Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2227/22.5YLPRT.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: PED
OPOSIÇÃO
VALOR DA CAUÇÃO
PROVA DA PRESTAÇÃO DA CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.–No âmbito do procedimento especial de despejo no âmbito da oposição e por força do previsto no nº 3 do artigo 15º F do NRAU, a caução só é devida se o credor manifestar nos autos a sua vontade em receber os valores de rendas, encargos ou despesas em atraso, isto é, se tiver recorrido à faculdade prevista no artigo 15º nº 5 do NRAU.

II.–Nestes casos o valor da caução corresponderá aos valores em dívida, ou ao valor peticionado pela Autora, sendo tal pagamento, a par do pagamento da taxa de justiça, requisitos ou condições necessárias da admissibilidade da oposição ao despejo.

III.–Não cumpre tal desiderato a ré que ao invés de comprovar o pagamento, indica apenas que protesta juntar o comprovativo do mesmo, dizendo em sede de recurso que tal possibilidade lhe assistiria até ao início da audiência de julgamento.


(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO:


C…, Lda., identificada nos autos, intentou junto do balcão nacional de arrendamento o presente procedimento especial de despejo contra F…, Lda., com os sinais dos autos, pedindo que seja ordenada à Requerida a entrega imediata do imóvel, que seja a Requerida condenada ao pagamento total de € 4.500,00, correspondente à renda em dívida relativa ao mês de novembro, bem como a indemnização legal devida pela permanência no imóvel, durante o mês de Dezembro, ao que acrescerão as rendas e indemnização vincendas até efectiva entrega do locado, bem como os respectivos juros de mora do valor da renda em dívida, calculados à taxa civil supletiva em vigor de 4%, nos termos conjugados do art. 559º do CC e portaria n.º 291/03, de 08-04, que na presente data totalizam o montante de €13,48.

Alega, em suma, que é proprietária do imóvel correspondente à fração autónoma identificada pela letra C, correspondente à loja, com os números de polícia 123 e 125, da Rua …, em Lisboa, sendo a ré arrendatária do referido imóvel, em virtude de contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado no passado dia 31.01.2022, celebrado pelo prazo de 5 anos, com início a 01.02.2022 e termo a 31.01.2027, não renováveis. Nos termos do contrato de arrendamento a renda acordada é de € 1.500,00 mensais, sujeita às actualizações legais anuais. Em 21.06.2022, a A. adquiriu o imóvel por meio de contrato de compra e venda, a Requerida não procedeu ao pontual pagamento das rendas, respeitantes aos meses de agosto, setembro, outubro, e novembro, que se venceram, respectivamente, nos dias 30.06.2022, 31.07.2022, 31.08.2022 e 30.09.2022, no valor total de € 6.000,00. Face à falta de pagamento reiterado das rendas, a Requerente, procedeu à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, o que fez por meio de carta registada com aviso de recepção, remetida à Requerida no dia 07.10.2022 e por esta recebida a 10.10.2022, através da qual comunicou à Requerida a resolução do Contrato de Arrendamento. Após a recepção da comunicação de resolução do arrendamento, a Requerida não pôs fim à mora, ou seja, não procedeu ao pagamento à Requerente, no prazo de 1 mês do montante de € 7.200,00, correspondente ao valor das rendas em mora acrescido da indemnização de 20% do montante em dívida. A Requerida procurando “ludibriar” a ora Requerente, uma vez recebida a carta de resolução do contrato de arrendamento, procedeu a um pagamento parcial correspondente a apenas três rendas (relativas a Agosto, setembro e outubro de 2022), em data que não se pode precisar, porém, para a conta bancária da anterior proprietária do imóvel, valor que a ora Requerente apenas veio a receber, por transferência realizada pela anterior proprietária para a sua conta bancária, no dia 03.11.3022. Tendo permanecido em dívida, o montante de € 2.700,00, correspondente à renda relativa ao mês de novembro que se havia vencido a 30.09.2022, bem como a indemnização.

A requerida veio deduzir oposição invocando por um lado, o desconhecimento da venda do imóvel feita à Autora e, logo, a sua qualidade de senhoria, por outro lado, invocou o pagamento das rendas à anterior senhoria, pelo que não poderia proceder ao pagamento à Autora por desconhecimento da mesma e do seu IBAN. Apresentou prova testemunhal, bem como uma alegada carta enviada à A., datada de 10/10/2022, em resposta à carta da A. de resolução do contrato de arrendamento enviada pela A., na qual alude ao desconhecimento da venda do imóvel arrendado, bem como invocando que efectuou o pagamento das rendas à anterior senhoria.

A A. respondeu à oposição dizendo que a mesma não deve ser considerar face à ausência de pagamento da caução, bem como a falta de pagamento da taxa de justiça devida, reservando-se ainda o direito de responder ao demais alegado na oposição.

Face à oposição e recebido o procedimento especial de despejo no Tribunal foi proferido o seguinte despacho:Tendo em consideração o disposto no art. 15º F, nº 3 e 4 da Lei nº 6/2006 de 27.02, notifique a Requerida para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos o comprovativo do pagamento das rendas referentes aos meses de Agosto a Novembro de 2022, conforme por si indicado no documento junto com a oposição.”.

