momento dessa consumação. Assim, a aplicação da nova causa de suspensão não viola o art.º 29º da CRP, pois não ultrapassou a necessidade gerada pela situação de crise sanitária que se viveu nem houve excesso nem desproporção na definição do tempo da suspensão do prazo prescricional Lê-se no Ac. RL de 05-04-2022, in www.dgsi.pt, a cuja argumentação aderimos: I – A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência. III - Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.” Concluindo: suspendem-se os prazos de prescrição durante o tempo supra referido, desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cf. artigos 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), tudo no total de 160 dias, ou seja, 5 meses e 10 dias. Depois, vemos ainda que foi proferido despacho de pronúncia dos arguidos pela prática dos crimes que constavam da acusações particulares, o qual foi notificado aos arguidos por carta registada enviada a 21-06-2022, o que é causa de interrupção da prescrição, e ainda causa de suspensão da prescrição, nos termos do disposto no art.º 120 n.º 1 al. b) do CP e 121º n.º 1 al. b) do CPP. Desta forma, considerando a data do início do prazo de prescrição, ........2017, que é a data da publicação do livro e as datas das causas de interrupção (com a constituição dos denunciados como arguidos e com a notificação da decisão instrutória de pronúncia) e de suspensão da prescrição ( “leis covid” e notificação da decisão instrutória de pronúncia), concluímos que o prazo de prescrição do procedimento criminal ainda não decorreu. Não merece por conseguinte acolhimento a defesa dos arguidos. 5.4. Do erro de julgamento - o ponto 215 dos factos provados deverá ser acrescentado da seguinte factualidade que consta da acusação particular: os arguidos CC e AA sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros os factos inverídicos reproduzidos no livro e que imputam às assistentes. (recurso dos assistentes) Nos termos do disposto no art.º 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito.” A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», que são vícios que traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida. Nesta segunda modalidade, a apreciação não se cinge ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412º do CPP. É consabido que, havendo impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, sendo antes um remédio jurídico para evitar erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto indicados pelo recorrente. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. É precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico, que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que se impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecida no artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal. Assim, lê-se neste normativo que: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a “especificação das provas que devem ser renovadas” implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Note-se que a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão. Ora, no caso em análise, pretendem os assistentes que seja dado por provado por esta Relação o seguinte facto: Os arguidos AA e CC sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam serem inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. E, na realidade, tal matéria de facto foi invocada na acusação particular por eles deduzida, nos seus artigos 237, 239, 246 e 247, 249, 259 e 260. Contudo, desta matéria de facto, o Tribunal Coletivo deu como provado apenas o seguinte, no facto 215: “Os arguidos AA e CC tinham conhecimento destes factos e, ainda assim, quiseram escrever e publicar o referido livro! Fez consignar ainda que “A restante matéria alegada acusação pública, na acusação particular e na contestação dos arguidos AA e CC tem carácter conclusivo, valorativo ou redundante, ou então assume uma valoração negativa ou meramente impugnatória do conteúdo das acusações e, nessa medida, não consta do elenco da matéria de facto provada e não provada.” Os recorrentes discordam e entendem que a factualidade em causa deveria ter sido dada como provada, considerando a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente os segmentos dos depoimentos prestados em Julgamento pelos arguidos CC e AA: o primeiro na sessão da audiência de julgamento de ........2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 14h:25m e termo às 16h:00m (ata com referência ...) e o segundo na sessão da audiência de julgamento de ........2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 11h:22m e termo às 12h:59m. Ora, o Tribunal da Relação procedeu à audição da gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrente e constatou que os segmentos transcritos pelos recorrentes na motivação do recurso correspondem ao que efetivamente foi dito pelas mesmas. Será que, face destas declarações e do teor do livro em causa, num raciocínio lógico, fundado nas regras da experiência e do normal acontecer, se impõe dar como provada tal factualidade? Entendemos que sim. No depoimento que prestou o arguido CC declara efetivamente que os factos que relatam no livro são “interpretações” que os dois arguidos fizeram dos emails que leram (sendo que, conforme resulta da matéria de facto provada, desconhecem a identidade do remetente de tais emails) e o arguido AA declarou que foi com base em cinquenta e tal emails, de entre um universo de milhares de emails- que foram selecionados por pesquisas de palavra chave -, que os arguidos retiraram as conclusões que verteram no livro. Os arguidos não contactaram os visados pelas afirmações para ouvirem as suas versões dos factos, não aguardaram pelos resultados de investigações judiciais. Lendo as passagens do livro que constam dos factos provados e os fundamentos em que os arguidos alicerçaram as conclusões que teceram e que verteram em tais passagens (os mails que foram enviados ao arguido AA e que os arguidos seleccionaram- de entre cerca de 30 gigabytes de informação - através de pesquisas com palavras- passe), conclui de facto o Tribunal que tais generalizações e conclusões não se alicerçaram em factos irrefutáveis de que os arguidos tiveram conhecimento. Ou seja, convence-se este Tribunal, e num raciocínio lógico, fundado nas regras da experiência e do normal acontecer, de que os arguidos, quando escreveram o livro, sabiam que estavam a propalar opiniões suas como se de factos se tratasse, que estavam a imputar ao ... factos inverídicos (que integram práticas anti-desportivas e podem constituir crimes de tráfico de influências e corrupção) e que não tinham fundamento sério para acreditar que eram verdadeiros. Tudo para concluir que o recurso dos assistentes deve proceder nesta parte, alterando-se a matéria de facto provada por forma a que o facto 215 passe a ter a redação acima referida. 5.5. Enquadramento jurídico da matéria de facto provada: Do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 do CP: A.1.- A ação típica no crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP: atipicidade da conduta por falta de objeto da ação, por os emails exfiltrados não serem telecomunicações? (recursos dos arguidos) Sustentam os arguidos que os factos provados não são subsumíveis ao tipo de ilícito objetivo do art.º 194º n.º 3 do CP, uma vez que os emails que foram divulgados já se encontravam armazenados - e não em trânsito entre contas de correio electrónico – e não constituem, por isso, telecomunicação. Argumentam que, de acordo com a larga maioria da doutrina, a partir do momento em que o email entra na disponibilidade da pessoa a quem é destinado, passa a ser um documento (digital), devendo ser considerado e tratado como tal e não como um acto comunicacional. O Acórdão recorrido abordou, evidentemente, a questão que os arguidos agora levantam – até porque a mesma tinha sido já suscitada em sede de contestação - tomando posição em sentido distinto do defendido pelos arguidos e fundamentando a sua posição de forma exaustiva. Sinteticamente, entendeu o Tribunal a quo que a conduta típica “tomar conhecimento”, a que alude o n.º 2 do art.º 194.º, pressupõe que o processo de comunicação esteja em curso, pois só desta forma é atingido o bem jurídico inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações em termos de exigir a qualificada necessidade de tuteia jurídica a que acima já se fez referência. E defende que, a partir do término do processo de comunicação, embora a tomada de conhecimento do conteúdo de telecomunicação possa ainda violar a privacidade (em sentido formal) na dimensão específica da inviolabilidade correspondência e das telecomunicações, a única conduta merecedora de tutela penal é a de divulgar o conteúdo das telecomunicações. Estando precisamente em causa a divulgação dos emails armazenados pelos arguidos, nos termos dados provados, a conduta dos arguidos constitui uma conduta subsumível ao disposto no art.º 194 n.º 3 do CP. Vejamos. Referimos já supra neste Acórdão, no ponto 5.2., que é hoje consensual na doutrina que “telecomunicações” abrange o correio eletrónico, sendo esse o entendimento também do nosso Tribunal Constitucional. Perfilhamos ainda o entendimento de que a tutela conferida pelo art.º 194 do CP não supõe o caráter pessoal ou particular do conteúdo da mensagem, não sendo posta em causa nem pelo facto de os endereços de correio eletrónico serem “profissionais”, nem pela eventualidade de o conteúdo das mensagens não se ligar à esfera da vida privada das pessoas envolvidas no circuito comunicativo. E dissemos já que entendemos que os emails já recebidos e guardados no computador integram ainda o conceito de telecomunicações. Vejamos então porquê, sendo que sobre esta questão não encontramos o desejado consenso na doutrina e na jurisprudência Assumindo posição na questão em análise, defende Costa Andrade (in Comentário Conimbricense) que a tutela jurídica da inviolabilidade das telecomunicações está vinculada ao meio de comunicação e ao processo de comunicação, terminando quando acaba o processo de comunicação, quando a mensagem é recebida e lida pelo destinatário e entra na sua esfera de domínio. Isto porque, sustenta, a tutela jurídica da inviolabilidade das telecomunicações decorre da específica situação de perigo decorrente da mediação do serviço de telecomunicações e da sua posição de domínio enquanto dura a transmissão. Ou seja, a tutela termina quando os e-mails são recebidos e guardados no seu computador. A partir daí, “os interlocutores já não gozam da tutela da inviolabilidade das telecomunicações, mas apenas, sendo caso disso, a título de autodeterminação informacional”. Os arguidos apoiam-se nesta tese e, como vimos, defendem precisamente que, uma vez estando o email sob controlo do destinatário - que pode optar por arquivar o seu conteúdo, protegê-lo com sistemas de segurança (codificação críptica, firewalls, etc.) ou destruí-lo – ele passa a ser somente um documento informático e já não uma telecomunicação, não sendo por isso a sua divulgação punida a título de crime, nos termos do art.º 194 n.º 3 do CP . Mas outra tese vem ganhando espaço, no sentido de estender a protecção jurídico penal a todos os momentos em que o email se mantenha armazenado, esteja aberto ou fechado. Desta última dá-se conta no AC TC n.º 314/2023, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20230314.html, onde se escreve: “Com efeito, opõem-se-lhe não apenas aqueles que defendem que o correio eletrónico, em si mesmo, constitui uma realidade diversa da correspondência escrita, devendo ser para todos os efeitos encarado como mero documento em suporte informático (cfr. Rogério Bravo, “Da não equiparação do correio eletrónico ao conceito tradicional de correspondência por carta”, Polícia e Justiça, n.º 7, 2006, p. 209), como aqueles que, no polo oposto, consideram que as mensagens de correio eletrónico constituem sempre comunicações, mesmo depois de lidas, posição que parece, aliás, subjacente à opção do legislador processual penal em sujeitar as «conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio eletrónico» ao regime das escutas telefónicas, ainda que «guardadas em suporte digital» (artigos 187.º e 189.º do Código de Processo Penal) ou mesmo que o correio eletrónico é insuscetível de assimilar a distinção entre aberto e não aberto, demandando por essa razão o estabelecimento de um outro critério para a determinação do momento em que a mensagem deixa de poder ser vista como comunicação (Gonçalo Anastácio e Diana Alfafar, “Anotação ao artigo 20.º”, Lei da Concorrência — Comentário Conimbricense, 2.ª edição, Almedina, 2017, p. 342; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2011, p. 159; Rui Cardoso, “Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante - artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.IX”, Revista do Ministério Público, n.º 158, 2018, p. 177). 8.2. Tal entendimento é de manter aqui. No domínio do correio eletrónico, a marcação de certa mensagem como aberta constitui um evento imprestável para determinar o fim da sua natureza de comunicação e, em consequência, a paralisação da proteção especialmente concedida pelo artigo 34.º da Constituição, devendo entender-se que a garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações abrange as mensagens de correio eletrónico enquanto permanecerem na caixa (virtual) de correio eletrónico, independentemente da circunstância, contingencial e aleatória, de a mensagem ostentar o estado de “aberta” ou de “fechada”. Pelo menos duas razões apontam claramente nesse sentido. Em primeiro lugar, verifica-se que o principal argumento invocado para justificar a cessação da tutela constitucional da correspondência postal no momento em que esta é aberta — a eliminação da barreira física que protege o conteúdo comunicação até ao momento da abertura da carta — não tem pura e simplesmente aplicação no âmbito das mensagens eletrónicas. Daí que se sustente que «uma mensagem de “correio-eletrónico” nunca é, nem nunca está “fechada”» (Rogério Bravo, “Da não equiparação…”, cit., p. 212), já que nunca é «envelopável» (idem, p. 214). No correio eletrónico, a abertura e leitura do conteúdo da mensagem encontra-se, em ambos os casos, dependente do mesmo exato gesto (a seleção e abertura, à distância do mesmo clique digital); e a violação dessa barreira física é exteriormente indecifrável, porquanto depois de lida bastará marcar a mensagem como “não lida” (Rui Cardoso, “Apreensão…”, cit., 2018, p. 187), caso em que, a ser este o critério relevante, se “reativaria” a tutela constitucional especialmente conferida às comunicações. Em segundo lugar — e como decorre do ficou dito —, a distinção entre mensagens abertas e fechadas é, no caso do correio eletrónico, artificial e falível. Artificial, porque o destinatário pode marcar, livremente, as mensagens como abertas ou fechadas, mediante a seleção de uma simples opção no computador: independentemente de ter lido ou não a mensagem, está na sua total disponibilidade classificá-la como não lida ou como lida. Falível, porque nada garante que uma mensagem marcada como aberta tenha já esgotado a sua natureza de comunicação, tendo sido efetivamente lida. Essa marcação pode constituir apenas o resultado de uma passagem acidental do cursor sobre a mensagem; da ativação de uma opção de sinalização de todas as mensagens que acabam de chegar; ou, tendo em conta que o sujeito pode aceder à caixa de correio eletrónico através de diferentes dispositivos (telefones, computadores, relógios, tablets), até mesmo do facto de o utilizador ter simplesmente aberto a aplicação num dos equipamentos, podendo acontecer que a mesma mensagem esteja sinalizada como lida em alguns deles e como não lida nos outros. Ao contrário do que sucede com a correspondência postal — que não é aberta sem consciência clara do ato de abertura —, uma mensagem de correio eletrónico pode ficar marcada como aberta sem que o utilizador disso se aperceba e sem que daí se possa inferir uma chegada efetiva à esfera de posse do destinatário. Nessa medida, nega-se hoje a valia (técnica e jurídica) da dissociação entre correio eletrónico lido e não lido, duvidando-se mesmo, pelo menos em alguns casos, da possibilidade de a estabelecer (Sónia Fidalgo, “A apreensão de correio eletrónico e a utilização noutro processo das mensagens apreendidas”, Revista ... de Ciência Criminal, Ano 29, n.º 1, 2019, p. 69; Gonçalo Anastácio e Diana Alfafar, cit. p. 342; Rui Cardoso, “A apreensão de correio eletrónico após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021: do juiz das liberdades ao juiz purificador investigador?”, Revista ... de Direito Constitucional, n.º 1, 2021, p. 149, nota n.