Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
253/21.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: DESENHOS OU MODELOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO EM PARTE
Sumário: 1. No âmbito dos desenhos ou modelos, o TJUE, em acórdão de 12 de setembro de 2019, Cofemel, C-683/17, consagrou a solução da cumulação parcial entre os regimes de direito industrial e direito de autor.
2. As situações em que o desenho pode beneficiar da proteção do direito de autor, ocorre, seguindo o referido acórdão do TJUE, quando o material de design deva ser qualificado de “obra” na aceção da Diretiva 2001/29 (Diretiva Infosoc). Nestas situações, o desenho beneficiará da tutela do direito de autor, independentemente da eventual tutela que possa merecer ao abrigo do regime dos desenhos ou modelos.
3. Constituindo o conceito de originalidade um conceito de natureza jurídica, em última instância, terá de ser o juiz a decidir se determinado material é ou não uma obra original. Obviamente que o gosto ou conceção pessoal de arte do julgador são aqui manifestamente impertinentes.
4. A receção de determinada obra pelo respetivo meio institucional constitui um forte indício de estarmos perante uma obra que deve ser protegida pelo direito de autor. Contudo, o problema subsiste quando inexiste tal receção. Tal receção institucional poderá, pois, ser prova suficiente em determinado caso concreto, mas não deve ser exigível em todos os casos.
5. O critério jurídico para determinar se certo material deve ser considerado uma obra original é o conceito de criação intelectual do próprio autor (CIPA), criação esta expressa num objeto identificável com suficiente precisão e objetividade.
6. Conduzindo-nos pela jurisprudência do TJUE, o conceito de CIPA é complexo e exige a verificação de 3 condições: (i) que o material seja o resultado de escolhas livres e criativas da pessoa (liberdade positiva); (ii) que as escolhas não sejam determinadas por constrangimentos técnicos ou por regras exteriormente impostas, nomeadamente por um terceiro (liberdade negativa ou autonomia); (iii) que o material reflita a sua personalidade. As duas primeiras condições referem-se à “criação intelectual” e a terceira, à parte do conceito “do próprio autor”.
7. No contexto onde o critério da criação intelectual do próprio autor, tal como desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é aplicável a todas as categorias de obras, inclusive, a programas de computador e bases de dados, há que interpretar esta terceira condição de forma realista e pragmática. Assim sendo, cremos que bastará para que determinado material ou expressão possa ser considerado “do próprio autor”, que tenha sido ele(a) a fazê-lo e que não o tenha copiado.
8. A obra, enquanto coisa incorpórea, não se confunde, mesmo nos casos de exemplares únicos, com esta ou aquela expressão particular. Tal como a obra literária “livro” não se confunde com nenhum dos seus exemplares digitais ou impressos, a obra de “desenho” aqui em questão (desenho de candeeiro) também não se confunde com nenhum dos candeeiros seus exemplares.
9. Nem o cilindro, nem o cone nem as ripas, por si só, podem ser objeto de um direito exclusivo. A tal acresce que também não pode considerar-se monopolizável, o que já se tornou comum ou usual no domínio em questão. Protege-se, pois, a obra criativa, ou seja, a diferença e repetição dessa mesma diferença (reprodução). A intensidade da tutela da obra não varia, assim, em termos rigorosos, relativamente ao respetivo grau de originalidade, mas antes de acordo com os seus elementos originais (diferenciais).
10. Atentos os objetivos diversos prosseguidos pela propriedade industrial e o direito de autor, não se pode invocar a concorrência desleal com base na violação deste último. Por seu turno, a tutela pelo regime da concorrência desleal é subsidiária em relação à tutela conferida pelos direitos privativos.
11. O recurso à equidade em sede indemnizatória não visa colmatar deficiências probatórias imputáveis às partes, mas visa resolver dificuldades probatórias inerentes a determinadas situações concretas.
O prejuízo moral que pode ser peticionado ao abrigo do regime do direito de autor, diz essencialmente respeito à afetação de direitos morais do criador.  Não se tutela, no plano destes direitos morais, os direitos à imagem de uma empresa, como a Recorrente, e o apelo comercial dos seus produtos. Tal tutela ocorre em sede de danos emergentes, ou seja, danos patrimoniais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

Recorrente/Autora: SECTO DESIGN OY, LTD., sociedade comercial de direito finlandês com sede em Kauppalantie 12, 02700 Kauniainen, Uusimaa, Finlândia.
Recorrida/Ré: FILOSOFIA DO ESPAÇO – DESIGN E ARQUITECTURA DE INTERIORES, LDA., sociedade comercial com sede na Rua da Quintinha, n.º 31, R/C, 1200-366 Lisboa.
Recorrida/Ré: D'EL REY SERVICES - GESTÃO E PROMOÇÃO TURÍSTICA, LDA., sociedade comercial, com sede em Avenida D. Inês de Castro, n.º 1, Vale de Janelas, 2510-451 Óbidos.
Recorrida/Interveniente principal provocada (passiva): HOTEL DA PRAIA – GESTÃO E EXPLORAÇÃO DE HOTÉIS, S.A.

1. Em 14-07-2021, a Autora intentou a presente ação declarativa contra as Rés, concluindo com os seguintes pedidos principais:
a) Serem as rés condenadas ao pagamento de uma indemnização não inferior a €32.600,00 pela violação de direitos de autor e pela prática de atos de concorrência desleal, nos termos supracitados, correspondente a:
i. Lucros cessantes, no montante de €27.600,00;
ii. Danos não patrimoniais, em montante a arbitrar nos termos do disposto no art.º 211.º, n.º 5 do CDA, com recurso à equidade;
iii. Encargos relacionados com a proteção do seu direito, em montante não inferior a €5.000,00;
b) Serem as rés condenadas a remover, de imediato e para o futuro, todos e quaisquer produtos que reproduzam os candeeiros Secto da autora, em espaços físicos e digitais.
2. Mais pediu, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 211.º-A do CDA, a publicitação da decisão final, em meios de comunicação escritos e digitais.
3. E pediu, ainda, o seguinte:
“.. que as rés sejam notificadas para apresentar ao Tribunal todos os documentos contabilísticos e comerciais (faturas, notas de encomenda, guias de remessa, documentos alfandegários, etc…) relativos à encomenda, produção, montagem, venda e/ou fornecimento dos candeeiros com uma aparência estética semelhante e sem individualidade própria em relação aos candeeiros Secto da autora.
Mais se requer que seja ordenado às rés a prestação das seguintes informações:
a) Quantidade de candeeiros com uma aparência estética semelhante e sem individualidade própria em relação aos candeeiros Secto da autora que foram encomendados, produzidos e vendidos, até à data, pela ré Filosofia do Espaço e, se aplicável, pela ré D’el Rey Services;
b) Preços de venda unitário de cada candeeiro;
c) Lucro obtido com a venda de cada candeeiro;
d) Identificação completa (nome, morada e contactos) dos demais clientes da ré Filosofia do Espaço (para além da ré D’el Rey Services) que solicitaram, encomendara e/ou adquiriram os candeeiros em causa.
4. Para tanto alegou que, em síntese, a Autora é uma sociedade comercial finlandesa que se dedica à concetualização, produção e comercialização de madeiras nórdicas, contando com a colaboração do arquiteto e designer Seppo Koho tendo, nesse âmbito, em 1999, sido criado e lançado no mercado o primeiro modelo do candeeiro Secto – o Secto 4200.
5. Por sua vez, a Ré, FILOSOFIA DO ESPAÇO, ESPAÇO – DESIGN E ARQUITECTURA DE INTERIORES, LDA., é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design e arquitetura de interiores e desenvolve projetos para a cadeia de hotéis Marriott, dedicando-se a Ré D'EL REY SERVICES - GESTÃO E PROMOÇÃO TURÍSTICA, LDA à gestão e exploração de unidades hoteleiras e serviços de restauração, entre outros, o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.
6. Na sequência da atividade desenvolvida pela Primeira Ré, a Autora foi contatada por esta a propósito da renovação de um Hotel Marriot, em Portugal, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210. Tais candeeiros não vieram a ser adquiridos pela Primeira Ré, mas a Autora veio a ter conhecimento de que no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort foram utilizados na sua decoração, candeeiros que reproduziam o modelo Secto 4210.
7. Citada a primeira Ré, FILOSOFIA DO ESPAÇO, ESPAÇO – DESIGN E ARQUITECTURA DE INTERIORES, LDA., contestou alegando, em suma, que os produtos utilitários da Autora não configuram criações artísticas na aceção do CDADC, visto que, quer a sua aparência oval ou cónica, quer o uso de tiras, constituem elementos triviais e muito usados, quer em abajurs, quer em candeeiros suspensos ou em candeeiros de mesa, não comportando nenhuma inovação, assumindo um grau estético reduzido e por isso não goza de qualquer proteção. Termina pedindo a improcedência da ação com a consequente absolvição do pedido.
8. Citada, a segunda Ré, D’EL REY SERVICES – GESTÃO E PROMOÇÃO TURÍSTICA, LDA., veio excecionar a sua ilegitimidade passiva alegando não desenvolver qualquer atividade de exploração de unidades hoteleiras, conforme o referido pela A., não sendo, por isso, a entidade exploradora e/ou proprietária do Hotel com a denominação “Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort”, nem muito menos ter participado na manufatura dos candeeiros em causa pelo que não violou quaisquer direitos industriais. Pediu, por isso, a sua absolvição da instância.
9. A Autora, em articulado próprio, respondeu às exceções deduzidas por ambas as Rés, pugnando pela respetiva improcedência, e deduziu incidente de intervenção principal provocada do HOTEL DA PRAIA – GESTÃO E EXPLORAÇÃO DE HOTÉIS, S.A., entidade responsável pela exploração do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.
10. A exceção de ilegitimidade passiva foi julgada improcedente em audiência prévia realizada em 05-07-2022.
11. Após a realização de audiência de julgamento foi proferida sentença em 10-07-2023 que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, tendo absolvido as Rés de todos os pedidos contra elas formulados pela Autora.
12. Inconformada com a sentença dela apelou a Autora, onde formula as seguintes conclusões (reprodução integral)
I. O presente litígio diz respeito à reprodução dos candeeiros SECTO 4210 da Autora, por candeeiros fornecidos pela Ré Filosofia do Espaço às Rés D’El Rey Services e Hotel da Praia, para utilização no Hotel Praia D’El Rey.
II. Apesar de os candeeiros SECTO da Autora serem aclamados como obras de arte por todo o mundo, o Tribunal a quo considerou que não são suscetíveis de proteção por direitos de autor.
III. A Autora é uma sociedade comercial finlandesa, que se dedica à atividade de design de interiores e, em especial, à concetualização, produção e comercialização de candeeiros, em colaboração com Seppo Koho, aclamado arquiteto e designer de interiores finlandês, sendo internacionalmente conhecida pelos candeeiros que produz, fruto da colaboração com Seppo Koho.
IV. De entre as peças de design criadas por Seppo Koho, destaca-se o candeeiro SECTO 4200, concetualizado em 1999.
V. Visualmente, os candeeiros SECTO e, em especial, o candeeiro SECTO 4210, podem ser descritos como um corpo cónico composto por ripas de madeira dispostas de forma precisa e uma estrutura cilíndrico superior, cujo desenho permite ocultar a fonte de luz (lâmpada).
VI. Pelas suas características inovadoras de design (forma, linhas, padrões, texturas conferidas pelos materiais utilizados), o candeeiro Secto é uma peça única, que tem merecido reconhecimento por todo o mundo estando presente em diversas exposições internacionais, bem como em locais de referência por todo o mundo.
VII. A Recorrida Filosofia do Espaço é uma sociedade que se dedica à atividade de design e arquitetura de interiores, desenvolvendo projetos para hotéis, como o Hotel Praia D'El Rey Marriott.
VIII. O Hotel Praia D'El Rey Marriott é um estabelecimento hoteleiro de 5 estrelas, cujo espaço físico é explorado pela Ré Hotel da Praia, e, nas plataformas digitais, pela Ré D’El Rey Services.
IX. No âmbito do projeto de renovação do Hotel Praia D’el Rey, da responsabilidade da Ré Filosofia do Espaço, esta entrou em contacto com a Autora, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros SECTO 4210, tendo também entrado em contacto com retalhista local que representa os produtos da Autora em Portugal.
X. Embora a aquisição dos candeeiros SECTO nunca se tenha concretizado, a Autora tomou conhecimento da presença de cópias do candeeiro SECTO no Hotel, por via de email de 23 de abril de 2019, onde se podia ler:
“Encontrei uma "cópia" metálica do vosso candeeiro Secto no hotel Marriot em Portugal. Para vossa informação.
” cfr. doc. 1 junto com o requerimento de 01.11.2022, referência citius 105323.