Em resposta veio a ré juntar um documento que alegadamente comprova a transferência no valor de 3.375,00 que diz corresponder ao pagamento da renda dos meses de Agosto, Setembro e Outubro e que protesta juntar o comprovativo do pagamento relativo aos meses de Novembro e Dezembro. Tal requerimento deu entrada a 20.02.2023, sendo uma mera cópia/impressão de um movimento bancário datado de 10.10.2022, no valor de €3.375,00 com a descrição “TRF.IPS P/RENDA PR”, sem qualquer referência ao emitente ou destinatário do alegado movimento.

A A. respondeu dizendo que o documento não comprova o pagamento devido à A. nem o valor corresponde ao devido, impugnando a veracidade do documento, mais dizendo que não comprovou o pagamento do valor da renda de Novembro. Também alega reiterando a ausência de pagamento de caução, bem como o pagamento da taxa de justiça devida, pois entende que ao invés da taxa de justiça paga de € 204,00 é devido o valor de €612,00. Requer, assim, que seja a Ré notificada para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, com o acréscimo de multa de igual montante, nos termos e para efeitos do disposto no art. 570.º, n.º 3 do CPC.

De seguida foi proferido o seguinte despacho: «Nos presentes autos de procedimento especial de despejo que C…LDA intentou contra F…, LDA veio a requerida apresentar oposição sem que tivesse comprovado o pagamento da caução e tendo efetuado o pagamento de taxa de justiça, no valor de € 204,00.
Por outro lado e, na sequência do despacho datado de 06.02.2023, a requerida não veio comprovar o pagamento das rendas que invocou ter efectuado.
Vejamos.
O pagamento da taxa de justiça devido pela dedução da oposição corresponde a € 612, atendendo ao valor da ação e à Tabela II do Regulamento da Custas Processuais, conforme resulta do disposto no art. 22º, nº2 do Decreto-Lei nº 1/2013 de 07.01.
Porém, não tendo a requerida procedido à junção do comprovativo da caução, nem das rendas que alega ter efectuado, entende-se ser inútil a sua notificação para juntar aos autos o comprovativo do pagamento da diferença da taxa de justiça devida.
Nestes termos e com estes fundamentos, não se admite a oposição apresentada pela requerida, nos termos do disposto no art. 15º-F, nº4 e nº5 da Lei nº 6/2006 de 27/02.
Fixa-se o valor da ação em € 46.500,00 (art. 26º do Decreto - Lei nº1/2013 de 07.01)
Custas incidentais a cargo da requerida, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique, comunicando-se ainda esta decisão ao Balcão Nacional do Arrendamento.».

Inconformada veio a ré recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1.–Lê-se na douta sentença em crise: “Porém, não tendo a requerida procedido à junção de comprovativo da caução, nem das rendas que alega ter efectuado, entende-se ser inútil a sua notificação para juntar aos autos o comprovativo do pagamento da diferença de taxa de justiça devida.”
2.–Por meio de requerimento oferecido aos autos no dia 20.02.2023, Referência CITIUS 35134550, e que se encontra junto aos autos via CITIUS, a requerida ora recorrente, veio pronunciar-se, no quanto à questão da caução diz respeito.
3.–O polo passivo defende a sua não aplicabilidade sendo este o conceito básico de questão controvertida, que foi devidamente suscitada perante o douto Tribunal, e sobre a qual, na verdade, não veio a existir qualquer pronúncia de mérito.
4.–Na verdade, estamos assim perante uma clara omissão de pronúncia ou, querendo, perante a clara falta de fundamentação da decisão, sendo que a jusante, o resultado jurídico final é o mesmo: nulidade do acto omitido, com a consequente nulidade de todo o processado subsequente,
5.Outra não pode ser a conclusão, senão a de que estamos perante uma decisão surpresa.
6.“Com efeito na densificação do referido princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança” (vide, neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, pag. 221).
7.Dos dois subprincípios citados é o princípio da tutela da confiança, que adquire especial relevância no caso subjudice.
8.Visa o mesmo salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. (4. Sublinhado nosso.) É a isto que o artº 6° A, 2 a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» – ob. citada, fls. 222.
9.“V - Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.” in Ac. TR de Coimbra,http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e7f82f9be7f375 f080257ac600439451?OpenDocument.
10.De referir ainda que a prolação da decisão recorrida vem perpetrar na ordem jurídica a denegação de justiça por uma questão meramente formal,
11.Foi esta mesma participação efectiva que foi negada à recorrente com o indeferimento promovido pelo douto Tribunal a quo, razão pela qual e de per si, deverá também conduzir à nulidade da sentença proferida, por ter sido promovida decisão surpresa, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, em estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA!
12.Mas mais acresce que, no excerto transcrito da sentença proferida e ora em crise, vem ainda o douto Tribunal alegar que a requerida ora recorrente, não juntou os comprovativos das rendas que liquidou.
13.Ora, uma vez mais, convém recordar este douto Tribunal, que por meio de requerimento oferecido aos autos no dia 20.02.2023, referência CITIUS 35132812, conforme requerimento que se encontra nos autos via CITIUS, veio ser junto aos autos o comprovativo de pagamento de rendas dos meses de Agosto, Setembro e Outubro, mais se tendo ainda protestado juntar, os comprovativos de pagamento das rendas de Novembro e Dezembro.
14.Mais claro é, que foram ainda protestados juntar documentos os quais podiam vir
a ser juntos até ao início da audiência de discussão e julgamento.
15.Mas mais importa ainda considerar que os autos deram entrada na data de 21.12.2023, pelo que nem nunca mesmo considerando os comprovativos de Novembro e Dezembro, seriam suficientes para determinar ou sequer fundamentar a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo pelo que inexiste qualquer fundamento com base em dois comprovativos, atendendo à data de interposição da acção, para justificar ou sequer fundamentar a decisão tomada pelo douto Tribunal.
16.Razão pela qual, nunca poderia ter este douto Tribunal, vindo proferir sentença, com base em duas razões de facto que, conforme supra melhor se deixou alegado e provado, carecem de conexão com a Verdade Material dos Factos.
17.Que não podem deixar de conduzir à nulidade da sentença proferida, por se encontrar a mesma inquinada do vícios supra descritos, importando a declaração de nulidade da mesma, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
18.Nestes termos, respeitosamente se requer a procedência por provada do presente recurso, impondo-se assim a procedência do mesmo, no sentido em que deverá determinar a notificação da requerida para efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, pronunciando-se sobre a questão material controvertida da aplicabilidade ou não da caução aos presentes autos e mais notificando a requerida ora recorrente para vir juntar aos autos os comprovativos de renda que protestou juntar, sob pena de não se verificar preenchido o ónus de prova que recai sobre si recai e,
19.Determinar a ulterior tramitação processual dos presentes autos, com a consequente revogação da decisão proferida, tudo o que respeitosamente se requer para todos os devidos efeitos legais, sem nunca prescindir, que se está perante uma decisão proferida que manifestamente não encerra a Verdade Material dos Factos, omite pronúncia de mérito sobre questões que lhe foram apresentadas e é omissa quanto ao fundamento da decisão proferida.».