º 8; David Silva RAMALHO, Métodos ocultos de investigação criminal em ambiente digital, Almedina, 2017, p. 279). Este conjunto de objeções à possibilidade de distinção entre correio eletrónico lido e não lido tem, do ponto de vista da proteção especialmente concedida pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição, plena razão de ser. Se o fundamento subjacente à cessação da tutela constitucional das comunicações tem que ver com a possibilidade de o destinatário, uma vez lida a mensagem, poder adotar e desenvolver a proteção que entender — inclusivamente destruindo-a —, a circunstância de uma mensagem estar marcada como «lida» constitui um elemento de fraco préstimo para suportar a conclusão de que aquela chegou efetivamente ao destinatário e de que este pôde protegê-la. Diferentemente do que sucede na correspondência postal ou com as mensagens SMS que já foram lidas pelo destinatário, não pode afirmar-se que o processo de comunicação (a especial situação de perigo) cessou pela primeira abertura do correio eletrónico ou que o destinatário se encontra com total domínio sobre a mensagem. Enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio — sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider —, ela está sob controlo do fornecedor de serviços eletrónico. Sendo certo que na maioria dos protocolos de correio eletrónico (IMAP, webmail), de cada vez que o interessado pretender reler a mensagem, estabelece-se uma comunicação eletrónica, podendo mesmo o acesso ao conteúdo dos dados fornecidos pelo servidor constituir uma comunicação restrita (e, nesse sentido, privada), pelo facto de a mensagem só poder ser acedida mediante introdução de dados de identificação (nome de utilizador e palavra passe). E mesmo que o utilizador faça uso de um protocolo que descarrega a mensagem do servidor (v.g., POP3), ela é copiada para o computador do destinatário, passando a estar simultaneamente no servidor do fornecedor e no equipamento do indivíduo (Rui Cardoso, “Apreensão…”, cit., 2018, p. 181). Nessa medida, dúvidas não há de que se mantém — ainda que a mensagem tenha já sido lida — a situação de «domínio que o terceiro detém — e enquanto o detém sobre a comunicação (conteúdo e dados). Domínio que lhe assegura a possibilidade fáctica de intromissão arbitrária, subtraída ao controlo dos comunicador(es)» (cfr. Manuel da Costa Andrade, “«Bruscamente…”, cit., n.º 3951, p. 339). A autotutela que se assume sobrevir quando uma mensagem chega ao seu destinatário («o destinatário passa a dispor de meios de autotutela, desde a instalação de sistemas de segurança, programas antivírus, codificação críptica, firewalls [programas que vigiam o tráfego na internet e avisam o titular do computador das tentativas de envio de programas do género “cavalo de troia”] até ao apagamento ou destruição, pura e simples, dos dados» — idem, p. 340) não existe enquanto a mensagem estiver na caixa de correio eletrónico e o fornecedor de correio eletrónico mantiver controlo sobre a mensagem. Esta «específica situação de perigo» apenas cessa quando o destinatário retira a mensagem da caixa de correio eletrónico virtual e a arquiva em outro lugar do computador — passando, só então, a ter o controlo total e exclusivo sobre ela, deixando de ter de confiar no sistema de comunicações e podendo protegê-la como entender. Confiança essa que, como se viu, é o âmago da tutela especialmente conferida pelo artigo 34.º da Constituição: quem comunica à distância carece da «mediação necessária de terceiro, isto é, de um fornecedor de serviços de comunicação à distância», o que supõe um «procedimento em que, como precisa o Tribunal Constitucional Federal (22.8.2006), vai coenvolvida uma "perda de privacidade" (Verlust an Privatheit), uma vez que quem comunica tem de fazê-lo submetendo-se às especificidades e exigências daquele sistema de comunicação e confiar nele, para não dizer confiar-se a ele» (ibidem, p. 338). E se a proteção suplementar das comunicações radica na necessidade de confiança no terceiro que assegura o processo comunicativo, isso há de implicar que sobre o utilizador não recaia o ónus de apagar diariamente as mensagens sob domínio do provider (ou de as marcar como “não lidas”) para poder beneficiar da inviolabilidade do sistema. É esta, em suma, a razão pela qual, no caso do correio eletrónico, a proteção constitucional do direito à inviolabilidade das comunicações não abrange apenas as mensagens ainda não lidas («o conhecimento do destinatário pressupõe da parte deste um gesto necessário de "chamada" da mensagem, gesto que desencadeia um ato de telecomunicação [do provider para o destinatário]»), estendendo-se ainda às mensagens já abertas — os «e-mails que continuam (e enquanto continuam) no domínio — e, por causa disso, expostos à intromissão arbitrária — do provider» (cfr. ibidem, p. 342). O critério decisivo de que a mensagem chegou definitivamente ao destinatário não será, por conseguinte, a marcação da mensagem como lida, mas sim o seu arquivamento definitivo, fora da caixa de correio eletrónico virtual. Em benefício da recondução das mensagens de correio eletrónico sinalizadas como abertas ao âmbito de incidência da proibição que se extrai dos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição, uma terceira razão pode ser ainda invocada. É que, ainda que fosse possível operar com um critério baseado na distinção mensagens lidas e não lidas, certo continuaria a ser que o acesso a uma caixa de correio eletrónico em que se mantenham mensagens abertas envolve necessariamente a intromissão em comunicações indiscutivelmente abrangidas pelo direito à inviolabilidade das comunicações. Com efeito, tendo-se concluído que a proteção constitucional das comunicações abrange os dados de tráfego, é bom de ver que a admissibilidade de consulta de uma caixa de correio eletrónico — que contenha algumas mensagens abertas e outras por abrir — revela um conjunto de informações das mensagens fechadas necessariamente abrangido pelo disposto no artigo 34.º da Constituição. Como se concluiu no Acórdão n.º 687/2021: «Efetivamente, a simples visualização de uma “caixa de correio eletrónico”, sem que sequer se abra cada uma das mensagens individuais aí gravadas, pode permitir o conhecimento não apenas de elementos respeitantes à concreta comunicação ou mensagem (como, por exemplo, o “assunto”), como também de elementos relativos ao emissor e destinatário das mensagens, número de interações comunicativas, suas data e hora, volume de dados transmitidos, ou IP de origem, que se configuram como dados de tráfego. Ou seja, se no caso de apreensão de correspondência postal passa a ser do conhecimento das autoridades o remetente, o destinatário e a data do carimbo de correio, no caso do correio eletrónico a informação de tráfego disponível é bastante mais vasta, sendo possível saber, por exemplo, a data e hora específicas a que um e-mail foi enviado, se continha, ou não, documentos anexos, se se dirigia a mais destinatários (e quais) e se constituiu resposta a ou reencaminhamento de mensagens anteriores.». Diferentemente do que sucede na correspondência postal não lida (em que a única informação exterior é o carimbo do correio e, porventura, a indicação do remetente), as mensagens de correio eletrónicas — mesmo antes de lidas e abertas — revelam um conjunto de informações mais amplo e sensível, compreendendo «especialmente o se, o quando, o como, entre que pessoas ou entre que aparelhos a comunicação teve lugar ou foi tentada» (Manuel da Costa Andrade, “«Bruscamente…”, cit., n.º 3951, p. 340). Nessa medida, uma norma que atribua à AdC o poder de aceder a uma caixa de correio eletrónico para busca de mensagens já abertas tem sempre como resultado facultar-lhe o acesso a dados relativos a mensagens não abertas e não lidas (comunicações, indiscutivelmente), o que sempre ativaria a tutela especialmente conferida pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição, ainda que aquelas não estivessem tuteladas, como efetivamente estão, pelo regime relativo à inviolabilidade das comunicações ali estabelecido. Este entendimento foi recentemente acolhido pelo STJ, no Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2023, in www.dgsi.pt: “um dos meios, sem dúvida, mais difundido de comunicação proporcionados pelas novas tecnologias da informação é, precisamente, o correio eletrónico, definido como qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário, até que este a recolha (artº. 2º nº. 1, alínea b) da Lei nº. 41/2004, de 18/08, que transpõe para o direito interno a Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas - Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas). Em termos latos, abrange uma grande panóplia, como os SMS, EMS e MMS, conversações no Messenger, mensagens de voz relativas a comunicações ou arquivos de som e/ou imagem via Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook, etc10. (…) Como é sabido, o correio eletrónico é muito diferente do correio tradicional ou corpóreo, não só por ser dotado de uma maior rapidez e riqueza de conteúdo, mas também por aquele ter uma natureza muito mais dinâmica, razão pela qual os regimes terão de ser diversos. No que diz respeito às mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, não faz verdadeiramente sentido distinguir entre regime aberto/lido ou fechado/não lido. Ao contrário do que sucede com o correio tradicional, é praticamente impossível determinar, aqui, quando é que terminou a comunicação e se a mensagem já foi ou não aberta/lida. No mesmo sentido, se pronunciou recentemente o Tribunal Constitucional, a propósito do regime da concorrência, nos acórdãos n.ºs 314/202320, de 26/05, e 91/202321, de 16/03. Segundo o primeiro dos referenciados acórdãos, dever-se-á entender que a garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações abrange as mensagens de correio eletrónico enquanto permanecerem na caixa (virtual) de correio eletrónico, independentemente da circunstância, contingencial e aleatória, de a mensagem ostentar o estado de aberta ou de fechada. Em sentido não muito diverso, de acordo com o último, não se vislumbram razões para se distinguir entre mensagens lidas e não lidas, sendo tal irrelevante para efeitos de enquadramento jurídico-constitucional. Ainda mais proximamente, também este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 26/06/202322, perfilhou posição idêntica, considerando ser inquestionável que o art.º 17.º, da Lei do Cibercrime, não faz qualquer distinção entre as mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas no momento de exigir a intervenção do juiz de instrução para autorizar ou ordenar a sua apreensão. A distinção entre mensagens abertas e fechadas é, neste âmbito, em bom rigor, artificial e falível. A doutrina evoluiu bastante, a este propósito, e aponta hoje falta de valia técnica e jurídica à destrinça entre correio eletrónico lido e não lido, havendo mesmo um certo consenso sobre a impossibilidade de a estabelecer”. Aderimos a toda esta argumentação, e desta forma, perfilhamos o entendimento de que a tutela jurídico constitucional do direito à privacidade (em sentido formal), na dimensão da inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações, persiste enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio — sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider —, pois ela continua sob controlo do fornecedor de serviços eletrónico. Assim sendo, a divulgação de um email que esteja na caixa de correio deve ser entendido como divulgação de uma telecomunicação. Interpretamos, por conseguinte, o disposto no art.º 194 n.º 3 do CP no sentido de que o objeto da divulgação típica abrange o conteúdo de emails já recebidos pelo destinatário e que constam da sua caixa de correio. O entendimento defendido dos arguidos não só contraria, na verdade, a mais recente jurisprudência jurídico-constitucional e do STJ, como nega de forma injustificável tutela penal ao bem jurídico penal da privacidade. Uma tutela efetiva e adequada deste bem jurídico não pode efetivamente prescindir da criminalização daquele que, acedendo sem consentimento ao conteúdo da telecomunicação que está já na caixa de correio, a divulga. De outro modo, como notam os assistentes, na resposta ao recurso “a conduta típica reduzir-se-ia a intercetar uma telecomunicação para divulgação simultânea a terceiros, o que, se já se afigura dificilmente praticável, ainda mais o será se tivermos em conta que o legislador agravou a conduta para os casos em que essa divulgação é feita através de meio de comunicação social, de difusão através da Internet, ou de outros meios de difusão pública generalizada, nos termos do artigo 197.º, n.º 2, do CP. É para nós evidente que uma interpretação desta natureza esvaziaria a norma de qualquer sentido. Ninguém interceta e divulga em simultâneo, muito menos através de meio de comunicação social, internet ou meios afins. Concluindo: a conduta dos arguidos é, por tudo o que acima foi exposto, uma conduta típica, improcedendo o recurso dos arguidos neste segmento. A.2. Da causa de exclusão da ilicitude: exercício legítimo dos direitos de liberdade de expressão e de informação – art.º 31º n.º 2 al. b) do CP? (recursos dos arguidos) Pugnam os arguidos pela absolvição do crime p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP, defendendo que se limitaram a dar a conhecer publicamente o conteúdo de correspondência electrónica reveladora de factos susceptíveis de merecer censura criminal, disciplinar, desportiva e ético-social assacável aos Assistentes e aos indivíduos que no interesse deles actuaram, devendo, consequentemente, esse exercício qualificar-se como juridicamente legítimo e lícito (cfr. art.º 37.º/1 da CRP, art.º 10.71 da CEDH e art.º 31.º, n.º 2, b), do CP). Argumentam que, ponderando o direito à liberdade de expressão e de informação dos arguidos e os interesses (pessoais) tutelados pela norma incriminadora imputada aos arguidos (art.º 194.º/3 do CP) e convocando os critérios que têm sido aplicados nesta matéria, quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, quer pela própria jurisprudência nacional, há que concluir que a conduta por eles adotada é lícita, por ser um exercício do direito fundamental de liberdade de expressão e de informação. O tribunal coletivo afastou veementemente esta tese - que tinha sido avançada também em sede de contestação - escrevendo: “O art.º 34.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, revela assim que o legislador constituinte procedeu, desde logo, à sua própria ponderação, não a remetendo, portanto, para o legislador ordinário ou para o aplicador do direito. Ou seja, e de acordo com aquela ponderação, o direito ao sigilo de correspondência e de outros meios de comunicação privada, não só prevalece sobre o direito fundamental à liberdade de expressão e informação consagrado no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição, a que os arguidos AA e CC fazem referência, como só cede perante ingerência estadual nas comunicações e só no âmbito do processo criminal. Tal como é referido no Acórdão n.º 687/2021 do Tribunal Constitucional, no que respeita à proteção do sigilo da correspondência e das telecomunicações - ou seja, à tutela especial que a CRP dispensa à privacidade no domínio da comunicação humana -, resulta (...) que se configura, no âmbito de proteção conferido por esses direitos fundamentais, uma reserva absoluta do processo penal, surgindo este como o único domínio da vida comunitária em que o legislador constituinte entendeu haver fundamento bastante para permitir restrições legais e intervenções restritivas por parte das autoridades públicas. A pertinência do já citado Acórdão n.º 403/2015 do Tribunal Constitucional revela-se também a este propósito. Na verdade, e tal como é referido nesse aresto, o tipo de restrições ao direito à inviolabilidade das comunicações que é admitido pelo n.º 4 do artigo 34.º da CRP é muito mais exigente do que as restrições toleradas por outros direitos fundamentais em que se protegem os mesmos bens jurídicos (dignidade da pessoa, desenvolvimento da personalidade, garantia da privacidade, autodeterminação comunicativa), pois, acrescenta-se, contrariamente ao que se verifica em alguns desses direitos, em que, através da expressão "nos termos da lei", se atribui uma competência genérica de regulação que pode ser interpretada como incluindo poderes de restrição, a norma permissiva do n.º 4 do artigo 34.º autoriza a restrição do direito à inviolabilidade das comunicações apenas em determinado domínio normativo: "em matéria de processo criminal". Na síntese esclarecedora do acórdão em referência, a enunciação constitucional expressa da matéria em que há autorização para uma intervenção legislativa limitadora do âmbito de proteção do direito à inviolabilidade das comunicações constitui também uma garantia de que tais restrições não estão autorizadas noutras matérias e para outras finalidades. O aludido Acórdão n.