XI. No Hotel Praia D’el Rey projetado pela Filosofia do Espaço, encontravam-se vários exemplares de candeeiros com características idênticas às dos candeeiros SECTO: aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior sendo o corpo de ambos os candeeiros compostos por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.
XII. A Autora entrou em contacto com as Rés, informando que estariam a ser usados candeeiros “que possivelmente constituiriam uma infração dos direitos de propriedade intelectual da Secto Design”, solicitando informação relativa à quantidade e proveniência dos candeeiros utilizados.
XIII. Em momento posterior, alguns dos candeeiros foram destruídos e substituídos pela Ré Filosofia do Espaço.
XIV. Embora o Tribunal a quo tenha dado por provado que (i) a Ré Filosofia do Espaço estava a executar o projeto de remodelação do Hotel Praia D’El Rey, tendo solicitado um orçamento para a aquisição de candeeiros SECTO 4210, que, todavia, não adquiriu, que (ii) apesar de a Filosofia do Espaço não ter adquirido os candeeiros SECTO 4210, outros que reproduzem as características daqueles surgiram no Hotel em questão e que (iii) os candeeiros em causa foram fornecidos ao hotel Praia D'El Rey Marriott pela Ré Filosofia do Espaço, o Tribunal, surpreendentemente, deu como não provado que a Ré Filosofia do Espaço produziu ou contratou a produção de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO.
XV. A Ré Filosofia do Espaço é a responsável pelo projeto de remodelação do Hotel, demonstrou intenção de adquirir os candeeiros à Autora tendo procurado soluções de candeeiros para o Hotel, foi quem contratou, adquiriu e colocou todos os produtos que integraram o projeto de remodelação, conforme confessado nos articulados das Rés (ex vi art.º 46.º CPC).
XVI. Como tal, havia que dar como provado que a Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO.
XVII. Acresce que o Tribunal a quo omitiu, ainda, facto relevante confessado na contestação da Ré Filosofia do Espaço (art.ºs. 145 e 146), que os candeeiros utilizados no Hotel foram destruídos pela Ré Filosofia do Espaço.
XVIII. Tal confissão reveste particular relevância nos presentes autos, pois, desde logo, anuncia o estado volitivo-psicológico daquela Ré, que, caso estivesse absolutamente convicta da legalidade daqueles itens, não teria tomado tal conduta.
XIX. Entendeu também o Tribunal considerar não provado que a Autora e Ré Filosofia do Espaço operam no mesmo setor de mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e oferecem o mesmo tipo de produtos e, ainda, que a Autora não desenvolve atividade de design de anteriores.
XX. O design de interiores é definido como a uma atividade abrangente, que inclui criar um ambiente interior que atenda, proteja e responda às necessidades humanas, através da utilização de objetos como mobiliário e fontes de luz.
XXI. A concetualização e utilização de peças de iluminação é uma componente essencial do design de interiores.
XXII. Com efeito, Autora e Ré Filosofia do Espaço desenvolvem a sua atividade no setor do design, dedicando-se à concetualização, criação e desenvolvimento de projetos e produtos para espaços, incluindo luminárias.
XXIII. Autora e Ré Filosofia do Espaço desenvolvem a sua atividade no mercado português, sem prejuízo de atividade de âmbito geográfico mais amplo da Autora, e prestam a sua atividade ao mesmo tipo de público-alvo, desde logo, estabelecimentos hoteleiros.
XXIV. Não há, pois, dúvida que haveria que ser dado como provado que Autora Secto Design Oy e Ré Filosofia do Espaço dedicam-se a atividades do mesmo setor, operam no mesmo mercado e têm o mesmo público-alvo.
XXV. As obras de arte aplicada são, entre outras, as obras de design, independentemente de as mesmas estarem protegidas por direitos de propriedade industrial, ex vi art.º 228.º do CDA.
XXVI. Para que as obras de arte aplicada gozem de proteção a título de direitos de autor, exige-se que constituam uma criação artística, revestam um caráter criativo original e constituam expressão individual do autor.
XXVII. O caráter criativo original é indissociável do conceito de novidade, no sentido de se entender que a obra de arte deve trazer um quid adicional.
XXVIII. O contributo artístico a analisar na obra de arte será sempre localizado no tempo da sua criação e não no momento presente da análise.
XXIX. O caráter criativo e artístico da obra não se confunde com qualquer definição de belo, sendo independentemente do mérito ou valor artístico, viciado pela subjetividade e experiências do observador.
XXX. Na averiguação da tutela jusautoral de obras de arte aplicada, deverá, sempre, ser analisada a margem de liberdade de que goza o artista criador, pois é dentro dessa margem de liberdade que se manifesta o esforço criativo – isto porque um candeeiro será sempre um candeeiro, composto por um abat-jour que de alguma forma oculta ou quebra a luz; uma mesa será sempre composta por tampos e pernas, etc. Esta a natureza vinculada que a peça de design acarreta para a produção criativa do artista.
XXXI. Já não será merecedora de tutela por direitos de autor a peça cuja forma ou aparência resulte única e exclusivamente da sua função técnica ou da sua utilidade.
XXXII. O Acórdão COFEMEL de 2019, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo C-683/17 esclareceu que o critério para aferir a tutela jusautoral reside na proteção da expressão criativa individual do autor, e não na sensação que provoca no observador ou em qualquer sentido estético. Por esta razão, e sob pena de subverter a lei e o direito, o julgador não poderá decidir com base na sua conceção pessoal de arte.
XXXIII. Não há dúvida que a opinião do conhecedor da matéria deverá, sempre, ser ponderada pelos tribunais, que deverão valorar positivamente a opinião de especialistas, como arquitetos e designers de interiores, por forma a concluir se uma dada peça de design é suscetível de proteção a título de direito de autor.
XXXIV.Erroneamente, o Tribunal a quo empreende dissecação analítica das diferentes características dos candeeiros SECTO, para concluir que não são obras de arte aplicadas. O Tribunal a quo tece considerações sobre a utilização de madeira no fabrico de candeeiros, sobre a utilização de formas geométricas, sobre a utilização de ripas, para um por um, concluir que se trata de aspetos não originais ou banais, sobre os graus kelvin das lâmpadas, sobre a densidade molecular dos materiais utilizados, entre outros.
XXXV. Todavia, não deixa de ser caricato que, no único momento em que o Tribunal a quo procede a uma análise global da peça de design SECTO 4200 como um todo, conclui que: “É verdade que visualmente assumem um efeito estético marcante e apelativo”.
XXXVI. Quanto ao critério da novidade, importa assinalar que a criação dos candeeiros SECTO 4200 data de 1999.
XXXVII. O argumento vertido na decisão recorrida, de que a forma adotada pelos candeeiros da Recorrente é hoje comumente usada no design de candeeiros não sendo falso, é falacioso, pois a análise deve reportar à data da criação do design e não aos dias de hoje.
XXXVIII. Na verdade, conforme resulta da prova documental junta pela Autora, Seppo Koho foi e é considerado um pioneiro na concetualização de candeeiros, incluindo os candeeiros SECTO 4200.
XXXIX. Não tendo sido submetida a juízo e analisada qualquer prova em sentido contrário, na medida em que os diversos modelos de candeeiros juntos pela Ré datam, todos eles, de 2004 e anos posteriores.
XL. Ao que acresce que os elementos dos autos permitem a conclusão de que os candeeiros SECTO 4200 refletem a personalidade do seu autor Seppo Koho, sendo criações intelectuais originais e singulares, marcadas pelo toque do arquiteto que “vê os candeeiros Secto Design como espaços iluminados vistos de fora, como casas confortáveis numa noite escura” – cfr. docs. 2, 3 e 4 juntos com a p.i..
XLI. Note-se que a comunidade artística vê os candeeiros SECTO como verdadeiras obras artísticas originais, o que mereceu a Seppo Koho os mais variados prémios e distinções.
XLII. O Conselho Finlandês de Direitos de Autor considerou, no seu parecer junto como doc. 26 com a p.i., que: “(…) que os desenhos e formas dos candeeiros SECTO, Octo, Victo e Atto não são uma consequência da sua finalidade utilitária e não se limitam a realizar a função normal de um candeeiro. Os candeeiros podem ser considerados obras independentes e originais do trabalho criativo do seu autor. A contribuição original e independente do seu autor está manifestada nos candeeiros como um todo, incluindo nos materiais utilizados e na forma como são utilizados, e ainda na forma geral e estrutura dos candeeiros. O Conselho de Direitos de Autor considera que os candeeiros SECTO, Octo, Victo e Atto são independentes e originais de maneira a que devem ser considerados como obras conforme resulta da Secção I do Código de Direitos de Autor [Finlandês].”
XLIII. Para além deste, o instituto de propriedade intelectual do Canadá entendeu que os candeeiros da Recorrida são merecedores de proteção jusautoral.
XLIV. O tribunal de Innsbruck, em decisão de junho de 2016, veio a decidir que “A luminária SECTO 4200 é sem dúvida uma obra de arte aplicada na aceção da Sec. 3(1) Lei Austríaca de Direitos Autorais, porque representa um trabalho individualmente característico que é diferente do que é normalmente, habitual e rotineiramente produzido”
XLV. O tribunal de Salzburgo, em decisão de janeiro de 2019, conclui que “o desenho do candeeiro do requerente pelo designer de interiores Seppo Koho, que obviamente prefere trabalhar com madeira, e em particular ripas de madeira em vários formatos e formas, é visto como distintivo e, portanto, como uma obra de arte aplicada dentro o significado da lei de direitos Autorais. Esta obra está protegida contra imitação”.
XLVI. Não só especialistas em design e arquitetura, como tribunais de vários Estados Membros da União Europeia têm vindo a entender que os candeeiros SECTO 4200 são obras de arte originais, que refletem a personalidade do seu criador, suscetíveis de proteção jusautoral.
XLVII. Como tal, haverá que concluir que os candeeiros SECTO da Autora são obras de arte aplicada, dotadas de originalidade, criatividade e refletem a personalidade do seu autor, Seppo Koho.
XLVIII. No que diz respeito à infração do direito, não há dúvidas que a Ré Filosofia do Espaço tinha perfeito conhecimento das características dos candeeiros SECTO 4200, na medida em que contactou a Autora, solicitando uma proposta comercial para a compra dos mesmos e, ainda, que, no Hotel Praia D’El Rey, foram utilizados candeeiros idênticos aos da Recorrente, colocados pela Ré Filosofia do Espaço.
XLIX. E não há dúvida que houve quem, vendo os candeeiros, imediatamente os identificassem como candeeiros SECTO falsos.
L. Ante o exposto, há que concluir que as Rés infringiram o direito de autor da Secto Design Oy.
LI. Nos termos dos artigos 9.º, 67.º e 68.º do CDA, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente, por qualquer forma, direta ou indiretamente.
LII. Ora, Seppo Koho conferiu à Autora Secto Design Oy o exclusivo de exploração económica das suas obras de arte aplicada, por via de contrato de licença.
LIII. No entanto, sem autorização da Autora, a Ré Filosofia do Espaço contratou a produção de candeeiros que reproduzem as características da luminária SECTO 4200, para colocação no Hotel Praia D’El Rey.
LIV. A Ré Filosofia do Espaço encetou tal conduta, sabendo que os produtos em questão não poderiam ser livremente reproduzidos por quem entendesse fazê-lo e as Rés D’El Rey Services e Hotel da Praia aceitaram essa conduta, utilizando os candeeiros, nos seus espaços físicos e digitais.
LV. Mesmo depois de contactada pela Autora, as Rés responsáveis pelo Hotel mantiveram a escolha de utilizar os candeeiros falsos no Hotel, conformando-se com a violação dos direitos da Autora sobre os candeeiros SECTO.
LVI. A conduta da Ré Filosofia do Espaço consubstancia, ainda, a prática de um ato de concorrencialmente desleal, nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI).
LVII. “A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais: a cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de algumas zonas nebulosas, mas tem vantagens, pela maleabilidade que permite e a consequente possibilidade de adequar o conceito de concorrência desleal às várias situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos.
De acordo com essa noção constituem pressupostos da concorrência desleal: (i) a prática de um acto de concorrência; (ii) contrário às normas e usos honestos; (iii) de qualquer ramo de actividade económica.”[1]
LVIII. Autora e Ré Filosofia do Espaço estão em relação de concorrência no mercado, pois dedicam-se ao mesmo setor de atividade económica, trabalhando com o mesmo tipo de produtos, no mesmo mercado e com a mesma clientela (hóteis), pelo que se está perante um ato de concorrência.
LIX. Efetivamente, a Filosofia do Espaço tem (e teve) a capacidade de porventura desviar uma clientela potencial dos produtos da Autora.
LX. A conduta da Ré Filosofia do Espaço é, ainda, contrária às normas e usos honestos, entendidos como os “(…) padrões sociais de conduta de carácter extra-jurídico. Correspondem a práticas sociais nem sempre uniformes, pois podem variar consoante o sector de actividade considerado. Mas não são simples usos, pois o seu qualificativo como honestos pressupõe a existência de um conteúdo ético, de acordo com os valores aceites pela respectiva actividade” – cfr. JORGE PATRÍCIO PAÚL, “Concorrência Desleal e Segredos do Negócio”, Direito Industrial, vol. II, 2002, p. 142.
LXI. Com efeito, a motivação da Ré Filosofia do Espaço residiu apenas na consideração de interesses egoísticos, apropriando-se do trabalho, da criatividade e da reputação da Autora, para, dessa forma, gerar um efetivo desvio de clientela.
LXII. O ato de concorrência desleal in casu praticado pela Ré Filosofia do Espaço consistiu em ato de confusão (alínea a) e, bem assim, de aproveitamento (alínea c).
LXIII. No caso em análise, o consumidor médio facilmente atribuirá os candeeiros expostos no Hotel à Autora.
LXIV. A reprodução do produto da Autora permitiu à Ré Filosofia do Espaço oferecer um trabalho de suposta qualidade e prestígio elevados ao Hotel Praia D’El Rey, qualidade que resulta, desde logo do reconhecimento internacional dos produtos da Autora.
LXV. A violação dos direitos de autor da Secto Design e a prática do ato de concorrência desleal constitui uma conduta especialmente gravosa das Rés e geradora de uma multiplicidade de danos à Autora.
LXVI. A Autora é titular de um direito de exclusivo que se traduz na possibilidade de dispor, utilizar, explorar e comercializar o candeeiro SECTO 4210 de forma exclusiva no mercado.
LXVII. Os candeeiros produzidos e fornecidos pela Ré Filosofia do Espaço à Ré D’El Rey Services violam o direito de exclusivo da Autora, constituindo um aproveitamento do esforço criativo da Secto Design Oy e de Seppo Koho.
LXVIII. A conduta das Rés é causa adequada de danos emergentes e lucros cessantes para a Autora que, sendo de natureza patrimonial, podem ser adequadamente ressarcidos por via do arbitramento de justa indemnização, para cuja fixação deverá ser considerado o preço unitário de €820,00 por candeeiro, multiplicado por 120 candeeiros, num total bruto de €98.400,00.
LXIX. A conduta das Rés é ainda causa adequada de danos não patrimoniais, incluindo danos à imagem da Autora e, bem assim, aqueles que advenham da diluição do apelo comercial dos produtos da Autora.
LXX. Por força das normas contidas no art.º 211.º do CDA, sempre que a conduta do infrator revele especial gravidade, deverão ser cumulados, para efeitos de cálculo da indemnização, todo o tipo de danos elencados nessa norma.
LXXI. Ora, no caso em análise, não há dúvida que a conduta das Rés está marcada por profunda gravidade, que praticaram os atos descritos com especial premeditação maleficência, na medida em que conheciam os direitos da Autora, procuraram a colaboração da Autora, mas, por motivos que se desconhece (e que, em qualquer caso, não poderão relevar), escolheram contornar esses direitos e obter e utilizar candeeiros que reproduziam as características dos candeeiros SECTO 4210.
LXXII. Assim, considerando os critérios enunciados, deverá o tribunal condenar as Rés no pagamento de uma indemnização em montante a fixar com recurso à equidade.
13. A Recorrente termina com o seguinte PEDIDO “Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, devem V. Exas. conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado, pois essa será a correta aplicação do direito e assim se fará JUSTIÇA!”
*
14. As Rés FILOSOFIA DO ESPAÇO – DESIGN E ARQUITECTURA DE INTERIORES, LDA. e HOTEL DA PRAIA – GESTÃO E EXPLORAÇÃO DE HOTÉIS, S.A., apresentaram, de forma separada, Respostas ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido.
15. A Ré D'EL REY SERVICES - GESTÃO E PROMOÇÃO TURÍSTICA, LDA. não apresentou resposta ao recurso.
*
16. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
II. Questões a decidir
17. Cumpre ao presente tribunal responder às questões que passamos a descrever.
i) Questão 1: Em vez de dar-se como não provado que a Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO (facto não provado nº. 4) e que a Ré Filosofia do Espaço produziu, reproduziu ou contratou a produção de um número de candeeiros que reproduzem os candeeiros da Autora (facto não provado nº. 6), deve dar-se como provado:
- A Ré Filosofia do Espaço pelo menos contratou a produção de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO.
- A Ré Filosofia do Espaço contratou a produção de um número de candeeiros que reproduzem os candeeiros da Autora.
ii) Questão 2: Devem considerar-se provados, por confessados pela Ré Filosofia do Espaço, os seguintes artigos da respetiva contestação:
145. Como a Ré Filosofia do Espaço queria evitar ao máximo causar constrangimentos ao hotel informou que iria destruir os candeeiros e substituí-los por outros e procedeu em conformidade.
146. Todos os candeeiros foram destruídos e substituídos por outros e a Ré Filosofia do Espaço deu expresso conhecimento aos ora mandatários da A., tendo inclusive enviado fotografias dos mesmos. (Cfr. Doc. 7 e Doc. 8).
iii) Questão 3: Em vez de considerar-se não provado que a Autora é uma sociedade que se dedica à atividade de design de interiores (ponto 1) e, por outro lado, que Autora e Ré Filosofia do Espaço operam no mesmo setor de mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e oferecem o mesmo tipo de produtos (ponto 7), deve considerar-se provado que:
“- A Autora Secto Design é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design;
- A Autora e Primeira Ré operam no mesmo setor do mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e desenvolvem a sua atividade com o mesmo tipo de produtos.”?
iv) Questão 4: Os desenhos dos candeeiros Secto constituem obras originais e, como tal, protegidas pelo direito de autor?
v) Questão 5: A produção pela Ré Filosofia do Espaço (por si ou por interposta pessoa) de candeeiros para o projeto de remodelação Hotel Praia D’el Rey, com características coincidentes com os candeeiros Secto, em concreto, aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior, sendo o corpo de ambos os candeeiros compostos por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes, constitui uma reprodução violadora dos direitos de autor da Recorrente?
vi) Questão 6: A conduta da Ré Filosofia do Espaço, além de violadora dos direitos de autor da Autora, consubstancia a prática de um ato de concorrência desleal, nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), devendo ser tutelada também por esta via?
vii) Questão 7: As condutas ilícitas das Recorridas provocaram danos patrimoniais e não patrimoniais à Recorrente e, na afirmativa, qual deve ser o montante da indemnização a atribuir?
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18. A decisão recorrida declarou como provados e não provados a factualidade que seguidamente se expõe.
Factos provados (primeira instância)
1) A Autora Secto Design é uma sociedade comercial finlandesa fundada por xxxxx, em Heinola que se dedica à concetualização, produção e comercialização de candeeiros de madeira nórdica.
2) A criação e desenvolvimento de candeeiros de madeira nórdica surgiu da colaboração entre a Autora e Seppo Koho.
3) Seppo Koho, é arquiteto e designer de interiores finlandês e é conhecido também por ter criado candeeiros, tendo formação dupla em artes e arquitetura.
4) A colaboração entre autora e Seppo Koho teve início em 1995, primeiro com a criação de mobília inovadora em madeira e, desde 2002, com foco exclusivo na criação de candeeiros de madeira.
5) A Secto Design construiu ao longo dos anos uma abrangente rede de retalhistas em todo o mundo, nos quais se inclui Portugal.
6) A maior parte da produção da Autora é exportada, sendo os seus produtos comercializados em todo o mundo, incluindo Portugal.
7) A autora é conhecida pelos candeeiros que produz.
8) A coleção de candeeiros de madeira da Secto Design inclui vários modelos, como o Secto 4200 (candeeiro de abajur suspenso ou pendente) e o Secto 4210 (candeeiro de pé):
Secto 4200