A Autora contra alegou, pugnado pelo manutenção da decisão recorrida, mais dizendo que deve ser conferido efeito devolutivo ao recurso.

O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade nos seguintes termos: «Q No requerimento datado de 27.04.2023 (Refª 45422579), bem como nas alegações de recurso apresentadas em 03.05.2023 (Refª 45467126), a requerida arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre omissão de pronúncia ou clara falta de fundamentação da decisão, no que se refere à prestação da caução. Entende assim verifica-se a nulidade do acto omitido, com a consequente nulidade de todo o processado subsequente.
Nas contra-alegações, a requerente pronunciou-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade porquanto a falta de prestação de caução foi apreciada nos termos previstos no n.º 4 do artigo 15º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Apreciando.
Dispõe o art. 615º, nº1, al. d) do CPC que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)” .
No que se refere à prestação de caução, ao contrário do indicado pelo requerido, o tribunal pronunciou-se mas em sentido diverso do pretendido pelo requerido.
Nessa medida, entende-se que não se verifica a invocada nulidade.».

Quanto ao recurso foi o mesmo admitido dizendo-se que “é de apelação, com subida nos próprios, atribuindo-se efeito suspensivo considerando que se trata de uma acção em que se aprecia a subsistência ou cessação do contrato de arrendamento que não se destina a habitação não permanente, nem para fins especiais transitórios (arts. 627º, 629º, nº1, nº3, al. a), 631º, nº1, 637º, 638º, nº1 e nº5, 639º, 641º, nº1 e nº5, 644º, nº 1, al. a), 645º, nº1 e 647º, nº3, al. b) do C.P.C.).”.
A A. face ao efeito atribuído requereu a rectificação do despacho, por, no seu entender existir manifesto lapso.

O Tribunal pronunciou-se da seguinte forma: «Considerando a causa de pedir dos presentes autos, bem como os factos alegados na oposição apresentada, entende-se que tem aplicação o disposto no art. 647º, nº3 e 629º, nº3 do CPC, pelo que se indefere à requerida rectificação, sendo certo que o Tribunal Superior poderá sempre corrigir o efeito fixado ao recurso, nos termos do disposto no art. 652º, nº1, al. a) do CPC

Admitido o recurso neste tribunal, com decisão sobre o seu efeito em sentido idêntico ao decidido, e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*

Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

Importa assim, saber se, no caso concreto:
-É de considerar a não admissibilidade da oposição ao procedimento especial de despejo por ausência de pagamento de caução e ainda do comprovativo do pagamento das rendas e indemnização.
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II.FUNDAMENTAÇÃO:

Além dos factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede, haverá ainda que considerar que:
-À acção foi atribuído o valor de 46.500€ e a ré pagou no âmbito da oposição a taxa de justiça no valor de € 204,00.
-A ré juntou um documento de transferência no valor de €3.375,00, sendo uma mera cópia/impressão de um movimento bancário datado de 10.10.2022, com a descrição “TRF.IPS P/RENDA PR”, sem qualquer referência ao emitente ou destinatário;
-Com a oposição a ré não juntou qualquer comprovativo de pagamento, nem de caução, nem de qualquer outro valor, nem foi apresentado qualquer outro pagamento.
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III.O DIREITO:
A questão essencial a decidir prende-se com a questão de saber se face ao regime do procedimento especial de despejo (doravante designado como PED), constante do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na versão da Lei n.º 2/2020, de 31/03, o tribunal estaria apto a considerar não admitir a oposição da ré, com fundamento na ausência de pagamento de caução ou do comprovativo do pagamento das rendas.
Entende a recorrente que no requerimento oferecido aos autos no dia 20.02.2023, veio pronunciar-se, quer quanto à questão da caução, sem que o Tribunal se tenha pronunciado, pelo que assaca à decisão a nulidade por omissão de pronúncia ou, perante a falta de fundamentação da decisão. Conclui ainda pela existência de uma decisão surpresa, com a consequente nulidade, discorrendo sobre o princípio da boa-fé, bem como as suas sub-espécies relativas ao princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança, concluindo que a prolação da decisão recorrida vem perpetrar na ordem jurídica a denegação de justiça por uma questão meramente formal.
Refere ainda que no mesmo requerimento de 20.02.2023, juntou aos autos o comprovativo de pagamento de rendas dos meses de Agosto, Setembro e Outubro, dizendo ainda que havia protestado juntar os comprovativos de pagamento das rendas de Novembro e Dezembro, os quais podiam vir a ser juntos até ao início da audiência de discussão e julgamento, nem a ausência destes poderiam justificar a decisão tomada pelo Tribunal. Acaba por concluir pela procedência do recurso, devendo determinar a notificação da requerida para efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, pronunciando-se sobre a questão material controvertida da aplicabilidade ou não da caução aos presentes autos e mais notificando a requerida ora recorrente para vir juntar aos autos os comprovativos de renda que protestou juntar.

Decidindo.

Nos termos do art.º 15.º do NRAU estabelece-se que:1-O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.” E, de acordo com o n.º 2 dessa norma e para o que aqui interessa:
2-Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento: (…)
e)-Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra”.
Prevê ainda o n.º 5 do mesmo artigo que “Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.” Finalmente, dispõem os n.ºs 7 e 8 do mesmo preceito que:“7- Sempre que os autos sejam distribuídos, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas e, independentemente de ter sido requerida, sobre a autorização de entrada no domicílio.
8-As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.”

O artigo 15º-B regula a apresentação, forma e conteúdo do requerimento de despejo nos seguintes termos:
1-O requerimento de despejo é apresentado, em modelo próprio, no BNA.
2-No requerimento deve o requerente:
a)-Identificar as partes, indicando os seus nomes e domicílios, bem como os respetivos números de identificação civil;
b)-Indicar o seu endereço de correio eletrónico se pretender receber comunicações por meios eletrónicos;
c)-Indicar o tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição;
d)-Indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, o qual, na falta de domicílio convencionado por escrito, deve ser o local arrendado;
e)-Indicar o fundamento do despejo e juntar os documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º;
f)-Indicar o valor da renda;
g)-Formular o pedido e, no caso de pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, discriminar o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;
h)-Juntar comprovativo do pagamento do imposto do selo ou comprovativo da liquidação do IRS ou do IRC relativo aos últimos quatro anos e do qual constem as rendas relativas ao locado, salvo se o contrato for mais recente;
i)-Indicar que pretende proceder ao pagamento da taxa devida ou, sendo o caso, indicar a modalidade de apoio judiciário concedido, bem como juntar documento comprovativo da respetiva concessão, sem prejuízo do disposto no n.º 7;
j)-Designar o agente de execução ou o notário competente para proceder à desocupação do locado;
k)- Designar agente de execução para proceder à execução para pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, nos casos em que seja designado notário para proceder à desocupação do locado ou este venha a ser competente;
l)-Assinar o requerimento.(…)”.

Em termos de tramitação recebido o requerimento e notificado o requerido, este pode deduzir oposição à pretensão do requerente tal como prevê o artigo 15.º-F:
1-O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2-A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
3-Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4-Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
5-A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.”.

O Tribunal da 1ª instância ao receber o procedimento optou por notificar o réu no sentido de o mesmo juntar aos autos o comprovativo do pagamento das rendas de Agosto a Novembro de 2022, fê-lo conjugando tal notificação com a menção do artº 15º F nº 3 e 4.
Com efeito, e o réu não pode desconhecer, dada a oposição se encontrar subscrita por mandatário judicial, que resulta da lei e dos preceitos invocados no próprio despacho que o Tribunal o notificou nos termos e para os efeitos do preceito supra transcrito. Logo, sempre estaria subjacente a tal despacho o comprovativo do pagamento em falta, não podendo a recorrente vir agora enunciar que tal possibilidade não lhe foi facultada.

Como resulta do decidido no Acórdão desta Relação e secção, de 15/09/2022 (proc. nº548/22.6YLPRT.L1-6) ainda que reportada ao pagamento da taxa de justiça, a qual também estaria em causa, mas não constitui objecto da decisão, por ter sido considerado prejudicada, mas plenamente aplicável à questão da caução relativa aos rendas devidas:«(…) o carácter urgente e especial do PED não impede que se apreciem os pressupostos processuais de que depende o conhecimento do mérito do procedimento; nem impede que, perante qualquer questão, nulidade ou excepção dilatória susceptível de sanação se imponha ao Juiz que providencie pela regularização dos autos.
Não só este dever se impõe por óbvias exigências de prevalência de justiça material sobre a formal no caso concreto, como se impõe pela aplicação do princípio da igualdade das partes, pois há que não esquecer que no art.º 15.º-C do NRAU, que dispõe sobre os fundamentos da recusa do requerimento inicial - entre os quais se conta a alínea d) do n.º 1: “Não estiver indicada a modalidade de apoio judiciário requerida ou concedida, bem como se não estiver junto o documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário; (…)” – se confere, como resulta do seu n.º 2, a possibilidade ao requerente de “Nos casos em que haja recusa, o requerente pode apresentar outro requerimento no prazo de 10 dias subsequentes à notificação daquela, considerando-se o procedimento iniciado na data em que teve lugar o pagamento da taxa devida pela apresentação do primeiro requerimento ou a junção do documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.”
Desta forma, perante a omissão por parte do requerido da junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça deveria ser dada à parte a possibilidade de fazer a sua junção aos autos e apenas caso não se mostre comprovado o pagamento oportuno desse pagamento deverá ser desatendida a oposição.