º 403/2015 do Tribunal Constitucional revela-se ainda claro na indicação da motivação que norteou o legislador constitucional quando procedeu à mencionada ponderação: a referência ao processo criminal não é apenas uma indicação teleológica, mas também a localização da restrição à proibição de ingerência numa área estruturada normativamente em termos de oferecer garantias bastantes contra intromissões abusivas. Ao autorizar a ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação apenas em matéria de processo penal, e não para quaisquer outros efeitos, a Constituição quis garantir que o acesso a esses meios, para salvaguarda dos valores da "justiça" e da "segurança", fosse efetuado através de um instrumento processual que também proteja os direitos fundamentais das pessoas; o artigo 34.º, n.º 4, ao delimitar a restrição à matéria de processo penal tem também outras consequências com reflexo no estatuto constitucional do arguido. Desde logo, a realização da justiça, não sendo um fim único do processo criminal, apenas pode ser conseguida de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas. O respeito desses direitos conduz, por exemplo, a considerar inadmissíveis certos métodos de provas e a cominar a nulidade de «todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» (cfr. artigo 32.º, n.º 8, da CRP). A nulidade das provas, com a consequente impossibilidade da sua valoração no processo, quando sejam obtidas por ingerência abusiva nas comunicações, corresponde assim a uma garantia do processo criminal e resulta de ter havido acesso à informação fora dos casos em que a própria Constituição consente a restrição ao princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada; por outro lado, a referência ao processo criminal implica que a intervenção restritiva careça de prévia autorização judicial. A incriminação da violação de telecomunicações tutela o bem jurídico consagrado no art.º 34.º da Constituição concretamente, o direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada. E se as restrições admitidas pela própria Constituição a este direito fundamental são apenas as que se mostrarem previstas na lei em matéria de processo criminal, obviamente não estão legitimadas acções típicas de devassa do sigilo de correspondência e de telecomunicações assentes noutro direito, ainda que com consagração constitucional. Mais uma vez, é elucidativo a este respeito o Acórdão n.º 403/2015 do Tribunal Constitucional, nomeadamente quando aí se refere que no caso da proibição de ingerência das autoridades públicas nas comunicações, que o artigo 34.º, n.º 4, primeira parte, consagra como princípio geral, as exceções a que se refere o segmento final desse preceito estão condicionadas à matéria de processo penal, e sendo a restrição constitucionalmente autorizada apenas nesses termos, não tem cabimento efetuar uma qualquer outra interpretação que permita alargar a restrição a outros efeitos, como se a restrição não estivesse especificada no próprio texto constitucional ou se tratasse aí de uma restrição meramente implícita que permitisse atender a outros valores ou bens constitucionalmente reconhecidos. E mesmo em matéria de processo criminal existe sempre a susceptibilidade de proibição da prova (art.ºs 32.º, n.º 8, da Constituição, e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) determinada pelo carácter abusivo da intromissão, ou seja, quando ocorra fora dos casos e dos termos previstos na lei (cf. artigo 34.º, n.ºs 2, 3 e 4) ou, de um modo geral, em violação do princípio da proporcionalidade nas suas diversas configurações (cf. artigo 18.º da CRP). Portanto, ao contrário do que defendem os arguidos AA e CC, o direito à liberdade de expressão e informação previsto no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição, nunca pode justificar a restrição do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada, desde logo, por imperativo constitucional.” (…) Portanto, ao contrário do que defendem os arguidos AA e CC, o direito à liberdade de expressão e informação previsto no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição, nunca pode justificar a restrição do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada, desde logo, por imperativo constitucional. Continua o Acórdão dizendo que “Não só não são aplicáveis ao crime de violação de telecomunicações as causas de justificação especiais previstas para outros crimes (por ex., contra a honra), como as próprias restrições, admissíveis constitucionalmente, ao direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada (em matéria de processo criminal) são insusceptíveis de aplicação analógica. Revemo-nos nesta argumentação do Tribunal Coletivo e acrescentamos que a interpretação por ele feita não viola o princípio da proibição do excesso e da inatingibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. É indiscutível o facto do art.º 194º do CP ser concretização penal da proibição imposta pelo art.º 34º da CRP. Dissemos já neste Acórdão que a inviolabilidade do domicílio e da correspondência é uma das dimensões do direito à reserva da vida privada e familiar e do direito à inviolabilidade do domicílio e correspondência, com consagração autónoma na Constituição (art.º 26 da CRP) Quer isto dizer que, a Constituição autonomizou a proteção da esfera de privacidade e de sigilo no domínio específico das comunicações interpessoais, associando-lhe uma garantia constitucional autónoma face àquela que já decorreria do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição. Criou, assim, «um regime especial de tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada» O artigo 34.º, n.º 1, da CRP prescreve o seguinte: "O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis". Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., em anotação ao art.º º24º, trata-se de “direitos diretamente ao serviço da proteção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura juscivilista designa por direitos de personalidade (..) Daí que alguns destes direitos de personalidade gozem de proteção penal e que eles constituam igualmente limite de outros direitos fundamentais que com eles possam conflituar (v.g. limite à liberdade de informação e de imprensa). A respeito das limitações a este direito, estes constitucionalistas são claros: “aqui, as restrições estão autorizadas apenas em processo criminal (n.º 4) e estão diretamente sob reserva de lei (art.º 18 n.º 2 e 3), só podendo ser decididas por um juiz (art.º 32º n.º 4). A constituição não abre qualquer excepção ao sigilo da correspondência no âmbito das relações especiais do poder, excepto eventualmente no que respeita aos presos, nos estritos termos.” E, acrescentam: A inviolabilidade da correspondência impõe-se naturalmente também fora das relações Estado -cidadão, vinculando toda e qualquer pessoa a não devassar a correspondência ou comunicações de outrem” (…) O preceito em análise refere-se apenas às autoridades públicas, mas a proibição de ingerência vale por maioria de razão para as entidades privadas” Considerando a natureza deste direito, a devassa da correspondência só é admitida nos casos previstos no artigo 34.º n.º 4 da CRP. Ou seja, o legislador constitucional decidiu, a priori, que o conflito entre o direito à privacidade, na vertente de direito ao sigilo das telecomunicações, por um lado e os outros direitos fundamentais, como sejam o direito a informar e o direito à segurança, por outro, deve ser resolvido prevalecendo o primeiro, com as únicas restrições constitucionalmente previstas: a ingerência estadual nas comunicações e no âmbito do processo criminal. É esse, aliás, o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que dispõe de um considerável acervo sobre o sentido e alcance do n.º 4 do artigo 34.º. Lê-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/20230314.html: que: " No que respeita à proteção do sigilo da correspondência e das telecomunicações - ou seja, à tutela especial que a CRP dispensa à privacidade no domínio da comunicação humana -, resulta da jurisprudência constitucional acima mencionada que se configura, no âmbito de proteção conferido por esses direitos fundamentais, uma reserva absoluta do processo penal, surgindo este como o único domínio da vida comunitária em que o legislador constituinte entendeu haver fundamento bastante para permitir restrições legais e intervenções restritivas por parte das autoridades públicas". Diz-se no Ac. TC n.º 314/2023, in www.dgsi.pt: “Não há dúvida, portanto, de que a ressalva dos casos previstos na lei em matéria de processo criminal consubstancia uma ««reserva qualificada»» em matéria de restrição de direitos, cujo sentido é o de só autorizar o legislador a restringir o direito fundamental à inviolabilidade das comunicações «para essas finalidades, ou seja, para a salvaguarda dos direitos ou valores enunciados» (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição ... de 1976, 6.ª edição, 2019, p. 279). O entendimento defendido dos arguidos, de que a restrição constitucional prevista no art.º 34º n.º 4 da CRP in fine não tem aplicação no caso presente, porque está em causa a divulgação de conteúdo de emails e não a ingerência numa telecomunicação, não merece o nosso acolhimento. Vital Moreira e Gomes Canotilho, op. e loc. Cit., são claros: “O direito ao sigilo da correspondência e de outras comunicações privadas implica não apenas o direito a que ninguém as viole ou devasse mas também o direito a que terceiros que a elas tenham acesso as não divulguem” O entendimento deste Tribunal é no sentido de que a garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações abrange as mensagens de correio eletrónico enquanto permanecerem na caixa (virtual) de correio eletrónico, independentemente da circunstância, contingencial e aleatória, de a mensagem ostentar o estado de “aberta” ou de “fechada”. Deste modo, o acesso por autoridades públicas está circunscrito aos termos da exceção contemplada no segmento final do n.º 4 do referido artigo 34.º Já o acesso por privados está absolutamente vedado. Note-se que ao autorizar a ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação apenas em matéria de processo penal, e não para quaisquer outros efeitos, a Constituição quis garantir que o acesso a esses meios, para salvaguarda dos valores da “justiça” e da “segurança”, fosse efetuado através de um instrumento processual que também proteja os direitos fundamentais das pessoas. O legislador constitucional frisou que esta limitação ao direito à privacidade apenas pode ser autorizada para realização dos valores da justiça, da descoberta da verdade material e restabelecimento da paz jurídica comunitária, os valores que ao processo criminal incumbe realizar. Nesta medida, não pode este direito ser restringido invocando-se outros direitos fundamentais, como sejam o direito à liberdade de expressão e o direito a informar. (Vide ainda neste sentido o Ac. TC nº. 403/2015, in http://www. tribunalconstitucional.pt/tc/home.html e o AC RL de 10-12-1991, cujo sumário diz expressamente: “ O princípio da inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações, consagrado no art.º 34, n. 1 da constituição, tem carácter absoluto, não admitindo a lei qualquer outra excepção, sendo por isso ilícitas as violações que não tenham sido autorizadas para fins de investigação criminal, nos termos da lei, ou autorizadas com o consentimento dos visados”) Ou seja, a aplicação no caso dos autos da causa de justificação exercício do direito de informar e do direito à livre expressão (art.º 37 da CRP), nos termos do art.º 31º do CP, não só não tem cabimento legal, pois tratar-se-ia de uma restrição não prevista no artigo 34.º, n.º 4 da CRP e, dessa forma, violadora da Lei Fundamental, como ainda se mostra ao arrepio da doutrina e da jurisprudência jurídico-constitucional. Acrescentaremos ainda que, de acordo com a factualidade provada, os arguidos não divulgaram o conteúdo dos emails em causa nos autos na qualidade de jornalistas, pelo que não podemos aqui falar em direito de informar Quanto à pretensa denúncia de irregularidades a um órgão da comunicação social, dir-se-á que não é esta a entidade competente para as investigar (neste sentido, Ac. RG de 26 Abril 2010, www.dgsi.pt). Diremos ainda que não há que equacionar aqui nenhuma outra causa de justificação. Tudo para concluir que subscrevemos o mesmo entendimento jurídico do Tribunal Coletivo, que tem apoio no texto da lei e da constituição e revemo-nos inteiramente na argumentação expendida no Acórdão, à qual qualquer acrescento seria desnecessário. Improcede, assim, este segmento do recurso. A.3. Da causa de exclusão da culpa: erro sobre a ilicitude não censurável, nos termos do disposto no art.º 17º do CP? Há lugar à atenuação da pena, nos termos do disposto no art.º 17º n.º 2 do CP (recursos dos arguidos) Argumentam os arguidos que, tendo o Tribunal Coletivo dado como provado que eles agiram convencidos de que o faziam ao abrigo do seu direito de informar, é evidente que a divulgação de e-mails foi realizada sem que eles tivessem consciência da ilicitude, com a consequente exclusão da culpa. De facto, argumentam, tendo eles agido convictos de que estavam ano exercício do direito de informar, para realização do interesse público, através da exposição pública de práticas criminosas, irregulares e antiéticas, de forma a que, quem nelas esteve envolvido, por elas responda e a travar a sua continuação ou a impedir a sua repetição, temos de chamar à colação o instituto do erro sobre a existência ou limites de uma causa de justificação, que se enquadra no disposto no art.º 17.º do CP. Este argumento foi invocado perante o Tribunal Coletivo, na contestação, e foi afastado, recorrendo o Tribunal à seguinte argumentação: “Na verdade, está perfeitamente enraizada na sociedade a noção de ilicitude da conduta de quem, sem consentimento, divulga o conteúdo de comunicações alheias. Basta ter presente que é a própria Constituição a qualificar o direito ao domicílio e o sigilo das comunicações privadas como direitos invioláveis (art.º 34.º), ao lado de direitos como o direito à vida (art.º 24.º) e o direito à integridade moral e física (art.º 25.º). Acresce que o legislador constituinte não relegou para o legislador ordinário a ponderação sobre as restrições admissíveis ao direito ao sigilo das comunicações privadas. Ele próprio limitou a possibilidade dessas restrições ocorrerem, sujeitando-as a pressupostos bastante vinculados (somente em matéria de processo criminal), o que é também revelador daquele sentir comunitário. Nesta medida, o carácter inviolável do sigilo das comunicações privadas, que, portanto, afasta qualquer possibilidade de cedência a um qualquer interesse público que exista na divulgação do conteúdo dessas comunicações, faz com que não se esteja perante uma daquelas situações em que, conforme refere FIGUEIREDO DIAS nos termos expostos, conflituam diversos pontos de vista juridicamente relevantes. No que ao sigilo das comunicações privadas concerne, o sentir comunitário, plasmado na Lei Fundamental, é de tal forma unidireccional no sentido da respectiva inviolabilidade, que não sobra espaço para se cogitar um eventual interesse público na divulgação do conteúdo de comunicações privadas. E, portanto, para se poder afirmar que a falta de consciência da ilicitude, por parte dos arguidos, não seria censurável. (…) Importa convocar novamente o carácter inviolável do sigilo das comunicações privadas e, nessa medida, a insusceptibilidade de ponderação do mesmo em face do interesse público na divulgação do conteúdo daquelas comunicações. Perante o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas, um qualquer interesse público que existisse na divulgação do conteúdo de tais comunicações nem sequer se perfilaria como um valor protegido. Tudo a impor a conclusão de que se mostra afastada no caso qualquer possibilidade de atenuação especial da pena a impor pela prática do crime de violação de telecomunicações. A reforçar esta conclusão, mostra-se ainda decisiva a circunstância de, conforme se referiu, os arguidos AA e CC terem actuado pela forma que se considerou estar provada, não só por acreditarem que a mesma revestia interesse público, mas também motivados pela rivalidade entre o ... e o ... e, dessa forma, contribuírem para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada.” Vejamos o que dizem os factos provados, a lei, a doutrina e a jurisprudência sobre a questão suscitada: houve ou não uma falta de consciência da ilicitude que tornasse os arguidos incapazes de apreender e compreender os valores penalmente protegidos, não conseguindo pautar a sua própria conduta de acordo com os ditames do Direito? De acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CP "Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável". Assim, verifica- se uma exclusão da culpa quando (i) não haja consciência da ilicitude do facto, e (ii) o erro não for censurável. Tal ocorre naqueles casos em que o agente tem todos os conhecimentos necessários para que a correta orientação da consciência