Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CARLOS DUARTE DO VALE CALHEIROS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CONDUÇÃO COM ÁLCOOL DIREITO DE REGRESSO MEIO DE PROVA AUTO DE PARTICIPAÇÃO TESTE DE ALCOOLÉMIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- O auto de participação elaborado pelo agente de autoridade no que respeita à quantificação da taxa de álcool que o Réu apresentava não consubstancia documento autêntico que faça prova plena dessa realidade. II - Não se trata de facto que possa ser constatado pela percepção directa desse agente policial, antes tem de ser verificado com recurso a um aparelho alcoolímetro que satisfaça os parâmetros e as condições preconizados pelos Decreto-Lei nº 291/90, de 20.9, e Portaria 1556/2007, de 10.12 ( actualmente revogados e substituídos respectivamente pelo Decreto-Lei nº 29/2022 , de 7.4 e pela Portaria nº 366/2023 , de 15.11) , e só por intermédio do talão emitido na sequência da realização do teste no ar expirado é possível comprovar a ocorrência desses requisitos e características , a aprovação e validade desse aparelho e atestar a concreta taxa de alcoolémia apurada através desse teste. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO A., identificada nos autos, instaurou acção declarativa com processo comum contra H., identificado nos autos, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 6122,84€, acrescidos de juros de mora desde 26.04.2019, até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, ter direito de regresso sobre o Réu pelo valor reclamado, correspondente ao que despendeu em virtude de acidente de viação causado pelo último, que conduzia com taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida. O Réu foi citado editalmente, tendo o Ministério Público contestado por impugnação. Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, decidindo-se : i) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 432,84€ (quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos); ii) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar no incidente próprio, correspondente ao valor dos danos sofridos pelo proprietário do veículo de matrícula WW-WW-WW, até ao limite de 5 690,00€ (cinco mil, seiscentos e noventa euros); iii) Absolver o Réu do pedido, na parte respeitante aos juros de mora. Inconformada com a decisão o Ministério Público veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra: “ I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, que julgou a presente acção parcialmente procedente e, nessa sequência condenou o Réu ausente a pagar à Autora a quantia de 432,84€ (quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos) e ainda a pagar a quantia que se vier a liquidar em incidente próprio, até ao limite de 5690€ (cinco mil seiscentos e noventa euros). II. O Ministério Público não se conforma com a douta decisão proferida por considerar que o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação da prova bem como fez uma errada subsunção dos factos assentes ao Direito. III. Na medida em que a Autora propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra H., Réu ausente, na qual peticiona a sua condenação no pagamento de 6122,84€, acrescidos de juros de mora desde 26.04.2019, alegando o seu direito de regresso nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 292/2007, de 21 de agosto. IV. Invoca, assim, a Autora que havia celebrado um contrato de seguro com o Réu, através do qual este transferiu a para a Autora a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo com a matrícula XX-XX-XX. V. Mais invoca a Autora que o Réu foi interveniente num acidente de viação, envolvendo mais dois veículos automóveis, sendo que foi o Réu que deu causa a tal acidente e estava alcoolizado, com uma TAS de 0,84g/l. VI. O Tribunal a quo considerou como provado o seguinte facto: 12) O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l. VII. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção sobre o mencionado facto, na participação do seguro conjugado com o depoimento da testemunha S., agente da PSP que efectuou a pesquisa no local e elaborou o auto. VIII. Entende o Ministério Público que a prova produzida não permitia ao Tribunal a quo dar como provada quantificação da taxa de álcool, uma TAS de pelo menos 0,816g/l. IX. Independentemente do teor da Participação de Acidente, este documento só por si, sem qualquer outro elemento de sustentação, não tem a virtualidade de permitir a verificação, a prova, da quantificação da taxa de álcool no sangue. X. A quantificação da taxa de alcoolemia não é um facto susceptível de percepção. XI. É um facto sujeito a prova vinculada, na medida em que o seu resultado carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho ou através de exame toxicológico. XII. E, quando produzido por determinado tipo de aparelho, implica a efectivação de uma medição metrológica por recurso a instrumentos tecnológicos e tal medição entra em linha de conta com diversas variáveis. XIII. Além disso, a utilização dos aparelhos têm que obedecer a determinadas condições, por forma a garantir a fiabilidade de um alcoolímetro. XIV. Pois que se o mesmo não obedecer a essas mesmas condições, não se pode ter por fiável o grau de alcoolemia indicado por tal alcoolímetro, como é o caso de quando utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica, ou seja, a medição efectuada por esse alcoolímetro não serve como prova. XV. Com efeito, os elementos de prova sustentados pelo Tribunal a quo não permitem a validação, a prova de uma concreta taxa de álcool no sangue, são manifestamente insuficientes. XVI. Ou seja, a concreta taxa de alcoolemia atribuída ao Réu não poderá resultar da prova testemunhal ou por referência a teor de uma participação de acidente, mas de um exame feito por uma máquina que acusou um dado resultado, ou de um exame toxicológico onde ateste a concreta quantidade de álcool por litro de sangue que um determinado indivíduo tinha. XVII. Acresce que nem se poderá considerar o depoimento do qual se socorre o Tribunal a quo, quando apenas e tão só, confrontado com a Participação de Acidente, confirma ser da sua autoria, pese embora nada se lembre da dinâmica do acidente e dos seus intervenientes, e à questão colocada pela IM da Autora : “E é o Senhor que também faz o teste do álcool após o acidente aos vários condutores e verificou isto que descreveu aqui na descrição do acidente? A testemunha apenas respondeu: “Sim”. (depoimento prestado no dia 02/12/2022; registo áudio do depoimento no sistema de suporte digital do Habilus Media Studio com início 10h:04m:27s às 10h:10m:30s; ao minuto 06:12 a 06:36). XVIII. Ou seja, a concreta taxa de alcoolemia atribuída ao Réu não poderá resultar da prova testemunhal ou por referência a teor de uma participação de acidente, mas de um exame feito por uma máquina que acusou um dado resultado, ou de um exame toxicológico onde ateste a concreta quantidade de álcool por litro de sangue que um determinado indivíduo tinha. XIX. Em suma, entende o Ministério Público que o Tribunal a quo não poderia dar como provada a quantificação do teor de álcool apenas por referência ao que foi consignado na Participação na Participação do Acidente, mesmo conjugado com o “sim” da testemunha. XX. Tinha que constar dos autos a prova exigida para a verificação desse facto, o relatório toxicológico ou, in casu, a certidão da contra-ordenação com todos os elementos de prova para o efeito – talão do alcoolímetro e certificado de verificação do alcoolímetro. XXI. A prova da quantificação do teor de álcool no sangue não pode ser feita por referência ao que o Agente fez constar na Participação do Acidente. O Tribunal a quo tinha que confirmar tal quantificação através do talão expedido pelo alcoolímetro e/ou demais elementos de prova já mencionados. XXII. Para que o Tribunal a quo pudesse dar como provada a concreta quantificação da taxa de álcool no sangue, importava, pois, que os autos contivessem elementos probatórios de que foram assegurados e cumpridos todos os formalismos legalmente exigidos no que tange ao exame de quantificação de álcool no sangue, nos termos do artigo 2.º, n.º 1; artigo 3.º e artigo 14.º, todos do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio. XXIII. Com efeito, impugna-se da matéria dada como assente, o segmento constante do ponto 12, a quantificação da taxa de álcool. XXIV. Não só, mas também na decorrência do que antecede, discorda ainda o Ministério Público da subsunção dos factos efectuada pelo Tribunal a quo ao Direito, concretamente ao direito de regresso, previsto nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. XXV. Em face do mencionado normativo, exercendo a Autora o direito de regresso, competia-lhe alegar e provar que satisfez a indemnização, que o condutor deu culposamente causa ao acidente e que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. XXVI. Como um dos pressupostos do direito de regresso depende, em relação ao álcool, do facto de o condutor estar a conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, cf. artigo 27.