Neste sentido pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2018, Proc. n.º 1394/16.1YLPRT.L1.S1, igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Deduzida oposição ao requerimento de despejo, dá-se, então, início à fase contenciosa, que, no dizer de Rui Pinto [In “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 1191], é “uma fase declarativa pura perante um juiz” e que constitui um processo declarativo especial, pelo que, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, são-lhe aplicáveis, em tudo o que não esteja especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil.

Assim, recebidos os autos, o juiz deve, nos termos do art. 15º-H, nº 3 do NRAU, proferir despacho liminar, decidindo as exceções dilatórias ou nulidades que lhe cumpra conhecer oficiosamente, podendo (devendo), de harmonia com o disposto no nº 2 deste mesmo artigo, convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório.

Mas, previamente, a tudo isto impõe-se ao juiz, de harmonia com o disposto no art. 9º, nº 2 (O qual estabelece que «Compete exclusivamente ao tribunal, para o qual o BNA remete o processo após a apresentação da oposição, a análise dos requisitos da oposição, nomeadamente os previstos no n.º 4 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro».) do DL nº 1/2013, de 07.01, verificar, tal como impõe o art. 15º-F, nº 3 do NRAU, se o inquilino, entregou, juntamente com a dedução da oposição:
i)-documento comprovativo  do pagamento  da taxa de justiça devida  ou de concessão de apoio judiciário ou de que está pendente pedido de concessão do benefício do apoio judiciário;
ii)-e, ainda, nos casos em que esteja  em causa a resolução de um contrato de arrendamento com fundamento no nº 3 ou no nº 4, ambos do art. 1083º do C. Civil, documento comprovativo do pagamento de uma caução  no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
E, na falta destes documentos, deve o juiz, em conformidade com o estabelecido no art. 6º, nº 1 do CPC, convidar o inquilino a proceder à respetiva junção.”.
Ora, é que aqui que se situa a notificação operada pelo despacho, e este está balizado quer com a alegação constante da oposição, mas igualmente com o pedido nos autos pela Autora. Pois no que concerne ao pagamento da caução, regulada nos termos do  art.º 10º, n.º 1 da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, que Regulamenta vários aspetos do Procedimento Especial de Despejo, sendo que quando se prevê tal pagamento a ser  apresentado juntamente com a oposição, tal não pode ser interpretado no sentido de ser imediatamente junto.

Acresce que tal pagamento no caso dos autos deveria ter sido comprovado, pois sufragamos o entendimento constante do Acórdão desta Relação  e secção, de 12/5/2022, (Proc. n.º 1395/21.8YLPRT.L1-6, in www.dgsi.pt) ao dizer que: “ (…) para o tribunal de primeiro grau, se o nº 3 do artigo 1083º se liga com a falta de pagamento de rendas, já o nº 4 se refere à ocorrência repetida de mora, sem implicar com a existência efectiva de rendas em dívida, pelo que, se bem interpretamos, ao legislador seria indiferente, como pressuposto da necessidade de prestação de caução, que existissem rendas em dívida ou não.

Se seguirmos por esta interpretação, se extrairmos as suas consequências, então a caução não serve, segundo a perspectiva do legislador, a garantir o pagamento de coisa nenhuma, tornando-se num ónus adicional de desfavor para o inquilino no acesso à justiça para se defender da pretensão de despejo formulada pelo senhorio, que trata de retirar do mercado de arrendamento com a maior brevidade todo o inquilino que não seja claramente pobre, assim agilizando o mercado a favor – perdoe-se a simplicidade da explicação – do capital estrangeiro, segundo o que foi a lógica das imposições resultantes do Memorando de Entendimento de Maio de 2011, das quais resultou a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, e no seu desenvolvimento, o DL nº 1/2013 de 7 de Janeiro.

Porém, neste sentido de (que a caução representa um) ónus duro e largo imposto, em última instância, pelos credores internacionais, então não faz sentido que o legislador consequente às imposições a não tivesse previsto como condição de admissibilidade da oposição para qualquer que fosse o fundamento pelo qual o despejo fosse pedido pelo senhorio, imaginemos por exemplo o caso previsto no nº 2 al. b) do artigo 1083º do Código Civil, acima transcrito.