ética para o desvalor do ilícito e, contudo, actua em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto. Neste caso, o erro não radica ao nível da consciência psicológica, mas da própria consciência ética, revelando “a falta de sintonia com a ordem de valores ou dos bens jurídicos que o direito penal cumpre proteger” e que por isso, quando censurável, revela uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever ser jurídico penal. Vejamos também que a consciência do ilícito se basta com uma apreensão de sentido ou significado social correspondente, no essencial, ao resultado da valoração jurídica, para o que é suficiente “uma advertência do sentimento de antijuridicidade”, uma exigência amortecida. Note-se que a questão nunca está aqui no mundo das representações do agente ao nível da sua consciência intencional nem na possibilidade de obter esclarecimento jurídico sobre a dúvida que se levanta, mas apenas na resposta que é dada, em face daquela situação de facto, pela sua consciência, pelo seu sistema de valores (acompanhamos os ensinamentos de Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais da Doutrina do Crime, pg. 502 e ss) Merece a concordância da doutrina maioritária a consideração de que, em geral, a apreciação sobre a real verificação dos pressupostos de uma causa de justificação em uma dada situação concreta deve ser realizada a posteriori. Escreve Nuno Brandão, in “O erro sobre os pressupostos das Causas de Justificação: Um erro que pode excluir a ilicitude?” Estudos de Homenagem ao Professor Figueiredo Dias, Tomo II, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: “Esta perspectiva ex post, que julgamos correcta, recolhe a preferência geral por ser a que melhor se coaduna com a circunstância de a justificação depender da afirmação de um valor de resultado que neutralize o desvalor de resultado do facto típico e com a dimensão de valoração da norma de permissão. Assim, em regra, o erro existe quando numa consideração ex post se constata que na concreta situação da vida em que o agente se moveu não se verificaram afinal, contra o que ele julgava os elementos que teriam permitido a justificação da sua acção típica. Erro que será de afirmar mesmo na hipótese de a suposição do agente se ter revelado errónea contra as suas melhores e mais bem fundadas expectativas.” Em exceção a esta regra, é também aceite que, em certos casos, há que recorrer a uma perspectiva ex ante, como é o caso de “figuras estreitamente ligadas às actuações oficiais, os chamados tipos de perigo e tipos de suspeita.” Mas adverte Nuno Brandão: “Não será já, porém, legítimo estender essa perspectiva aos requisitos das causas de justificação que não comunguem das características assinaladas aos tipos de perigo e aos tipos de suspeita. Quanto a esses deverá manter-se a regra da apreciação ex post. A constatação a posteriori de que a situação de facto justificante na realidade não ocorreu, ao contrário do representado pelo agente, importará a aplicação do regime do erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação”. Exposto desta forma sumária o sentido deste erro, diremos desde já que o raciocínio dos arguidos se mostra frágil, pois desde logo arguidos alteraram o conteúdo e sequência de alguns emails, divulgando-os como se fossem realidade e até mesmo porque o único intuito que os moveu não foi o de informar, tendo agido também motivados pela rivalidade clubística e dessa forma pela vontade de que a imagem do ... ficasse afetada (factos 189 e 195). De qualquer maneira, e aparte de tais considerações, estamos aqui em face um ilícito (o da violação de correspondência e telecomunicações) em que a questão da ilicitude concreta não é discutível nem controvertida. Com efeito, há um sentir coletivo de que a correspondência e das telecomunicações são invioláveis, de que apenas as autoridades podem a eles aceder no âmbito de um processo crime. Está interiorizada a ideia de que, mesmo tendo nós a convicção de que o vizinho do lado é um criminoso perigosíssimo, não podemps aceder às suas telecomunicações, fazer escutas ao seu telefone, abrir o correio que recebe, em nome de um interesse público ou de um direito a informar e que tampouco os jornalistas o podem fazer para investigarem e noticiarem. É proibido. E a comunidade tem também assimilada a ideia da censurabilidade da divulgação de comunicações privadas, mesmo nos casos em que estas contêm notícia de crimes. O sentimento geral é a de que se trata de uma insuportável devassa da privacidade dos visados e da violação da ... nas suas comunicações e de que o local próprio para investigar crimes é, não o espaço público, mas o espaço reservado do processo penal. Ou seja, há um sentir coletivo de que o direito a informar cessa perante a inviolabilidade das comunicações. Todos sabem e sentem como justo que apenas em sede de processo penal, e nas condições previstas pelo legislador, é que se pode aceder a comunicações, proceder a escutas, ler a correspondência dos cidadãos, e de que não pode ser atribuído esse direito a particulares, ainda que jornalistas, escudados pela liberdade de imprensa e pelo direito à informar. Lembram bem os assistentes, na resposta ao recurso: “Se entendiam que a conduta não era censurável, porque mantiveram os e-mails em sigilo num computador específico, sem acesso a Internet e ao qual somente os arguidos tinham acesso? Porque reservavam para si apenas o conhecimento de tais e-mails, não os partilhando com os demais ... do programa ...?” Acrescenta-se que os arguidos divulgaram estes emails num programa de televisão depois de prévia seleção de entre outros que liam e que analisavam, o que ocupou um largo período de tempo. Não se tratou de uma atitude irrefletida e impulsiva. Assim, a consciência ética dos arguidos não poderia deixar de se ter colocado, era expectável e exigível que tal tivesse sucedido. Se não se colocou, é censurável essa falta de consciência dos arguidos, pois deve-se a uma atitude interna desvaliosa face aos valores jurídico-penais, pela qual os arguidos devem responder. No que concerne à atenuação especial da pena, sabemos que a falta de consciência da ilicitude só se verificará se o erro não for imputável ao agente, o que se verificará apenas quando o engano ou erro da consciência ética, que se exprime no facto, não se fundamente em qualidade desvaliosa e juridicamente censurável da personalidade do agente. Socorremo-nos aqui das palavras do Tribunal Coletivo: “Importa convocar novamente o carácter inviolável do sigilo das comunicações privadas e, nessa medida, a insusceptibilidade de ponderação do mesmo em face do interesse público na divulgação do conteúdo daquelas comunicações. Perante o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas, um qualquer interesse público que existisse na divulgação do conteúdo de tais comunicações nem sequer se perfilaria como um valor protegido. Tudo a impor a conclusão de que se mostra afastada no caso qualquer possibilidade de atenuação especial da pena a impor pela prática do crime de violação de telecomunicações". Nada tem o Tribunal Coletivo a acrescentar a esta afirmação, com a qual concorda. Qualquer acrescento seria supérfluo. Termos que improcede o recurso neste segmento. A.4. O arguido CC é co-autor ou cúmplice do crime de violação de correspondência ou telecomunicações p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP? (recurso do arguido CC) O Tribunal coletivo condenou o arguido CC pela prática, em co-autoria com o arguido AA, de um crime p. e p. pelo art.º 194 n.º 3 do CP. Entende o arguido CC que o Tribunal incorreu num erro, já que a ação típica consiste em “divulgar” e quem divulgou as telecomunicações foi o arguido AA. Frisa que limitou a sua ação à seleção de e-mails que pudessem ser considerados relevantes e que a divulgação teria sempre lugar, independentemente do seu papel. Por outro lado, a deliberação criminosa de divulgar as comunicações foi tomada pelo arguido AA e foi prévia à sua atividade. Tudo para concluir que os factos só lhe podem ser imputados a título de cumplicidade, nunca de co-autoria. Vejamos. Diz o art.º 26º, estabelecendo uma trilogia de formas de autoria, que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.” O terceiro segmento da norma, que é o que aqui nos interessa, prevê a chamada coautoria. Esta forma de autoria pressupõe a existência de uma decisão conjunta, de um acordo com vista à realização do facto. Como ensina CC Costa, in Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal CEJ, pág. 170: “para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito- que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objetiva para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio em cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva típica.” O acordo para a prática do acto tanto pode ser expresso, como pode ser implícito, construído de forma tácita, ao longo da execução conjunta do facto, tanto na fase inicial do processo executivo como na fase sucessiva (co-autoria sucessiva) e a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados. Mas não basta este acordo para que haja co-autoria, sendo também necessário execução do facto. Tal não significa que tenham todos os agentes de intervir em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção e se mostre indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina. Determinante é que o co-autor tenha o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e que se dispôs a levar a cabo. Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o co-autor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo. É esta a posição do STJ, que tem vindo a afirmar repetidamente que, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, já que basta que a actuação de cada um, embora parcial, seja um elemento componente do todo indispensável à sua produção (cfr. Ac. STJ de 30-10-2002, 06-10-2004, 31-03-2011, 4-07-2013, 14-12-2017, 11-02-2021, todos in wwwdgsi.pt.). Na doutrina, com pertinência para o caso dos autos, escrevem também Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal anotado, Rei dos Livros, 3ª ed., 1º vol., p 339: “a circunstância de um agente ter ficado de vigia enquanto o outro entrou na moradia para furtar, de acordo com o plano estabelecido, não significa que aquele não tenha cometido o crime de introdução em casa alheia, toda a vez que, como se viu, no que respeita à execução propriamente dita não se torna indispensável que cada um dos arguidos intervenha em todos os actos a praticar para a consecução do resultado final, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo”. No plano subjectivo, é imprescindível à comparticipação como co-autor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum –neste sentido, Ac. do STJ, de 19.11.2011, in www.dgsi.pt. A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A cumplicidade, supondo a existência de um facto punível praticado por outrem, está subordinada ao princípio da acessoriedade e, tal como é definida no artigo 27º do Código Penal, pressupõe uma causalidade não essencial, isto é que a infracção do autor sempre seria praticada, embora em outro tempo, lugar ou circunstância. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos; apenas tem consciência de que favorece um facto alheio sem tomar parte nele; e não é necessário que o autor conheça a ajuda ou colaboração que lhe é prestada Na cumplicidade o agente favorece a prática por outrem de um crime, mas está fora do acto típico, não participando na execução do plano criminoso. Revertendo ao caso dos autos e analisando a factualidade dada como provada à luz da doutrina acima expostas, parece-nos claro que a atuação do recorrente CC, dada como provada, constituiu uma verdadeira participação na atividade criminosa, cumprindo a tarefa que lhe foi atribuída segundo a divisão de trabalho estabelecida, atuando no âmbito de uma decisão conjunta, contribuindo para a realização do facto típico. Atentemos em que se provou que, face ao volume e características da correspondência electrónica que foi remetida ao arguido AA, este adquiriu um computador da linha Macintosh (Mac), de marca Apple®, o qual manteve sem qualquer ... à rede de internet ou outra, para efectuar a análise ao conteúdo dos elementos que lhe eram enviados, tendo ainda, em final de ..., convocado o auxílio do arguido CC para proceder à análise dos conteúdos da correspondência electrónica que lhe ia sendo remetida. Apurou-se ainda que o arguido AA decidiu divulgar no programa “...” a partir do início de ... a selecção de correspondência electrónica que previamente era efectuada, com essa finalidade, pelo arguido CC Na realidade, tendo em vista a delimitação típica do crime de violação de correspondência e considerando o propósito dos arguidos - imbuídos de fervor clubístico, de divulgar factos que fossem prejudiciais aos assistentes -, concluímos que a tarefa que coube ao arguido CC, de selecionar os emails que cumprissem o propósito criminoso, é uma tarefa necessária para a realização do facto típico. Numa situação como esta, dada a extensão dos emails, esta tarefa era de facto essencial à concretização do plano criminoso e constituía uma função necessária e autónoma no quadro da cooperação. O recorrente podia deixar de praticar a tarefa que lhe incumbia, sem o que não o plano criminoso não se concretizaria nos termos delineados mas, diversamente, o que quis foi criar com o outro arguido condições materiais para que nada falhasse. O arguido deteve, assim, o domínio funcional do facto, no sentido de que a actividade que desempenhou na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano previamente acordado pelos dois arguidos. Tudo para concluir que resulta dos factos provados que o arguido é também co-autor deste crime. Termos em que improcedem as conclusões do recurso, neste segmento. Dos crimes de ofensa à pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo art.º 187 do CP: B1. A ação típica no crime de ofensa a pessoa coletiva: atipicidade da conduta do arguido AA nos programas de televisão dos dias 6 e 21 de Junho de 2017? (recurso do arguido AA) Pugna o arguido AA pela absolvição, argumentando, em síntese, que os factos que afirmou no programa de .../.../2017 e .../.../2017 são verdadeiros e que, ainda que o não fossem, a sua conduta continuaria a ser atípica, pois tinha motivos para, em boa fé, os considerar verdadeiros. . Assim, no que respeita ao programa do dia .../.../2017, argumenta que resulta da simples leitura conjugada dos e-mails (em parte) lidos que FF (..., à data com responsabilidades ao nível da formação dos ... e da sua subida ou não à primeira categoria e ao quadro das competições nacionais) tinha acesso a informação confidencial do mundo da ..., informação essa que partilhava, de forma directa e próxima, com KK, um elemento proeminente da estrutura do .... Indiciam esses emails a existência de uma influência abusiva e indevida do ... nos processos de formação, selecção e graduação dos ... que intervinham nos seus jogos, numa rede de tráfico de influências e de corrupção. Por outro lado, ainda que fossem factos inverídicos (que não são), o arguido tinha motivos para, em boa fé, os considerar verdadeiros, pelo que a sua conduta é atípica. Vejamos se é assim. Diz-nos o Artigo 187º do CP, com a epígrafe “Ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva”, o seguinte: “1. Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismos ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.” A introdução deste artigo, levada a efeito pelo DL 48/95, de 15/3, teve a precedê-la os esclarecimentos do Prof. Figueiredo Dias, que sublinhava não ter ele por base a ideia, errada, de que os artigos anteriores não cobrem as pessoas colectivas, de que estas não são podem ser portadoras do bem jurídico protegido pela difamação ou injúria. O que sucede é que o objectivo deste artigo é diferente: "…é criminalizar acções (os rumores), não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria" (cfr Ata n.º 25, da Comissão Revisora). Vemos, pois, que através da punição da conduta assim descrita procurou o legislador conferir tutela ao bom nome da pessoa coletiva, assente na credibilidade, prestígio e a confiança. Como bem refere José de CC e Costa (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra editora, 2012, pág. 677), o bem jurídico tutelado pelo art.