Secto 4210



9) Tendo sido a partir do candeeiro Secto 4200 que se desenvolveu a coleção de luminárias de madeira da Secto Design. Os candeeiros Secto da autora são peças da criação de Seppo Koho, datando de 1999 a criação e lançamento do primeiro modelo Secto – o Secto 4200.
10) Os candeeiros designados de “Secto 4200” e “Secto 4210”, configuram peças de iluminação, o primeiro um abajur pendente ou suspenso, de forma cónica e composto por várias tiras de madeira e o segundo um cadeeiro de pé que inclui um abajur aparentemente idêntico.
11) Os candeeiros Secto utilizam madeira de bétula com laminado ou com folheado de nogueira encerado.
12) O corpo do candeeiro é composto por ripas de madeira dispostas numa forma precisa, contendo uma lâmpada que não está visível.
13) Em termos geométricos, os candeeiros Secto podem ser descritos como tendo uma estrutura cilíndrica superior e uma estrutura cónica inferior.
14) O modelo de candeeiro Secto é produzido à mão, por artífices.
15) O modelo de candeeiro Secto já foi objeto de participações em mais de 60 exposições internacionais, em países como a Finlândia, a Dinamarca, França, Itália, Espanha, Emirados Árabes Unidos, Japão, Estados Unidos da América, Canadá, entre outros.
16) O modelo de candeeiro Secto 4210 é vendido, pela autora, ao preço unitário de €820,00 (oitocentos e vinte euros).
17) Seppo Koho, autor do modelo Secto e outros, celebrou, com a autora, o contrato de licença relativa aos direitos de autor sobre os candeeiros da sua criação que constitui os documentos 8, 9 e 10 e cujos termos se dá aqui por reproduzidos.
18) A Ré Filosofia do Espaço é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design e arquitetura de interiores e foca-se, essencialmente, no mercado português.
19) Entre outros, a ré Filosofia do Espaço desenvolve projetos para a conhecida cadeia de hotéis Marriott.
20) A Ré D’El Rey Services é uma sociedade comercial que se dedica à “Gestão e exploração de unidades de alojamento e serviços de restauração e entretenimento, promoção e divulgação de atividades desportivas, compra e venda e revenda de imóveis, incluindo os adquiridos para esse fim, bem como todas as atividades direta ou indiretamente ligadas à indústria do turismo e conexas”,
21) O hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort é um estabelecimento de 5 estrelas, que se apresenta como:
Luxuosamente decorados e com comodidades que garantem uma estadia confortável, assim são os 177 renovados quartos do Marriott Resort Praia D’el Rey, que melhoram assim a experiência do hóspede e tornam a sua estadia inesquecível.
O objetivo foi trazer a natureza para o interior do hotel, tirando partido da localização premium do mesmo, em cima do mar e com vista para as Berlengas.”.
22) Também o conhecido website de reservas Booking.com descreve o hotel da seguinte forma:
Os quartos elegantes do Praia D´El Rey Marriott Golf & Beach Resort foram recentemente remodelados e incluem uma banheira com produtos de higiene pessoal selecionados, televisões com canais por cabo e ar condicionado. Apresentam uma decoração clássica e uma espaçosa área de estar. As acomodações também possuem varandas privadas com vistas do mar ou do campo de golfe.”
23) Em 5 de setembro de 2018, a Ré Filosofia do Espaço entrou em contacto com a Autora a propósito da renovação de um Hotel Marriot, em Portugal, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210.
24) Dias depois, a 20 de setembro de 2018, a Autora é contactada por um retalhista Português, que a informa que a mesma entidade – Filosofia do Espaço – solicitou-lhes informações a respeito dos candeeiros Secto.
25) Não obstante aqueles contactos, a Ré Filosofia do Espaço não chegou a adquirir os candeeiros Secto 4210.
26) Meses depois, a autora tomou conhecimento de que o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort se encontrava a usar, na decoração dos seus quartos, candeeiros que apresentam a seguinte aparência:





27) Quer o candeeiro Secto 4210 da Autora quer o candeeiro usado no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, ambos apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior.
28) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.
                             
Candeeiro Secto 4210 original                  Candeeiro usado no hotel

29) A Autora desconhece quem produziu esses candeeiros.
30) Os candeeiros em causa foram fornecidos ao hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort pela Ré Filosofia do Espaço, após a ré Filosofia do Espaço ter contactado a autora, tendo em vista a aquisição de 120 candeeiros Secto 4210, para a remodelação do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.
31) Depois de ter tomado conhecimento da existência dos candeeiros no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, a Autora entrou em contacto com o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort e por email de 14 de maio de 2019, informou aquela Ré de que havia chegado ao seu conhecimento que, no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, estariam a ser usados candeeiros “que possivelmente constituiriam uma infração dos direitos de propriedade intelectual da Secto Design.”.
32) Nesse contacto, a Autora solicitou informação relativa à quantidade de candeeiros que se encontram nesse hotel, bem como informação sobre a sua proveniência.
33) Não tendo recebido qualquer resposta ao seu email, a 29 de maio de 2019, a Autora enviou novo e-mail para a Ré D'el Rey Services, desta vez para o e-mail geral do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, com conteúdo semelhante ao anterior.
34) A autora tem conhecimento de que alguns candeeiros utilizados vieram a ser destruídos.
35) Para além das imagens que constam dos websites Booking.com e Tripadvisor.pt acima mencionados, também o website do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort contem imagens de quartos com os referidos candeeiros.
36) Na página de Facebook da Filosofia do Espaço, consta a seguinte imagem



37) A foto em questão data de 17 de maio de 2019 e, de acordo com a informação da ré naquela página, diz respeito a um trabalho da Filosofia do Espaço num restaurante de Vilamoura.
                     
Candeeiro Secto 4231 original   Candeeiro usado pela Ré Filosofia no restaurante de Vilamoura

38) Ambos os candeeiros apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior, com uma face plana que se prende à parede.
39) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética.
40) A aparência oval ou cónica é uma das formas mais utilizadas para abajurs, assim como o uso de tiras em diversos materiais: bambu, junco, rotim, verga, ferro, plástico e outro tipo de madeira.
41) Os candeeiros Secto originais não são produtos de massa, não estando disponíveis para venda em grandes superfícies.
42) Junto do Instituto da Propriedade Intelectual da União europeia, foi registado em 07/07/2011, em nome de Sang Son, com a descrição abajur (de candeeiros), o Desenho n.º 001888223-0001, com a seguinte configuração:


43) Em 21-04-2016, em nome de UAB “Ramusta”, com a indicação de produto “candeeiros”, foi registado o desenho nº 003077593-0006, com a seguinte apresentação gráfica.

44) Em 15-11-2004, em nome da sociedade finlandesa “CREADESIGN OY”, com a indicação de produto “aparelhos de iluminação”, foi registado o desenho nº 000257068-0003, com a seguinte apresentação gráfica.

45) Em 02-07-2009, em nome da “BN HOME”, foi registado o desenho nº 001149975-0001, com a seguinte apresentação gráfica.

46) A Autora não efetuou o registo do desenho do Modelo 4200, incluindo na Finlândia.

Factos não provados (primeira instância)
1) A Autora Secto Design é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design de interiores.
2) Entre outros, a ré D’el Rey Services explora e opera o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, sito na Avenida D. Inês De Castro, Nº1, 2510-451 Casal da Lagoa Seca, Portugal.
3) Os candeeiros usados no hotel e os candeeiros Secto 4210 conferem a mesma sensação de luminosidade.
4) A ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros Secto.
5) O restaurante de Vilamoura continua a utilizar duas reproduções da Autora.
6) A Ré Filosofia do Espaço produziu, reproduziu ou contratou a produção de um número de candeeiros que reproduzem os candeeiros da Autora.
7) Autora e Primeira Ré operam no mesmo setor do mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e oferecem o mesmo tipo de produtos.
8) A autora já despendeu um montante superior a €5.000,00 (cinco mil euros) na investigação e cessação da conduta por parte das rés.
9) A venda de cada candeeiro Secto gera à Autora um lucro líquido de €30,00.
10) A autora sofreu um dano líquido de €27.600,00 (vinte e sete mil e seiscentos euros).
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Questão 1:
Em vez de dar-se como não provado que a Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO (facto não provado nº. 4) e que a Ré Filosofia do Espaço produziu, reproduziu ou contratou a produção de um número de candeeiros que reproduzem os candeeiros da Autora (facto não provado nº. 6), deve dar-se como provado:
- A Ré Filosofia do Espaço pelo menos contratou a produção de um número desconhecido de candeeiros que reproduzem os candeeiros SECTO.
- A Ré Filosofia do Espaço contratou a produção de um número de candeeiros que reproduzem os candeeiros da Autora?
19. Antes do mais, convirá notar que o conceito de “reprodução” no âmbito do direito de autor tem um significado jurídico conclusivo e, por isso, o tribunal a quo jamais poderia dar como provada a factualidade em causa nos exatos termos propostos pela Recorrente. Com efeito, o conceito de “reprodução”, sobre o qual, aliás, o TJUE já se pronunciou,[2]  invariavelmente inere às ações ditas de infringement ou de violação de direitos de autor. A reprodução, neste domínio, pressupõe, pois, a cópia de uma obra protegida. A redação proposta pela Recorrente é, portanto, manifestamente conclusiva. Neste contexto, o conceito de reprodução deveria ter sido considerada como não escrita pelo tribunal a quo.
20. Tal não significa, contudo, que o tribunal a quo não deveria ter considerado o facto provado expurgado do seu sentido conclusivo e mantendo o seu sentido essencial pelas razões que passamos a expor.
21. Não é inteiramente verdade, como alega a Recorrente (v. artigo 28 da motivação de recurso), que a sentença recorrida, em sede de motivação da matéria de facto, “nada indica” a respeito dos dois pontos ora em consideração (factos não provados n.ºs 4 e 6).
22. Com efeito, a p. 19 da sentença recorrida, no local dedicado à análise crítica da (não) prova dos factos, encontramos a consideração “A matéria de facto considerada não provada fundamentou-se na falta de prova quanto à mesma…”.
23. É certo que a sentença recorrida poderia ter explicado melhor porque deu esta factualidade como não provada, até porque no contexto de alguns dos factos provados, que aqui qualificamos de instrumentais, cremos que a conclusão expressa nestes dois factos controversos deveria ser diversa.
24. Com efeito, salientam-se os seguintes factos provados (instrumentais) que nos conduzem a uma conclusão diversa da expressa nos factos (não provados) ora em causa:
23) Em 5 de setembro de 2018, a Ré Filosofia do Espaço entrou em contacto com a Autora a propósito da renovação de um Hotel Marriot, em Portugal, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210.
24) Dias depois, a 20 de setembro de 2018, a Autora é contactada por um retalhista Português, que a informa que a mesma entidade – Filosofia do Espaço – solicitou-lhes informações a respeito dos candeeiros Secto.
25) Não obstante aqueles contactos, a Ré Filosofia do Espaço não chegou a adquirir os candeeiros Secto 4210.
26) Meses depois, a autora tomou conhecimento de que o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort se encontrava a usar, na decoração dos seus quartos, candeeiros que apresentam a seguinte aparência: … (vejam-se as imagens supra reproduzidas em sede dos factos provados).
27) Quer o candeeiro Secto 4210 da Autora quer o candeeiro usado no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, ambos apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior.
28) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.
                               