Ora, o grande ponto, base ou fundamento do capitalismo moderno e até ao que se tinha visto na época, é a circulação de capital, e que o mesmo não fique improdutivo ou estagnado sob, para o que aqui nos importa, o peso de estruturas de defesa formais, seja o funcionamento da justiça. Em termos muito simples, que o capital investido em imobiliário para arrendamento não fique sem reprodução por causa dum inquilino que não tem dinheiro para pagar as rendas (ou que é sistemático pagador atrasado) e que ainda consegue arrastar, por razões formais e junto dos tribunais, a sua ocupação do locado, impedindo o mesmo de ser recolocado no mercado de arrendamento.

A partir desta lógica, torna-se claro que o propósito não era, nem havia necessidade que fosse, o da colocação permanente do inquilino relativamente ao qual houvesse qualquer motivo que fosse para o despejar, numa posição francamente desfavorável, na comparação com o senhorio, no acesso à justiça e ao direito de se defender. Claramente desfavorável porque é sabido que na mesma época histórica a fasquia de infortúnio qualificativo para apoio judiciário baixou, e em consequência, como lhe chamámos antes, todos os inquilinos não manifestamente pobres estariam então onerados com o pagamento de seis meses de renda para se defenderem dum despejo que lhes fosse pedido, qualquer que fosse o fundamento, voltamos a dizer. Situação que como é manifesto, seria completamente contrária à igualdade e à proporcionalidade previstas na Constituição.

Por esta razão, mesmo historicamente e teleologicamente (do contexto do passado para explicar o que se quis para o futuro) fica claro que a necessidade de prestação de caução está relacionada exclusivamente com a questão das dívidas do inquilino ao senhorio, e neste sentido retoma proporcionalidade do meio visado para obtenção do resultado e não fere a igualdade.

Por outro lado, chegamos a este mesmo afunilamento (de que a prestação de caução está relacionada com a existência de dívida) quando sabemos, ou temos de presumir, que o legislador sabe usar a melhor linguagem e que não desconhece o sentido jurídico das palavras, estranho sendo o uso da palavra “caução” quando com ela não se quis referir uma garantia de pagamento.

No mesmo sentido ajuda pensar nas palavras literalmente usadas: “nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas”.(…)

Quer isto dizer que, se bem interpretamos o nº 3 do artigo 15º F do NRAU, a caução só é devida se o credor manifestar nos autos de procedimento especial de despejo a sua vontade em receber os valores de rendas, encargos ou despesas em atraso, isto é, se tiver recorrido à faculdade prevista no artigo 15º nº 5 do NRAU.”

Resulta do art.º 15º-B do NRAU, n.º 2, g) que o requerente deve, no requerimento para despejo, “Formular o pedido e, no caso de pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, discriminar o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas; (…)”. Ou seja, é permitido ao requerente cumular o pedido de despejo e entrega do locado com o de condenação no pagamento das rendas em dívida.
Donde, é para acautelar este pedido que deve entender-se que a Lei exige a prestação de caução pelo requerido, deduzida a oposição.
No caso dos autos a Autora juntamente com o despejo ou a condenação da Requerida na entrega imediata do imóvel, pede ainda que seja a Requerida condenada ao pagamento total de € 4.500,00, correspondente à renda em dívida relativa ao mês de novembro, bem como a indemnização legal devida pela permanência no imóvel, durante o mês de Dezembro, ao que acrescerão as rendas e indemnização vincendas até efectiva entrega do locado, bem como os respectivos juros de mora do valor da renda.
Não deixa de transparecer na notificação efectuada à ré que se visava a prova do pagamento das rendas, sendo que relativamente às peticionadas pela A. teria necessariamente de resultar comprovado o seu pagamento a título de caução, pois só assim teria fundamento a invocação no mesmo despacho do artº 15º F nº 3 e 4, ou seja, quer a exigência de  comprovativo do pagamento das rendas, ainda que pudesse ser a título de caução (cf. nº 3), mas igualmente a consideração que a ausência de tal cumprimento determinaria não ser considerada a oposição (cf. o nº 4).
Logo, não temos dúvidas em considerar que este pagamento deve ser feito pela requerida independentemente de qualquer apreciação do mérito da causa; ou seja, não colhe o argumento da Recorrente de que, alegando esta na sua oposição o pagamento das rendas de Agosto a Outubro de 2022, juntando um documento que alega provar o mesmo, a indicação que protesta juntar o comprovativo do pagamento das rendas de Novembro e Dezembro, dizendo neste recurso que o fará na audiência final, determina o incumprimento do despacho que determinou a sua notificação para comprovar tal pagamento nos termos e para os efeitos do artº 15º F nº 3 e 4.
Na verdade, o pedido de pagamento das rendas formulado na acção já não se reportava às indicadas como tendo sido pagas pela ré, pois neste âmbito a A. já havia alegado que a ré, uma vez recebida a carta de resolução do contrato de arrendamento, procedeu a um pagamento parcial correspondente a apenas três rendas (relativas a Agosto, setembro e outubro de 2022), em data que não se pode precisar, porém, para a conta bancária da anterior proprietária do imóvel, valor que a ora Requerente apenas veio a receber, por transferência realizada pela anterior proprietária para a sua conta bancária, no dia 03.11.3022. Porém, alegou, peticionando em conformidade, que permaneceu em dívida, o montante de € 2.700,00, correspondente à renda relativa ao mês de novembro que se havia vencido a 30.09.2022, bem como a indemnização, e, entretanto, a que se venceu em Dezembro. O pedido da A. quanto ao pagamento das rendas molda-se por esta alegação e o correspondente pedido, pelo que a condição de prosseguimento e admissibilidade da oposição prendia-se com este, não podendo a recorrente vir agora dizer que desconhecia tal, dado que foi notificada tendo por base o artº 15º F nº 3 e 4, nos termos supra referidos. 
Não cumpriu manifestamente a recorrente a exigência prevista para que se considere a oposição, pois claramente o pedido da Autora era igualmente do pagamento de tais rendas, pelo que sempre a ré para que pudesse ser considerada a sua oposição teria de fazer prova de tal pagamento, pois este era liminarmente exigido.
Tal como se alude no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 6/12/2018 proferido (no Proc. n.º 1394/16.1YLPRT.L1.S1, in endereço da net aludido)I.-No procedimento especial de despejo com fundamento nos nºs 3 ou 4 do artigo 1083º do Código Civil, quer o pagamento da taxa de justiça, quer o pagamento da caução exigidos pelo artigo 15º-F, nº 3 do NRAU, são requisitos ou condições necessárias da admissibilidade da oposição ao despejo, revestindo a natureza de pressupostos processuais, cuja falta impede o juiz de conhecer do mérito da oposição e determina, de acordo com o estabelecidos nos nºs 4 e 5 do citado artigo 15º-F, a sua desconsideração, ou seja, que se tenha a oposição por não deduzida. II.-No procedimento especial de despejo, a averiguação da admissibilidade da oposição deduzida pelo arrendatário é necessariamente prévia ao conhecimento dos respectivos fundamentos, estando o tribunal impedido de conhecer dos fundamentos da oposição e de proferir decisão de mérito se e enquanto, na análise da sua admissibilidade, não se concluir pela existência dos referidos pressupostos processuais, ou seja, pelo pagamento da taxa de justiça e da caução devida.”.