º 187º do Cód. Penal “é um pedaço fragmentado da realidade social com ressonância axiológica. É um bem jurídico mais do que poliédrico, um bem jurídico heterogénico. Heterogeneidade que ressalta da sua diferenciada composição: credibilidade, prestígio e confiança” Diz ainda: «prestígio, credibilidade e confiança dependem muito da forma como a comunidade valora as atuações da pessoa colectiva ou instituição. É claro que aquela valoração (...) está sujeita, por seu turno, à actuação da própria pessoa colectiva. (...) É, por consequência, esta dimensão objectiva (...) que constitui a pedra angular para uma correcta e ajustada compreensão do bem jurídico em análise». Uma instituição é credível quando, “pela actuação dos seus órgãos ou membros, se mostra cumpridora das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra séria e imparcial”, tem prestígio quando, “pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, ela se impõe no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve” e é digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar”. Ou seja, a credibilidade, prestígio e confiança da pessoa coletiva dependem da valoração da comunidade sobre as suas atuações, da crença sobre o seu valor intrínseco. O bom nome pressupõe, deste modo, uma construção social da imagem que as pessoas têm da pessoa colectiva. (cfr. Costa Andrade, in Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal. Uma perspetiva jurídico-criminal, Coimbra editora, 1996, p. 87) Da leitura da norma convocada resulta que, para que uma determinada conduta possa ser reconduzida ao tipo-de-ilícito objetivo, é necessário que o agente tenha afirmado ou propalado factos inverídicos. Lê-se no AC STJ Acórdão n.º 14/2023, de uniformização de jurisprudência, DR 1ª série, de 11/12/2023: “afirmar significa declarar com firmeza, dizer (algo) assumindo o caráter de verdade do que é dito, sustentar, asseverar; assegurar a veracidade ou a existência de (algo); já propalar significa tornar público, divulgar, espalhar, reiterar (v. Dicionário Houaiss), propagar (Dicionário da Língua ... Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001. Por outro lado, ao reduzir o objeto da conduta típica a factos, o tipo legal exclui da incriminação legal meras valorações ou juízos sobre as pessoas e entidades protegidas, o que aliado à particularidades do bem jurídico protegido, que não se confunde com a honra, marca a individualidade deste crime em face dos crimes contra a honra propriamente ditos. É, por conseguinte, essencial, para a configuração do tipo de ilícito, a distinção entre facto versus juízo, que foi feita com clareza pelo Prof. CC Costa, op. cit, pág. 609-612. “Como se acaba de ver, os elementos do tipo estruturados naqueles dois grandes segmentos, exigem ainda, mesmo como primeira abordagem, que se estabeleça uma clara distinção entre facto e juízo. Façamos, por conseguinte, o estudo desses dois conceitos nucleares para a compreensão objectiva do tipo. Uma primeira ideia que importa sublinhar, liga-se ao facto de, em termos abstracto-conceituais, não ser particularmente difícil encontrar uma linha divisória entre juízo e facto. No entanto, os adensamentos problemáticos que a vida sempre arrasta e a que a hermenêutica, jurídico-penalmente empenhada, dá voz, fazem com que os níveis de nitidez definitória se esfumem e criem zonas cinzentas onde as margens daquelas duas realidades se confundem. Utilizando uma linguagem analítica poder-se-á dizer que a noção de facto se traduz naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. Se se diz que César foi assassinado por Brutus estamos a consubstanciar um facto (um facto histórico). Do mesmo jeito é também um facto afirmar que Alves dos Reis protagonizou, entre nós, uma das maiores burlas de sempre. Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjuntos de acções (com unidade) que se protelam no tempo. De forma simples: um facto é um juízo de existência ou de realidade. O juízo independentemente dos domínios em que ele pode ser operatório (juízos psicológicos, lógico, axiológico, jurídico), deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor. O que é o mesmo que dizer: deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido (a verdade, a beleza, a moral, a justiça, etc.). Assim, se se afirma que A não foi ao exame escrito da disciplina de direito penal – e se isso efectivamente tiver acontecido – está-se a fazer a imputação de um facto; mas se se disser que ele se não apresentou a actos porque é “incapaz” de fazer a cadeira, é evidente que se está já a elaborar um juízo sobre a sua capacidade. No entanto, os exemplos que se acabaram de mostrar movem-se ainda, em nosso entender, na zona clara e iluminada onde os recortes definitórios são fáceis de encontrar. Urge que se vá mais longe e mais fundo de modo a depararmos com a penumbra conceitual. Para se realizar a finalidade por última proposta avancemos com dois exemplos. O primeiro: (…). O segundo: D é reconhecido e tido por todos como uma personalidade de péssimo carácter, agressivo e maldoso. D bate desalmadamente em E. Perante aquele espectáculo, F limita-se a dizer que tal monstruosidade só podia vir de um bárbaro, de uma besta e de troglodita do jaez de D. Terão C e F expressado factos ou juízos? Olhemos, agora, a segunda ilustração. F emitiu seguramente, e em primeira análise, um juízo de valor sobre D. No entanto, esse preciso juízo de valor tem, sem dúvida alguma, uma base factual. Mais: poder-se-ia até sustentar que esse é um juízo determinado exclusivamente pela prática daquele facto concreto (as ofensas corporais) e querer, com isso, afirmar-se que D é “de facto” um bárbaro e uma besta. Também aqui somos levados a concordar com a confusão conceitual que se pode desencadear a propósito de situações tão simples e corriqueiras do nosso quotidiano. (…) § 26 Olhemos, agora, para o pressuposto modal que determina todos os restantes elementos do tipo. Estudemos, por consequência, a proposição “mesmo sob a forma de suspeita”. Tal como já dissemos, considera-se que a proposição referida não é um verdadeiro e próprio elemento do tipo, mas antes um alargamento modal à imputação de factos ou juízos desonrosos. Isto é: a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz da maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias-verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja. Basta que nos capacitemos de que à meia verdade é sempre difícil responder ou contra-argumentar racionalmente e, por isso, a ressonância desonrosa, ligada à ofensa, multiplica-se com credibilidade, porquanto ali há um pouco de verdade. Daí que tenhamos por absolutamente irrelevante – para este aspecto das coisas, frise-se – fazer preceder a imputação do facto ou a formulação do juízo de um “diz-se”, “ouvimos de vários lados”, “tanto quanto julgamos saber”. Mais. Mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo. Assim, se se disser “ele e ela entraram para o quarto do hotel perto da meia noite, mas, seguramente, foram jogar xadrez” é indiscutível, se outro contexto não existir, que se está a fazer uma imputação desonrosa (…)» RENATO LOPES MILITÃO, no texto Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas, Julgar Online, https://julgar.pt/sobre-a-tutela-penal-da-honra-das-entidades-coletivas/ escreve, a este respeito desta distinção: “Importa adiantar ainda que a afirmação de factos pressupõe sempre juízos de valor, ainda que implícitos, nomeadamente na seleção do que se afirma ou na decisão de o afirmar. Ademais, como reconhece a generalidade da doutrina, não é possível estabelecer-se uma delimitação clara e segura entre juízos de valor e factos. Deste modo, a doutrina mais avisada vem sustentando que, sendo duvidoso se um conteúdo expressivo se traduz num juízo valorativo ou num facto, deve considerar-se que se trata de um juízo de valor. Ademais, quando na mesma conduta comunicacional, ainda que se trate de uma conduta prolongada (v. g., um discurso, uma entrevista, um debate), o agente formule juízos de valor e afirme factos, por princípio, deve entender-se que se está apenas perante a formulação de juízos valorativos. Somente devendo afastar-se este princípio quando, (i) à luz de um critério objetivo, deva considerar-se que a conduta em causa tem carácter fundamentalmente informativo ou (ii) os factos afirmados não tenham conexão com as apreciações críticas formuladas e hajam sido imputados ao visado com o único e refletido propósito de o rebaixar, humilhar ou caluniar, exagerada, inútil e desnecessariamente.” Em suma, deverá aferir-se se o que foi dito contém qualquer elemento de descrição/narração de realidade factual, ou se, pelo contrário, se limita a uma formulação de um quadro de juízos de valor, não concretizados com a descrição de factos, “pedaços da vida real”. Seguimos também CC Costa no entendimento de que factos inverídicos abarca um universo mais extenso do que factos falsos, ou seja, que não foi irrelevante o legislador usar um termo e não usar outro. A falsidade tem, neste contexto de valor de uso, uma carga de desvalor, de negação que o emprego do inverídico não arrasta. E explica este Autor a importância deste “alargamento” da punibilidade através do emprego do termo “inverídico”: “ninguém desconhece que afirmar ou propalar uma "meia-verdade" não é, sob pena de "insanável contradição lógica, asseverar uma falsidade, e que, contudo, em certas circunstâncias, aquela "meia-verdade" já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica.” Desta feita, é facto inverídico não só o facto completamente falso, mas também aquele que é relatado combinando aspectos verdadeiros e de aspectos falsos, bem assim como o relato de factos que são verdadeiros, mas em que se omitem outros que lhe emprestariam um sentido diferente. Feita a destrinça, vejamos ainda que resulta da descrição da conduta típica em causa, os factos inverídicos só são típicos se forem idóneos a ofender a credibilidade e o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, corporação ou serviço. E o legislador procurou assegurar a eficácia preventiva do sistema, fazendo recuar o âmbito da protecção concedida e consequentemente alargando a área da punibilidade, através do recurso à figura do crime de perigo abstracto-concreto. É assim necessário, para afirmar a respectiva prática, a comprovação, no caso concreto, da aptidão genérica dos factos afirmados ou propalados para lesar a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, que são os bens jurídicos tutelados, mas não se exigindo um efetivo dano. O juízo a tecer a respeito dessa idoneidade tem de ser um juízo objetivo, no qual não é relevante a valoração do agente, mas tão só a avaliação de um homem médio colocado na situação do agente (neste sentido, Ac. RP de 19-04-2017, in www.dgsi.pt)- Depois, é também elemento constitutivo do tipo (e não uma causa de exclusão da ilicitude), a falta de fundamento por parte do agente para, em boa fé, reputar os factos como verdadeiros (neste sentido, cfr. CC Costa no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 682 e ainda Leal Henriques e Simas Santos na anotação do preceito no Código Penal Anotado, 4ª Ed., vol. III, pág. 646 e ss. e Acórdão da Relação de Lisboa de 14/03/2019, proferido no processo 4498/17.0T9LSB.L1-9, acessível em www.dgsi.pt) A boa fé não pode significar uma pura convicção subjetiva, tendo de assentar numa dimensão objetiva, num cuidado rigoroso na recolha da informação e na aferição da credibilidade das fontes. E, pondo termo à divergência doutrinária e jurisprudencial que a este respeito subsistia, veio o já referido Ac. STJ de 08-11-2023, in www.dgsi.pt, estabelecer que: «O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito.» Resulta da conjugação do art.º 187 com o disposto no art.º 13º do CP que estamos em face de um crime doloso, exigindo-se que o agente tenha actuado com dolo, enquanto elemento subjectivo geral da ilicitude (conhecimento da factualidade típica e da vontade de realização do tipo legal de crime), em qualquer das suas formas (directo, necessário ou eventual), em conformidade com o disposto no art.º 14º do CP. Salientamos ainda que, neste crime, o caso concreto obriga sempre o julgador a dirimir um conflito entre bens jurídicos fundamentais tutelados pela Constituição: o direito ao bom-nome e à reputação, previsto no artigo 26º.º, n.º 1, da C.R.P. e o direito à liberdade de expressão e de informação pela imprensa e meios de comunicação social, consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da C.R.P. No juízo de concordância prática que há que tecer, tem o julgador de ter presente, por um lado, o carácter fragmentário ou de ultima ratio do direito penal, obedecendo a um princípio de intervenção mínima e, por outro lado, que numa sociedade pluralista e democrática e em consonância com a jurisprudência do TEDH , a liberdade de expressão e informação constitui a regra e as restrições a excepção, que só são admissíveis se forem proporcionadas a um objectivo legítimo protegido. A este propósito, refere o Ac. do STJ de 30/06/2011, in www.dgsi.pt: «A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra. Não o ignora no artigo 10.º, n.º 2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão. Esta construção levou aquele Tribunal a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º 2. E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, assenta, essencialmente, no seguinte: por um lado, a ideia de que liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; por outro lado, a ideia de que as excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito; A liberdade de expressão, abrange pois - com alguns limites- expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o TEDH vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” – devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas.» A tutela, ou não, do bom nome de uma pessoa coletiva pressupõe que, perante cada caso concreto, se atente sempre, quer à essência desse direito, quer ao quadro de actividade e ao fim prosseguido por essa pessoa colectiva, quer ainda, de outra banda, à liberdade de expressão e de informação, basilares num Estado de Direito Democrático. In casu, vejamos os factos provados. Ora, ao programa do dia .../.../2017, referem-se os factos descritos em 50 a 71 e 185 a 195. E, lidos esses factos, este Tribunal da Relação constata, tal como o fez o Tribunal Coletivo, que o arguido leu os emails por uma ordem distinta daquela pela qual ao correspondência foi trocada e omitiu palavras ou partes desses emails, subvertendo o seu sentido e afirmando por essa via factos inverídicos, por forma a transmitir a ideia de que existia um esquema de corrupção de ... pelo ..., de que este ... teria ao seu serviço 8 .... É a história da meia verdade, a que nos referimos acima: alterando o contexto em que as frases em causa foram proferidas, a conclusão que se chega é diferente daquela a que se chegaria se os emails tivessem sido lidos como efetivamente foram escritos e pela ordem cronológica: o sentido da mensagem altera-se, o que equivale a utilizar factos verdadeiros para criar um facto inverídico. Usamos as palavras do Tribunal Coletivo, que explicou de forma clara o que se passou, para não estarmos a dizer a mesma coisa por outras palavras: “44. Do mero confronto da ordem cronológica por que a correspondência electrónica foi trocada entre FF e KK com a sequência seguida pelo arguido AA no programa “...” transmitido pelo ... no dia ........2017 na leitura das passagens dos e-mails, resulta não poderem acolher-se as afirmações constantes da contestação que o mesmo apresentou, nomeadamente de que “leu tudo aquilo (e só aquilo) que lhe pareceu relevante naqueles e-mails, divulgando o essencial do seu conteúdo e do sentido que materializam” e de que a conclusão a que chegou “não seria abalada ou prejudicada caso os e-mails tivessem sido lidos na íntegra”. Ao invés, aquele confronto permite concluir, sem qualquer dúvida, que o arguido AA manipulou a informação de forma a poder retirar a conclusão de que a troca de correspondência entre aqueles dois indivíduos demonstra que «(...) os Srs. SS, FFF, QQ GGG, HHH, III e JJJ, à data de ... de ... de 2013, e KKK também, que ele depois acrescenta, eram ... que estavam ao serviço do ... É o que ele está aqui a dizer». A manipulação da informação por parte do arguido AA começou com a transmissão da ideia de que o ... (que corporizou em KK e no “nosso primeiro-ministro") manifestou expressamente a sua adesão às afirmações proferidas por FF nos e-mails que enviou a KK. Na verdade, depois de ler as passagens de e-mails acima transcritas, em concreto, entre "Sobre a ... não temos de ser mãezinhas (...)" e "Agora apague tudo", o arguido AA afirmou que KK respondeu a FF da seguinte forma: "Sei que o nosso primeiro-ministro quer que seja essa a postura. E se ele tratou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E na verdade não temos tido muita razão de queixa". No entanto, como se constata da leitura cronológica dos e-mails trocados entre FF e KK, o e-mail em que este alude a “postura” é anterior ao e-mail em que FF profere as referidas passagens lidas pelo arguido AA. Não obstante, a simples leitura do e-mail remetido por KK a FF, sem mais, permite concluir, sem dúvida, que a alusão que este faz a “postura” não representa adesão do mesmo a afirmações de FF, nomeadamente a uma qualquer “postura” que este defendesse dever ser assumida pelo ..., antes se reporta à “postura” do