Candeeiro Secto 4210 original               Candeeiro usado no hotel

29) A Autora desconhece quem produziu esses candeeiros.
30) Os candeeiros em causa foram fornecidos ao hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort pela Ré Filosofia do Espaço, após a ré Filosofia do Espaço ter contactado a autora, tendo em vista a aquisição de 120 candeeiros Secto 4210, para a remodelação do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.
25. Ora, conforme já afloramos, julgamos que estes factos provados deveriam conduzir a conclusão diversa da factualidade não provada aqui controversa, tal como defende a Recorrente. Com efeito, sendo os candeeiros usados no Hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, fornecidos pela Ré Filosofia do Espaço, após contactos desta com a Autora solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210, sendo certo que se apurou que certas características dos dois candeeiros coincidem.
26. Tais características são:
a) O aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior (facto provado n.º 27).
b) O corpo composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes (facto provado n.º 28).
27. Ou seja, os factos instrumentais em causa, em concreto, os contactos entre a Ré Filosofia do Espaço e a Autora, a propósito da renovação de um Hotel Marriot em Portugal, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210 (facto provado n.º 23), aquisição que não se concretizou (facto provado n.º 25), sendo certo que, meses depois a Autora é confrontada com o facto do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort se encontrar a usar, na decoração dos seus quartos, candeeiros com aqueles elementos em comum, conduzem-nos a conclusão diversa da expressa nos factos não provados n.º 4 e 6.
28. Com efeito, naquele contexto de contactos comerciais anteriores malogrados e o aparecimento, pouco depois, num Hotel Marriot em Portugal, de candeeiros com certas características coincidentes com os candeeiros Secto, leva-nos a concluir que os candeeiros fornecidos e usados pelas Rés, efetivamente foram produzidos pela Ré Filosofia do Espaço (ou mandados produzir por esta). Esta conclusão é a que melhor se harmoniza com as regras da experiência comum. A isto acresce, como veremos melhor na resposta à Questão 2, que a Ré Filosofia do Espaço, como queria evitar ao máximo causar constrangimentos ao hotel informou que iria destruir os candeeiros e substituí-los por outros e procedeu em conformidade.
29. Nestes termos, os factos não provados n.º 4 e 6 devem ser eliminados e, por seu turno, deve ser aditado um facto provado do seguinte teor: “A Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) um número desconhecido de candeeiros, com as características descritas em 27 e 28”.
Questão 2:
Devem considerar-se provados, por confessados pela Ré Filosofia do Espaço, os seguintes artigos da respetiva contestação:
“145. Como a Ré Filosofia do Espaço queria evitar ao máximo causar constrangimentos ao hotel informou que iria destruir os candeeiros e substituí-los por outros e procedeu em conformidade.
146. Todos os candeeiros foram destruídos e substituídos por outros e a Ré Filosofia do Espaço deu expresso conhecimento aos ora mandatários da A., tendo inclusive enviado fotografias dos mesmos. (Cfr. Doc. 7 e Doc. 8).”?
30. Neste ponto, a Recorrida Filosofia do Espaço “concorda com a Recorrente que os factos constantes dos artigos 145 e 146 deveriam ser sido dado como provados, considerando os Docs 7 e 8 juntos com a contestação.” (p. 9 da respetiva resposta ao recurso).
31. Nestes termos, porque os factos em causa foram efetivamente confessados por quem de direito, a factualidade em causa constará da matéria de facto provada. Já quanto a saber que relevância jurídica assumem os factos em causa, obviamente que tal apenas poderá ser tratado em sede de Direito.
32. De notar, por sua vez, que o facto provado n.º 34 já tinha a seguinte redação “A autora tem conhecimento de que alguns candeeiros utilizados vieram a ser destruídos.”. Ora, para os novos factos, que incluem a expressão “Todos os candeeiros foram destruídos e substituídos…” não entrarem em contradição parcial com o facto provado 34 (que refere “…alguns candeeiros utilizados vieram a ser destruídos…”), haverá que eliminar este.
Questão 3:
Em vez de considerar-se não provado que a Autora é uma sociedade que se dedica à atividade de design de interiores (ponto 1) e, por outro lado, que Autora e Ré Filosofia do Espaço operam no mesmo setor de mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e oferecem o mesmo tipo de produtos (ponto 7), deve considerar-se provado que:
“- A Autora Secto Design é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design;
- A Autora e Primeira Ré operam no mesmo setor do mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e desenvolvem a sua atividade com o mesmo tipo de produtos”?
33. Como se sabe, em sede de impugnação de matéria de facto incumbe ao Recorrente um triplo ónus, a saber: a) de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; b) de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; c) de enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
34. Ora, se podemos concluir que a Recorrente cumpriu com o descrito em a) e c), já quanto ao ónus descrito em b), não se vislumbra o respetivo cumprimento.
35. Com efeito, a Recorrente, ao em vez de apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa, limita-se a tecer considerações sobre o conteúdo de determinados conceitos, em concreto, sobre os conceitos de “design” e “atividades de design” (v. artigos 51, 52, 54 a 57 da motivação), sobre o âmbito geográfico parcialmente coincidente das atividades comerciais da Autora e Ré Filosofia do Espaço (artigos 58 e 59 da motivação) e sobre a coincidência de públicos-alvo das empresas (artigos 60 a 64 da motivação). Nenhum meio de prova é, pois, indicado e muito menos analisado.
36. Recorde-se, por sua vez que a sentença recorrida, no local destinado à motivação da sua convicção sobre os factos não provados, para além da expressão já aludida “A matéria de facto considerada não provada fundamentou-se na falta de prova quanto à mesma”, mais acrescentando, com relevância quanto ao ponto 7 dos factos não provados, que tal factualidade foi “infirmada pelas testemunhas que mencionaram que a Autora opera internacionalmente mas não vende diretamente ao público e além dos candeeiros produz mobília, enquanto que a Primeira Ré opera no mercado português e apenas como designer de interiores”.
37. Neste contexto, sem a indicação e análise crítica de meios de prova produzidos pela Recorrente, não vislumbramos motivos para alterar a matéria de facto em causa.
38. Aliás, perante a matéria de facto provada, inclusive, com as alterações que na presente instância já se concluiu serem necessárias, não se vislumbra sequer pertinência nas alterações requeridas.
39. Com efeito, obviamente que os pontos de facto em questão assumem especial relevância no âmbito do instituto de concorrência desleal imputada pela Recorrente às Recorridas. Ora, neste preciso âmbito, como nos ensina o saudoso Professor Oliveira Ascensão “Não interessa saber se tipos de actividade são em abstracto concorrentes, mas se aquela actividade no mercado, concretamente, atinge ou não outra empresa. Todo o critério formal de agrupamento de empresas é insuficiente. Assim, não adianta falar em sectores de mercado, porque em concreto pode haver realmente concorrência com empresas que estão integradas noutro sector. Tudo depende das circunstâncias.”.[3]
40. Nestes termos, a impugnação da matéria de facto nos pontos em questão deve ser julgada improcedente.
Questão 4:
Os desenhos dos candeeiros Secto constituem obras originais e, como tal, protegidas pelo direito de autor?
41. No presente caso concreto, há que recordar que a causa de pedir principal na ação é constituída pela invocação, pela Autora, de criações intelectuais do domínio das artes aplicadas em concreto desenhos ou modelos (ou obras de design) consubstanciados nos candeeiros Secto, protegidos em sede de direito de autor (artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, alínea i), CDADC).
42. É certo que, em abstrato, a proteção jurídica das obras de design resulta, essencialmente, de dois corpos normativos: o regime dos desenhos ou modelos (consagrado no Código da Propriedade Industrial e no Regulamento n.º 6/20023) e a disciplina dos direitos de autor (prevista no Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos ou CDADC).
43. Dada tal dupla possibilidade de proteção, no que toca a obras de arte aplicada, subsistiam, até relativamente pouco tempo, controvérsias sobre a forma como se articulavam os dois regimes e sobre quais os requisitos que deveriam ser exigidos para que determinado material pudesse ser considerado uma obra protegida pelo direito de autor.
44. Foi neste âmbito que se pronunciou o TJUE em 12 de setembro de 2019, no caso Cofemel, C-683/17, ECLI:EU:C:2019:721.[4] Neste acórdão, de forma inequívoca, foi consagrada a solução da cumulação parcial entre os regimes de direito industrial e direito de autor.
45. Como se refere no acórdão em referência “o legislador da União optou por um sistema segundo o qual a proteção conferida aos desenhos e modelos e a que é assegurada pelo direito de autor não se excluem mutuamente” (n.º 43), esclarecendo mais à frente que “embora a proteção dos desenhos e modelos e a proteção associada ao direito de autor possam, por força do direito da União, ser concedidas cumulativamente a um mesmo objeto, esta cumulação só pode ser admitida nalgumas situações” (n.º 52).
46. Tais “situações” em que o desenho pode beneficiar da proteção do direito de autor, ocorre, seguindo o citado acórdão do TJUE, quando o material de design deva ser qualificado de “obra” na aceção da Diretiva 2001/29, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (conhecida como a Diretiva Infosoc). Nestas situações, o desenho beneficiará da tutela do direito de autor, independentemente da eventual tutela que possa merecer ao abrigo do regime dos desenhos ou modelos.
47. Esta solução de cumulação parcial, não parece ter sido bem interiorizada pelo tribunal a quo, pois a sentença recorrida defende “um sistema intermédio de proteção parcial, adotado em Portugal, que permite a conciliação dos dois desde que a obra em causa reúna simultaneamente quer os requisitos e as finalidades impostas para efeitos do direito de autor, quer os exigidos pela propriedade industrial.” (p. 20-21). Tal erro de direito não passou despercebido à Recorrente (cf. artigo 70 da motivação do recurso).
48. Como recorda o mesmo acórdão Cofemel (n.º 29), o conceito de obra é “um conceito autónomo do direito da União que deve ser interpretado de modo autónomo e uniforme e que pressupõe que estejam reunidos dois elementos cumulativos. Por um lado, este conceito implica que exista um objeto original, no sentido de que este é uma criação intelectual do próprio autor. Por outro, a qualificação de obra está reservada aos elementos que sejam a expressão dessa criação (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2019, Infopaq International, C‑5/08, EU:C:2009:465, n.ºs 37 e 39, e de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C‑310/17,EU:C:2018:899, n.ºs 33 e 35 a 37 e jurisprudência referida)”.
49. Os referidos requisitos da “obra” passam portanto pela originalidade, que exige que o material seja uma criação intelectual do próprio autor (ou CIPA)[5] e que tal criação esteja expressa com suficiente precisão e objetividade (não uma identificação que se baseia essencialmente em sensações, intrinsecamente subjetivas, da pessoa que apreende o objeto em causa). Foi no seguimento do aludido requisito de expressão objetiva, aliás, que o referido acórdão esclareceu que o facto de determinado modelo gerar um efeito estético não permite, por si só, determinar se esse modelo constitui uma criação intelectual. Isto porque, o efeito estético, tal como entendido pelo TJUE, é o resultado de uma “sensação intrinsecamente subjetiva” (cf. n.ºs 53 e 54 do acórdão Cofemel).
50. O caso C-683/17 em referência resultou de um processo de reenvio prejudicial suscitado pelo nosso STJ no processo 268/13.2YHLSB.L1.S1,[6] sendo certo que a jurisprudência naquele estabelecida foi naturalmente refletida na decisão final proferida pelo Supremo.
51. Na decisão final do Supremo, o material em causa (determinados desenhos de vestuário), não beneficiou da qualificação como obras protegidas. De notar, contudo, que a decisão do STJ, baseou-se mais na insuficiência da matéria de facto do que na negação pura e simples da proteção do material por ausência de originalidade. Com efeito, na última página do acórdão consta o seguinte “Ora, no caso em apreço, e não obstante o efeito visual e estético que caracterizam os modelos de vestuário em causa nestes autos, como a forma, as cores, as palavras, os números, afigura-se-nos que a matéria de facto provada é claramente insuficiente para se poder concluir que os modelos de vestuário em questão são originais, no sentido de serem uma criação intelectual do seu autor, refletindo a sua liberdade de escolha, a sua personalidade, a sua particular perceção do mundo, da natureza e das coisas, expressa (com precisão e objetividade) através do ato criativo, transcendendo a mera visão utilitária/funcional que lhe é própria.” (sublinhados nossos).
52. A jurisprudência do caso Cofemel foi ulteriormente reiterada pelo TJUE, em 11-06-2020, Brompton Bicycle, C- 833/18, ECLI:EU:C:2020:461.
53. Apesar da jurisprudência do caso Cofemel ter resolvido importantes dúvidas quanto à proteção devida às obras de arte aplicada em sede de direito de autor, o conceito de originalidade nele expresso tem sido considerado por diversa doutrina nacional e internacional, vago e de difícil aplicação.[7] Também a nível jurisprudencial tais dificuldades são sentidas. Aliás, encontra-se pendente perante o TJUE, um pedido de reenvio prejudicial apresentado em 21-09-2023, suscitado por um tribunal sueco, precisamente com vista a esclarecer critérios concretizadores do conceito de CIPA (caso C-580/23).[8]
54. A nível da nossa jurisprudência têm sido adiantados alguns critérios concretizadores para aferir do requisito da originalidade ou CIPA. Com efeito, no acórdão do TRL de 18-05-2022, proferido no processo n.º 286/21.7YHLSB.L1-PICRS, pode ler-se no respetivo n.º 110 “[p]ara apreciar se uma obra é artística na óptica do meio envolvente e, portanto, se preenche o segundo requisito acima enunciado, para ter a originalidade requerida pelo artigo 2.º do CDADC, o Tribunal não leva em conta a sua concepção de arte, porque tal critério seria controverso e arbitrário. Devem, ao invés, ser levados em conta factores como a opinião de especialistas, de artistas da mesma área, de comerciantes de arte, publicações em livros de arte, a presença em colecções de museus, ou perícias. É à luz destes factores que o Tribunal julga dever apreciar se os desenhos ou modelos/sinais/figura do cavalo, têm a originalidade exigida pelo artigo 2.º do CDADC”. Neste arresto adotou-se, portanto, o ponto de vista que pode ser denominado de institucionalista.[9]
55. Da nossa parte temos algumas dúvidas se tal jurisprudência do TRL está em acordo com a jurisprudência do TJUE expressa, entre outros, no caso Cofemel. Por um lado tal posição parece fazer sentido, porquanto a tutela do direito de autor visa a proteção, em primeira linha, de “autores”, entenda-se, criadores de obras literárias (incluindo nestas as científicas) e artísticas[10] (proteção que se estende, como é sabido, a programas de computador e bases de dados). Assim se entende a referência à obra “artística”, quer no artigo 1.º, n.º 1, quer no artigo 2.º, do CDADC. Por outro lado, contudo, exigir-se que a originalidade da obra de arte aplicada passe por um crivo de carácter “artístico”, para além dos requisitos estabelecidos pelo TJUE, pode ser considerado um elemento adicional espúrio, tal como o elemento estético no acórdão Cofemel.[11] Esta dúvida será, porventura, resolvida no processo de reenvio prejudicial aludido supra em 53, porquanto o tribunal sueco também alude a este problema (vide, Questão n.º 1 e parágrafo n.º 17 do requerimento de reenvio).
56. A tal acresce que a citada jurisprudência do TRL afigura-se-nos sofrer de uma outra fragilidade (relacionada, em última instância, com a dúvida precedente). Com efeito, ao exigir-se que determinado material de arte aplicada seja “artístico” para considerar-se protegido pelo direito de autor, e ao fazer tal depender, em medida essencial, do meio institucional respetivo, nomeadamente, opiniões de especialistas, de artistas da mesma área, de comerciantes, da presença em coleções de museus, etc., introduz-se um critério que pode ser considerado “subjetivo”. Com efeito, a história da arte está repleta de obras primas que foram rejeitadas, num primeiro momento, pelos meios institucionais. Nestes se incluem pinturas de autores hoje reconhecidíssimos e mundialmente adorados, como Gustave Courbet, Vincent Van Gogh ou Marcel Duchamp. E o que se retira, por exemplo, dos tumultos causados na respetiva comunidade pela estreia no Théatre des Champs-Elysées em Paris (1913) da obra musical “O Rito da Primavera” de Igor Stravinsky? Verifica-se, pois, que a receção de certas obras no plano institucional depende, em importante medida, do fator tempo.
57. Isto não significa que negamos que a receção de determinada obra pelo respetivo meio institucional seja importante. Quando tal receção ocorre, cremos que é um forte indício de estarmos perante uma obra que deve ser protegida pelo direito de autor. Contudo, o problema subsiste quando inexiste tal receção. Tal receção institucional poderá, pois, ser prova suficiente em determinado caso concreto, mas não pode ser exigível em todos os casos.
58. Por seu turno, constituindo o conceito de originalidade um conceito de natureza jurídica, em última instância, terá de ser o juiz a decidir se determinado material é ou não uma obra original. Obviamente que o gosto ou conceção pessoal de arte do julgador são manifestamente impertinentes para decidir este tipo de questões. É, por exemplo, totalmente irrelevante que o julgador não aprecie determinado estilo, nomeadamente o Minimalismo escandinavo.  
59.O domínio do direito (de autor), apenas uma das muitas dimensões do Social, visa valores diferentes dos domínios literários e artísticos. Visa, desde logo, a tutela de valores constitucionais tais como a liberdade (nomeadamente, de expressão, informação e criação cultural), a propriedade (intelectual) e a segurança jurídica. Não está, portanto, vocacionado a proteger valores como o mérito artístico. Muito menos terá que responder a questões de cariz filosófico como, por exemplo, o que é o Belo ou a Arte.
60. O juízo jurídico da originalidade assentará, assim, não em critérios dos domínios literários, científicos ou artísticos, mas em critérios próprios do domínio jurídico.
61. Como decorre do já exposto, o critério jurídico para determinar se determinado material deve ser considerado uma obra original, é o conceito de CIPA, ou seja, a afirmação de uma criação intelectual do próprio autor, objetivamente expresso naquele mesmo material.
62. Conduzindo-nos pela jurisprudência do TJUE, este conceito complexo exige a verificação de 3 condições: (i) que o material seja o resultado de escolhas livres e criativas da pessoa; (ii) que estas escolhas não sejam determinadas por constrangimentos técnicos ou por regras exteriormente impostas (nomeadamente por um terceiro); e (iii) que o material reflita a sua personalidade.
63. A primeira condição referida, que podemos designar de liberdade positiva, apesar de não dever ser confundida, assume algumas semelhanças com conceitos próprios do Direito Industrial, tais como a novidade e “genericidade”. Como se sabe, em sede da tutela de invenções e desenhos e modelos, é pressuposto que estes sejam inovadores quando comparados com o respetivo estado da técnica ou arte, inexistindo, portanto, uma divulgação anterior de materiais que contenham as mesmas características (ou, no domínio das patentes, funcionalmente equivalentes). Por seu turno, uma marca é desprovida de distintividade caso seja ou se tenha tornado uma designação usual de um género ou tipo de produto que visa assinalar. Tal foi o caso, por exemplo, da marca Aspirina, hoje uma designação genérica do medicamento.
64. Já no domínio do direito de autor, um material não poderá ser considerado original caso seja composto por elementos já tornados comuns no domínio em causa, entenda-se, no momento da respetiva criação. Será indefensável afirmar-se uma liberdade criativa (positiva) quando o material se limita a repetir o que já se tornou comum ou usual. Este ponto não parece ter sido devidamente interiorizado na sentença recorrida, desde logo pelo tratamento que dá aos factos provados n.ºs 42 e ss., relativos a desenhos registados, todos posteriores à data da “criação” do primeiro candeeiro Secto (lê-se no facto provado n.º 9: “Os candeeiros Secto da autora são peças da criação de Seppo Koho, datando de 1999 a criação e lançamento do primeiro modelo Secto – o Secto 4200”).