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, sendo que de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 81.º, do Código da Estrada, considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, significa que não basta ao Réu ser detectado álcool no sangue, exige uma certa quantificação, pelo que se infere que quanto à quantidade de taxa de álcool no sangue estamos perante prova vinculada. XXVII. Da factualidade dada como assente, ou seja, dos factos constantes do ponto 12- O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l – tendo como suporte exclusivamente a Participação de Acidente, não poderia o Tribunal a quo “dar o salto” para a conclusão de que o Réu conduziu com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. XXVIII. Importa, pois, que a prova valorada e da forma como o foi permita concluir que se mostraram assegurados e cumpridos todos os formalismos legalmente exigidos para o exame de quantificação de álcool no sangue. XXIX. Ora, para que o Tribunal a quo pudesse verificar e concluir que se mostraram assegurados e cumpridos todos os formalismos legalmente exigidos para o exame de quantificação de álcool no sangue, in casu, realizado através do teste quantitativo ao ar expirado, era necessário que dos autos constasse a prova da condenação do Réu por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nos termos do artigo 292.º do Código Penal, ou, in casu , condenação em contra-ordenação por condução sob a influência de álcool, nos termos do artigo 81.º, n.º 1 e n.º 2 do Código da Estrada. XXX. Cremos que só a certidão com nota de trânsito da contra-ordenação e da qual constasse efetivamente o talão da máquina bem como o certificado de verificação da mesma, poderia o Tribunal ter dado como provado o requisito exigido para a verificação do direito de regresso - de que o Réu conduziu com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. XXXI. Não se poderão confundir duas realidades, a sujeição ao teste de álcool, mesmo quantitativo e que acuse uma concreta taxa de álcool no sangue e a conclusão de que o Réu conduziu com uma taxa superior à legalmente admissível. XXXII. Tal só é possível, ou seja, ambas as realidades se poderão fundir quando dos autos resulte que ambas tiveram o mesmo desfecho. XXXIII. Reitere-se que dos autos não resulta qualquer meio de prova que permita concluir pela convicção objectiva e subjectiva quanto à concreta taxa de álcool no sangue do Réu, por total omissão de prova documental quanto ao cumprimento de todas as exigências legais e regulamentares existentes na data em que foi realizado o teste de alcoolemia, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1; 3.º e 14.º, todos do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio e artigo 170.º do Código da Estrada na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro. XXXIV. Em conclusão, cremos que a factualidade dada como assente é insuficiente para dar como provado a verificação do requisito exigido para a procedência do direito de regresso e, por conseguinte, ser a acção procedente nos termos do artigo 27.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. XXXV. Violou, assim, o tribunal a quo as normas ínsitas nos artigos 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto; artigo 81.º, n.º 2 e 170.º, ambos do Código da Estrada e artigo 2.º, n.º 1, 3.º e 14.