próprio KK. O teor do e-mail remetido por KK a FF é, a este propósito, elucidativo da manipulação efectuada pelo arguido AA, nomeadamente pelo que este do mesmo omitiu no seu relato, sem necessidade de considerandos adicionais: «Estou a levar com críticas e azia de muitos ..., que me acusam de defender em demasia os .... Mas eu quero lá saber! Para mim, o mais importante é o ... E se a minha postura e opiniões puderem contribuir, nem que seja de forma pífia, para um clima de paz e harmonia, acho que é este o caminho a seguir. Sei que "nosso" primeiro-ministro quer que seja esta a postura e se ele traçou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa.». O arguido AA prosseguiu com a manipulação da informação de forma a transmitir a ideia de que FF referiu a KK, através de e-mail, que oito ... “estavam ao serviço do ...". Porque FF utilizou o termo “temos”, concluiu o arguido AA que «Isto quer dizer o seguinte, quer dizer que os Srs. SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ, à data de ... de ... de 2013, e KKK também, que ele depois acrescenta, eram ... que estavam ao serviço do ... É o que ele está aqui a dizer». No entanto, a mera leitura dos e-mails trocados entre FF e KK no dia ........2013 permite concluir, sem qualquer dúvida, nomeadamente pelo que é omitido no relato, que é falsa a afirmação do arguido AA de que o e-mail remetido por FF a KK permite concluir nos termos em que aquele o fez. Na verdade, depois de KK referir no e-mail enviado a FF “(...) vou dizer que daquilo que tenho visto, o EEEFCP é um dos bons valores da ... ... e é um com futuro. Vou falar noutros para não dizerem que estou a defende-lo. Vou elencar o QQ, o SS, o III e o JJJ. Vou dizer que eles até já prejudicaram o ..., mas todos têm futuro e fazem da nova geração. Parece-lhe bem falar destes 4? (...)", FF respondeu àquele desta forma: "EU DIRIA ASSIM: Temos hoje ..., que não sendo internacionais, por vários motivos, tem demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais; SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ, apesar destes dois últimos terem tido azar no passado fim de semana, mas por erro dos seus assistentes. Temos ainda, KKK, que está a fazer uma excelente época, é excelente e podia ser injustamente despromovido a época passada. Os maiores erros têm sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o ...". Torna-se assim patente que ao omitir as circunstâncias em que o verbo "temos" foi utilizado por FF, o arguido AA desvirtuou o sentido da utilização daquela palavra. O que foi afirmado como "temos" no ... português "..., que não sendo internacionais, por vários motivos, tem demonstrado melhores prestações que os internacionais", ficou transformado, no relato do arguido AA, numa admissão, através de e-mail, de que o ... teve "ao [seu] serviço” oito .... (…) É elucidativo que só a atribuição a KK de uma resposta que este não deu a FF e, no segundo caso, a omissão de passagens que alterariam por completo o sentido da sequência de e-mails trocados, permitiu ao arguido AA concluir: «Isto quer dizer o seguinte, quer dizer que os Srs. SS, FFF, QQ, GGG, HHH, III e JJJ, à data de ... de ... de 2013, e KKK também, que ele depois acrescenta, eram ... que estavam ao serviço do ... É o que ele está aqui a dizer.” Parece-nos de facto indubitável que o arguido AA, recorrendo a uma leitura adulterada dos emails, afirmou publicamente, com extraordinária leveza, factos inverídicos, que sabia serem inverídicos, manipulando a informação, factos esses que visam atingir e atingem gravemente e diretamente a credibilidade, prestígio e bom nome que são devidos aos assistentes, que diminuem a imagem que a comunidade tem sobre o ..., o que se conclui, numa avaliação objetiva, assenso no senso e nas regras da experiência comuns,. Há que notar que este crime se consuma mesmo que órgãos dessa entidade coletiva ou pessoas singulares na qualidade de membros dos mesmos possam ser visadas por tais factos inverídicos afirmados ou propalados, desde que a dimensão institucional da entidade coletiva fique também posta em causa, como sucede no presente caso, pois a entidade coletiva atua, por definição, através dos órgãos e pessoas que a servem (cfr Ac. RL de 22-02-2023, in www.dgsi.pt) Tudo para concluir, como o fez o Tribunal Coletivo, que o arguido AA cometeu um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e 2 al. a) e 183 nº 2 do CP. Improcede por isso o recurso neste segmento . No que respeita ao programa do dia ... de ... de 2017, mais uma vez resulta da leitura da factualidade provada r que o arguido AA neles afirmou um facto falso, como, de resto, o Tribunal Coletivo explicou, de forma clara e exaustiva: “A partir do texto de um e-mail verídico, o arguido AA afirmou um facto falso, sabendo dessa falsidade. Na verdade, o envio a alguém vinculado ao ... de um e-mail contendo SMS trocadas pelo então "... da ..." não permite afirmar o facto muito específico, concreto, de que o ... "monitoriza" os SMS daquela pessoa, com o sentido claro de intercepção de comunicações. O e-mail a que o arguido AA se reportou não demonstra o que o mesmo afirmou. Na verdade, tal e-mail não permite concluir que o ... tenha monitorizado as SMS - com referência à data destas - do então "... da ..." e - com referência à data da transmissão do programa - "... da ...". E tal e-mail muito menos permite demonstrar o que arguido AA insinuou, ou seja, de que à data da transmissão do programa aquela monitorização ainda podia estar a ocorrer. De resto, para reforçar a insinuação que expressamente verbalizou, o arguido AA foi sempre fazendo referência ao "... da ...". Ou seja, o arguido afirmou um facto inverídico, sabendo que era inverídico e esse facto propalado (que constitui crime), visto no contexto em que foi proferido e à luz de padrões de sensibilidade média de um “bonus pater famílias”, é na realidade ofensivo do bom nome da visada, da sua credibilidade, prestígio e confiança. Tendo o arguido agido dolosamente, como se provou, concluímos que bem andou o Tribunal Coletivo em condená-lo pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e 2 al. a) e 183 nº 2 do CP. . Diremos, aqui chegados, que não procede a defesa do arguido, no sentido de não ser típica a sua conduta uma vez que "teve sempre a certeza quanto à veracidade dos e-mails que chegaram ao seu conhecimento", De facto, como acima se explicou, o arguido não se limitou a ler emails, tendo feito afirmações de factos inverídicos, factos estes que, como acima se referiu, sabia serem inverídicos. Relembremos os factos provados: “186. No programa “...” transmitido no dia ........2017 o arguido AA quis atingir a credibilidade do ... e da ... perante milhares de telespectadores que viram o programa naquele dia. 187. No mesmo programa, o arguido AA visou criar a ideia de que os assistentes que integram o “...” de algum modo influenciam as decisões e a escolha dos ... desportivos e utilizam a sua esfera de influência para afastar os adversários e ganhar uma vantagem competitiva indevida. 188. Ainda no mesmo programa, foi intenção do arguido AA incutir na audiência a ideia de que os assistentes que integram o “...” quereriam exercer influência sobre a ..., pressionando-a com críticas e, por outro lado, procurando conquistar favores. 189. Nos restantes programas transmitidos pelo ... a que acima se fez referência, ao agir da forma descrita, o arguido AA fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o ... e o ... e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do ... ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que o conteúdo dos seus relatos tinha interesse público e, nessa medida, estava contido no seu direito a informar.” A discordância do arguido relativamente à decisão recorrida neste ponto, expressa nas alegações de recurso, prende-se, note-se, com a própria matéria de facto dada como provada, a qual, não tendo sido impugnada, se considera fixada. Tampouco se pode aqui chamar à colação a causa de justificação do exercício da liberdade de expressão ou do direito a informar, uma vez que estamos perante a afirmação de factos inverídicos, o que o arguido sabia e a imputação dolosa de factos falsos não é, evidentemente, informar nem está acobertada pela proteção conferida à liberdade de expressão (proteção esta que, diga-se, o TEDH tem conferido de forma amplíssima). No caso do crime previsto no artigo 187.º do Código Penal, não há, pois, lugar ao funcionamento da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal - Desta forma, e considerando tudo o que acima foi exposto, concluímos que o arguido praticou efetivamente, nestes dois programas de televisão, dois crimes de ofensa à pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, improcedendo assim as conclusões do recurso neste segmento. B.2- A ação típica no crime de ofensa a pessoa coletiva: atipicidade da conduta do arguido AA nos programas de televisão dos dias 13 e 27 de Junho de 2017? (recurso dos assistentes) Relativamente às afirmações proferidas pelo arguido nas emissões sem causa, entendeu o Tribunal Coletivo que as mesmas eram atípicas, já que o teor dos e-mails (verídicos) não foi objecto de manipulação por parte do arguido e que os comentários que o mesmo teceu sobre tais emails nos programas em questão se traduziram em meras opiniões, em juízos de valor, decisão esta com a qual as assistentes não se conformam. Mas é esse também o entendimento deste Tribunal da Relação, pelas mesmas razões que sustentaram a decisão do Tribunal Coletivo, que aqui se dão por reproduzidas e que nos abstemos de repetir. Veja-se que, tal como consta dos factos provados, as afirmações do arguido AA nos programas de televisão em causa consistiram em conclusões que ele retirava da leitura dos emails que ia fazendo, conclusões essas que são, efetivamente, no sentido de que o ... adoptava práticas anti-desportivas e até mesmo criminosas (a título de exemplo: “que vigarice vem a ser esta? que cambalachos são estes? O ... não está implicado nisto?” “ O ... claramente está implicado num esquema que envolve ..., que adultera a verdade desportiva” , “ O senhor SS é o exemplo perfeito de como o ... interferiu de forma danosa na ..., de forma danosa, isto agora é investigar”, “Isto é uma vergonha, isto é o ... português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo ...”; “então anda-se a criar um … para quê? …. A criar um mostro que tudo permite ao ... e nada permite aos outros, que cria um clima de benefício permanente e depois vai-se fazer a …?). O arguido lê emails tal como eles foram escritos e depois comenta-os, dando a sua opinião. Tratou-se sempre de opiniões, de conclusões que retira da leitura dos emails, ou seja, de juízos de valor (sendo que estes, como vimos já supra, envolvem na maioria das vezes, imputação de factos). É perceptível que são comentários, feitos de forma encalorada e com fervor clubístico, por um adepto e funcionário de um ... de ... rival e que não são completamente desfasados do teor da correspondência lida. Há exageros linguísticos nos comentários que faz aos emails que vai lendo, nas conclusões que vai retirando de tais emails, há adjetivações negativas para o ... e as conclusões podem ser erradas e os juízos de valor injustificados e injustos e ofensivos do bom nome do ... mas, na realidade, a conduta punida jurídico-criminalmente consiste, como vimos, na imputação de factos, o que não sucede neste caso. Deste modo, a conduta do arguido é atípica, tal como concluiu o Tribunal Coletivo, (sem prejuízo de poder, eventualmente, ser ilícita do ponto de vista jurídico-civilística). Os arguidos foram, por conseguinte, corretamente absolvidos dos crimes de que vinham acusados com referência às suas condutas nos programas de televisão em causa. Pelo exposto, o recurso das assistentes improcede nesta parte. B.3- Enquadramento jurídico da conduta do arguido AA dada como provada e referente ao dia 30 de Junho de 2017: unidade criminosa com a conduta do dia 21/6 ou concurso de crimes? (recurso dos assistentes) Na emissão do dia ..., depois de ter passado uma peça televisiva em que o arguido DD falara, o arguido AA afirmou o seguinte: “Porque é que o ... precisa de monitorizar SMS do ... da ..., NN?” Ou seja, o arguido afirmou um facto inverídico, em forma de pergunta retórica, sabendo que era inverídico e esse facto propalado (que constitui crime) é na realidade ofensivo do bom nome da visada. Não se tratou de um juízo de valor, de uma conclusão extraída naquele momento de um email verídico, mas sim, da afirmação de um facto inverídico (lembramos aqui as considerações a este respeito feitas em B.1). Tendo o arguido agido dolosamente, como se provou, concluímos que bem andou o Tribunal Coletivo em entender que a conduta do arguido é subsumível à prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e 2 al. a) e 183 nº 2 do CP. Contudo, e aqui reside a discordância dos assistentes, entendeu também o Tribunal Coletivo que o arguido, no dia ..., “deu continuidade ao que já afirmara no dia .../.../2017, o que fez escassas semanas depois” e que, nessa medida, estamos perante uma única resolução criminosa. Em consonância, veio o Tribunal Coletivo a condenar o arguido pela prática de um só crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, tendo por referência os factos do dia 21/6 e os factos do dia .... É fundada a discordância dos assistentes, adiantamos desde já. Vejamos o artigo 30.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Penal, onde se escreve: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos”. Como critério geral orientador na decisão sobre o concurso de crimes, segue-se a posição de Figueiredo Dias (exposta in Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 977), a qual não rejeita, antes completa, a construção de Eduardo Correia, que assentava na pluralidade de resoluções (ou de determinações da vontade) pelas quais o agente actuou, e que conhecemos como “critério da unidade ou pluralidade da intenção criminosa”. Figueiredo Dias propõe. como critério fundamental da unidade ou pluralidade de infrações, o da unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica. A essência do facto punível reside, para Figueiredo Dias, não na mera ação típica, nem na norma (no bem jurídico tutelado), mas no “substrato de vida” dotado de sentido jurídico-penalmente negativo. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global. Daí que, em seu entender, seja a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude do comportamento global a determinar a unidade ou pluralidade de crimes Explica o Ac. STJ de fixação de jurisprudência n.º 10/2003, in www.dgsi.pt: “Segundo esta orientação, vários factores deverão ser considerados, não assumindo cada um deles isoladamente relevância decisiva, mas sendo tomados no seu conjunto, e no âmbito das concretas circunstâncias do comportamento em causa, pois é esse conjunto, esse "comportamento global", que tem significado segundo um juízo de ilicitude material. Assim, os bens jurídicos afectados, a unidade ou pluralidade de resoluções, a distância ou proximidade espácio-temporal entre as acções, as conexões de sentido entre elas (por exemplo, a relação meio-fim), o modo como tais bens jurídicos, condutas e relações encontram tradução nos tipos legais de crime, a unidade ou pluralidade de vítimas, serão elementos a relevar.” Assim, o preenchimento, em concreto, de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efectivo, pois pode concluir-se pela existência de um sentido de ilicitude dominante, sendo os restantes dominados ou subordinados, hipótese em que se verifica um concurso aparente. E o preenchimento de um único tipo legal também não se traduz necessariamente na unidade do facto punível, podendo dar-se o caso de o comportamento do agente revelar uma pluralidade de sentidos de ilicitude. Na prossecução desta sua tarefa, o decisor deve recorrer a subcritérios orientadores, como o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ ilícito-fim, o da conexão situacional espácio-temporal, o dos diferentes estádios de realização da actuação global. (este entendimento tem vindo a ser acolhido na jurisprudência, de que são exemplo os Ac. STJ de 24-04-2019 e de 30-10-2014, in www.dgsi.pt). No caso, quer se sufrague a doutrina de Eduardo Correia, quer a interpretação da norma proposta por Figueiredo Dias, a conclusão é a mesma: estamos perante um concurso efetivo homogéneo, perante dois crimes e não em face de uma unidade criminosa. Aqui, conseguimos identificar dois comportamentos que ocorreram em dois momentos temporalmente distintos, subsumíveis ao mesmo tipo de ilícito criminal. Para que a unidade resolutiva se possa afirmar, é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. A resolução criminosa antecede a execução da respectiva acção ilícita, Ora, no caso não existe um “fio sequencial” único de comportamento em relação aos dois comportamentos. As afirmações do arguido foram proferidas em dois programas de televisão distintos, separados 15 dias, tendo ele tido intervenção num outro programa que teve lugar a meio. Os programas televisivos tiveram, naturalmente, públicos distintos. Não é como se fossem atos consecutivos, que tenham tido lugar no mesmo programa, ou no mesmo dia. Como de forma simples e clara se exemplifica no Ac. RE, de 12/07/2010, in www.dgsi.pt: “(…): se alguém toma a resolução de passar o resto da vida a assaltar residências, fazendo disso modo de vida, não se pode concluir, por mais firme que seja essa resolução, que todos os assaltos que fizer no futuro são a execução do mesmo único crime de furto. (…) Porém a “resolução criminosa” pressupõe sempre a representação pelo agente dos factos concretos que vão ser praticados. Não se pode reduzir a um mero “projecto de vida”, que abranja todos os factos criminosos, praticados em momento indeterminado do futuro, à medida que as oportunidades criminosas forem aparecendo.” Assim, entende-se que no caso concreto o arguido, nestes dois dias diferentes, accionou e renovou os mecanismos da sua vontade para proferir as afirmações em causa, perante um público de televisão necessariamente distinto, o que faz com que, seguindo a tese de Eduardo Correia, a cada uma dessas resoluções corresponda um crime. E, na verdade, estamos também em face de uma pluralidade de sentidos de ilicitude autónomos – critério relevante na doutrina de Figueiredo Dias – impondo a conclusão de que há um concurso homogéneo de crimes, um praticado a 21/6 e outro a .... Em conformidade, revogar-se-á o Acórdão recorrido nesta parte, condenando-se o arguido pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia .... B.4- A conduta dos arguidos, dada como provada, referente à elaboração e publicação do livro “...” integra a prática de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art.