65. Estas diferenças conceituais também não parecem ter sido inteiramente interiorizadas pela Recorrente. Veja-se, por exemplo, o artigo 71 da motivação de recurso onde se afirma que “não se trata, aqui, de apurar uma novidade em relação ao estado da técnica (conceito da propriedade industrial), mas sim uma novidade em relação ao estado da arte e da comunidade”. Ora, caso fizéssemos assim coincidir o conceito de originalidade (pelo menos parte) com o conceito de novidade, excluiríamos a possibilidade da tutela da chamada criação paralela. Como eloquentemente expôs o Advogado Geral no caso CofemelDois fotógrafos que fotografam a mesma cena no mesmo momento podem obter imagens que não produzem uma impressão visual global diferente. No plano do direito dos desenhos e modelos, aquele que divulga primeiro a sua fotografia poderá opor‑se à divulgação da fotografia do outro. Não é o que acontece no âmbito do direito de autor, onde a criação paralela, desde que seja verdadeiramente original, é não só lícita como beneficia plenamente de proteção como obra distinta” (n.º 64).
66. Ainda no âmbito desta primeira condição, os prémios atribuídos a determinada pessoa pela realização de determinado “objeto”, ou qualquer outra receção do material e respetivo “autor” pelo meio institucional, nomeadamente em exposições ou publicações da especialidade, poderá sustentar o juízo sobre a liberdade criativa. Este tipo de prova não servirá, portanto, em termos rigorosos, para a prova da “originalidade” que, como vimos, é um conceito jurídico. Servirá antes para a prova da liberdade criativa, pressuposta por aquele conceito.
67. No que toca à segunda condição, que poderemos designar de liberdade negativa ou autonomia, obviamente que não se poderá tutelar um material, em termos de escolhas de materiais, formas, cores, etc., ditadas unicamente por constrangimentos técnicos. Em tais casos, como refere o TJUE inexiste “margem para o exercício de uma liberdade criativa ou deixaram uma margem de tal modo limitada que a ideia e a sua expressão se confundem” (Brompton Bycicle, n.º 31). O mesmo raciocínio aplica-se quanto a constrangimentos impostos por terceiros.
68. Conforme se denota do já exposto, estas duas primeiras condições referem-se ao critério “criação intelectual”.
69. Mas é a terceira condição, ou seja, ser o material reflexo da personalidade ou, noutras palavras, ser “próprio do autor”, que suscita as maiores dificuldades e constitui a verdadeira pedra de toque do regime do direito de autor, onde, como se sabe, inerem direitos morais inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis (artigo 56.º, CDADC).
70. Esta terceira condição, recorde-se, invoca a conceção inerente aos sistemas inspirados no droit d’auteur francês “de définir l’originalité comme «empreinte de la personnalité de l’auteur». Si l’œuvre est l’image de l’auteur, alors l’originalité ne peut être définie que par la trace que celui-ci laisse dans son œuvre: ce n’est pas le travail ou l’effort qui justifient la protection, cette dernière ne pouvant être accordée que si et dans la mesure où la personnalité unique du créateur s’y reflète.[12]
71. Esta terceira condição é tanto mais problemática quanto hoje o direito de autor se estendeu, conforme já supra aflorado, aos domínios dos programas de computador e bases de dados.[13] Mas mesmo antes de se estender a tais domínios onde a marca deixada pela personalidade se mostra pouco intuitiva, criticava-se esta conceção do direito de autor, pois “Nul ne créant ex nihilo, l’œuvre a nécessairement deux sources: si l’une est le génie de l’auteur, l’autre est le fond où il a puissé. Le miroir de la création ne reflète pas que l’âme de l’auteur, mais aussi celle du monde.[14] Ou seja, ninguém (a não ser Deus) cria algo do nada, sendo sempre, em alguma medida, devedor(a) da história e da sociedade.[15]
72. Neste contexto, onde “o critério da criação intelectual do próprio autor, tal como desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é aplicável a todas as categorias de obras”, [16] inclusive, a programas de computador e bases de dados, há que interpretar esta terceira condição de forma realista e pragmática.
73. Assim sendo, cremos que bastará, para que determinado material ou expressão possa ser considerada “própria do autor”[17], que tenha sido ele(a) a fazê-lo e que não o tenha copiado. Se não o copiou, só ele(a) pode ser considerado causa eficiente da expressão. São estes requisitos, parece-nos, que possibilitam que se fale de um “autor” e a “sua” “obra”.
74. De notar, ainda, que a prova da “liberdade criativa”, ulteriormente referida, pode também conduzir à prova do segundo componente inerente à referida terceira condição. Com efeito, caso se prove que determinado objeto é “novo” no sentido supra exposto, parece-nos ser de concluir que não foi copiado.
75. Aqui chegados, e analisando a matéria de facto apurada em sede de primeira instância e comparando-a aos factos alegados pela Autora na fase dos articulados (petição inicial e resposta), inevitavelmente se conclui que o tribunal a quo não verteu para a sentença recorrida, como devia, toda a matéria de facto relevante para a decisão sobre a originalidade dos candeeiros aqui em discussão. Isto, note-se, quer se adote a posição que designamos de institucionalista (v. supra n.º 54), quer se adote a posição aqui expressa.
76. Como é sabido, em sede de recurso de apelação, “A Relação não funciona como uma nova 1ª instância, embora, dentro dos limites do objeto da sua cognição, tenha agora poderes instrutórios idênticos aos que são deferidos ao juiz do tribunal a quo”, sendo certo que “no domínio restrito das questões abrangidas pelas conclusões efetivamente apresentadas – que podem versar sobre matéria de direito -, a 2ª instância mantém o poder jurisdicional de alterar a decisão de facto, ainda que esta não tenha sido imediatamente impugnada, sempre que a decisão daquelas questões a tanto obrigue”.[18]
77. Nesta sede, a sentença recorrida omitiu da factualidade provada o facto do desenho dos candeeiros em causa ter sido reconhecido, em 2010, como obra original pelo Conselho Finlandês de Direitos de Autor, conforme resulta do documento 26 da petição inicial (com tradução junta em 01-11-2022, ref.ª 105323). A aludida omissão ocorre apesar da sentença recorrida apreciar o conteúdo do documento em sede de Direito (p. 23). De notar que, segundo a Lei de Direito de Autor finlandesa acessível pelo link indicado na contestação da Recorrida Filosofia do Espaço (p. 19, nota 11), esta entidade é nomeada pelo respetivo Governo “to assist the Ministry of Education in the handling of copyright matters and to issue statements regarding the application of this Act.”[19] Obviamente o documento em causa, por si só, não vincula os tribunais nacionais, na apreciação (jurídica) da originalidade, contudo, conforme resulta do supra exposto, é um elemento de facto importante. Haverá, pois, que aditar este facto à matéria provada, salientando as passagens mais importantes e, no demais, dando tal documento como integralmente reproduzido.
78. Também de notar que a sentença recorrida, apesar de o referir em sede de motivação dos factos provados (p. 18), omitiu qualquer menção nos factos provados/não provados, a prémios atribuídos ao Seppo Koho, na qualidade de “autor” dos candeeiros Secto. Esta factualidade foi alegada no artigo 89 da petição, contextualizado, inclusive, pelos artigos 87-88 da petição. Cremos que esta factualidade, resulta provada pelos depoimentos do próprio arquiteto/designer Seppo Koho, da dona da empresa Recorrente, xxxxx (em concreto, a partir do minuto 15 da respetiva gravação), e dos documentos 3 e 4 da petição inicial (com traduções igualmente juntas em 01-11-2022, ref.ª 105323), onde são referidos os ditos prémios. Aliás, a própria sentença recorrida refere, a p. 18, “Ponto 3 – Provado pela testemunha Seppo Koho e pela depoente xxxxx que mencionou que Seppo Koho foi galadoardo na Finlândia em 2015, e tem participado em diversas exposições internacionais, entre as quais a bienal de Veneza e do Chile, e ainda pelo teor dos documentos 3 e 4.
79. Recorde-se o exato teor dos artigos 87-89 da petição inicial:
“87. A combinação do desenho dos candeeiros com os materiais utilizados e a sensação que produzem refletem a criatividade e talento artístico do seu criador.
88. Na utilização de duas formas geométricas combinadas de forma a produzir um efeito de luminosidade quente e harmoniosa, é possível identificar as características do seu autor, com formação em artes e em arquitetura.
89. Como aliás vem sendo reconhecido por especialistas e peritos na área das artes, por via dos sucessivos reconhecimentos e prémios atribuídos ao candeeiro Secto e ao seu criador.”.
80. Resulta, por sua vez, do depoimento do Seppo Koho, aproximadamente a partir do minuto 19, de forma assertiva e convicta, que lhe assistiu “total liberdade” no desenho dos candeeiros, não sofrendo neste âmbito quaisquer imposições de terceiros. Este facto concretizador também deveria ter sido tomado em conta pelo tribunal a quo (artigo 5.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).  Aliás, resulta do mesmo depoimento, a partir do minuto 16 da gravação, que os primeiros candeeiros Secto foram apresentados numa “exposição de obras de arte”, muito antes de serem objeto de comercialização. Quanto a nós esta factualidade assume relevância com vista a apreciar a liberdade criativa (positiva e negativa) subjacente à “criação”[20] dos candeeiros ora em causa.
81. Também resulta do depoimento do Seppo Koho que foi confrontado com inúmeros títulos de livros da especialidade em julgamento (v. nomeadamente a partir de 1h20m da gravação), com referência aos candeeiros Secto. Estas publicações, note-se, estão listadas no documento n.º 26 da petição (p. 9) emitido, como vimos, pelo Conselho Nacional de Direito de Autor da Finlândia. Segundo tal documento “O Conselho de Direitos de Autor avaliou os materiais apresentados pela Requerente relativos aos candeeiros Secto, Octo, Victo e Atto.” Em tal lista encontramos 8 publicações da especialidade, com datas entre 2002 a 2010. Ora também o facto do candeeiro Secto, desenhado por Seppo Koho, aparecer em diversas publicações da especial afigura-se relevante pelos motivos já supra expostos.
82. Ora, dando o tribunal a quo credibilidade aos aludidos depoimentos, e inexistindo qualquer menção do contrário na motivação de facto, não se compreende porque a sentença recorrida omite toda esta factualidade da matéria de facto provada, depurada, claro está, dos seus elementos conclusivos.
83. Toda esta factualidade, note-se, acresce, ao facto já provado n.º 15 “O modelo de candeeiro Secto já foi objeto de participações em mais de 60 exposições internacionais, em países como a Finlândia, a Dinamarca, França, Itália, Espanha, Emirados Árabes Unidos, Japão, Estados Unidos da América, Canadá, entre outros.”.
84. Aliás, se atentarmos na própria sentença recorrida (p. 18), entre estas participações, conta-se a prestigiante Bienal de Veneza. Também não se entende, por isso, porque a sentença recorrida retirou do citado facto provado n.º 15 a expressão constante do artigo 21 da petição inicial “O modelo de candeeiro Secto já foi objeto de reconhecimento internacional por sucessivas vezes, com participações em mais de 60 exposições internacionais…” (sublinhados nossos). Será que participar, por exemplo, numa Bienal de Veneza (quer seja de Arquitetura ou Belas Artes), não é suficiente sinal de reconhecimento internacional? Então porque se salientou tal Bienal em sede de motivação, logo a seguir a mencionar-se tratar de um designer “galardoado”? Da nossa parte, não encontramos respostas a este tipo de perguntas no plano da Lógica. Haverá, pois, que alterar a redação deste artigo para o colocar em harmonia com o alegado pela parte e a prova produzida em julgamento.
85. No que toca às ditas participações em exposições pelo mundo, note-se, ademais, que o supra aludido documento 26 da petição, datado já de 2010, contém uma extensa lista a p. 5 e ss., dos quais se destacam a Exposição Mundial em Xangai, China (2010); coleção permanente do Museu de Design em Helsínquia; Cool Dozen+, Casa dell’Architettura, Roma, Itália (2009); “Protypes uniques et luminaires de collection Secto Design”, Cité des Arts, Paris, França (2009); “Design Contemporain Finlandais, Musée des Art Decoratifs/Louvre (2008). É caso para perguntar, permita-nos o desabafo, o que é preciso para considerar-se que um designer e o seu desenho são “internacionalmente reconhecidos”?
86. Em suma, estamos inequivocamente “obrigados” a alterar a matéria de facto provada, dando por provado os aludidos artigos 87-89 da petição, sem os elementos conclusivos, aditando, inclusive, a referência a publicações da especialidade e o aludido em n.º 80, e corrigindo o facto provado 15, para o colocar tal qual o alegado pela parte.
87. Dos factos provados, passará assim a constar:
15) O modelo de candeeiro Secto já foi objeto de reconhecimento internacional por sucessivas vezes, com participações em mais de 60 exposições internacionais, em países como a Finlândia, a Dinamarca, França, Itália, Espanha, Emirados Árabes Unidos, Japão, Estados Unidos da América, Canadá, entre outros.
16) O talento subjacente à combinação do desenho dos candeeiros com os materiais utilizados, a que acresce a utilização de duas formas geométricas combinadas de forma a produzir um efeito de luminosidade quente e harmoniosa, vem sendo reconhecido por especialistas e peritos na área das artes, em publicações da especialidade e por via dos sucessivos prémios atribuídos ao candeeiro Secto e respetivo designer Seppo Koho.
17) Ao conceber o desenho dos ditos candeeiros, Seppo Koho não se encontrava limitado por quaisquer imposições exteriores de terceiros, nomeadamente para efeitos comerciais.
18) Em 5 de outubro de 2010 o Conselho de Direito de Autor Finlandês emitiu o parecer junto como documento 26 da petição inicial (com tradução junta em 01-11-2022, ref.ª 105323), que aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo a seguinte conclusão “O Conselho de Direitos de Autor considera que os designs e as formas dos candeeiros Secto, Octo, Victo e Atto não são essencialmente uma consequência da sua finalidade utilitária e não desempenham simplesmente a função habitual de um candeeiro. Os candeeiros podem ser considerados obras independentes e originais que são resultados do trabalho criativo do seu autor. O contributo original e independente do autor manifesta-se nos candeeiros como um todo - incluindo os materiais utilizados e a forma como são utilizados, e a forma e estrutura geral dos candeeiros. O Conselho de Direitos de Autor considera os candeeiros Secto, Octo, Victo e Atto como independentes e originais, ao ponto de deverem ser considerados como obras tal como referidas na Secção I da Lei de Direitos de Autor.”.
88. Aqui chegados, estamos finalmente em condições de responder à questão de saber se estamos ou não perante uma obra original. Ora, a conclusão em sentido positivo parece-nos, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, evidente.
89. Em primeiro lugar, e sobre a liberdade criativa positiva, as características a apreciar à luz do conceito de originalidade em causa, são consubstanciadas pela combinação do desenho dos candeeiros com os materiais utilizados (madeira), a que acresce a utilização de duas formas geométricas combinadas (o cilindro na parte superior e cone na parte inferior) e o uso de ripas, tal como ilustrado nas imagens constantes dos factos provados.
90. Sempre se dirá, no âmbito da primeira condição aludida (liberdade criativa positiva), que para além da matéria de facto ora aditada, que fortemente indicia tal pressuposto, todos os desenhos registados e descritos nos factos provados n.ºs 42 e ss. (numeração da sentença recorrida) são manifestamente posteriores à conceção do primeiro candeeiro da linha Secto, datando esta, conforme resulta do facto provado n.º 9, de 1999 e o primeiro desenho registado de 2004! Os candeeiros Secto não se limitam, pois, a reproduzir aquilo que, à data da sua conceção, eram elementos comuns ou usuais no domínio dos candeeiros.
91. Ainda no que toca a esta primeira condição, dir-se-á, como nos parece óbvio, que existem inúmeras formas de operar as combinações referidas, por exemplo, combinando outras formas geométricas ou dispondo as ripas segundo uma lógica diversa, por exemplo horizontal, pelo que mostra-se demonstrado que a exata combinação expressa objetivamente pelos candeeiros Secto é apenas uma das muitas possibilidades que estavam ao dispor do seu criador. Note-se, aliás, como os candeeiros Secto diferem dos ditos desenhos registados, em pequenos detalhes, mas que assumem toda a importância no domínio em causa, facto que explica o reconhecimento internacional dos candeeiros Secto e do respetivo criador.
92. Quer pelos factos ora adicionados, quer pela incapacidade das Rés em descortinarem qualquer produto de design anterior a 1999 demonstra-se, pois, que as características objetivamente expressas pelos candeeiros Secto foram fruto de uma livre criação intelectual do designer Seppo Koho.
93. Quanto à verificação da segunda condição (liberdade negativa), também resulta evidente perante a factualidade ora aditada, porquanto o Seppo Koho, ao conceber os candeeiros, encontrava-se livre de quaisquer constrangimentos impostos por terceiros, resultando, do já exposto no ponto anterior, que os candeeiros são produto da liberdade criativa do galardoado designer e não de considerações técnicas prevalecentes.
94. Porventura será necessário recordar aqui que uma coisa é iluminar, para tanto bastando uma qualquer lâmpada ligada a uma qualquer base. Outra coisa, bem diversa, é iluminar de determinada forma – neste caso com um efeito de luminosidade quente e harmoniosa -, através de um desenho específico. Não se pode, pois, concordar com a afirmação da sentença recorrida no sentido de que “o efeito de luz quente advém do tipo de lâmpada utilizada. Quanto maior for a quantidade de graus Kelvin, mais a luz tende a ser amarelada e, consequentemente, projetará uma luminosidade mais quente. Deste modo, conclui-se que não se pode considerar que a luminosidade quente é resultante do formato geométrico do candeeiro da Autora e, consequentemente, que essa luminosidade reflete as caraterísticas do autor.” (p. 25).
95. Note-se, aliás, que a sentença recorrida deu por provado que cada candeeiro Secto 4210 é vendido ao preço de €820,00. Ora, não é de todo razoável supor que tal preço sirva apenas para um objeto puramente técnico de iluminação quotidiana. Aliás, o interesse demonstrado pela Recorrida Filosofia do Espaço em tais candeeiros, recorde-se, era para efeitos de decoração de um hotel de 5 estrelas e não para um qualquer local indiferenciado.
96. Quanto à terceira condição, inexistem dúvidas, perante os factos provados, que foi Seppo Koho que desenhou os candeeiros Secto (facto provado n.º 9). Tal desenho não trata de qualquer cópia de obra anterior, conforme resulta demonstrado pelo supra aludido em 90 e 92.
97. Conclui-se, pois, que o desenho dos candeeiros Secto descritos nos factos provados, é subsumível ao conceito de obra original, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, al. i), do CDADC, lidos, inclusive, à luz do Direito da UE.
98. Haverá, pois, que passar a responder às questões subsequentes, em especial, sobre o alegado infringement do direito de autor.
99. Antes, contudo, cremos que será neste momento pertinente, expor a matéria de facto provada/não provada, conforme decidido pelo presente tribunal, após resposta às primeiras 4 questões do presente recurso.
Factos provados (segunda instância)
1) A Autora Secto Design é uma sociedade comercial finlandesa fundada por xxxxx, em Heinola que se dedica à concetualização, produção e comercialização de candeeiros de madeira nórdica.
2) A criação e desenvolvimento de candeeiros de madeira nórdica surgiu da colaboração entre a Autora e Seppo Koho.
3) Seppo Koho, é arquiteto e designer de interiores finlandês e é conhecido também por ter criado candeeiros, tendo formação dupla em artes e arquitetura.
4) A colaboração entre autora e Seppo Koho teve início em 1995, primeiro com a criação de mobília inovadora em madeira e, desde 2002, com foco exclusivo na criação de candeeiros de madeira.
5) A Secto Design construiu ao longo dos anos uma abrangente rede de retalhistas em todo o mundo, nos quais se inclui Portugal.
6) A maior parte da produção da Autora é exportada, sendo os seus produtos comercializados em todo o mundo, incluindo Portugal.
7) A autora é conhecida pelos candeeiros que produz.
8) A coleção de candeeiros de madeira da Secto Design inclui vários modelos, como o Secto 4200 (candeeiro de abajur suspenso ou pendente) e o Secto 4210 (candeeiro de pé):