º, todos do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio. XXXVI. Indemonstrado, assim, um dos pressupostos do peticionado direito de regresso, a acção deverá improceder, restando revogar a decisão recorrida. Nestes termos, e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência disso, ser revogada a douta sentença recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que declare improcedente a acção totalmente improcedente e absolva o Réu ausente do pedido” A Autora contra-alegou , pugnando pela improcedência do recurso. II – OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na motivação do recurso em apreciação, estando vedado a este Tribunal conhecer de questões aí não contempladas, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se impõe ( artigos 635º, nº 2, 639º, nº1 e nº 2, 663º, nº2 e 608º, nº 2, do C.P.C. ) Deste modo, e considerando as conclusões dos recursos interpostos , as questões que cumpre apreciar são as seguintes: - a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao ponto 12 dos factos provados; - a alteração da sentença recorrida no sentido de ser o Réu absolvido do pedido por não se mostrar preenchido um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora preconizado pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1. A autora exerce a indústria de seguros em vários ramos. 2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com o réu, titulado pela apólice n.º ..., através do qual este transferiu para a autora a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula XX-XX-XX. 3. No dia 24 de janeiro de 2019, pelas 06h55, ocorreu um acidente de viação na Av. Da Índia, junto ao entroncamento formado com a Rua ..., em Lisboa. 4. Nesse acidente foram intervenientes o veículo de matrícula XX-XX-XX, conduzido pelo Réu, o veículo de matrícula YY-YY-YY conduzido por G. e o veículo de matrícula WW-WW-WW, conduzido por A.. 5. O local onde ocorreu o acidente configura uma recta. 6. A faixa de rodagem comporta dois sentidos de trânsito, com duas via de circulação para cada um dos sentidos de marcha. 7. O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se sem lombas ou buracos. 8. No dia e hora acima referidos, o réu conduzia o veículo seguro na Av. da Índia, em Lisboa, no sentido Este/Oeste, e na via da esquerda. 9. Ao aproximar-se do entroncamento formado com a Rua ..., o réu saiu da sua via de trânsito, à esquerda, e foi invadir a via da direita, onde estava imobilizado o veículo de matrícula WW-WW-WW, esperando que o semáforo de cor vermelha passasse a verde. 10. Ao invadir a via da direita, o réu não conseguiu controlar nem parar o veículo que conduzia, e embateu com a parte dianteira deste na parte traseira do veículo de matrícula WW-WW-WW que ali estava parado, projectando-o para o lado direito e levando-o a subir o passeio. 11. Além de embater no WW-WW-WW, o réu foi embater na lateral direita da viatura de matrícula YY-YY-YY, que também se encontrava imobilizada na via da esquerda, a aguardar que o semáforo passasse de vermelho a verde. 12. O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l. 13.O veículo de matrícula YY-YY-YY sofreu danos na lateral direita, ao nível do pára-choques, grelha ventiladora, faróis de nevoeiro, guarda-lamas, retrovisor direito, porta da frente direita. 14. O veículo de matrícula YY-YY-YY foi alvo de uma peritagem que concluiu que a reparação dos danos resultantes do acidente ascendia a 432,84€. 15.O veículo de matrícula WW-WW-WW sofreu danos na traseira e na parte interior, mormente no tejadilho, luzes de nevoeiro e de matrícula, painel lateral, porta da retaguarda, pára-choques, painel lateral interior, pneu da frente direito. 16. A autora pagou à “… – Reparadora de Automóveis Lda.” a quantia de 432,84€ pela reparação da viatura de matrícula YY-YY-YY. 17. A autora pagou a quantia de 5 690,00€ a Ana …. 3.2. O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos : a) Que a longarina do veículo de matrícula WW-WW-WW se tenha danificado no acidente. b) Que o veículo de matrícula WW-WW-WW foi alvo de uma peritagem na qual se concluiu que a reparação dos danos resultantes do acidente dos autos ascendia a 8.740,44€. c) Que o valor do veículo de matrícula WW-WW-WW na data do acidente era de 7 250,00 € e o salvado tinha o valor de 1 560,00€. d) Que a autora tenha interpelado o réu, enviando-lhe carta no dia 26 de abril de 2019. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao ponto 12 dos factos provados O Recorrente veio em sede de recurso impugnar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo na parte em que este tribunal julgou provado no ponto 12 da matéria de facto que o réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l. Sustenta o Recorrente que a prova produzida impõe decisão diversa , pugnando pela alteração da decisão de facto no sentido de a quantificação da taxa de álcool ser julgada não provada. Para tanto alega que a quantificação da taxa de alcoolemia não é um facto susceptível de percepção por parte da testemunha S, estando sujeito a prova vinculada na medida em que o seu resultado carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho ou através de exame toxicológico , e quando produzido por determinado tipo de aparelho, implica a efectivação de uma medição metrológica por recurso a instrumentos tecnológicos que têm que obedecer a determinadas condições, por forma a garantir a fiabilidade do alcoolímetro. Tendo este tribunal de recurso procedido à audição do depoimento prestado pela testemunha S., indicada em sede de recurso pela Recorrente, e analisado o auto de participação de acidente elaborado por essa testemunha junto de fls. 13-verso passa-se à apreciação do invocado erro de julgamento. Dispõe o artigo 81º do Código da Estrada : 1- É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas. 2 - Considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico. Dispõe o artigo 292º , nº1 , do Código Penal que quem , pelo menos por negligência , conduzir veículo , com ou sem motor , em via pública ou equiparada , com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l , é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias , se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. Estabelecem as normas acima citadas a ilicitude da conduta consistente na condução com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,5 g/l e inferior a 1,2 g/l , ou igual ou superior a 1,2 g/l , fazendo corresponder a primeira a contra-ordenação , e a segunda a crime. Estatui ainda o artigo 152º do Código da Estrada que: 1- O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. Por seu lado o artigo 1º da Lei nº 18/2007 , de 17.5 , que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, sob a epígrafe “ Detecção e Fiscalização do Álcool “ dispõe : 1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo. 2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. 3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo. Mais dispõe o artigo 2º da mencionada Lei nº 18/2007 , de 17.5 : 1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos. À data da prática dos factos encontravam-se em vigor o Decreto-lei nº 291/90 , de 20.9 , e a Portaria 1556/2007 , de 10.12 , os quais aprovaram o regime do controle metrológico dos alcoolímetros e o regulamentaram , definindo as características e requisitos metrológicos e técnicos a que devem obedecer os alcoolímetros , bem como a necessidade de aprovação dos mesmos ( e o prazo de validade desta ) e da respectiva verificação com a periodicidade aí estabelecida. Decorre assim do quadro normativo referenciado que o teste realizado em analisador qualitativo tem apenas como finalidade apurar a presença de álcool no sangue do examinando mas não é idóneo a quantificar a concreta taxa de álcool que este apresenta, facto que só pode ser demonstrado por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo que apresente as características e requisitos metrológicos e técnicos fixados nos diplomas acima citados, e se mostre devidamente aprovado, verificado e dentro do prazo de validade, ou por análise de sangue. Deste modo o meio de prova legalmente imposto para a demonstração da taxa de álcool no sangue é por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo que obedeça ao preceituado no Decreto-Lei nº 291/90 , de 20.9 ( actualmente revogado e substituído pelo Decreto-Lei nº 29/2022 , de 7.4 ) , e na Portaria 1556/2007 , de 10.12 ( actualmente revogada e substituída pela Portaria nº 366/2023 , de 15.11) , ou por análise de sangue. Sustenta o Recorrente que a simples referência no auto de participação elaborado pelo agente de autoridade que se deslocou ao local do acidente que o Réu “ efectuou teste quantitativo ao ar expirado tendo acusado uma TAS de pelo menos 1,816 g/l , deduzido o erro máximo admissível, conforme teste 2469 “ , desacompanhado do talão emitido pelo aparelho que foi utilizado para efectuar o teste no ar expirado ao Réu, não é idónea a demonstrar essa realidade , o mesmo sucedendo com o depoimento em sede de julgamento desse agente de autoridade, confirmando o que escreveu nesse auto. Em contrapartida a Recorrida defende que esse auto de participação configura um documento autêntico , dotado de força probatória plena relativamente aos factos aí referidos como tendo sido praticados ou atestados com base na respectiva percepção directa por entidade dotada