º 187 e 183 do CP? (recurso dos assistentes) Considerando a factualidade demonstrada no Acórdão recorrido nos pontos 212 a 214, com o aditamento à matéria de facto supra ordenado, à luz das considerações supra tecidas a respeito do crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187º do CP, entende este Tribunal da Relação que os arguidos AA e CC cometeram efetivamente, em co-autoria, um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187º e 183º do CP, como advogam os assistentes no recurso interposto. Vejamos mais pormenorizadamente. Antes de mais, há que lembrar que o AC. STJ n.º 14/2023, de 11 de dezembro veio pôr termos à polémica, fixando jurisprudência no seguinte sentido: “O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito” Não vemos razão para não seguir a doutrina deste Acórdão, com a qual concordamos, pelo que nos resta aferir se os factos escritos pelos arguidos são de facto ofensivos do bom nome das assistentes. Resulta dos factos provados que os arguidos escreveram no livro que publicaram que: - “a obra em causa tem como tema um conjunto de alegadas práticas anti-desportivas levadas a cabo pelos assistentes que integram o “...”, conjuntamente designados como .... - «Um polvo, como se sabe, é um animal invertebrado que se destaca pela exuberância dos seus oito tentáculos revestidos de ventosas. Gosta de se movimentar pelos fundos dos mares e mexe-se bem entre as rochas, alcançando alguns dos buracos maios recônditos com os tentáculos. Distingue-se pela sua capacidade de camuflagem, ajustando a cor da pele em função das necessidades. Quando se sente ameaçado, expele uma tinta escura que repele os predadores. Não por acaso, já há vários anos que se associa as características deste cefalópode à máfia. Metaforicamente, o ... é um polvo». - “..., pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o ... português - não no campo, onde os jogos se disputam -, adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto». - “o ... já tem um histórico longo e consistente de controlo das instituições que lideram o ... português. Esse é um objetivo estratégico que o ... persegue praticamente desde o início do século». - «O controlo das instituições do ... português pelo ... resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de lugares-chave de certos organismos que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o ...; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências». - «O ... soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da ... e que abrange tanto o seu núcleo central (o ...) como as suas ramificações a nível local». -Estamos perante um caso flagrante de fomento de intimidade entre DD e a comunicação social que parte do próprio e que pode ajudar a explicar os favores de vários órgãos e de alguns ... (...)». - «A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do ... é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do ... (...)». - «Perante este panorama, nem os ... nem os ... podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do ... da .... Não é isso o que acontece.». Considerando a distinção entre juízos de facto e juízos de valor, explanada supra neste acórdão (em B1), entendemos que estamos aqui perante a imputação de factos às assistentes e não em face de juízos de valor, embora, é certo, essa imputação de factos seja acompanhada de juízos de valor e de juízos conclusivos. De facto, os arguidos imputam ao ... ações concretas: tráfico de influências, com vista a obter vantagens na ...; controlar as opiniões dos adeptos; apoiar ilegalmente claques. E trata-se de factos graves, objetivamente idóneos a lesar o bom nome do ..., a sua credibilidade (capacidade da instituição de cumprir as regras e respeitar prazos e de ser diligente) prestígio (capacidade para ser merecedora de respeito pela comunidade n seu sector de atividade) e confiança (capacidade para ser vista pela comunidade como sendo sólida e merecedora de crédito). Acresce que se provou que os arguidos sabiam que os factos que escreveram eram inverídicos, não tendo fundamento sério para, em boa fé, os reputar como verdadeiros, tendo agido dolosamente. Tratando-se de um livro, que foi publicado, estamos perante um “meio de comunicação social”, razão pela qual a conduta dos arguidos é subsumível ao disposto no n.º 2 do art.º 183 do CP. Sobre o conceito de meio de comunicação social, diz CC Costa, mais uma vez, que temos de apelar ao valor de uso da palavra no seio da comunidade jurídica para delimitar o seu sentido. E acrescenta: “A comunicação social realiza-se na pluralidade de meios que, em determinado momento histórico, a comunidade é capaz de fornecer para a difusão dos diferentes fluxos informacionais e que visa, tem por específica finalidade atingir com essa informação um conjunto alargado ou maciço de pessoas Assim, o livro, a revista, o jornal são meios de comunicação social que utilizam suporte físico e se exprimem pela escrita” (op. cit., anotação ao artigo 183º) (neste sentido, cfr. o Ac. RP de 23/2/2022, in www.dgsi.pt onde se escreve: Os meios de comunicação social são todos os tipos de aparatos analógicos ou digitais utilizados para transmitir textos, imagens e áudios para uma massa heterogênea e indeterminada de pessoas. Os meios mais conhecidos são os livros, jornais, revistas, rádio, cinema, televisão, gravações (discos de vinil, fitas cassete, VHSs, cartuchos, CDs, DVDs, blu-rays, cartões de memória etc.), video games e internet) No que concerne à alínea b) do art.º 183, considerando a teleologia do art.º 187º, entende esta Relação que não é abarcada pela norma remissiva. - vide neste sentido CC Costa, in Comentário…, cit., p. 685 e Ac. RL de 08-09-2010, www.dgsi.pt Entendemos ainda que, no caso do crime previsto no artigo 187.º do Código Penal, não há lugar ao funcionamento da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal. Com efeito, nem a norma remissiva do n.º 2 do artigo 187.º remete para a mesma nem, em bom rigor, podia remeter, já que o tipo do artigo 187.º, n.º 1 pressupõe a afirmação ou propalação de factos inverídicos. Assim, por definição, a prova da veracidade destes factos actua a montante, ao nível do preenchimento do tipo e não ao nível da ocorrência de eventuais causas de justificação. Mostra-se, pois, afastada a possibilidade de justificação da conduta do recorrente ao abrigo desta específica causa de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal. E poderá considerar-se a mesma justificada por prevalência do invocado direito constitucional de expressão, opinião e crítica? Segundo o artigo 31.º do Código Penal, o facto não é punível “quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade” [n.º 1], não sendo nomeadamente ilícito o facto praticado “no exercício de um direito” [alínea b) do n.º 2]. Ora, não pode invocar-se o direito de informar inerente à liberdade de expressão e de informação prevista no artigo 37.º da Constituição da República ... quando a informação veiculada é inverídica e o arguido não tem motivos para em boa fé confiar na veracidade das afirmações que fez. Uma última nota se impõe: não obstante os arguidos tenham sido pronunciados pelos assistentes da prática de um crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 n.º 1 al. a) e al. b) do CP o certo é que, em sede de audiência de julgamento de dia .../.../2023 foi proferido um despacho com o seguinte teor: “ Advertem-se os arguidos para a possibilidade de vir a considerar-se que a factualidade descrita na acusação particular relativa à publicação do livro “...”, para que remeteu o despacho de pronúncia, estando em causa meio utilizado para transmitir textos e imagens para uma massa heterogénea e indeterminada de pessoas (cf. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2022, disponível em www.dgsi.pt – processo 555/16.8T9STS.P1), nessa medida integrando o conceito de meio de comunicação social, consubstancia a prática por ambos, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.ºs 1, al. b), e 2, ambos do Código Penal.” Dir-se-á ainda que, considerando a factualidade provada e o conceito de co-autoria, supra exposto neste Acórdão, no ponto A.4, os arguidos são claramente co-autores do crime consumado de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelo qual devem ser condenados. Em razão do exposto, procede o recurso dos assistentes nesta parte. Do crime de acesso indevido: C.1. – Enquadramento jurídico da conduta dos arguidos: os arguidos praticaram, em co-autoria, um crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44 1 e 2 al. b) da Lei 67/98, de 16/10, na redação da Lei 103/205, de 24/08? (recurso dos assistentes) Sabemos que arguidos foram pronunciados pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido p. e p. peio art.º 44.º, n.º 1 e 2, b) da Lei n.º 67/98, de 26/10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.8, em vigor à data dos factos, vindo ao ser absolvidos pelo Acórdão recorrido. Ora, previa o art.º 44º da Lei n.º 67/98, de 26.10 que o crime de acesso indevido era cometido por todo aquele “sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a dados pessoais cujo acesso lhe está vedado”. Na al. b) do n.º 2 do referido art.º 44.º previa-se como circunstância modificativa agravante do tipo de crime matricial o facto de o acesso ter possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais. O n.º 3 do mesmo art.º 44.º previa que o tipo de crime matricial de acesso indevido, previsto no n.º 1 daquele dispositivo legal, revestia natureza semi-pública, pois o procedimento criminal dependia de queixa. Entrou, entretanto, em vigor a Lei n.º 103/2015, de 24.08, que aditou o art.º 45.º-A à Lei n.º 67/98, de 26.10 (cf. o art.º 7.º daquela Lei), mantendo inalterado o citado art.º 44.º. Mais recentemente, o art.º 66.º, n.º 1, da Lei n.º 58/2019, de 08.08, procedeu à revogação da Lei n.º 67/98, de 26.10, passando o crime de acesso indevido passou a estar tipificado no art.º 47.º, n.º 1, da citada Lei n.º 58/2019. Lê-se agora no art.º 47, com a epígrafe “Acesso indevido” o seguinte: “1 - Quem, sem a devida autorização ou justificação, aceder, por qualquer modo, a dados pessoais é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - A pena é agravada para o dobro nos seus limites quando se tratar dos dados pessoais a que se referem os artigos 9.º e 10.º do RGPD. 3 - A pena é também agravada para o dobro nos seus limites quando o acesso: a) For conseguido através de violação de regras técnicas de segurança; ou b) Tiver proporcionado ao agente ou a terceiros benefício ou vantagem patrimonial.” Deixou assim de constituir circunstância modificativa agravante do tipo de crime matricial o facto de o acesso ter possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais. Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei n.º 58/2019, de 08.08, o crime de acesso indevido passou a revestir natureza pública. Vejamos então se, à luz da legislação vigente à data dos factos provados (Lei n.º 67/98, de 26.10), a conduta dos arguidos é subsumível ao crime de acesso indevido. Já se disse supra, no ponto 5.1, que através da incriminação da conduta supra descrita, procurou o legislador conferir proteção ao bem jurídico da privacidade e autodeterminação informacional. A Constituição da República ..., no seu art.º 35º, erigiu como direito fundamental, o direito à autodeterminação informativa. A proteção do direito à autodeterminação informativa «abrange todos os poderes e faculdades que permitem garantir que a pessoa não é usada como fonte de informação para terceiros contra a sua vontade, podendo além disso controlar a informação que é fornecida e os termos e abrangência em que ela é tratada.» - Constituição da República ... Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 786. Trata-se, assim, de «evitar que o indivíduo se transforme em simples objeto de informação, garantindo-lhe o domínio dos seus próprios dados ao permitir-lhe determinar o que podem (e até onde podem) os outros conhecer a seu respeito» - Catarina Sarmento e Castro, “Privacidade e Proteção dos Dados Pessoais em Rede”, na revista Direito da Sociedade da Informação, VII, 2008, pág. 95. O crime de acesso indevido dirige-se à privacidade e pretende assegurar que o tratamento de dados pessoais se faz com respeito pela necessária confidencialidade, o que levanta grandes desafios, considerando os ataques cada vez mais sofisticados aos sistemas informáticos onde tais dados são armazenados e tratados Trata-se de um crime de resultado, ou seja, que se consuma com a concretização do resultado típico. A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, tem por objecto o «tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados», bem como o «tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados» (artigo 4º, n.º 1). Por "dados pessoais" entende-se qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»). É considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social (alínea a) do artigo 3º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro). Dada a natureza dos dados, o acesso é, em princípio, vedado a todos aqueles que não sejam o seu próprio titular, o responsável pelo tratamento, os subcontratantes, as pessoas sob responsabilidade directa destes ou do responsável pelo tratamento, os terceiros e os destinatários [alíneas e), f) e g) do artigo 3º]. Da conjugação destes elementos resulta que o tipo objectivo desta incriminação caracteriza o agente como sendo a pessoa a quem, por não estar devidamente autorizada, o acesso está vedado. A ação proibida consubstancia-se no acto de aceder aos dados pessoais e o objecto desta acção esses mesmos dados, cuja definição consta da alínea a) do artigo 3º. Aceder, diz Tiago Geraldo (in Comentário ao Regulamento Geral de Proteção de Dados e à Lei 58/2019, Almedina, anot. Ao at.º 47) “é conhecer a dados pessoais através da intrusão num sistema de tratamento físico ou informático, sem autorização ou justificação”. Também Pedro Verdelho, in Comentário das Leis Penais Extravagantes- Lei 67/98 de 26 de Out, diz que "Aceder a dados pessoais" é “entrar por qualquer modo num sistema informático ou num arquivo físico onde se guardem dados pessoais.”. No mesmo sentido, lemos no AC RP de 13-03-2013, in www.dgsi.pt, o seguinte: “Etimologicamente, “aceder” significa aproximar-se, abordar, aportar, encontrar, chegar e, no caso concreto, há-de traduzir a ideia da possibilidade de se comunicar com um dispositivo, meio de armazenamento, unidade de rede, de memória, registo ou arquivo, visando receber ou fornecer dados. Explica ainda Pedro Verdelho, com clareza, a relação deste crime com a de acesso legítimo, previsto no art.