Secto 4200

Secto 4210


9) Tendo sido a partir do candeeiro Secto 4200 que se desenvolveu a coleção de luminárias de madeira da Secto Design. Os candeeiros Secto da autora são peças da criação de Seppo Koho, datando de 1999 a criação e lançamento do primeiro modelo Secto – o Secto 4200.
10) Os candeeiros designados de “Secto 4200” e “Secto 4210”, configuram peças de iluminação, o primeiro um abajur pendente ou suspenso, de forma cónica e composto por várias tiras de madeira e o segundo um cadeeiro de pé que inclui um abajur aparentemente idêntico.
11) Os candeeiros Secto utilizam madeira de bétula com laminado ou com folheado de nogueira encerado.
12) O corpo do candeeiro é composto por ripas de madeira dispostas numa forma precisa, contendo uma lâmpada que não está visível.
13) Em termos geométricos, os candeeiros Secto podem ser descritos como tendo uma estrutura cilíndrica superior e uma estrutura cónica inferior.
14) O modelo de candeeiro Secto é produzido à mão, por artífices.
15) O modelo de candeeiro Secto já foi objeto de reconhecimento internacional por sucessivas vezes, com participações em mais de 60 exposições internacionais, em países como a Finlândia, a Dinamarca, França, Itália, Espanha, Emirados Árabes Unidos, Japão, Estados Unidos da América, Canadá, entre outros.
16) O talento subjacente à combinação do desenho dos candeeiros com os materiais utilizados, a que acresce a utilização de duas formas geométricas combinadas de forma a produzir um efeito de luminosidade quente e harmoniosa, vem sendo reconhecido por especialistas e peritos na área das artes, em publicações da especialidade e por via dos sucessivos prémios atribuídos ao candeeiro Secto e respetivo designer Seppo Koho.
17) Ao conceber o desenho dos ditos candeeiros, Seppo Koho não se encontrava limitado por quaisquer imposições exteriores de terceiros, nomeadamente para efeitos comerciais.
18) Em 5 de outubro de 2010 o Conselho de Direito de Autor Finlandês emitiu o parecer junto como documento 26 da petição inicial (com tradução junta em 01-11-2022, ref.ª 105323), que aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo a seguinte conclusão “O Conselho de Direitos de Autor considera que os designs e as formas dos candeeiros Secto, Octo, Victo e Atto não são essencialmente uma consequência da sua finalidade utilitária e não desempenham simplesmente a função habitual de um candeeiro. Os candeeiros podem ser considerados obras independentes e originais que são resultados do trabalho criativo do seu autor. O contributo original e independente do autor manifesta-se nos candeeiros como um todo - incluindo os materiais utilizados e a forma como são utilizados, e a forma e estrutura geral dos candeeiros. O Conselho de Direitos de Autor considera os candeeiros Secto, Octo, Victo e Atto como independentes e originais, ao ponto de deverem ser considerados como obras tal como referidas na Secção I da Lei de Direitos de Autor.”.
19) O modelo de candeeiro Secto 4210 é vendido, pela autora, ao preço unitário de €820,00 (oitocentos e vinte euros).
20) Seppo Koho, autor do modelo Secto e outros, celebrou, com a Autora, o contrato de licença relativa aos direitos de autor sobre os candeeiros da sua criação que constitui os documentos 8, 9 e 10 e cujos termos se dá aqui por reproduzidos.
21) A Ré Filosofia do Espaço é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design e arquitetura de interiores e foca-se, essencialmente, no mercado português.
22) Entre outros, a Ré Filosofia do Espaço desenvolve projetos para a conhecida cadeia de hotéis Marriott.
23) A Ré D’El Rey Services é uma sociedade comercial que se dedica à “Gestão e exploração de unidades de alojamento e serviços de restauração e entretenimento, promoção e divulgação de atividades desportivas, compra e venda e revenda de imóveis, incluindo os adquiridos para esse fim, bem como todas as atividades direta ou indiretamente ligadas à indústria do turismo e conexas”,
24) O hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort é um estabelecimento de 5 estrelas, que se apresenta como:
Luxuosamente decorados e com comodidades que garantem uma estadia confortável, assim são os 177 renovados quartos do Marriott Resort Praia D’el Rey, que melhoram assim a experiência do hóspede e tornam a sua estadia inesquecível.
O objetivo foi trazer a natureza para o interior do hotel, tirando partido da localização premium do mesmo, em cima do mar e com vista para as Berlengas.”.
25) Também o conhecido website de reservas Booking.com descreve o hotel da seguinte forma:
Os quartos elegantes do Praia D´El Rey Marriott Golf & Beach Resort foram recentemente remodelados e incluem uma banheira com produtos de higiene pessoal selecionados, televisões com canais por cabo e ar condicionado. Apresentam uma decoração clássica e uma espaçosa área de estar. As acomodações também possuem varandas privadas com vistas do mar ou do campo de golfe.”
26) Em 5 de setembro de 2018, a Ré Filosofia do Espaço entrou em contacto com a Autora a propósito da renovação de um Hotel Marriot, em Portugal, solicitando um orçamento para a aquisição de cerca de 120 (cento e vinte) candeeiros Secto 4210.
27) Dias depois, a 20 de setembro de 2018, a Autora é contactada por um retalhista Português, que a informa que a mesma entidade – Filosofia do Espaço – solicitou-lhes informações a respeito dos candeeiros Secto.
28) Não obstante aqueles contactos, a Ré Filosofia do Espaço não chegou a adquirir os candeeiros Secto 4210.
29) Meses depois, a autora tomou conhecimento de que o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort se encontrava a usar, na decoração dos seus quartos, candeeiros que apresentam a seguinte aparência:
             


30) Quer o candeeiro Secto 4210 da Autora quer o candeeiro usado no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior.
31) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.
                                
Candeeiro Secto 4210 original                  Candeeiro usado no hotel

32) A Autora desconhece quem produziu esses candeeiros.
33) A Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) um número desconhecido de candeeiros, com as características descritas em 30 e 31.
34) Os candeeiros em causa foram fornecidos ao hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort pela Ré Filosofia do Espaço, após a ré Filosofia do Espaço ter contactado a autora, tendo em vista a aquisição de 120 candeeiros Secto 4210, para a remodelação do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.
35) Depois de ter tomado conhecimento da existência dos candeeiros no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, a Autora entrou em contacto com o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort e por email de 14 de maio de 2019, informou aquela Ré de que havia chegado ao seu conhecimento que, no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, estariam a ser usados candeeiros “que possivelmente constituiriam uma infração dos direitos de propriedade intelectual da Secto Design.”.
36) Nesse contacto, a Autora solicitou informação relativa à quantidade de candeeiros que se encontram nesse hotel, bem como informação sobre a sua proveniência.
37) Não tendo recebido qualquer resposta ao seu email, a 29 de maio de 2019, a Autora enviou novo e-mail para a Ré D'el Rey Services, desta vez para o e-mail geral do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, com conteúdo semelhante ao anterior.
38) Como a Ré Filosofia do Espaço queria evitar ao máximo causar constrangimentos ao hotel informou que iria destruir os candeeiros e substituí-los por outros e procedeu em conformidade.
39) Todos os candeeiros foram destruídos e substituídos por outros e a Ré Filosofia do Espaço deu expresso conhecimento aos ora mandatários da A., tendo inclusive enviado fotografias dos mesmos.
40) Para além das imagens que constam dos websites Booking.com e Tripadvisor.pt acima mencionados, também o website do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort contem imagens de quartos com os referidos candeeiros.
41) Na página de Facebook da Filosofia do Espaço, consta a seguinte imagem


42) A foto em questão data de 17 de maio de 2019 e, de acordo com a informação da ré naquela página, diz respeito a um trabalho da Filosofia do Espaço num restaurante de Vilamoura.

Candeeiro Secto 4231 original   Candeeiro usado pela Ré Filosofia no restaurante de Vilamoura

43) Ambos os candeeiros apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior, com uma face plana que se prende à parede.
44) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética.
45) A aparência oval ou cónica é uma das formas mais utilizadas para abajurs, assim como o uso de tiras em diversos materiais: bambu, junco, rotim, verga, ferro, plástico e outro tipo de madeira.
46) Os candeeiros Secto originais não são produtos de massa, não estando disponíveis para venda em grandes superfícies.
47) Junto do Instituto da Propriedade Intelectual da União europeia, foi registado em 07/07/2011, em nome de Sang Son, com a descrição abajur (de candeeiros), o Desenho n.º 001888223-0001, com a seguinte configuração:

48) Em 21-04-2016, em nome de UAB “Ramusta”, com a indicação de produto “candeeiros”, foi registado o desenho nº 003077593-0006, com a seguinte apresentação gráfica.

49) Em 15-11-2004, em nome da sociedade finlandesa “CREADESIGN OY”, com a indicação de produto “aparelhos de iluminação”, foi registado o desenho nº 000257068-0003, com a seguinte apresentação gráfica.

50) Em 02-07-2009, em nome da “BN HOME”, foi registado o desenho nº 001149975-0001, com a seguinte apresentação gráfica.


51) A Autora não efetuou o registo do desenho do Modelo 4200, incluindo na Finlândia.

Factos não provados (segunda instância)
1) A Autora Secto Design é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de design de interiores.
2) Entre outros, a Ré D’el Rey Services explora e opera o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, sito na Avenida D. Inês de Castro, n.º 1, 2510-451 Casal da Lagoa Seca, Portugal.
3) Os candeeiros usados no hotel e os candeeiros Secto 4210 conferem a mesma sensação de luminosidade.
4) O restaurante de Vilamoura continua a utilizar duas reproduções da Autora.
5) Autora e Primeira Ré operam no mesmo setor do mercado, dirigem-se ao mesmo público-alvo e oferecem o mesmo tipo de produtos.
6) A autora já despendeu um montante superior a €5.000,00 (cinco mil euros) na investigação e cessação da conduta por parte das rés.
7) A venda de cada candeeiro Secto gera à Autora um lucro líquido de €230,00.
8) A autora sofreu um dano líquido de €27.600,00 (vinte e sete mil e seiscentos euros).
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Questão 5:
A produção (por si ou por interposta pessoa) pela Ré Filosofia do Espaço de candeeiros para o projeto de remodelação Hotel Praia D’el Rey, com características coincidentes com os candeeiros Secto, ou seja, aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior, sendo o corpo de ambos os candeeiros compostos por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes, constitui uma reprodução violadora dos direitos de autor da Recorrente?
100. A verificação de responsabilidade civil extracontratual pela violação de direito de autor obedece aos requisitos tradicionais previstos no art.º 483.º do CC, reiterados no art.º 203.º do CDADC - facto, ilícito, dano e nexo de causalidade, e imputação subjetiva ou culpa.
101. Neste ponto, responderemos, portanto, à questão de saber se se verifica no caso concreto o pressuposto do facto ilícito e imputação subjetiva.
102. Ora, nesta sede, há que o dizer com frontalidade, o presente caso trata-se manifestamente de um caso de infringement clássico, ou seja, de violação de direitos de autor através de reprodução ou cópia ilegal por parte da Recorrida Filosofia do Espaço.
103. Conforme resulta do resulta do artigo 68.º, n.º 2, al. i) “Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes: i) A reprodução direta ou indireta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte”.
104. Por sua vez, resulta do disposto no artigo 176.º, n.º 7, do CDADC, que “Reprodução é a obtenção de cópias de uma fixação, direta ou indireta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte dessa fixação”.
105. Por seu turno, como se expôs no Acórdão do TJUE, Infopaq, já aludido,[21]O artigo 2.º, alínea a), da Directiva 2001/29 prevê que os autores dispõem do direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções no todo ou em parte das suas obras. Do mesmo resulta que a protecção do direito de autorizar ou de proibir a reprodução de que goza o autor tem por objecto uma «obra».” (n.º 33).
106. Mais esclarece o acórdão em referência que “No que diz respeito às partes de uma obra, cumpre assinalar que nada na Directiva 2001/29 ou numa outra directiva aplicável na matéria indica que estas partes estão sujeitas a um regime diferente do da obra inteira.” (n.º 38) e que “as diferentes partes de uma obra beneficiam assim de uma protecção nos termos do artigo 2.º, alínea a), da Directiva 2001/29 desde que contenham determinados elementos que são a expressão da criação intelectual do próprio autor dessa obra.”.
107. Como vimos na resposta à questão 4, os candeeiros Secto constituem obras originais na aceção do direito de autor. Mais se concluiu, em tal sede, que as características que integram o conceito de originalidade, são consubstanciadas pela combinação do desenho dos candeeiros com os materiais utilizados (madeira), a que acresce a utilização de duas formas geométricas combinadas (o cilindro na parte superior e cone na parte inferior) e o uso de ripas, tal como ilustrado nas imagens constantes dos factos provados.
108. Mais resulta dos factos provados que a Autora é a titular dos direitos de autor (na vertente patrimonial), relativos a desenhos de candeeiros enquanto criações intelectuais (facto provado n.º 20).
109. Resulta também dos factos provados n.ºs 21 a 35, inclusivamente com as alterações feitas em sede desta segunda instância, que a reprodução das características protegidas dos candeeiros e consequente violação dos direitos de autor é notória.
110. De tais factos, que dispensamos aqui de reproduzir, de novo, na íntegra, destacam-se os seguintes:
30) Quer o candeeiro Secto 4210 da Autora quer o candeeiro usado no hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, apresentam o aspeto cilíndrico na parte superior e cónico na parte inferior.
31) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.
31) O corpo de ambos os candeeiros é composto por ripas dispostas da mesma forma, suscetível de conferir a mesma aparência estética, ainda que os materiais de produção de um e outro candeeiro possam ser diferentes.