de fé pública, e consequentemente , não tendo sido arguida a sua falsidade, o facto impugnado pelo Recorrente tem de julgar-se provado. Sucede que o auto de participação elaborado pelo agente de autoridade no que respeita à quantificação da taxa de álcool que o Réu apresentava não consubstancia documento autêntico que faça prova plena dessa realidade . Não se trata de facto que possa ser constatado pela percepção directa desse agente policial , antes tem de ser verificado com recurso a um aparelho alcoolímetro que satisfaça os parâmetros e as condições preconizados pelos Decreto-Lei nº 291/90 , de 20.9 , e Portaria 1556/2007 , de 10.12 , e só por intermédio do talão emitido na sequência da realização do teste no ar expirado é possível comprovar a ocorrência desses requisitos e características , a aprovação e validade desse aparelho e atestar a concreta taxa de alcoolémia apurada através desse teste. Deste modo não basta para a demonstração dessa realidade nem o teor do auto de participação nos termos já descritos, nem o depoimento da testemunha S…., que confirmou o teor desse auto, desacompanhados do comprovativo documental emitido pelo aparelho alcoolímetro utilizado para efectuar essa medição. Procede assim a impugnação da decisão de facto , eliminando-se do ponto 12 dos Factos Provados o segmento “ tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l”, e acrescentando nos Factos Não Provados uma alínea e) com a redacção “tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l “. Tendo em conta a procedência da impugnação da decisão de facto a matéria de facto a considerar , incluindo as alterações efectuadas , passa a ser a seguinte: Factos Provados 1. A autora exerce a indústria de seguros em vários ramos. 2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com o réu, titulado pela apólice n.º ..., através do qual este transferiu para a autora a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula XX-XX-XX. 3. No dia 24 de janeiro de 2019, pelas 06h55, ocorreu um acidente de viação na Av. Da Índia, junto ao entroncamento formado com a Rua ..., em Lisboa. 4. Nesse acidente foram intervenientes o veículo de matrícula XX-XX-XX, conduzido pelo Réu, o veículo de matrícula YY-YY-YY conduzido por G. e o veículo de matrícula WW-WW-WW, conduzido por A., 5. O local onde ocorreu o acidente configura uma recta. 6. A faixa de rodagem comporta dois sentidos de trânsito, com duas via de circulação para cada um dos sentidos de marcha. 7. O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se sem lombas ou buracos. 8. No dia e hora acima referidos, o réu conduzia o veículo seguro na Av. da Índia, em Lisboa, no sentido Este/Oeste, e na via da esquerda. 9. Ao aproximar-se do entroncamento formado com a Rua ..., o réu saiu da sua via de trânsito, à esquerda, e foi invadir a via da direita, onde estava imobilizado o veículo de matrícula WW-WW-WW, esperando que o semáforo de cor vermelha passasse a verde. 10. Ao invadir a via da direita, o réu não conseguiu controlar nem parar o veículo que conduzia, e embateu com a parte dianteira deste na parte traseira do veículo de matrícula WW-WW-WW que ali estava parado, projectando-o para o lado direito e levando-o a subir o passeio. 11. Além de embater no WW-WW-WW, o réu foi embater na lateral direita da viatura de matrícula YY-YY-YY, que também se encontrava imobilizada na via da esquerda, a aguardar que o semáforo passasse de vermelho a verde. 12. O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue. 13.O veículo de matrícula YY-YY-YY sofreu danos na lateral direita, ao nível do pára-choques, grelha ventiladora, faróis de nevoeiro, guarda-lamas, retrovisor direito, porta da frente direita. 14. O veículo de matrícula YY-YY-YY foi alvo de uma peritagem que concluiu que a reparação dos danos resultantes do acidente ascendia a 432,84€. 15.O veículo de matrícula WW-WW-WW sofreu danos na traseira e na parte interior, mormente no tejadilho, luzes de nevoeiro e de matrícula, painel lateral, porta da retaguarda, pára-choques, painel lateral interior, pneu da frente direito. 