º 6º da Lei do Cibercrime: “neste último, pune-se o acesso ao sistema informático, sendo o bem jurídico a segurança (i.e., a confidencialidade, integridade e disponibilidade) dos sistemas informáticos; no primeiro, pune-se o acesso a bens pessoais, tendencialmente armazenados em sistemas informático, sendo o bem jurídico protegido a privacidade e autodeterminação informacional.” Note-se ainda que o tipo matricial do crime de acesso indevido se basta com o mero acesso formal a uma base de dados, independentemente de o agente ter efectivamente, ou não, tomado conhecimento desses dados. Trata-se de um crime doloso, que comporta todas as modalidades de dolo. Posto isto, vemos claramente que no caso em análise os arguidos não acederam a dados pessoais através da intrusão num sistema informático, razão pela qual as suas condutas não integram a prática do crime em análise. Em conformidade, por atipicidade da conduta dos arguidos, improcede o recurso interposto pelos assistentes neste segmento. 5.5.- Das consequências jurídicas dos crimes de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 n.º 2 do CP, praticados pelos arguidos: Aqui chegados, lembremos os crimes pelos quais os arguidos foram condenados pelo Tribunal Coletivo, condenações essas que, como vimos, mereceram o nosso acordo. Assim, o arguido AA foi condenado pela prática: - em co-autoria e na forma consumada, de (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal, - em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, - em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal. Já o arguido CC foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos art.ºs 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal Vimos ainda que é nosso entendimento que os arguidos praticaram, para além destes, os seguintes crimes (cfr. pontos B.3 e B.4 deste Acórdão): - o arguido AA, em autoria material, um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia ... e, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”. - o arguido CC, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”. Desta forma, ao abrigo da Jurisprudência fixada obrigatoriamente pelo Acórdão STJ nº4/2016, DR-36 SÉRIE I de 2016-02-22, cumpre de seguida proceder à determinação da espécie e medida da pena a aplicar aos arguidos pela prática destes crimes. Escolha da pena: Sabemos que, admitindo a punição prevista para o crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 do CP a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, deve o juiz começar por escolher a espécie de pena que concretamente vai aplicar, seguindo o critério fixado no art.º 70º do C. Penal: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Relativamente às exigências de prevenção, ensina Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 211 e ss e 327 e ss., que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Tal significa que o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária. Por seu turno a prevenção geral positiva surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer que, se impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. (cfr. ainda Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, in RPCC, 2, 1991, pág. 243). Ora, as exigências de prevenção geral positiva são efetivamente escassas, dado que o crime em causa não causa alarme na sociedade. Relativamente às exigências de prevenção especial positiva, sob a forma de ressocialização, são já elevadas, não obstante os arguidos estejam social, familiar e profissionalmente inseridos e não tenham antecedentes criminais- Na verdade, o arguido AA praticou os crimes que aqui estão em causa e os demais crimes de ofensa a pessoa coletiva pelos quais foi condenado pelo Acórdão recorrido, ao longo de vários meses, mostrando-se insensível aos prejuízos que causava aos visados e indiferente aos valores que devem reger a conduta dos cidadãos em comunidade, ciente da polémica que causava no espaço público e das queixas que contra ele foram apresentadas em várias sedes, revelando uma personalidade avessa ao direito, com manifesta incapacidade para, após cada crime cometido, refletir e entender o desvalor da acção praticada, de modo a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes, mantendo-se sempre firme no seu propósito criminoso. Os factos provados traduzem uma verdadeira campanha do arguido AA no sentido de denegrir publicamente a imagem do ..., que ele levou a cabo de forma persistente, movido não só por um intuito de informar, mas também pela rivalidade clubística com o ... Desta forma, acompanhamos o Tribunal Coletivo no entendimento de que a pena de multa não apresenta claramente potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, impondo-se a aplicação de uma pena que tenha nele um efeito mais incisivo e que, por isso, permita uma efetiva interiorização do desvalor da sua conduta. De resto, este entendimento mereceu a concordância do arguido, que não recorreu da pena. Relativamente ao arguido CC, é certo que está em causa nos autos um único crime de ofensa a pessoa coletiva agravada. Contudo, ele é praticado quando existia já uma forte polémica sobre os programas de televisão, com queixas já apresentadas à ... e queixas crime, o que denota uma grande intensidade de desígnio criminoso da sua parte, uma personalidade avessa ao direito, com manifesta incapacidade para refletir e entender o desvalor da acção praticada e interiorizar a necessidade da respectiva censura, de modo a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes. Assim, também relativamente a este arguido, são elevadas as exigências de prevenção especial positiva, apenas atenuadas pelo facto de não ter antecedentes criminais e de estar profissional e socialmente inserido. Deste modo, a escolha deverá recair sobre a pena de prisão também relativamente a este arguido. Da medida concreta da pena: Diz-nos o artigo 40º do Código Penal que: 1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A respeito da determinação da medida concreta da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111 seguinte “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”. Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada. Dando concretização aos vectores enunciados no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto; o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Ora, considerando em primeiro lugar o crime pelo arguido AA praticado no dia ..., terá de ser valorado desfavoravelmente o dolo direto com que agiu, a indiciar uma culpa elevada. Salientamos que o arguido tinha já conhecimento, quando proferiu a frase em causa, da polémica gerada pelas afirmações que tinha proferido em programas anteriores, teve oportunidade de refletir sobre a gravidade das suas condutas, de se aconselhar, de arrepiar caminho e, não obstante, reiterou a sua conduta criminosa, sendo por isso intensa a vontade criminosa Também o grau de ilicitude da conduta é elevado, considerando a gravidade do facto propalado. Os motivos que determinaram a prática do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor do arguido, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade. As exigências de prevenção especial são elevadas, como supra foi exposto, sendo apenas minoradas pela inserção profissional, social e familiar do arguido. Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas, pois não é um crime que cause grande impacto na sociedade. Assim, e atenta a moldura penal abstratamente aplicável e as circunstâncias acima referidas, entendemos ser adequado fixar a pena de prisão pela prática deste crime em 12 meses de prisão. No que concerne ao crime praticado pelos dois arguidos, referente à publicação do livro, igualmente em desfavor dos dois arguidos terão de ser consideradas as exigências de prevenção especial positiva, o dolo direto com que agiram e a elevada ilicitude da conduta, pelas razões já supra expostas e que aqui são inteiramente válidas. Acresce que o livro é publicado numa altura em que era grande a polémica que envolvia os programas de televisão em causa e as afirmações que nele fazia o arguido AA. Neste contexto, ao publicarem este livro, os arguidos mostraram de facto uma grande intensidade de vontade criminosa e indiferença perante o dever ser jurídico-penal. No que respeita aos sentimentos e motivos que determinaram a prática do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor dos arguidos, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade. A ilicitude é elevada, atenta a gravidade dos factos propalados. Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas. Considerando, pois, tudo o que acima foi exposto, entende-se adequado fixar a pena de prisão em um ano e dois meses para cada um dos arguidos. Da pena única: Em consequência destas condenações, a pena única dos arguidos tem de ser reformulada. Entre nós vigora um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico, onde é feita a combinação das várias penas parcelares concretamente fixadas pelo Tribunal, as quais não perdem a sua natureza de fundamentos da pena do concurso. Desta forma, a pena aplicável ao concurso de crimes é uma pena única. Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do CP que: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal). Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um quinto, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados (cfr. Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 4ªed., Lisboa, 2015, vol. II, pág. 213). Sustenta-se no Acórdão STJ de 14-09-201, in www.dgsi.pt: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”. Ora, no que respeita ao arguido AA, estão em causa as seguintes condenações: - pela prática de um crime de violação de correspondência e telecomunicações agravada, a pena de 10 meses de prisão; - pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão; - - pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão; - pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 12 meses de prisão; - pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão. Assim, a pena única há-de ser encontrada numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e dois meses e por limite máximo 5 anos e 4 meses. Nesta operação ter-se-á- em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a qual, na formação da pena de conjunto as penas parcelares em concurso devem sofrer um factor de compressão, em regra, de 1/3, sem prejuízo de, por exemplo, em situações que espelhem uma carreira criminosa possa ser introduzido um factor de compressão mais lato do que o de 1/3. (cfr. por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2011 e de 27.05.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt E na realidade, valorando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 2 anos e 6 meses de prisão. No que respeita ao arguido CC, na construção da moldura da pena única tem de se considerar as seguintes condenações: - pela prática de um crime de violação de correspondência agravada, a pena de 9 meses de prisão; - pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Assim, numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e 2 meses e por máximo um ano e 11 meses, e considerando também relativamente a este arguido as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 1 ano e 5 meses de prisão. Aa pena de substituição: Na reforma do Código Penal levada a efeito em 1982, o legislador, reconhecendo que a pena deve ser um instrumento liberto, em toda a medida possível, de efeitos estigmatizantes, como repositório dos valores fundamentais da comunidade, com a mais ampla ratificação dos direitos do homem e, especialmente, da dignidade da pessoa humana, introduziu um arquétipo onde a pena privativa da liberdade reveste carácter excepcional, constituindo a ultima ratio da política criminal. Em resultado directo de tal concepção ocorreu uma maior diversificação das sanções penais e o reforço do papel da pena pecuniária – erigida em verdadeira pena autónoma de substituição -, sendo claramente definidos e explicitados os seus critérios próprios de afirmação e o âmbito da sua aplicação e execução. Tal orientação foi mantida e até reforçada nas reformas subsequentes, designadamente na introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, seja pelo alargamento do leque de penas substitutivas, seja ainda pelas alterações substanciais introduzidas às já existentes de forma a conferir-lhes maior abrangência. De acordo com o disposto no art.º 48º do CP o seguinte “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.” Diz-nos o art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal que: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.». Os citados normativos atribuem ao tribunal o poder-dever de substituir a pena de prisão não superior aos limites referidos sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68, e Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §518, págs.342-343) No caso dos autos, as elevadas exigências de prevenção especial impedem que a pena de prisão do arguido CC seja substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. Aliás, o arguido tem hábitos de trabalho, está familiar e socialmente inserido e, não obstante, praticou os crimes em causa nos autos Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir). A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes. E ensina o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in as Consequências do Crime, pág. 344, que a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…». A suspensão da execução da pena é, sem dúvida, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. No caso em análise, o Tribunal Coletivo suspendeu a pena única, entendendo que a ameaça da prisão fará os arguidos repensar a prática de novos ilícitos criminais. E, na realidade, considerando que os arguidos não têm antecedentes criminais, é possível concluir que estamos perante uma fase da vida isolada no contexto de uma vida fiel ao direito e que a ameaça da pena evitará a repetição de idênticas condutas. É, de facto, possível realizar um juízo de prognose favorável à suspensão da execução pena imposto pelo art.º 50º, n.º 1 do Código Penal, Considerando que não são elevadas as exigências de prevenção geral positiva presentes no caso, o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido não ficará afetado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão. Assim, as penas únicas de prisão serão suspensas na sua execução pelo mesmo período de tempo. Do conhecimento da sentença condenatória: Considerando, o disposto no art.º 189º do CP e 91º da Lei 27/2007, de 30/7 e a ampla difusão que mereceram os factos em causa nos autos, ordena-se, a expensas dos arguidos o conhecimento público do Acórdão nos termos requeridos pelos assistentes, a efetuar no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do presente acórdão V- Decisão: Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em: a. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto do despacho interlocutório pelos arguidos AA, CC e BB e, em consequência, revogar o mesmo no segmento em que admitiu o recorrido DD a intervir nos autos como assistente relativamente aos crimes de violação de correspondência e de telecomunicações, p. e p. pelo art.º 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e pelo art.º 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 e art.º 197.º, al. b), ambos do Código Penal e confirmando-se o despacho na parte em que admitiu o recorrido a intervir nos autos na qualidade de assistente por referência ao crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.08. b. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelas assistentes e, em consequência: - 1. Alterar a matéria de facto, aditando à mesma o seguinte facto provado: 215- A: Os arguidos AA e CC sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam serem inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. 2 - condenar o arguido AA: - pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de doze meses de prisão. - pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de um ano e dois meses de prisão. - em cumulo jurídico entre estas penas e as demais penas de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Coletivo, condená-lo na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão. 3 - condenar o arguido CC: - pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos art.ºs 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de um ano e dois meses de prisão. - em cumulo jurídico entre estas penas e as demais penas de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Coletivo, condená-lo na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão. 4- Ao abrigo do disposto no art.º 189 do CP, publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, num jornal periódico generalista e de grande tiragem, a expensas dos arguidos AA e CC e numa emissão televisiva no “...” em horário nobre no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão. c)- julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos do Acórdão condenatório recorrido. d) Confirmar quanto ao mais o Acórdão condenatório recorrido. * Custas pelos arguidos, fixando a taxa de justiça individualmente devida em 4 UC. * Notifique. * Lisboa, 23 de janeiro de 2024 Sara André dos Reis Marques Luísa Oliveira Alvoeiro Ester Pacheco |