                        
Candeeiro Secto 4210 original            Candeeiro usado no hotel

33) A Ré Filosofia do Espaço produziu (ou contratou a produção) um número desconhecido de candeeiros, com as características descritas em 30 e 31.
34) Os candeeiros em causa foram fornecidos ao hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort pela Ré Filosofia do Espaço, após a ré Filosofia do Espaço ter contactado a autora, tendo em vista a aquisição de 120 candeeiros Secto 4210, para a remodelação do hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort.”.
111. Neste contexto jurídico-factual, julga-se, pois, que a reprodução efetuada pela Ré Filosofia do Espaço é manifesta, independentemente de pequenas diferenças que se verificam entre os candeeiros, em concreto, nas proporções dadas às formas geométricas e quanto aos materiais utilizados.
112. É certo que, perante as aludidas diferenças, se poderia aqui colocar a questão se estamos apenas perante uma mera imitação dos candeeiros ou realmente de cópias. Para esclarecermos as diferenças entre estes dois conceitos, haverá que tomar em conta que imitam-se primordialmente, estilos. Por seu turno, copiam-se “obras” individuais. Imita-se, por exemplo, o cubismo, copia-se, por sua vez, Les Demoiselles d’Avignon do Pablo Picasso.
113. Por seu turno, a obra, enquanto coisa incorpórea, não se confunde, mesmo nos casos de exemplares únicos, com esta ou aquela expressão particular. Tal como a obra literária “livro” não se confunde com nenhum dos seus exemplares digitais ou impressos, a obra de “desenho” aqui em questão (desenho de candeeiro) também não se confunde com nenhum dos candeeiros seus exemplares. A própria Recorrente, por vezes, confunde obra e produto (vide, por exemplo, artigos 124, 143 e 145 da motivação de recurso).
114. Por a obra não se confundir com o seu exemplar, cedo se importou para o domínio do direito de autor os conceitos teológico-políticos de corpus mysticum e corpos mechanicum.[22] Julgamos que esta diferença, entre a entidade abstrata, ou seja, a obra incorpórea, e o substrato material do exemplar, pode hoje ser surpreendida de forma mais próxima a nós, nomeadamente, nos domínios da filosofia, semiótica, linguística, lógica e ciências da computação, pela diferença entre type e token.[23]
115. Como se sabe a propriedade intelectual, tal como a propriedade em geral, constitui direitos exclusivos, ou seja, direitos absolutos, oponíveis erga omnes. Ora, como o caso concreto bem revela, tais direitos exclusivos jamais poderão incidir sobre simples ideias, processos, sistemas, métodos operacionais, conceitos, princípios ou as descobertas (artigo 1.º, n.º 2, do CDADC).
116. As obras aqui em questão tratam-se, antes do mais, de determinados desenhos de candeeiros. Obviamente que nem o cilindro, nem o cone nem as ripas, por si só, podem ser objeto de um direito de exclusividade. Pergunta-se, assim, o que é efetivamente protegido pelo direito de autor? A resposta, obviamente, só pode ser a “obra”, ou seja, neste caso o desenho que combina, de uma forma específica, aquele cilindro, aquele cone e aquelas ripas. Isto, note-se, independentemente da função de iluminar a que está submetido o desenho por meras questões técnicas e que, por isso, escapa à liberdade criativa.
117. A tal acresce, na decorrência do que já resultou exposto na resposta à questão 4, que aquilo que já se tornou comum ou usual no domínio em questão também não pode considerar-se monopolizável.[24] Concorda-se, assim, com a afirmação estrita da Recorrente no sentido de que “… a obra de arte deve trazer um quid adicional” (conclusão XXVII).
118. A intensidade da tutela da obra não varia, assim, em termos rigorosos, relativamente ao respetivo grau de originalidade, mas antes de acordo com os seus elementos originais (diferenciais).
119. Protege-se, pois, a obra criativa, ou seja, a diferença e repetição dessa mesma diferença (reprodução). Como é sabido, uma das qualidades que torna a obra tão valiosa e, por outro lado, tão carente de tutela, é a possibilidade da sua repetição por outrem. Daí que nos sistemas anglo-saxónicos se denomine esta tutela de copyright.  Esta qualidade, a acrescer ao requisito de exterioridade, denota a respetiva objetividade.
120. No presente caso, comparando o desenho original do candeeiro Secto com os exemplares de candeeiros imputáveis à Recorrida Filosofia do Espaço, verifica-se que aquele foi copiado nos seus elementos diferenciais, em concreto, na específica combinação do cilindro superior e cone inferior em ripas. O desenho, apesar de não ser exatamente idêntico, desde logo por um encurtamento das formas presente na cópia, obedece ao mesmo tipo. Ambos os exemplares supra retratados chamam, por assim dizer, o mesmo tipo-de-obra.
121. Tal conclusão é reforçada quando efetuamos o mesmo exercício comparativo com outros desenhos retratados nos autos. Veja-se, por exemplo, a diferença entre o desenho do candeeiro Secto e o seguinte:

122. Aqui, diferentemente do que sucede em relação aos candeeiros (re)produzidos pela Ré Filosofia do Espaço, facilmente se conclui pela não repetição da mesma diferença, pois está desde logo ausente a forma cilíndrica, elemento essencial do desenho do candeeiro Secto. Quanto muito poder-se-á dizer que participa do mesmo estilo, mas não que copiou aquela obra.
123. Conclui-se, pois, pela verificação da violação intencional dos direitos de autor da Recorrente por parte da Recorrida Filosofia do Espaço, pela reprodução dos desenhos dos candeeiros Secto.
124. Já quanto às demais Rés/Recorridas, isto é, D’El Rey Services e Hotel da Praia, não se julgam verificados estes pressupostos.
125. É certo que os candeeiros em causa foram fornecidos ao Hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort pela Ré Filosofia do Espaço, tendo em vista a aquisição de 120 candeeiros Secto 4210, para a remodelação do mesmo Hotel, conforme descreve o facto provado n.º 34.
126. Resultou, contudo, não provado que “a Ré D’el Rey Services explora e opera o hotel Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort, sito na Avenida D. Inês de Castro, n.º 1, 2510-451 Casal da Lagoa Seca, Portugal”.
127. Compreendemos, por isso, a Recorrida Hotel da Praia, quando afirma no início da sua Resposta “A Recorrida (R.) continua sem conseguir identificar o fundamento legal para continuar a configurar parte do processo a sociedade D´EL REY SERVICES – GESTÃO E PROMOÇÃO TURISTIVA, LDA.”.
128. Como bem nota a citada Recorrida não faz sequer parte do objeto social da sociedade D´El Rey Services, a exploração de unidades hoteleiras, o que é confirmado pelo facto provado n.º 23.
129. Por seu turno, os factos provados não descrevem qualquer conduta ilícita imputável
a Recorrida D´El Rey Services, pelo que esta deverá ser absolvida do pedido, sem necessidade de outras considerações.