16. A autora pagou à “….. Reparadora de Automóveis Lda.” a quantia de 432,84€ pela reparação da viatura de matrícula YY-YY-YY. 17. A autora pagou a quantia de 5690,00€ a A.. Factos Não Provados a) Que a longarina do veículo de matrícula WW-WW-WW se tenha danificado no acidente. b) Que o veículo de matrícula WW-WW-WW foi alvo de uma peritagem na qual se concluiu que a reparação dos danos resultantes do acidente dos autos ascendia a 8 740,44€. c) Que o valor do veículo de matrícula WW-WW-WW na data do acidente era de 7 250,00 € e o salvado tinha o valor de 1 560,00€. d) Que a autora tenha interpelado o réu, enviando-lhe carta no dia 26 de abril de 2019. e)Tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l. Alteração da sentença recorrida no sentido de ser o Réu absolvido do pedido por não se mostrar preenchido um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora preconizado pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea c) ,do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto Sustenta o Recorrente que a Autora não fez prova de um dos pressupostos de que o artigo 27º, nº 1, c) , do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.08 , faz depender a existência do direito de regresso aí conferido à seguradora - a condução do veículo automóvel com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida - , impondo-se assim a absolvição do Réu do pedido . No âmbito dos presentes autos a Autora veio reclamar a condenação do Réu no pagamento a quantia de 6 122,84€, acrescida de juros de mora desde 26.04.2019, invocando ter direito de regresso sobre o Réu pelo valor reclamado, correspondente àquilo que despendeu em virtude de acidente de viação causado pelo último , seu segurado , que conduzia com taxa de álcool no sangue superior à legal. Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, e condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de 432,84€ , bem como a quantia que se vier a liquidar no incidente próprio, correspondente ao valor dos danos sofridos pelo proprietário do veículo de matrícula WW-WW-WW, até ao limite de 5 690,00€ . A Autora fundamentou a sua pretensão em direito de regresso contra o Réu, fazendo apelo ao disposto no art.º 27º, nº 1, c) do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.08. Lê-se no referido normativo que a seguradora tem direito de regresso contra o condutor quando este tenha dado causa ao acidente e conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida. Face à actual redacção do artigo 27º, nº 1, do DL, 291/97, de 21.8 “ a seguradora, para poder exercer o direito de regresso, já não tem a obrigação de demonstrar que o álcool é que levou o condutor a cometer erro na condução, causando o acidente. Exige-se , isso sim , que o condutor da viatura tenha sido o causador do acidente, o que nos reconduz a considerá-lo culpado (exclusivamente ou em situação concorrencial) pela ocorrência do mesmo, o que pressupõe também que a sua responsabilidade civil seja subjectiva ou fundada na culpa (não objectiva nem pelo risco). Exige-se também que o mesmo condutor conduzisse com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida, ou seja neste momento igual ou superior a 0,5 g/l”. (Acórdão da Relação de Lisboa, de 14.03.2019, relator Manuel Rodrigues , disponível em www.dgsi.pt). Efectivamente, “ a jurisprudência dominante vem entendendo que, à luz do disposto no nº 1, al c) do art.º 27º do DL nº 291/2007 de 21 de Agosto, a seguradora apenas tem de provar que o condutor deu culposamente causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida. Isto, naturalmente, para além da prova de ter satisfeito a indemnização.” (Acórdão do S.T.J., de 9.04.2019, relator Acácio das Neves, disponível em www.dgsi.pt)”. Ora considerando factualidade julgada provada ( com as alterações decorrentes da procedência da impugnação de facto em sede de recurso ) não resultou demonstrado que o Réu conduzia com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida, i.e. igual ou superior a 0,5 g/l , e por conseguinte não se mostram preenchidos os pressupostos do direito de regresso da Autora no que respeita à quantias líquidas e a liquidar posteriormente em cujo pagamento o Réu foi condenado no âmbito da decisão recorrida com fundamento na existência desse direito de regresso. Procede deste modo nesta parte o recurso. V – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogam a decisão recorrida, absolvendo o Réu do pedido. Custas da acção e do recurso pela Recorrida (artigo 527º, do C.P.C.). Lisboa,8/2/2024. Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros Ana Paula Nunes Duarte Olivença Maria Teresa Lopes Catrola |