Donde, tal determina a inexistência de nulidade por omissão de pronúncia, pois o Tribunal em obediência aos preceitos referidos procedeu à notificação da ré para comprovar o pagamento das rendas, sendo que a invocação do preceito aplicável não deixa de ter o significado do que tal pagamento poderia significar, quer o comprovativo do pagamento das rendas nos termos alegados (ainda que quanto às relativas a Agosto a Outubro a Autora admitiu e aludiu ao mesmo logo no requerimento inicial), bem como o pagamento a título de caução das correspondentes ao pedido de pagamento formulado nos autos. Por outro lado, a convocação do nº 4 do artº 15ºF não pode deixar de significar que tal falta de cumprimento do ordenado teria como consequência que a oposição se tivesse por não deduzida. Logo, a resposta da ré ao indicar que protestava juntar tal pagamento não cumpre o exigido em termos processuais no âmbito do procedimemto de despejo a que a Autora lançou mão, cumprindo esta os seus pressupostos e tramites processuais, sendo igualmente exigido à ré o cumprimento dos que advém da lei, mormente o pagamento das rendas devidas, nem que o fosse a título de caução, bem como a taxa de justiça  correspondente.

Soçobra assim, o alegado pela recorrente quanto à nulidade da decisão, pois o Tribunal na decisão recorrida tirou as consequencias jurídicas da ausência de cumprimento pela ré do anteriormente ordenado, não existindo  esse cumprimento com a mera intenção de “protestar juntar”, nomeadamente como agora pretende arguir, na audiência final, pois esse pagamento constitui condição de admissibilidade da oposição.
Claramente também não se verifica a nulidade por excesso de pronúncia, consubstanciada na alegada decisão surpresa.

Na verdade, como se expõe no Acórdão do STJ de 12/07/2018 ( proc. nº 177/15.0T8CPV-A.P1.S1): «A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam de decisões que já eram esperadas.
A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspectivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.».
O legislador no âmbito do actual Código de Processo Civil veio a adoptar uma concepção do princípio do contraditório mais lata, devendo doravante o respeito pela contraditoriedade passar por uma “garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

Como defende Lebre de Freitas (in “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, páginas 95/96) “O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”

Como se alude no Acórdão desta Relação e secção, datado de 6/7/2023 (proc. nº 248/19.4T8FNC.L1-6, in www.dgsi.pt):”(...) a mesma doutrina, cedo passou também a considerar que , e utilizando uma expressão muito popular na nossa língua, importava não passar do 8 para o 80, que o mesmo é dizer, não cair em excessos e ou exageros [prática e/ou vício de resto bem “português”, mormente em sede de interpretações da lei após alterações introduzidas pelo legislador em direito adjectivo].

É assim que, v.g. para Othmar Jauernig (In “Direito Processual Civil,” Almedina,2002, página 169), o tribunal “não é obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico”. Tal já era o entendimento do STJ (Acórdão do STJ de 4/6/2009, in Proc. nº 09B0523, endereço da net a que se vem fazendo referência) “ a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”, sendo que, se é certo que o 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, o mesmo dispositivo é assertivo em ressalvar os casos em que a obrigatoriedade de ouvir as partes é manifestamente  desnecessária.
Volvendo ao caso dos autos, a ré foi notificada para dar cumprimento ao previsto no artº 15º F nº 3 e 4, porém e, não obstante o aludido, o despacho não deixa de ser equivoco, pois não faz menção ao pagamento nem da caução, nem da taxa de justiça (dado que a paga pela ré não corresponde ao valor devido).