130. A entidade exploradora e/ou proprietária do Hotel com a denominação “Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort”, é a Recorrida Hotel da Praia, como a própria admite no início da sua Resposta ao presente recurso.
131. Há a notar, quanto à Recorrida Hotel da Praia, na esteira do que esta alega em sede de Resposta que “Os candeeiros em questão foram obviamente adquiridos no âmbito de um projeto de decoração do Hotel acima identificado, concebido e implementado pela Recorrida Filosofia do Espaço…”. Ora, neste âmbito não resulta da factualidade provada qualquer facto imputável à Recorrida Hotel da Praia que pudesse qualificar-se como ilícito. Resulta antes da matéria de facto provada que a reprodução ilícita dos candeeiros Secto foi um ato exclusivamente imputável à Recorrida Filosofia do Espaço, contratada para a remodelação do hotel denominado “Praia D'El Rey Marriott Golf & Beach Resort”.
132. Nem resulta dos factos provados, nem se afigura sequer razoável à luz das regras da experiência comum no contexto factual apurado, que a Recorrida Hotel da Praia pudesse ter algum conhecimento e tenha, por assim dizer, incentivado ou se conformado com o ato de reprodução ilícita de candeeiros realizada pela Recorrente Filosofia do Espaço.
133. Nestes termos, não vislumbramos qualquer fundamento legal para responsabilizar a Recorrida Hotel da Praia por qualquer indemnização eventualmente devida pela violação de direitos de autor aqui em causa.
134. Quanto muito, tal como suscitado pela Ré Hotel da Praia na contestação que apresentou na fase de articulados, poder-se-ia discutir a obrigação desta em retirar as cópias ilícitas dos candeeiros Secto que, porventura, ainda permaneçam no seu estabelecimento (v., nomeadamente, artigos 10.º e 11.º da respetiva contestação). Contudo, em sede do presente recurso de apelação, como veremos em maior detalhe infra na resposta à questão 7, a Recorrente apenas pede a atribuição de indemnizações, conforme resulta quer da respetiva motivação (artigos 147 a 158), quer das conclusões (artigo LXVIII e ss.). Como se sabe o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões. Nestes termos, não há que conhecer desta questão.
135. Conclui-se, pois, que as Recorridas D’El Rey Services e Hotel da Praia, devem ser absolvidas do pedido.
136. Restará, pois, apreciar a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil da Recorrida Filosofia do Espaço, em relação ao qual, como vimos, mostram-se já preenchidos os requisitos do facto ilícito e imputação subjetiva.
Questão 6:
A conduta da Ré Filosofia do Espaço, além de violadora dos direitos de autor da Autora, consubstancia a prática de um ato de concorrência desleal, nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), devendo a Autora ser tutelada também por esta via?
137. Conforme se depreende dos artigos 127 a 146 da motivação do recurso, a Recorrente pretende tutelar os seus direitos quer por via dos direitos privativos subjacentes ao direito de autor, quer por via do instituto da concorrência desleal.
138. Mais especificamente a Recorrente alega que “O ato de concorrência desleal in casu praticado pela Ré Filosofia do Espaço consistiu em ato de confusão (alínea a) e, bem assim, de aproveitamento (alínea c)” (artigo 139 da motivação).
139. As normas invocadas são do seguinte teor (artigo 311.º, do CPI):
1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios
140. Neste âmbito, há que esclarecer, em primeiro lugar, que o Tribunal de Propriedade Intelectual e, consequentemente, a presente Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no que se refere ao instituto da concorrência desleal, é apenas competente para conhecer das questões relativas a “Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial” (artigos 111.º, n.º 1, al. n) e 67.º, n.º 5, da Lei de Organização do Sistema Judiciário).
141. Poderá estranhar-se que o Legislador limite os poderes de cognição do presente tribunal especializado a ações baseadas em atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial e exclua, portanto, a tutela, por esta via específica, da propriedade intelectual fundada em direito de autor. Contudo, como veremos, esta limitação tem razão de ser.
142. Apesar da sua proximidade, o direito de autor não se confunde com a propriedade industrial e nem se pode dizer que pertençam ao mesmo ramo do direito.[25] Conforme já notamos supra, estes diferentes ramos de direito regem-se por conceitos próprios, por exemplo, o conceito de originalidade no direito de autor e o conceito de novidade no direito industrial, noções, como já dissemos supra, que aparecem por vezes misturadas na fundamentação do recurso (e sentença recorrida).
143. Como se sabe, a propriedade industrial visa garantir a lealdade da concorrência (artigo 1.º, do CPI), diferentemente do que ocorre com os direitos autorais. Os objetivos destes dois ramos do Direito Intelectual, são, portanto, bastante diversos.
144. Tal diferença de objetivos foi notada, inclusive, no acórdão TJUE Cofemel, da seguinte forma: “a proteção dos desenhos e modelos, por um lado, e a proteção conferida pelo direito de autor, por outro, prosseguem objetivos fundamentalmente diferentes e estão sujeitas a regimes distintos. Com efeito, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.ºs 51 e 55 das suas conclusões, a proteção dos desenhos e modelos visa objetos que, embora sejam novos e individualizados, apresentem caráter utilitário e possam ser produzidos em massa. Além disso, esta proteção destina‑se a ser aplicada durante um período limitado, mas suficiente, para permitir rentabilizar os investimentos necessários à criação e à produção desses objetos, sem, contudo, entravar excessivamente a concorrência. Pelo seu lado, a proteção associada ao direito de autor, cuja duração é muito significativamente superior, é reservada aos objetos que merecem ser qualificados de obras.” (n.º 50).
145. De notar que o direito de autor tem “um sentido cultural básico, não obstante os desvios empresariais contemporâneos. É um direito da cultura.”.[26] Estas afirmações do saudoso Mestre, estão em perfeita harmonia com a Opinião do Advogado Geral no caso Cofemel quando salienta os fundamentos axiológicos do direito de autor, “a relação pessoal entre o autor e a sua obra”, e respetivos objetivos (da vertente patrimonial do direito de autor) “a remuneração do esforço intelectual criativo” (n.º 3).
146. Como os próprios factos provados afirmam, a Recorrente não é sequer titular de qualquer registo de desenhos e modelos relativamente aos candeeiros em discussão nestes autos (facto provado n.º 51), não tendo invocado aqui direitos exclusivos de propriedade industrial, mas sim de direito de autor.
147. Neste contexto não nos parece que se possa invocar a concorrência desleal com base na violação de um direito de autor, são dois institutos paralelos que, ao abrigo do instituto da concorrência desleal, não se entrecruzam. Nestes termos, em sede de concorrência desleal, não vemos como poderá ser atendida a pretensão da Recorrente.
148. Por seu turno, sempre se dirá que a tutela pelo regime da concorrência desleal é subsidiária em relação à tutela conferida pelos direitos privativos. Ou seja, só deverá intervir se esta tutela inexiste.[27]
149. Ora, como vimos supra, os direitos da Recorrente são tuteláveis por via do direito de autor. Nestes termos, a tutela dos direitos da Recorrente ocorrerá exclusivamente por esta via.
Questão 7:
As condutas ilícitas das Recorridas provocaram danos patrimoniais e não patrimoniais à Recorrente e, na afirmativa, qual deve ser o montante da indemnização a atribuir?
150. Em sede de danos patrimoniais, alega a Recorrente “A conduta das Rés é causa adequada de danos emergentes e lucros cessantes para a Autora que, sendo de natureza patrimonial, podem ser adequadamente ressarcidos por via do arbitramento de justa indemnização, para cuja fixação deverá ser considerado o preço unitário de €820,00 por candeeiro, multiplicado por 120 candeeiros, num total bruto de €98.400,00.” (artigo LXVIII das conclusões).
151. Já em sede de danos não patrimoniais, também chamados de danos morais, alega a Recorrente que a conduta ilícita foi “causa adequada de danos não patrimoniais, incluindo danos à imagem da Autora e, bem assim, aqueles que advenham da diluição do apelo comercial dos produtos da Autora” (artigo LXIX das conclusões).
152. Mais à frente, termina a Recorrente alegando “Assim, considerando os critérios enunciados, deverá o tribunal condenar as Rés no pagamento de uma indemnização em montante a fixar com recurso à equidade.” (artigo LXXII).
153. Como se sabe, em sede de recurso de apelação “as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”.[28]
154. No presente recurso, como deixamos aflorado supra em 134, resulta claro e inequívoco, quer da motivação do recurso, quer em sede das respetivas conclusões, que a Recorrente restringe o seu pedido a uma indemnização a calcular de acordo com a equidade, apesar de ter deduzido inúmeros outros pedidos em sede de petição inicial (cf. supra n.ºs 1 a 3 do Relatório).
155. Nestes termos, o presente tribunal apenas apreciará o pedido indemnizatório formulado no presente recurso (artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
156. Por seu turno, conforme já vimos na resposta à questão n.º 5, é apenas em relação à Recorrida Filosofia do Espaço que se poderá verificar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual aqui em causa.
157. Delimitado, assim, o pedido a apreciar, e baseando-se este, quer em sede de danos patrimoniais, quer em sede de invocados danos não patrimoniais, há, em primeiro lugar, que verificar se relativamente aos danos invocados, fundamento legal para recorrer à equidade.
158. Em sede de violação de direitos de autor, dispõe o atual art.º 211.º do CDADC, resultante da transposição da Diretiva Enforcement (Diretiva 2004/48/CE de 29 de Abril de 2004), o seguinte (com sublinhados nossos):
Indemnização
1 - Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de autor ou os direitos conexos de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas e danos resultantes da violação.
2 - Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, o tribunal deve atender ao lucro obtido pelo infrator, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a proteção do direito de autor ou dos direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
3 - Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator, designadamente do espetáculo ou espetáculos ilicitamente realizados.
4 - O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator, bem como às circunstâncias da infração, à gravidade da lesão sofrida e ao grau de difusão ilícita da obra ou da prestação.
5 - Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que este não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão e os encargos por aquela suportados com a proteção do direito de autor ou direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
6 - Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infrator constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos critérios previstos nos n.ºs 2 a 5.”
159. Em sede de danos emergentes e/ou lucros cessantes, a Recorrente parece sustentar-se na não venda de 120 candeeiros à Recorrida Filosofia do Espaço. Tal conclusão é contextualizada pelo preço unitário de €820,00 do candeeiro (facto provado n.º 19) e o pedido de orçamento de 120 candeeiros pedido pela dita Recorrida (facto provado n.º 26).
160. Da nossa parte não cremos que a factualidade apurada sustente a verificação deste dano.
161. Em primeiro lugar resultou não provado:
“7) A venda de cada candeeiro Secto gera à Autora um lucro líquido de €230,00.
8) A autora sofreu um dano líquido de €27.600,00 (vinte e sete mil e seiscentos euros).”
162. Ou seja, por razões que nos ultrapassam, a Autora, em primeira instância, nem sequer apresentou prova sobre a margem de lucro subjacente à venda de cada candeeiro (como vimos, refere a sentença recorrida, a p. 19, que os factos não provados resultaram, em primeira linha, da falta de prova sobre os mesmos). Ora, o instituto da equidade não visa, quanto a nós, colmatar deficiências probatórias imputáveis às partes, mas visa resolver impossibilidades probatórias inerentes a determinadas situações concretas.
163. Em segundo lugar, há que notar que a presente situação não corresponde a situações mais usuais de um determinado concorrente vender no mercado cópias ilegais de determinada obra, onde se pode, portanto, concluir pelo decréscimo de vendas (neste sentido, Ac. TRL 10-04-2018, proc. n.º 225/13.9YHLSB.L1-7). Na presente situação as reproduções ilícitas não se encontravam a ser diretamente comercializadas ao público pela Recorrida, mas, do que retratam os factos, foram produzidas pela Recorrida Filosofia do Espaço, para aplicação em projetos de decoração interior específicos.
164. Em terceiro lugar, sempre se dirá que um orçamento é um orçamento, e não revela, por si só, uma efetiva intenção de compra.
165. Em quarto lugar, nada nos diz que a reprodução ilícita da obra, apreciada na resposta à questão 5, efetivamente substituiu exemplares de candeeiros que pudessem ser adquiridos à Recorrente.
166. Neste âmbito, recorde-se que se apurou que os materiais dos candeeiros diferem (facto provado n.º 31). Decorre das regras da experiência comum que, por exemplo e em regra, a madeira é menos resistente do que o metal, podendo este convir ao desgaste natural subjacente aos usos quotidianos de um hotel e não um objeto em madeira. Este ponto é salientado na resposta ao recurso da Recorrida Filosofia do Espaço (p. 7). Assim sendo, apesar da Recorrida Filosofia do Espaço ter reproduzido a obra incorpórea constituída pelo desenho do candeeiro em causa, não resulta certo dos factos provados, que a obra original obedecesse aos requisitos pretendidos pela dita Recorrida Filosofia do Espaço e às necessidades do seu cliente, o Hotel. Note-se que esta conclusão não contradiz a resposta dada à questão 5, porquanto como aí se deixou claro, o que foi copiado foram os elementos essenciais e diferenciadores do desenho do candeeiro (obra incorpórea).
167. Ora, a Recorrente, conforme resulta dos factos provados n.ºs 1, 2 e 4, apenas comercializa peças em madeira nórdica, e não em quaisquer outros materiais. 
168. Em quinto lugar resultou provado:
38) Como a Ré Filosofia do Espaço queria evitar ao máximo causar constrangimentos ao hotel informou que iria destruir os candeeiros e substituí-los por outros e procedeu em conformidade.
39) Todos os candeeiros foram destruídos e substituídos por outros e a Ré Filosofia do Espaço deu expresso conhecimento aos ora mandatários da A., tendo inclusive enviado fotografias dos mesmos.”     
169. E resultou não provado que “O restaurante de Vilamoura continua a utilizar duas reproduções da Autora.” (facto não provado n.º 5).
170. Note-se, inclusive, que os factos provados descritos sob os n.ºs 38 e 39 ora citados, foram aditados a pedido da Recorrente em sede do presente recurso. Assim sendo e em harmonia com o princípio da aquisição, estes factos devem ser tomados em conta, independentemente do efeito jurídico ser benéfico ou prejudicial à Recorrente.
171. Ora, o facto de a dita Recorrida ter procedido à destruição de todas as cópias ilícitas, substituindo-os por outros (logicamente diferentes), também sustenta o juízo de que inexistiu in casu, ou pelo menos não resultou provado, o invocado dano patrimonial consistente na não venda dos candeeiros à Recorrida Filosofia do Espaço. Aquilo que é destruído não é vendido e, assim, não pode afetar o volume de vendas da Recorrente.
172. Deve, assim, improceder este pedido.
173. Passemos à apreciação dos invocados “danos não patrimoniais”.
174. Nesta sede, conforme já vimos, alega a Recorrente que a conduta ilícita foi “causa adequada de danos não patrimoniais, incluindo danos à imagem da Autora e, bem assim, aqueles que advenham da diluição do apelo comercial dos produtos da Autora” (artigo LXIX das conclusões).
175. Como é sabido, o direito de autor é constituído por duas vertentes, uma das quais pessoal. Estes direitos pessoais, por vezes chamados de morais, inerem ao respetivo criador, neste caso o designer Seppo Koho, e incluem o direito à paternidade e à menção, o direito à genuinidade e integridade da obra, o direito ao inédito e o direito à retirada (art.ºs 6.º, n.º 3, 27.º, 56.º e 62.º do CDADC).
176. As transmissões do direito de autor, tal como a que ocorre por meio da licença titulada pela Recorrente (facto provado n.º 20), apenas dizem respeito, portanto, à vertente patrimonial do direito de autor, ou seja, ao direito da respetiva exploração económica (cf. artigos 40.º e 42.º, do CDADC).
177. O prejuízo moral que poderia ser aqui peticionado, ao abrigo do regime do direito de autor, diz essencialmente respeito, portanto, à afetação de direitos morais do criador.[29] Não se tutela, pois, no plano dos direitos morais do direito de autor, os direitos à imagem de uma empresa, como a Autora, e o apelo comercial dos seus produtos.
178. Seria porventura expectável entender-se que o titular da vertente pessoal do direito de autor aqui em causa, em concreto, o designer Seppo Koho, tivesse sofrido intenso desgosto pela deformação das suas obras, ou seja, a afetação da respetiva integridade, operada pela reprodução ilícita dos candeeiros realizada pela Recorrente Filosofia (em especial, pelo uso de diferentes materiais e pela alteração às proporções das formas geométricas). Contudo, nem tal pessoa faz parte deste processo, nem foi esse o dano moral aqui invocado pela Recorrente.
179. O que os danos aqui invocados – imagem da empresa e diluição do apelo comercial de produtos -, consubstanciam, conforme vem sendo reconhecido, por exemplo, em França, danos patrimoniais, em concreto, danos emergentes.[30]
180. Conduzindo-nos, pois, por esta qualificação jurídica dos danos invocados e não por aquela dada pela Recorrente, concluímos que, neste âmbito, resulta provado um dano. Aliás, o Ac. STJ de 24-05-2018, proc. n.º 1329/15.9T8BGC.G1.S1, numa situação de uso não autorizado de uma obra literária, entendeu, mesmo não resultando claramente apurado o dano, que o tribunal deveria fixar uma indemnização com recurso à equidade “O Tribunal pode, diremos mesmo deve, fixar uma indemnização com recurso à equidade.”
181. No presente caso, a licença de exploração titulada pela Recorrente, conforme resulta dos documentos n.º 9 e 10, juntos com a petição (com traduções juntas em 01-11-2022, ref.ª 105323), dados por reproduzidos no facto provado n.º 20, confere-lhe exclusividade. Como se sabe, a exclusividade sobre a exploração económica de um “produto” apetecível (cada candeeiro Secto 4210, custa €820,00) é, em si mesma, um valor patrimonial relevante.
182. Neste contexto, tendo em conta a dita reprodução ilícita das obras feita pela Recorrida Filosofia do Espaço, e o uso e exibição de exemplares ilegítimos em diversos locais (o Hotel e um restaurante em Vilamoura) e websites conforme retratam os factos provados n.ºs 29, 31, 41 e 42, julga-se inequívoco que se verificaram os invocados danos, danos causados, de forma adequada, pela dita Recorrida com a reprodução que encetou.
183. Mais concluímos que o montante do prejuízo assim causado à imagem da empresa e apelo comercial de produtos, resulta, pela natureza das coisas, impossível de determinar, pelo menos de forma exata. É extremamente difícil, senão impossível, determinar de forma precisa, o valor patrimonial da “imagem” de uma empresa e, mais ainda, quantificar a diluição de um produto.
184. Como é sabido, a equidade deve assentar numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, no respeito pelos princípios da proporcionalidade e igualdade, conduzindo-se por “critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados” (cf. Ac. STJ de 10-12-2019, proc. n.º 1087/14.4T8CHV.G1.S1).
185. Nestes termos, haverá que tomar em especial conta, as seguintes circunstâncias do caso concreto:
- A licença de exploração exclusiva titulada pela Recorrente;
-  O valor comercial dos candeeiros Secto 4210, vendidos unitariamente a €820,00.
- O reconhecimento internacional alcançado pela obra corporizada nos ditos candeeiros, revelada pelas exposições em que já participou, publicações e prémios (factos provados n.ºs 15 e 16).
- Reproduções e utilizações ilícitas dos candeeiros que perduraram, pelo menos até ao dia 29-05-2019 (facto provado n.º 37), sendo certo que o pedido de orçamento para eventual aquisição de candeeiros ocorreu em 05-09-2018. Ou seja, temos um período de infração relativamente curto.
- O grau de censurabilidade da conduta da Recorrida Filosofia do Espaço é elevado, desde logo, no contexto do orçamento solicitado à Recorrente que precedeu a reprodução. Tal censurabilidade, no entanto, é atenuada face à destruição voluntária ulterior das cópias ilegais.
186. Quanto a critérios jurisprudenciais nesta específica área do direito – direito de autor –, infelizmente a nossa produção jurisprudencial mais recente não é muito extensa.
187. Por exemplo, no Ac. STJ de 24-05-2018, proc. n.º 1329/15.9T8BGC.G1.S1, supra citado, pela utilização não autorizada de um projeto de candidatura a um programa de incentivos da QREN, qualificada, em essência, como obra literária, fixou-se a indemnização com recurso à equidade, em  28.906,00€. O montante atribuído pela QREN, com base, portanto, numa candidatura copiada, foi de 3.854.187,15€. No contrato celebrado entre as partes de tal processo, previa-se, inclusive, o pagamento pela Ré à então Autora, de 1,5% do montante do apoio do QREN.
188. No processo desta Secção n.º 14/21.7YHLSB.L1, por Ac. TRL de 09-10-2023 (ainda não publicado), pelo uso não autorizado de uma fotografia, relacionada com o futebol, numa mensagem nas redes sociais aquando do “Campeonato do Mundo de 2018”, onde se apurou que a respetiva titular não a venderia ou cederia os seus direitos por valor inferior a 5.000,00 €, fixou-se a indemnização neste valor (eram peticionados 20.000,00 €). O uso referido perdurou por cerca de um ano.
189. Já em sede de propriedade industrial, por exemplo, no Ac. TRL de 10-02-2022, proc. n.º 399/20.2YHLSB.L1, onde se apurou que a respetiva Ré usou sinais distintivos (marcas registadas) pertencentes à Autora, em violação do respetivo direito exclusivo, suscitando situações de efetiva confusão entre os respetivos clientes e parceiros, a indemnização foi fixada em 5.000,00 €.
190. Neste contexto, onde o presente apresenta algumas semelhanças aos casos ora referidos em 188 e 189, julga-se que a indemnização a fixar, em sede de equidade, também deve ser fixada em €5.000,00 (cinco mil euros).
191. Não foram peticionados quaisquer juros, pelo que não serão atribuídos.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso parcialmente procedente, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e, após alteração da matéria de facto nos termos descritos nas respostas às questões 1, 2 e 4, condena-se a Recorrida Filosofia do Espaço – Design e Arquitetura de Interiores, Lda, no pagamento à Recorrente, do valor de 5.000,00 (cinco mil euros).
Absolve-se a Recorrida Filosofia do Espaço – Design e Arquitetura de Interiores, Lda, do restante pedido.
Mais se absolvem integralmente do pedido, as Recorridas D’El Rey Services – Gestão e Promoção Turística, Lda e Hotel da Praia – Gestão e Exploração de Hotéis, S.A.
- Custas pela Recorrente e Recorrida Filosofia do Espaço, na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para a segunda (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
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Lisboa, 05-02-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
José Paulo Abrantes Registo
Bernardino Tavares
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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2015, Proc. n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1.
[2] Ac. TJUE de 16-07-2009, Infopaq, C-5/08, ECLI:EU:C:2009:465.
[3] José de Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Almedina, 2002, p. 118.
[4] Todos os casos do TJUE aqui citados podem ser acedidos em https://curia.europa.eu. Relativamente ao caso Cofemel, veja-se também a importante opinião do Advogado Geral (ECLI:EU:C:2019:363), acessível no mesmo website.
[5] Expresso em inglês pela sigla AOIC ou pela expressão Author’s Own Intelectual Creation.
[6] Os acórdãos nacionais proferidos pelos tribunais superiores e aqui citados estão disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, entre nós, Pedro Sousa e Silva, "A Tutela Jusautoral de Obras de Design na Esteira do Acórdão COFEMEL: “Nada de Novo debaixo do Céu”". Revista de Direito Intelectual 01-2023 (2023): 171-196. Na doutrina estrangeira pode ver-se, entre outros, Jens Schovsbo, “Copyright and design law: What is left after all and Cofemel? – or: Design law in a ‘double whammy’ (2020). Acessível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=3519156 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3519156 (acedido em 18-01-2024) e Laureen Schuldt, “EU Copyright and Trade Mark Law: a unifying lens for the protection of Fashion Designs?”, tese de mestrado da Universidade de Estocolmo, acessível em: https://su.diva-portal.org/smash/record.jsf?pid=diva2%3A1776959&dswid=3192 (acedido em 18-01-2024).
[8] O requerimento em causa, na língua inglesa, pode ser acedido em: https://curia.europa.eu/juris/documents.jsf?nat=or&mat=or&pcs=Oor&jur=C%2CT%2CF&num=c-580%252F23&for=&jge=&dates=&language=en&pro=&cit=none%252CC%252CCJ%252CR%252C2008E%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252Ctrue%252Cfalse%252Cfalse&oqp=&td=%3BALL&avg=&lgrec=en&page=1&lg=&cid=2761596 (acedido em 18-01-2024).
[9] Defendida na doutrina, por exemplo, por Pedro Sousa e Silva, supra nota 7, p. 193 “a propósito da qualificação de uma obra de design como "criação artística" [no sentido da alínea i) do n.º 1 do art.º 22 do CDADC], “na indagação do carácter artístico, não devem utilizar-se critérios conceptuais (baseados numa certa definição de "arte"), mas antes critérios de ordem institucional, que atendam à circunstância em que a obra é criada e ao modo como é encarada pelos "meios interessados"”.
[10] Apesar de a nossa lei, no artigo 1.º, nº 1, do CDADC, referir obras do “domínio literário, científico e artístico”, o certo é que as obras são apenas as literárias ou artísticas, devendo tal preceito ser interpretado em conformidade, desde logo, com o artigo 2.º, n.º 1, da Convenção de Berna relativa à Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 1886, segundo o qual “Os termos «obras literárias e artísticas» compreendem todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão…”.
[11] Neste sentido, Jens Schovsbo, supra nota 7, p. 10-11. No mesmo sentido, Laureen Schuldt, supra nota 7, p. 29-31.
[12] Mireille Buydens, “La propriété intellectuelle Évolution historique et philosophique », Bruylant, 2012, p. 333.
[13] Quanto a programas de computador refe o DL. n.º 252/94 de 20/10. Este Decreto-Lei procedeu à transposição da Diretiva n.º 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, ulteriormente codificada pela Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/04/2009. Quanto a bases de dados rege o DL. n.º 122/2000 de 04/07, que transpôs para o Ordenamento Nacional, a Diretiva n.º 96/9/CE de 11 de Março.
[14] Mireille Buydens, supra nota 12, p. 336.
[15] A própria linguagem, como qualquer código semiótico (conjunto organizado de signos), é constituído por uma forma de expressão (fonologia) e uma forma de conteúdo (sentido) (Louis Hjelmslev, “Prolegomena to a Theory of Language, trad. Francis J. Whitfield, The University of Wisconsin Press, 1961, p. 58). A linguagem é um “facto” intersubjetivo e, por isso, social e objetivo. Ora, constituindo a linguagem a nossa ligação primordial, senão mesmo originária, de conexão ao “mundo”, estamos, assim, inevitavelmente condicionados a uma mediatização da experiência por uma “linguagem herdada” (cf. Jacques Derrida, “A Voz e o Fenómeno, Introdução ao problema do signo na fenomenologia de Husserl”, trad. Lucy Magalhães, Jorge Zahar Editor, 1994, p. 14).
[16] Opinião do Advogado Geral, Cofemel, n.º 29.
[17] A língua inglesa porventura surpreenderá melhor esta relação do autor com a obra, através do uso do apóstrofo “the author’s own…”.
[18] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, Almedina, 2014, p. 91 e 92.
[19] Secção 55 do respetivo Copyright Act: https://www.finlex.fi/en/laki/kaannokset/1961/en19610404_20150608.pdf.
Sobre esta entidade, vejam-se também Secções 18 a 23 do respetivo Copyright Decree: https://www.finlex.fi/en/laki/kaannokset/1995/en19950574_20081004.pdf
Documentos acedidos em 19-01-2024.
[20] Apesar do tribunal a quo ter concluído, em sede de direito, que os candeeiros Secto não tratavam de criações intelectuais à luz do direito de autor, o termo “criação” está repetidamente presente nos factos provados da sentença recorrida (veja-se factos provados n.ºs 2, 3, 4, 9, 17). O uso deste termo deverá, pois, ser interpretado no sentido de ser o desenhador dos candeeiros.
[21] Supra nota 2.
[22] Mireille Buydens, supra nota 12, p. 118 e ss..
[23] Para uma introdução a estes conceitos: https://plato.stanford.edu/entries/types-tokens/ (acedido em 19-01-2024).
[24] Sobre o conceito de domínio público e os seus diversos sentidos, veja-se, Mireille Buydens, supra nota 12, p. 439 e ss.
[25] Neste sentido, Oliveira Ascensão, supra nota 3, p. 80.
[26] Ibidem.
[27] Oliveira Ascensão, idem, p. 351-353.
[28] António Santos Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, Almedina, 3.ª ed., 2023, p. 828.
[29] Neste sentido, e ao abrigo da mesma legislação da União, André Lucas, Henri-Jacques Lucas e Agnès Lucas Schoetter, “Traité de la proprieté littéraire et artistique”, LexisNexis, 4.ª ed., 2012, p. 922.
[30] Cf. André Lucas, Henri-Jacques Lucas e Agnès Lucas Schoetter, idem, p. 921.