É certo que a ré optou por não efectuar tal pagamento, limitando-se a afirmar um “protesto juntar”, tendo junto um alegado comprovativo de pagamento, mas de rendas que a própria Autora admitiu estarem pagas, não sendo de aferir nesta sede se tal pagamento foi ou não liberatório ou se as mesmas fazem ou não cessar o direito à resolução do contrato de arrendamento, tal será apreciado admitida que seja a oposição.

Com efeito, e ainda que o despacho faça alusão aos preceitos aplicáveis, a notificação não deixa de ser apenas do seguinte teor:notifique a Requerida para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos o comprovativo do pagamento das rendas referentes aos meses de Agosto a Novembro de 2022, conforme por si indicado no documento junto com a oposição”.

Ora, manifestamente por aplicação do artº 15º F no seu nº 3 e 4 não estará em causa o comprovativo do pagamento das rendas que o réu alega ter pago, mas sim a prestação da caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso e efectivamente pedido nos autos pela Autora, bem como, neste caso, da taxa de justiça devida. A decisão não enferma de nulidade por excesso de pronuncia, nomeadamente por não ser “surpresa”, no entanto, já não nos parece acertada face à forma como ocorreu e os pressuposto que presidiram à mesma.
Com efeito, ainda que a remissão para os preceitos aplicáveis seja inequívoca quanto ao que se pretendia, já não nos parece, porém, que a consequência seja desde logo de inadmissibilidade da oposição.
Neste ponto haverá que trazer à colação o defendido no Acórdão desta Relação de 23/11/2023 (proc. nº 1182/22.6YLPRT.L1-6, endereço da net aludido), no qual se decidiu que por recurso à figura da interpretação conforme à Constituição e, adequando o regime legal à configuração do direito de contraditório, de forma a assegurar o tratamento equitativo das partes e a efectividade da tutela jurisdicional, haverá que facultar ao requerido, em caso de incumprimento do dever expresso no art.º 15º-F, nº3 do NRAU, no que concerne ao depósito da caução aí prevista, a possibilidade de sanar essa falta, mediante realização ulterior desse mesmo depósito, acrescido de multa, nos termos previstos no art.º 570º do Código de Processo Civil.

É certo que neste caso, a notificação foi feita para que tal comprovativo de pagamento fosse apresentado, optando a ré por não juntar o mesmo, não desconhecendo a aplicação da cominação que tal ausência originaria, sendo que a possibilidade de juntar tal pagamento não ocorre quando lhe aprouver, inclusive apenas em sede de audiência final, ou seja, sem sequer considerar que tal pagamento visa tornar válida a sua oposição. Porém, a notificação não se pronuncia quanto à caução, nem sequer quanto ao valor da taxa de justiça, quando esta questão já havia sido inclusive suscitada pela requerente.

Donde, na ausência de pagamento do valor devido a título de caução, ou seja, o correspondente ao pedido da Autora, como vimos, o Tribunal não pode entender que seria logo de não admitir a oposição. Com efeito, haveria a ré que ser notificada expressamente quer da exigência de pagamento da caução devida, e não apenas do comprovativo do pagamento que alegou ter feito, mas cujo valor das rendas nem sequer foi peticionado, bem como o pagamento da taxa de justiça. Pois, face a tal haverá que considerar que o réu não procedeu ao pagamento do valor da taxa de justiça devido, pelo que não ficando tal apreciação prejudicada, haverá ainda que tirar as consequências de tal omissão. O pagamento da taxa de justiça devido pela dedução da oposição corresponde a € 612, atendendo ao valor da acção e à Tabela II do Regulamento da Custas Processuais, conforme resulta do disposto no art. 22º, nº2 do Decreto-Lei nº 1/2013 de 07.01, sendo que o réu apenas pagou o valor de 204€.

Nos termos do artº 145º nº 2 do Código de Processo Civil a falta de junção do comprovativo do pagamento de taxa de justiça inferior ao devido, nos termos do RCP, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante. Pelo que neste caso também no que concerne ao pagamento da taxa de justiça o réu terá de ser notificado nos termos e para os efeitos do artº 570º nº 3 do Código de Processo Civil. Deste modo, tendo por base a decisão desta Relação supra aludida, bem como o carácter equívoco da notificação anteriormente realizada, haverá que revogar a decisão, sendo a mesma substituída por outra que determine a notificação do réu para pagar o valor da caução devida (tendo por molde o pedido da Autora), acrescido de multa por aplicação do artº 570º nº 3, bem como igualmente a notificação do mesmo a pagar o valor da taxa de justiça aplicável aos autos, com o acréscimo de multa de igual montante (cf. artº 570º nº 3 e 14º nº 3 do RCP).
*

IV.–DECISÃO:

Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra, no sentido de conceder ao requerido o prazo de 10 dias para que proceda ao pagamento da caução devida, acrescida de multa de 5 UC’s, bem como ao pagamento da taxa de justiça (612€) acrescida de multa de igual valor, de forma a obviar à cominação prevista no nº 4 do art. 15º-F do NRAU e, logo, não ser admitida a oposição apresentada.
Custas da apelação pelo apelado.
Registe e notifique.


Lisboa,25 de Janeiro de 2024



Gabriela de Fátima Marques
Octávia Viegas
João Manuel Brasão